Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Um Diário e
muita fome de
escrever
NOTA DOS EDITORES
Esta edição respeita fielmente a linguagem
da autora que muitas vezes contraria a
gramática, mas que por isso mesmo traduz
com realismo a forma de o povo enxergar e
expressar seu mundo.
- 14/03/1914 – 13/02/1977
- Semianalfabeta – cursou o segundo ano da
escola primária – Sacramento, Minas
Gerais.
- Catadora – papel, papelão, metal e
etc...
- Registro Geral 845.936
Carolina
tinha mais
de 20
cadernos
Quarto de
Despejo:
Diário de uma
favelada
...Aqui na
favela quase
todos lutam com
dificuldades
para viver. Mas
quem manifesta o
que sofre é só
eu. Eu faço isto
em prol dos
outros.
Quando estou na cidade tenho a impressão que
estou na sala de visita com seus lustres de
cristais, seus tapetes de viludos, almofadas
de sitim. E quando estou na favela tenho a
impressão que sou um objeto fora de uso,
digno de estar num quarto de despejo.
... Eu classifico São Paulo assim: O Palacio,
é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de
jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o
quintal aonde jogam os lixos.
Audálio Dantas
- Jornalista – foi
elaborar uma
reportagem sobre a
favela do Canindé
na beira do rio
Tietê;
- Encontrou a negra
Carolina e se
surpreendeu com a
escrita dela;
- Organizou os mais
de 20 cadernos;
- Livro - 1960
João José –
café puro
Carolina -
Mingau de aveia
José Carlos
– leite
Vera Eunice branco
– mingau de
farinha de
trigo
torrada
p.19
É preciso conhecer a fome para
saber descrevê-la.
Dialética da fome
19 DE JUNHO [...] Vou escrever um livro
referente a favela. Hei de citar tudo que aqui
se passa. E tudo que vocês me fazem. Eu quero
escrever o livro, e vocês com estas cenas
desagradaveis me fornecem os argumentos. (p. 17)
Gosto de manusear um
livro. Livro é a melhor
invenção do homem.
Foi capaz de
transmitir ao mundo
o drama dos pobres
e humildes que,
como ela, sofreram
em decorrência das
miseráveis
condições de vida
que boa parte da
população enfrenta
de norte a sul do
Brasil.
- Se eu pudesse mudar desta favela!
Tenho a impressão que estou no inferno.
Humilhação social
Falta de dignidade
Fome
pobreza
Miséria
racismo
Mãe solteira
São Paulo, dia 1º de outubro de 1992,
8h da manhã
Aqui estou, mais um dia
Sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar com a
cabeça na mira de uma HK
Metralhadora alemã ou de Israel
Estraçalha ladrão que nem papel
Na muralha, em pé, mais um cidadão
José
Servindo o Estado, um PM bom
Passa fome, metido a Charles Bronson
Ele sabe o que eu desejo
Sabe o que eu penso