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DIREÇÃO

SUMÁRIO

CURSO DE CINEMA 1

1. A FUNÇÃO DO DIRETOR 4

2. MÉTODO DE TRABALHO DO DIRETOR 6

3. ELEMENTOS DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA 8

4. FOTOGRAMAS E PLANOS 9

6. A DECUPAGEM CLÁSSICA E A LINGUAGEM TRANSPARENTE 12

7. PASSAGENS E TRANSIÇÕES 13

8. CENA E SEQUÊNCIA 16

9. MOVIMENTOS DE CÂMERA 16

10. ANGULAÇÃO E PONTO DE VISTA 21


11. CÂMERA OBJETIVA E CÂMERA SUBJETIVA 24

12. VELOCIDADES DE FILMAGEM 25

13. COMPOSIÇÃO 25
14. COMPOSIÇÃO COM ELEMENTOS EM MOVIMENTO 27

16. ORGANIZAÇÃO DOS ELEMENTOS NA TELA 27

17. EIXO DE CÂMERA (180 GRAUS) E REGRA DOS 30 GRAUS 29


18. MÉTODOS E ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO 31

19. TÉCNICAS DE DIREÇÃO DE ATORES 32

20. EXPRESSIONISMO 35
21. SURREALISMO 36

22. CONSTRUTIVISMO SOVIÉTICO 37

23. NEO-REALISMO 38

24. NOUVELLE VAGUE 39

25. DOGMA 95 41

26. FOUND FOOTAGE 42

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27. OS PRINCIPAIS GÊNEROS CINEMATOGRÁFICOS E O SISTEMA DE
ESTÚDIOS 43
O FAROESTE/WESTERN 44
O MUSICAL 44
O DRAMA E O MELODRAMA 45
O FILME DE GANGSTER 46
O FILM NOIR 47
O POLICIAL 47
O FILME ÉPICO 48
A FICÇÃO CIENTÍFICA 48
O SUSPENSE OU MISTÉRIO (THRILLER) 49
O TERROR OU HORROR 50
O FILME DE GUERRA 50
O FILME ROMÂNTICO 51
O FILME DE AÇÃO E AVENTURA 51
O CULT MOVIE 52

28. DIRETORES – SEGMENTOS DE MERCADO 53


DIRETOR DE CINEMA – CINEASTA – AUTOR 53
DIRETOR DE TELEVISÃO – DIRETOR DE TV 53
DIRETOR DE PUBLICIDADE – DIRETOR DE CENA 53
DIRETOR DE CORPORATIVOS E INSTITUCIONAIS 53
DIRETOR DE NOVAS MÍDIAS 53
DIRETOR DE DOCUMENTÁRIOS 54

29. MULTIPLICIDADE DAS FORMAS NARRATIVAS 54


30. O CINEMA VISTO POR GRANDES DIRETORES 57
SCORSESE 57
ALMODÓVAR 59
LYNCH 62
BERTOLUCCI 64
CRONENBERG 67
VON TRIER 69
WOO 70
GODARD 72

31. BIBLIOGRAFIA 75

32. CURRÍCULO DO PROFESSOR 76


FILMOGRAFIA 78

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1. A FUNÇÃO DO DIRETOR

O diretor de um produto audiovisual, também chamado de


realizador, é o criador responsável pelo controle artístico de todas
as fases da realização de um filme, criando, planejando,
coordenando e executando as filmagens em parceria com os
diversos membros da equipe e fazendo pleno uso dos recursos
técnicos e artísticos disponibilizados pela produção. Estão entre suas
atribuições:
- Definir a linha artística geral que caracterizará o filme no seu todo,
apresentando para a equipe e elenco suas referências e definindo seu
processo criativo.
- Analisar e interpretar o roteiro da obra, adequando-o à realização
audiovisual através da decupagem (planificação).
- Dirigir os atores, tanto sob um ponto de vista técnico, colocando-
os em determinado local e definindo como serão iluminados e
enquadrados, como de um ponto de vista dramático, definindo os
tipos de emoções pretendidas para os personagens e sua
movimentação no plano.
- Selecionar ou aprovar as locações e os cenários em estúdio.

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- Definir os parâmetros técnicos da fotografia, do design de som e
da edição.
- Escolher ou aprovar equipe técnica e elenco, participando também
do casting.
- Supervisionar e tomar decisões quanto aos os preparativos da pré-
produção, incluindo cronograma de filmagem, ordem do dia e
orçamento.
- Definir ou aprovar os elementos da direção de arte, incluindo
cenografia, figurinos, cabelos, maquiagem e efeitos especiais.
- Acompanhar a edição de imagem e de som em todas as suas
etapas.
- Conceituar a trilha sonora com o compositor ou profissional
responsável pela sua pesquisa.
- Acompanhar a pós-produção aprovando todas suas etapas até a
cópia final.
- Supervisionar e aprovar a elaboração de todo o material de
divulgação do filme, incluindo confecção de trailers e teasers,
campanha publicitária e ações de marketing.
- Compartilhar decisões técnicas artísticas com o assistente de
direção e orientá-lo no desempenho de suas funções.
- Acompanhar as exibições da obra em mostras e festivais e
participar da sua campanha de divulgação através da imprensa e das
diversas mídias.

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2. MÉTODO DE TRABALHO DO DIRETOR

Depois de aprovado o roteiro, o diretor deve obedecer a uma


sequência de procedimentos artísticos e técnicos para obter o
resultado definido pela sua visão da obra.
O primeiro deles envolve uma série de encontros com os principais
membros da equipe de criação, para o encaminhamento das
necessidades materiais e soluções estéticas do filme. Sempre
acompanhado do assistente de direção, deve discutir com o produtor
as questões financeiras, de logística e de cronograma envolvidas,
bem como a formação da equipe e a escolha do elenco.
Deve realizar a decupagem (planificação) do roteiro e supervisionar
a confecção do storyboard (desenhos) ou shootingboard (fotos) e
plantas baixas das locações e cenários. Define os setups de
câmera, que são as diversas posições que a câmera vai ocupar no
set de filmagem. Também supervisiona a elaboração dos
cronogramas de ensaios e filmagem e ordens do dia junto com os
produtores e assistente de direção.

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O trabalho do diretor em estabelecer as posições e movimentos de
câmera, em conjunto com a disposição e movimentação dos atores
numa cena, é o processo chamado de mise-en-scène (francês) e
blocking (inglês), correspondendo no Brasil à direção de cena e de
atores.
Links sobre o assunto:
Exemplo de storyboard e a cena do filme:
http://vimeo.com/86791716

Storyboards de 10 filmes famosos:


http://twistedsifter.com/2012/12/storyboards-from-popular-films/

Planta-baixa de cenas de filmes famosos:


http://www.dailymail.co.uk/news/article-2214429/Step-step-
cinema-Designers-draft-floor-plans-famous-scenes-Hollywood-
history.html

Planta baixa de séries e sitcoms:


http://twistedsifter.com/2013/03/floor-plans-of-popular-tv-show-
apartments/

Planta baixa com câmeras:


http://dopzombi.blogspot.com.br/2012/05/floor-plans.html

Exemplo de Teaser de 5 segundos:


https://www.youtube.com/watch?v=zse2AydiVYY

Exemplo de Trailer tradicional:


https://www.youtube.com/watch?v=pK2zYHWDZKo

Exemplo de storyboard animado


https://www.youtube.com/watch?v=rOHp6W7ETMM

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3. ELEMENTOS DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA

Desde seus primórdios, o cinema extrai grande parte de seu poder


de sedução e persuasão do fato de parecer reproduzir fielmente a
realidade. O público leigo, através de um processo de
condicionamento quase imperceptível, é levado a acreditar que o
que vê na tela é um registro preciso de cenas e eventos transcorridos
diante da câmera. Esse mecanismo, chamado pelos teóricos da arte
cinematográfica   de   “ilusão   de   realidade”,   faz   com   que   mesmo   as  
narrativas mais fantasiosas sejam aceitas como extensões do mundo
real e o processo de manipulação da percepção do espectador nunca
se torne aparente. Essa manipulação ocorre através da utilização de
um código convencionado de técnicas e procedimentos expressivos,
um conjunto de regras que estruturam todo tipo de filme (ficção ou
documental) e constituem a chamada linguagem cinematográfica.
Cientificamente a linguagem é um sistema de signos que se
destinam à comunicação. No caso do cinema esse sistema
consolidou-se gradualmente ao longo de décadas, através das
invenções formais e inovações estéticas de vários diretores e
técnicos. À medida que os realizadores cinematográficos foram
descobrindo ou tomando consciência do efeito que determinadas
técnicas ou maneiras de filmar causavam no espectador,
sistematizaram sua utilização, definindo diferentes métodos e estilos
de se fazer cinema. Embora não exista unanimidade absoluta entre
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teóricos e realizadores quanto à divisão, significado e nomenclatura
dos elementos que compõem a linguagem cinematográfica podemos
resumir os de maior aceitação universal em alguns conceitos
básicos.

4. FOTOGRAMAS E PLANOS
Do ponto de vista meramente material, um filme nada mais é do que
uma série de fotografias estáticas que numa projeção sucessiva
criam  ilusão  de  movimento  na  tela.  A  cada  uma  destas  “fotografias”  
dá-se o nome de fotograma ou frame, que é a menor unidade em
que se pode dividir uma imagem cinematográfica. A partir do
surgimento do cinema sonoro, adotou-se quase sem exceções a
velocidade de 24 fotogramas por segundo para filmagem e exibição
em película. No caso do vídeo essa velocidade é de 30 frames por
segundo.
Um conjunto de fotogramas registrados sem interrupção a partir do
momento em que a câmera é acionada até o momento de seu
desligamento constitui um plano, segmento de imagem contínua
cuja duração pode variar de frações de segundo até vários minutos.
Costuma-se chamar de take ou tomada o registro repetido do
mesmo plano. Através de uma convenção válida para filmes de
ficção e alguns tipos de documentários, os diversos tipos de planos
recebem diferentes nomes, constituindo uma escala que toma como
referência básica o tamanho da figura humana na tela.

5. DECUPAGEM: PLANIFICAÇÃO E ENQUADRAMENTOS


A decupagem ou planificação é o processo de transformação de
um roteiro literário em um roteiro técnico, e é feita pelo diretor
através da definição dos tipos de planos que vão ser utilizados na
filmagem de uma cena, bem como os movimentos e a posição da
câmera em cada plano. A escolha do tipo de plano a ser utilizado
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define o enquadramento, que recorta os limites do campo visual
capturado pela câmera. Os enquadramentos que abrangem grandes
espaços são ditos enquadramentos abertos, enquanto aqueles que
particularizam detalhes da cena são os enquadramentos fechados.
Em termos gerais podemos conceituar que os enquadramentos mais
abertos (planos gerais e planos de conjunto) servem para reforçar o
aspecto descritivo da história. Já os primeiros planos oferecem ao
espectador uma proximidade maior com os personagens e outros
elementos da cena, podendo ser utilizados para envolver mais o
espectador com a narrativa. Os planos médios, por outro lado, são
planos eficientes para destacar a ação e o movimento dos atores.
O enquadramento da câmera mais aberto possível é o grande plano
geral, que enfoca grandes extensões de um ambiente ou locação, e é
tradicionalmente usado para descrever o local onde ocorre a ação de
um filme. Nele a figura humana tem uma baixa definição, sendo às
vezes pouco discernível no cenário. Também é chamado de
establishing shot. Já o plano geral apresenta uma visão mais
aproximada do local a ser filmado, permitindo a identificação e
localização física dos personagens, mas ainda privilegia a
ambientação cênica e a ação de conjunto dos personagens. Para se
particularizar um personagem dentro do contexto visual do filme,
emprega-se geralmente o plano médio, que o enquadra em toda sua
extensão, ou a partir dos joelhos ou cintura, quando é mais
conhecido como plano americano. O plano fechado usado com
mais freqüência no cinema é o primeiro plano (também conhecido
como close-up), que mostra a cabeça e os ombros dos personagens.
Se a cena requer um plano ainda mais fechado, detalhando, por
exemplo, parte do rosto de um ator usa-se o primeiríssimo plano
(extreme close-up), que no caso de enquadrar pormenores do espaço
cênico também é chamado de plano de detalhe.

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Links sobre o assunto:
Exemplo dos tipos de planos:
https://www.youtube.com/watch?v=laU2MI6X48I

6. A DECUPAGEM CLÁSSICA E A LINGUAGEM


TRANSPARENTE
O que distingue um simples registro documental de um filme
decupado é a introdução do corte ou de movimentos de câmera
planejados no interior de uma cena, ou seja, a câmera registra e
desenrola a ação sob diversos ângulos, aproximando-se e afastando-
se dos objetos, mostrando a ação completa em planos filmados a
partir de diferentes lugares do set. No entanto, apesar da introdução
do corte no interior da cena, a ação que foi registrada em vários
planos, apresenta-se ao espectador como se fosse uma ação continua
e, de certa forma, o corte passa despercebido. Mesmo no caso de
duas cenas construídas com uma técnica conhecida como
“montagem   paralela”,   que   é   a   utilização   de   cortes   alternados  
relacionando acontecimentos simultâneos, a descontinuidade visual
é justificada graças à continuidade da narrativa, neste caso o corte
não é notado e a cena total é percebida como um conjunto de ações
contínuas.
A decupagem clássica é a divisão do filme em planos, de modo que
a narração apresente-se lógica, clara, contínua, coerente, suave e
linear. O corte torna-se invisível e o espectador não percebe a
mudança do enquadramento. A esse processo chamamos linguagem
transparente. A não evidenciação dos cortes permite que o público
se envolva, principalmente, com a narrativa da estória, sem desviar
a atenção para a técnica da montagem, tendo a impressão de que o
filme é a própria realidade. É por este motivo que um filme de
narrativa clássica possui varias regras de continuidade e de
posicionamento de câmera. Os diversos planos rodados para um
filme têm sua duração final estabelecida e são ordenados de acordo
com o roteiro durante a fase da edição. Geralmente cada cena é
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filmada utilizando a técnica chamada master shot, que é a
filmagem integral da cena a partir de uma única posição de câmera
em plano aberto. Depois de filmar o master shot o diretor faz a
chamada cobertura, onde complementa a decupagem filmando
diversos planos e posições de câmera que serão utilizados na
montagem.
Na decupagem clássica é fundamental a existência de continuidade
de um plano para o outro, mantendo a lógica da movimentação dos
atores e dos objetos de cena. Erros de continuidade distraem os
espectadores e quebram a ilusão de realidade buscada por esse tipo
de decupagem.
Links sobre o assunto:
Exemplo de decupagem clássica e linguagem transparente:
https://www.youtube.com/watch?v=cfxJCdBFuLk

Exemplo de master shot:


https://www.youtube.com/watch?v=5udCibD5poM

Exemplos de erros de continuidade:


https://www.youtube.com/watch?v=xDhPpstbxOg

7. PASSAGENS E TRANSIÇÕES
A passagem é o caminho escolhido para ir de uma cena a outra. Ela
funciona como uma ligação entre dois planos ou duas cenas
subseqüentes. Essa ponte entre duas cenas permite que se
desenvolva a ação da maneira desejada. Como tudo o que se refere à
linguagem cinematográfica, toda passagem deve ter um motivo para
ser feita, dependendo do que se queira transmitir ao espectador. O
corte consiste em uma alternância instantânea de uma imagem para
outra. É a passagem mais comum, podendo funcionar como ligação
entre duas cenas ou dentro de uma mesma cena, entre dois planos
(quando se quer mostrar a mesma ação de distância e ângulos
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diferentes).
Nas mudanças de enquadramento, o corte é a maneira mais simples
de realizar a passagem de um plano a outro. No entanto, existem
varias formas possíveis de efetuar mudanças de plano, diferentes
emendas entre simples imagens, e que servem para indicar as
alterações temporais e espaciais do enredo, alem de exercerem uma
função semelhante às formas de pontuação gramatical existentes na
literatura.  Nos  primórdios  do  cinema,  na  época  do  “teatro  filmado”,  
o corte era apenas uma emenda existente entre um plano rodado
num cenário e outro filmado em um cenário diferente. Cortava-se
quando uma ação acabava ou quando havia mudanças de cenário.
No entanto, com o desenvolvimento da narrativa cinematográfica e
com o aperfeiçoamento técnico dos equipamentos de filmagem e
edição, estabeleceu-se uma serie de formas de transição entre planos
que adquiriram um significado estilístico e foram definitivamente
incorporados à linguagem do cinema e da televisão.
O fade, por exemplo, é o clareamento, ou o escurecimento total de
uma imagem. O clareamento corresponde ao fade in, que é o
aparecimento gradual da imagem a partir de uma tela
completamente escura ou clara. Já o fade out é o escurecimento da
imagem, que vai desaparecendo pouco a pouco, até que a tela
escureça ou clareie totalmente. O fade, como recurso de linguagem
visual, é indicado para longas passagens de tempo ou mudanças
muito bruscas de cenários.
Essa transição pode ser obtida também através da fusão, onde um
plano desaparece gradualmente enquanto simultaneamente outra
imagem se forma na tela. A fusão é utilizada para indicar pequenas
alterações temporais ou rápidas mudanças de cenário,
correspondendo  às  expressões  literárias  “durante  alguns  minutos  (ou  
horas)”   ou   “enquanto   isso”. A fusão também pode ser utilizada
como mero efeito visual, servindo apenas para integrar dois planos
de uma mesma cena, proporcionando ao espectador uma transição
suave e agradável. Outra maneira de utilizar a fusão é a na indicação
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de uma mudança temporal, relacionada com uma seqüência que
acontece no passado ou antevisão do futuro (flashback ou
flashforward).
O wipe ou varredura é um efeito visual onde uma nova imagem
“varre”   a   tela,   cobrindo-a totalmente. O wipe pode ser horizontal,
vertical, em barras, quadrangular ou até mesmo circular. Como
forma de linguagem, o wipe é uma transição entre planos que serve
para indicar passagens de tempo ou mudanças de cenário. Em
televisão, normalmente, o wipe indica passagens de tempo mais
curtas, ou serve apenas como efeito visual. Pode também ser
interrompido antes do fim, dividindo a tela ao meio, mostrando uma
conversação telefônica, por exemplo.
A superposição é resultado da mistura de imagens diferentes, que
aparecem simultaneamente, uma sobre a outra. A transição entre os
planos também pode ser feita através do desfoque da objetiva. Esta
passagem consiste em desfocar a câmera no final da cena e iniciar a
próxima cena com a imagem desfocada, mas, rapidamente
retornando ao foco.
A fusão e o fade, além de indicarem ao espectador a mudança de
cenário ou a passagem de tempo, podem ser usados também para
suavizar cortes bruscos ou como efeito estético.
Links sobre o assunto:
Exemplo de fade in e fade out:
https://www.youtube.com/watch?v=bAbIf0VUqCs

Exemplo de fusão:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSpwNO20U4

Exemplo de wipe:
https://www.youtube.com/watch?v=usXca7W_jvM

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8. CENA E SEQUÊNCIA
Um conjunto de planos relativos ao trecho de filme que transcorre
sem mudança de espaço cênico e durante um mesmo período de
tempo constitui uma sequência. Se esta por sua vez apresentar
diferentes acontecimentos, será subdividida em agrupamentos de
planos, denominados de cena, relativos a um diferente momento da
ação, diretamente relacionados com a mesma ação principal ou com
a mesma locação. Em resumo, um conjunto de planos chama-se
cena e um conjunto de cenas formam uma sequência. Quando a
câmera filma uma cena de forma contínua, parada ou em
movimentos compondo diversos planos, sem a existência de cortes
entre eles, temos um plano-sequência.
Links sobre o assunto:
Exemplo de cena e sequência:
https://www.youtube.com/watch?v=VRpC9B22Vd4

Exemplo de plano-sequência:
http://vimeo.com/83218487

Exemplo de plano-sequência:
https://www.youtube.com/watch?v=vuYlazRvwQA

9. MOVIMENTOS DE CÂMERA
Ao se fazer qualquer movimento de câmera deve haver um
propósito definido para isto. O movimento deve ser realizado para
enriquecer o valor da imagem gravada, mostrando algo que não
veríamos sem esse movimento ou ainda criando um impacto
emocional ou sensorial que reforce o efeito desejado.
A câmera pode ser movimentada de diversas maneiras durante uma
filmagem. A mais simples delas é a panorâmica, em que o
movimento é feito no sentido horizontal ou vertical, mantendo como
referência um eixo real ou imaginário. A panorâmica normalmente é
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utilizada para mostrar ao espectador imagens que não podem ser
exibidas em sua totalidade, com apenas um único enquadramento. A
panorâmica feita em alta velocidade, que não permite a definição da
imagem contida entre o início e o fim do movimento, é chamada de
chicote.

Quando a câmera se move em qualquer direção, sem nenhuma


referência estabelecida, obtemos um travelling, que pode ser feito
com a câmera na mão ou steadicam, deslizando sobre trilhos retos
ou circulares, ou ainda utilizando um carrinho com rodas (chamado
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de dolly ou ligeirinho). Usa-se
também um trilho curto
chamado de slider. O travelling
também é feito utilizando-se
uma grua, espécie de
plataforma móvel que permite
o deslocamento da câmera fora
do nível do chão e em várias direções espaciais. Uma grua de
pequenas dimensões, usada em estúdio, chama-se mini jib.

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O travelling pode ser usado para mostrar os detalhes tridimensionais
de um objeto estático ou para acompanhar pessoas e objetos em
movimento. Pode ser feito com a câmera na mão, como também
pode ser realizado com a câmera fixa em
veículos (carro, trem, barco, avião) ou com
qualquer objeto móvel (cadeira de rodas, skate,
carrinho de super-mercado). O steadicam é um
equipamento preso ao corpo do operador de
câmera que permite a realização de movimentos
de câmera sem oscilação da imagem. Um
pequeno movimento ou correção de câmera em
qualquer direção é chamado de tilt.
Para obter o efeito de movimento de câmera sem
seu deslocamento real, utiliza-se um dispositivo
chamado zoom, que simula o afastamento
(zoom-out) ou aproximação (zoom-in) da cena
filmada. O zoom-in normalmente é utilizado para mostrar ao
espectador um detalhe especifico da cena. O zoom-out pode ser
utilizado, por exemplo, para mostrar gradativamente elementos
importantes existentes no cenário, fundamentais para a
ação.

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Cada tipo de movimento tem resultados visuais diferenciados. Há
diferenças entre um dolly-in e um zoom-in, por exemplo. Enquanto
no dolly-in o espectador tem a impressão de se aproximar do objeto
focalizado, no zoom-in a impressão e de que é o objeto que se
aproxima.
No cinema contemporâneo é bastante comum o uso de câmera na
mão, incorporando-se à narrativa a trepidação e instabilidade
resultante desse tipo de operação.

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Links sobre o assunto:
Exemplo de movimentos de câmera:
https://www.youtube.com/watch?v=45e1XuA-oLY

Exemplo de câmera na mão:


https://www.youtube.com/watch?v=OJS4maWtw5s

Exemplo de travelling com steadicam:


https://www.youtube.com/watch?v=zrl-q2DjqJQ

Exemplo de zoom in:


https://www.youtube.com/watch?v=dBFekztBBM0

Exemplo de zoom out:


https://www.youtube.com/watch?v=7w1yv8VKOH0

Exemplo de filmagem com grua:


https://www.youtube.com/watch?v=pfJx04mWMMY

10. ANGULAÇÃO E PONTO DE VISTA


A angulação ou ponto de vista (POV) refere-se à altura da câmera
em relação à pessoa ou objeto que está sendo filmado e sua posição
no set, e reflete a visão do diretor sobre quem está vendo a cena
mostrada. Ela pode ser conseguida posicionando-se a câmera acima,
frontalmente ou abaixo da cena ou então mudando a altura dos
elementos de cena em relação à câmera. Cada ângulo apresentado
na sequência deve ter um sentido exato. Ao se escolher um ângulo
deve-se pensar no efeito que se pretende causar no espectador.
De acordo com o ângulo escolhido para a filmagem, a posição da
câmera recebe diferentes nomes. A câmera normal reproduz o
ponto de vista de um espectador posicionado em pé diante da cena.

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Quando o ângulo de visão se encontra acima dos elementos de cena,
temos a posição de câmera alta ou plongée. Ele reduz a altura da
imagem gravada e torna seu movimento mais lento. Um carro
gravado de cima de um prédio, por exemplo, parece pequeno e que
anda lentamente. Essa tomada também pode ter um significado
quanto a seu efeito dramático, tornando uma pessoa gravada nesse
ângulo, pequena, inferior, frágil ou vulnerável.

Se o ponto de vista adotado situa-se abaixo do eixo de visão normal,


obtemos a câmera baixa ou contre-plongée. Ele aumenta a altura
da imagem gravada e acelera o seu movimento. Quanto ao efeito
dramático, coloca a pessoa numa posição de superioridade ou
dominância. Para conseguir determinados efeitos cômicos,
dramáticos ou estéticos, o diretor pode contar ainda com o efeito da
câmera inclinada. Através da angulação também é possível que se
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elimine do quadro objetos, pessoas ou cenários que não se queira
enquadrar.

Uma posição de câmera muito utilizada é aquela chamada over the


shoulder. Consiste em enquadrar um dos personagens de uma cena
de costas para a câmera e por cima do seu ombro, geralmente com
referência de ombro e cabeça, enquanto outro ou outros personagens
são vistos de frente para a câmera.

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11. CÂMERA OBJETIVA E CÂMERA SUBJETIVA

De acordo com o ponto de vista adotado para a tomada de cena,


define-se a câmera objetiva, que representa o olhar de um
espectador em relação à cena, ou a câmera subjetiva, que reproduz
o campo de visão de um dos integrantes da cena. A câmera é
colocada na posição equivalente dos olhos de uma pessoa presente
na ação. A câmera funciona como se fosse os olhos de um
personagem e o espectador vê o que o personagem está vendo.
Neste caso as pessoas que participam da ação não olham para a
câmera jamais.

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12. VELOCIDADES DE FILMAGEM
É possível modificar a velocidade da cena para a obtenção de
determinados efeitos, como slow motion (câmera lenta). A câmera
lenta é utilizada para intensificar a ação dramática ou para mostrar
detalhes do movimento que seriam impossíveis de visualizar com a
velocidade da imagem no tempo real. Pode-se ainda utilizar o efeito
de quick ou fast motion (câmera rápida), também chamado de time
lapse, bem como a repetição de um mesmo fotograma para que se
obtenha o efeito de freeze frame (congelamento). A câmera rápida
é bastante usada para provocar risos, pois a aceleração do
movimento real produz um clima cômico, e para acelerar a
passagem do tempo. Já o congelamento ou freeze serve para chamar
a atenção do espectador para um detalhe importante do movimento
(gestos, olhares, objetos) ou para simular a exibição de fotografias.
Para efeito de animação utiliza-se o recurso do stop motion. Alguns
desses efeitos são obtidos na filmagem e outros durante a edição.
Links sobre o assunto:
Exemplo de cenas com slow motion:
https://www.youtube.com/watch?v=jR0amLMjuuM

Exemplo de filme com time lapse:


https://www.youtube.com/watch?v=PlblwP2oa-0

Exemplo de freeze frame:


https://www.youtube.com/watch?v=MjT6qV9Dzts

13. COMPOSIÇÃO
Um recurso expressivo que o diretor conta na feitura de um filme é
o da composição, que consiste em dispor personagens e objetos no
interior do enquadramento para obtenção de determinados efeitos,
ou em posicionar a câmera de maneira a obter certos resultados
estéticos.
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Alguns dos objetivos da composição são: mostrar claramente as
imagens ao espectador, conseguir que a cena fique esteticamente
agradável, alcançar um efeito dramático e ter uma variedade de
imagens para dar ritmo ao filme. Há duas maneiras básicas de se
compor uma cena: através da manipulação da câmera e através do
arranjo dos elementos de cena.
O trabalho com o foco, que define a nitidez da imagem em
diferentes pontos, traz novas possibilidades para a composição de
cena. Com o uso e manipulação de determinadas lentes pode ser
obtida maior ou menor profundidade de campo.

A profundidade de campo é uma forma de criar impressão de


terceira dimensão na tela, que é bidimensional. Uma maneira de
criar profundidade é incluir um objeto proeminente em primeiro
plano e na lateral da tela. Dessa forma é possível haver uma maior
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distinção entre os planos, o primeiro plano se destaca do meio e do
fundo da tela. Abrindo a lente zoom é possível ampliar a sensação
de profundidade. A desvantagem desse recurso é que há uma
distorção da perspectiva. Através da iluminação é também possível
dar profundidade a um enquadramento, destacando os objetos
frontais do fundo. Os usos inteligentes da perspectiva, do foco e dos
elementos cenográficos ampliam a profundidade do enquadramento.
Links sobre o assunto:
Exemplo de profundidade de campo:
https://www.youtube.com/watch?v=BNTJnHGnVeg

14. COMPOSIÇÃO COM ELEMENTOS EM MOVIMENTO


O operador de câmera precisa ter reações rápidas e muita atenção,
pois mesmo com os elementos da cena em movimento é preciso
pensar na composição. Com o elemento indo da esquerda para
direita ou vice-versa, a câmera deve acompanhar o movimento. Para
isso é preciso deixar um espaço à frente desses elementos para que o
espectador sinta para onde ele está indo e não sinta desconforto
visual. Para acompanhar o elemento que se move, é melhor usar
planos mais abertos. Com planos fechados os movimentos tornam-
se mais abruptos, podendo causar uma sensação desagradável ao
espectador. Com o elemento aproximando-se da câmera, há uma
maior intensidade visual do que movimentos laterais ou com a
aproximação do elemento através do zoom in.

16. ORGANIZAÇÃO DOS ELEMENTOS NA TELA


Ao se gravar objetos ou pessoas, é preciso fazer com que haja um
equilíbrio entre eles, as bordas da tela, o cenário e outros elementos
presentes no enquadramento. Não existem leis quanto a essa
organização, tudo vai depender do que se quer transmitir com o
filme. Mas algumas regras práticas podem ser seguidas para
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conseguir o equilíbrio na composição.
Quando há uma pessoa olhando para a câmera, na frente de um
cenário neutro, ela deve ficar no centro da tela. Se uma pessoa não
estiver olhando para a câmera, deverá ser deslocada do centro. Para
enquadrá-la de perfil é preciso deixar um espaço na direção em que
ela está olhando. Para mostrar um objeto, uma pessoa ou uma
cidade, não é preciso enquadrá-los por inteiro. As partes podem
levar o espectador ao todo através de um processo de percepção
conhecida como Gestalt. Assim alguns rostos podem indicar uma
multidão, quatro andares de um prédio o todo, e um bairro evoca
uma cidade inteira. O plano americano em que uma pessoa é
mostrada é um bom exemplo disso. Os elementos não devem tocar
em cima ou dos lados da tela. É preciso enquadrá-los de uma
maneira em que haja um espaço entre eles e a borda da tela. Ao se
enquadrar duas ou mais pessoas às vezes deve haver uma diferença
de tamanho entre eles. Isto é possível deixando algumas pessoas
mais próximas da câmera do que as outras. Também deve haver
uma diferença de altura ao se enquadrar duas ou mais pessoas. O
agrupamento triangular é muito valioso em um quadro retangular
como o da TV. Essa organização pode ser usada para agrupar
objetos semelhantes ou atores em uma cena. Quando se filma uma
paisagem ou outras imagens mais amplas em que haja um objeto
vertical distinto dos outros (pessoas, árvore, poste, prédio), esse
objeto não deve ficar no centro. Para haver equilíbrio, a tela é
dividida em uma proporção desigual de 2/5 por 3/5 e 1/3 por 2/3. É
preciso evitar justaposições esquisitas entre o sujeito e o cenário. Os
elementos do cenário não podem influir de uma maneira negativa na
imagem do sujeito. O mesmo cenário deve indicar com clareza a
figura principal em cena.
Conforme o número de pessoas em quadro pode-se dar nome ao
plano e enquadramento. Duas pessoas em quadro compõem um two
shot, três um three shot, e assim por diante.

28
17. EIXO DE CÂMERA (180 GRAUS) E REGRA DOS 30
GRAUS

Ao se filmar uma cena é preciso um cuidado fundamental: o


posicionamento da câmera com relação ao assunto principal. Para
isso é necessário que se trace uma linha imaginária no espaço onde
se desenvolve a ação. Ação nem sempre compreende movimentação
física. Estabelecida esta linha, a câmera se posiciona apenas num
dos lados onde ele se encontra, num ângulo de 180 graus,
estabelecendo o chamado eixo de câmera. Escolhido o lado, todas
as imagens da ação devem ser gravadas sem que a câmera ultrapasse
esta linha. Se não for obedecida esta regra, haverá uma inversão do
campo visual e o espectador não entenderá a disposição espacial dos
elementos com relação ao espaço físico e entre os próprios
elementos. Nestas circunstâncias se diz que a continuidade de eixo
foi quebrada, ou que o eixo foi pulado.
Agora, imagine duas pessoas A e B conversando. A linha

29
imaginária deve passar pelas duas e a câmera posicionada apenas
em um dos lados. Se não for feito isso, a que estaria do lado
esquerdo do vídeo na primeira tomada, na tomada seguinte estará do
lado direito. A e B podem parecer estar falando e olhando para
apenas um lado, sem passar a impressão de que estão falando uma
com a outra.
Vamos observar exemplos: ao gravar uma partida de futebol, as
câmeras se posicionam sempre do mesmo lado do campo, como se a
linha imaginária fosse toda a extensão da lateral do campo. Se
tivesse uma câmera de cada lado do campo, desrespeitando a linha
imaginária, haveria uma grande confusão para o espectador. Os
eixos estariam invertidos e a impressão que se teria é que os
jogadores de um mesmo time estivessem atacando para os dois
lados e o mesmo goleiro iria aparecer cada hora em um lado do
vídeo. Por exemplo, se você quer gravar os carros trafegando em
uma rua de mão única. Nesse caso a própria rua é a linha imaginária
e a câmera deve ficar apenas em um lado da calçada. Se na primeira
tomada gravar a cena na calçada A e na segunda gravar na calçada
B, acontecerá o seguinte: vai haver a impressão que de uma tomada
para outra mudou o sentido da mão, pois os carros que iam antes da
esquerda para a direita, estarão na segunda tomada indo da direita
para a esquerda. Agora, imagine duas pessoas A e B conversando. A
linha imaginária deve passar pelas duas e a câmera posicionada
apenas em um dos lados. Se não for feito isso, a que estaria do lado
esquerdo do vídeo na primeira tomada, na tomada seguinte estará do
lado direito. A e B podem ficar falando e olhando para apenas um
lado, sem passar a impressão de que estão falando uma com a outra.

30
A regra dos 30 graus sugere que no caso da passagem de um plano
frontal aberto para outro mais fechado da mesma imagem, seja feito
um deslocamento de câmera de pelo menos 30 graus em relação à
sua posição original. Isso garante um corte mais fluido de um plano
a outro e visualmente mais confortável.

18. MÉTODOS E ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO


A maioria dos métodos de interpretação para cinema e TV é
derivada de similares existentes no meio teatral. A maioria dos
diretores não segue um método específico já existente, mas cria o
seu a partir de experiências e observações pessoais.
O método mais famoso do cinema é o da escola norte-americana
Actors Studio, fundada por Lee Strasberg, em New York, de onde
saíram alguns dos mais famosos atores do cinema, como Marlon
31
Brando, Marilyn Monroe, James Dean e Paul Newman.
O método de Strasberg se baseia inteiramente no Método
Stanislavski, criado na Rússia no século XIX e amplamente
utilizado na encenação teatral. Nele os atores analisam
profundamente as motivações e as emoções de seus personagens, a
fim de personificá-los com realismo psicológico e autenticidade
emocional. Usando o método, um ator relembra emoções ou
sensações da sua própria vida e os utiliza para se identificar com o
personagem a ser retratado. Strasberg definiu a importância da
improvisação e do conceito central de "memória afetiva": o
processo de contato do ator com seu repertório pessoal de memórias
de emoções, de forma que permita canalizá-las em um papel.
Trabalha também a memória sensorial do ator e seu imaginário
buscando uma convergência para ações físicas.
Outros métodos de interpretação foram criados por Stella Adler e
Sanford Meisner, mas não tiveram a mesma aceitação e difusão que
o de Strasberg. Diretores como o francês Robert Bresson e o inglês
Mike Leigh também desenvolveram métodos próprios, mas não são
adotados sistematicamente por outros diretores.
Links sobre o assunto:
Exemplo do Método do Actors Studio:
https://www.youtube.com/watch?v=vT4ZHcF4Ejg

19. TÉCNICAS DE DIREÇÃO DE ATORES


É comum diretores com maestria no aspecto visual da filmagem
apresentarem dificuldades quando tem de lidar com atores e
compreender suas necessidades. Cabe a ele auxiliar os atores a
darem interpretações naturais e específicas necessárias para contar a
história e engajar a audiência. Ajudá-los a construir um personagem
baseados nas informações do roteiro.

32
O primeiro passo do diretor na direção de atores é identificar no
roteiro a função e os objetivos de cada personagem e identificar as
nuances emocionais que serão impressas em cada cena. Deve definir
também o arco dramático da história e a maneira como o ambiente
impacta o objetivo geral do personagem. Esse processo vai ser de
vital importância para que o diretor auxilie o ator na composição e
na imersão total no interior do seu personagem.
O passo seguinte é estabelecer as características exteriores
convenientes ao personagem (compleição física, faixa etária, etnia,
etc.), definir seus aspectos sociais e psicológicos e encaminhar o
projeto para o casting.
O casting é o processo de pré-seleção do elenco de acordo com as
características definidas pelo diretor para cada personagem. Cada
diretor estabelece seu modo pessoal de realizá-lo, e em muitos casos
conta com a colaboração de um profissional especializado nessa
função, o produtor de elenco.
Fatores que podem influir no casting são: a compatibilidade do
cachê (quando existente), a disponibilidade do ator de acordo com o
cronograma de filmagem e seu histórico profissional.
Depois de escolhido o elenco principal e secundário do filme,
começa a etapa de ensaio, que costuma seguir esses passos:
1. Leitura de mesa, também conhecida como leitura branca, leitura
fria ou leitura plana. No local de ensaio, é realizada uma leitura
coletiva do roteiro, cada ator lendo seu papel. São esclarecidas
dúvidas e questionamentos e o diretor explica para todo o elenco sua
visão do roteiro e dos personagens. Não há interpretação ou
marcação de cena.
2. Discussão do personagem com o ator. Pode ser individual ou
coletiva, a critério do diretor, que deve conhecer a visão de cada
ator sobre seu personagem e seu papel no desenvolvimento da
história.
33
3. Leitura dramática, ainda sem marcações, mas com as primeiras
indicações de interpretação.
4. Estudo de cena baseado nos seguintes conceitos:
- Conceitos básicos de aproximação da cena.
- Definição de objetivos
- Quebra da cena em partes.
- Compreensão do arco dramático.
- Perseguição do objetivo
- Criação das ações físicas
- Trabalho para superar obstáculos
5. Planejamento dos ensaios, de acordo com a conveniência da
produção e dos núcleos dramáticos do roteiro e disponibilidade de
verba e espaço físico.
6. Marcação inicial de acordo com a disposição física do cenário e
posições de câmera. Postura e deslocamento do ator em cena e
interação entre personagens. Pode ser feita ainda com os atores
lendo o roteiro.
7. Alterações de marcação segundo a visão do diretor, sugestão dos
atores ou para superação de dificuldades técnicas.
8. Primeiro ensaio dramático, com o texto decorado e as marcações
de cena estabelecidas. As cenas são ensaiadas do começo ao fim. O
ensaio pode ser repetido quantas vezes o diretor achar conveniente e
o cronograma estabelecido permitir.

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ESTILOS CINEMATOGRÁFICOS INFLUENTES
20. EXPRESSIONISMO

O Expressionismo, estilo cinematográfico cujo auge se deu nas


décadas de 1910 a 1930, caracterizou-se pela distorção de cenários e
personagens, através da maquiagem, dos recursos de fotografia e da
cenografia, além de outros mecanismos, com o objetivo de
expressar a maneira como os realizadores viam o mundo. Surgiu
inicialmente na Alemanha.
O expressionismo costuma ser associado à deformação da realidade
para expressar mais subjetivamente a natureza e o ser humano. Dá
mais destaque à expressão dos sentimentos do que à descrição
objetiva da realidade, criando atmosferas estranhas, inquietantes ou
aterrorizantes.
O cinema expressionista caracterizou-se pela sua recorrência ao
simbolismo das formas, deliberadamente distorcidas com o apoio de
diferentes elementos plásticos e fotográficos. A estética
expressionista demonstra a natureza dual do homem, a sua
fascinação pelo mal e a fatalidade da vida sujeita aos caprichos do
destino.
35
Traduz simbolicamente, mediante linhas, formas ou volumes, a
mentalidade dos personagens, o seu estado de ânimo, as suas
intenções, de modo que o aspecto visual do filme apareça como a
tradução plástica dos dramas vividos por eles.
Esse estilo influenciou fortemente o cinema americano, que criou a
partir dele o film noir, unindo histórias do gênero policial,
geralmente envolvendo detetives e mulheres fatais, repletas de cenas
noturnas e atmosferas sombrias, representadas na tela pela imagem
típica do movimento expressionista.
Os diretores F. W. Murnau e Fritz Lang são os mais importantes do
período.

21. SURREALISMO

O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido em


Paris nos anos 20, fortemente influenciado pelas teorias
psicanalíticas de Sigmund Freud, mas também pelo Marxismo.
Enfatiza o papel do inconsciente na atividade criadora. Um dos seus
objetivos foi produzir uma arte que, segundo o movimento, estava
sendo destruída pelo racionalismo. As características deste estilo:
36
uma combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do
inconsciente.
De acordo com os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências
da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, buscando
expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos. Humor, sonho e a
contra lógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem
da existência utilitária. Segundo esta nova ordem, as idéias de bom
gosto e decoro devem ser subvertidas e ficar à margem de todo
princípio estético e moral. Utiliza a fantasia onírica, o humor
despreocupado e cruel, o erotismo lírico, a deliberada confusão de
tempos e espaços diferentes.
Emprega com liberdade criativa vários recursos da linguagem
cinematográfica, como fusões, imagens aceleradas, câmera lenta,
uniões arbitrárias entre planos cinematográficos e sequências. Luis
Buñuel é o diretor mais famosos do movimento.

22. CONSTRUTIVISMO SOVIÉTICO

Após a revolução comunista de 1917, o cinema da União Soviética


37
recebe um grande impulso e apoio governamental. Ele é visto pelos
dirigentes como uma forma adequada para educar as massas em
relação à nova ideologia no poder. Surgem escolas de cinema e
diversos cineastas tem apoio para efetuarem pesquisas de linguagem
e trabalhos de vanguarda formal. Entres esses o maior destaque é
Sergei Eisenstein, que revolucionou a montagem cinematográfica
em   filmes   como   “O   Encouraçado   Potemkim”.   A   quebra   da  
continuidade das imagens e o significado simbólico obtido pela
justaposição de planos influenciou decisivamente os rumos do
cinema. O documentarista Dziga Vertov deflagrou novos rumos
para  a  linguagem  documental  em  seu  filme  “O  Homem  Com  Uma  
Câmera”,   inovador   na   técnica   e   no   conceito.     Também   se  
notabilizou no período o chamado “Efeito  Kuleshov”, que consiste
em justapor um close de um ator com diferentes imagens e passar ao
espectador a noção de que o ator interpreta uma diferente gama de
emoções.

23. NEO-REALISMO

O Neo-realismo surgiu na Itália, no final da Segunda Guerra


Mundial, buscando a representação objetiva da realidade social
como forma de comprometimento político. Caracterizou-se pelo uso
de elementos da realidade em filmes de ficção, aproximando-se até
certo ponto, em algumas cenas, das características do filme
38
documentário.
Ao contrário do cinema tradicional de ficção, o neo-realismo buscou
representar a realidade social e econômica de sua época mostrando-
a sem fantasias ou distorções. Procurava capturar a realidade sem
disfarçá-la, utilizando muitas vezes cenários naturais e atores não
profissionais, trabalhadores humildes e pessoas do povo.
A busca de locações autênticas visava transmitir a emoção e vida
natural de seus moradores. Efeitos visuais também foram
descartados, e a montagem recorre a cortes simples, sem requintes
técnicos.
Trabalha com temas como o subdesenvolvimento social e
econômico, o desemprego, problemas sociais no campo, o abandono
na velhice, a condição da mulher e da criança, a criminalidade nas
cidades, entre outros.
O diretores mais importantes dessa escola são Roberto Rossellini e
Vittorio de Sicca.

24. NOUVELLE VAGUE

Movimento cinematográfico francês surgido no final dos anos 50,


39
agrupando jovens realizadores que em sua maioria também eram
críticos de cinema da revista Cahiers du Cinéma e frequentadores
assíduos da Cinemateca Francesa.
Tinham em comum uma admiração irrestrita pelos grandes mestres
do cinema americanos e a rejeição pelo cinema comercial francês do
período.
Através da revista, estabeleceram o conceito de cinema de autor,
que atribui aos grandes diretores o status de criadores totais da obra
cinematográfica e artistas em pé de igualdade com escritores,
músicos e artistas plásticos.
Suas características mais marcantes são a quebra de códigos e
convenções da linguagem cinematográfica e a abordagem de
temáticas ousadas e livres das convenções morais vigentes na
sociedade à época. Utilizam com freqüência câmera na mão, cortes
descontínuos e bruscos, som não realista e quebra de padrões
narrativos, fazendo uso de técnicas de distanciamento e
metalinguagem.
Influenciam o cinema mundial, inspirando o surgimento de
movimentos similares em muitos países, como o Cinema Novo
brasileiro.
Seus realizadores mais importantes são Jean-Luc Godard
(Acossado), François Truffaut (Os Incompreendidos) e Alain
Resnais (Hiroshima Mon Amour).
Juntamente com o Neo Realismo, a Nouvelle Vague influenciou o
surgimento do Cinema Novo brasileiro e diretores como Glauber
Rocha e Cacá Diegues.

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25. DOGMA 95

O Dogma 95 é um movimento cinematográfico internacional


lançado a partir de um manifesto publicado em 1995 na Dinamarca
por um grupo de cineastas, entre os quais Lars Von Trier e Thomas
Vinterberg.
O Manifesto Dogma 95 foi escrito para a criação de um cinema
mais realista, menos comercial, de custo menor de realização e
tecnicamente mais acessível.
As   regras   do   Dogma   95,   também   conhecidas   como   “voto   de  
castidade”,  são:
1. As filmagens devem ser feitas em locações. Não podem ser
usados acessórios ou cenografia (se a trama requer um acessório
particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele se
encontre).
2. O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem
ou vice-versa. (A música não poderá ser utilizada a menos que
ressoe no local onde se filma a cena).
3. A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os
movimentos - ou a imobilidade - devidos aos movimentos do corpo.
(O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as
41
tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação
especial. (Se há muito pouca luz, a cena deve ser cortada, ou então,
pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6. O filme não deve conter nenhuma ação "superficial".
(Homicídios, Armas, etc. não podem ocorrer).
7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (O
filme se desenvolve em tempo real).
8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
9. O filme final deve ser transferido para cópia em 35 mm, padrão,
com formato de tela 4:3. Originalmente, o regulamento exigia que o
filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra foi abrandada para
permitir a realização de produções de baixo orçamento.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

26. FOUND FOOTAGE

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Não chega a se constituir numa escola ou estilo mas é um tipo de
filme bastante popular no mercado, que consiste em simular que o
filme inteiro é resultado do trabalho de amadores e que foi
encontrado ao acaso no interior de uma câmera. Inicialmente foi
adotado   em   produções   com   poucos   recursos,   como   “A   Bruxa   de  
Blair”,   e   em   outras   produções   do   gênero   horror,   mas   logo   se  
expandiu para outros gêneros como o filme-catástrofe e a comédia,
mostrando que ainda pode ser explorado de diversas maneiras.
Com a popularização das produções amadoras através dos portais da
internet, a estética descuidada típica dessas produções e seus erros
técnicos foram incorporados por alguns diretores como recurso de
linguagem e hoje são plenamente aceitas no meio cinematográfico,
influenciando até produções de grande orçamento.

27. OS PRINCIPAIS GÊNEROS


CINEMATOGRÁFICOS E O SISTEMA DE
ESTÚDIOS
Um dos mecanismos que permite o cinema ser uma arte de grande
alcance junto ao público é sua divisão em gêneros. Por gênero
entende-se um conjunto de estruturas temáticas, dramáticas e
formais que se repetem de filme para filme, estabelecendo
características facilmente identificáveis pelo espectador. Desde seus
primórdios, o cinema americano privilegiou o aspecto comercial da
produção de filmes, rodados através de um processo industrial,
como se fosse uma linha de montagem, o chamado sistema de
estúdios, onde a satisfação do público se sobrepõe às preocupações
artísticas do realizador. Dentro dessa visão, a familiaridade e a
identificação provocadas pelo reconhecimento prévio do tipo de
espetáculo a que se vai assistir, torna a divisão por gêneros uma
importante arma para a penetração maciça do cinema americano nos
mercados estrangeiros e sua consolidação junto ao público dos
EUA. O Screen Writer Guide, publicado nos Estados Unidos,
43
classifica os roteiros cinematográficos em seis categorias: Aventura,
Comédia, Crime, Melodrama, Drama, Outros (Miscellaneous). Cada
um deles, por sua vez, subdivide-se em outros, nas mais variadas
combinações. Apresentamos aqui características dos gêneros mais
familiares ao espectador, sem pretender esgotar os diversos
subgêneros em que cada um deles pode se desdobrar.
O FAROESTE/WESTERN
Definido   como   “o   cinema  
americano   por   excelência”,   o  
western tem seu precursor em
O Grande Roubo do Trem,
dirigido por Edwin S. Porter
em 1903. Refletindo os
costumes e as condições de
vida do oeste americano no século passado e início deste, ilustra a
epopéia da conquista daquela região e o nascimento do próprio país
como nação. Pode apresentar tanto uma abordagem convencional de
filme de aventura como estabelecer seu enredo dentro de um
rigoroso contexto histórico e político, como é o caso de vários
clássicos de John Ford, o mestre do gênero. Nos anos 60 entrou em
decadência e viu seu mercado ser invadido por um subgênero feito
na Europa, o western-spaghetti, que, com exceção dos filmes de
Sergio Leone, nada de importante produziu. Nos últimos anos teve
um surpreendente revival, através de obras politicamente corretas,
como Dança com Lobos, de Kevin Costner e revisionistas como Os
Imperdoáveis, de Clint Eastwood, ambos vencedoras de vários
Oscars.
O MUSICAL
Desde o sucesso do primeiro filme sonoro, O Cantor de Jazz, um
musical, esse gênero conheceu uma infinidade de variantes, que vão
da simples filmagem dos sucessos da Broadway até os veículos
destinados a explorar os dotes vocais e dramáticos de ídolos pop
como Elvis Presley. Deve-se ao musical o mérito de haver
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devolvido ao cinema a
mobilidade perdida pela
câmera diante das exigências
do registro do som. As
variações caleidoscópicas de
Busby Berkeley significaram
um grande avanço para o
gênero, assim como os novos
conceitos de fusão de ação,
música e dança introduzidos
pelo bailarino, coreógrafo e diretor Gene Kelly. Um dos grandes
estúdios, a Metro, especializou-se em musicais, e em sua chamada
“fase   de   ouro”   chegou   a   ter   um   elenco   estelar   onde   brilhavam  
nomes como Fred Astaire, Ginger Rogers, Cyd Charisse e Judy
Garland. Coreógrafos como Jerome Robbins e Bob Fosse levaram
para a tela inovações da dança moderna, em obras originais como
West Side Story e Cabaret. O vídeo-clip apropriou-se de diversas
características do gênero sem, no entanto, acrescentar nenhuma
inovação marcante.
O DRAMA E O MELODRAMA
Segundo a tradição acidental, o
drama têm origem na Grécia
Antiga. A forma dramática
caracteriza-se pelo confronto
direto dos protagonistas e
antagonistas da ação,
propulsionando a narrativa.
Modernamente, o termo drama
passou a ser usado em oposição
a cômico, significado a abordagem séria de um assunto igualmente
sério. O cinema sempre buscou dar qualidade ás produções através
da adaptação dos grandes clássicos do palco, como os dramas e
comédias de Shakespeare, prática que se estende até mesmo a obras
menores, como comédias de Boulevard. Do mesmo modo, contos,
45
romances e novelas, de valor literário desigual, são adaptados com
resultados nem sempre proporcionais à qualidade da obra original,
como atestam o fracasso de filmes tirados de livros de Joyce, Proust
e Kafka. Um dos gêneros dramáticos favoritos do público é o
biográfico, que recria nas telas a vida e a obra de personagens
célebres ou de grande artistas, como é o caso de Amadeus, de Milos
Forman. O melodrama é o subgênero dramático que busca uma
linguagem mais sentimental que emocione facilmente o espectador,
geralmente através de tramas amorosas ou de conflitos familiares.
O FILME DE GANGSTER
A figura do gangster já havia
capturado a imaginação das
platéias ainda na era do
cinema mudo. O surgimento
de recursos sonoros ajudou a
expandir o envolvimento do
público, arrebatado pelas
rajadas de metralhadoras e
pela gíria crua do submundo.
O primeiro grande filme sonoro do gênero foi Alma no Lodo, de
Mervyn LeRoy, que estabeleceu Edward G. Robinson como astro e
introduziu um realismo próximo à linguagem jornalística, numa
época marcada pelas recentes Lei Seca e quebra da Bolsa. A
violência e o realismo sem precedentes de filmes como O Inimigo
Público, de Willian Wellman, e Scarface, de Howard Hanks,
ajudaram a estabelecer características narrativas retomadas com
frequência ao longo da história do cinema. O gênero, que consagrou
atores como Humphrey Bogart, George Raft e James Cagney,
atingiu seu ponto máximo na trilogia O Poderoso Chefão, de
Francis Ford Coppola e recentemente voltou a fazer sucesso através
de filmes como Os Intocáveis, de Brian de Palma e Os Bons
Companheiros, de Martin Scorsese.

46
O FILM NOIR
A fotografia noturna em
contraste claro-escuro, o
reflexo das luzes na rua
molhada pela chuva, a narração
na primeira pessoa, o detetive
durão, a femme fatale, são
alguns dos elementos
facilmente reconhecíveis nesse
gênero que foi batizado pelos
críticos franceses. Adaptando a
estética expressionista a uma visão sombria do outro lado do
american dream, o film noir originou obras como O Falcão Maltês,
de John Huston, Laura de Otto Preminger, e Fuga do Passado, de
Jacques Touneur.
Embora suas produções mais importantes tivessem sido rodadas nos
anos 40 e 50, sua influência expandiu-se até o cinema moderno,
como pode ser constatado em filmes como Blade Runner, de Ridley
Scott, e Coração Satânico, de Alan Parker.
O POLICIAL
O gênero policial ramifica-se
em diversas vertentes, todas
tomando o mundo do crime
como sua temática principal.
Pode tanto evocar o universo
noir e do gangsterismo como
enaltecer o policial
incorruptível e lacônico, tantas
vezes encarnado por Clint
Eastwood. Costuma ser
estruturado sobre o processo de investigação de um crime, dando
margem a tramas intricadas e muitas cenas de ação, incluindo as
clássicas cenas de perseguição, onde o cineasta pode demonstrar sua
47
maestria técnica. Nos últimos anos obtiveram grande sucesso de
bilheteria filmes centrados em duplas de policiais, geralmente de
temperamento antagônico, como é o caso da série Máquina
Mortífera, de Richard Donner, estralada por Mel Gibson e Danny
Glover.
O FILME ÉPICO
O filme épico teve seu grande
precursor no clássico
Intolerance, de D.W.Griffith,
que abordava diversos períodos
da historia da humanidade.
Geralmente de longa duração,
inspira-se em temas históricos,
passagens bíblicas e narrativas
mitológicas. Exige a
construção de cenários monumentais, a contratação de milhares de
figurantes e a presença de astros e estrelas capazes de atrair grandes
platéias, fundamental para o retorno de seus altos custos de
produção.
Devido a esses custos, o fracasso de um épico pode levar um estúdio
à beira da falência, como foi o caso de Cleópatra, de Joseph
Mankiewiscz, estrelado por Elisabeth Taylor e Richard Burton.
Quando bem-sucedido, pode arrecadar fortunas e constituir um
sucesso artístico, como o recordista de Oscars, Ben-Hur, de William
Wyler.
A FICÇÃO CIENTÍFICA
A narrativa cinematográfica de ficção científica privilegia-se da
imensa liberdade de concepção visual proporcionada pelas
trucagens e efeitos especiais. Gênero apreciado pelo público desde a
época dos filmes seriados como Flash Gordon, possui grande
variedade de abordagens, prestando-se a reflexões metafísicas sobre
48
o homem diante do cosmos,
como em 2001, Uma Odisséia
no Espaço, de Stanley
Kubrick, ou simplesmente
encarnando a velha luta das
forças do Bem contra as forças
do Mal, como na trilogia
iniciada por Guerra nas Estrelas, de George Lucas.
Nos anos da Guerra Fria chegou a ser usado como metáfora da
ameaça comunista, e nas mãos de Steven Spielberg veicula
mensagens de tolerância, como E.T e Contatos Imediatos de
Terceiro Grau.
O SUSPENSE OU MISTÉRIO (THRILLER)
Gênero que tem Alfred
Hitchcock seu mestre maior,
exige um grande envolvimento
do espectador e sua
cumplicidade no
desenvolvimento da narrativa,
deixando-se manipular a ponto
de sentir sensações que vão do
calafrio na espinha ao pânico.
No filme de mistério a trama deve conter um grande segredo,
desconhecido do público e dos personagens, que, desenrolando-se
através de diversas pistas, deve levar a um final inesperado. É o
caso   da   fórmula   sempre   eficaz   do   “quem   matou?”,   explorada   à  
exaustão pelas telenovelas.
O suspense tradicional pode se dar ao luxo de dispensar o mistério
insolúvel, mantendo a tensão da trama e a atenção do espectador
através de um domínio narrativo e criatividade do roteiro, como é o
caso de Um Corpo que Cai, de Hitchcock, cuja chave central da
história é revelada ao espectador no meio do filme.

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O TERROR OU HORROR
Desde os primórdios do
cinema, sempre esteve entre os
gêneros favoritos do público,
principalmente adolescente,
que adora viver emoções
intensas na segurança de uma
sala de projeção. Também
devedor dos avanços do
cinema nas áreas de maquilagem e efeitos especiais, entronizou na
imaginação popular criaturas como Drácula e Frankenstein e a
figura sinistra de atores como Bela Lugosi, Boris Karloff e
Christopher Lee.
Os filmes bem-sucedidos de horror costumam dar origem a
continuações, como a série Sexta-feira 13 e aqueles protagonizados
pelo personagem Freddy Krueger. Pode atemorizar unicamente
através de um terror psicológico, como Os Inocentes, de Jack
Clayton, ou apelar para a escatologia e o mau gosto.
O FILME DE GUERRA
O lado espetacular do cinema
sempre encontrou na guerra um
bom pretexto para
demonstração de suas
qualidades, seja reencenando
campanhas e batalhas famosas,
seja reconstituindo o
impressionante aparato bélico dos exércitos. Se a Primeira Guerra
Mundial inspirou obras marcantes da categoria de Sem Novidade no
Front, de Lewis Milestone, a Segunda Guerra engajou o cinema
americano numa causa em que também estava em jogo a
supremacia sobre os mercados estrangeiros. Com uma clara
definição dos papéis de heróis e vilões, o cinema tornou-se
importante instrumento de propaganda, mobilizando a massa a favor
50
da causa aliada.
O pós-guerra gerou uma importante corrente de filmes antibélicos,
entre os quais se destacam Glória Feita de Sangue, de Stanley
Kubrick, Johnny vai á Guerra, de Dalton Trumbo e até mesmo o
consagrado A lista de Schindler, de Steve Spielberg.
O FILME ROMÂNTICO
Embora situações românticas
permeiem obras dos mais
diversos gêneros, sempre
estiveram entre os grandes
sucessos de bilheteria filmes
em que a questão amorosa
ocupa o lugar central. É um
cinema centrado na figura feminina, geralmente uma mulher
idealizada e glamorosa, encarnada por estrelas do porte de Greta
Garbo e Joan Crawford. Estabeleceu uma dramaturgia incorporada
pela TV na forma de soap-opera ou telenovela, com intermináveis
capítulos girando em torno das desventuras amorosas de suas
protagonistas e culminando num inevitável happy-end.
A longevidade da fórmula junto ao gosto popular pode ser medida
pelo recente sucesso de filmes como Uma Linda Mulher, de Garry
Marshall e Sintonia de Amor, de Nora Ephron. A comedia
romântica é uma variação popular que une dois gêneros.
O FILME DE AÇÃO E AVENTURA
Gênero de espetáculo que cativa quase todo tipo de platéia,
aproveita todas as convenções da narrativa cinematográfica para
lançar seus protagonistas em situações mirabolantes, sem a perda de
credibilidade ou da identificação com o público. Sinônimo de ação
contínua, o filme de aventura privilegia o aspecto físico dos
personagens em detrimento do psicológico. Tem predileção por
tramas que se desenrolam em lugares exóticos ou de difícil acesso.
51
Servindo como autêntico guia
turístico para o público.
Em raros casos, o destino
individual do personagem
central se sobrepõe à ação,
como é o caso de Lawrence da Arábia, de David Lean. O sabor dos
antigos seriados das matinês foi retomado com sucesso por Steven
Spielberg na série de filmes de Indiana Jones.
Algumas cinematografias regionais foram no estabelecimento de
subgêneros de aventura, como é o caso do filme japonês de samurai.
O CULT MOVIE
Um filme atinge o status de
cult quando conquista um
público cativo, capaz de vê-lo e
revê-lo incontáveis vezes, sem
nenhuma relação obrigatória
com seus méritos artísticos ou
sucesso de bilheteria. Nessa categoria enquadram-se experiência de
vanguarda, como o surrealista O Cão Andaluz, de Salvador Dali e
Luis Buñel, os filmes de Edward D. Wood Jr., considerado pela
crítica como o pior diretor de todos os tempos, e até mesmo filmes
recentes como Blade Runner.
As grandes cidades costumam ter cinemas de arte que exibem, em
sessões da meia-noite, filme que possuem verdadeiras legiões de
admiradores, que chegam a transformar a sessão num verdadeiro
happening interativo com a tela, como ocorre nas exibições de
Rocky Horror Show, de Jim Sharman.
Filmes  como  “A  Laranja  Mecânica”  de  Stanley  Kubrick  e  “O  Clube  
da  Luta”  de  David  Fincher  são  exemplos  de  filmes  que  se  tornaram    
cult com a passagem do tempo.

52
28. DIRETORES – SEGMENTOS DE MERCADO
Embora um diretor completo deva dominar todas as exigências
técnicas e artísticas da profissão, sua atuação no mercado de
trabalho costuma exigir algum tipo de especialização em áreas
específicas.
DIRETOR DE CINEMA – CINEASTA – AUTOR
Os críticos costumam fazer uma distinção entre os diretores que
exercem sua profissão de maneira exclusivamente técnica e
comercial, daqueles que fazem filmes como forma de expressão
artística. Esses últimos costumam ser chamados de cineastas e são
considerados autores de uma obra artística.
DIRETOR DE TELEVISÃO – DIRETOR DE TV
Diretor de TV é o diretor que trabalha apenas em estúdio,
comandando as câmeras e mesa de corte, não tendo função criativa
ou artística. O diretor de televisão exerce todas as outras
modalidades de direção na TV, com destaque para o campo da
teledramaturgia.
DIRETOR DE PUBLICIDADE – DIRETOR DE CENA
Somente no meio publicitário o diretor, mesmo dirigindo atores e
fazendo a decupagem, é chamado de diretor de cena.
DIRETOR DE CORPORATIVOS E INSTITUCIONAIS
Diretor especializado em produtos audiovisuais voltados para
empresas e instituições.
DIRETOR DE NOVAS MÍDIAS
As demandas provocadas pelas transformações na maneira de se
captar e difundir conteúdo audiovisual proporcionou o surgimento
de profissionais voltados exclusivamente para novas mídias, como
internet e celular.
53
DIRETOR DE DOCUMENTÁRIOS
Dirige exclusivamente produções documentais, para o circuito
cinematográfico, televisão e outros. Pode ser diretor de produções
jornalísticas.

29. MULTIPLICIDADE DAS FORMAS NARRATIVAS


Frequentemente se promovem enquetes destinadas a eleger os
melhores filmes de todos os tempos. O resultado por certo não
surpreende os cinéfilos, ávidos consumidores da cultura
cinematográfica, mas um espectador leigo pouco afeito a encarar o
cinema como manifestação cultural ou artística – por certo sofreria
um choque estético se assistisse em seqüência aos filmes eleitos.
Mais do que a diversidade das histórias narradas, temas abordados
ou recursos aplicados na produção, chamaria a atenção desse
hipotético espectador a grande variedade de maneiras de que dispõe
um diretor para conduzir uma narrativa cinematográfica. O
espectador leigo, é verdade, geralmente desconhece o papel do
diretor no processo de criação de um filme. Mas nem por isso
deixará de perceber, mesmo que instintivamente, quando um filme
rompe com o padrão narrativo tradicional a que está acostumado,
melhor seria dizer, condicionado. E os eleitos nas enquetes são
obras marcantes no desenvolvimento e consolidação da arte
cinematográfica não só por seu conteúdo, mas principalmente pelas
inovações que trouxeram no campo estético e pela maestria com que
empregaram a linguagem específica do cinema.
A chamada linguagem cinematográfica, um conjunto de normas e
procedimentos técnicos e artísticos que permitem ao diretor
materializar idéias sob a forma de imagens, tira sua força e empatia
da familiaridade do espectador com determinadas maneiras de se
registrar um filme. Ou seja, existe um significado implícito em cada
maneira de se posicionar a câmera, de movê-la aproximando-a ou
54
afastando-a dos atores, na maneira como se faz a transição entre
uma imagem e outra, na forma particular que cada roteirista ou
diretor tem de estruturar e contar uma história. Tomemos como
exemplo dois filmes japoneses que figuram quase sempre entre os
escolhidos pela crítica. RASHOMON (1950) de Akira Kurosawa e
VIAGEM À TOKIO (1953) de Yasujiru Ozu , tem em comum o
fato de terem sido realizados no mesmo país, na mesma década e
dentro do mesmo processo de produção, além de se destinarem ao
mesmo público. Mas as semelhanças acabam por aí. O filme de
Kurosawa notabilizou-se pela forma original de desenvolver seu
enredo, multiplicando os pontos de vista sobre um mesmo
acontecimento e recusando-se a adotar a versão de qualquer um dos
personagens como a expressão da verdade. Tudo isso contado em
imagens de grande força plástica, como fotografia em vários
momentos evocando o cinema expressionista e a música
adicionando comentários dramáticos à ação, num procedimento
formal que levou parte da crítica japonesa a acusar o autor de
utilizar uma estética por demais ocidentalizada. Na obra de Ozu
verificamos exatamente o contrário: o uso de uma postura estética
tão arraigadamente japonesa que impediu a difusão e a
popularização de seus filmes no ocidente. Entre os procedimentos
formais mais notáveis, destacam-se o uso de um único tipo de lente
em todas as tomadas, a colocação da câmera sempre na mesma
posição e absolutamente estática, o uso rarefeito da música e a
fidelidade a uma temática centrada na vida cotidiana.
Essa mesma contraposição pode ser encontrada em dois filmes do
cinema mudo selecionados em quase todas as enquetes: O
ENCOURAÇADO POTEMKIM (1925) de Sergei Eisenstein e
AURORA (1927) de F. W. Murnau. Enquanto o filme russo
notabilizou-se pela montagem inovadora, que rompe com as
convenções espaciais e temporais até então vigentes no cinema. O
filme de Murnau, realizado dentro do sistema americano de
estúdios, pode ser visto como o apogeu formal dessas mesmas
convenções que o filme de Eisenstein demolira apenas dois anos
antes. Fiéis representantes de duas concepções diretamente opostas,
55
ambos os diretores viram suas obras inscritas no restrito grupo de
filmes cujo impacto e importância transcende o período histórico em
que foram realizados. É dessa possibilidade de abordagens múltiplas
e de visões inovadoras e conflitantes com os cânones estabelecidos,
que o cinema extrai sua continuidade e seu poder de renovação.
Tradicionalmente conservadora, a indústria cinematográfica de
tempos em tempos sofre transformações para se adequar as
mudanças de gosto do público e absorver inovações da linguagem
cinematográfica. Surgidas como manifestações isoladas de gênio
(CIDADÃO KANE – 1941) ou como expressão de um determinado
momento histórico (o neo-realismo), essas inovações acabam
incorporadas ao repertório tradicional do cinema comercial
americano, e por essa via acabam ganhando mundo e integram-se ao
imaginário do espectador de todos os continentes. Cortes abruptos
de uma cena para outra, câmera na mão, visão amoral dos
personagens, narrativas descontínuas, recusa ao happy-end e outras
inovações que desconcertavam o espectador dos anos 60 e
restringiam os filmes da nouvelle-vague e do cinema novo a um
pequeno número de iniciados, hoje freqüentam com desenvoltura a
cinematografia mais acadêmica produzida por Hollywood, e
invadem até o universo modorrento das novelas de TV. Não fosse
esse processo contínuo de absorção e diluição, um filme como
PULP FICTION (1994) não ultrapassaria o gueto dos cinemas de
arte, e o cinema moderno ainda se orientaria pelos parâmetros de
clássicos como AURORA.
Tão múltiplas e generosas são as possibilidades oferecidas pelo
cinema, que um mesmo realizador, no caso Federico Fellini, pode se
dar ao luxo de criar uma obra inquietante e inovadora como 8 e ½
(1963), influenciando boa parte do cinema moderno, e uma década
depois realizar um filme que retrocede aos procedimentos narrativos
dos anos 50, AMARCORD (1973), uma de suas indiscutíveis obras
primas. Cada vez mais multifacetado e plural, o cinema ingressa em
seu segundo século aberto não só às influências que criadores
isolados ou unidos em movimentos de renovação por certo trarão à
56
arte cinematográfica e com certeza sofrerá uma profunda
transformação quando as fantásticas inovações trazidas pela
informática se incorporarem de forma contínua ao processo de
realização e exibição de filmes.

30. O CINEMA VISTO POR GRANDES DIRETORES


Da intuição até o domínio absoluto da técnica, do som como
elemento definidor à pressão dos grandes estúdios, oito diretores
fundamentais explicam seu trabalho e apontam as tendências da
sétima arte:
SCORSESE
O roteiro é vital
Mesmo que corra o risco dizer o óbvio,
afirmo que o dever de um cineasta é saber
do que fala. No mínimo, creio que deva
conhecer os sentimentos e emoções que
tenta comunicar ao público. Isso não o
impede de usar recursos mais exploratórios
mas apenas, acredito, na superfície, ou seja,
no nível do contexto da história.
Um filme como "A Era da Inocência" [1993], por exemplo, pode
parecer muito distante do meu arrazoado, porque jamais vivi em alta
sociedade, e muito menos no século passado. Mas o que fiz, nesse
filme, foi tomar sentimentos que eu conhecia e transpô-los de volta
para um universo que eu não conhecia, mas me intrigava, a fim de
estudá-los de maneira quase antropológica, ou seja, analisando de
que maneira as regras e convenções da sociedade daquela época
poderiam influenciar e afetar esses sentimentos.
Não importa qual seja a situação, acredito que um diretor deva saber
do que fala, e saber aonde vai. A idéia de cineasta que descobre o
57
filme ao fazê-lo, não creio que seja verdade. Mesmo que Fellini
tenha sempre reivindicado que seus filmes eram todos
improvisados, estou certo de que ele tinha no mínimo uma idéia
muito precisa do que desejava realizar.
A única situação de improviso visual que concebo é na filmagem de
cenas suplementares, que não constam do roteiro e não são
importantes ou indispensáveis para o filme. Nesse caso, me sinto
um pouco mais livre. Mas, mesmo assim, inventar um filme feito
desses pedaços, ou seja, filmar sem roteiro, me parece inconcebível.
O roteiro é vital. [...]
Na época de "A Última Tentação de Cristo" [1988] e "A Cor do
Dinheiro" [1986], eu lecionava cinema nas universidades Columbia
e de Nova York ou, mais exatamente, eu conversava com os
estudantes que estavam realizando seus filmes. Em termos gerais, o
maior problema dos projetos deles fica no nível que costumo
designar como "intenção", ou seja, aquilo que o cineasta tenta
comunicar por intermédio de seu filme. Há diversos fatores que
podem tornar esse problema aparente, mas creio que o mais
evidente seja o da colocação da câmera.
O lugar da câmera
Os estudantes muitas vezes não conseguiam responder à pergunta
fundamental para todo cineasta: onde colocar a câmera para permitir
que o plano mostre o que deve mostrar? E não simplesmente o
plano em questão, mas aquele que o sucederá e aquele que o
precedeu, igualmente, e como cada um dos planos, quando montado
em companhia dos outros, permitirá finalmente exprimir a idéia que
o cineasta tem em mente.
Pode se tratar de uma idéia puramente física - um homem entra em
um aposento e se senta em um sofá - ou de algo mais temático, ou
seja, uma reflexão filosófica ou uma observação psicológica. Mas
em todos os casos retornamos invariavelmente ao mesmo ponto de
partida: onde colocar a câmera para que se possa dizer o que é
58
preciso ser dito?
Pode ocorrer, claro, que o problema de muitos estudantes e de
muitos jovens cineastas seja exatamente o fato de que eles não têm
nada a dizer. E é por isso que seus filmes acabam sendo obscuros
demais, convencionais demais e orientados demais ao mercado
comercial [...].
Certos cineastas faziam seus filmes para o público. Outros, como
Hitchcock ou Spielberg, fazem-nos ao mesmo tempo para eles e
para o público. Hitchcock tinha perfeito conhecimento do público,
sabia exatamente como seduzi-lo e manipulá-lo. Mas, por trás de
tudo, ele tinha uma filosofia e uma psicologia tão fortes que, na
verdade, o que fazia era
disfarçar filmes muito pessoais
em filmes de suspense. Eu
creio que faço meus filmes para
mim mesmo, sem deixar de
saber que eles terão um
público, mas sem tentar antever
qual será a reação do público,
que forma a audiência tomará.
[...]

ALMODÓVAR
A técnica é uma ilusão
O problema da geração mais nova [de
cineastas] com relação às precedentes é
o fato de ter crescido em uma cultura na
qual a imagem se tornou onipresente e
onipotente. Banharam-se desde
pequenos no universo do videoclipe e
59
da publicidade, que não são formatos que me atraíam, pessoalmente,
mas cuja riqueza visual é inegável. E por isso os cineastas estreantes
têm uma cultura e um domínio de imagem muito superiores aos que
seus predecessores tinham 20 anos atrás.
Mas, em razão disso, eles também abordam o cinema de uma forma
que privilegia a forma ao conteúdo, e creio que chega um momento
em que isso os atrapalha. De fato, creio que a técnica é uma ilusão.
[...]
Há cineastas que dizem imaginar o filme inteiro em suas cabeças,
antecipadamente, mas mesmo assim há muitas coisas que não se
revelam, a não ser no momento, quando todos os elementos de uma
cena estão montados no local de filmagem.
O primeiro exemplo que me ocorre é o do acidente de carro em
"Tudo sobre Minha Mãe" [1999]. No começo, eu planejava filmar
com uma grua e terminar com um longo "travelling",
acompanhando a mãe em sua corrida pela rua, sob a chuva, na
direção do filho agonizante. Mas acabei por repensar e disse a mim
mesmo que o "travelling" era parecido com um plano que eu já
utilizara no final de "A Lei do Desejo" [1987]. E por isso decidi, de
improviso, naquele momento, rodar a cena de maneira
completamente diferente, ou seja, como uma tomada subjetiva. A
câmera filma do ponto de vista do rapaz, passa por baixo do carro e
se perde no sol, e enfim ele vê a mãe correndo em sua direção.
No final, terminou sendo sem dúvida um dos planos mais fortes do
filme. No entanto não foi de maneira nenhuma premeditado. Tudo
surgiu de decisões intuitivas, improvisadas ou acidentais, que são a
magia da filmagem. [...]
Close-up perigoso
O fato é que não tenho fetiches ou manias, na hora de rodar uma
cena. Mas, nos meus dois últimos filmes, surgiram detalhes muito
peculiares. Para começar, usei um novo tipo de lente, chamadas
60
"primes", que me satisfizeram muito, pela densidade que dão às
cores e, acima de tudo -o que pode surpreender- pela textura que
emprestam aos objetos que não ficam em foco, no segundo plano de
certas imagens.
Além disso, e isso é o mais importante, utilizei basicamente o modo
"scope", com um formato de imagem muito mais alongado. O
"scope" não é um formato evidente e oferece certos problemas,
especialmente no caso dos planos próximos. Para filmar um close-
up nesse formato, é preciso fechar nos rostos, e ocasionalmente isso
se torna perigoso, porque não há como mentir. Isso obriga a encarar
a questão quanto ao que se quer realmente dizer com o close-up. Os
atores precisam ser bons, e é preciso que haja algo de verdadeiro
naquilo que interpretam – ou a cena descamba.
Digo isso, mas poderia facilmente oferecer um exemplo inverso
daquilo que estou dizendo: [o cineasta italiano] Sergio Leone [1929-
1989]. A maneira pela qual ele filmava close-ups extremamente
próximos em seus westerns era completamente artificial. Lamento
muito, mas Charles Bronson [1922-2003], para mim, é um ator que
nada exprime. E a intensidade que deriva dos close-ups de seu rosto
durante as cenas de duelo é completamente falsa. No entanto sou
obrigado a reconhecer que o público adora o estilo.
O exemplo oposto é David Lynch. No caso dele, embora filme
certos objetos em close-up, consegue dotar as imagens de um
verdadeiro poder de sugestão.
Os planos não são só impecáveis do ponto de vista estético mas
repletos de mistério. A abordagem dele corresponde à minha, mas
eu sou muito mais fascinado
pelos atores, adoro filmar
rostos, enquanto Lynch, que
começou nas artes plásticas,
visivelmente se interessa mais
pelos objetos.

61
LYNCH
Som e sentido
Se alguém me perguntasse quais são os
filmes que, para mim, representam os
exemplos mais brilhantes do que se pode
realizar como cineasta, creio que eu
escolheria quatro. Para começar, "Oito e
Meio" [1963], para mostrar como Fellini
foi capaz de obter no cinema o mesmo
resultado que certos artistas conseguem na
pintura abstrata, ou seja, conseguir
comunicar uma emoção sem jamais falar
dela ou mostrá-la diretamente, sem jamais
explicá-la, quase como se fosse magia. A
seguir, eu exibiria "Crepúsculo dos Deuses" [1950], um pouco pelas
mesmas razões.
Porque, se o estilo de Billy Wilder não se compara ao de Fellini, ele
obtém resultado mais ou menos similar, ao criar uma espécie de
ambiente abstrato, menos por magia pura do que por toda espécie de
invenção estilística e técnica. A Hollywood que ele nos descreve
naquele filme sem dúvida jamais existiu, mas ele nos alcança e faz
com que acreditemos plenamente e nos faz penetrar nela como num
sonho.
Depois disso, mostraria "As Férias de M. Hulot" [1953], pela visão
incrível que [Jacques] Tati tinha da sociedade. Pode-se ver, em seus
filmes, como era profundo o conhecimento e o verdadeiro amor que
sentia pelo ser humano, e há muito a aprender com seu exemplo.
Por fim, mostraria "Janela Indiscreta" [1954], em razão da maneira
brilhante pela qual [Alfred] Hitchcock conseguiu criar -ou recriar-
um verdadeiro universo no pátio daquele edifício. James Stewart
não sai de sua cadeira o filme inteiro e, apesar disso, testemunha, de
seu ponto de vista, uma incrível história de morte. Esse filme, a arte
de condensar algo enorme e de fazer com que caiba na película, que
62
parece minúscula, só pode funcionar por se basear em um completo
domínio da imagem. [...]
Entidade sólida
Descobri o poder do som desde o começo. Trabalhei com "pintura
viva", um projetor passando um filme em "loop" e o som de uma
sirene rodando igualmente em "loop" por trás da cena. Desde então,
sempre considerei que o som representava metade da eficácia de um
filme. Temos a imagem de um lado e o som de outro, e, se o diretor
sabe como aliá-los corretamente, o conjunto é muito mais forte que
a soma das partes. A imagem repousa sobre toda espécie de
elementos frágeis e voláteis (a luz, o enquadramento, a interpretação
dos atores etc.), mas o som é uma espécie de entidade sólida e
possante, que "habita" fisicamente o filme, que se instala nele como
alguém se instala em uma casa.
É claro que é preciso encontrar o melhor som, o que implica muita
discussão, muitos testes e muitas experiências. [...]
Cada cineasta tem hábitos ou pendores característicos, no plano
técnico. Por exemplo, adoro brincar com contrastes, filmar com
lentes que me dão grande amplitude de campo e ao mesmo tempo
adoro close-ups muito próximos, como os fósforos em "Coração
Selvagem" [1990].
Por outro lado, tenho um método muito peculiar de realizar
"travellings". É um método que experimentei em "Eraserhead"
[1977] e que voltei a utilizar em todos os meus trabalhos
posteriores. Consiste em carregar a dolly da câmera usada no
"travelling" com pesos, sacos de areia, até que pareça pesar três
toneladas. São necessárias muitas pessoas para empurrá-la, e ela
inicia seu percurso muito lentamente, como uma locomotiva saindo
da estação.
Mas, passado um momento, a dolly ganha velocidade e, depois
disso, passa a ser necessário empregar muita energia para impedir
63
que ela corra demais. É quase necessário que alguém se jogue à sua
frente para detê-la. O interessante desse método é que dá ao
"travelling" uma graça e uma fluidez notáveis. Creio que o melhor
"travelling" dos meus filmes esteja em "O Homem Elefante" [1980],
quando Anthony Hopkins descobre pela primeira vez o homem
elefante e se aproxima de seu rosto para ver sua reação.
Tecnicamente, foi uma tomada muito bem realizada, mas, além
disso, no exato momento em que a câmera se detém em seu rosto,
Anthony Hopkins deixa
escapar uma lágrima.
Isso não estava
previsto. É um desses
momentos mágicos que
acontecem. Foi a
primeira tomada, mas,
após ver o que
acontecera, eu nem
mesmo pedi uma
segunda.
BERTOLUCCI
Câmera inquieta
Não aprendi a dirigir filmes de modo teórico, e a noção de
"gramática" cinematográfica nada significa
para mim. E, no entanto, dada minha
maneira de pensar, tendo a dizer que, se
existe gramática, é preciso transgredi-la.
Porque é dessa maneira que a linguagem
cinematográfica evolui.
Quando Godard filmou "Acossado" [1959],
a gramática dele era "le jump cut" [transição
imediata entre uma imagem e outra] no poder. E o extraordinário é
que, caso você assista a um dos últimos filmes de John Ford [1895-
64
1973] -"Sete Mulheres" [1966]- você se dá conta de que o cineasta,
um dos clássicos do cinema hollywoodiano, decerto assistiu a
"Acossado" e adotou o "jump cut" como método, coisa que dez anos
antes pareceria inconcebível. Eu, desde sempre, abordo cada plano
como se fosse o último, como se devesse aposentar a câmera depois
de cada tomada.
Tenho sempre essa sensação de roubar cada uma de minhas
tomadas, e nesse estado de espírito é impossível refletir em termos
de "gramática" ou de lógica. Hoje em dia, aliás, não preparo nada
com antecedência, não faço decupagem nenhuma. Geralmente, tento
rever antes de dormir os planos que rodarei no estúdio na manhã
seguinte. [...]
Brando e Francis Bacon
A comunicação é evidentemente um fator essencial ao bom
funcionamento de uma equipe de filmagem. Mas creio que a chave
para uma boa comunicação precisa ser estabelecida antes do começo
da filmagem; fazê-la no estúdio é tarde demais. Por exemplo,
quando decidi filmar "O Último Tango em Paris" [1987], convidei
Vittorio Storraro (diretor de câmera de todos os filmes de Bertolucci
até "O Pequeno Buda" [1993]) para a exposição de Francis Bacon
[1909-92] no Grand Palais [em Paris], e lhe mostrei as telas,
dizendo que aquela era a espécie de coisa em que queria me
inspirar.
E, se vocês prestarem atenção ao resultado final, há luzes
alaranjadas no filme que são diretamente influenciadas por Bacon.
Depois, convidei Marlon Brando [1924-2004] para ir à mesma
exposição e lhe mostrei a tela que se vê no começo do filme, nos
títulos de abertura. Era um retrato que, observado no começo,
parecia bastante figurativo.
Mas, depois de fixar o olhar no quadro por um bom tempo, a tela
perdia o naturalismo completamente e se tornava a expressão do que
se passa nas tripas -ou no inconsciente- do autor. Perguntei a
65
Marlon se ele tinha prestado atenção ao retrato e disse que queria
que ele criasse a mesma massa de dor. E foi quase só essa -ou pelo
menos foi essa a principal- instrução que lhe dei para o filme. [...]
É a câmera que dita minha maneira de dirigir, porque ela se
movimenta o tempo todo - e percebo que, nos meus filmes recentes,
ela se move ainda mais-, quase como se entrasse em cena, na forma
de um personagem invisível do filme. Sou incapaz de resistir à
tentação de fazer a câmera se mover. Creio que isso surge da
necessidade de forjar uma relação sensual com os personagens, na
esperança de que isso se transforme em uma relação sensual entre os
personagens. [...] Quase nunca uso o zoom. Não sei o motivo, mas
creio que haja alguma coisa de falso nesse movimento. [...]
Aparentemente, um filme consiste em transformar uma idéia em
imagem. Mas, de um modo mais secreto, para mim ele sempre foi
uma maneira de explorar qualquer coisa de mais pessoal e abstrato.
E meus filmes terminam sempre sendo muito diferentes do que eu
imaginava, no começo do projeto. É um processo evolutivo, assim.
[...]
Houve um momento em que considerava que a contradição era a
base de tudo, o motor de cada filme. E foi assim que filmei "1900"
[1976], filme sobre o nascimento do socialismo, um filme socialista,
por isso, em essência, mas financiado por dólares norte-americanos.
Um filme no qual eu misturava atores de Hollywood e camponeses
da região do rio Pó [na Itália], que jamais haviam visto uma câmera.
Isso me divertiu bastante.
É preciso lembrar que,
quando comecei a fazer
cinema, nos anos 60, ainda
existia aquilo que os
cineastas designavam como
"a questão Bazin", ou seja,
"o que é o cinema?". Era
uma espécie de interrogação
66
constante que terminava por se tornar um pouco o tema de cada
filme.
Isso acabou porque as coisas mudaram. Mas tenho a impressão de
que o cinema está a ponto de sofrer tamanha transformação, de
perder a tal ponto sua unicidade, que a questão Bazin voltará a ser
atual, e será preciso recomeçar a perguntar, uma vez mais, o que é o
cinema.
CRONENBERG
Escrita é arte maior
Pode parecer chocante, mas em algum lugar
acredito que continuo considerando a
literatura uma arte superior ao cinema. É
provavelmente por esnobismo ou porque,
como disse antes, sempre pensei que minha
carreira "séria" seria escrever romances e
que o cinema seria apenas um hobby, uma
coisa que eu faria paralelamente. Ao mesmo
tempo, quando conheci Salman Rushdie
[escritor britânico, autor de "Versos
Satânicos"], que considero um dos autores mais ricos e mais
intensos de sua geração, pedi sua opinião.
Isso me parecia ainda mais interessante porque ele cresceu na Índia,
onde o cinema tem uma importância cultural enorme. Então lhe
perguntei se ele considerava a literatura uma arte superior ao
cinema, e ele me olhou como se eu fosse louco. Ele disse que
pensava exatamente o contrário e que estaria disposto a tudo para
poder realizar um filme. [...]
A câmera é um ator
Na primeira vez em que me encontrei em um set de filmagem,
lembro-me de ter ficado aterrorizado com a idéia de espaço, porque,
se a escrita é um universo bidimensional, o cinema é tridimensional.
67
Não falo da imagem, é claro, mas do set. É um universo onde é
preciso gerar não apenas o espaço mas também a relação das
pessoas e dos objetos nesse espaço e organizar tudo para que seja
eficaz e para que, além disso, tenha sentido.
Pode parecer abstrato dito assim, mas, quando estamos diante do
problema, acredite-me, é muito concreto. Pois a câmera ocupa seu
próprio lugar nesse espaço, ela é como mais um ator.
E em muitos filmes de estréia eu noto o mesmo defeito: a
incapacidade de dançar com a câmera, de traduzir corretamente essa
espécie de balé gigantesco formado por todos os elementos de um
set de filmagem. Por outro lado, o que é formidável é que a maioria
das decisões a serem tomadas vêm de maneira completamente
instintiva. [...]
Quanto mais filmes faço, mais sinto vontade de rigor e purismo ou
de minimalismo. É por isso que um filme como "Exiztenz" [1999] é
filmado quase totalmente com uma única lente, no caso a de 27
milímetros. Quero ser simples e direto, à maneira de um [Robert]
Bresson [1901-99] e, por outro lado, o oposto completo de um Brian
de Palma [1940], que vai constantemente buscar uma maior
manipulação da imagem e uma maior complexidade visual.
Não critico o que ele faz, mas é outra abordagem. Também nunca
utilizo o zoom, porque para mim é somente um brinquedo ótico.
Então, quando movimentamos a câmera, a mudança de perspectiva
o projeta fisicamente
no espaço do filme.
Novamente, o zoom
tem alguma coisa de
bidimensional que não
corresponde à minha
idéia de cinema.

68
VON TRIER
A busca da emoção
O que me parece primordial é fazer um
filme para si mesmo, e não para o público.
Se você começa a pensar no público,
certamente vai se enganar e fracassar. Para
fazer filmes, uma parte de você deve
evidentemente ter vontade de se comunicar
com os outros, mas essa não deve ser a
motivação principal, senão o filme não vai
funcionar. Você deve fazer o filme que você
quer ver, e não aquele que acredita que o
público quer ver. É uma armadilha na qual vejo muitos cineastas
caírem. Isso não significa que não se podem fazer filmes
comerciais. Significa somente que esses filmes devem agradar a
você antes de agradar ao público. Um cineasta como Steven
Spielberg [1947] faz filmes muito comerciais, mas estou convencido
de que ele os faz antes de tudo porque tem vontade de vê-los. E é
por isso que eles funcionam. [...]
Alguns anos atrás, todo mundo lhe diria que eu era o pior diretor de
atores que já existiu. E, sem dúvida, eles teriam razão. No entanto
eu diria em minha defesa que o estilo de filme que eu fazia exigia
isso. Hoje mudei um pouco de opinião. Em uma filmagem como a
de "Dogville" [2003], tenho a impressão de ser um anfitrião, e todos
os atores são meus convidados. De repente, isso me cria outras
preocupações. Porque, quando vejo que um dos meus "convidados"
não se diverte na festa, sinto-me culpado e não consigo trabalhar.
Quero que todo mundo se sinta bem em meu set. Quero que meus
atores não sintam nenhuma pressão. Cabe a mim absorver toda a
pressão, a fim de criar um clima no qual possa se estabelecer
confiança. Pois, embora seja um clichê, a confiança é o fator vital
no trabalho com um ator. É verdade que no meu caso minha
reputação ajuda muito. Como todo mundo sabe que faço coisas um
69
pouco loucas, os atores que aceitam trabalhar comigo o fazem com
conhecimento de causa. Em geral estão dispostos a tudo.
Coisas meio malucas
E o que foi formidável com Nicole Kidman, por exemplo, é que ela
sempre aceitou experimentar muitas coisas meio malucas que não
estavam previstas. E acredito que é o maior sacrifício que se pode
pedir a um ator: assumir o risco de se ridicularizar pelo bem do
projeto. [...]
Não faço filmes para exprimir
idéias. Entendo que se poderia
pensar isso vendo meus
primeiros filmes, porque eles
têm algo um pouco frio e quase
matemático. Mas, mesmo na
época, acreditava que no fundo
eu já era o mesmo que hoje.
Essa busca da emoção sempre orientou meu trabalho, e, se meus
últimos filmes podem parecer mais fortes e mais tocantes que os
primeiros, é sem dúvida só porque, como pessoa, me tornei mais
aberto às emoções.
WOO
Filme sem gramática
Não conheço nenhuma regra, nenhuma
verdadeira "gramática" do cinema. Quando
preparo uma cena, não digo "oh, é preciso
filmá-la em grande plano" ou "oh, isso é um
grande plano". Prefiro filmar de várias
distâncias e tomar minha decisão final na
montagem, porque é ao mesmo tempo o
momento em que melhor consigo ter um
espírito de síntese e aquele em que o filme
70
começa realmente a ganhar vida.
Portanto, não hesito em filmar cada cena com várias câmeras (já
tive até 15 câmeras para cenas de ação especialmente complexas) e
até rodar algumas câmeras em velocidades diferentes (minha
velocidade preferida é de 512 imagens por segundo, ou seja, 20
vezes mais lenta que a normal). O motivo dessa desaceleração é
que, quando descubro na montagem um momento especialmente
forte, do ponto de vista dramático ou emocional, gosto de fazê-lo
durar o maior tempo possível. Portanto, filmo sob vários ângulos ao
mesmo tempo, mas pode acontecer que no final o desempenho do
ator seja tão formidável que eu decida utilizar apenas o grande plano
para a cena inteira e jogar fora todo o resto. [...]
Burocracia de Hollywood
Já se disse que os estúdios de Hong Kong são muito duros, e é
verdade, mas unicamente porque eles são obcecados pelo aspecto
comercial dos filmes. Se você tiver um fracasso de bilheteria, eles se
livram de você com uma rapidez assustadora.
Por outro lado, enquanto funcionar, eles lhe dão um controle
criativo total na filmagem. Nunca mostrei meus copiões aos
produtores, quando trabalhava em Hong Kong. Eu filmava e lhes
entregava o produto acabado, muitas vezes com atraso e tendo
ultrapassado o orçamento. Mas eles só se queixavam se o filme não
desse dinheiro.
Em Hollywood fiquei francamente surpreso de ver a que ponto o
processo criativo é
complexo e político.
Há muitas pessoas
envolvidas que
querem impor suas
idéias, reuniões
demais e não se
assumem riscos
suficientes. É preciso
71
ter uma energia incrível para ainda ter vontade de filmar quando
finalmente lhe dão a aprovação. O problema é que eu trabalho
enormemente pelo instinto. Gosto de criar no set, e não antes. [...]
Para trabalhar bem com atores, acredito que é preciso estar um
pouco apaixonado por eles. Isso é uma coisa que compreendi muito
cedo, assistindo a "A Noite Americana" [1973], de [François]
Truffaut [1932-84]. Era fascinante ver a que ponto ele amava seus
atores. Para mim é a mesma coisa. Por isso insisto em passar muito
tempo com eles antes da filmagem e discuto muito para descobrir
quem eles são e o que têm na cabeça. Faço-os falar sobre seu modo
de vida, seus sonhos, aquilo de que gostam e o que detestam.
GODARD
Perversões do autor
A perversão da noção de autor é
incontestavelmente uma herança negativa
da "nouvelle vague". Antes, aqueles que
eram considerados autores dos filmes eram
os roteiristas, uma tradição que vinha da
literatura. Nos créditos, os nomes dos
diretores vinham em último lugar, a não ser
para pessoas como [John] Ford ou [Frank]
Capra, mas unicamente porque eles também
eram produtores. Mas nós dissemos: "Não, a
direção é o fato fundador e verdadeiramente
criador do filme. E Hitchcock [1899-1980] é
autor tanto quanto Balzac [1799-1850]". A partir daí desenvolvemos
a política dos autores, que consistia em apoiar o autor, mesmo
quando ele era fraco.
Apoiávamos mais facilmente um mau filme de autor que um bom
filme de alguém que não o era. E depois o conceito se inverteu, se
transformou em um culto ao autor, e não a seu trabalho. Então todo
mundo se tornou autor, e, hoje, quase que o cenarista pede para ser
reconhecido como autor dos pregos que colocou no cenário. O
72
termo não quer dizer mais nada, portanto. [...] Acredito que, quando
lançamos a política dos autores, nos enganamos ao privilegiar a
palavra "autor", enquanto na verdade é a palavra "político" que era
preciso ressaltar.
Pois o verdadeiro objetivo desse conceito não era demonstrar quem
faz a direção, mas, principalmente, explicar o que faz a direção. [...]
Eu acredito que existem duas maneiras de enfrentar um filme. A
primeira é a das pessoas que fazem cinema mais clássico e
tradicional, mas que vão até o fim. O que entendo por isso é que
elas começam tendo vontade, a qual se transforma pouco a pouco
em idéia.
Elas fazem anotações, começam a ver os cenários aparecendo em
sua cabeça, depois imagens, depois uma narrativa, uma construção
etc. A partir de todos esses elementos, passam a preparar o filme da
melhor forma possível, um pouco do mesmo modo que um arquiteto
prepara as plantas de uma casa.
Depois há a filmagem, que consiste em realizar o melhor possível e
da maneira mais agradável o que foi desenhado nas plantas. E
finalmente há a montagem, o último momento de possibilidade de
invenção e de semiliberdade. Essa é uma abordagem. A minha é
diferente. Eu começo tendo uma espécie de sentimento abstrato, de
atração por alguma coisa sem compreendê-la bem, e o fato de filmá-
la faz com que eu a verifique, pronto para recuar ou mudar
enormemente as coisas. Somente no fim eu posso efetivamente
verificar se minha intuição estava certa e, é claro, geralmente é tarde
demais.
Eu diria que é um pouco como na pintura moderna, na qual se faz
uma tentativa, depois se apaga e recomeça. É preciso explicar que
eu sempre parti da possibilidade real de fazer o filme, quer dizer, o
projeto é montado com um produtor antes mesmo que eu tenha
escrito o roteiro.

73
História de amor
Então, quando tudo isso está pronto, é preciso ir em frente. É um
pouco como uma história de amor. A gente fica junto, decide se
casar e depois não é mais possível recuar. É preciso levantar de
manhã, fazer as contas, se perguntar como vamos viver, trabalhar...
Há uma obrigação que não podemos evitar. [...]
Existem dois níveis de leitura em um filme: o visível e o invisível.
O que você coloca diante da câmera é o visível. E, se houver apenas
isso, é um telefilme que você faz. Os verdadeiros filmes, para mim,
são aqueles em que existe uma espécie de invisível, que só pode ser
visto através daquele visível e unicamente porque ele é agenciado
ou orientado assim.
Muitos realizadores hoje se contentam em filmar o visível.
Deveriam se fazer mais perguntas. Ou talvez sejam os críticos que
deveriam fazê-las. Mas não depois que os filmes estão prontos,
como acontece hoje. Não, aí é tarde demais, é preciso fazê-las antes.
E é preciso fazê-las como um juiz que interroga um suposto
culpado. [...]
Eu nunca aderi ao conceito dos atores que conseguem fazer
acreditar que são o personagem. O exemplo definitivo é sem dúvida
a peça de Tchekov na qual a atriz faz crer que é uma gaivota. Muitas
pessoas acreditam, eu não. Eu nunca dirigi realmente os atores. Com
Anna (Karina) o problema nem mesmo se colocava, pois ela mesma
se dirigia. Meus
comentários muitas
vezes se reduziam a
"mais forte", "mais
devagar" ou, "se
você não entendeu,
então pelo menos
diga como eu teria
entendido". Em
geral, deixo os
74
atores fazerem sua própria criação. É claro que o fazem sozinhos.
Meu trabalho se restringe então a lhes dar boas condições: um bom
enquadramento, uma boa profundidade de campo etc.
Não consigo fazer o enorme trabalho de direção de atores que se
pode encontrar em [Ingmar] Bergman [1918], [George] Cukor
[1899-1983] ou [Jean] Renoir [1894-1979], quando podemos ver
que eles amavam os atores como um pintor ama seus modelos.

31. BIBLIOGRAFIA
RABIGER, Michael. Direção de Cinema – Técnicas e Estética. Rio
de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
BORDWELL, David. Sobre a História do Estilo Cinematográfico.
São Paulo: Unicamp, 2013.
MAMET, David. Sobre Direção de Cinema. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
MERCADO, O olhar do Cineasta, Rio de Janeiro: Editora
Campus/Elsivier, 2011.
LUCA, Luiz Gonzaga de. Cinema digital: um novo cinema. São
Paulo: Imprensa Oficial, 2003.
XAVIER, Ismail (org.) A Experiência do Cinema: antologia. Rio
de Janeiro: Edições Graal, 1983.
TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
EISENSTEIN, S. Reflexões de um Cineasta. Rio de Janeiro: Zahar,
1977.
TRUFFAUT, François. Hitchcock/Truffaut: entrevistas. São Paulo,
Companhia das Letras, 2004.
XAVIER, ISMAIL. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a
75
transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
MURCH, Walter. Num Piscar de Olhos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
LUMET, Sidney. Fazendo Filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
FILHO, Daniel. O Circo Eletrônico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.

32. CURRÍCULO DO PROFESSOR


Fernando Severo
Catarinense radicado em Curitiba, graduado em Comunicação
Social (Publicidade e Propaganda) pela Universidade Federal do
Paraná e pós-graduado em Comunicação e Cultura pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Realizador de
diversos filmes e vídeos como diretor, roteirista e montador,
vencedores de mais de setenta prêmios nacionais e internacionais, é
um dos mais destacados cineastas do Paraná.
No Festival de Gramado de 2003 seu filme "Paisagem de Meninos"
recebeu os Kikitos de Melhor Média-Metragem, Melhor Roteiro,
Melhor Ator e Prêmio Especial do Júri (Direção de Arte). No
mesmo festival, teve o filme "Visionários" contemplado com o
Prêmio de Aquisição do Canal Brasil. Esta obra recebeu também
mais dez prêmios nos festivais de Salvador, Curitiba, Camboriú,
Porto Velho e Vitória, e foi um dos indicados na categoria
documentário no Grande Prêmio da Academia Brasileira de
Cinema. Foi selecionado também para a Mostra Competitiva do
Festival de Clermont-Ferrand, na França, considerado o mais
importante do mundo no gênero curta-metragem. Sua participação
nesse festival lhe valeu elogios do prestigioso jornal francês
"Libération" e convites para outros festivais na França, Alemanha,
Holanda, Itália e Espanha. Em 2004 "Visionários" recebeu o Prêmio
76
Lions no Festival de Montecatini Terme, o segundo mais antigo da
Itália.
Entre seus outros filmes de destaque, "O Mundo Perdido de Kozák"
recebeu o Kikito de Melhor Roteiro em Gramado e mais dezesseis
prêmios nacionais, além de ter sido selecionado pelo Festival de
Oberhausen (Alemanha), o mais antigo dedicado exclusivamente ao
curta-metragem. Foi também um dos dois únicos filmes do sul do
Brasil votados na enquete promovida pelo Festival É Tudo Verdade
para a escolha dos dez melhores documentários brasileiros de todos
os tempos. O curta de ficção "Os Desertos Dias" foi premiado em
festivais do Brasil e exterior e selecionado pelo Festival de Locarno
(Suiça), um dos mais importantes da Europa.
Dirigiu diversos episódios da série Casos e Causos para a emissora
RPC (Rede Globo no Paraná) e foi diretor do Programa Grande
Angular da emissora Paraná Educativa. Todos os seus filmes foram
exibidos em diversos canais da TV a cabo e aberta. Dirigiu dois
filmes da série Panorama Histórico Brasileiro, do Instituto Itaú
Cultural, exibidos pela Rede Globo e extensa rede de canais a cabo
do Brasil e exterior. Vencedor, em parceria com Marcos Jorge, do
Edital para produção de longa-metragem da Secretaria da Cultura do
Paraná, com o projeto "Corpos Celestes", protagonizado por Dalton
Vigh. O longa-metragem foi premiado no Festival de Cinema de
Gramado e recebeu mais oito prêmios em festivais nacionais, além
de ser selecionado para diversos festivais na Europa, Ásia e
América do Norte. Foi lançado comercialmente em março de 2011 e
exibido   como   “Filme   do   Mês”   pelo   Canal   Brasil   da   Net.   Foi  
adquirido pela Air France e pela TAP para exibições em vôos
internacionais. Atualmente se encontra em exibição pelos canais de
TV a cabo Sony, Sony Spin, AXN, MGM, A&E e Brasil.
Foi vice-presidente e conselheiro da ABD – Associação Brasileira
de Documentaristas, membro do Conselho de Cinema do
Ministério da Cultura, do Conselho Estadual de Cultura do Paraná e
da Comissão de Artes Plásticas da Fundação Cultural de Curitiba.
77
Consultor no projeto de implantação da Cinemateca de Curitiba
(Fundação Cultural de Curitiba) e do Paço da Liberdade (espaço
cultural do SESC-PR). Atualmente é Diretor do MIS-Museu da
Imagem e do Som do Paraná.
Mantém extensa atividade didática em diversas instituições de
ensino. Ministrou as disciplinas de Prática de Realização, Roteiro e
Edição no Curso de Pós-graduação em Comunicação Audiovisual
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Ministrou a
disciplina Cinema nos Cursos de Jornalismo e Publicidade e
Propaganda da Universidade Positivo. É professor da disciplina
Direção de Audiovisual no Curso de Cinema e Vídeo da
UNESPAR-Universidade Estadual do Paraná. Foi o criador e é
Supervisor Acadêmico no Curso de Cinema do Centro Europeu.
FILMOGRAFIA
A POLACA (2013, digital, documentário, longa-metragem)
CORPOS CELESTES (2011, 35mm, ficção, longa-metragem)
XETÁ (2010, 35mm, documentário, curta-metragem)
HELMUTH WAGNER - ALMA DA IMAGEM (2009, digital,
documentário, média-metragem)
HÓSPEDE SECRETO (2008, 35mm, ficção, curta-metragem)
PAISAGEM DE MENINOS (2003, 35mm, ficção, média-
metragem)
VISIONÁRIOS (2002, 35mm, documentário, curta-metragem)
CORPOGRAFIA : FRAGMENTOS & MEMÓRIAS (1993, Super
VHS, videoarte, curta-metragem)
SÉCULO XX : PRIMEIROS TEMPOS (1993, 35mm,
documentário, curta-metragem)

78
OS REINADOS (1992, 35mm, documentário, curta-metragem)
O FIM DA HISTÓRIA (1992, U-MATIC, ficção, curta-metragem)
OS DESERTOS DIAS (1991, 35mm, ficção, curta-metragem)
FRED HISTÉRICO (1991, U-MATIC, videoarte, curta-metragem)
INSTRUÇÕES PARA SUBIR UMA ESCADA (1991, U-MATIC,
videoarte, curta-metragem)
O MUNDO PERDIDO DE KOZÁK (1988, 16mm, documentário,
curta-metragem)
PLANO: SEQUÊNCIA (1983, VHS, videoarte, curta-metragem)
JARDINS SUSPENSOS (1982, Super 8, documentário, curta-
metragem)
VISÕES SECRETAS (1980, Super 8, experimental, curta-
metragem)
ESCURA MARAVILHA (1979, Super 8, experimental, curta-
metragem)
ALUMINOSA ESPERA DO APOCALIPSE (1979, Super 8,
experimental, curta-metragem)
HU (1979, Super 8, experimental, curta-metragem)

CONTATOS
fernandosevero7@gmail.com
(41) 9161-0057

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