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cinematográfcos
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
cinematográfcos
Sumário
Introdução 5
Roteiro e direção 10
Argumento 15
Sinopse 16
Storyline 17
Os gêneros cinematográcos 17
Aventura : 18
Comédia: 18
Crime : 18
Melodrama : 18
Drama: 18
Um roteiro exemplar 19
A criação do roteiro 24
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
cinematográfcos
Os diálogos 31
Projeção e identicação 34
Os aliados do protagonista 43
Protagonistas X antagonistas 47
Movimentos de câmera 48
Enquadramento 49
Conclusão 58
Referências 58
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cinematográfcos
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cinematográfcos
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reais, as coisas não funcionam bem assim. Talvez haja algum exagero nessa coloca-
Nos meios de criação mais sérios, tem-se ção se pensarmos em todas as categorias de
como norma que criar é 90% de esforço e arte existentes, pois algumas, mais do que
apenas 10% de inspiração. outras, dependem sim de certo dom preexis-
tente. Por exemplo, anação para o canto,
facilidade para o desenho, exibilidade para
a dança etc. Mas, quando falamos em cine-
ma e principalmente em roteiro, isso não se
aplica, já que um roteirista aprende a ser ro-
teirista.
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
Neste último caso, partimos do desejo ou da Roteiro: uma história contada por
obrigação de nos debruçarmos sobre um de-
imagens e sons
terminado projeto.
Como já vimos até aqui, ninguém vira
roteirista apenas com uma grande ideia. É
necessária a prática de saber colocá-la num
papel a partir de regras básicas que de fato
a transformem numa obra de cção audio-
visual. Um roteiro é um projeto audiovisu-
al, portanto suas histórias são contadas com
imagens e sons, que surgem em forma de
cenas, sequências e montagens. As imagens
são parte integrante do processo de criação
de um roteirista, portanto, não se deve es-
Quase todos os roteiros são encomendas, e,
tranhar se uma boa narrativa surgir a par-
nesses casos, o roteirista está a serviço do ato
tir de uma imagem, uma cena qualquer que
de criar e pensar em direção a determinado
a memória apreende nas ruas, em casa ou
tema.
mesmo nos sonhos.
É quando somos contratados, por exemplo,
para desenvolver uma adaptação, uma peça
publicitária ou um lme institucional, ou até
mesmo um roteiro para um determinado pro-
dutor. Nessas horas, não vale dizer que se está
sem inspiração, pois o roteiro terá que sair de
qualquer maneira. Por isso, o exercício de estar
sempre com papel em punho e anotar tudo de
interessante que surgir ao redor pode ser uma
boa medida para as horas de escassez criativa.
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Há que existir uma trama, um conito, e a história terá que seguir uma lógica, por mais
surrealista que seja, como nos lmes nonsense dos Irmãos Marx ou do Gordo e do Magro
– anal, o ilógico também caracteriza um estilo cinematográco e tem trazido alegrias ao
espectador.
Esse será o norte a seguir. Ter a premissa em mente ajudará a desenvolver o roteiro e
será o gerador do argumento. Não devemos esquecer que um lme começa no argumento
e termina na montagem. Portanto, entre uma ponta e outra dessa corda, há um longo per-
curso a seguir.
Os irmãos Marx protagonizaram, nos anos 1940, um dos grupos mais felizes do cinema nonsense. Seus lmes com roteiros hilários e inteligentes
foram um marco no cinema. Fonte: http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/10/IRM%C3%83OS-MARX-01.bmp
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Nesse ponto, pode-se indagar: - mas, se Além das imagens, o roteirista indica tam-
o cinema surgiu mudo, como se pode falar bém os sons que participarão do lme. Ima-
em sonoro? E eu responderia que por duas gens e sons são aspectos de construção de
razões: um roteiro que serão parte integrante dos
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Em Hollywood, por exemplo, ou mesmo na ela contenha todos os parâmetros de sua re-
televisão, temos prossionais que ganham a alização, isto é: o que, como, onde e por que
vida com isso, criando argumentos para l- do projeto, o gênero, se histórico, antropoló-
mes de entretenimento, que serão produzi- gico, cultural, biográco etc., além de especi-
dos em baciadas e distribuídos pelo mundo car se é um projeto único ou uma série, se
sem nenhuma preocupação com a grande para cinema ou para TV.
arte ou com o que existe de mais singular
no cinema. O argumento pode ser proposto Sinopse
pelos patrocinadores de uma obra, pelo dire-
tor de programação de TV ou pelo diretor de Sinopse, como o nome já diz, é uma visão
cinema. de conjunto de uma obra. Em cinema, signi-
ca uma breve narrativa, um resumo, sumá-
rio ou síntese de um lme, sua apresentação
concisa, tanto faz se for uma cção ou um
documentário.
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chada, mas uma obra em processo, na qual o com desenvoltura, mas em geral eles acabam
desenvolvimento dos capítulos e das tramas abraçando um só, especializando-se nele e
paralelas está comprometido com audiência, fazendo nome. Por isso, temos grandes rotei-
a ponto de haver mais de uma opção de - ristas de terror, outros de suspense, outros de
nal, que até o último capítulo ainda poder ser western etc. Stephen King, por exemplo, um
mudado. Por tudo isso e pela agilidade da dos mais bem-sucedidos roteiristas da atuali-
obra, uma novela costuma ter os primeiros dade, é um escritor de terror, mas isso não o
capítulos desenvolvidos logo depois da apre- impediu de fazer uma ou outra obra em ou-
sentação da sinopse e de sua aprovação. tros gêneros.
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Sebastião (alusão a Antônio Conselheiro, lí- bondade nos olhos, / Jesus no co-
der da Revolta de Canudos) e depois com ração.”
o bando do cangaceiro Corisco (sobreviven-
te do massacre de Angico e braço direito de TÍTULO DO FILME APARECE NA TELA
Lampião). A saga termina com Manuel aban- “DEUS E O DIA-
donando o sertão em direção ao litoral, pois BO NA TERRA DO SOL”
conclui que “a terra é do homem, nem de SEQUÊNCIA 1
Deus, nem do Diabo”. Um dos lmes mais CENA 2
aclamados do Brasil no exterior, revelando
MANUEL ENCONTRA O SANTO SE-
Glauber Rocha como diretor; passou a cons-
BASTIÃO COM UM GRUPO DE BEATOS
tar na lista internacional de cinema entre os
ANDANDO PELO AGRESTE E CANTAN-
100 maiores lmes de todos os tempos.
DO. MANUEL E SEBASTIÃO OLHAM-
-SE NOS OLHOS, LONGAMENTE.
Página 1 – Capa do roteiro:
BEATOS (CANTAM)
“DEUS E O DIABO NA
“As ovelhas desgarradas / que
TERRA DO SOL”
andam em pastos perdidos/ procu-
UM FILME
rando o seu rebanho / e o Senhor
DE
da Boa Morte. / Quero deixar este
GLAUBER ROCHA
mundo / com a minha triste sina,
/ procurando seu rebanho / e o Se-
Página 2 – O roteiro desenvolvido: nhor da Boa Morte.”
INTRODUÇÃO SEQUÊNCIA 2
CENA 1 CENA 3
MANUEL CHEGA EM CASA, SALTA DO
O SERTÃO SECO, O GADO MORTO. CAVALO E DIRIGE-SE À SUA MULHER
O VAQUEIRO MANUEL OBSERVA O GADO ROSA, QUE ESTÁ BATENDO PILÃO NO
MORTO, MONTA EM SEU CAVALO E AFAS- TERREIRO.
TA-SE DO LOCAL. MANUEL
CANTADOR - Rosa, eu vi o Santo Sebastião!
Ele disse que évem um milagre salvar
“Manuel e Rosa viviam no Sertão todo mundo. Tinha uma porção de
/ trabalhando a terra com as pró- gente atrás dele e os éis tudo
prias mãos./ Até que um dia, pelo cantando... e rezando...»
sim e pelo não, / entro na vida ROSA NÃO INTERROMPE O TRABALHO;
deles o Santo Sebastião. / Trazia CONTINUA PILANDO MILHO, NÃO RES-
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MORAIS
- Tá me chamando de ladrão?
MANUEL
- Quem tá falando é o sinhô...
O CORONEL MORAIS CHICOTEIA MA-
NUEL.
MORAIS
- Pra você aprender, ordinário!
MANUEL PUXA O FACÃO E MATA O CO-
RONEL MORAIS.
SEQUÊNCIA 4
CENA 7
PERSEGUIDO POR DOIS JAGUNÇOS,
MANUEL CHEGA A GALOPE EM SUA CASA. Exercício 1
TIROTEIO NO TERREIRO DA CASA. UM
DOS JAGUNÇOS MATA A MÃE DE MA- Depois de ler atentamente e observar toda
NUEL. MANUEL MATA OS DOIS JAGUN- a estrutura desses dois roteiros, procure as-
ÇOS E ABRAÇA ROSA. sistir ao lme, seja online ou alugando em
MANUEL BAIXA AS PÁLPEBRAS DA MÃE uma locadora, e compare o que está escrito
MORTA. no texto com o que foi realizado na tela. Com
CANTADOR (OFF) isso, você aprenderá muita coisa.
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Hegel desenvolveu toda uma teoria basea- Storyline: estabelecido o conito, é preci-
da na constante evolução da história como so desenvolver quase que imediatamente a
um processo vivo dialético, gerado no con- storyline. Isso é, como já foi dito anterior-
ito e no choque dos acontecimentos. Mais mente, o resumo da história em cinco linhas,
tarde, Engels e Marx conceituaram o coni- nem mais e nem menos.
to de interesses entre as diferentes classes.
Não existiria história se nos contentássemos É nessa hora que você pensará em três
em ser ou estar exatamente como estamos. momentos cruciais da história da sua per-
Schopenhauer pondera que mesmo uma pe- sonagem: o início, o clímax e o nal. Para
dra tem a vontade de movimento adorme- fazê-lo, você terá que pensar seriamente
cida e, se lhe é dada a chance, ela rola. O num desfecho da história e, pensando nisso,
conito é a vontade de mudança aplicada. É obviamente estará selando o destino de seu
a necessidade de algo, a motivação de um protagonista e das personagens a sua volta.
crime, uma paixão, a fé extremada, o ódio, Devo repetir que o ideal é que você faça sua
ou coisas mais amenas, como a felicidade, storyline em no máximo cinco linhas. Claro
o amor ou simplesmente a paz. Portanto, o que nada é denitivo e se pode até mudar o
seu nal, mas trabalhar apoiado numa linha
conito é o elemento que trará a dinâmica e
traçada é bem mais fácil.
o movimento a sua história. Ele será o con-
traponto que quebrará a rotina do dia a dia
Argumento: é a etapa em que a história
de sua personagem principal, de seu prota-
começa a ser contada de maneira mais deta-
gonista:
lhada. É quando aparecerão as personagens
e as locações. Você ainda não a estará di-
vidindo por sequências e por cenas, mas já
indicará as ações. Estas ainda não obedecem
necessariamente a um ordenamento crono-
lógico. Ainda assim, você pode até colocar
alguns diálogos. Por exemplo:
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
Você pode perceber que há nesse trecho ira e revolta. A maioria das histórias tem clí-
de argumento a indicação de alguns perso- max, e, se você acha que a sua deve ter um
nagens, duas locações e um hábito que é in- ou mais, escolha o melhor lugar para eles.
terrompido. Mais tarde no roteiro, esse texto Em geral, as histórias de cinema têm vários
será desdobrado em sequências que deta- pequenos clímax até chegar ao principal, que
lham as ações das personagens. se trata normalmente da revelação de algo
conclusivo ou não.
Antes de continuar, vamos lembrar o que
é um argumento: é uma história desenvolvi- Mas, voltando ao argumento, você deverá
da especialmente para cinema. Isso signica especicar a época, as locações e as perso-
que essa história tem que ser muito imagé- nagens de sua história. Assim ela passará a
tica, conter imagens que, no roteiro, se des- ser mais concreta diante de seus olhos, e sua
dobrarão em cenas. viabilidade se tornará mais analisável.
Um argumento não deve ser muito ex- No argumento, devem ser tratados tam-
tenso. Imagine-se sentado lendo-o para al- bém os núcleos dramáticos. No entanto, é
guém. Você o faria de modo curto e objetivo importante que se diga que, no curto espa-
ou caria horas com detalhes? Argumentos ço temporal de um longa- metragem, di-
têm padrão, e, para um bom argumento, po- cilmente há espaço para que haja histórias
demos pensar em duas laudas com quatro paralelas à do protagonista; quando muito,
parágrafos. O primeiro, você vai usar para faz-se um aprofundamento da personalidade
apresentação da personagem e seu conito, do seu antagonista para enriquecer o próprio
o segundo, para o desenvolvimento do con- conito. Trabalhar com vários núcleos é típi-
ito e possível clímax, o terceiro, para de- co da dramaturgia de novelas, minisséries,
senvolver boa parte de sua história, aprofun- séries e ans e requer um trabalho cuidado-
dando-se na personalidade da personagem, so, geralmente de várias mãos, para que a
seus medos, suas dores, seus desaos etc., lógica da estrutura não seja perdida. Existem
e o quarto, para a preparação do nal, com exemplos de longas, como Short cuts (1993,
clímax ou não. 187 min.), de Robert Altman, ou ainda Les
uns et les autres (1981, 184min.) de Clau-
Plot: o clímax ou plot é a virada da história. de Lelouch, que se desdobraram em vários
Pode-se pensar em lmes experimentais que núcleos, mas esses lmes estendem-se por
nem sempre têm uma virada da história, um mais de três horas de narrativa.
clímax, mas, em geral, quase toda história
têm: seja Romeu achando que Julieta está Escaleta: algumas escolas não dão im-
morta e matando-se ou Macbeth vendo a o- portância à escaleta, mas é importante que
resta movimentar-se pouco antes de perder se saiba o que é, pois muitas vezes ela pode
a batalha, ou ainda Manuel esfaqueando seu ser fundamental para que se tenha a visão
patrão, o Coronel Morais, num momento de de um ordenamento cronológico do roteiro,
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ou seja, em que ordem as ações se darão. Na escaleta, você já estará bem perto do
Veja que esse ordenamento respeita a noção roteiro:
de tempo e espaço diegéticos, ou seja, espa-
ço e tempo dramáticos. Cena 1: Imagens do sertão com gado
morto e Manuel observando a paisagem.
Cena 2: Manuel encontra-se com o beato
Sebastião e seus seguidores.
Cena 3: Manuel chega impressionado
em sua casa anunciando a sua mulher e sua
mãe que viu o beato Sebastião. Elas não dão
atenção a ele.
Cena 4: Manuel trabalhando na casa de
farinha.
Lembre-se de Pulp ction ou de Amnésia,
nos quais a linearidade temporal usual é des- Cena 5: Manuel anda pela feira da cidade.
construída ou invertida pelo roteiro. Isso quer
dizer que o tempo em seu lme avança da E assim por diante, cena a cena.
maneira que você concebe. Se é de trás para
frente, se salta em elipses, se avança e re- Você pode se perguntar: qual a diferença
cua em ashbacks, o roteirista é quem sabe. para o roteiro? Neste, a divisão seria em
Por isso mesmo, a escaleta já tem, mais ou sequências e bem mais detalhada. No entanto,
menos, o mesmo tamanho do roteiro, ocupa na escaleta, a ordem de entrada da história já
o mesmo tempo. está presente, é dessa forma que o roteirista
vê o lme. Portanto, entre um e outro, há
Ela será dividida em cenas que mais tar- pouca diferença. É bom ressaltar que, com a
de, no roteiro, serão transformadas em se- crescente prossionalização, existem pessoas
quências acrescidas de diálogos. A escaleta que se dedicam exclusivamente à preparação
é de uso exclusivo do roteirista, não precisa da escaleta e apresentam-na como apoio ao
ser mostrada para ninguém. Use-a como um roteirista.
instrumento de trabalho para que possa per-
ceber o ritmo de seu roteiro e a ação de suas Num roteiro, um trecho da escaleta que
personagens. Ela é sua estrutura dramática. foi montada poderia estar representado da
A escaleta é a espinha dorsal do roteiro. seguinte maneira:
Pegue um trecho de um lme, ou mesmo
esse trecho de Deus e o Diabo na terra do SEQ. 1 - EXT./ DIA/ SERTÃO
sol, e transforme numa pequena escaleta, CENA 2
veja como ca. Brinque com ela antes de co- MANUEL ENCONTRA O SANTO SEBASTIÃO
meçar a montá-lo. COM UM GRUPO DE BEATOS ANDANDO
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retas das cenas, separação em texto uma barra no lugar do tracinho, ainda
e imagem e personagens bem desen- que não seja a melhor alternativa. IN-
volvidos Entram apenas aqueles que TER. (interior), EXT. (exterior) ou ain-
realmente participarão da trama, com da INTER./EXTER. (interior/exterior)
seus diálogos prontos. Nesse segun- e vice-versa. O segundo cabeçalho é
do tratamento, é possível haver mui- uma indicação curta do lugar, e o ter-
tas versões de roteiro até que de fato ceiro reete o tempo: pode ser DIA ou
o roteirista o considere bom. Nessa NOITE.
etapa, ele pode incluir ou retirar per-
sonagens, determinar melhor sua psi- Exemplo 1:
cologia e seu perl, desenvolver os INT. - CASA DE CAMPO - NOITE
diálogos e os personagens secundá- Exemplo 2:
rios, a sonoplastia e os ruídos, mudar EXT. - CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA–
cenas ou ainda as locações. E mes- MANHÃ
mo modicar toda a história, incluindo Ou
troca de cenas e de nal. Essa é a eta- EXT. - CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA
pa mais demorada de um roteiro, por – FINAL DA TARDE
isso pode levar de três meses a mui- Um novo cabeçalho é necessário cada vez
tos anos para car pronta. O roteirista que muda o lugar ou o tempo. Toda cena
só passará desse tratamento para o tem seu cabeçalho. Lembre-se de que roteiro
próximo quando considerar resolvidas se escreve com fonte Courier New 12 pontos.
todas as soluções da história.
8.1. Pré-roteiro, roteiro e roteiro
3. Terceiro tratamento: é a conclusão
do roteiro, com todos os ajustes rea- técnico de edição
lizados. É denitivo. Depois dele nada
No documentário, ao invés de passar
pode ser mudado e alterado, pois en-
por tratamentos, os roteiros costumam ser
trará na etapa técnica de lmagem ou
divididos em três etapas de realização:
gravação e de montagem ou edição.
Nesse tratamento entram, os cabeça-
1) Pré-roteiro: projeto desenvolvido com
lhos, que vocês já sabem como são,
aproximações de tempo, personagens
escritos em maiúscula e que deverão
e locação.
dar três informações básicas: onde,
precisamente onde e quando. São se- 2) Roteiro de gravação: feito nas loca-
parados por um espaço, um tracinho ções determinadas pelo projeto, já com
e outro espaço, segundo a convenção as entrevistas marcadas (se houver en-
internacional. No entanto, algumas trevistado) e perguntas desenvolvidas,
variações da norma são aceitáveis, assim como as planilhas de produção,
e alguns roteiristas no Brasil utilizam locação e gravação denidas; o ma-
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Esse último tratamento, em geral, de- Muitos escritores, como Jorge Amado, es-
pois de concluído, não costuma ser crevem de forma muito imagética, por isso
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seus textos são fáceis de ser adaptados para SEQ.1/ INT/NOITE/CASA de ANA
roteiro. O escritor, na condição de roteirista,
só pode escrever dessa forma. É preciso trei- Ou
nar, mudar os vícios de falar mais de sensa- SEQ.1/EXT/DIA/ESTRADA
ções do que de ações que possam se traduzir Ou
em cenas e imagens.
SEQ.1/EXT/NOITE/ESTRADA
Estrutura física do roteiro
Geralmente, uma sequência comporta uma
Um roteiro pronto para ser lido deve ter locação. No entanto, temos que ter cuidado
frases curtas e denir ações e diálogos. Mas com esse conceito porque podemos começar
essa regra, como qualquer outra, também a ação de um personagem numa locação e
pode ser quebrada. Um roteiro pode ter um só interrompê-la em outra, sem no entanto
parágrafo inteiro descrevendo um plano-se- mudar de sequência. Mais tarde, na decupa-
quência e não deixará de ser excelente por gem, veremos que uma sequência é dividida
causa disso. De qualquer forma, ele deverá em planos. Quando ocorre de uma sequên-
ser o mais direto possível. O que se houver cia ter um único plano, chamamos de plano-
tirado de bom na escaleta em termos de rit- -sequência. No entanto, para o roteirista, isso
mo e estrutura será passado para ele. não tem a menor importância. Esse aspecto
só interessa para produtores ou diretores.
Uma página de Courier New tamanho 12 Quando o roteirista cria a sequência, ele não
é considerada como tendo um minuto de l- pensa quantos planos terá, a menos que seja
me. Mais uma vez, estamos generalizando, e o diretor do lme. Assim mesmo, se ele pen-
portanto temos que considerar todas as vari- sar em termos de planos, estará antecipando
áveis, como números de planos, movimentos um trabalho que deverá ser feito mais tarde.
de câmera etc. Mas, se você mantiver isso Assim, talvez seja importante segmentar os
como parâmetro, terá uma referência. dois tipos de abordagem. É preciso pensar
primeiro como roteirista para depois pensar
Os roteiros são divididos em sequências. como diretor.
Em cada uma, está especicado se se trata
de uma sequência exterior ou interior, a ser Os diálogos
realizada a noite ou de dia e em que locação.
Criar diálogos talvez seja a etapa mais
Dessa forma, teremos assim: difícil de um roteiro, em primeiro lugar por-
que eles pedem um grau de espontaneidade
SEQ. 1 / INT/DIA /CASA de ANA que requer muita prática em sua elaboração.
Além disso, em muitos casos, pertencem a
Ou personagens que utilizam um vocabulário
mais peculiar. Por isso mesmo, cada vez mais,
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
Com isso, vericaremos que toda história Infeliz e revoltado com toda a exploração
tem protagonistas, antagonistas e mentores. a que está submetido, Manuel procura cami-
Vamos ver como eles funcionam nos roteiros. nhos que o salvem: primeiro, busca uma saída
seguindo o beato Sebastião, ouvindo o que se
Toda história, desde os primórdios da hu- pode considerar um chamado de Deus; mas,
manidade, tem protagonistas, ou seja, perso- vendo que não há solução no caminho das
nagens principais. São eles os responsáveis rezas e da beatitude, é empurrado para o lado
pelas ações e acontecimentos, aqueles que oposto, indo para a bandidagem – caminho
fazem a história girar. Para que uma perso- do Diabo -, tornando-se um cangaceiro e o
nagem se torne protagonista, basta não ter principal parceiro de Corisco, último sobrevi-
medo de jogá-la no turbilhão de eventos fruto vente do grupo de Lampião. Mas, diante de
da criatividade do autor, do qual ela só esca- toda a violência a que assiste e que é obriga-
pará no desfecho. A isso denominamos coni- do a fazer, resolve ir para o caminho do meio:
to.Além do conito, toda trama tem um come- nem de Deus, nem do Diabo, mas do homem.
ço, que deve estar claramente delineado na E foge daquele inferno na “terra do sol”, o ser-
cabeça do autor. Alguma coisa desencadeou tão, para o litoral e a cidade grande.
o conito e jogou o protagonista dentro dele.
Cabe ao roteirista criá-lo. Mas veremos tudo Entramos nos meandros dessa trama acom-
isso bem melhor nos próximos capítulos. panhando a trajetória de Manuel, que é seu
protagonista. Podemos dizer que ele é a porta
Exercício 2 de entrada para a história. Com isso, pode-
mos observar que a primeira função dramáti-
Tente fazer isso agora. Escolha uma perso- ca do protagonista no roteiro é servir de porta
nagem. Crie um evento, um fato que quebre de entrada e ciceronear sua própria história.
sua rotina, estabelecendo um conito que a
jogue em eventos e fatos que ela terá que O protagonista não é necessariamente um
trilhar, mesmo que seja por breves momen- herói, embora seja interessante que ele tenha
tos. Desenvolva uma storyline a partir daí. algumas características que provoquem uma
empatia com a maioria das pessoas. Essa per-
sonagem que nos prende e nos carrega lme
adentro deve ser carismática e compartilhar
As diferentes funções dramáticas dos mesmos desejos que as pessoas comuns.
numa história
Ela ama, odeia, é carente, prepotente, tem
Protagonista: aquela personagem em medo e luta para ter coragem, por vezes é
torno da qual toda a história vai girar. Ma- vingativa e nisso pode ser perversa, anseia
nuel, por exemplo, é o protagonista de Deus por liberdade, é capaz de matar, é boa, san-
e o Diabo na terra do sol. Em função dele, ta, diabólica, é suicida, viciada, é egoísta,
toda a trama desenvolve-se. sovina, mão aberta, ingênua, desconada
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
etc. Enm, pode ser tudo que contenha o um pouco como ele, e muitas vezes o público
humano, inclusive o próprio autor, com seus passa a ver o mundo através de seus olhos.
medos, alegrias e vida, mas numa visão dra- Por isso mesmo, quanto mais complexo for
matizada. o seu protagonista, melhor será seu rotei-
ro. Personagens simples produzem roteiros
O protagonista é aquele que se movimen- muitas vezes simplistas, vazios e estereotipa-
ta junto com o conito, então é uma per- dos. Com isso, ca difícil que possam reetir
sonagem transformadora. Lembre-se de que ações interessantes.
conito é dialética, é movimento, então será
transformador. O protagonista é reconhecido À medida que sua trajetória progride, o
pelo seu movimento; ele é aquele que mais protagonista vai cumprindo etapas. Quase
sofrerá e mais transformará a ação de sua
todo roteiro tem um início, que se liga a uma
história. No entanto, existe uma linha tênue
etapa em que a trama se desenvolve e ca-
que deve mantê-lo um pouco além da nor-
minha para um momento de incerteza, no
malidade. Vamos chamar essa transposição
de dramatização. Não nos esqueçamos de qual tudo pode acontecer. Essa etapa vai ser
que se trata de dramaturgia aquilo que faze- resolvida no desfecho. Claro está que muitas
mos. Se o protagonista for demasiado banal, vezes podemos ter um nal aberto, e isso
o roteiro corre o risco de também o ser; e, não invalida o roteiro, mas é um estilo e uma
se for assim, para que escrevê-lo e rodá-lo? opção.
O importante é ter em mente que, muito
provavelmente, seu protagonista terá
Projeção e identifcação
participado, mesmo que implicitamente, de
todas as etapas de seu roteiro. Portanto, se
existe uma moral da história, uma premissa,
ele será o responsável por cumpri-la ou,
ao contrário, acabar com ela. Ele estará
num lme para consertar ou destruir. Ser o
protagonista não signica que seja um herói,
embora possa ser facilmente confundido com
um, porque é ele quem vai arriscar tudo, até
a própria pele, para alcançar a vitória. Acima
de tudo, é fundamental que as pessoas se
interessem por essa personagem, sofram,
riam, conquistem, vençam, fracassem ou se
amargurem com ela, como já foi dito. Mesmo
Em todo roteiro que se preze, há uma sendo um herói atrapalhado ou imperfeito,
transferência pessoal para a vida do protago- deve provocar empatia, pois as pessoas
nista, e, de um modo ou de outro, sentimos adoram transferir e importar emoções.
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos
O lme Vidas secas, de 1963, do diretor Baleia é exemplo perfeito de outros perso-
Nelson Pereira dos Santos, um clássico do nagens que compõem os elementos dramáti-
cinema brasileiro, é uma adaptação do im- cos de um lme, muito importantes em toda
portante livro de Graciliano Ramos, de 1938, a trama e que não precisam sequer ser gente.
que narra, de forma contundente, a vida de
uma família de retirantes do sertão brasileiro. Os quadros com Baleia, Vidas secas, são
dos mais pungentes. A função emotiva da
cachorrinha é muito singular: enquanto ela,
um animal absolutamente el, mesmo na ne-
gra miséria, vai subindo cada vez mais no
conceito de humanidade, os outros persona-
gens, em função do inferno de suas vidas,
vão descendo dramaticamente à categoria
animal.
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para nesse lme em que ninguém, a rigor, ou seja, um aliado conselheiro em seu rotei-
é amigo de ninguém, apesar de se relacio- ro. Seu protagonista é autossuciente, por-
narem: todos querem roubar o ouro e car tanto, não precisa desse suporte. Mas cuide
sozinhos com ele. que mesmo assim ele mantenha um poten-
cial dramático interessante.
No roteiro, os elementos dramáticos de-
vem ser pensados como instrumentos que No entanto, se o protagonista for uma
você pode ou não utilizar para pontuar a sua pessoa cheia de dúvidas, como a maioria das
narrativa. Dessa forma, um cangaceiro, por pessoas normais, com suas limitações natu-
exemplo, precisa de sua vingança, e uma rais, é quase certo de que lhe viria bem um
protagonista talvez precise de um amante. amigo: um aliado especial que que a seu
O certo é que fatos e pessoas podem ocor- lado em momentos críticos, quando podem
rer na vida de sua personagem principal. São ser tomadas algumas importantes decisões
muitas as possibilidades e os elementos dra- ou vencidos alguns momentos difíceis. Pode-
máticos existentes. Vamos aqui citar alguns mos considerar que nem todos os obstáculos
exemplos. a ser vencidos são externos.
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De qualquer forma, esse tipo de aborda- Aí esta toda a beleza do lme: esse cenário
gem dicilmente não empresta um forte peso de fragilidade e perigo certamente faz com
psicológico à trama e, em alguns casos, pode que ele cresça e adquira humanidade. Essa é
derivar para o suspense ou o terror. uma condição psicológica de forte apelo dra-
mático na criação de qualquer personagem.
Também é encontrado em lmes onde o
protagonista procura uma vingança e bus- Na Poética de Aristóteles, ao analisar a
ca apoio nas lembranças de sua infância ou tragédia, o autor pondera que, embora o te-
adolescência. Estas podem, até, promover a atro grego objetivasse a catarse das dores e
cura ou o fortalecimento da personalidade do do medo por intermédio da beleza cênica e
protagonista. do coro, havia também, no contexto, o peso
da compaixão.
Nesses casos, quanto mais solitário for o Esta criava a empatia do público com a
processo, melhor cará o roteiro. personagem atingida pela trama. Ou seja,
o que for atribuído a uma personagem, na
Essa caminhada também pode ser repre- medida em que o aproxime do cotidiano vi-
sentada numa narrativa em off que exprima venciado pelo público, será positivo. Quem
os pensamentos da personagem principal, não sofreu com conitos internos e teve que
acompanhando todo o seu processo evolutivo superá-los?
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cineastas.
Exemplo de um roteiro inteligente, em
Baile perfumado, os diretores retomam de
forma singular as cenas do cangaço e sobre-
tudo de Lampião, deslocando o personagem
principal do famoso cangaceiro, que seria
óbvio, para o imigrante libanês Benjamim
Abrahão, fotógrafo que registrou as únicas
cenas existentes do cangaço.
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O singular roteiro de Lívio Ferreira contrapõe a história do corajoso libanês, que enfrentou
políticos, coronéis e o próprio Lampião, e sua ousadia à do próprio Rei do Cangaço, numa
das retomadas mais belas e inteligentes do velho tema.
O cinema brasileiro sempre minimizou, nos roteiros, a dura vida exagerada e estrambótica
do Rei do Cangaço, salpicada de tragédias insólitas e retrato do que foi de fato a existência
dos cangaceiros no brasileiro. No cinema, tudo parece apenas uma grande aventura huma-
na, o que também, sob certos aspectos dialéticos dessa mítica história, não deixou de ser.
Lampião e Maria Bonita, no cinema e na vida real, não deixam de ser uma linda história de
amor.
Lampião e Maria Bonita, assim como outros casais míticos transformados em lmes, como
os foragidos Bonnie e Clyde, na época da depressão norte-americana, são exemplo perfei-
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to de que a arte sempre tenta imitar a vida, mais experiente e o protagonista, ampliam
mesmo que para isso tenha que falsear a re- a resistência, transformam sua personagem
alidade dos fatos. principal num cabeça dura, um teimoso que
não vê, por exemplo, que aquela amiga do
trabalho na verdade está apaixonada por ele.
Ou então, em outra situação, a protagonis-
ta que não quer acreditar que tem potencial
de sobra para melhorar de emprego. Muitas
vezes, um roteiro trata de coisas simples, do
dia a dia, mas de maneira especial. Então, o
conselheiro pode aparecer na gura de uma
colega de trabalho, com mais experiência na
área, ou ainda na do amigo sedutor que co-
Bonnie e Clyde, lme norte-americano de 1967, produzido e idealizado
por Warren Beatty e dirigido por Arthur Penn. Fonte: http://i1.ytimg.
nhece bem as mulheres.
com/vi/KdMhbnhfHJk/maxresdefault.jpg
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Em Deus e o Diabo na terra do sol, Rosa, quanto mais importância e peso dramático
a mulher de Manuel, faz a vez desse conse- a intervenção desse aliado tiver na história,
lheiro externo. mais relevante será sua atuação.
Ela é lúcida, desconada e cética. A partir
Muitas vezes, essa personagem será aque-
de um profundo e natural niilismo, vai ques-
tionando o marido e duvidando de todos os la que, ao invés de falar diretamente ao pro-
“mestres” que o ingênuo Manuel busca e nos tagonista, servirá de exemplo a este com suas
quais acredita, tanto o santo Sebastião quan- ações e atitudes. No roteiro pode-se colocá-lo
to o diabo Corisco. Desde o início da história, como alguém que pode ser admirado à dis-
ela tenta mostrar ao marido que a solução tância, na gura de um ídolo.
para eles seria deixar aquele inferno domi-
nado pela seca e pela escravidão e tentar a É possível criar também a personagem mais
cidade grande. Por m, depois de todas as velha ou mais experiente. Nesse caso, o “algo
peripécias fracassadas do herói, ele se con- a oferecer” é tipicamente o aconselhamento.
vence de que ela está com a razão, pois “a
terra é do homem, nem de Deus, nem do
A gura do sábio conselheiro é bastan-
Diabo”. Então, desesperado, ele foge em di-
reção ao mar, numa das sequências mais be- te usada, mas, novamente, é preciso que se
las do cinema brasileiro. diga, não que imaginando um velho índio à
beira de uma fogueira falando por metáforas
Os aliados do protagonista a seu protagonista. Pode ser que seja apenas
um avô assistindo, ao lado dele, um jogo de
Mas anal, quem seria esse aliado? futebol em frente à TV, ambos sentados no
sofá tomando cerveja. Nem por isso uma per-
Com todos esses poderes de persuasão, sonagem mítica não pode ser usada; essas
seria fácil imaginarmos que os conselheiros sempre são interessantes.
externos - esses verdadeiros aliados do prota-
gonista - são seres especiais, mágicos, saídos No lme Assassinos por natureza, roteiriza-
de algum conto de fadas, como na saga Se- do por Quentin Tarantino, ele surge aos pro-
nhor dos Anéis, ou mesmo de uma realidade
tagonistas exatamente na forma de um xamã
de exceção. Mas, na verdade, eles são muito
mais simples e próximos de nossa realidade. indígena, que encarna a sabedoria primitiva
Um conselheiro especial pode ser um amigo num mundo urbano e dentro de um contexto
no emprego ou um caminhoneiro numa es- atual acompanhado por uma atmosfera crua.
trada deserta, que tem a oferecer, ao invés de Será essa personagem que, ao surgir, trará
uma espada mágica, um bom conselho ou um consigo uma carga de magia responsável por
incentivo que estava faltando para que uma uma virada de 180 graus na trama.
determinada atitude fosse tomada. Claro que
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Por mais estranho que possa parecer, o insólito muitas vezes faz parte da concepção da
história. Um roteirista não pode ter medo de ousar. Dramaturgia é criação.
Agora que vocês já conhecem essa estrutura, saibam que as funções dramáticas, com suas
personagens, sempre existiram, muito antes de Shakespeare, muito antes de Homero. Cabe
a você torná-las mais verossimilhantes para os dias de hoje. O fundamental nessa relação é
que seu protagonista saia carregando conseguido algum presente, algo que lhe foi dado por
seu amigo conselheiro.
E o conselheiro, por sua vez, depois da expansão da internet, pode ser até mesmo um
computador. Transformar essa mídia numa aliada conselheira e personagem de um roteiro é
cada vez mais comum. Muitas vezes, representam-se computadores inteligentes, ou mesmo
robôs. Existem lmes que trazem na trama personagens cibernéticas etc.
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No lendário lme de Stanley Kubrick 2001, onde o diabo (Robert de Niro) que defronta o
uma odisseia no espaço, por exemplo, o an- protagonista – o detetive Harry Angel (Mickey
tagonista é o próprio computador HAL 9000, Rourke) – transforma-se em seu conselheiro
que antagoniza o dr. David Bowman, tornan- ao contratá-lo para resolver um caso de desa-
do-se seu inimigo, quando deveria servi-lo. parecimento. Durante toda a trama, o demô-
Uma máquina que ganha status humano e se nio leva o detetive, por meio de pistas monta-
revolta contra os homens. das, a uma armadilha sem saída.
Os conselheiros além do bem e do mal Muitas vezes, você vai encontrar tramas em
que tanto o protagonista quanto o antagonis-
É claro que, seguindo os mesmo parâme- ta possuem aliados conselheiros, exercendo
tros adotados na criação de seu protagonis- sua função em embate direto ou não.
ta, se pensarmos em termos éticos, não de-
vemos restringir as atitudes do conselheiro A questão moral, ao ser adotada no roteiro,
a determinado padrão de comportamento. pode jogar o desenvolvimento de um conito
É bem possível que você queira criar uma nos desdobramentos das funções dramáticas,
personagem que leve seu protagonista por como nos exemplos vistos. Uma personagem
caminhos pouco usuais. do tipo conselheiro sempre carrega consigo
uma quantidade considerável de reexões;
Dessa forma ele pode ser aconselhado,
existe sempre um “recado a ser dado”, algo a
por exemplo, pelo demônio, ou por um serial
ser ensinado ou transmitido.
killer, ou ainda por um matador prossional.
Quem viu O prossional? A personagem de
Jean Reno – um matador por encomenda - Não podemos deixar de pensar que até
ensina os truques de sua prossão à meni- mesmo um lme simples e “pipoca” como
na interpretada por Natalie Portman. O lme Pretty woman carrega consigo uma troca de
preocupa-se em justicar um motivo ético experiências por parte de seus personagens,
para isso, no entanto, no fundo, trata-se de que acabam servindo de conselheiros mútuos
um homem ensinando uma menina a matar. durante sua relação.
O lme é muito bom, o conito é muito bem
estabelecido. O que dizer então dos dois amigos em O
homem que copiava? O que dizer então de
O demônio surge muitas vezes na forma Zorba, o grego, de Michael Cacoyannis, ou
de possessão ou na de uma criança de rosto de Derzu Uzala, de Akira Kurosawa, em que
inocente e sorriso sinistro. Em outras, na de os protagonistas são seguidos em suas histó-
um homem poderoso e bem-sucedido, por rias por personagens conselheiras, mas aca-
exemplo, em O advogado do diabo, com Al bam, pela força de suas personalidades, in-
Pacino. Interessante foi o caminho encon- uenciando mais do que sendo inuenciados?
trado por Alan Parker em Coração satânico, Existem vários casos clássicos, bem ao gosto
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de Hollywood, da relação entre conselheiros e ções e deixando que ele desenvolva suas pró-
protagonistas. prias teorias.
O processo de traição, tanto quanto a per-
sonagem que irá surpreender o protagonista,
A função dramática do perigo oculto,
pode se revelar para o público já na primeira
da surpresa ou do fato omitido sequência e para o protagonista apenas no
desfecho. O lme, portanto, seria o desen-
Os roteiros estão repletos de traição e mo- rolar da revelação dessa traição. Por outro
mentos de surpresa. Ao longo da história da lado, pode ser que seu roteiro já comece
dramaturgia, personagens e situações que são com uma pergunta, um conito que suscite
criadas para dicultar a vida de um protago- uma investigação, e que tudo só se revele
nista habitam o imaginário. Existe um enorme mesmo para o público no nal.
potencial na força da função dramática do pe-
rigo oculto, e isso pode e deve ser explorado. Ainda o antagonista e o protagonista
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na, mas sempre será uma ameaça, seja se visão bem mais simplista, entre heróis e vi-
mostrando às claras ou de maneira disfarça- lões. No entanto, é preciso lembrar que essa
da, muitas vezes até na gura de um aliado dualidade, como já vimos, nem sempre é
conselheiro. Veja O advogado do diabo. facilmente identicável. Por vezes, a força
dramática da personagem antagonista pode
Muitas vezes, o maior inimigo de seu pro- superar a do protagonista. Quando essa es-
tagonista será ele mesmo. Isso se dará na tratégia é intencional por parte do roteirista,
forma de uma paixão desenfreada, uma neu- é bem interessante; no entanto, quando é
rose, uma paranoia ou um vício contra o qual acidental, compromete a narrativa. Em 2001,
ele terá que lutar desesperadamente para uma odisseia no espaço, o computador HAL
sobreviver. Já vimos, na análise da função do 9000, que antagoniza o dr. David Bowman,
protagonista, o peso dessas lutas internas. quase enviando-o literalmente para o espa-
ço, rouba a cena e por muito pouco não faz
Os inimigos externos são muitos e ree- o mesmo com o lme. Já o Coringa interpre-
tem-se até mesmo nas forças da natureza. tado por Heath Ledger no lme Batman, o
Muitas vezes, podem estar representados Cavaleiro das Trevas, pela força da persona-
por um rio e sua correnteza ou por um defei- gem, põe o Batman no bolso, o que, aliás,
to num carro. O fato é que tudo aquilo que todos os Coringas do cinema zeram.
impede a ação do protagonista em direção
a seu objetivo principal antagoniza-o. É cla- De qualquer forma, grandes protagonistas
ro que podemos identicar um antagonista sempre suscitaram antagonistas à altura.
principal em seu roteiro, no entanto, muitas
vezes, essa gura encontra-se diluída em Muitas vezes, esse inimigo é o próprio
várias pequenas personagens e aconteci- sistema. Essa fórmula foi muito usada nos
mentos que agem em conjunto, sem uma lmes dos anos 1960 e 1970, quando o pro-
coordenação especíca, sem uma intenção, tagonista enfrentava grandes conglomerados
apenas como fruto do acaso, para atrapalhar e cartéis ou simplesmente a lei que servia
a vida de seu “herói”. a poucos. Havia a personagem do rebelde
que surgia solitário procurando justiça ou
Se nada atrapalha e impede que seu pro- simplesmente desestruturação. Geralmente
tagonista chegue a seu objetivo, nem ele era um marginal, um desajustado, alguém
mesmo, você estará criando uma história que vivia fora do esquema enquadrado pela
fora do tempo e do espaço. sociedade. Podemos encontrá-los nos lmes
underground dos anos 1970. Com a vitória
Protagonistas X antagonistas
do paradigma consumista como forma de
sustentação da estrutura macroeconômica,
A história da literatura e do cinema está
personagens como essas caram meio ana-
repleta de exemplos da relação entre pro-
crônicas e, infelizmente, são, em sua maio-
tagonistas e antagonistas, ou ainda, numa
ria, consideradas aborrecidas.
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Movimentos de câmera e
enquadramento
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cena. Existem duas maneiras de denir o en- rizontal, ou de cima para baixo, na pan
quadramento de um plano: o movimento de vertical.
câmera e o movimento de lente.
3) Travelling: quando a câmera se des-
loca do eixo e parece viajar por entre
árvores e paisagens. O travelling pode
ser feito com carrinho próprio ou com
uma câmera xa posicionada na janela
de um trem, carro, navio etc., lmando
a paisagem que passa.
Recursos de lente
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Para com esse desatino, homem, em nome escuros de lentes grossas e chapéu de palha.
da Santíssima Virgem para! O cavalo carregado: alforje, cantil, facão, pá
de campanha e uma Winchester na cartu-
Alceu para contrariado, de modo que o cheira. Em silêncio, ele segue seu caminho,
defunto abre a boca. Alceu olha o padre e entrando numa estradinha de terra próxima
retoma sua caminhada. Sua atenção agora ao carro.
vai para a mulher de seios fartos que lava
roupas numa bacia próxima ao cruzeiro. Ca- SEQ.5 - EXT./ENTARDECER-NOITE/TRI-
belos longos e encaracolados, ela retribui ao LHA ACIDENTADA
olhar de alceu lhe dirigindo um sorriso sedu-
tor. Seu decote exibe um crucixo que balan- O defunto é arrastado pela trilha acidenta-
ça entre os seios. da e, à medida que vai batendo nos galhos e
ALCEU pedras do caminho, sua expressão facial vai
mudando. Ora alegre, ora triste, ora preocu-
- Tava caído na picada, é rico, num tem pado, olhos abertos ou fechados, o caminho
furo no corpo, passou foi mal...deve ter pa- vai lhe dando vida.
rente em Cardozinho. Lá eles pagam por ele.
Alceu, por sua vez, pena para carregar seu
PADRE fardo. Pisando rme sobre as pedras do ca-
minho ele vai cantando baixo uma ladainha.
-Mas você não pode sair por ai arrastando Numa curva ele chega a um descampado.
um defunto, meu lho... é contra a lei dos Uma brisa movimenta a vegetação a sua vol-
homens...é contra a lei de Deus. ta e traz uma voz distante.
Alceu vai passando e olhando para a mu- VOZ
lher. Entre os dois, um jogo de sedução.
- Alceu... ô, Alceu.
ALCEU
Ele anda em direção ao centro da clareira,
- Mas é da lei da fome. De um jeito ou de sempre arrastando o defunto e olhando em
outro tem carne neste defunto... Daqui uns volta. O mato se mexe e ele percebe alguma
dias eu volto pra contar pro senhor. coisa andando entre a vegetação.
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PEDRO ALCEU
- Me larga... Sai de cima, alma maldita, vai - Pois então me escuta porque eu vou falar
queimar no inferno que é teu lugar. baixinho só pra você ouvir... (AOS BERROS)
EU QUERO QUE VOCÊ ME ENTERRE, PORRA!
Alceu gira, pula e rola no chão, levanta-se
e corre mata adentro. Batendo em arvores, Alceu olha para Pedro aparição e apagam
tropeçando em desespero, levando sua exausto.
carga, até cair de joelhos com pedro aparição
falando em seu ouvido. Parte III - decupagem
- Você tava achando, criatura, que eu ia Abertura: créditos sobre tela preta. Música
me deixar arrastar por aí que nem um saco tema vai até o m dos créditos. Ainda sobre
de merda... a tela entra som de pá cavando. Corte sec
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– DIREITA. CHICOTE para direita até MULHER PLANO 17 – (SEQ. 4). EXT./DIA/ESTRA-
GOSTOSA. D-ALC... tava...ele. 50 mm. DA ASFALTADA: TRAVELLING muito lento,
na mesma direção que o anterior, em PLA-
PLANO 13 – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO NO PRÓXIMO do MATADOR. Ele olha para a
CRUZEIRO: PLANO SUBJETIVO de ALCEU câmara, que passa a ser subjetiva (embora
aproximando-se da gostosa. Vamos de PLA- não represente personagem algum). Vemos
NO MÉDIO até PLANO PRÓXIMO que realça os o rosto marcado, os óculos quadradões, de
seios e o crucixo balançando. MULHER abre armação grossa e de lentes verdes, fundo de
sorriso. D-PAD... mas... Deus. 50 mm. garrafa. (SOM INCIDENTAL). 100 mm.
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D. PEDRO... Miração... cangote. aulas. No roteiro, Alceu segue sua vida, até
D. ALCEU... O que.... desconjurado. que algo surge, acenando com a possibilidade
D. PEDRO... O que eu quero... Será?... ME de tirá-lo, mesmo que por algum tempo, de
ENTERRE PORRA! sua vida miserável. O conito está no desao
de ter que sair pela estrada carregando um
PLANO 38 - PLANO MÉDIO em TRA- defunto. Surpreendentemente, este desperta
VELLING FRONTAL recuando em CONTRA- e transforma-se no antagonista da história,
-PLONGÉ de ALCEU e PEDRO a. ALCEU tro- mas o inimigo oculto surgirá na forma do
peça vem escorregando com a cara no chão próprio passado de Pedro, algo a que o boia-
a poucos centímetros da câmara. Ele des- fria não atentou e que acabará por selar seu
maia. 35 mm. destino.
E, com o desfecho do roteiro, terminamos
Conclusão nosso curso. Espero que essas informações
sejam úteis para que você possa desenvolver
seus trabalhos. Agora é arriscar. Bom roteiro
e feliz desenvolvimento de ideias, histórias
e argumentos para todos nós. Lembrando
sempre que, sem roteiro, não existe lme,
e, sem lme, não existe cinema. Portanto, a
responsabilidade do roteirista é muito grande.
Às vezes, em lmes de produção, chega a ser
maior do que a do próprio diretor.
Referências
Pronto. Agora você teve todas as informa-
ções necessárias para começar a esboçar o COMPARATO, Doc. O roteiro para TV. 4ª
próprio roteiro. ed. São Paulo: Globo, 2009.
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