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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO & LINGUAGENS


Patrick Diener

ENTRE BICICLETAS E CAFÉS:


PONTOS DE CONTATO ENTRE OS FILMES DE JEAN-PIERRE
JEUNET E AS PINTURAS DE JUAREZ MACHADO

CURITIBA
2011
Patrick Diener

ENTRE BICICLETAS E CAFÉS:


PONTOS DE CONTATO ENTRE OS FILMES DE JEAN-PIERRE
JEUNET E AS PINTURAS DE JUAREZ MACHADO

Dissertação apresentada como requisito para


obtenção do grau de Mestre do Curso de
Mestrado em Comunicação & Linguagens, Linha
de Pesquisa Estudos em Cinema da Universidade
Tuiuti do Paraná. Orientadora: Prof ª Dr ª Denise
Azevedo Duarte Guimarães

CURITIBA
2011
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais que, cada um ao seu modo, compreendem a necessidade desta
etapa;

Aos amigos, especialmente a Alessandra Moretti, Caroline Cavalcanti e Everson


Otta, pelo incentivo;

A Denize Correa Araújo pela motivação;

A Denise Guimarães pela paciência e principalmente por seu repertório.


“Art does not reproduce the visible; rather, it makes visible”.
(Arte não reproduz o visível; mas sim, torna visível)
Paul Klee
RESUMO
O cineasta francês Jean-Pierre Jeunet, diretor de filmes como Le fabuleux destin d'Amélie Poulain e
Un long dimanche de fiançailles admitiu em entrevistas ter sido influenciado pela estética do pintor
catarinense, radicado em Paris, Juarez Machado. Entretanto o cineasta não aponta quais elementos
visuais foram utilizados como inspiração para suas cenas. Este projeto tem como objetivo geral
analisar quadros de Juarez Machado e um filme de Jean-Pierre Jeunet para apontar as
características determinantes desta mencionada influência estética. Como objetivo específico o
trabalho se propõe a exemplificar suas correlações e levantar características de movimentos artísticos
que podem caber à ambas artes, cinema e pintura. O problema está em identificar as similaridades
entre as obras. Em que pontos estas duas formas distintas de arte podem apresentar semelhanças e
sob quais perspectivas ou nuances da direção de arte os filmes interagem com as telas de Machado
ou as têm como referência? Para levantar tais dados e traçar os correlatos entre telas e filmes a
dissertação utilizará pesquisa teórica bibliográfica entre telas do pintor e objeto. Como corpus de
estudo serão utilizadas telas de Juarez Machado e o filme de 2001, O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain (Le fabuleux destin d'Amélie Poulain). Este trabalho discorre sobre análise da imagem,
intertextualidade e mídias, com aporte teórico em Gérard Genette e Gilles Deleuze.

Palavras-chave: cinema, pintura, direção de arte, movimentos cinematográficos


ABSTRACT

The French filmmaker Jean-Pierre Jeunet, director of films such as Le Fabuleux destin d'Amélie
Poulain and Un long dimanche fiançailles admitted in interviews to have been influenced by the
aesthetics of the Brazilian, settled in Paris, painter Juarez Machado. But the filmmaker does not
pinpoint where visual elements were used as inspiration for his scenes. This project aims at analyzing
Juarez Machado paintings and films of Jean-Pierre Jeunet to point out the mentioned determinant
features of this aesthetic influence. As its specific objective this paper propones to illustrate their
correlation and to raise art movements’ characteristics that can fit both arts, film and painting. The
problem lies in identifying the similarities between the works. At what points these two distinct forms of
art can show similarities and under what perspectives or nuances of art direction the film interacts with
Machado’s canvas? To raise such related data and draw relation between the paintings and the movie
this dissertation uses theoretical research literature and observation between the paintings and the
object. As corpus of study, Juarez Machado’s paintings and the 2001 film Amélie (Le Fabuleux destin
d'Amélie Poulain) will be used. This paper discusses image analysis, intertextuality and media, with
theoretical support in Gérard Genette and Gilles Deleuze.

Keywords: film, painting, art direction, film movements


LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

FIGURA 01 – JUAREZ MACHADO NO FANTÁSTICO ............................................ 26


FIGURA 02 – PRIMEIRA PÁGINA DO SITE OFICIAL ............................................. 29
TABELA 01 – DADOS DAS EXPOSIÇÕES ............................................................. 30
FIGURA 03 – EXEMPLO DE PÁGINA COM IMAGENS EM THUMBNAIL .............. 31
FIGURA 04 – EXEMPLO DE PÁGINA COM IMAGEM AMPLIADA .......................... 33
FIGURA 05 - AMÉLIE POULAIN .............................................................................. 43
FIGURA 06 – DETALHE QUADRO “MINHA VIDA, MINHA SORTE” ....................... 44
FIGURA 07 – COMPILAÇÃO – FIGURAS FEMININAS ........................................... 45
FIGURA 08 – DETALHE QUADRO “GALA ENTREE AMIS” .................................... 46
FIGURA 09 – AMÉLIE EM CLOSE ........................................................................... 46
FIGURA 10 – DETALHE QUADRO “BAIN HORIZONTAL” ...................................... 47
FIGURA 11 – NINO ABRAÇADO ............................................................................. 47
FIGURA 12 – COMPILAÇÃO ÂNGULO ALTO ......................................................... 50
FIGURA 13 – QUADRO “BISTRÔ” ........................................................................... 54
FIGURA 14 – ÂNGULO ALTO .................................................................................. 54
FIGURA 15 – QUADRO “CHAMBRE AVEC VUE” ................................................... 58
TABELA 02 – AMOSTRAS DE TONS QUADRO “CHAMBRE AVEC VUE” ............. 58
FIGURA 16 – QUARTO VERMELHO E OCRE ........................................................ 59
TABELA 03 – AMOSTRAS DE TONS FRAME - QUARTO VERMELHO E OCRE .. 59
FIGURA 17 – COMPILAÇÃO FRAMES CORES VERMELHO/ VERDE .................. 62
FIGURA 18 – QUADRO “LANCES DE POESIA EM ST. ANTONIO DE LISBOA” .... 65
FIGURA 19 – BICICLETA ......................................................................................... 65
FIGURA 20 – COMPILAÇÃO QUADROS COM BICICLETAS ................................. 66
FIGURA 21 – COMPILAÇÃO FRAMES COM BICICLETAS .................................... 66
FIGURA 22 – QUADRO “CHÂLE AU BALCON” ...................................................... 67
FIGURA 23 – SEQUÊNCIA JANELA ........................................................................ 67
FIGURA 24 – DETALHE QUADRO “PHANTASME” ................................................ 69
FIGURA 25 – SEQUÊNCIA ORGASMO .................................................................. 70
FIGURA 26 – QUADRO “SOMMEIL DE RÊVES” .................................................... 72
FIGURA 27 – QUARTO DE AMÉLIE ........................................................................ 73
FIGURA 28 – DETALHE QUADRO “ELISA VON DER RECKE E GIACOMO
CASANOVA” ............................................................................................................. 74
FIGURA 29 – AMÉLIE COM MÁSCARA ................................................................. 74
FIGURA 30 – COMPILAÇÃO QUADROS COM MÁSCARAS ................................. 75
FIGURA 31 – COMPILAÇÃO FRAMES COM MÁSCARAS ..................................... 76
FIGURA 32 – COMPILAÇÃO QUADROS COM INSTRUMENTOS MUSICAIS ...... 80
SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 1
ABSTRACT................................................................................................................. 2
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS .................................................................... 3
SUMÁRIO ................................................................................................................... 4
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 6
2. A FANTASIA NOS MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS FRANCESES........... 9
2.2 MOVIMENTOS FRANCESES E AS OBRAS DE JEUNET.................................. 12
2.3 O CINEMA DE JEAN-PIERRE JEUNET ............................................................. 14
3. O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULIN ................................................... 16
4. JUAREZ MACHADO, ARTISTA E OBRA ............................................................ 25
4.1 VIDA PROFISSIONAL ........................................................................................ 25
4.2 GALERIA VIRTUAL, A FONTE DE PESQUISA .................................................. 28
5. INTERTEXTUALIDADE E O CINEMA .................................................................. 34
5.1 ONDE MACHADO E JEUNET SE ENCONTRAM ............................................... 41
6. CORRELAÇÕES ENTRE OS OBJETOS ............................................................. 42
6.1 PERSONAGENS PRINCIPAIS ........................................................................... 42
6.2 PLANOS E ENQUADRAMENTOS ...................................................................... 48
6.3 ILUMINAÇÃO E CORES ..................................................................................... 56
6.5 SITUAÇÕES........................................................................................................ 64
6.6 AMBIENTES E OBJETOS................................................................................... 71
6.7 MÚSICAS E SONS ............................................................................................. 78
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 81
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 84
GLOSSÁRIO ............................................................................................................. 87
ANEXOS ................................................................................................................... 89
6

1. INTRODUÇÃO

O cinema francês situa-se entre um dos mais importantes do mundo. Seja


pelo seu peso histórico com a descoberta do cinematógrafo, pelos movimentos
emblemáticos como a Nouvelle Vague ou pelos prêmios que constantemente recebe
fora de seu país natal. Ainda assim há certa estigmatização de que o cinema francês
é pouco voltado ao grande público internacional; basta comprovar verificando a
nacionalidade dos filmes em cartaz atualmente em grandes cinemas. Este estudo
busca corroborar com levantamentos sobre a construção do cinema contemporâneo
francês, quais são suas influências e como elas podem contribuir para uma
linguagem cinematográfica mais diversificada e plural. Procura-se agregar com este
trabalho a construção de referenciais sobre o tema, mais especificamente a arte
brasileira (neste caso a pintura) e o cinema francês.
Diversas formas de arte juntam-se para compor a sétima. Ao se fazer um
filme, pode-se facilmente perceber em sua composição elementos da literatura, da
música e do teatro, por exemplo. Como apresentado nesta dissertação, a pintura
também pode colaborar para a criação no cinema; seja como referência direta para
seus temas ou como referência indireta e sutil, como é o caso do objeto de estudo
deste trabalho.
Esta dissertação apresenta como objeto o filme “O Fabuloso Destino de
Amélie Poulain”, do diretor francês Jean-Pierre Jeunet. Possui objeto secundário
para comparação as pinturas do artista plástico brasileiro Juarez Machado, dentro
de um recorte, tomando as pinturas disponíveis no site do artista. André Bazin
aponta que ambas as artes, pintura e cinema, possuem “unidades dramáticas”
distintas.

Films about paintings, at least those that use them to create some thing the
structure of which is cinematic, meet with an identical objection from painters
and art critics alike. (...) Their objection, and I myself have heard it from the
very lips of an Inspector General of Drawing of the Department of Education,
is that however you look at it the film is not true to the painting. Its dramatic
and logical unity establishes relationships that are chronologically false and
otherwise fictitious, between paintings often widely separated both in time
1
and spirit (BAZIN, 1967, p.164).

1
Filmes sobre pinturas, pelo menos aqueles que as utilizam para criar algo dentro da estrutura do
que é cinema, encontram uma objeção idêntica de pintores e também dos críticos de arte. (...) A
objeção, e eu mesmo ouvi-la da boca de um Inspetor-Geral de Desenho do Departamento de
Educação, no entanto é que você olha para o filme e ele não é fiel à pintura. Sua unidade dramática e
7

Estas unidades dramáticas, mesmo sendo ímpares, podem sim dialogar


complementando um filme, por exemplo. Durante a análise a ser feita, serão
levantados pontos de conexão entre as peças estudadas. A definição do objeto se
deu por ser uma das obras mais conhecidas do diretor estudado, ser o seu filme de
maior bilheteria no mundo, por ter recebido um grande número de prêmios e
também por decisão pessoal do autor que já conhecia este longa metragem com
maior profundidade do que os outros do mesmo diretor. A exposição do tema se dá
pela comparação entre trechos do filme e pinturas em tela (de um mesmo pintor).
O segundo capítulo deste trabalho traz levantamentos sobre a fantasia em
diversos períodos do cinema francês. Como a fantasia é mostrada nos filmes e
como ela se distancia da tentativa de retratação do real. Ainda apresenta os
principais movimentos cinematográficos surgidos na frança que, de alguma forma,
utilizavam a fantasia com elemento marcante, ou como um traço para distanciar-se
da representação do real. Alguns destes movimentos podem ter servido como base
para as criações do diretor estudado.
O terceiro capítulo debruça-se sobre o objeto de estudo: O filme O Fabuloso
Destino de Amélie Poulain. Aqui se faz uma descrição da obra e sua história além da
análise de situações apresentadas no longa-metragem. O esmiuçamento dos
elementos do filme seguirão em parágrafos vindouros. Precedentemente a esta
pormenorização é necessário apresentar o artista que faz a possível interferência no
“filme-objeto”. Para tanto o quarto capítulo apresenta o pintor Juarez Machado e sua
trajetória. Este quarto capítulo é subdividido para então expor a galeria virtual com
as obras do pintor. Esta apresentação da galeria e a forma de como as obras
compõe o site tem como objetivo contextualizar de onde as peças gráficas
observadas foram retiradas para então ponderar como o meio (no caso o site do
pintor na internet). Pode também vir a ser fator de influência na análise, seja pela
resolução, qualidade ou tamanho das obras.
Antes de se passar diretamente para a descrição das cenas e comparações
com as pinturas, fez-se necessária a criação do quinto capítulo que trata sobre a
intertextualidade e o cinema. Através de levantamento bibliográfico o trabalho
apresenta neste tópico teorias sobre intertextualidade (em diferentes meios) e como

lógica estabelece relações que são cronologicamente falsas e fictícias, entre pinturas são muitas
vezes distantes no tempo e espírito. (Tradução do autor)
8

esta intertextualidade também está presente no cinema. Outra característica do


capítulo é levantar argumentos para separar o intertexto da cópia. Não se aborda
neste trabalho as cenas de Jeunet como sendo cópias dos quadros de Machado por
motivos apresentados no capítulo supracitado neste parágrafo.
O sexto capítulo subdivide-se em sete outros sub-capítulos onde são
levantados pormenores de diferentes cenas do filme com o objetivo de compará-los
com elementos presentes nos quadros estudados. Entre estes elementos estão:
personagens, enquadramentos e planos de câmera, iluminação e cores, situações,
ambientes, objetos e música. O sétimo e último capítulo corresponde às
considerações finais.
Uma das principais diferenças entre pinturas e um filme é a ilusão de
movimento. Embora ambos meios possam eventualmente empregar técnicas para
transmitir a impressão de movimento, a sequência desta ilusão com a sobreposição
de diferentes imagens contínuas é inerente ao filme. Pela percepção humana os
quadros estáticos de uma película fílmica rodados em sequência podem ser
interpretados como uma imagem em movimento. Através desta ilusão tem-se a
percepção do tempo no filme, a dimensão temporal de uma imagem que se
movimenta. Enquanto na pintura, o frame2 é estático permanentemente. Quando se
assiste a um filme e observa-se um quadro pode-se levantar como questão de
diferenciação entre os meios a duração. Quanto tempo dura o filme e quanto tempo
"dura" o quadro. O filme estudado tem duração de 122 minutos. A mesma afirmação
é descabida quando se fala da "duração" das pinturas. Partindo deste exemplo nota-
se que é preciso mais do que um estudo das fontes de um filme para revelar a
riqueza do encontro entre cinema e pintura. É necessário imaginar todos os
elementos da cultura visual que um filme pode possuir para que seja produzido.
Jacques Aumont também discorre sobre o tema:
É que, evidentemente, ainda existe uma dimensão a ser incluída de modo
mais explícito, a da variabilidade mais essencial: o tempo. Qualquer
representação, mesmo imóvel, loda, com efeito, com o tempo, e de diversas
maneiras. Tempo material, físico, sempre ao nosso alcance, da
contemplação da obra, tempo "espectatorial", para falar como a filmologia
dos anos 40; e, simetricamente, porém de modo mais difícil, tempo
"criatorial", o da produção. (...) Além disso, a pintura - a pintura
propriamente dita, o que socialmente é reconhecido como arte pictórica - se
representa, salvo exceções aliás recentes, como um objeto imóvel, não

2
Durante este trabalho será utilizada a palavra frame ou fotograma para descrever cada imagem fixa
do produto audiovisual. Seu correlato: “quadro” pode levar a interpretações dúbias devido a natureza
deste trabalho também tratar de “quadros” enquanto telas, obras de pinturas.
9

temporalizado, sem dimensão temporal intrínseca. (Aumont, 2004, p.79,


80).

Os objetivos deste trabalho atêm-se em revelar quais são os possíveis


pontos de contato entre as pinturas de Machado e o filme O Fabuloso destino de
Amélie Poulain a fim de identificar e confirmar estas relacionadas características
levantadas no transcorrer do texto. Também tem o propósito de apresentar uma
descrição da história e cenas do filme e relacioná-las com quadros extraídos do site
oficial de Juarez Machado, além de relatar estas conexões entre os personagens
principais, planos e enquadramentos, iluminação e cores, situações, ambientes e
objetos utilizando-se de pesquisa descritiva.
O problema deste estudo está em determinar quais são estes pontos de
contato entre pinturas e o filme, se é que realmente existem. Devido às
particularidades dos objetos estudados o problema recai sobre apontar o que pode
ter sido usado como referência para o filme de Jeunet dentre as telas de Machado.
Quais elementos observados por Jean-Pierre Jeunet nas obras de Juarez Machado
podem ter servido como material para compor o filme tomado como objeto deste
trabalho? E um pouco mais além; existem elementos pontuais e explícitos que
podem ser pinçados e elencados dentro das obras de Machado e comparados com
cenas ou sequências do longa-metragem? A metodologia empregada seguiu a
fundamentação teórica baseada em técnicas e práticas de análise fílmica, estudos
intertextuais e de movimentos cinematográficos. Seu processo ocorreu obedecendo
aos seguintes passos: definição do objeto, observação, descrição (análise descritiva)
e interpretação (análise interpretativa). Para a teoria de referência, além da análise
observacional do filme e das telas, utilizou-se também nesta dissertação a pesquisa
bibliográfica com o aporte teórico sobre a “literatura de segunda mão” de Gérard
Genette, os estudos interarte de Claus Clüver, além do já citado André Bazin, em
"What is Cinema" livro que apresenta um capítulo específico sobre a pintura e o
cinema, entre outros.

2. A FANTASIA NOS MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS FRANCESES

A exposição cronológica de pontos importantes para a contextualização do


trabalho são apresentados a seguir, sem a pretensão de tornar este um trabalho
historiográfico ou cobrir todas as vertentes do cinema gaulês. Esta concentração
10

especifica-se ainda mais nos movimentos relacionados a Jeunet e suas


características. Mais importante para a pesquisa, devido à ligação com os trabalhos
do diretor estudado, são os movimentos Nouvelle Vague e Cinema du Look, por
motivos de relação direta com o objeto de estudo desta pesquisa.
O mundo do cinema francês manteve-se em um estado relativamente
estagnado, compreensivelmente, por alguns anos após a guerra, até que em 1920
vários jovens diretores, de vanguarda, entraram em cena, todos entusiasmados para
fazer cinema e experimentando o filme como um meio artístico. Cineastas como
Marcel Carné, René Clair e Jean Renoir (filho do famoso artista francês)
experimentaram a produção com uma ampla gama de temas e estilos
cinematográficos em seus filmes.
Os filmes de Renoir foram caracterizados por narrativas fortes, um senso de
sátira social e realismo poético. René Clair muitas vezes retratava uma visão
negativa do mundo dominado pela pobreza e pela violência.
Novamente a guerra segurou a produção de cinema na França, pois em
1939 a economia em recessão não se apresentava como um período propício para
maiores produções. Aproximadamente dez anos mais tarde, um grupo de novos
cineastas despontava com uma produção prolífica de filmes. Cena esta que logo
viria a ser conhecida a nova onda, ou a Nouvelle Vague, do cinema francês.
Jacques Rivette, Jean-Luc Godard, Loius Malle, François Truffaut e Alain Resnais
são alguns dos diretores neste momento. O que ligava este grupo, de uma maneira
um pouco diferente, era a confiança apaixonada na integridade artística do cineasta
e uma crença consequente de que o diretor deveria ter licença artística completa
sobre um filme, sem interferência dos estúdios e produtores. Isto levou a uma série
de filmes de baixo orçamento que tinham pouca relação com o sistema de filmes
caros e com grandes estrelas. No entanto, foi a partir de filmes como estes que
Brigitte Bardot foi descoberta em 1956. O movimento, ao mesmo tempo uma fonte
de inspiração para outros filmes franceses, teve influência direta sobre o futuro de
novos diretores de Hollywood. Segundo David Bordwell a Nouvelle Vague,
desvaneceu-se lentamente até ao final da década de 1960.
Film brats like Martin Scorsese and Francis Ford Coppola presented
themselves as heirs to the French New Wave. From behind the video rental
counter Quentin Tarantino watched those films noir and Jean-Luc Godard
movies acclaimed as stylistic breakthroughs. The historiography of film style
11

has become an important part of the history of filmmaking (BORDWELL,


3
1997, p. 07).

Quase que simultaneamente à nova onda, o cinema comercial francês


provou-se bastante popular, mas com maior fôlego, principalmente com as
comédias. A comédia com temática de guerra La Grande Vadrouille (1966), de
Gérard Oury, foi o filme de maior sucesso nos cinemas franceses por mais de 30
anos. O filme A Gaiola das Loucas de 1979 ficou em cartaz por mais de um ano em
Nova Iorque no Theatre de Paris, um cinema de arte, e foi um sucesso comercial
nas salas de projeção americanas. Ganhou o Golden Globe Award como Melhor
Filme de Língua Estrangeira. Concomitante com a nova onda, outros cineastas
produziam filmes de um menor bilheteria nomeados “Left Bank”, como explica o
crítico norte americano:
Such a broad development naturally included quite different trends, but two
major ones are crucial. One centers on the Nouvelle Vague, or "New Wave,"
group. The other trend, often identified with the "Left Bank" group, involves a
slightly older generation who now moved into feature production. (...) The
French New Wave (Nouvelle Vague) is largely responsible for the romantic
image of the young director fighting to make personal films that defy the
conventional industry. Ironically, most directors associated with the New
Wave quickly became mainstream, even ordinary filmmakers (BORDWELL,
4
1994, p.522, 533).

Os anos 80 trouxeram um novo movimento conhecido como Cinema du


Look. Conforme Reader, 2002, o Cinema du Look foi inaugurado com o filme Diva
(1981) de Jean-Jacques Beineix sobre a idealização de uma cantora de ópera. A
evasão da realidade e a crítica social são recorrentes em filmes do movimento.
Estes filmes, feitos com um estilo levemente voltado para o cinema comercial
enfatizam a alienação de seus personagens principais. Visualmente o movimento
utiliza-se de alta tecnologia para a definição das imagens de alto contraste como
afirma Bordwell.

3
Fedelhos do cinema como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola se apresentavam como
herdeiros da Nouvelle Vague francesa. De trás do balcão de locação de vídeos Quentin Tarantino
observava os filmes noir e os filmes de Jean-Luc Godard aclamados como inovadores estilísticos. A
historiografia do estilo do filme tornou-se uma parte importante da história do cinema. (Tradução do
autor).
4
Tal desenvolvimento amplo naturalmente incluiu tendências bastante diferentes, mas dois mais
importantes são cruciais. Um centra-se na Nouvelle Vague, ou "Nova Onda". A outra tendência,
muitas vezes identificada com a "Margem Esquerda", que envolve uma geração um pouco mais
velha, que mudou-se para grandes produções. (...) A Nova Onda francesa (Nouvelle Vague) é a
grande responsável pela imagem romântica do jovem diretor lutando para fazer filmes pessoais que
desafiam a indústria convencional. Ironicamente, a maioria dos diretores associados com a Nova
Onda rapidamente se tornou mainstream, mesmo cineastas mais simples. (Tradução do autor)
12

Parisian critics called this the cinema du look. The films decorate fairly
conventional plot lines with chic fashion, high-technology gadgetry, and
conventions drawn from advertising photography and television
commercials. The directors fill the shots with crisp edges and stark blocks of
color and mirrors and polished metal create dazzling reflections
5
(BORDWELL, 1994, p.743).

Esta afirmação de Bordwel é flagrante já na primeira cena de Fabuloso


Destino de Amélie Poulain. O exagero da "realidade" proposto por Jeunet aparece
claramente desde o primeiro minuto. A mosca gerada por computador percorre um
trajeto preciso para então ser esmagada pela roda de um carro. Este nível de
detalhe poderia ter o sentido inverso já que apesar da mosca parecer real, o seu
comportamento exageradamente controlado remete a sequência (e diversas outras
pelo mesmo motivo) à uma dimensão imaginária. Estes detalhes "reais" são
exagerados em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain podendo dar ao longa-
metragem uma aparência de quase história em quadrinhos, ou desenho-animado.

2.2 MOVIMENTOS FRANCESES E AS OBRAS DE JEUNET

A Nouvelle Vague e sua relação com o baixo orçamento aproxima suas


gravações de locações externas e as afasta de cenários criados em estúdios. Esta
proximidade com a realidade visual por falta de recursos, muitas vezes tecnológicos,
é apontada por Morrissey como um distanciamento dos filmes franceses atuais (que
possui maior interferência do cineasta). A construção de uma Paris mais “segura e
previsível” de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é conseguida em outros filmes
de Jeunet graças a intervenção de recursos de pós-produção. Morrissey, em Studies
in French Cinema discorre sobre a “estética Jeunet” e as características do Cinema
du Look.
He (Jeunet) needs to construct a safer, more predictable Paris, one that will
not lead his characters astray. Varda, by contrast, films the city as it stands
allows Cléo to explore it, confident that she will find inspiration where Jeunet
6
sees only confusion (MORRISSEY, 2008 p.105).

Delicatessen tem uma produção mais comedida, um menor orçamento, mas


é desvencilhada da relação com a Nouvelle Vague pelo próprio Jeunet. Steve
5
Críticos parisienses chamaram isso de "Cinema du Look". Os filmes decoravam linhas de enredo
bastante convencionais com a moda, engenhocas de alta tecnologia e técnicas elaboradas a partir da
fotografia para publicidade e comerciais de televisão. Os diretores preenchem as tomadas com
contornos nítidos, cores saturadas crua e espelhos de metal polido para criar reflexos deslumbrantes.
(Tradução do autor)
6
Ele (Jeunet) precisa construir uma Paris mais segura e previsível, uma Paris que não deixe
personagens perdidos. Varda, pelo contrário, filma a cidade tal como é e permite Cléo explorá-lo,
confiante de que ela vai encontrar inspiração onde Jeunet só vê confusão. (Tradução do autor)
13

Biodrowski transcreve partes de uma entrevista com Jeunet que fala como se sente
sobre a relação com a Nouvelle Vague.
This became Jeunet’s first produced feature film, thanks to limited locations
and sets that made it affordable. ‘I had written two or three scripts together
with Marc Caro, and it was too expensive — impossible to make a short
feature. We lost ten years,’ he laments. ‘At this time, I thought, “Okay,
(Delicatessen) is only one small setting, not a lot of people. It was very
cheap, compared to The City Of Lost Children, for example. It was very
difficult to find the money. My producer took one year. Nobody wanted to do
Delicatessen. Because at this time, it was only the Nouvelle Vague.’ Jeunet
is referring to the famous French film movement of the ’60s (known as ‘New
Wave’ in the U.S.). With its emphasis on realism and ordinary life, often
filmed on real locations, the aesthetic of the New Wave movement stood in
opposition to what Jeunet and Caro wanted to achieve with Delicatessen.
7
‘Forget the French New Wave!’ Jeunet states (BIODROWSKI, 2008).

Já o Cinema du Look, é citado como o movimento de maior influência na


obra de Jeunet, não somente pela contemporaneidade, mas também por
características narrativas e principalmente estéticas. A sobrevivência da ostentação
estética nos filmes franceses acontece até hoje como resquício do Cinema du Look,
sendo que um dos cineastas com maior obviedade desta herança é Jeunet.
Conforme Isabelle Vanderschelden, em seu livro específico sobre o filme O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain:

Besson and Beineix in particular proposed a high-tech popular cinema


influenced by hollywood, and appealing to young audiences, which became
known as the cinema du look. (...) Jeunet and Caro have been associated
with cinema du look on several accounts. Both Delicatessen and La Cité des
Enfants perdus were influenced stylistically by commercials and bande
8
dessinée aesthetics, and the "look" style (Vanderschelden, 2007, p.16).

Por causa destas associações as fantasias do Cinema du Look tem como


base a realidade pós industrial francesa, deixando clara a vontade dos produtores, e

7
Este se tornou primeiro longa de Jeunet, graças às locações e cenários limitados que o tornou
viável. "Eu tinha escrito dois ou três roteiros, juntamente com Marc Caro, e eram muito caros -,
impossível fazer um curta metragem. Perdemos dez anos", lamenta. "Neste momento, eu pensei: "
Ok, (Delicatessen) é apenas uma pequena locação, e não um monte de gente. Foi muito barato,
comparado ao "Ladrão de Sonhos", por exemplo. Foi muito difícil encontrar o dinheiro. Meu produtor
levou um ano. Ninguém queria fazer Delicatessen. Porque neste momento, era apenas a Nouvelle
Vague. Jeunet está se referindo ao movimento cinematográfico francês famoso dos anos 60
(conhecido como "New Wave" em os EUA). Com sua ênfase no realismo e vida cotidiana, muitas
vezes filmados em locais reais, a estética do movimento Nouvelle Vague estava em oposição ao que
Jeunet e Caro queriam alcançar com Delicatessen. "Esqueçam a Nouvelle Vague francesa! afirma
Jeunet. (Tradução do autor)
8
Besson e particularmente Beineix propôs um cinema popular de alta tecnologia influenciado por
Hollywood, e atraente para o público jovem, que ficou conhecido como Cinema du Look. (...) Jeunet e
Caro têm sido associados com o Cinema du Look em diversas oportunidades. Ambos Delicatessen e
La Cité des Enfants Perdus foram influenciados estilisticamente pelos comerciais e a estética de tiras
em quadrinhos, e o estilo "du look". (Tradução do autor)
14

também do público, do distanciamento da representação do real. Este


distanciamento é explicitado na alta demanda tanto dos filmes de comédia (tão
populares na França) como nos de humor negro de Jeunet.
O conceito de “representação do real" utilizado neste trabalho tem o
embasamento de Jacques Aumont que propõe uma definição de representação do
real.
(...) valores da imagem em sua relação com o real:
a) "Um valor de representação: a imagem representativa é a que representa
coisas concretas ("de um nível de abstração inferior ao das próprias
imagens"). b) Um valor de símbolo: a imagem simbólica é a que representa
coisas abstratas ("de um nível de abstração maior ao das próprias
imagens"). (...) c) Um valor de signo: para Arnheim, uma imagem serve de
signo quando representa um conteúdo cujos caracteres não são
visualmente refletidos por ela (AUMONT, 1993, p. 78,19).

Quando houver neste trabalho a menção de que a imagem se distancia do


real, é sob a perspectiva de que ela se afasta do valor de representação do
concreto, no conceito de Aumont.

2.3 O CINEMA DE JEAN-PIERRE JEUNET

Autodidata, Jeunet passou pela direção de comerciais publicitários e teve


sua atenção rapidamente direcionada ao cinema, com uma predileção por um
cinema fantástico, onde a forma é tão importante quanto o assunto. Ao mesmo
tempo, que dirigia comerciais e clipes musicais conheceu o designer Marc Caro, com
quem fez duas animações de curta-metragem: L'évasion (1978) e Le Manège
(1980), este último ganhar um César de melhor filme de curta metragem. Após estes
dois filmes Jeunet e Caro passaram a preparar detalhes como cenário, figurino e
desenhos de story-boards para seu terceiro filme: The Bunker of the Last Gunshots
(1981), filme que ganhou vários prêmios em festivais na França. Depois, Jeunet
dirigiu dois outros filmes de curta sem a ajuda de Caro: Pas de repos pour Billy
Brakko (1984) e Things I Like, Things I Don't Like de 1989, com o qual ganhou um
segundo prêmio César.
Em 1991, Jeunet lançou seu primeiro longa-metragem: Delicatessen. Foi um
sucesso tão grande que ganhou quatro Césares, incluindo o prêmio de melhor
diretor estreante e melhor cenografia. A história de Delicatessen mostra um palhaço
que se muda para um apartamento degradado cujo edifício possui uma delicatessen
no piso térreo. O palhaço se apaixona pela filha de um açougueiro que vende a
15

carne de seres humanos para os inquilinos do edifício, Julie tem de decidir se ela vai
permanecer leal aos negócios de seu pai ou expor a verdade, a fim de salvar o
palhaço de ser a próxima vítima. O filme mostra uma tubulação velha que percorre
todo o edifício como um canal de comunicação entre seus personagens. A estética
noir permeia grande parte da direção artística da película. Embora a intenção deste
trabalho não seja levantar as sinopses de cada filme de Jeunet; o tom dado pelo
diretor no seu primeiro longa-metragem é importante para a análise de sua relevante
posição dentro da história do cinema francês.
The City of Lost Children, ou Ladrões de Sonhos (1995) como conhecido no
Brasil, foi um filme tão inovador neste período que necessitou a criação de novos
softwares para os efeitos especiais. O filme conta a história de uma menina e de um
homem que juntam forças para salvar os sonhos de um menino que está nas mãos
de um louco. A produção contou com figurinos do estilista francês Jean-Paul
Gaultier. Enquanto o filme era para ser destinado para crianças, alguns o
consideraram demasiado dark. Estas considerações não impediram o filme de ser
bem sucedido. Assim, em 1997, Jeunet deixou a França para seguir uma carreira
temporária nos Estados Unidos, onde dirigiu o quarto episódio da série Alien: “Alien:
A Ressurreição” (1997).
Em 2000, Jeunet voltou à França para fazer um filme mais pessoal (pois se
passa no bairro onde reside). Filmou sua história principalmente no subúrbio
parisiense de Montmartre. O resultado foi O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2001), estrelado por Audrey Tautou e Mathieu Kassovitz. A montagem deste filme
une o passado e presente da personagem, desconstruindo a linearidade da
narrativa, mostrando situações às quais a personagem principal foi exposta para
construir sua personalidade. “Com este filme de Jeunet fez seu maior sucesso
mundial” (VANDERSCHELDEN, 2007). Jeunet decidiu então filmar a adaptação do
livro de Sébastien Japrisot Un long dimanche de fiançailles 9(em português: Eterno
Amor, lançado em 2004) para o qual ele chamou novamente Audrey Tautou e
Dominique Pinon. Como em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, este filme
possui uma narrativa não linear. O estilo deste último trabalho é por vezes um pouco
melancólico e poético.
Devido ao visual elaborado de seus filmes, Jeunet pode ser visto como um
diretor que valoriza mais o estilo do que o roteiro, mesmo tendo contribuído em
9
A tradução literal é “Um longo domingo de noivado”.
16

vários filmes inclusive como autor. No caso de O Fabuloso Destino de Amélie


Poulain, Jeunet concebeu a história do filme antes mesmo de trazer para a equipe
um roteirista-colaborador. O filme em questão reproduz alguns dos elementos de
estilo vistos em filmes anteriores do diretor, mas desta vez o “Jeunet esteta” e o
“Jeunet contador de história” estão mais integrados do que em tentativas anteriores.
Na sua temática o filme de 2001 pode ser diferente do que Jeunet estava
fazendo até então, mas estilisticamente o diretor não foge muito ao que já produzia.
As cores saturadas, sons exagerados, movimentos de câmera (as vezes até zooms
abruptos) e planos fechados nos rostos dos atores tomando quase toda a tela já
tinham sido feitos em seus filmes anteriores. Com uma década de diferença entre
Delicatessen e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é natural que os recursos
tenham se aprimorados, mas o estilo de Jeunet contar sua história permanece
quase o mesmo. Não que haja um triunfo sobre o conteúdo, mas as tecnologias
desenvolvidas dentro deste período de dez anos vieram para permitir Jeunet a fazer
mais do mesmo. Mais exageros visuais com a mesma característica estética já
notória em seus filmes anteriores.

3. O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULIN

A seqüência de abertura estabelece o humor sutil do filme. Enquanto soa a


música “La Redecouverte” de Yann Tiersen os créditos iniciais são introduzidos após
uma sequência de cenas com uma locução em off. A personagem principal, ainda
criança, brinca sozinha. As cenas em tons amarelados parecem ter saído de uma
câmera filmadora antiga, uma Super 8 talvez. O destaque dos objetos em vermelho
ficam evidentes devido à saturação da película. Muitos dos gestos ou objetos que
Amélie faz ou manuseia durante esta sequência tem relação direta com as funções
apresentadas neste início.
Quando, na tela, aparece escrito "Dialogues” (Diálogos) a boca em close, e
de ponta-cabeça, de Amélie é enquadrada. Em "Costumes" ou “figurino”, juntamente
com o nome da figurinista a jovem Amélie usa brincos feitos com cerejas frescas.
Em grande parte destas imagens a personagem olha diretamente para a câmera, o
que ocorrerá mais vezes durante o filme. Quando a menina passa o dedo ao redor
de um copo de cristal contendo um líquido verde o crédito referente à trilha sonora
aparece. Não há som advindo do copo, ele fica subentendido uma vez que a trilha
17

continua tocando sem interferências. Já quando os nomes de dois sonoplastas são


inseridos, juntamente com a música pode-se ouvir um ruído referente à imagem.
Nela Amélie está terminando de beber, sorvendo o líquido com um canudo de
plástico, fazendo o barulho característico. Passam-se mais alguns créditos, mais
algumas ações seguindo o mesmo estilo até chegar ao crédito final do diretor
quando a menina sai de cena.
A maioria dos personagens das histórias são introduzidos por suas
características gerais, mas Jeunet apresenta seus personagens por seus gostos e
desgostos. Preferências pessoais do pai de Amélie, por exemplo, não são
importantes para a trama global, mas são elementos consideráveis para a história
conseguir manter sua peculiaridade.
O narrador inicia a sequência dizendo que o Sr. Poulain não gosta de urinar
ao lado de outros; dos olhares de desdém para suas sandálias e de calções de
banho que grudam na pele quando molhados. Pode-se notar a preocupação do pai
de Amélie com a opinião alheia. O locutor passa a descrever do que este mesmo
personagem gosta. Neste caso: Descascar longas tiras de papel de parede, alinhar
e lustrar seus sapatos, esvaziar a sua caixa de ferramentas, limpá-la e arrumá-la. O
mesmo locutor passa então para a descrição, nos mesmos moldes, da mãe de
Amélie, passando por coisas que ela gosta e não gosta.
Percebe-se que a descrição dos personagens não coloca por explícito os
pontos genéricos sobre sua personalidade ou profissão como poderia se esperar
tradicionalmente. Ele concentra-se em pequenos detalhes, aparentemente
insignificantes, do cotidiano destes personagens. Como se quisesse dizer que este é
um filme sobre detalhes, sobre coisas pequenas perdidas em um mundo grande.
Talvez esta insignificância deixa-os interessantes para quem assiste ao filme.
Passa-se a saber de detalhes íntimos da vida dos personagens, mesmo que estes
detalhes não venham mais a aparecer durante o filme como pontos relevantes para
a história.
Menina solitária, Amélie, vê seu pai, Raphaël Poulain dedicar a vida à
construção de um mausoléu em homenagem à sua falecida esposa, onde, entre
outras coisas, mantém cimentado um anão de jardim. Amélie é então chamada de
"órfã" pela locução em off (apesar de ainda ter pai) e passa um tempo no quintal de
casa acompanhada por ele. Ambos estão vestindo vermelho desta vez, mas a roupa
de Amélie é muito menos brilhante do que o normal, indicando que ela está menos
18

energética e que pode ser menos digna de atenção que o habitual, dentro deste
contexto. Uma cadeira vazia atrás dela lembraria a pessoa desaparecida (mãe) e
reforça a razão da tristeza.
Há então uma antecipação de quem será Amélie no futuro, uma justiceira
anônima. A vítima desta cena, o vizinho desonesto de Amélie, é mostrado em seu
apartamento assistindo tv. A sala inteira está envolta em sombras escuras,
aparentemente vindas de cortinas grossas e verdes. A fim de mostrá-lo no foco
central da sala, Jeunet veste-o em vermelho. Amélie, por outro lado, está sentada do
lado de fora, no telhado, vestindo verde. Como adversários na cena, é relevante
notar que os dois personagens usam cores opostas e complementares. Finalmente
Amélie corta o sinal da tv a cabo durante uma partida de futebol a qual o vizinho
assiste. Faz-se a vingança por outrora tê-la enganado.
Adulta, Amélie se torna uma garçonete em um pequeno café no bairro
parisiense de Montmartre, o “Café des 2 Moulins”, gerenciado por uma ex-artista.
Aos 23 anos, Amélie leva uma vida simples, tendo abandonado qualquer
relacionamento amoroso depois de tentativas frustradas, ela adquiriu um gosto pelos
prazeres simples, menciona o narrador em off do filme, como por exemplo quebrar o
Crème Brûlée com uma colher, jogar pedras no Canal Saint-Martin, ou fazer jogos
de adivinhação cujas respostas nunca lhe serão dadas.
É quase como se os dois principais personagens, Amélie e Nino fossem
prisioneiros da sua infância. Uma obsessão por maneirismos infantis que poderiam
ser tomados como doentios, os dois. De algum modo eles procuram se libertar
desses fantasmas da infantilidade que os ronda. Nino coleciona fotos, mas mascara
os traços de infantilidade desta rotina colocando um objetivo (mesmo que fútil) para
a sua coleção: descobrir de quem é um dos rostos fotografados através de suas
recomposições. Ele chama este personagem de "fantasma da foto". Nino pode estar
procurando sua própria identidade ao tentar, com papel e cola, juntar a identidade
rasgada nas fotos descartadas.
Amélie tem um papel fundamental no amadurecimento de Nino. Não
somente no amadurecimento sentimental devido a futura relação amorosa entre os
dois, mas também na sua transição para o Nino adulto. Amélie, ao marcar um
encontro com Nino na estação de metrô, o faz descobrir que o personagem
fantasma que ele procura é simplesmente um técnico da manutenção das máquinas
19

de fotografia automática. Por isso tantas fotos deles tiradas, rasgadas, e depois
jogadas fora. Nino não tem mais razão para continuar com sua coleção de fotos.
O primeiro ponto de virada do filme se dá quando Amélie assiste pela
televisão a notícia da morte da princesa Diana em 1997. A própria Amélie deve
identificar-se com Diana, talvez por achar que ela própria, a seu modo, é uma
“Diana”. Não somente por buscar um príncipe, se é que Diana realmente um dia o
buscou, mas por seu altruísmo, sua vontade de ajudar. Claro que no caso de
Amélie, em proporções muito menores.

(...) "Amélie sees herself on television, making the very history she is
watching. This melding of individual imagination, collective history, and
representation is characteristic of what Alison Landsberg has called
"prosthetic memory": Prostethic memories are neither purely individual nor
10
entirely collective (...) (EZRA, 2008, p.97).

Este mesmo sentimento de relação com o personagem dar-se-á mais tarde


entre Amélie e Madre Tereza de Calcutá, talvez por estes mesmos motivos.
A vida cotidiana e de pessoas comuns é tema do longa metragem estudado.
Estes personagens sem características, a primeira vista, interessantes não são
(como citado durante o filme) Lady Di ou Madre Tereza de Calcutá. A dona do bar, a
atendente da tabacaria, o vendedor da quitanda; nada mais contrário à vida destas
duas personalidades famosas que alguns dos personagens do filme. Mas a película
tenta achar a graça nestes tipos comuns. Como eles podem despertar interesse no
público? Simplesmente porque existe um ponto onde todos eles deixam de ser
ordinários.
Mesmo seguindo o raciocínio de que os personagens do filme são pessoas
comuns, esta afirmação não se sustenta por muito tempo. Muitos dos personagens,
depois de um período de trivialidades são de alguma forma tocados por uma certa
"graça". A graça de recuperar a caixinha de brinquedos depois de muitos anos, por
exemplo. A vida deste personagem tocado por Amélie, já não é mais comum. Ele
está vivendo um "destino fabuloso" assim como demais personagens durante o
filme, que culmina com a "graça" sendo alcançada por Nino e posteriormente
Amélie.

10
(...) Amélie se vê na televisão fazendo a mesma história a qual está assisitndo. Esta fusão de
indivúduo, imaginação, história coletiva e representação é característica do que Alison Landsberg tem
chamado de "memória de prótese". Memória de prótese não são são puramente individuais, nem
puramente coletivas (...). (Tradução do autor).
20

Quando Amélie recebe a notícia da morte de Diana pela tv descobre a caixa


de metal do Sr. Bretodeau enquanto chora a morte da princesa. Talvez chore não
por causa da morte da princesa mas por se ver no lugar dela, como uma mártir. Em
outro momento Amélie parte em defesa da Lady Di. Indaga uma desconhecida em
uma banca de revistas perguntando se faria alguma diferença caso a princesa
tivesse sido gorda e feia. Ela questiona se o interesse da mídia teria sido o mesmo.
O vendedor de frutas e verduras Lucian parece ter uma obsessão por Lady
Di, repetindo seu nome diversas vezes em seguida durante o filme, principalmente
até o momento quando o seu chefe chama atenção de maneira desdenhosa para tal
mania. Lady Di era retratada como uma figura altruísta. Nascida plebéia engajou-se
em causas nobres após a fama. No filme Amélie consegue se relacionar com Diana.
Ela também se acha uma bem feitora que antes da fama podia ter uma vida tão
comum como a dela. Assim como Diana possuía uma imagem pública, Amélie pode
ter achado que ela também possuía uma imagem pública (em seu universo) que não
correspondia com quem ela gostaria de ser.
Em uma cadeia de acontecimentos após o choque do anúncio, ela descobriu
por trás de um rodapé solto seu banheiro uma caixa de metal velha e levemente
enferrujada cheia de recordações, como fotos e brinquedos, escondidas por um
menino que morava no apartamento dela 40 anos antes. Fascinada pela sua
descoberta, começou a procurar o verdadeiro dono da caixinha que descobriu se
chamar “Senhor Bredoteau”.
Depois de alguns erros e auxiliada pelo vizinho recluso Dufayel Raymond,
um pintor conhecido como o "homem de vidro" por causa de uma doença nos ossos,
ela descobre a identidade do ocupante anterior do seu apartamento. Curiosamente o
senhor Raymond pinta somente reproduções de quadros de Auguste Renoir. Jeunet
explica a razão de ter escolhido um quadro específico de Renoir para aparecer no
filme, esta explicação segue mais adiante. O filme faz referência direta a Renoir,
mas os quadros que ganham vida no quarto de Amélie são, conforme apontado pela
escritora Elizabeth Ezra, de um artista chamado Michael Sowa, alemão de Berlin
nascido em 1945. Suas pinturas retratam, na maioria, animais.
A protagonista decide então colocar a caixa de metal em uma cabine
telefônica e ligar para o telefone para atrair o seu dono que passa nas proximidades.
Assim, ele receberia a caixa sem descobrir a identidade de quem fez a boa ação.
Quando ele abre a caixa, todas as suas memórias de infância retornam em um flash.
21

Amélie segue-o até a um bar e o observa sem ser descoberta. Vendo os efeitos
positivos sobre ele, decide espalhar, o que considera, seus atos generosos na vida
dos outros. Amélie se torna uma espécie de anjo da guarda em segredo, uma “Lady
Di” invisível.
Amélie também, a sua maneira, tenta se libertar da remanescente infância.
Suas relações interpessoais são falhas. Ela passar a criar "provas" para si mesma.
Estas provas devem ser cumpridas para poder, aos poucos, desenvolver relações
com as pessoas. No caso da caixinha a ser devolvida ao antigo morador do seu
apartamento, Amélie alcança sua meta, entra em contato por telefone com o Sr.
Bretodeau, mas quando o encontra pessoalmente no balcão de um café não diz que
ela foi a responsável pela recuperação da caixinha. É como se ele tivesse cumprido
a prova, mas não retirasse o prêmio.
Mais adiante Amélie coloca-se em outra prova, também com intenção de
criar relação com outra pessoa. Com esta pessoa ela realmente tem um conversa
pessoalmente, inclusive chega a pegar no braço desse outro senhor, mas ele é
cego. Não pode vê-la. A relação também é incompleta. Amélie faz vez de "diretora"
em seu próprio filme, tornando-se diretora de sua própria vida. Ela passa a controlar
os acontecimentos. Quando este controle não lhe cabe mais, como por exemplo
quando Nino se atrasa a um encontro, Amélie escapa para sua segunda realidade.
O mundo imaginado por ela (aquele mesmo no qual ela se vê na televisão ou a faz
virar uma poça de água) a faz perder-se em devaneios onde Nino se atrasou por
tentar cometer atos heróicos nunca realizados.
Ela convence o pai a realizar seu grande sonho que é viajar o mundo. Para
isso pegou o anão de jardim que ficava sob o mausoléu de sua mãe e, com a ajuda
de uma amiga aeromoça, mandou para seu pai fotos deste mesmo anão em
diversas partes do mundo, fomentando em Raphaël a sua vontade de conhecer
outros países.
Ao fazer o anão de jardim viajar o mundo Amélie separa de seu pai este
símbolo. O gnomo era usado no mausoléu de sua falecida mãe. Uma vez que o
anão passa a viajar e enviar fotos de suas viagens para o pai de Amélie é como se o
viúvo passasse a descobrir o mundo, figurativamente. Quando o Sr. Poulain vê estas
fotos de lugares como Rússia ou Estados Unidos é como se ele passasse, aos
poucos, a se abrir do período pós-luto. Mais tarde ele mesmo parte para viajar.
22

Amélie também acaba interferindo na vida das pessoas que vê no trabalho.


Por exemplo, fez com que dois de seus colegas Georgette, a hipocondríaca, e
Joseph11 que é um homem particularmente ciumento, se apaixonassem. Joseph
nunca está contente com o que lhe acontece. Magro, loiro de cabelos curtos e
expressão marcada, vai todos os dias ao café (ou bistrô, como mencionado às vezes
no filme) onde acompanha a vida dos clientes e funcionários. Mantém em um
gravador as falas de sua ex-namorada, exibindo um comportamento quase
paranóico. Mais tarde descobre que o amor estava mais próximo do que imaginava,
naquele mesmo local que frequentava com frequencia. Mesmo assim continua
sendo extremamente possessivo com sua amada Georgette. Atendente da tabacaria
dentro do bistrô Georgette nunca aparece arrumada. Seu ar desleixado e doente faz
suas olheiras e olhos caídos ressaltarem a palidez de sua pele. Tem cabelos
cacheados loiros e curtos. Sempre reclama de sua saúde e talvez por isso vira
objeto de desejo de Joseph.
Em outra intervenção, Amélie Poulain escreve uma carta falsa como se
fosse o falecido marido de uma vizinha, também senhoria de Amélie, terrivelmente
deprimida desde a morte de seu amado. Esta carta tinha sido supostamente perdida
há 30 anos pelos Correios. A senhoria de Amélie chama-se Madeleine Wallace, uma
inconsolável viúva. Ela mesma afirma que foi feita para chorar como uma
"Madalena" ou como uma das fontes "Wallace de Paris”12. Bonachona, tem cabelos
encaracolados curtos, olhos pequenos. Madeleine passa o dia lendo e relendo as
cartas de seu esposo que partiu com uma mulher mais nova que ela.
Suzanne é a proprietária do bistrô onde Amélie trabalha. Usa maquiagem
chamativa, batom vermelho. Aparenta ter mais de cinquenta anos e tem cabelos
avermelhados encaracolados curtos que deixam a mostra um par de brincos de
argolas. Ex-artista de circo passa maior parte do tempo atrás do balcão assistindo
casais se unirem e se separarem. Diz que conhece a receita para o amor à primeira
vista e a passa em confidência para Amélie: "Pegue dois clientes regulares do sexo
oposto, e faça-os acreditar que são mutuamente irresistíveis, deixe-os depurar.

11
Joseph é interpretado por Dominique Pinon, ator mais recorrente em filmes de Jeunet, aparecendo
em sete no total, sendo o primeiro em 1991 com Delicatessen e o mais recente Micmacs de 2009.
12
Fontes Wallace são fontes em ferro fundido em estilo francês colocadas em parques e praças
públicas. No Brasil há uma fonte Wallace no Passeio Público do Rio de Janeiro, por exemplo.
23

Funciona sempre"13. Esta receita Amélie emprega mais tarde ao tentar juntar um
casal de colegas. Amélie possui outra amiga, Gina, que também trabalha no bistrô.
Com sua mãe Gina aprendeu a relaxar músculos, ossos e juntas, técnica que aplica
em clientes do estabelecimento. Julga-se infeliz no amor. É branca, magra, loira e
possui um corte de cabelo parecido com o de Amélie.
Amélie também se vinga de um verdureiro arrogante, o senhor Collignon,
que humilha seu funcionário gago Lucien. Ele tem os cabelos curtos e escuros,
sobrancelhas espessas e quase juntas. Lucien apresenta uma afeição explícita
pelos vegetais que vende na tenda do senhor Collignon. Mais tarde torna-se
aprendiz de pintor com o Senhor Dufayel.
Enquanto ela lida com os outros, ninguém se importa com Amélie. Ao ajudar
os outros a obter a sua felicidade, ela continua sua vida solitária. Exagera na auto-
piedade e identifica-se, ao assistir televisão, com a Madre Teresa de Calcutá (que
morreu seis dias após Diana). Durante estas intervenções anônimas para ajudar
conhecidos e anônimos que Amélie conhece Nino Quincampoix, o rapaz que
coleciona fotos rasgadas em um álbum. A relação de Nino e as fotografias será
elaborada mais adiante durante a descrição do personagem. Apesar de sua
aproximação Nino ignora a existência de Amélie. Ao deixar cair seu álbum de
fotografias rasgadas, Amélie o recolhe e inicia um jogo de sedução que tem como
recompensa a devolução do pertence. Após recuperar o álbum, Nino passa a
procurar Amélie que, sob o disfarce de uma máscara, espalha cartazes pela cidade
para marcar o encontro.
O pintor Raymond Dufayel, um dos únicos amigos de Amélie, serve como
um catalisador para o amadurecimento da personagem, levando-a refletir sobre seus
atos, principalmente em relação a Nino. Finalmente Amélie e Nino ficam juntos
enquanto uma locução em off acompanha o casal a atravessar a cidade em sua
bicicleta elétrica.
Segundo o site Unifrance, no documento intitulado “Le Cinéma Français à
L’étranger, Résultats de l’année 2009 et de la Décennie”14 o filme, mesmo tendo sido
um sucesso de público, não foi selecionado em Cannes. A ausência de Amélie
Poulain despertou polêmica entre o entusiástico público francês. O então presidente

13
A frase foi retirada do filme pelo autor, mas também está no roteiro de diálogos anexo a este
trabalho.
14
Em tradução livre: "O cinema francês no estrangeiro, resultados do ano 2009 e da década".Este
documento com seus dados está disponível para consulta na sessão "anexos" deste trabalho.
24

do festival chamou o filme de "desinteressante", mas depois admitiu que tinha visto
uma versão incompleta, que nem acompanhamento musical tinha. Ainda assim o
filme conquistou entre 2001 e 2002 dezenove prêmios ao redor do mundo, incluindo
o Prêmio César de melhor música escrita para um filme, melhor diretor e melhor
filme. Também recebeu 27 nomeações em diversas premiações.
Durante a cerimônia da entrega do César de 2002, o filme obteve quatro
prêmios:
- Melhor Filme
- Melhor Diretor: Jean-Pierre Jeunet
- Melhor música escrita para um filme: Yann Tiersen
- Melhor Direção de Arte: Aline Bonetto

E recebeu treze indicações (um recorde para esta premiação):


- Melhor Filme
- Melhor Diretor: Jean-Pierre Jeunet
- Melhor Atriz: Audrey Tautou
- Melhor Ator Coadjuvante: Jamel Debbouze
- Melhor Atriz Coadjuvante: Isabelle Nanty
- Melhor Roteiro: Guillaume Laurant e Jean-Pierre Jeunet
- Melhor música escrita para um filme: Yann Tiersen
- Melhor Direção de Arte: Aline Bonetto
- Melhor Edição: Hervé Schneid
- Melhor Fotografia: Bruno Delbonnel
- Melhor Figurino: Madeline Fontaine
- Melhor som: Jean Umansky, Gérard Hardy e Vincent Arnardi

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é o filme francês com maior número


de nomeações na história do Oscar. Recebeu cinco indicações:
- Melhor filme em língua estrangeira
- Melhor Roteiro Original
- Melhor Direção de Arte
- Melhor Fotografia
- Melhor Som
25

Esta descrição do filme, sua história, e sua trajetória tem a intenção de


localizar o leitor quanto ao seu conteúdo e também quanto a sua importância dentro
da filmografia do diretor e dentro da filmografia mundial. As descrições das cenas
relacionadas às pinturas seguirão mais adiante, pois é necessário antes apresentar
o artista Juarez Machado e suas obras para que tal relação possa ser melhor
compreendida.

4. JUAREZ MACHADO, ARTISTA E OBRA

4.1 VIDA PROFISSIONAL

Juarez Machado nasceu em 1941 na cidade de Joinville, Santa Catarina e,


conforme sua biografia em seu site oficial, mudou-se para Curitiba aos 18 anos para
entrar na Escola de Música e Belas Artes do Paraná onde participou ativamente de
diferentes movimentos artísticos. Após concluir seus estudos, já tendo uma
produção constante, muda-se para o Rio de Janeiro em 1966. Na capital fluminense
ampliou suas atividades para além da pintura, trabalhando também com cenografia,
escultura, desenho e gravura. Entrou para o quadro de funcionários da Rede Globo
de Televisão, trabalhando principalmente como cenógrafo.
No programa dominical Fantástico também estreava um quadro de mímica
onde realizava performances com o rosto pintado de branco e interagia com suas
ilustrações animadas. Caricato, nestas performances Machado não pronunciava
uma palavra sequer. Era um mímico de expressões marcadas que poderiam
lembrar, a alguns, as feições de atores do cinema expressionista alemão. Poderia-se
comparar algumas das performances e, principalmente, seus elementos gráficos aos
esquetes do grupo Britânico “Monty Python”. Em ambos (esquetes do Fantástico de
Machado e “Monty Python” há a interação de um personagem humano com
desenhos e figuras animadas, que em muito se assemelham nos dois casos.
Concomitantemente Machado assinava uma coluna de humor no Jornal do Brasil
intitulada Nonsense.
26

Figura 01 – Juarez Machado no Fantástico


Fonte:http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/foto/0,,14678280,00.jpg
(Acesso em 22/08/2011)

No ano de 1986 fixou residência definitiva em Paris, mais especificamente


no bairro de Montmartre, onde permanece até hoje e onde também possui um ateliê.
Afastado profissionalmente da televisão, dedica-se principalmente à pintura e
escultura. Corriqueiramente realiza exposições pela Europa, Estados Unidos, além
do Brasil, para onde sempre volta por também possuir trabalhos expostos em
galerias.
Em seus quadros mais recentes percebe-se algumas recorrências de temas,
objetos e paleta de cores. As bicicletas ainda estão presentes em grande
quantidade. A bicicleta pode ser observada em quadros mais antigos de Machado,
além de ilustrações e gravuras do artista. Anteriormente eram mais diversas,
podendo ter, por exemplo, rodas quadradas. Em seus quadros mais atuais as
bicicletas passam a ser mais figurativas (não mais tendendo ao abstrato) e servem
de apoio a um outro motivo central.
Diversos quadros também retratam o consumo de bebida alcoólica, seja
vinho ou champagne (como na série chamada “Chateaux Bordeaux”) e em menor
escala a cerveja. Isto poderia se dar pelo fato de Machado retratar muitas vezes
ambientes festivos, além de restaurantes, bares ou salões de dança. Os salões de
dança remetem a outro tema recorrente que é a música. Esta dança consegue
transmitir movimento aos quadros e as suas figuras. Personagens tocando
instrumentos (mais repetidamente o acordeão – instrumento usado frequentemente
27

durante a trilha sonora do filme composta por Yann Tiersen) ou dançando são
retratados em tantos quadros que Machado fez até uma série de pinturas intitulada
“Tango”.
A figura feminina é diversificada e periódica em seus quadros. Diversificada
porque apresenta diversos biótipos. Há mulheres voluptuosas, de seios fartos até
mulheres magras e sem curvas. A mesma diversidade aplica-se aos trajes destas
mulheres e seus humores. Podem vestir vestidos etéreos e flutuantes, discretos
vestidos longos ou aparecerem completamente nuas. Assim como algumas podem
estar esfuziantes, contentes e energéticas outras aparecem solitárias, cabisbaixas e
pensativas, mas em todos os casos são retratadas com extrema feminilidade. Há,
entretanto, uma semelhança entre todas estas mulheres não importando sua
aparência ou estado de espírito: todas parecem ter referências marcantes dos anos
20 e 30, principalmente quanto ao estilo do corte de cabelo à Chanel. As figuras
femininas de Machado são claramente mulheres, sem margem para segunda
interpretação. Já o mesmo não ocorre tão claramente com a retratação de alguns de
seus personagens masculinhos, que mesmo trajando calças poderiam, para alguns,
parecerem um tanto ambíguos. Não por suas vestimentas, mas talvez por seus
traços faciais nem sempre tão viris.
Na série “Veneza” Machado demonstra seu interesse pelas máscaras do
carnaval veneziano. O mesmo estilo de máscara aparece em quadros de outras
séries, mas não com tanta assiduidade. O artista parece ter tanto fascínio pelas
máscaras que em algumas fotos pessoais aparece usando-as. Enquanto na série
“Veneza” estas máscaras surgem como objetos corriqueiros para composição do
ambiente de carnaval na série “Le Libertin” elas aparecem como objeto relacionado
ou à fantasia sexual ou à tentativa de velar a identidade do personagem retratado
em cenas lascivas.
Cafés e pequenos bistrôs também povoam as telas do pintor. Estes
ambientes são recursivos em diferentes séries, mas podem ser mais bem
observados na série “La fête continue” (A festa continua). É interessante perceber
que todos estes ambientes parecem ser pequenos ou que, de onde estão sendo
vistos, estão quase totalmente preenchidos; sejam por corpos ou objetos que
compõe o ambiente. Talvez por isso a impressão de serem, na maioria dos casos,
café ou bistrôs e não grandes salões ou restaurantes. Isto acontece de tal maneira
28

que muitos personagens mal cabem no espaço da pintura tendo parte de seus
corpos ou cabeças deixados para além do espaço visível do quadro.
A paleta de cores utilizada por Machado pode ser considerada ampla. As
maiores variações estão separadas pelas séries. Temas como “Copacabana”, por
exemplo, apresentam cores mais vibrantes, amarelos quentes misturados com
violetas e vermelhos vivos. Quadros de série “La fête continue” oferecem quase
somente preto, vermelhos e verdes escuros e diversos tons de amarelos, deixando-
os mais pesados e austeros.
Segundo seu site oficial, Juarez Machado recebeu sua primeira premiação
no ano de 1961 em Curitiba quando ficou em segundo lugar no "Salão de Jovens
Talentos". No mesmo ano recebeu mais uma menção honrosa no “Salão da
Primavera”. De 1961 a 1965 recebeu pelo menos um prêmio por ano referente à sua
produção de pinturas ou esculturas. Em 1969 ganhou seu primeiro prêmio
internacional na Bienal de Arte no Humor na Itália. Durante a década de 70 recebeu
quatro grandes prêmios, três deles no Brasil e um no Japão. Durante os ano 80
auferiu, além de prêmios de arte, o título de cidadão honorário de Joinville, o mesmo
aconteceu na década de 90 em Curitiba. Entre outros também foi homenageado
com a Ordem do Mérito do Rio Branco pelo Ministério das Relações Exteriores do
Brasil. Em 2001 participou da inauguração de um teatro que leva seu nome na
cidade de Joinville, este mesmo teatro possui um portal com pinturas do artista.
Não é objetivo deste trabalho realizar qualquer julgamento de valor das
obras do artista. Se estas são comerciais, banais, superficiais ou não. As pinturas
servirão como referências para as análises já mencionadas e incluir tais
elucubrações sobre o “valor” destas obras seria contraproducente e não serviriam
para enriquecer o trabalho de qualquer forma.

4.2 GALERIA VIRTUAL, A FONTE DE PESQUISA

Há de ser feita uma apresentação da fonte de onde as obras do pintor foram


retiradas para a comparação com o filme. O web site oficial do artista apresenta-se
em duas versões quanto a língua, inglês e francês. Já na primeira página do site há
uma visualização de pequenas reproduções de obras em telas, com o claro intuito
de comercialização das mesmas em forma de gravuras. A frase creditada ao próprio
Juarez afirma que as obras ali presentes para venda são as de sua preferência e
29

suas cópias são de extrema qualidade. O hiperlink destas imagens leva à “boutique”
do site onde o visitante pode adquirir as reproduções. As imagens analisadas para a
pesquisa encontram-se, dentro do site, na página intitulada: “seu trabalho”.

Figura 02 – primeira página do site oficial


Fonte: site oficial Juarez Machado

Como curiosidade, estas imagens iniciais e pequenas, possuem em sua


versão horizontal 150×96 pixels e em sua versão vertical 120×120 pixels, todas no
modo JPEG de compressão. Este tipo de arquivo é utilizado para condensar o
tamanho da imagem. Imagens em JPEGs são costumeiramente usadas online para
permitir o acesso a arquivos de imagem em tela cheia pois exigem menos espaço de
armazenamento e, portanto, são mais rápidos para download em uma página da
web. Entretanto, esta mesma compressão que cria arquivos mais leves também
podem distorcer as cores da imagem, o que claramente, não é desejável ao se
expor (ou analisar) obras de arte. Este formato é utilizado em todas as fotos de
quadros que constam no site, independente de seu tamanho. Certamente o
desenvolvedor do site chegou a um denominador onde as nuances dos quadros
poderiam ser vistas sem que a imagem chegasse a ser muito pesada para o
carregamento. Outros pontos como navegação em forma de galeria virtual ou quanto
à escolha da curadoria para as obras apresentadas, não são mencionados ou
30

justificados, a exemplo de outras galerias e museus virtuais. O que acontece, talvez,


é que o site tenha um cunho mais comercial distanciando-se então de um museu
virtual ou mesmo de uma galeria.
At the present time, the museum community is expending a great deal of
effort simply digitizing its resources and making them increasingly accessible
online. Digitizing assets is not dissimilar to the historical function of the
museum to preserve artifacts. As this process becomes more and more
successful, however, there will be an increasing need to find ways to "filter"
the vast quantities of information that are available. The emphasis will shift
from simply "creating" content to presenting a context for it; a point of view
about it--just as one of the roles of the curator is to identify, contextualize,
15
and present a point of view about works of art. (DIETZ, 1998).

Além das imagens que levam à loja, os demais comandos de navegação são
feitos, nesta primeira página, através de texto, e não imagens. Na versão em inglês,
os hiperlinks de textos em caracteres no formato fonte são: Biography, Exhibitions,
Art Publications, Workshop, Machado Theatre e Contact the Artist. Há ainda os
hiperlinks de textos em formato de imagens raster: Juarez Machado, His work,
Boutique, Français e Blog. Todos os hiperlinks levam a páginas abertas na mesma
janela. Uma vez na página “his work”, ou “seu trabalho”, em português, as
exposições individuais são classificadas por título, ano e local, técnica utilizada e
número de imagens disponíveis no acervo digital, a ver tabela abaixo.
Exposição Local de ano técnica imagens
La fête continue Paris, 1997-98 Pintura 34
Atelier d'artiste Paris, 1992-95 Pintura 44
O grande circo Paris, 1997 Pintura 15
Ilha de Sta. Catarina Sta. Catarina, 1997 Pintura 33
Chateaux Bordeaux Paris, 1998-99 Pintura 19
Copacabana Copacabana, 1992 Pintura 36
300 years of Curitiba Sem informação Pintura 24
Little exposition Sem informação Pintura 12
Le libertin Paris, 2002 Pintura 45
Mural Joinville Pintura 18
Veneza Veneza, 2003 Pintura 20
Tabela 01 – dados das exposições
Fonte: Site oficial Juarez Machado

15
No presente momento, a comunidade dos museus está gastando uma grande quantidade de
esforço simplesmente para digitalizar os seus recursos e torná-los cada vez mais acessível on-line. A
digitalização de seus bens não é incomum para a função histórica do museu quando quer preservar
seus artefatos. Enquanto este processo, no entanto, se torna mais e mais bem sucedido, haverá uma
crescente necessidade de encontrar formas de "filtrar " a vasta quantidade de informações que estão
disponíveis. A ênfase vai mudar simplesmente de "criar"o conteúdo para apresentar um contexto para
ele, um ponto de vista sobre o assunto - como uma das funções do curador é a de identificar,
contextualizar e apresentar um ponto de vista sobre as obras de arte. (Tradução do autor).
31

Conforme tabela apresentada, o número de obras, em pinturas, digitalizadas


e disponíveis para visualização somam um total de trezentas peças. Foram omitidos
dados sobre esculturas e outras obras por não serem parte do objeto de estudo.
Vale ressaltar que o acervo apresentado no site não corresponde ao total de obras
produzidas por Machado. As páginas das exposições, onde já se podem ver as
miniaturas dos quadros são divididas conforme o número de obras por tema. Por
exemplo, a exposição intitulada "La Fête Continue", A Festa Continua, possui três
páginas com 12 imagens na primeira página, e 11 imagens na segunda 11 imagens
na terceira. Todas as imagens em miniatura de todas as exposições são hiperlinks
para uma versão maior da mesma com informações textuais sobre o quadro
específico. As imagens, sem exceção apresentam-se no formato JPEG tanto em sua
versão thumbnail, como em sua versão ampliada, e possuem com 72 dpi (dots per
inch, ou pontos por polegada) de resolução, esta resolução tomada como padrão
para a rede. O ponto por polegada é a medida de um número de pixels por polegada
em um gráfico ou imagem, usado para especificar o tipo ou a resolução da imagem.

Figura 03 – exemplo de página com imagens em thumbnail


Fonte: Site oficial Juarez Machado
32

Claramente, as pinturas dispostas nesta página não têm um sentido como


mostruário de obras detalhadas, mas sim o de simples numerização da obra
correlata original, como explica Priscila Arantes.
Em um primeiro momento as imagens computacionais podem ser a
expressão de processo de digitalização, da conversão de imagens de vídeo,
fotografia, ou outra mídia qualquer para a imagem digital por processos de
numerização. Já no caso das imagens de síntese, isto é, daquelas imagens
criadas exclusivamente no ambiente computacional, não há ligação
nenhuma com o referente(ARANTES, 2005, p.77).

Individualmente as imagens em miniatura variam quanto à proporção


mantendo a média de 135X185 pixels para as figuras na vertical e 135X105 pixels
para as imagens horizontais. Como a medida em centímetros varia conforme a
resolução do monitor de quem as acessa, mantém-se aqui a unidade em pixels para
todas as descrições. Já o pixel é o ponto único em qualquer imagem raster, então
este não sofre alteração em seu número dentro da figura, conforme a resolução do
monitor. Há maiores variações na média das resoluções das imagens, tanto para as
miniaturas, quanto para as ampliadas no caso das telas em dípticos ou trípticos
devido à sua despadronização quanto a proporção.
As imagens ampliadas apresentam, em sua maioria, a proporção de
430X576 pixels para as verticais e 430X310 pixels para as horizontais. Algumas
poucas, juntas na página da imagem ampliada, disponibilizam a opção de
visualização da imagem do rascunho feito pelo artista antes do quadro pronto.
Outras informações presentes nas páginas das imagens ampliadas são: nome do
quadro, medida em centímetros da obra, ano de execução, técnica aplicada, e links
para a compra da imagem em gravura e opções de navegação para imagem
próxima ou anterior. Por exemplo, a tela chamada "Réservation pour deux
personnes" ou: Reserva para duas Pessoas, da exibição "La fête continue" possui as
indicações de tamanho: 100x73 cm, ano de produção: 1997, e técnica utilizada: óleo
sobre tela. Além de uma imagem menor com o texto "to see the skretch", que ao
passar o mouse por ela, visualiza-se o rascunho desta mesma obra por cima da
peça finalizada.
33

Figura 04 – exemplo de página com imagem ampliada


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Para as imagens ampliadas referentes às telas em dípticos, verticais, a


proporção é de 430X1.162 pixels. Os trípticos, horizontais, apresentam 430X194
pixels. Todas as obras apresentadas dentro de “his work” apresentam link para a
compra de uma versão impressa em tamanho ampliado (se comparado ao
apresentado no monitor). Em relação aos trabalhos de Machado, facilmente
encontrados em outros sites na rede (inclusive de vendas), as obras apresentadas
no veículo online oficial do pintor ainda parecem estar em número bastante
pequeno. Todas as imagens analisadas apresentam no site do pintor tamanho
adequada para a observação.
A disponibilização de imagens em resolução de 72 dpi não permite a
impressão satisfatória das mesmas em tamanho razoável, mantendo-as assim
definidas, quanto aos pixels, em sua visualização pelo monitor somente. Pode-se
afirmar ainda que a imagem, mesmo que reprodução da original, uma vez
digitalizada, somente poderá ser visualizada através de uma representação
luminosa, não física da primeira. Entretanto qualquer análise de obra, a não ser
quando feita no exato momento da observação do original, pode sofrer a mesma
distorção. Ainda mais quando se observa o original e tira-se conclusões sobre este
baseando-se no que se mantém na memória desta visualização do original.
34

O que pode acontecer é que a participação afetiva, ou Einfühlung16·, como


colocado por Claus Clüver, seja diferente ao se observar a obra de arte em uma
galeria física ou na galeria de obras digitalizadas. Esta relação do observador e
obra, agraciada desta empatia trazida pelo Einfühlung, poderia sim somente ser
alcançada em sua plenitude ao se observar a pintura, escultura, ou qualquer outra
obra, na sua versão original. Mas este sentimento de compartilhamento para com a
obra não necessariamente prejudicaria uma análise sobre a mesma, realizado por
um grupo de estudos que mantém o acesso a tais obras somente à distância, por
exemplo. As imagens apresentadas no site do artista aparentam ter como intenção a
mera exposição (sem o sentido de evento em local físico da palavra) das obras de
arte para que o visitante tenha conhecimento das pinturas de Machado, mas
também para a comercialização destas.
Não há como, a partir das versões apresentadas no site, comparar com a
visualização de um quadro em sua versão original e material. Para o estudo
desenvolvido aqui a análise intertextual entre as pinturas e as imagens do filme de
Jeunet não necessariamente requerem uma análise da obra original. Mesmo porque,
a intenção é captar as relações de hibridismo entre as obras como um todo, telas e
película, e não apontar uma única peça para estudo e o desdobramento teórico dela.
Além disso, a observação online possibilita outras formas de apreciação, talvez mais
propícias à análise científica. Possivelmente a observação de alguns destes objetos
em uma galeria tradicional não seria feita tão detalhadamente.

5. INTERTEXTUALIDADE E O CINEMA

Semanticamente pode-se definir a intertextualidade como a interseção entre


textos, os pontos de contatos criados entre dois ou mais escritos podendo gerar
obras diversas. Entretanto esta definição inicial exclui a análise da intertextualidade
em obras não literárias, ou ainda as diferentes ramificações do intertexto.
Intertextualidade refere-se a muito mais do que as influências de um escritor sobre o
outro. Roland Barthes fala sobre o escritor como o orquestrador do já escrito.
Menciona ainda sobre o diálogo como o dual da linguagem ou da negociação de
significado entre autor e leitor. Portanto, intertextualidade é a idéia de que nenhum
texto (texto, daqui por diante, ainda segundo Barthes, já definido como algo que
16
A tradução de Einfühlung para o português é: empatia. Clüver amplia o sentido original em seu
texto utilizando a palavra em seu original alemão.
35

pode ser "lido", incluindo livros, filmes, imagens e música) existe independente de
outros textos.
Uma das problemáticas da intertextualidade está em definir e separar o que
é intertexto ou cópia. Entretanto, para a aplicação da teoria nesta dissertação, este
questionamento pode ser preterido, uma vez que as mídias utilizadas são diferentes.
Acima disso o diretor de cinema estudado, Jean-Pierre Jeunet, afirmou que se
inspirou em telas de Juarez Machado para ambientar alguns de seus filmes,
descaracterizando o plágio ou cópia. Assim, o texto decorrente servirá para embasar
o conceito de intertextualidade, mas também apontar suas nuances e gamas.
Somos ensinados a ler palavras, mas ninguém nos ensina a “ler” imagens,
elas são decodificadas, mas nem sempre da forma desejada por quem as cria. O
inevitável é que esta leitura existe independente de sua interpretação. A
decodificação depende de uma linguagem, escrita, ou não. Este trabalho não tem
intenção em fazer um estudo semiótico entre imagens e o que estas podem
representar, para que então seja utilizada como base para o intertexto juntamente
com uma segunda obra. Mas, para a clareza do conceito de intertextualidade, e
adiante, para a compreensão de suas diferentes formas, uma breve introdução
sobre a teoria imagética é necessária, bem como a identificação entre cópia e
intertexto. O próprio Barthes coloca a raiz da palavra imagem como derivante de sua
correlata a “cópia”.
According to an ancient etymology, the word image should be linked to the
root imitari. Thus we find ourselves immediately at the heart of the most
important problem facing the semiology of images: can analogical
representation (the 'copy') produce true systems of signs and not merely
simple agglutinations of symbols? Is it possible to conceive of an analogical
'code' (as opposed to a digital one)? We know that linguists refuse the status
of language to all communication by analogy - from the 'language' of bees to
the 'language' of gesture - the moment such communications are not doubly
articulated, are not founded on a combinatory system of digital units as
17
phonemes are. (BARTHES, 1977, p.32)

A partir da afirmação de Umberto Eco, de que “não existe interxtextualidade


sem a mera reprodução de frames” (ECO, 1991, p.185) a reprodução de frames

17
De acordo com uma antiga etimologia, a palavra imagem deveria estar ligada a raiz imitari. Assim,
encontramo-nos imediatamente no centro do problema mais importante para a semiologia das
imagens: pode a representação analógica (o 'copiar') produzir verdadeiros sistemas de signos e não
apenas aglutinações simples de símbolos? É possível conceber um 'código' analógico (em oposição a
um digital)? Sabemos que os linguistas recusam o estatuto de língua de toda a comunicação, por
analogia - da "linguagem" das abelhas a "língua" do gesto - o momento em que tais comunicações
não são duplamente articuladas, não são fundadas em um sistema combinatório de unidades digitais
como os fonemas são. (Tradução do autor)
36

pode ir muito além do intertexto. O descolamento das obras que colaboram para a
interseção margeiam o que pode ser interpretado como cópia. Para tentar
sedimentar a ideia base das obras originais e então partir para a interpretação de
seus intertextos, Barthes introduziu o conceito de ancoragem (BARTHES 1977, p.
38), dizendo que elementos linguísticos podem servir de "âncora" para a leitura de
uma imagem: "para fixar a cadeia flutuante de significados" (ibid., p. 39).
Barthes introduziu este conceito de ancoragem textual principalmente em
relação aos anúncios publicitários, mas aplica-se, também, para outros gêneros, tais
como fotografias, televisão, documentários, desenhos animados, histórias em
quadrinhos e, finalmente, ao cinema e artes plásticas.
Anchorage is the most frequent function of the linguistic message (…). Here
text (most often a snatch of dialogue) and image stand in a complementary
relationship; the words, in the same way as the images, are fragments of a
more general syntagm and the unity of the message is realized at a higher
level, that of the story, the anecdote, the diegesis (which is ample
confirmation that the diegesis must be treated as an autonomous system).
While rare in the fixed image, this relay-text becomes very important in film,
where dialogue functions not simply as elucidation but really does advance
the action by setting out, in the sequence of messages, meanings that are
18
not to be found in the image itself. (BARTHES, 1977, p.41)

A interpretação deste novo elemento, proveniente da interseção entre as


obras não tem relação com o objeto primário. Torna-se um terceiro e inédito
elemento de imagem para uma nova interpretação independente. Isto, não por
causa da característica da intertextualidade, mas pela propriedade da própria
informação, seja ela primária ou derivante, segundo apontado por Baudrillard,
conforme segue.
(...)information has nothing to do with signification. It is something else, an
operational model of another order, outside meaning and of the circulation of
meaning strictly speaking. This is Shannon's hypothesis: a sphere of
information that is purely functional, a technical medium that does not imply
any finality of meaning, and thus should also not be implicated in a value
judgment. A kind of code, (…). In this case, there would simply be no
significant relation between the inflation of information and the deflation of
19
meaning. (BAUDRILLARD, 1994, p.79)

18
A Ancoragem é a função mais freqüente da mensagem linguística (...). Aqui o texto (na maioria das
vezes um fragmento de diálogo) e a imagem se põe em uma relação de complementaridade; as
palavras, da mesma forma como as imagens, são fragmentos de um sintagma mais geral e a unidade
da mensagem se realiza em um nível superior, seja da história, da anedota, da diegese (o que é a
confirmação cabal de que a diegese deve ser tratada como um sistema autônomo). Embora raro na
imagem fixa, este texto retransmitido torna-se muito importante no filme, onde os diálogos funcionam
não apenas para o esclarecimento, mas realmente faz avançar a ação, estabelecendo, na seqüência
de mensagens, significados que não são encontrados na imagem em si. Tradução do autor.
19
A informação não tem nada a ver com a significação. É outra coisa, um modelo operacional de
outra ordem, fora do sentido e da circulação de um sentido estrito. Esta é a hipótese de Shannon: a
esfera da informação que é puramente funcional, um meio técnico que não implica qualquer
37

O campo da comunicação oferece muitas versões diferentes que se podem


enquadrar na definição de imagem e subsequentemente, sua informação. Essas
versões geralmente tomam a forma de teorias. As imagens não podem ser
simplesmente definidas como um conjunto de sinais que são ligados entre si de
alguma forma pelo espectador. E é este mesmo espectador, dependendo da
bagagem anterior que possui, reconhece, ou não, a intertextualidade; assim como
pode ou não compreender a mensagem dos sinais. Assim, não há como quantificar
em que medida o texto é apresentado (ou entendido) como uma única parte ou
amarrado a uma estrutura de maior dimensão (por exemplo, como parte de um
gênero, de uma série, de uma coleção de quadros, de uma revista, de uma
exposição, etc.) - fatores que não estão sob o controle do autor do texto.
Independente se o diretor analisado afirma que se utiliza das pinturas de Machado.
Isto importa menos para o estudo, uma vez que a intertextualidade pode se dar a
partir dos olhos do leitor (entende-se novamente que leitor não cabe somente para o
decodificador de textos escritos). Esta mesma intertextualidade entre obras pode ser
flexível a partir do ponto de vista de cada um, identificando-a ou não.
O que acontece neste estudo é uma “relação entre mídias em geral”, como
proposto por Claus Clüver. Não se pode considerar no caso das obras de Machado,
e do filme tomado como objeto, como sendo uma transposição e menos ainda uma
fusão, conforme o autor:
Um caso especial, que necessita de esclarecimentos mais precisos é o da
diferenciação entre relações intermidiáticas e textos intermídias. Da forma
como aparece em diversas contribuições no livro de Helbig, o conceito de
“intermidialidade” cobre pelo menos três formas possíveis de relação: 1.
relações entre mídias em geral (relações intermidiáticas); 2. transposições
de uma mídia para outra (transposições intermidiáticas ou intersemióticas);
3. união (fusão) de mídias (CLÜVER, 2006, p. 24).

O que pode acontecer dentro desta “relação de mídias em geral” é que a


relação entre diferentes obras pode criar subgêneros que derivam desde um
extremo, que é a simples cópia (que não necessariamente precisa de uma relação
entre duas obras para ser gerada), até a paródia. Retomando que a dissertação não
pretende em ponto algum se tornar uma mera peça que reúne comparações entre
imagens paradas de filmes e cenas retratadas em telas. O conceito de alegoria,

finalidade de significado e, portanto, também não deve ser envolvido em um julgamento de valor.
Uma espécie de código, (...). Neste caso, não haveria simplesmente nenhuma relação significativa
entre a inflação de informações e a deflação do sentido. Tradução do autor.
38

dentro da intertextualidade, é o que mais se encaixa dentro das teorias para explicar
a intenção e o tipo de intertexto procurado neste estudo. Segundo Eco:

(...) por alegoria se entenda um texto (visual ou verbal) que opere por
articulação de imagens que poderiam ser interpretadas em seu sentido
literal, a menos que a cada imagem ou ação tenha sido atribuído por um
código bastante preciso um sentido segundo: na medida em que é
codificada, a alegoria não é símbolo, não mais do que o é a transcrição de
uma mensagem verbal no código das bandeirinhas navais. (ECO, 1991,
p.214).

A alegoria é a representação de idéias ou princípios abstratos pelos


personagens, figuras ou eventos na narrativa, dramática, ou de forma pictórica, pois
“na alegoria o particular conduz ao geral, no símbolo estético realiza-se a presença
simultânea e o jogo mútuo de ambos os procedimentos” (ECO, 1991, p.215). Esta
ideia sim se aproxima do objetivo de pesquisa desta dissertação. Um conceito muito
mais amplo do que a mera e superficial comparação de imagens na tentativa de
encontrar elementos visuais correlatos. Esta (a alegoria) é uma forma de metáfora
ampliada, na qual os objetos, pessoas e ações em uma narrativa, são equiparados
com os significados que estão fora da própria narrativa (neste caso em pinturas).
O significado subjacente tem importância na história, seja moral, social ou
religiosa. Os personagens podem ser frequentemente personificações de idéias
abstratas, como amor, caridade, cobiça ou inveja. E também podem ser
personificações de ideias que, em um quadro, podem ser transmitidas
abstratamente.
Dentre estas ideias abstratas pode-se citar a música, temperatura ou o
movimento (este último em um filme encontra-se visualmente presente). Ainda que a
alegoria tenha relação direta com o símbolo; alegoria e símbolo são duas coisas
distintas conforme explica Eco a seguir.

Some years ago I examined several senses of the word symbol. Among
them was the well-known distinction between symbol and allegory (...) the
classical world took symbol and allegory as synonymous expressions and
also called symbols certain coded images produced for educational
purposes. Under such a linguistic usage was the idea that symbols too were
rhetorical devices endowed with a precise meaning (...). (ECO 1994, p.08,
20
09)

20
Há alguns anos atrás eu examinei vários sentidos da palavra símbolo. Entre elas estava a
conhecida distinção entre símbolo e alegoria (...) o mundo clássico tomou símbolo e alegoria como
expressões sinônimas e também chamou certos símbolos de imagens codificadas produzidas para
39

Portanto, doravante durante todo este trabalho, as interpretações da


intertextualidade serão feitas sobre o conceito de alegoria.
As menções sobre a intertextualidade relacionadas aos sentimentos,
narrativa, cores e outros serão aqui descritas ao invés de somente representadas
graficamente através de comparações de pinturas e imagens do filme. Já a
interpretação do que o pintor ou o que o diretor tentaram passar aos apreciadores
das obras cabe a uma segunda leitura, além da existência do intertexto.
A simulação da realidade passa por ambas as obras estudadas, tanto a
pintura como o filme. De certa forma há uma terceirização do simulacro, pois estuda-
se aqui a possível representação de um simulacro primário (a pintura, que
representa algo) para então sua transposição no filme, mais um simulacro. Por
exemplo: um escritor ou roteirista que escreve sobre uma mulher olhando pela
janela está produzindo um simulacro no mundo platônico, segundo a visão de
Deleuze em Logic of Sense onde também preocupa-se em distanciar o simulacro da
cópia.

If we say of the simulacrum that it is a copy of a copy, an infinitely degraded


icon, an infinitely loose resemblance, we then miss the essencial, that is, the
difference in nature between simulacrum and copy, or the aspect by which
they form the two halves of a single division. The copy is an image endowed
with resemblence, the simulacrum is an image without resemblance
21
(DELEUZE, 1990, p. 257).

O uso aqui de Deleuze é considerado devido aos estudos do filósofo


também em cinema. Seu interesse em práticas não-filosóficas enriquecem seus
textos que, mesmo quando tratam de assuntos da filosofia, podem conter exemplos
e alusões ao cinema. O cinema passa a ser então como um contador de histórias
onde a filosofia pode ser aplicada. Mais além então vai o diretor de cinema que tenta
reproduzir em seu estúdio ou em locações o simulacro já representado numa pintura
e recorre a um simulacro do simulacro, criando uma construção em abismo da

fins educacionais. Sob tal uso lingüístico houve a idéia de que os símbolos também eram artifícios
retóricos dotados de um significado preciso. (Tradução do autor)
21
Se dizemos que o simulacro é a cópia de uma cópia, um ícone infinitamente degradado, uma
assemelhação infinitamente solta, nós então perdemos o essencial, isto é, uma diferença na natureza
entre simulacro e cópia, ou o aspecto pelo qual se formam duas metades de uma única divisão. A
cópia é uma imagem dotada de semelhança, o simulacro é uma imagem sem semelhança. (Tradução
do autor)
40

representação da realidade. No conjunto, então, o simulacro pode ser definido


através da ideia de reverter o platonismo.
Em linhas gerais pode-se dizer que a janela pela qual alguém se debruça é
mais real do que a janela pintada em uma tela ou projetada em uma sala de cinema.
Por outro lado a própria janela "real" antes de ser física era primeiramente platônica,
fazendo parte dos pensamentos de quem a produziu. Mas quando Deleuze diz que
tudo é produção pode significar então que a janela da pintura e do cinema é tão real
quanto a janela física, feita de madeira e vidro. Na verdade são apenas janelas
diferentes. Todas elas estão presentes dentro do seu contexto e servindo ao seu
propósito no seu meio.
A própria Amélie é um simulacro. Criada sim a partir de uma ideia platônica,
mas plastificada em simulacro. O personagem multidimensional comprova esta
transposição. Ela não precisa ser caracterizada somente como "boa" ou "má",
"bonita" ou "feia". A disparidade entre os diferentes pontos da personalidade da
personagem explicitam que sua construção partiu de diferentes ideias platônicas da
jovem parisiense, vindas estas dos quadros de Machado, mas provavelmente de
muitas outras fontes também.
Cada Amélie surge de uma forma diferente em uma situação diferente do
filme. O simulacro da amante, da justiceira ou da mulher infantilizada permeiam
diferentes fases da personagem. Dentro da terminologia Deleuziana ela é uma
síntese disjuntiva que produz o simulacro. Síntese também destas pinturas, mas não
somente.
Eco afirma que toda criação de obras, por mais originais que pareçam, são
derivações de todas as influências que o criador já teve advinda do mundo. É
proveniente do que lemos em livros, jornais e revistas, a partir do que vimos no
cinema e na televisão, pelo que ouvimos no rádio, e assim sucessivamente. Não
existe obra completamente primária. Apesar do termo “intertextualidade” ter sido
cunhado, e modificado quanto aos significados, com o passar do tempo, a
intertextualidade é precedente ao termo.
The notion of intertextuality itself has been elaborated within the framework
of a reflection on "high" art. Notwithstanding, the examples given above have
been taken up provocatively by the world of mass communication in order to
show how even these forms of intertextual dialogue have by now been
22
transferred to the field of popular production (ECO, 1994, p.93).

22
A noção de intertextualidade em si foi elaborada no âmbito de uma reflexão sobre a arte
considerada "alta". Não obstante, os exemplos dados acima foram retomadas provocativamente pelo
41

A imagem (representada no cinema, por exemplo) pode ser a duplicata da


aparência física que o representado tem no real. A interseção destas representações
deixa menos clara a fronteira entre os textos. Esta falta de clareza das fronteiras de
interseção fica mais definida quando cada imagem de referência provém de meios
diferentes, como é o caso da pintura e cinema aonde a intertextualidade vai além da
apropriação de ideias ou incorporação em uma nova peça, mas também na
transformação destas ideias de uma linguagem para outra.

5.1 ONDE MACHADO E JEUNET SE ENCONTRAM

O movimento "da pintura para o cinema" pode se tornar um problema


quando o objetivo passa a ser a tentativa de isolar e esclarecer os motivos do
cineasta; ainda mais quando se deseja explicar um filme ou um grupo de filmes.
Afirmações categóricas como "Jeunet desenvolveu este olhar de Amélie a partir
deste quadro de Machado" deve suscitar dúvidas. Aceita-se que a história do cinema
advém de uma série de soluções técnicas e artísticas para diferentes problemas,
como pode a arte de um cineasta ser reduzida a afirmações simplistas do tipo "este
filme é como uma pintura de...". Ambos, pintor e cineasta trabalham em superfícies
bidimensionais. Tanto tela que recebe tinta como película (ou mais recentemente
chips) recebem a imagem em altura e largura, mas não em profundidade. Mesmo os
filmes captados e projetados em "3D" apresentam nada mais do que uma simulação
de profundidade. O cineasta, por sua vez, tem ainda o “problema” adicional de que
suas imagens se movimentam.
Criar uma sensação de relação espacial e temporal em tomadas individuais
que serão relacionadas mais tarde através da edição não são preocupações
recorrentes ao pintor, por exemplo. E ainda mais, o filme pode ter som agregado à
imagem. As telas de pintura podem fazer a representação de alguém tocando um
instrumento, dançando ou ouvindo música, mas não emitir o som dos instrumentos.
Mesmo assim, mais adiante, será apresentado um tópico dentro deste estudo que
levanta possíveis semelhanças sonoras entre pinturas e o filme. Há então algum
ponto de contato sequer entre a pintura e o que o cinema pode herdar dela? Na

mundo da comunicação de massa, a fim de mostrar como, mesmo essas formas de diálogo
intertextual tem até agora sido transferidas para o campo da produção popular. (Tradução do autor).
42

melhor das hipóteses, podem talvez compartilhar um conjunto de princípios visuais,


e mais subjetivamente, narrativos.
No entanto a fim de comparar as imagens estáticas das pinturas com o filme
precisa-se ir além da mera observação da iluminação, por exemplo. As ferramentas
de cada obra podem ser limitadores ou prolongadores dos limites destes meios.
Mesmo quando cineastas "emprestam" soluções aplicadas por pintores ainda há de
se passar por um processo de tradução que intervirá no produto final. O contrário
também pode ser verdadeiro. Pintores que se inspiram em filmes para produzir suas
obras podem sofrer com este processo de tradução, mas de maneira distinta. Não
cabe a este trabalho verificar se filmes de Jeunet serviram também de influência nas
pinturas de Machado. Por motivo a ser explicado adiante.
Apesar de reconhecer que o tema inverso também é interessante, este
pediria uma abordagem diferente e um "olhar contrário", que pode, no futuro, render
um novo trabalho. Pois podem as obras de um pintor servirem de fonte para ideias
que tomarão movimento. As histórias contadas em uma pintura discorrem sobre
aquela situação não apresentam uma linearidade com começo, meio e fim, mas que
serão trazidas por Jeunet para seu filme.

6. CORRELAÇÕES ENTRE OS OBJETOS

A análise se dará sobre o filme como obra completa e não somente sobre
alguns poucos frames a serem comparados com as telas do pintor. Obviamente
devido às limitações do meio pelo qual este trabalho é transmitido a seleção de
imagens estáticas do filme e sua comparação com as pinturas faz-se obrigatória
para que o leitor consiga visualizar no meio impresso as características apontadas.
Para tanto as ilustrações que enriquecem este capítulo tem como objetivo servir de
referência para os trechos do filme aos quais se referem.

6.1 PERSONAGENS PRINCIPAIS

Os principais personagens do filme podem ser descritos como caricatos. A


personagem-título, Amélie Poulain, possui, por exemplo, um corte de cabelo ao
43

estilo Chanel23 bastante curto e por vezes com pontas assimétricas, corte
semelhante encontrado em personagens femininas das pinturas de Juarez Machado
em suas caricaturas da mulher parisiense.
Amélie Poulain é uma mulher solitária que trabalha como garçonete em um
café de Paris. Desde a infância, Amélie vive uma existência isolada, tendo sido
criada pelo pai emocionalmente frio e uma mãe perturbada psicologicamente. Por
causa de seus pais superprotetores Amélie, que foi escolarizada em casa, era
proibida de ter amigos. Amélie enclausurou-se então em sua própria imaginação,
criando mundos e amigos imaginários. Apesar de, mais tarde, ter se mudado para a
cidade grande, Amélie descobre que sua vida continua a mesma, uma existência
sem amor e sem rumo, mas enriquecida por uma imaginação ainda fértil. Todas as
imagens referentes ao filme foram extraídas da sua versão em DVD com captura do
autor, salvo quando indicado.

Figura 05 – Frame - Amélie Poulain

23
O corte de cabelo estilo Chanel é reto e, com pouca diferença de comprimento, nivela-se
aproximadamente pela linha da mandíbula.
44

Figura 06 – Detalhe Quadro “Minha Vida, Minha Sorte”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Fisicamente Amélie possui pele alva, olhos grandes e escuros como seus
cabelos que tem o estilo popular dos anos 20 levemente acima da linha da
mandíbula e uma franja curta com aproximadamente dois dedos de distância das
sobrancelhas. Aparenta ter uma estatura mediana e frágil. Ri raramente, mas sorri
com freqüência. Sorrisos estes que podem, por vezes, ser acompanhados de
olhares diretos ao espectador, pela lente da câmera. Esta câmera subjetiva aumenta
a cumplicidade da personagem principal e que a assiste. Há uma sequencia (a ser
descrita mais minuciosamente adiante) onde Amélie acaba de devolver um álbum de
fotos a Nino. Após a devolução Nino sai sem saber quem fez tal ação. Amélie
acompanha-o com o olhar para então, abaixar os óculos e olhar, esboçando um leve
sorriso, diretamente para a câmera.
45

Figura 07 – Compilação – Figuras femininas

Seus trajes são geralmente sóbrios. Muitas vezes a personagem aparece


usando um caridigã, peça de lã com botões frontais nas cores vermelha ou verde,
uma blusa de malha fina ou ainda um casaco estilo sobretudo escuro em cenas
externas. A personagem aparece por vezes vestindo saias compridas vermelhas ou
em tons escuros. Devido a posição colocada da câmera, muitas vezes usadas em
ângulos baixos, os pés da personagem ficam em evidência mostrando suas
desajeitadas botas ou sapatos pesados, reforçando a aura não refinada de Amélie.
Em uma das cenas Amélie também aparece trajando uma camisola cor creme.
Muitas das personagens femininas retratadas por Machado possuem características
semelhantes as de Amélie que vão além dos pontos físicos, como se vê nas figuras
anteriores. Trejeitos como o olhar perdido ao olhar pela janela e o apego ao
personagem masculino são evidentes em ambos, como segue.
46

Figura 08 – Detalhe quadro “Gala Entree Amis”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Figura 09 –Frame - Amélie em close


Em ambos, pintura e frame do filme as personagens femininas são brancas,
possuem corte de cabelo semelhante possuem as sobrancelhas bem desenhadas e
arqueadas e um contorno da linha do queixo bem definido e usam uma vestimenta
vermelha. Os rostos virados em um meio-perfil, com a ponta do nariz quase
ultrapassando a linha do rosto também são pontos em comum. Já a expressão, séria
em ambas, poderia levar a diferentes interpretações. Enquanto a mulher retratada
por Machado pode parecer um pouco mais sisuda e austera, Amélie parece estar
mais curiosa do que séria.
Mathieu Kassovitz interpreta Nino Quincampoix. Nino trabalha em uma
locadora de filmes pornográficos e em um parque de diversões dentro de um trem-
fantasma. Possui uma estranha mania de retirar fotos rasgadas deixadas próximas
47

às máquinas automáticas de fotografia, colá-las e reuni-las em um álbum. Obcecado


por um dos personagens recorrentes nestas fotografias Nino demora a perceber que
alguém também o observa, este alguém é Amélie. Nino não parece o galã padrão de
grande beleza e másculo, na verdade é esguio e tímido. O personagem trafega a
cidade usando uma bicicleta motorizada e portando capacete. Ele tem a pele clara,
olhos escuros, cabelos curtos castanhos e poderia passar facilmente desapercebido
em uma multidão. Cheio de manias, como a de colecionar fotos e introspectivo, Nino
se parece pouco com os galanteadores homens retratados por Juarez Machado.
Durante o decorrer do filme Nino passa de um colecionador excêntrico para alguém
confiante o suficiente para arriscar-se a se aproximar de alguém tão estranho como
Amélie.

Figura 10 – Detalhe quadro “Bain horizontal”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Figura 11 – Frame – Nino abraçado


48

Em ambas imagens, pintura e fotograma o personagem masculino aparece


sendo abraçado sobre o peito desnudo da personagem feminina com olhos
fechados. No caso de Nino ele dorme no colo de Amélie (que com o movimento da
câmera revela seu olhar de satisfação). Já o personagem de Machado foi retratado
durante o ato sexual. Ele está desperto e o abraço de sua companheira pode ser
interpretado como mais agressivo e enérgico do que o abraço dado por Amélie.
Poderia-se pensar que Nino busca sua personalidade durante o filme; talvez
esta mesma falta de personalidade pode ser observada nos masculinos de
Machado, sem globos oculares. Nino Inicia como um menino e termina como um
homem. Quando alguém ao tirar uma foto em uma dessas cabines automáticas a vê
e a descarta, rasgando-a e jogando-a no chão está, de alguma forma, rejeitando-se.
Neste ponto não somente Nino e Amélie fazem uma auto-rejeição durante o filme.
Nos quadros de Machado os personagens masculinos muitas vezes chegam
a parecer que são sempre os mesmos. As características físicas repetidas tornam
difícil a identificação de “um Nino Quincampoix” entre eles, mesmo que algumas
destas características recorrentes possam sim se assemelhar às do próprio Nino no
quesito físico. Sobre a atitude, os homens retratados por Machado possuem uma
atitude enérgica e ativa, características que Nino adquire somente nos últimos
momentos do filme.

6.2 PLANOS E ENQUADRAMENTOS

Como em Delicatessen e Ladrão de Sonhos, O Fabuloso Destino de Amélie


Poulain apresenta ângulos de câmera incomuns, edições rápidas, e outros truques
para manter o filme visualmente dinâmico. Talvez por reconhecer que pode ser fácil
para seu público ficar aborrecido pelo uso repetido de enquadramentos similares,
Jeunet varia seus planos de câmera sem ser repetitivo. Seus planos passam longe
do experimentalismo. Sua abordagem revela-se estimulante e revigorante. Como
este é um romance leve (com desvios ocasionais para a comédia absurda), e não
uma excursão pela ficção científica, não há tantos excessos como nos filmes
anteriores de Jeunet, mas qualquer pessoa familiarizada com o trabalho anterior do
diretor pode imediatamente reconhecer o estilo. Os quadros mantêm seu
enquadramento fixo e delimitado pelas suas bordas. A borda do cinema, a tela, é
49

fisicamente limitada, mas seus enquadramentos são móveis. Aumont compara estes
enquadramentos entre o filme a borda de um quadro.

A borda é, em geral, o que limita a imagem, o que a contém, no duplo


sentido da palavra; e o toque de gênio aqui é ter, ao contrário, deixado a
imagem transbordar (...). Enfim, o enquadramento institui uma relação entre
a posição da câmera e a do objeto; ele estabelece uma superfície de
contato imaginário entre essas duas zonas, a do filmado e a do que filma
(...). O quadro é, antes de tudo, limite de um campo, no sentido pleno que o
cinema nascente não tardaria em conferir à palavra. (Aumont, 2004, p.
39,40).

Filmado em diversas áreas de Paris, Jeunet utiliza a cidade mais como um


personagem do que como um cenário simples, embora a visão surreal e atemporal
do diretor não deva ser confundida com o lugar visto por turistas (ou até mesmo
cidadãos comuns). Esta é a cidade do próprio Jeunet, onde ele consegue enxergar
magia nos lugares mais estranhos, onde o destino e o acaso espreitam a cada
esquina, onde fotografias falam, e onde uma alegre jovem pode operar pequenos
milagres. Estes "milagres" ficam claros quando os personagens "tocados" por Amélie
alcançam uma certa “graça” pela sua ajuda, a câmera coloca-se em um ponto
zenital e uma luz transborda destes. O efeito de luz amarelada expandindo pelos
contornos dos objetos ou pessoas pode ser visto novamente quando Amélie coloca
uma cópia de uma chave em seu bolso e quando seu coração é mostrado acelerado
por debaixo da pele. Este ponto de vista da câmera anteriormente mencionado pode
ser percebido em diferentes quadros de Machado onde, claro, não há câmera, mas
o ponto de vista de quem observa a paisagem coloca-se a pino, ângulo também
conhecido como zenital, como pode ser observado em figura próxima.
O voyeurismo é também tema recorrente, tanto no filme como nos quadros
de Machado. Os personagens do filme passam muito tempo assistindo, espiando e
espreitando. Em diversos pontos referentes a esta observação furtiva o filme poderia
ser comparado ao “Janela Indiscreta” de Alfred Hitchcock. No filme de Hitchcock um
homem observa seus vizinhos com um binóculo a fim de passar o tempo devido a
uma condição temporária que o impede de sair de casa e acaba por testemunhar um
crime. No caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain existem diversos
observadores e observados, mas a comparação poderia parecer pertinente. É tão
recorrente a figura do voyeur (mesmo que involuntário) que mesmo em público o ato
é apresentado. Amélie, em uma oportunidade, faz Nino a observar de um mirante
50

através de uma luneta; e só assim Nino pode, finalmente, ver quem está fazendo
aquele jogo de sedução com ele.

Figura 12 – Compilação frames em ângulo alto

Segundo Jacques Aumont, a pulsão de observar vem da necessidade de ver


e o desejo de olhar, e que mesmo não sendo primária tende a ser inerente a todos.
Já o voyeurismo vai além do desejo de olhar da pulsão, busca a satisfação. Aumont
segue dizendo que o voyeurismo vem de uma assimetria...
...entre personagens masculinos dotados do poder de olhar e personagens
femininas feitas para serem olhadas; ou como a diferença essencial, no jogo
51

do olhar espectador, entre um sujeito masculino voyeur por estrutura e um


sujeito feminino dividido entre voyeurismo de situaçã-de-ser-visto.
(AUMONT, 1993, p.126)

Amélie estuda cuidadosamente os outros personagens antes de agir.


Observa-os escondida, seja nas ruas ou por detrás de sua janela. Como já
comentado, Nino mantém um livro com fotos de desconhecidos e utiliza-o para, de
certa forma, observá-los sem poder ser visto. O vizinho pintor, o "Homem de Vidro",
não deixa seu apartamento há vinte anos. Ele permanece dentro, olhando pela
janela (quando ele não está copiando a pintura de Renoir). Na verdade, a escolha do
"Homem de Vidro" para venerar Renoir acrescenta outra camada sobre o tema, uma
vez que o próprio Renoir era um "voyeur profissional", passava horas observando
seus temas como jardins e transeuntes antes de transpor as suas imagens para a
tela. Quase no final do filme Lucien utiliza uma câmera filmadora para também
observar outras pessoas pela janela do apartamento do pintor Dufayel.
Em entrevista concedida à revista online Synopsis24 Jeunet fala sobre a
escolha de Renoir como o pintor a ser reproduzido pelo vizinho de Amélie. Mais
especificamente responde o porquê sobre o quadro que aparece no filme intitulado
“Le Déjeuner des canotiers” ter sido escolhido:

Parce qu'il y a, dans ce tableau, beaucoup de personnages qui ont tous des
interconnexions, des regards, et qu'il est facile d'imaginer des histoires entre
eux. C'est ce qui rend possible le fait que le peintre identifie Amélie au
personnage qui est au centre. Cette jeune fille du tableau, comme dit le
peintre, " est au centre, et pourtant elle est en dehors ". Elle a un regard
absent, elle est isolée dans l'image. Comme Amélie, qui est au centre de
25
l'histoire mais qui est seule (Revista Synopsis).

Aqui, neste ato de reproduzir o quadro já feito e ainda assim fazê-lo e refazê-
lo novamente há uma construção em abismo da história, o mise-en-abyme ou “o
olhar sobre o abismo” que segue ao ponto de fuga criando a sensação que as
laterais do mesmo se repetem vertiginosamente até o encontro das linhas de
perspectiva no ponto de fuga. A nomenclatura mise-en-abyme, também grafada
abîme, é utilizada para ilustrações heráldicas onde uma figura se repete dentro de si.
24
E revista online Synopsis está descontinuada e seu site não mais existe. A transcrição integral do
site em página salva pelo autor desta dissertação encontra-se na sessão “anexos”.
25
Porque há neste quadro muitos personagens que têm interconexões, de olhares, que deixa fácil
imaginar uma história entre eles. Isto torna possível a identificação do artista com o personagem de
Amélie que está ao centro. Esta menina no quadro, como disse o pintor: "está ao centro, e portanto
ela está alheia”. Ela tem um olhar ausente, está isolada da imagem. Como Amélie, que está isolada
da história mas está sozinha. (Tradução do autor)
52

(…) the abyme or fess-point is the exact centre of an escutcheon. To place


something en abyme simply means to depict it in the middle of the shield.
The term was usually reserved however for the practice of placing at that
central spot a smaller shield with its own bearings, which in some way
modified the meaning of the bearings on the main shield. (WHATLING,
26
2009, p.01)

Entretanto, o uso deste recurso estético não se restringe às figuras


heráldicas ou pinturas de Velázquez como Las Meniñas, obra constante na
exemplificação do tema. A repetição para o abismo também pode ser percebida em
peças audiovisuais, desde produções para o cinema como nos videoclipes
analisados. O “abismo”, neste caso, pode ser figurativo, mais sutil ou mesmo
desconstruído de sua formal estrutura vertical cuneiforme, quando visto da boca
para o ponto de fuga. Este abismo transposto pode seguir uma linearidade de
repetições ao ponto de fuga em outras formas, como horizontalmente, em zigue-
zagues, em espirais e tantos outros.
Este mesmo olhar sobre o abismo pode servir como referência para a
narrativa da obra audiovisual. A utilização de metalinguagem e a repetição de cenas
são alguns dos exemplos de mise-en-abyme dentro da narrativa. Filmes como
Behind the screen (1916) de Charles Chaplin e La Nuit américaine (1973) de
François Truffaut são exemplos de filmes que utilizam o dentro da narrativa da
história.
Uma ilustração para fácil relação com a definição de mise-en-abyme
aplicada a elementos visuais, seria a de uma imagem de uma câmera de vídeo
captando a imagem de uma televisão onde a imagem desta própria câmera fosse
transmitida neste aparelho de tv. A repetição ad infinutum da filmadora captando a
televisão e esta emitindo a imagem da câmera é um exemplo de imagem dentro do
abismo. Obviamente este efeito pode ser obtido, ou simulado, de outras formas e
não somente através da câmera captando a imagem dela mesma.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain não é um filme que trata sobre o
cinema, seu abismo não está em falar sobre seu próprio meio, mas mesmo assim,
metaforicamente, o abismo chega a ser tão profundo no filme de Jeunet que o pintor
dos ossos de vidro não consegue enxergar seu fundo; ou que na verdade está

26
O Abismo ou "fess-point" é o centro exato de um escudo. Colocar algo em "abyme" significa
simplesmente representá-lo no centro de um escudo. O termo fou comumente reservado para a
prática de colocar no ponto central um outro escudo menor com seu próprio conteúdo e de certas
forma, modificando o significado do escudo principal. (Tradução do autor).
53

pintando, no centro de todos estes quadros, a própria Amélie, tão distante está o
pintor do ponto de fuga criado por si próprio.
A sensação de se estar olhando para um abismo pode ocorrer também
visualmente dentro do filme. Não são poucas vezes que Jeunet coloca a câmera em
um ângulo alto e a movimenta para baixo. Tais movimentos de câmera certamente
contribuem para a atmosfera do filme. Pode-se claramente fazer referência aos
planos dos quadros e enquadramentos dos frames. Logo no início quando a mãe de
Amélie é apresentada, a imagem aparece equilibrada enfatizando sua busca por
correção e limpeza. O mesmo pode ser dito sobre os primeiros takes do pai de
Amélie. Ao falar sobre suas aversões, os enquadramentos aparecem
desequilibrados.
O ponto de visão de cima para baixo com uma inclinação sugere, devido a
perspectiva, uma diminuição de personagens e objetos que estejam mais distantes
do ponto de vista do observador. No caso do fotograma, a câmera. O quadro
intitulado "Bistrô" foi pintado mantendo este estilo de ponto de vista. Vêem-se longe
no chão as mesas, garçons e clientes sentados em um pequeno restaurante. A
iluminação do ambiente é pontual. Mesas e balcão aparecem iluminados. Duas
luminárias de parede apontam feixes de luz direcionais para cima criando duas
linhas verticais proeminentes aumentando a sensação de verticalidade do quadro.
Não somente as luzes auxiliam na sensação de altura do ambiente, como
também a disposição dos quadros pendurados em quase toda extensão da parece
do estabelecimento. A impressão de amplitude é ressaltada com a representação de
um espelho, pintado na parede lateral do bistrô mostrando uma área somente visível
através deste reflexo, além de duplicar alguns elementos já visíveis na cena. Neste
quadro aparecem dois copos de cerveja.
A presença de bebidas alcoólicas nos quadros de Machado não é rara, mas
a cerveja não é a bebida mais retratada. Os tons do quadro mantém-se
principalmente na paleta dos amarelos, terra, preto e vermelhos. Um ponto de vista
muito parecido é visto no frame selecionado. São ambientes diferentes, mas até
mesmo a linha de congruência das paredes se assemelham na pintura e no quadro
quanto seu ponto se intersecção. No fotograma do longa-metragem Amélie aparece
diminuta e sozinha em uma grande estação de metrô. As grandes portas e janelas
dispostas em sequência ampliam a impressão de um ambiente alto que, devido a
posição da câmera, deixa a personagem quase oprimida pelo peso do ambiente.
54

Figura 13 – Quadro “Bistrô”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Figura 14 – Frame - Ângulo Alto

Mais uma vez o ângulo elevado com inclinação em plongée pode ser visto
quando a câmera alta mostra, por exemplo, a mãe da protagonista prestes a ser
esmagada por um turista suicida, ou enquanto Amélie atira pedras em um canal de
Paris. A câmera que, depois de alguns movimentos em plano sequência, fica quase
55

na linha de seus pés ao finalizar a cena (quando as pedras são lançadas quase que
em direção à câmera). O ângulo baixo, entretanto não é facilmente visto nas obras
de Machado. Este ângulo baixo pode ser revisto mais vezes durante o filme, como
quando Nino começa sua perseguição quase atingindo um carro27.
Como amostra da demonstração do uso de planos e enquadramentos
durante o filme expõe-se uma sequência de diversas cenas para incluir na descrição
deste trabalho. O mesmo método será utilizado para a relação de cores, situações,
ambientes e objetos extraídos de diferentes pontos do filme, para então relacioná-los
às pinturas. O número descrito refere-se ao minuto e segundo das cenas e
correspondem a minutagem apresentada na versão em DVD do filme. A seguinte
sequência se passa com início na hora 1 minuto 34 e segundo 45.
Amélie é mostrada sentada ao telefone com a câmera inclinada de cima
para baixo em um ângulo plongée. A câmera aproxima-se lentamente. O ponto de
vista muda e observa-se a câmera em posição subjetiva. Alguém observa Amélie
através de um binóculo. Vê-se a margem do binóculo no contorno da imagem. A
câmera volta a ser objetivo e apresenta o observador em plano geral sentado. O
vizinho pintor de Amélie a vê de sua sala de estar. Voltando para dentro do
apartamento de Amélie novamente a angulação em plongée está presente. Com um
movimento de câmera leve da esquerda para a direita há o enquadramento da
personagem sentada lendo uma carta.
O efeito de fusão leva ao quarto de Amélie, a câmera permanece na
inclinação de cima para baixo, mas o movimento agora é da direita para a esquerda
e Amélie lê uma carta deitada em sua cama. Outra fusão e a câmera permanece em
plongée. A personagem principal aparece com outras vestes, o que reforça a
passagem de tempo. A câmera em momento algum pára. Agora ela se move de
cima para baixo lentamente mostrando Amélie de bruços ainda lendo mais cartas.
Mais uma fusão e a cena seguinte mantém a câmera mostrando a imagem de cima
para baixo. Vê-se Amélie sentada no banheiro ainda lendo as cartas.
A câmera aproxima-se lentamente e aos poucos vai corrigindo sua
inclinação zenital a ponto de conseguirmos ver a feição de Amélie. Até então via-se
principalmente o topo da cabeça do personagem devido à posição alta da câmera.
Na próxima sequência o ambiente muda. A câmera ao nível do solo em ângulo reto

27
Na sessão “anexos” encontram-se algumas páginas do story board do filme que demonstra a
intenção inicial do diretor em utilizar estes ângulos mais baixos de câmera.
56

percorre o chão de uma estação de metrô. As linhas do corredor seguem


congruentes ao ponto de fuga. Amélie aparece em plano geral, ainda pequena na
tela, em frente a uma máquina copiadora. Volta-se ao apartamento de Amélie e a
câmera finalmente parada apresenta em plano médio a personagem sentada. Com
um rápido zoom o enquadramento fecha-se levemente em Amélie que tem em mãos
papel e tesoura. A o zoom in é interrompido e a moça passar a recortar a folha. Esta
sequência de recorte acontece em câmera acelerada.
Ao voltar à aceleração normal Amélie mostra para a câmera papel e tesoura
e um novo zoom in é feito. Ao parar a aproximação da imagem novamente a
imagem acelerada toma lugar e Amélie cola partes separadas de uma carta.
Novamente em frente à máquina copiadora Amélie é mostrada em plano geral em
que passa a plano médio através de zoom. O término desta sequência se dá na hora
1, minuto 19, segundo 30 do filme. Ficam claras as inclinações do ponto de vista
obejtivo tanto no filme quanto nos quadros de Machado. Os ângulos altos (ver o
exemplo da pintura intitulada “Lances de poesia em St. Antônio de Lisboa” em
capítulo adiante) são também constantes no filme.

6.3 ILUMINAÇÃO E CORES

O filme de Jean-Pierre Jeunet tem um de seus maiores pontos de contato


com os quadros de Juarez Machado na sua paleta de cores. A saturação do
vermelho escuro, ocre, sépia e verdes são presenças constantes, tanto no filme
como em quase todos os quadros observados. Esta escala cromática permanece
consistente por todo o longa-metragem.
Entretanto esta mesma saturação que por vezes pode servir para destacar
os objetos na cena pode, eventualmente, ter o efeito contrário conforme Luciano
Guimarães:
Tanto a mensagem saturada quanto a muito reduzida resultam na mesma
desestruturação da informação, dessemiotizando a cor e tornando-a inerte.
A saturação eleva as cores ao nível máximo, e a redução extrema, ao
mínimo; nos dois casos conduz ao nivelamento e à neutralização. A
recepção diacrônica, linear e desprovida de variações rítmicas, seja ela oral,
escrita, visual ou intercódice, inviabiliza a comunicação (GUIMARÃES,
2003, p109).

Por vezes, o diretor adiciona um pequeno ponto azul na imagem para definir
o contraste. Como quando há uma colisão entre carros, no começo da história e um
57

deles é azul royal. Amélie Poulain, como mencionado, usa vestidos vermelhos ou
verdes, bem como a governanta (Yolande Moreau como Madelaine Wallace), além
da própria mãe de Amélie (Lorella Cravotta como Amandine Poulin) no início do
filme.
A mera associação da cor com o valor estético, ou "agradável aos olhos" é
somente uma das possíveis perspectivas de análise da cor nos filmes. Há ainda a
possibilidade da cor afetar a quem assiste ao filme uma vez que esta pode causa
uma sensação de conforto ou desconforto e também pode estimular reações
psicológicas ou de relações. A tentativa de se catalogar as cores e as reações que
estas causam pode ser controversa uma vez que a interpretação destas impressões
são abstratas e pessoais. Mesmo assim há algumas convenções cinematográficas
que podem ser observadas também no objeto desta dissertação. Por exemplo, uma
iluminação quente pode conferir conforto, aconchego e segurança, enquanto uma
iluminação fria pode sugerir medo e perigo.
A constante busca pelo surreal, pelo fantástico permeia o trabalho de
Jeunet. Não somente nos seus temas, mas também em suas escolhas visuais. Esta
exacerbação das cores, (como já mencionado como característica do Cinema Du
Look) põe-se contra o que Modesto Farina diz sobre a busca da reprodução da
natureza das cores originais.

É uma preocupação antiga do homem desejar sempre reproduzir o colorido


da natureza em tudo que o rodeia. Isso compreende um profundo sentido
psicológico e também cultural. Parece ser exatamente uma das
necessidades básicas do ser humano, que se integra nas cores como
misterioso catalisador, do qual brota energia para um dinamismo sempre
mais crescente e satisfatório (Farina, 2000, p. 03).

Jeunet parece buscar distanciar-se desta afirmação. Tende a deixar até


mesmo ambientes mais naturais, como um jardim, com um aspecto artificial devido a
saturação das cores. Quando Amélie Poulain se senta para assistir a tragédia de
sua vida em sua TV, há um abajur de tom azul muito similar ao do carro da batida.
Às vezes, o uso das cores em conjunto fica muito óbvio. O apartamento de Amélie,
por exemplo, é quase completamente vermelho; a estação de metrô e a estação de
trem são mantidas em verdes de diferentes tons e a banca de verduras verde e
vermelha destaca-se entre os edifícios cinzentos.
58

Cada cena tem um cenário harmônico e rico em detalhes, quase que


adaptado de um livro de histórias infantis. Esta referência visual (a de um livro de
histórias infantis) pode ter relação com o perfil psicológico da protagonista. Amélie,
mesmo quando adulta, continua tendo algumas atitudes que podem, por alguns,
serem tomadas como infantis. Por exemplo: Amélie passa parte de seu tempo livre
atirando pedras na água e fazendo-as pularem. Ou ainda na decoração de seu
quarto, onde pode-se detectar cavalos de brinquedo ou quadros com pinturas de
animais como parte da decoração.

Figura 15 – Quadro “Chambre Avec Vue”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Tabela 02 – Amostras de tons Quadro “Chambre Avec Vue”


Fonte: Autor
59

Figura 16 – Frame - Quarto vermelho e ocre

Tabela 03 – Amostras de tons Frame - Quarto vermelho e ocre


Fonte: Autor

Estes elementos se combinam para formar o consistente mise-en-scéne que


dá ao filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain um estilo único, mas também
permite a Jeunet contar uma história dentro de uma representação de realismo do
filme que, como André Bazin diz em “What is Cinema”, é "uma alucinação que
também é um fato," (BAZIN, p.16). A primeira vez que Joseph está conversando
com Georgette em sua tabacaria, partes de seu vestido são azuis, e outras partes
aparecem com a cor corrigida digitalmente para sépia, cor aplicada à maior parte do
resto da cena no vestido. Os dois exemplos anteriores, o primeiro de um quadro e o
60

segundo de um frame com comparação de cores usando uma tabela e a graduação


CMYK.
O uso de cores e tons similares entre é notório nestes exemplos. O quadro
"Chambre avec vue" ou "Quarto com vista". Para a seleção de amostra de cores das
tabelas foram pegos detalhes do quadro e do frame, selecionados com ferramenta
"conta-gotas" e coletada a amostra de cores referente à maior parte do padrão. A
escolha pela escala CMYK deu-se por este ser um trabalho impresso e a escala
CMYK por ser feita a base de mistura de tintas tende a se assemelhar mais ao
original, neste caso, uma vez que outras como RGB são usadas com mais
frequencia em monitores de computador.
Nestas duas amostras as cores vermelhas e terrosas predominam. Há
presença de preto ou branco absoluto (K 100 ou K 00), mas as cores selecionadas
mostram-se muito próximas em ambos. Segundo Modesto Farina as cores podem
ter algumas relações sinestésicas. As mais utilizadas por Jeunet, e também
presentes em grande quantidade nos quadros de Machado, são repetidamente tons
de verdes (principalmente os escuros) os vermelhos fortes e amarelos
(principalmente em tons de sépia e ocre). Ainda conforme Farina estas relações
podem passar sensações.
Esta cor faz referência a alimentação, energia, fluxo e acolhimento. Remete
a festa, amor, erotismo e proibição. Farina ainda coloca que o vermelho é "a primeira
de todas as cores". Por outro lado Luciano Guimarães propõe que atribuir
características superficiais às cores pode ser um “grande prejuízo para a simbologia”
(GUIMARÃES, 2003, p. 101), uma vez que acha redução das características das
cores “acaba por engessar a natureza comunicativa da cor” (idem). Segundo Heller
a cor vermelha foi a primeira cor a ser nomeada, tal sua importância, além de ser a
primeira cor visível para o recém nascido e de agradar homens e mulheres na
mesma proporção (HELLER, 2000, p.53). O rubor causado pelo sangue e,
consequentemente vermelho, pode remeter ao amor, mas também ao ódio. Alguns
personagens femininos têm os lábios pintados de vermelho forte enquanto a
personagem principal mantém o vermelho limitado as vestes. Seus lábios são
aparentemente naturais em tons de rosa. Isto lhe confere ainda um ar juvenil.
Há uma luz difusa, suave e amarelada durante todo o decorrer do filme. Os
tons de amarelo apresentados por Jeunet no filme são bem particulares. Não são
amarelos vivos, conhecidos como "ouro" ou "canário". São amarelos envelhecidos,
61

tendendo ao ocre (que pode ser considerado também como um intermediário entre o
marrom, tom terroso, e amarelo). O próprio Farina também relaciona o amarelo à
terra ou à argila. Esta luz é aparentemente criada pelo céu iluminado, mas nublado.
Este tipo de iluminação é recorrente em diferentes filmes de Jeunet, mas neste
especificamente a sua sensação de calor reflete a atitude geral de Amélie sobre a
vida, uma atitude nada fria, na verdade até otimista. A mesma coloração no que se
imagina ser a iluminação nas telas de Juarez pode ser observada, tanto em telas
que retratam cenas externas, mas de maneira mais proeminente nas telas que
retratam ambientes fechados.
Como feito no tópico anterior, passa-se a descrição de outra sequência com
ênfase nas cores e tons apresentados. A seguinte inicia-se no minuto 34 segundo
45. Em plano médio Amélie traja um vestido e batom vermelhos. Está na copa /
cozinha de seu apartamento sendo vista por uma janela. Os armários são também
vermelhos como suas cadeiras, mesa e tigela que carrega nas mãos. As paredes
externas de onde se vê a cena são ocre / amareladas. Há uma pequena vegetação
verde vibrante no parapeito da janela. Acessórios em cima da mesa como copo e na
cozinha, como jarra também são verdes. Amélie observa seu vizinho pintor que faz
uma refeição. Existem algumas associações cromáticas que podem ter relação com
o concreto. Segundo Eva Hellen a cor verde relaciona-se com a juventude e a falta
de experiência pela simples conexão que se faz com frutas que ainda não estão
maduras, por exemplo (HELLEN, 2000, p.109). A constância da cor verde durante o
filme pode talvez remeter a certa imaturidade dos personagens. Não somente
Amélie apresenta-se imatura (com seu medo de relacionamentos e seus jogos de
"pega-pega”), mas quase todos os personagens transmitem algum tipo de
insegurança quase juvenil.
62

Figura 17 – Compilação frames cores vermelho/ verde

Há então um corte para Amélie em seu quarto. Primeiramente a câmera


mostra um quadro com uma mulher segurando um cachorro e vestindo uma blusa
verde. A parede é forrada com um papel de parede vermelho intenso. Também
vermelhos são os travesseiros da cama de Amélie, sua blusa e batom. Amélie come
algo de uma caixa vermelha adornada com bolinhas brancas. Assiste à televisão,
verde. Ao lado do aparelho de tv há uma estátua de um cavalo pequeno também
63

verde. As imagens da televisão são exibidas em preto e branco. Quando há uma


abertura de plano, observa-se um abajur azul royal ao lado esquerdo de Amélie, e
do lado direito outro abajur vermelho. A simples relação da cor vermelha com
“atenção” pode parecer simplista, mas pertinente. Talvez este sentido de “atenção”
seja derivado da sensação que se tem ao ver sangue, vermelho.
A cor azul destaca-se do cenário. As cenas da televisão tomam a tela por
completo. Seria como se a aborrecida vida de Amélie ganhasse um tom mais
interessante quando vista pela televisão. A personagem então passa a se ver nas
situações, muitas vezes heróicas, nas quais os personagens são retratados na TV.
Sua vida corriqueira e enfadonha passa a ser (por breves segundos) interessante e
relevante para quem está ao seu redor. Tão interessante que passar a ser matéria
de um programa de televisão qualquer. O devaneio acaba, Amélie larga da caixa
vermelha e pega uma outra, de lenços de papel, azul.
Na cena seguinte Amélie aparece sentada no ônibus. Seu casaco preto
causa pouco contraste com as paredes esverdeadas do veículo. Há uma linha
vermelha na divisória das janelas. Chega então à casa de seu pai, de paredes de
cor ocre. Pega uma pequena pedra de um vaso grande onde se encontram flores
vermelhas. Amélie olha para um anão de jardim que tem as calças e chapéu
vermelhos e casaco verde escuro. Ao redor dele existem luzes vermelhas e ao fundo
uma vegetação verde.
No decorrer da próxima sequência Amélie corre por um corredor da estação
de metrô segurando o anão de jardim. Tanto paredes como catracas são
esverdeadas. Como a estação está fechada, a personagem refugia-se em uma
máquina de fotografias automáticas que têm sua estrutura exterior em vermelho, o
tecido por detrás de Amélie é verde. O verde, além da relação óbvia com a natureza,
também pode sugerir amizade e equilíbrio, além de esperança, segundo Farina. Ao
amanhecer, na mesma estação, a câmera mostra um plano geral dos vagões
parados percebe-se que os postes de luz são verdes e, apesar das luzes amarelas
vindas do teto, tanto vagões como o chão tem um tom esverdeado. Há detalhes na
cena como luz do vagão, e cartazes em vermelho. Algumas malas também em
vermelho aparecem na sequencia com a câmera movimentando-se ao nível do solo.
Amélie avista Nino abaixado aos pés da máquina de fotografia trajando um
casaco preto. Vê-se, em animação, seu coração vermelho pulsando por debaixo das
roupas com uma aura amarelada. A sacola que Nino recolhe do chão é azul, em tom
64

parecido com o do abajur da cena do quarto anteriormente descrita. A exposição


desta sequência termina aos 39 minutos e 5 segundos do filme.
A partir da análise destas cenas percebe-se que as cores são os pontos de
contato mais comuns, ou pelo menos mais perceptíveis, entre os quadros e o filme
estudado. A paleta pouco variável entre tons diferentes de vermelhos, verdes e
amarelos é vista tanto em obras de Machado quanto no Fabuloso Destino de Amélie
Poulain. O pragmatismo de alguns autores em colocar significados para as cores de
maneira contundente pode tender a racionalização de um tema que se refere mais
ao campo do abstrato. As sensações que as cores transmitem no filme ou nos
quadros são abstratas e podem ter interpretações completamente diferentes
conforme cada indivíduo que assiste ao filme ou observa os quadros. A colocação
destes mesmos autores neste trabalho serve como referência sobre as impressões
que tais tons e nuances podem passar ao leitor, mas não como única leitura que se
pode ter de um tópico relacionado a sensações.

6.5 SITUAÇÕES

Jeunet frequentemente emprega técnicas visuais para expressar os


sentimentos dos personagens em diferentes situações. Depois que Amélie ajuda um
homem cego, seu corpo inteiro brilha de alegria e espanto. Quando Amélie está
muito tímida para encarar Nino, ela se transforma em água e espalha-se pelo chão.
Estes exemplos de figuras de linguagens visuais utilizadas por Jeunet não são
freqüentes nos quadros de Machado, entretanto ambientes mais próximos da
representação da realidade podem ser encontrados com características comuns em
ambos. Um dos objetos mais recorrentes nos quadros de Machado são as bicicletas.
Em algumas cenas, mas mais precisamente na cena final de Amélie, há uma
referência clara não só ao objeto, bicicleta, mas à situação.
65

Figura 18 – Quadro “Lances de Poesia em St. Antônio de Lisboa”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Figura 19 – Frame - Bicicleta

O interessante neste caso da bicicleta é perceber não somente o objeto,


mas a posição dos personagens retratados tanto no quadro como no filme. Como a
protagonista se segura em seu amado.
66

Figura 20 – Compilação quadros com bicicletas

Figura 21 – Compilação frames com bicicletas

Além disso, o “olhar pela janela” que remete, novamente, ao voyeurismo está
presente tanto em quadros como no filme. Neste caso que segue é pertinente
observar não é somente a semelhança física entre Amélie e a personagem feminina
67

debruçada em primeiro plano. O olhar cabisbaixo de ambas, quase um "olhar no


vazio" poderia ser interpretado. Por causa da natureza do filme, os fotogramas
revelam que Amélie já estava observando algo anteriormente à sua chegada ao
plano mais próximo.

Figura 22 – Quadro “Châle Au Balcon”


Fonte: Site oficial Juarez Machado

Figura 23 – Frame - Sequência Janela


68

Gaston Bachelard fala sobre a dialética do interior e do exterior que pode ser
aplicada neste exemplo das janelas e em outros que aparecem no decorrer do filme
onde há esta observação de dentro para fora ou vice-versa. Amélie não parece ser
agorafóbica, ela não espreita à janela (ou por binóculo, luneta, etc.) por medo do
exterior, mas sim por preferir manter a distância física (e possivelmente emocional)
do observado. Algo parecido também menciona a autora Angela Dalle Vacche, que
vai um tanto além, discorrendo não somente sobre o olhar pela janela, mas
diferenciando-o da “passagem pela porta”.

The activity of looking through windows - which is embedded in images


based on Renaissance perspective - implies a viewer in a situation of safety,
who can dominate the world outside, without giving up control of private
space. (...) Hence it is appropriate that a doorway, instead of a window
marks the entrance of a dumb girl, an echo of the Holy Fool, a saint and a
28
rebel touched by both, insanity and wisdom (VACCHE, 1996, p.149).

A autora não fala precisamente de Amélie, mas poderia. Amélie, em


lampejos de “loucura” fala diretamente para a câmera. Isso acontece por algumas
vezes quando os personagens não falam entre eles, falam diretamente para quem
assiste ao filme. Amélie volta-se para a câmera, ou para quem assiste ao filme,
encarando-nos. Ela, por exemplo, conta olhando para a câmera que gosta de olhar a
reação das pessoas na sala escura do cinema. Ela, desta vez, assume-se voyeur
sem, desta vez, precisar de binóculos ou janelas. "Eu gosto de me virar no escuro e
ver os rostos das pessoas ao redor", diz Amélie29. Esta forma de narrativa acaba por
criar uma cumplicidade que é da ordem do discurso e não mais da narração. É como
se a personagem se virasse para contar um segredo ao espectador.
A sequência de cenas expostas a seguir se passam a partir da hora 1,
minuto 36 e segundo 54. A descrição concentra-se, desta vez, nas situações
apresentadas. Uma mulher desconhecida, que trabalha no mesmo sex-shop que
Nino, faz um strip tease. Ainda vestindo sua roupa de baixo agita sensualmente um
cachecol. Enquanto isso Nino, no andar de baixo, atende um cliente que aluga
alguns vídeos. Ele então sobe para falar com Samantha, a stripper. Tenta chamar

28
A atividade de olhar através das janelas - o que é encorporado em imagens baseadas na
perspectiva renascentista - implica ao espectador uma situação de segurança, de quem pode
dominar o mundo exterior, sem abrir mão do controle do espaço privado. (...) Por isso é apropriado
que uma porta, em vez de uma janela, marque a entrada de uma menina tola, um eco do Santo
Louco, uma santa e uma rebelde, tocada por ambos, insanidade e sabedoria. (Tradução do autor)
29
Na sessão “anexos” está disponível o roteiro integral das falas do filme, em inglês.
69

sua atenção batendo no vidro da sala onde é feita a performance. Ela, já sem sutiã
rodopia.
Cabe aqui uma pausa na descrição das situações para ressaltar que poucas
vezes durante o filme vê-se uma figura nua. Em outra ocasião, quando Amélie
imagina quantos orgasmos estão acontecendo naquele momento alguns poucos
segundos da tela são preenchidos com uma cena de um casal na cama. Outra cena
envolvendo sexo é a bem menos romântica onde Amélie aparece sob locução em off
dizendo que nunca foi satisfeita na cama. Dentre os quadros de Machado alguns
apresentam nudez feminina, outros menos cenas de sexo, com ressalva para os
quadros da série intitulada "Le Libertin" ou "O Libertino" onde casais aparecem em
cenas românticas e em diversos deles durante a cópula. Para ser mais preciso, dos
45 quadros desta série, em 22 deles há a retratação do ato sexual e em 33 a figura
de uma ou mais mulheres nuas ou seminuas aparecem. Em diversos destes
quadros a figura do voyeur também é retratada, caso recorrente também no filme
como já mencionado. A própria Amélie pode ser considerada uma voyeur uma vez
que para ajudar desconhecidos observa-os furtivamente sem ser vista.

Figura 24 – Detalhe Quadro “Phantasme”


Fonte: Site Oficial Juarez Machado
70

Figura 25 – Frame - Sequência Orgasmo

A figura feminina está postada abaixo do homem, possivelmente submissa e


entregue nas duas imagens. Enquanto no quadro os tons avermelhados
predominam (podendo sugerir paixão, conforme Farina, já referenciado neste) no
frame capturado do filme os tons amarelados predominam. Esta cena aparece no
filme quando Amélie imagina quantos casais estão tendo orgasmo naquele
momento. Não é necessariamente uma cena de amor, talvez meramente de cópula,
a mulher ainda veste sua roupa e meias. Já no quadro "Phantasme" há possibilidade
de haver um comprometimento maior entre o casal, talvez até por influência da cor
usada. Em ambos a figura masculina segura o ombro da mulher com sua mão
esquerda e aproximam seus lábios do rosto da mulher. Mesmo sem o desenho das
íris na pintura há a possibilidade do casal estar mantendo contato visual, já no
fotograma não.
De volta à descrição da cena de strip ptease Nino tenta sem sucesso
chamar a atenção da dançarina. Através de um bilhete tenta se comunicar com a
moça e vê no verso daquele papel um recado de Amélie marcando um encontro
para, quem sabe, revelar sua identidade. Nino apressa-se para a estação de metrô.
Lá Amélie observa-o pela janela de um café sem ser notada. A atenção de Nino é
captada pela cabine fotográfica que tira fotos sequenciais de uma pessoa. Amélie,
ainda pela janela, vê Nino descobrir que a pessoa a qual perseguia é um técnico que
conserta este tipo de máquina.
A personagem título do filme agora sai do café e anda em direção a Nino,
mas é interrompida por um veículo que transporta pequenos pacotes. Após a
passagem do veículo Nino não está mais lá. Amélie aparece pequena, em um
71

grande plano geral, sozinha na estação vazia por completo. A cena seguinte retorna
para o café onde Amélie trabalha exibindo dois personagens envolvidos
romanticamente, Georgette e Joseph. Esta sequência descrita tem seu fim a hora 1,
minuto 40 e segundo 10 do filme.
Estes mesmo dois personagens (Joseph e Georgette) protagonizam outra
cena que faz referência ao ato sexual durante o filme. Na verdade não é uma
referência e sim uma inserção do ato em si, desta vez com certo apelo cômico.
Joseph e Georgette mantêm relações no banheiro do café "Deux Moulins". Todo o
café começa a tremer, copos e talheres tilintam com a vibração. Se, por várias
vezes, Jeunet coloca como a direção para a felicidade o compartilhamento do prazer
individual, este é o ápice deste compartilhamento durante o longa-metragem.
Como sua própria experiência sexual pregressa é falha, Amélie refugia-se
em outros prazeres. Poderia-se entender que o que é essencial para a felicidade são
as pequenas coisas, os pequenos prazeres sensoriais, como colocar a mão numa
tigela cheia de lentilhas. O mesmo princípio pode ser aplicado ao personagem do
pintor, que tem seu pequeno prazer anual quando conclui o seu quadro. A cópia do
(sempre mesmo) quadro de Renoir. Na verdade o pequeno prazer vem ainda antes
da conclusão do quadro. Ele se deleita na execução do mesmo, nas pinceladas.
Tanto que não importa ser sempre o mesmo quadro, o que importa é o ato de pintar.
Mas se por um lado Jeunet coloca que os pequenos detalhes podem levar
aos verdadeiros prazeres, os mesmos detalhes podem beirar a obsessão patológica.
Seja à atenção exagerada ao que a outra pessoa fala (no caso de Joseph e seu
gravador), à obsessão por doenças e consequentemente remédios (como no caso
de Georgette), a leitura das mesmas cartas ano após ano como feito pela Senhora
Wallace ou mesmo na mania de Nino de resgatar fotos descartadas.

6.6 AMBIENTES E OBJETOS

O filme tem uma atmosfera de fantasia. Seja pela sua alteração de cores
feita digitalmente pela saturação ou pelos ambientes compostos por Jeunet; por
seus objetos meticulosamente inseridos, ou retirados das cenas. Conforme o site
IMBD, para as cenas feitas em locações reais o diretor e equipe limpavam
cuidadosamente a área, tirando inclusive pichações que poderiam dar um ar mais
sujo à imagem. Esta falta de conexão direta com o que é representado faz, por
72

exemplo, alguns dos personagens olharem diretamente para a câmera, ou para os


observadores, como ocorre em alguns quadros de Machado. Uma garotinha que
passeia por uma praça durante o filme chega até a acenar para a câmera.
A Paris do filme é onírica. Parece mais uma cidade pequena, do interior,
onde os vizinhos se conhecem e se visitam. As cores acinzentadas ou amareladas
das construções e ruas da cidade no filme ganharam tons vivos. Não há conflitos
nesta Paris, somente pequenos problemas pessoais, e todos estes problemas são
eventualmente sanados, seja pela mão "justiceira" ou "vingativa" de Amélie. Esta
retratação de Paris colorida pode ser mais um indício da tentativa de Amélie a se
apegar à infância. Pode ser que Jeunet está mostrando a Paris que Amélie, com
seus olhos infantis, vê. Há alguns pontos díspares entre o que é mostrado no filme e
o que é dito. Por exemplo, Nino no seu panfleto afirma que perdeu o álbum de fotos
na estação Gare de l'Est quando na verdade a estação na qual estava era a Gare du
Nord, o que facilmente seria justificável acontecer em um sonho.

Figura 26 – Quadro “Sommeil De Rêves”


Fonte: Site oficial Juarez Machado
73

Figura 27 – Quarto de Amélie


Fonte: Site IMDB

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain não é somente um filme Francês. É


um filme sobre a França. E há grande diferença nisso. Paris e seus moradores são
mostrados. Estão ali perceptíveis, com alguns de seus estereótipos e reconhecíveis
pontos turísticos. O filme serviu para agradar não somente os franceses, mas para
todo o grande público de fora da frança que também ajudou à bilheteria do filme. Em
alguns países o filme foi chamado de “Amélie de Montmarte” o bairro bem exibido no
filme, mesmo bairro onde mora atualmente Juarez Machado, na Paris retratada em
tantos de seus quadros.
Outro objeto recorrente nos quadros de Machado, principalmente no grupo
de quadros intitulado “Veneza” são as máscaras. Ela também aparece no filme,
Claro que as máscaras pintadas por Juarez são referentes ao carnaval italiano e a
mostrada vestida por Amélie é a do herói Zorro, mas a relação ainda existe. Assim
como o personagem de Zorro (raposa, em espanhol) Amélie tenta primeiramente
não revelar sua verdadeira identidade a quem ela pretende ajudar.
74

Figura 28 – Detalhe Quadro “Elisa Von Der Recke E Giacomo Casanova”


FONTE: Site oficial Juarez Machado

Figura 29 – Frame - Amélie Com Máscara

Segundo Bachelard, a máscara pode dar coragem. Amélie poderia estar


utilizando a máscara do Zorro para conseguir enfrentar o futuro. Como se o
acessório a desse algum tipo de poder ou proteção.
A máscara nos ajuda a afrontar o futuro. É sempre mais ofensiva que
defensiva. Defensiva é uma representação do nosso ser desconfiado. (...) A
máscara é um instrumento de agressão; e toda agressão é uma atuação
sobre o futuro. (BACHELARD,1985, p.169).

A próxima descrição de sequência do filme ocorre entre 1 hora, 09 minutos e


45 segundos até 1 hora, 14 minutos e 03 segundos e detém-se principalmente a
descrever ambientes e objetos das cenas. No bairro Montmartre aos pés da igreja
Sacre Coeur vê-se o carrossel girando. O telefone toca e Nino o atende deixando
sua bicicleta motorizada ao lado. Amélie usando turbante e óculos escuros está do
outro lado. Nino segue pela escadaria que leva até a catedral levando um saco
75

plástico. Depara-se com uma estátua que aponta para um binóculo público. Ao olhar
pelo binóculo Nino avista uma moça, Amélie, acenando seu álbum de fotografias ao
lado da mesma bicicleta motorizada que Nino deixou lá em baixo. Amélie guarda o
álbum dentro de uma bolsa da bicicleta. Ao recuperar o álbum Nino vê fotos de
Amélie disfarçada, usando lenços e máscaras.

Figura 30 – Compilação quadros com máscaras.


FONTE: Site oficial Juarez Machado

Outra “máscara” aparece quando Amélie devolve o álbum a Nino na cena já


descrita. Ao observar a relação de Nino ao longe Amélie durante todo o tempo usa
um par de óculos grande, estilo conhecido como “óculos máscara”. Talvez ela ainda
precise dessas máscaras para poder encarar as pessoas que deseja ajudar. A sua
caridade é também então mascarada. O êxtase alcançado por quem é ajudado por
Amélie só vai ser alcançado por ela mesma quando a moça se liberta da máscara.
76

Sem a máscara de Zorro e sem artimanhas Amélie consegue conectar-se com os


outros (não só amorosamente, mas em um sentido amplo) levando-a ao
contentamento pessoal, finalmente.

Figura 31 – Compilação frames com máscaras.

Em um de seus trabalhos (no trem fantasma) Nino também usa uma máscara.
Uma máscara representando uma caveira não tem relação direta com as máscaras
de Veneza pintadas por Machado, mas pode ser sim outro indício da dificuldade que
77

Nino tem em encontrar sua identidade (esta também aparece na capa do storyboard
do filme – que consta em Anexos). Ele consegue sussurrar no pescoço de Amélie
somente enquanto travestido de “esqueleto”. As máscaras que Machado mostra em
alguns de seus quadros da coleção “Le Libertin” podem ter o mesmo propósito desta
máscara que Nino usa no trem fantasma. Não só para se passar por alguém que
não é. Mas para dar a quem a usa uma confiança em realizar atos que sem ela não
teria coragem. Conforme Bachelar, as máscaras servem sempre para esta
dissimulação.

Por mais que as máscaras apresentem infinita variedade, parecer que a


vontade de se mascarar seja bastante simples e que, consequentemente, a
psicologia do ser seja feita com facilidade. Parece que a máscara realiza, de
imediato, a dissimulação. (...) Se o ser mascarado pode entrar de novo na
vida, se quer assumir a vida de sua própria máscara, ele se confere
facilmente a habilidade da mistificação (BACHELARD,1985, p.164).

Um pouco mais adiante no filme a partir de 1 hora, 19 minutos e 50 segundos


Amélie aparece observando pela janela seu vizinho pintor. Ambos estão com os
vidros fechados e as janelas são grandes e altas. Amélie pega uma luneta portátil e
passa a ver seu vizinho com mais detalhes. Observa a reprodução do quadro de
Renoir já mencionado, no qual o pintor faz alguns retoques em uma moça bebendo
de uma caneca. Ao guardar a luneta e sair, o vizinho vira-se, pega um binóculo e
observa a janela de Amélie. Lá vê algumas cartas penduradas em um varal. Esta
sequencia termina à 1 hora, 20 minutos e 32 segundos da película.
O trabalho do “homem de vidro” durante o filme tem diferentes dimensões. Ele
tem uma figura de “criador”, mesmo que não crie um quadro, mas somente copie
uma pintura. Para ele o trabalho é um prazer, coisa que quase todos no filme estão
em busca. E quando Raymond tem um insight, percebe que a moça no centro de
seu quadro representa Amélie, e a partir desta percepção advêm a verdadeira ajuda
de Raymond para a personagem central. O personagem mais frágil, “de vidro”, é o
que mais sabe, ele guia Amélie. O pintor diz nos instantes finais do filme: “You don't
have glass bones like me (…). If you let this opportunity slip away, then, as time
goes by it’s your heart that will become as dry and fragile as my bones”30.

30
Você não tem ossos de vidro como eu (…) Se você deixar esta oportunidade passar, com o passar
do tempo é o seu coração que se tornará seco e frágil como meus ossos. (Tradução do autor). Na
sessão “anexos” está disponível o roteiro integral das falas do filme, em inglês.
78

6.7 MÚSICAS E SONS

A trilha sonora do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain conta com


vinte faixas musicais mais quatro faixas bônus. Jeunet comprou os direitos de todas
as músicas do compositor francês Yann Tiersen antes mesmo de fazer as
composições para o filme. Somente então conversou com Tiersen sobre criar
músicas específicas para o longa metragem. Ao se ouvir a trilha completa nota-se a
predominância de pianos, violinos, violoncelos e acordeons em sua composição.
Pode-se perceber ainda instrumentos inusitados como o som de uma máquina de
escrever sendo dedilhada de modo ritmado parecendo acompanhar a música e não
realmente estar escrevendo algo. A música “La Valse d’ Amélie”, um dos principais
temas do filme é apresenta em três versões (original no acordeão, versão
orquestrada e uma versão no piano).
Devido a limitação do meio impresso fica clara a dificuldade em tentar
repassar as nuances das faixas musicais. Qualquer tentativa aqui feita ficará aquém
do que realmente pode ser percebido ouvindo as composições. Recomenda-se
talvez ao leitor escutar as músicas a seguir para poder compreender mais
amplamente as comparações vindouras.

Lista de músicas
“J’y suis jamais allé” – 1:34
“Les Jours tristes” (Instrumental) – 3:03
“La Valse d’Amélie” (Original version) – 2:15
“Comptine d’un autre été: L’après-midi” – 2:20
“La Noyée” – 2:03
“L’Autre valse d’Amélie” – 1:33
“Guilty” (Al Bowlly) – 3:13
“À quai” – 3:32
“Le Moulin” – 4:27
“Pas si simple” – 1:52
“La Valse d’Amélie” (Orchestral version) – 2:00
“La Valse des vieux os” – 2:20
“La Dispute” – 4:15
“Si tu n’étais pas là” (Fréhel) – 3:29
“Soir de fête” – 2:55
79

“La Redécouverte” – 1:13


“Sur le fil” – 4:23
“Le Banquet” – 1:31
“La Valse d’Amélie” (Piano version) – 2:38
“La Valse des monstres” – 3:39

Faixas bônus
“L’Autre Valse d’Amélie (version quatuor à cordes et piano)” – 1:43
“Les Deux Pianos” – 2:00
“Comptine d’un autre été: la démarche” – 2:03
“La Maison” – 2:03

Também na tentativa de transpor para o meio impresso e auxiliar na


visualização, a partitura da música La Valse d’Amélie pode ser encontrada na
sessão “Anexos” deste trabalho.
Grande parte do álbum é de música folk francesa contemporânea. O tipo de
música que pode-se ouvir sendo executada em Paris por artistas de rua, por
exemplo. Isso se dá em boa parte por causa da presença marcante do acordeão.
Suas notas dominam o álbum intercalado com uma orquestra ou um piano de
brinquedo, como em “La Valse des monstres”. O álbum por si só quase que conta
uma história. É como se a primeira faixa servisse para apresentar a capital francesa,
com o que há de típico em suas “chansons”. A faixa seguinte remete ao amanhecer,
ao começo das atividades em uma cidade que desperta. Uma sequência que
começa tranquila e vai ganhando energia com o passar do tempo incluindo em seu
transcorrer sons de xilofones durante sua curta duração.
Há então peças mais otimistas e ritmadas como “Le Baquet”. Existem três
faixas dedicadas exclusivamente para o piano, são: “Comptine d’un autre été:
L’après-midi” (ou “Rima de um outro verão: à tarde” como se o tempo continuasse
passando linearmente também no álbum após o amanhecer da segunda faixa), “Sur
Le Fil”, e “La Valse D’Amélie” (versão piano). Mesmo as três faixas sendo tocadas
com o mesmo instrumento elas são bem distintas. Sur Le Fil é sombria e pesada em
contraponto a primeira citada e vai aumentando sua velocidade somente no último
minuto. Este é um recurso usado por Tyersen mais de uma vez no álbum. Acelerar a
faixa musical no seu decorrer contrastando com inícios mais lentos.
80

A ambientação do cotidiano francês, ou do que se entende por cotidiano


francês, nos quadros de Machado podem ser relacionados a esta trilha sonora de
Tyersen, principalmente nas faixas mais emblematicamente francesas. Em um
campo menos abstrato, consegue-se observar facilmente instrumentos musicais em
alguns quadros do pintor, como nas figuras subseqüentes.

Figura 32 – Compilação quadros com instrumentos musicais.

Instrumentos estes que são os mesmos supracitados como marcantes na


trilha do filme: piano, acordeão, violoncelo e violino. Juarez Machado produziu uma
coleção de obras intitulada “Tango”. O tango argentino possui semelhanças com a
música folk francesa, principalmente no uso do acordeão e violino.
O tom nostálgico muitas vezes presente nas telas de Machado (não somente
pelos objetos, mas também pelo certo estilo art-déco ou pelo uso da cor sépia)
transparece também na trilha sonora. Desta vez não somente pelo uso de
81

instrumentos como o já mencionado acordeão, ou pela falta de intervenções digitais


que possam ser percebidas, mas também pelo audível som de gramofone e da
agulha passando pelo disco de vinil em algumas peças.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A influência da pintura no cinema tem sido comentada em estudos de


cinema e em críticas do meio por pelo menos meio século. Muita “tinta foi
derramada” sobre o impacto que o expressionismo alemão teve em obras de
Murnau e Lang, por exemplo. Cineastas frequentemente chegam a uma solução
visual, a um estilo de composição ou a uma temperatura de cor em seus filmes
recorrendo a fontes como a pintura. Rembrandt e Edward Hopper foram importantes
para uma série de cineastas do passado e presente assim como diferentes diretores
de cinema dedicaram-se à pintura em algum momento de sua vida, como David
Lynch. Também outros tantos pintores realizaram suas produções cinematográficas,
como Salvador Dalí. Tal como acontece em todas as linhas de influência em
qualquer uma das artes, a profundidade e a extensão da inspiração não é
unidirecional.
Este trabalho mantém em suas considerações finais a certeza de que
qualquer estudo deste gênero nunca é uma obra acabada. Novas nuances podem
ser encontradas a cada nova vez durante a qual se assiste ao filme ou se olha uma
das telas de maneira diferente. Juarez Machado tem sua verve audiovisual clara.
Talvez não tão em evidência atualmente, mas já foi explícita na televisão em suas
performances. E como já mencionado no corpo do trabalho, outras interpretações
para o mesmo tema podem proliferar através desta dissertação, como por exemplo,
a análise do que há nas telas de Machado advindo do cinema e talvez até mesmo
do próprio Jeunet.
Cores fortes e quase irreais, supersaturadas, em um ambiente com
personagens peculiares se combinam para formar a “realidade” de um filme que não
existe literalmente no mundo real, o mundo “não-fílmico”. Em vez disso, Jeunet cria
um mundo surreal que existe de forma realista dentro da mente excepcional de uma
menina. Assim como este mundo criado por Jeunet não existe realmente fora da tela
do cinema, as pinturas de Machado recriam um mundo que faz referência a
82

representação do real sem tentar retratá-lo fielmente. Bazin já fez menção sobre a
tentativa, por vezes frustrada, de se encontrar pinturas nos frames do cinema.

Instead of complaining that the cinema cannot give us paintings as they


really are, should we not rather marvel that we have at last found an open
sesame for the masses to the treasures of the world of art? As a matter of
fact there can be virtually no appreciation or aesthetic enjoyment of a
painting without some form of prior initiation, without some form of pictorial
education that allows the spectator to make that effort of abstraction as a
result of which he can clearly distinguish between the mode of existence of
the painted surface and of the world that surrounds him (BAZIN, 1967,
31
p.167).

O que acontece é que a tentativa de se ver as pinturas somente como elas


são, com tintas e tela, transpostas para o cinema; será sempre uma incursão
frustrada. O que se deve fazer é apreciar ambas as artes como distintas, mas com
interseções que podem ser profícuas para ambas, pintura e cinema.
Obviamente existem diversos elementos que distanciam as pinturas de
qualquer obra audiovisual e estas serão mencionadas também no corpo deste
trabalho. É através da narrativa que a separação toma maior corpo entre o filme e a
pintura e talvez pela dissolução da narrativa que uma melhor comparação entre os
dois meios pode ser feita. Entretanto a narrativa é parte intrínseca tanto do filme
como das pinturas. A possibilidade de extirpar a narrativa destes meios para poder
examiná-los através de uma ótica mais crua é um trabalho que vai além desta
dissertação. E mesmo que estes meios possuam estes pontos de contatos a
tradução da pintura para o filme é impossível na sua totalidade, conforme expõe
Vacche a seguir.
Precisely because the filmic image is meant to make visible something
invisible, to release from the inside out a shape that is made of emotional
nuances, or otherworldly energy, cinema cannot resemble any other art
form. Like poetry, in which language plays itself out to the limit, cinema is
32
untranslatable. (VACCHE, 1996, p.138)

31
Em vez de reclamar que o cinema não pode nos dar pinturas como elas realmente são, não
deveríamos nos maravilhar por termos ao menos encontrado uma porta aberta para as massas verem
os tesouros do mundo da arte? Na verdade não pode haver virtualmente nenhuma apreciação ou
fruição estética de uma pintura sem alguma forma de iniciação prévia, sem alguma forma de
educação pictórica que permita ao espectador fazer esse esforço de abstração como um resultado do
qual ele pode distinguir claramente entre o modo de existência da superfície pintada e do mundo que
o rodeia. (Tradução do autor)
32
Precisamente porque a imagem fílmica é a intenção de fazer visível algo invisível, para liberar de
dentro para fora uma forma que é feita de nuances emocionais, ou uma energia de fora deste mundo,
o cinema não se assemelha a nenhuma outra forma de arte. Como a poesia, em que a língua se
desenrola para além de seu limite, o cinema é intraduzível. (Tradução do autor)
83

Amélie vive em seu quarto vermelho com abajures azuis. Compara-se a


Madre Tereza de Calcutá com a mesma facilidade (e simplicidade) que se perde em
devaneios sobre questões que nunca poderão ser respondidas. Também aí está a
beleza do filme. E sua tristeza. Seus olhos grandes quando encaram a câmera e
consequentemente o público, torna-o cúmplice de sua vida simples. Os olhos dos
personagens pintados por Machado evitam o público, tanto que são, na sua maioria,
desprovidos de íris. Por outro lado a vida retratada e levada pelos personagens de
Jeunet não têm nada de simples ou monótonas.
Enquanto Amélie contenta-se em juntar casais e devolver quinquilharias a
seus antigos donos, os personagens de Juarez Machado sorriem bebendo
infindáveis garrafas de champanhe dançam em grandes salões e fazem amor em
público. Amélie só começa a descobrir a felicidade quando junta fragmentos dos
conselhos de seu vizinho pintor com outros que aprendeu duramente por conta. Ela
descobriu que a libertação da infância, a felicidade dos que estão ao redor e a
própria felicidade só convivem quando há uma conexão com os outros e com a vida.
As pessoas que se mantém isoladas emocionalmente (como o pintor, a senhoria e o
dono da quitanda) fecham-se em sua tristeza e ressentimento, remoendo sempre as
mesmas memórias e repetindo sempre o mesmo comportamento. Talvez a
melancolia dos olhos de Amélie seja advinda por não fazer nada disso. Talvez o
vazio dos olhos dos personagens de Machado poderia ser preenchido com atitudes
menos frívolas. Ou ainda, ambos se completam, encontrando-se em um meio termo
onde as cores, luzes, enquadramentos e objetos possam participar destes dois
mundos diferentes.
84

REFERÊNCIAS
Livros citados

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SANT´ANNA, C. Texto e Intertextualidade. Disponível em


<http://www.tomze.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=132:trab
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welt-der-amelie.de/> Acesso em 25/09/2011

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87

Unifrance - Le Cinéma Français À L’étranger - Résultats De L’année 2009 Et De La


Décennie Disponível em http://www.unifrance.org/actualites/5498/resultats-de-l-
annee-2009-et-de-la-decennie> Acesso em 19/05/2011.

VALDELLÓS, Ana María Sedeño: La influencia de la pintura en el cine. Disponível


em <http://www.uhu.es/cine.educacion/cineyeducacion/pintura_cine_influencia.htm>
Acesso em 14/08/2011

Referências Videográficas

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Jean-Pierre Jeunet. França, 2001, DVD.

GLOSSÁRIO

Ângulo Zenital – tomada feita a 90 graus de inclinação.

Art déco – Movimento das artes decorativas e visuais popular entre 1925 até 1939

Cinema Du Look – Estilo de cinema que diz priorizar o estilo à narrativa

Câmera subjetiva – A câmera que põe-se no lugar do personagem, como se o


espectador estivesse vendo a cena através dos olhos deste.

Close: Primeiro plano ou plano de pormenor.

CMYK- CMYK é um sistema de cores geralmente utilizado por impressoras ou


fotocopiadoras para imprimir pelo processo de policromia. É o mais usado para
impressão na indústria gráfica. Seu nome vem da abreviação de Ciano (Cyan),
Magenta (Magenta), Amarelo (Yellow) e (Key) Preto.

Contracampo - Tomada efetuada com a câmara na direção oposta à posição da


tomada anterior.

Corte: Passagem direta de uma cena para outra.

Díptico - Pinturas dispostas em duas telas separadas que formam uma obra
conjunta. O mesmo aplica-se para a definição de tríptico, mas este utiliza-se de três
telas.

DPI - Abreviação de Dots per inch ou Pontos por Polegada é uma medida digital
relacionada a qualidade da imagem e sua resolução.

Imagem raster - São imagens digitais que possuem o pixel, menor unidade da
imagem digital, como formador de sua totalidade.

JPEG - Abreviação de Joint Pictures Expert Group é um formato de arquivo e de


compressão de imagem popular para uso na internet devido a sua redução de
tamanho, apesar de sua perda de qualidade.
88

Locução Off – Locução onde o narrador não aparece na cena.

Mise-en-scéne – Refere-se à movimentação e posicionamentos de atores e objetos


de cena no espaço de filmagem.

Música Folk – Pode ser traduzido como música típica ou folclórica de uma região.

Panorâmica - (pan) Câmara que se move de um lado para outro dentro do seu eixo.

Plongée – Inclinação da câmera de cima para baixo. O Contra Plongée é a


inclinação da câmera em um ângulo de baixo para cima.

Prêmio César – Premiação anual do cinema francês existente desde 1976.

Primeiro plano - Posição ocupada pelas pessoas ou objetos mais próximos à câmara

RGB - RGB é um sistema de cores geralmente utilizado por dispositivos eletrônicos,


como monitores, televisores e vídeos. Seu nome vem da abreviação de Vermelho
(Red), Verde (Green) e Azul (Blue).

Storyboard – Ilustrações dispostas numa sequência como propósito de visualizar


previamente enquadramentos e planos de câmera de um futuro filme.

Take – Também chamado de tomada é a menor unidade de fragmento dentro de


uma cena.

Tilt - Movimentação da câmara no sentido vertical, sobre o seu eixo horizontal.

Voyeurismo – Ato de observar pessoas sem a sua ciência, geralmente


proporcionando prazer ao observador.

Zoom - Efeito de afastamento (out) ou de aproximação (in) da imagem que se obtém


pela variação da distância focal da câmera através do posicionamento de suas
lentes.
89

ANEXOS
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Mardi 23 décembre 2003
:

Jean-Pierre Jeunet
le collectionneur 

Pour son nouveau film, Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain, Jean-Pierre Jeunet
change de registre. Au revoir les méchants ravisseurs d'enfants, adieu les Aliens,
bonjour la gentille Amélie qui a vocation d'améliorer le sort des autres à leur insu.
Un film inventaire des petits bonheurs de son réalisateur… Immersion dans l'univers
étrange et merveilleux d'un nouveau poète. 

Synopsis : Vous aviez déjà commencé à travailler sur Le Fabuleux Destin d'Amélie
Poulain lorsque Hollywood vous a contacté pour réaliser Alien IV. Où en étiez-vous
au moment de partir ?
Jean-Pierre Jeunet : Nulle part, justement. J'avais des tas d'idées, des tas de
personnages et de situations. Mais je cherchais le dénominateur commun qui me
permettrait d'utiliser toutes ces histoires éparpillées et accumulées depuis des années
dans une boîte, sous forme de listes et de collections diverses. Amélie est le genre de film
que j'ai envie de faire depuis toujours, un film qui fait du bien, qui rend heureux, qui
mélange humour et émotion. Parce que, pour moi, le cinéma c'est ça. Finalement, les
105

autres films, c'était en attendant…

Vous parliez d'une boîte qui contenait toutes vos idées pour Amélie. C'est-à-dire ?
C'était une vraie boîte. J'y rangeais des anecdotes, des idées de films, des bouts de
dialogue, des choses vues dans la vie, des articles de journaux, des listes de " J'aime,
j'aime pas ", parce que j'adore ce jeu-là… Maintenant, j'ai un ordinateur. 

Les " J'aime, j'aime pas " sont très présents puisque c'est avec cela que vous
caractérisez tous les personnages. Où les prenez-vous ? Est-ce que ce sont les
vôtres ?
Oui, ce sont les miens. Les " J'aime, j'aime pas ", il faut les avoir ressentis à un moment ou
à un autre. C'est un jeu particulier. Il faut qu'ils soient très personnels et qu'en même temps
ils touchent tout le monde. Si vous dites : " J'aime pas les cacahuètes ", c'est nul. Plein de
gens adorent ça. Si vous dites : " J'aime bien crever les pustules des emballages en
plastique ", tout le monde fait aaaaahhh ! Ça évoque le bruit qui claque, la sensation,
l'odeur… Ça fait appel aux sens. J'avais déjà utilisé ce jeu dans mon court métrage
Foutaises. Les collections, qui sont très présentes dans le film, c'est un peu la même
chose. L'obsession de ramasser les photos ratées autour des Photomaton et d'en faire un
album, c'est une histoire vraie. C'est un copain qui faisait cela dans tous les Photomaton
de Paris. La collection d'empreintes de pas dans le ciment est vraie. J'adore aussi
collectionner les idées bizarres. Les rumeurs, par exemple… Je suis sûr qu'il y a un type,
quelque part, enfermé dans un cachot, qu'on fouette pour qu'il invente des rumeurs ! et des
histoires drôles ! Comment naissent les rumeurs et les histoires drôles ? Ça c'est une
question ! L'histoire du nain de jardin qui se promène à travers le monde procède du même
état d'esprit. J'aime tellement les collections que je collectionne… les idées de collections ! 

Comment vous est venu le personnage d'Amélie, qui se promène au milieu de ces
collections d'histoires et de personnages ?
Je ne sais pas. J'ai cherché longtemps, et un jour c'était là. Il y a longtemps, au métro
Réaumur-Sébastopol, j'avais vu un cul-de-jatte qui était dans une caisse à roulettes et qui
avançait avec des fers à repasser. On voit cela dans les westerns, mais pas en plein Paris
! J'ai commencé à me dire que, si ça se trouve, il y en a plein, qui vivent dans des
chambres de bonnes, qui sont organisés en réseau et communiquent entre eux, et, comme
c'est foutu pour eux, ils passent leur temps à enjoliver la vie des autres de manière
anonyme. J'ai pensé qu'il y aurait là un personnage de plus pour le film. En fait, ça
contenait les ramifications qui reliaient tous les autres éléments entre eux. Et le cul-de-jatte
est devenu Amélie, parce que je ne voulais pas refaire Freaks. Le jour où j'ai eu cette idée,
c'est devenu facile. 

Comment avez-vous collaboré avec Guillaume Laurant ?


Il a fallu que je trouve le principe, l'esprit du film. Il était important que cela vienne de moi.
Une fois que c'était en place, on a fait un ping-pong. Il a apporté plein d'idées à lui qui
étaient dans l'esprit. Par exemple, le souffleur de rue, ou les disques vinyles qu'on fabrique
comme des crêpes. Et aussi le personnage du peintre qui repeint le même tableau chaque
année depuis vingt ans. On a d'abord travaillé longtemps sur tous ces éléments disparates.
Quand j'ai trouvé le personnage central d'Amélie, on a établi la structure du film avec une
facilité déconcertante. Parfois, on se voyait pour décider des objectifs à remplir dans la
semaine et, à la fin de la séance, on avait tout trouvé. On n'avait pas seulement fait la liste
de ce qu'il fallait faire, on l'avait fait. Notre principe, c'était que Guillaume écrivait toutes les
scènes dialoguées, et moi toutes les scènes visuelles. J'ai horreur d'écrire des dialogues
moi-même, j'ai l'impression d'entendre ma voix sur un répondeur. Quand Guillaume écrit
un dialogue, il met environ une heure pour une scène, c'est sidérant. Une heure ! Et si je
ne suis pas trop content parce qu'il a un peu perdu l'esprit du film, il reprend sa copie :
vingt minutes ! Et au bout il y a des répliques aussi incroyables que : " Bonjour, je
m'appelle Madeleine Wallace. Pleurer comme une madeleine et la fontaine Wallace, c'est
vous dire si j'étais prédestinée pour les larmes ! " Il est archidoué. 
106

Comment avez-vous procédé pour construire tous ces personnages qui traversent le
film ?
On a d'abord fait une liste - encore une ! - des événements qui allaient améliorer la vie des
personnages grâce à Amélie. Par exemple, cette idée d'une petite boîte de jouets
retrouvée trente ans plus tard, elle m'est venue grâce à une anecdote incroyable sur
Delicatessen : Marie-Laure Dougnac, l'actrice qui jouait la petite myope, était venue
essayer des costumes qu'on avait dénichés aux Puces. Elle s'est retrouvée avec, entre les
mains, un pull qu'elle avait tricoté elle-même et dont elle s'était débarrassée chez Emmaüs
dix ans plus tôt ! Ou l'idée de manipulation amoureuse qui consiste à dire à deux
personnes que l'une s'intéresse à l'autre, j'en ai été victime deux fois dans ma vie !
L'histoire du sac postal, retrouvé après quarante ans dans l'épave d'un avion sur un
glacier, est aussi une histoire vraie. Chaque lettre a été acheminée jusqu'à son destinataire
ou à ses héritiers. J'étais tombé sur cette anecdote en lisant un magazine scientifique. Des
petits événements extraordinaires, il y en a plein dans les brèves des journaux. Il m'en
reste deux ou trois en réserve. Un cambrioleur qu'on a retrouvé coincé dans un conduit de
cheminée : il était mort parce qu'il n'a jamais réussi à bouger ! Une femme restée bloquée
deux jours dans sa table à repasser !… Ensuite, on a pris les personnages un par un pour
les caractériser. Certains sont venus lentement, par couches successives. La buraliste
n'est devenue hypocondriaque que très tard. Son personnage était faible, on y est revenu
plusieurs fois. En revanche, le peintre a été tout de suite tel qu'il est. 

Pourquoi avoir choisi de lui faire reproduire la toile de Renoir, Le Déjeuner des
canotiers ?
Parce qu'il y a, dans ce tableau, beaucoup de personnages qui ont tous des
interconnexions, des regards, et qu'il est facile d'imaginer des histoires entre eux. C'est ce
qui rend possible le fait que le peintre identifie Amélie au personnage qui est au centre.
Cette jeune fille du tableau, comme dit le peintre, " est au centre, et pourtant elle est en
dehors ". Elle a un regard absent, elle est isolée dans l'image. Comme Amélie, qui est au
centre de l'histoire mais qui est seule. Dans une première version du scénario, on avait
même imaginé la vie de chacun. Mais cela devenait trop présent, donc on y a renoncé. 

Ecrivez-vous en pensant à des acteurs précis ?


Cela dépend. Le plus souvent, je cherche les acteurs une fois le scénario écrit. Mais, pour
le personnage d'Amélie, juste pour m'aider à travailler, je me focalisais sur Emily Watson,
l'actrice de Breaking the Waves. Avec Guillaume, on avait même baptisé l'héroïne Emily.
Au bout d'un moment, je me suis dit : pourquoi ne pas essayer vraiment ? Le scénario lui a
plu. On a fait des essais. En français elle perdait un peu de son talent, c'était dommage.
Alors j'ai réécrit une version qui intégrait de l'anglais. Cela commençait en Angleterre,
l'héroïne grandissait là-bas et venait plus tard habiter Montmartre. Les trois quarts de son
texte étaient en anglais. Finalement elle n'a pas fait le film pour des raisons personnelles.
Mais le prénom est resté, un peu transformé : Emily, Amélie. 

Il y a plusieurs acteurs que l'on retrouve dans tous vos films. Créez-vous des
personnages spécialement pour eux ?
Non, il ne faut surtout pas faire ça. Les personnages naissent naturellement du désir de
l'histoire. Après, en revanche, je me dis : Alors, le père d'Amélie ? Rufus, Dreyfus ou Pinon
107

? (Rires) 

Vos personnages sont des personnages qui agissent plus que des personnages qui
pensent…
Je crois que j'ai des références plus visuelles que littéraires. Je viens du cinéma
d'animation et de la bande dessinée, de la danse contemporaine. Alors que le cinéma
français, par tradition, s'inspire plus de la littérature. 

Pourtant, il y a un texte important en voix off…


J'adore les voix off. Casino, de Martin Scorsese, deux heures de voix off tout le long, cela
me ravit. J'ai pris le parti, que je savais un peu risqué, de faire une intro de vingt minutes
en voix off. Tout le film a été pensé et construit avec la voix off, depuis le premier jour.
J'avais même fait une liste - eh oui ! - de tous les films avec une voix off et de la façon dont
elle était utilisée. On en trouve beaucoup chez Truffaut et Woody Allen. C'est étonnant de
voir comment Woody Allen emploie à chaque film un principe narratif différent. Dans un
des derniers, il utilise des chœurs antiques grecs ! 

Votre film fait penser à un conte…


Ah bon ? La Cité des enfants perdus était délibérément un conte. Mais celui-ci est plus,
pour moi, une vision à la Prévert d'une histoire contemporaine. D'ailleurs, j'ai relu toute
l'œuvre de Jacques Prévert juste avant d'écrire le film. Le jour du tournage de la première
scène d'amour entre Amélie et Nino, j'ai glissé à Audrey Tautou une petite enveloppe qui
contenait un poème de Prévert. Pourquoi ? Je ne sais pas. J'ai juste eu envie de le faire…
La référence à Jacques Prévert était présente tout le temps… Sa vision des choses est
tellement poétique et décalée ! Lui aussi il a des collections et des listes. Son œuvre, c'est
une collection de listes de mots magiques… C'est exactement vers cela que je tendais. Je
crois sincèrement qu'Amélie est le film que je cherchais depuis l'âge de douze ans.
Maintenant, je vais peut-être me faire moine… Ou ouvrir une pizzeria.

Propos recueillis par Marie Marvier 

-
108

Roteiro de falas

Amélie– Dialogue - Script


-On September 3, 1973 6:28 pm and 32 sec.
a blue fly of the Calliphorides species,
whose wings can flutter 14670 times per minute
landed in Saint-Vincent Street, Montmartre.
At the exact same second, outside a restaurant,
the wind was sweeping in under a tablecloth,
causing the glasses to dance without anybody noticing it.
At the same time, on the fifth floor of avenue Trudaine,
EugèneKoler, erased the name of his best friend, Émile Maginot,
in his adress-book after coming home from his funeral.
Still at the same second, a spermatozoon
containing an X-chromosome and belonging to M. RaphaëlPoulain
was reaching the ovum of MrsPoulain,
born Amandine Fouet.
months later a girl was born:
AméliePoulain.
-Amélie's father was a former army doctor,
and was working at the hydropathic establishment of Enghien-les-Bains.
RaphaëlPoulain doesn't like
peeing next to somebody else.
He doesn't like
noticing people laughing at his sandals .
.coming out of the water with his swimming suit sticking to his
body
RaphaëlPoulain likes
to tear big pieces of wallpaper off the walls
to line up his shoes and polish them with great care
to empty his toolbox,
clean it thoroughly,
and, finally, put everything away carefully.
Amélie's mother, Amandine Fouet,
was a Primary School teacher from Gueugnon,
she had always been unstable and nervy.
She doesn't like to have her fingers all wrinkled by hot water.
She doesn't like it when somebody she doesn't like
touches her,
to have the marks of the sheets on her cheek in the morning.
She likes the outfits of the ice-skaters on TV.
to shine the flooring.
to empty her handbag
clean it thoroughly,
and, finally, putting everything away carefully.
Amélie is years old.
She would like her father to hold her in his arms from time to
time.
But the only contact they have is during the monthly medical check-
up.
Moved by this intimacy, the little girl
can't stop her heart from beating wildly.
As a result,
her father believes she suffers from a heart disease.
Because of this fictitious illness, she doesn't go to school.
Her mother acts as her private tutor.
-"The .chicken .often .
hatch .in .the .convent."
109

-"The chicken ."


-Very good.
-hatch often. -No !
-With no contact with other children,
and mollycoddled by her parents,
Amélie's only refuge is the world she makes up.
In that world, vinyls are made the same way as pancakes,
and the neighbour's wife, who has been in a coma for months,
just decided to do all her sleeping at once.
-This way, I'll stay awake night and day for the rest of my life.
-Amélie's only friend is called "the Cachalot".
But the atmosphere at home turned it into a neurasthenic and
suicidal fish.
-Since these suicide-attempts only increased her mother's stress,
a decision is taken .
-ENOUGH !!!
-In order to comfort Amélie,
her mother gives her a second-hand Kodak.
-What have you done?
-A neighbour makes her believe that her camera causes accidents to
happen.
Since she's been taking pictures all afternoon,
Amélie finds herself in deep worry in the evening.
She collapses in front of the televison, feeling guilty
for a fire,
derailments and the crash of a Boeing .
Later on, Amélie realizes that the neighbour had made fun of her,
and decides to take her revenge.
-But, what the .
You be careful!
-and then, one day, tragedy struck her.
Like every year, her mother had taken her to church to lit a
candle
so that Heaven would send her a little brother.
The divine answer came minutes later
Alas, it wasn't a newborn that fell out of the sky
but a tourist from Quebec, determined to end her life.
Amandine Poulain, born Fouet, is killed outright.
After her mother's death,
Amélie finds herself alone with her father.
The latter withdraws into himself even more.
He starts to build a miniature mausoleum,
for the ashes of his beloved wife.
Days, months, then years go by .
The outside world seems so dull
That Amélie prefers to dream her life until she's old enough to
leave.
years later, Amélie is a waitress in a bar in Montmartre,
"lesDeuxMoulins".
Today's August,
in hours, the destiny of AméliePoulain will take a different turn.
but right now, she has no idea of what's going to happen.
For her, life goes on with her collegues and the regulars.
This is Suzanne, the landlady.
She limps a little, but has never spilled the slightest drop.
When she was young, she used to be a horse-dancer. She likes
sportsmen who cry from disappointment.
She doesn't like it when a man is humiliated in front of his kid.
The tobacconist is Georgette, the hypochondriac.
When it's not a migraine, it's the sciatic nerve that's trapped.
She doesn't like to hear
110

"le fruit de vosentraillesestbéni."


This is Gina, Amélie's colleague, granddaughter of a healer.
She likes to crack her fingers.
Here you can see her bringing a Kir to Hipolito, the not-
successful writer.
What he likes is to see a bullfighter getting gored.
This is Joseph. Gina's jealous ex-lover.
He spies on her to see if she's replaced him.
The only thing he likes
is to pop the bubbles of plastic wrappings.
And finally, there's Philomène, the air hostess.
Amélie looks after her cat when she's away. She likes
the sound of the bowl with water on the floor. As for the cat,
he likes to listen to children's stories.
-No thanks, ma'am, I never work on Sundays.
-Amélie often goes to see her father, during the WE, by train.
-Why don't you enjoy your retirement, and . -Do what?
-Travel, you never left Enghien.
-When we were young, your mother and me,
we'd have liked to travel, but we never could.
Because of your heart. -Yes, I know.
-And now, .Now .
-Sometimes, Amélie goes to the movies.
-I like to turn around in the dark to see the faces of the people
around.
And I also like to spot the little detail nobody will ever see.
But I don't like it when the driver doesn't watch the road.
-Amélie doesn't have a boyfriend.
She tried, but it didn't live up to her expectations.
On the other hand, she enjoys all sorts of little pleasures,
putting her hand in a bag of seeds,
piercing the crust of crème brûlée
with the tip of a spoon.
And play at ducks and drakes on the Saint-Martin-canal.
-This is the crystal-man.
Because of an illness, his bones break like crystal.
All his furniture is fleece-lined.
A hand shake is enough to break his finger-bones,
so he never goes out.
Time hasn't changed anything. Amélie still shelters in solitude
and asks herself silly questions about the world or about this town.
For example, how many couples are having an orgasm right now?
-Fifteen .
-And finally, the night of August .
This is what will change the life of Amélie Poulain totally.
*-Good evening.
The Princess of Wales, Lady Di died this afternoon in a car crash.
She was with her friend .
Only the first man to enter the grave of Toutankhamon
may understand how Amélie felt
when she discovered the treasure that had been hid by a little boy.
On the st of August, at in the morning
Amélie suddenly has a luminous idea.
She is going to find the owner of this box
and return his treasure to him.
If he's moved, that's it, she'll start to mingle with other
people's lives.
If not, well, too bad.
-Oh, the young missie of the th floor. We don't often see you.
-Excuse me. Did a little boy use to live in my flat in the ies ?
-Come in and have a drink.
111

-No, thanks. -Yes, come in. Close the door.


Oh, kids . I've known so many!
At first, they're cute, and then they start throwing snowballs
I know. -How long have you been here?
-Since .
People must have told you.
-No.
Sit down.
My husband used to work atCoccinelle Insurance.
People liked to say he slept with his secretary.
They certainly did stop at all the hotels in Batignolles .
And not the little ones.
'cause the bitch would certainly spread her legs,
but only in satin cheets!
My husband started to steal from his firm.
First only a little, then million at once.
And there they went! Flew away, both of 'em.
Drink !
So, on January
the doorbell rings. Well .
"Ma'am, your husband died in a car crash in South America."
My life just stopped.
Black Lion died of sorrow.
Poor thing!
See how he still looks at his master
with love in his eyes.
I'll read his letters to you.
Don't move.
You can spare me min, can't you? There, he was in the army.
"Mado my love ." My name is Madeleine.
"I can't sleep. I can't eat.
"I left my only reason to live in Paris.
"I will see her again on friday
" when I'll see my beloved weasel at the station,
" in her blue dress with straps.
"(the one you find too transparent.)
"Love." There you are.
Have you ever received letters like these?
-No. I'm nobody's little weasel.
-My name is Madeleine Walace.
There's this saying: "Pleurercommeune madeleine", isn't it?
-Yes. -And Walace .
The WalaceFountains .
You see, tears were my destiny!
For that business of yours .
Go and ask the grocer.
Collignon has always lived in this building.
-Ah, good morning, Amélie-mélo !
A fig and nuts, as usual?
-The people who lived in my flat, in the ies .
Do you remember them? -Tough question!
I was in the ies. Just like this moron today.
-The moron is Lucien. He's not a genius,
butAmélie likes him.
He holds the endives as if they were precious,
'cause he likes a job well done.
-Come on, look at him!
It's as if he's picking up a bird that's fallen from the nest!
You're lucky you don't want grapes,
you'd have gotten it on Monday!
Come on, move, you retard!
112

The lady has other things to do!


Right.
Go and see my mother.
She's got a memory like an elephant.
Mum-ephant!
-Thanks.
-Bredoteau.
-Excuse me ?
-That's the name you're looking for. But it doesn't count if I say
it,
I am senile.
-Don't listen to him, he's senile.
Look at my oleanders! -Why, what?
-Before the grocery, he used to be a ticket puncher.
-What's wrong with that?!
-At night, he gets up
and punches my oleanders!
-I'd have preferred lilacs. But that's life!
Everyone his way to calm down!
-With me, it's ducks and drakes!
- Ducks and drakes! - There you are !
I write down everything.
-You write down what?
-Your son's almost .
And I still do his accounting!
-When he was you still got his toothbrush ready! That's the
result!
-So, Camus, nd on the right .
-No, that's not it!
-No, staircase B, that was Brossard .
That's it, I've got it!
Bredoteau, th on the right.
They were from the Pas-de-Calais. -Bredoteau .
That's all I have to say!
-This young man who rummages about under the photo machine
is called Nino Quincampoix.
Amélie was denied the company of other children,
but little Nino, would rather have done without.
Often, at the same moment, km away from each other,
one was dreaming about a sister and the other about a brother,
with whom they'd play all the time.
-Hello, dad.
Made yourself a new friend?
-No, I've had it for ages.
But since your mother hated it,
I had put it away in the shed. Let's reconcile them with each
other.
There! Not bad, eh?
-Say, dad.
If you found something from your childhood, a treasure for you,
would it make you happy, sad, nostalgic? How would you feel?
-I didn't have the dwarf when I was a kid.
It was a present when I retired.
-No, the things you keep a secret as if it was of great value.
-I should varnish it before the fall.
-I'm gonna make tea. Do you want some?
-Don't move.
-You're OK? Better?
-Hey, close the door !
-It's not like Siberia.
-You're not allergic to carbon monoxyde!
113

I coughed so much last night that my pleural membrane almost


broke!
-Yes, of course! -What's the menu today?
-Endive "au gratin"
-They'll bring you to your knees.
-So they're good? -Depends on where you fall .
True, if it's in the toilet -They're no good!
- . am, burst of laughter reminiscent of an orgasm
to please the dominating male.
-I can't take it anymore. -Yes, true.
Why does he insists?
There's other bars!
-Goodbye. MrsSuzanne !
-Yes ?
-Is there béchamel sauce, in your endives?
-Of course, why?
-Béchamel sauce doesn't agree with me.
Just like horse-meat for you.
-That's got nothing to do with digestion, but with memories.
I'd rather eat human flesh.
-Come on!
-MrsSuzanne ?
Can I leave earlier today?
-What's his name?
-Dominique Bredoteau.
-Hello !
-Dominique Bredoteau ?
-Yes .
Can I help you? -Well . It's for the petition.
-The petition ?
-Yes . The pétition .for .
For the canonization of Lady Di.
-O, yes. Er, no, thanks!
-Hello! *-Yes?
Dominique Bredoteau ? It's for the census of the European Union.
*-Come up. rd floor.
Hello, kitten.
Earl Grey ?Bergamot ?Jasmine ?
Can I offer you something to drink?
-No. I have work to do.
-Yes, yes! Coming!
-Good afternoon, madam. I'm looking for Dominique Bredoteau.
-Oh, my poor girl! You've just missed him.
See, he's coming down.
-Bretodeau.
Not Bredoteau.
You look like you can use some hot wine with cinnamon. Come in!
-I've lived here for five years now, it's the st time bump into
you.
-I never come out.
I don't want to meet just anybody.
And there's only rascals out there!
But come in. There. Come in .
You know, They call me the cristal man.
But my name is Raymond Dufayel.
AméliePoulain I'm a waitress .
-At the "DeuxMoulins", I know. And you're coming back empty-handed
from your hunt for Bretodeau.
Because it's not "do", it's "to".
Like "toto". -Thanks.
I really like this painting.
114

-It's "The rower's lunch".


By Renoir.
I paint one every year, for years now.
The hardest is the eyes.
Sometimes, they change their moods on purpose,
when I'm not looking.
-They look happy here. -They better be!
This year, they had hare with morel
and waffles with jam for the children.
Let's see, where did I put
that little note?
I see you're looking at my camera at the window.
It's a gift from my sister-in-law.
Oh, I just put it there, this way
no need to wind up my clock anymore.
After all these years,
the only character I can't quite figure out,
is the girl with the glass of water. She's in the middle
and yet, outside.
-Maybe she's just different from the others.
-How different?
-I don't know.
-As a kid, maybe she didn't often play with other children.
Maybe even never .
Here you are.
Dominique Bretodeau. rueMouffetard.
It's for you.
-This morning, like every Tuesday,
Dominique Bretodeau goes out to buy a chicken.
Usually, he cooks it in the oven with baked potatoes.
After cutting off the legs, the breast and the wings,
he'll clean up the bones with his fingers,
starting with the oyster.
No, Bretodeau won't buy
a chicken today.
He won't go any further
than that telephone booth. There .
-In one second, Bretodeau remembers everything.
Bahamontes' victory in the Tour de France .
Aunt Josette'scorselets .
And, especially, that tragic day
when he won all the marbles of his classmates during playtime.
-Bretodeau !
-Bretodeau !!
The Claw, Bretodeau ! Does he know it, the claw?
-One cognac, please.
I can't believe, what just happened to me.
It must've been my guardian angel. Can't be anything else.
It's as if the telephone booth was calling me
it rang, and rang .
-Well my, there's the microwave calling!
-Can I have another cognac?
It's weird, life.
When you're a kid, time creeps slowly and then one day,
you're .
And childhood, whatever's left of it,
fits into a little rusty box.
You don't have children yet, do you,
miss?
I have a daughter. She must be about your age.
We haven't spoken to each other for years now.
115

I heard she has a child, a little boy.


His name is Lucas.
It's about time I went to pay them a visit
before I end up in a box myself.
Don't you think?
-Amélie suddenly feels in perfect harmony with herself.
everything's perfect: the softness of the light,
that little scent in the air, the peaceful sounds of the city .
Life seems so simple and cristal-clear that she's swept
by this desire to help the all mankind.
-I'll help you. We go down and there we go!
There's the widow of the drummer of the brass band.
Hey, the horse's lost one ear!
The husband of florist is laughing.
There's lollipops in the shop window!
Can you smell his scent?
This man is offering melon to his clients to taste.
There, they make wonderful ice-cream!
We're passing in front of the butcher's.
Ham on the bone costs !
Here we're at the cheese merchant's .
for a Picodond'Ardèche ! At the butcher's,
a baby's looking at a dog, that's looking at the chicken.
Here you are, now we're at the metro station.
I'll leave you here, goodbye.
"She was never able to enter into relationships with others ."
"As a kid, she was always on her own."
*-On the evening of a bright day in July,
while holiday-makers enjoy themselves on the beach
in the carefreeness of the sunny days and while in Paris,
the strollers, overcome by the heat gaze at the trails of smoke
of the fireworks,
AméliePoulain, also known as "the godmother of the rejected",
or "the madonna of the cast-offs" succumbs to exhaustion.
In the streets of Paris, struck with grief,
millions of mourning anonyms gather for the funeral cortège
to show in silence
their great sorrow of being forever orphans.
What a strange fate, that of this young woman
deprived of herself,
yet so sensitive to the charm of the little things in life.
Like Don Quichotte, she was determined to grapple
the unforgiving grinder of all the human sorrows.
An impossible fight that consumed
her life prematurely. At AméliePoulain
let her life deteriorate in the swirls of universal pain.
And there she was struck by the regret of having let her father
die,
without ever being able to give back to this suffocated man
the breath of air she'd been able to give
to so many others.
-Hey, Mister !
Hey, Mister !
Sir !!
Wait!
Wait!!
-Pages full of failed identity photos
that their owners had thrown away
and that had been re-assembled and classified by some eccentric.
Some family-album!
-One Gauloises blondes.
116

-There's so much smoke. Where are they?


I can't see anything. -More to the left.
A bit further. There you are. -There? Thanks.
Where are my F coins?
Never mind.
-Yes? -One Moresque.
On Kir, one Moresque and two and peppermint cordials.
-That cooing, is it pre-nuptial or post-coital ?
-And your bloody stupidity, is it congenital?
-Pre-nuptial. -Don't worry.
You'll find the right one in the end.
They all dream about sleeping on a man's shoulder.
-I wouldn't mind, but men snore.
I have a sensitive ear!
-I was operated, I got rid of it.
-How romantic !
-It's clear you've never known true love.
-If I hadn't known it, they wouldn't have shortened my right leg.
-Wasn't it a horse?
-Yes, precisely.
I was in love with a trapeze artist.
I should've known, they dump you at the last moment!
He dumped me as I was going into the circus ring.
I was so upset, and as a result, so was the horse.
Unfortunately, I was under it!
Right !The Moresque.
-Love at first sight, it does exists.
-I'm not sayin' it doesn't. But after years behind the bar,
I can even give you the recipe!
Take two regulars, make them believe they like each other,
let it simmer
works every time.
-Excuse me!
Excuse me!
-No ! -I'll go.
Don't you think you've done enough harm already?
-Gina's old enough to defend herself.
-I'm not thinking about Gina, but about Georgette.
-Georgette ?
-Open your eyes ! She's hoping for you
and you're only looking at Gina !
Poor thing ! Look at all she's doing
to try and attract your attention.
You're blind !
-I'm off, I have a date. Bye!
-Goodbye. -Goodbye.
I don't know how the new one will be,
but'll never be worse than that freak there with his tape recorder.
-Joseph's not really a freak.
He's hurting, that's all.
-It's been two months since they broke up,
and he still shows up every day. He likes to suffer !
-Don't tell me you haven't noticed anything?
-What do you mean ?
-He always sits there? -Well, yes.
-Sit down.
Sit down, Georgette.
What can you see, from here? -My shop.
-And there's nothing missing? -Well, no.
-Think harder.
-Well, no. Really, I can't see!
117

-I'll let you think about it. Good night.


Good morning .
"A Swiss octogenarian has received a letter years later.
"The mail was found by mountaineers on the Mont-Blanc,
" in a bag of the Malabar Princess,
a plane that crashed at the end of the ies."
-What a pity ! Such a young and pretty princess .
-You mean, old and ugly, that wouldn't have been that bad?
-Well, yes . Look at Mother Theresa.
And him? Still after Gina ?
-No, after somebody else.
-Tell me, is it someone I know ?
-Yes. It's funny, that story about the mountaineers.
-Somebody from the DeuxMoulins ? Not you!
-No !
-Not MmeSuzanne .
No !
-Yes !
Look, he's there again. -Yes . How strange.
-And here. -"Still him."
Lyon Station.
-And here, again.
March Austerlitz.
-And still the same expression.
Isn't it ?So neutral.
- times in total.
I counted. It's strange, isn't it?
Why would he go across the whole town to take photographs,
and then throw them away?
-Especially since they're in perfect condition!
-Looks like some sort of ritual.
-Maybe he's obsessed
by the fear of getting old and this is his way to relax.
-He's dead!
-Dead?
-He's afraid of being forgotten.
He uses those machines to remind the living of his face.
As if he were faxing his image from the hereafter.
-A dead man who'd be afraid of being forgotten .
Well, these ones don't have to worry about that!
They died long time ago.
But they'll never be forgotten.
You know, that girl with the glass,
maybe she's thinking about someone.
-Somebody on the picture?
-No.
Rather a young man she saw some place else.
She feels like they're the same, the two of 'em.
-She prefers to imagine a relationship with somebody who's away,
than to create bonds with
those who are there?
-No .
Maybe she's doing everything she can to sort out other people's
lives.
-But her ?
Her life,
who's going to take care of that?
-In the meantime,
it's better to devote yourself to others than to a garden-dwarf.
- g of alcohol in his blood for a chauffeur!
I'm not the only one to employ an irresponsible moron.
118

-M. Collignon.
Your keys . -Just a minute!
No rush!
Look at Lucien.
At work, there's no chance he'll exceed the speed limits. Is
there?
-You shouldn't, M. Collignon.
It's not his fault.
-You're right.
It's not his fault, it's Lady Di's fault !
Do you know what I found this morning?
The Suisses catalogue open at the page with the nighties.
He'd stuck the picture of Lady Di on the bodies of the models.
So, this time, a bunch of asparagus,
or the neighbourhood records?
-Nothing.
"KEYS WHILE YOU WAIT"
-Thanks. Well, looks like those migraines are gone.
-Yes, but I haven't slept all night because of my sciatic nerve.
-You're looking good !
-Really ?
-A woman without love, it's like a flower without sun. It dies.
-Strange weather today!
Did I say something wrong?
-No. Everyone gives me the weather forecast.
-Talking about the weather to forget that time goes by.
-No, to avoid talking nonsense.
-You can write nonsense, but not publish it .
-Still nothing? - th rejection.
-What about your cousin, the critic? -What do you think?
They're like the cactus
they live to sting . -And your book ?
Is it a love-story ?
-No, it's about a guy who keeps a diary.
But instead of writing it as things happen,
he writes the worst-case scenario beforehand.
As a result, he's depressed, and he doesn't do anything.
-It's the story of a guy who doesn't do anything.
-Look, Mme Suzanne,
I'll sign you the manuscript.
-Yes, and you forget about his bill.
-I exchange his masterpieces for my "pièces-de-résistance!"
-Here you are. -Thanks.
-Thanks, Mme Suzanne.
-How long did it take you?
Have you seen the time? Jesus, this one,
they never got him finished!
"Without you, my feelings of the present ."
-"Without you, my feelings of the present .
" would only be like the dead skin
" of the des feelings of the past." -Excuse me?
-Without you, the feelings of the present would only be the dead
skin
of the feelings of the past.
-Ticket, please.
-And .
Your job then? -You already asked.
-Yes, yes .
You're well, right now? -Rather well.
Something's changing.
And I had heart-attacks, I had to get an abortion,
119

coz I was on crack when pregnant.


Besides that, everything's OK.
-So much the better.
So much the better . -Is something wrong ?
-No, no, nothing .
-Your garden dwarf is gone ?
Is he back in the shed?
-Moscow and there. Nothing.
No explanation.
-Maybe he wanted to travel around.
-I don't get it.
I don't get it.
"LOST: North Station saddlebag containing a
PHOTO ALBUM. Please contact me: "
-A normal girl would take the chance to call him right away.
She'd meet him and would soon know whether it's worth a shot or
no.
That's called facing reality But that's precisely,
whatAmélie doesn't want.
-Isn't she
falling in love ?
-And for you, ladies?
-Some leek and two globe artichokes.
-Where's your boss ?
-Ssst !
He's asleep in the cauliflowers.
-What ?!?
-He's asleep in the cauliflowers.
-Oh, right .
-Can I help you ?
-One Tac-O-Tac, please.
-Here you are.
-It's the first time, I don't know how it works.
-Listen,
we'll do one together.
So you have to scratch there
from left to right.
There. Well, nothing. You ?
-No, nothing as well.
No luck in games .
-Yes ! That's what they say !
-Ok, right ! I've got to get back.
-Yes. Off you go .

*-Palace Video, King of Porn.


-Good morning, I call about the add.
*-You're of age? -Yes.
* You're shaved? -Excuse me ?
*-I'm asking because hairy legs,
it scares off the clients.
-How're you doing, MrsWalace ?
-O, when you don't expect much from life anymore .
-Don't say that, Life's beautiful. -Really?
-Hello, M. Dufayel.
-Hello, Lucien.
-Here's what you asked for, M. Dufayel.
-I doubt it. I hate artichoke.
-You shouldn't. Let me show you.
Take it .Surprise !
-Well, I prefer that!
-Watch this .
120

-You're a magician !
-All on M. Collignon !
-Who ?
M. Collignon ?Lucien !!
-I wasn't thinking, M. Dufayel.
-Exercise, Lucien my boy!
-No . -Exercise !!
-Repeat after me. Collignon, you little rascal.
-Collignon, you little rascal. -Yes, that's it!
Your turn now.Collignon .
-Collignon, shit-face. -Well, good!
You see, when you set your mind to it. Come on, Collignon .
-Collignon, dog-face !
-Very good !Collignon .
-Collignon, shit-face !Collignon, dog-face !
Collignon, shit-face !!Collignon, dog-face !!
No, no !
-Lucien !! -Collignon eats dirt!
Enough for today !!
That's enough for today.
It's very good.
-M. Dufayel. I found this under your doormat.
Collignon, dog-face!
-Still nothing.
-Still nothing here too.
-Do you mind ?you have something, there.
you're beautiful, Georgette,
when you blush.
You look like a wild flower.
-It's my allergy .
-Good morning everybody.
Nice weather today.
-A packet of Gitane .
-Bravo! Well done! Look at me now!
Straight A!! Perfect shot!
It's Améliewho .
-You know, when they climbed the Mont-Blanc,
with the cold, the silicone froze .
-A little glass of hot wine with some ginger bread.
-Thanks.
-I think I was a bit rude with the girl with the glass.
Tell me, the boy she met did she see him again?
-No.
In fact, they're not interested in the same things.
-You know, opportunities are like the Tour de France,
you wait a long time for it and it goes by quickly.
When the right time comes, you have to jump the fence without
hesitation.
-Hi, Can I help you? -Excuse me.
I found this on the pavement . -My god!
Nino's gonna be so happy.
I almost went to church to burn a candle to Saint Anthony
-Is Nino there?
-Never on Wednesdays. He works at the Trône Fair.
-Oh, right. And has he been collecting these for a long time?
-For a year now. I found him a job here.
Before, he collected footprints.
He used to be a nigh watchman.
He took pictures of footprints in fresh cement.
He's an odd sort.
He also acted as
121

Santa Clause at the Samaritaine.


And then, he recorded laughter when he heard funny ones.
-It mustn't always be easy for his girlfriend.
-They never stayed !
Times are hard for dreamers.
-Where are those coffees, Eva?
-I gotta go. Thanks for the album.
-I'll bring it to him at the Trône Fair.
-Ok. He's at the Carpathian Dungeon, ask for Nino Quincampoix.
-Good morning. Is Nino there ?
-He doesn't come out till pm.
-Can't I see him before ? -Sure.
It's F.
-Hooooooooooooo .
Hooooooooooo .
-I'm off. See you on Wednesday. -OK.
"Tomorrow, PM Montmartre Carousel,
next to the telephone booth
Bring a F coin"
-Psst !
You'd like to know more, don't you?
-Did you see her? -Of course.
We were in her pocket !
-close to her breast.
-Is she pretty ?
-Not bad. -Not bad.
-Not bad.
-Beautiful.
-Pretty. -No, beautiful.
-Pretty.
-What does she want from me? -She's broke.
She hopes for a reward.
-Or she collects identity photos too.
-Yes, she wants to exchange us for a one-eyed man with glasses !
Of course not, stupid !
She's in love. -I don't even know her.
-Yes you do !
-Since when ?
-Since forever. In your dreams!
-Hello ? Yes. Sir!
You, with the plastic bag, it's for you.
-Me ? -Yes.
-Thanks.
Hello ?
-Follow the blue arrows, M. Quincampoix.
-What ?
-When the finger points to heaven, the idiot looks at the finger.
-Hey !!
-Hello ?
*-I know who the mystery man of the photo machines is, M.
Quincampoix.
He's a ghost, M. Quincampoix. Nobody can see him.
He can only be seen on photographs.
*When a girl has her picture taken,
he moans: hooooooooooo .
While he softly caresses her neck.
That's when he's caught by the camera, M. Quincampoix !
-Who are you ?
-Page .
"DO YOU"
"WISH"
122

"TO MEET ME"


-Listen to this.
"A six year old boy left at night
" with his tricycle.
"He was found on a motorway in Germany.
He just wanted to go to where the stars are."
-Ah, life is so beautiful, don't you think ?
-The love virus .she'd never caught that one before!
-Nobody's safe!
-Well, I won't complain. -She's looking great.
-How is she ?Tall, short, blonde, brown?
-Well, let's say medium-size.
Not a midget, nor a giraffe. Normal.
Pretty, in her own way.
But as for blonde or brown, I can't say !
Hard to tell. She certainly wasn't red.
Even though . -Forget it.
-On the other hand, she did sort of ask whether you had a
girlfriend.
-And ?
-I said that you were not interested. That's ok, isn't it?
-You didn't say that, did you ? -You don't even know her !
-Exactly, it's the mystery. -You won't find it here !
-Some nectarines, please. -Those are much more beautiful.
-Mister here is an aesthete !
In the evening, he leaves with the remainders,
I was getting worried.
But mister here takes drawing classes !
During the day he sells leek, and in the evening, he draws
potatoes !
You're a real vegetable !!
-A real good street prompter
ready to prompt a stinging retort,
That's the help shy people need.
-You, you'll never be a vegetable,
because even an artichoke has a heart.
-You'll never be a vegetable, because even an artichoke has a
heart.
*-Memory .
"Mado my dear, your absence gets more painful every day.
I'm in exile in a grey world. I can't sleep, I can't eat."
"I made the biggest mistake by accepting this training course
" that will keep me away from my wife for weeks.
I think of you all the time. YourAdrien."
"I gave up the money of my last commission
" in order to make up for resigning so abruptly.
"I catch myself dreaming of better days.
"Orange days. Do you remember, Madeleine my love ?
Your Adrien who's always loved you so much."
"Good news. I'll soon be able to afford a car.
"That way I'll be able to come home every day.
"In the meantime, I hope you'll come over Friday night
and that we'll go out, the two of us."
*-Psychiatric emergency services, how can I help?
"WHERE & WHEN?"
-One hour later, boulevard Saint-Martin
Amélie steps into a jokes and costume shop.
At the same moment, a man leaves his home at Lecourbe Street.
min later, Amélie arrives at the photo machine at the Gare de l'Est.
At the same second, the man in red trainers
parks in front of the side entrance.
123

At that moment, it is exactly . am.


At this exact moment in the story,
Amélie is the only one to know the key to the enigma
of the mystery-man of the photo machines.
-'Morning, MrsWalace. How are you ?
-Always better when it's not raining.
-Here, for you. -For me ?
"MrsWalace.
"After the recent discovery of a mailbag that was lost
" when a plane disappeared , on the th of October .
"La Poste has the pleasure to deliver to you a letter
" that was addressed to you. Please accept
" all our apologies for this unusual delay.
Jacques Grosjean. Head of the Public Relations department."
"Mado my love.
"I'm in exile, I can't sleep. I think about you all the time.
"I made the worst mistake of my life.
"I gave up the money and that woman.
If everything works out, I will soon buy a house."
"I catch myself dreaming of better days
" that you'll forgive me and that you'll come and join me.
Your Adrien who's always loved you so much."
-Here, M. Dufayel, you've got mail.
M. Dufayel,
you know what happened to the caretaker this morning ?
-A letter.
-From her husband. years late.
Quite a long time, isn't it, M. Dufayel ?
That's 'cause I don't really like still lifes, M. Dufayel.
-In the meantime, take care over your light layer.
It's dark on light, always!
-M. Dufayel ? -Yes!
-The papers say that there's soon gonna be a new star.
-You're interested in stars?
-I saw this show at my mum's, that's why.
but I dunno if it's true.
It's the les Americans .
They're gonna take the ashes of rich dead people,
to put them in a satellite, and send it into space.
And it's gonna shine forever, the satellite.
And Lady Di ? You think they're gonna do the same for her?
-Lady Di !!
You're getting on my nerves !! I can't concentrate!!
Lady Di .
Renoir !
-Morning, sir.
-Cambodia .
I don't get that.
I don't get it!
-That was wonderful! You couldn't have done better.
-Did it work ? -It's running it's course.
-Well, I'll do it again any time! The harm is done anyway .
-Quoi ?
-They call me Snow White, now!
"bar 'les ." "I am often ."
"bar 'les Moulins' I am often there
after pm"
-Eva ? *-Yes ?
-Could you take over at pm please ?
*-Oh, you're pushing it!
-What's going on?
124

Is he sulking? -He thinks I smile too much.


-He prefers when it when you frown? -With other men, yes.
-Nino's late. For Amélie, there's only two possible explanations
. He didn't find the picture.
. He didn't have time to piece it together
because repeat offenders took him hostage.
Chased by the police,
they managed to escape.
But he caused an accident.
When he recovered, he couldn't remember anything.
A trucker gave him a ride
and believing that he is a fugitive, put him in a container to Istanbul.
There, he came across Afghan adventurers,
who took him with them to steal soviet missiles.
But their lorry exploded on a landmine in Tajikistan.
The only survivor, mountaineers helped him out,
and he became a mujaheddin fighter.
Thus, Amélie really doesn't see why she should worry so much
for a guy who'll spend the rest of his life eating bortsch,
with a stupid hat on his head !
-Hi, what can I get you? -A coffee, please.
-One coffee!
Here's your coffee.
-Thanks.
-Now, he's understood.
He's going to put down his spoon .
and pick up the sugar on the table with his finger.
Then he'll turn around
and then, he'll talk to me.
-Excuse me !
Is this you ?
Yes, that's you.
-Let me clear the table for you.
Another coffee?
-No, thanks. I'm fine.
-So that's the one, there, the guy who raises his hand?
-Yes.
-Is she in love with him?
-Yes.
-The time has come for her to take some real risks.
-Well yes, she's thinking about it. She's thinking of a stratagem
.
-Yes, she likes stratagems, doesn't she !
-Yes.
She's a bit of a coward.
That's why I have trouble with her eyes.
"Raymond Dufayel's meddling
" is intolerable!
"If Amélie prefers to
"live in a dream-world
"and live her whole life as an introvert, it's her right.
"Because .
" making a mess of your life is an indefeasible right!"
-What are you doing, M. Dufayel ?
-Tell me, Lucien my boy,
for your deliveries,
do you still have the keys of the other tenants ?
-good morning, sir. One of your machines is out of order.
Er . No, but I think there's something stuck.
Gare de l'Est, lounge of the Lost Steps.
-Buy free. -No, thanks.
125

-Sam !
Samantha !
Samantha !
-Can you take over from .
"Can you ."
"Can you take over from me this afternoon?"
"Be at the lounge of the Lost Steps
Gare de l'EstTuesday pm"
-Just a second, I've finished.
-The mystery man of the photo machines wasn't a ghost,
nor somebody obsessed by the fear of ageing, but the repairman.
Just a technician doing his job. That's all.
-Excuse me .
-He's watching me like a dog. It drives me crazy.
- . pm, public show of feminine conspiracy.
-Ow, you look tense, Georgette, you look tense.
Courage, it's not easy.
-Excuse me.
Is this yours? -Yes, but it's not me who .
-I know it's not you. Where can I find her ?
-She's at her father's.
It bothers me, I'd like to talk to you. I finish at .
Can you drop by ? -Sure.
-See you later.
-There you are, .pm. The trap is set.
-And the blond guy, with the camelhair jacket?
He's absent-minded too ? -What do you mean ?
-He also came back times.
. pm .
"Camelhair". . pm .
"Camelhair".
. pm . "Camelhair" . -Stop it!!!
My red patches are appearing, again. Look!
Mrs Suzanne, It starts again!! He's gonna drive me crazy!
-Don't start again!
-If she had a clear conscience she wouldn't be upset.
-I'm going home!
A psycho !! That's the limit!
-Georgette !
Are you done, suffocating them like that?
A woman needs space to breathe.
-Yes, and then, she goes elsewhere.
-It can be good sometimes!
-Oh you, the writing failure!
-Yes .writing failure, a failure .
I like this word: "failure".
That's human destiny. -He's getting pedantic!
Failure after failure, you make drafts and nothing more.
Life's only an endless repetition.
-Yeah, right! He didn't even come up with that himself!
-I do have ideas on my own, you know.
People always steal them from me. A bit like you with women.
-What does that mean?
-Maybe you should resign yourself.
-Mind your own business, you .
-Yes, what, eh ?!? -Stop it!
-What's going on here?
-Georgette wanted to go for a walk and Joseph makes a fuss.
-A walk, right!
Yes, like Gina and the guy with the plastic bag .
Hold on, I saw the whole process.
126

First the little note in the pocket


At .pm. So the guy comes back today and there you go !
They go for a walk.
-The problem is, you look nice to me.
-Which means?
-The more I like a guy, the less he's structured mentally.
I'd like to know more. -Ask me questions.
-What doesn't a swallow make?
-A swallow ?A summer.
-And clothes? -The man.
-When the cat's away . -The mice will play.
-Slow and steady . -Wins the race.
-A rolling stone . -Gathers no moss.
-He that will steal a penny . -Will steal a pound.
-Out of sight . -Out of mind.
-Not bad! -More ?
-I think that those who know the proverbs can't be bad persons.
-Oh, the pretty girl from the th floor !
I've got to tell you. Do you believe in miracles?
-Not today, no.
-You'll be surprised
Some mountaineers
on the Mont-Blanc discovered .
-Hi Lucien. Do you have yeast?
-Is it for Miss Amélie ? -Yes.
-She's cooking, right? Collignon, go fetch.
-Amélie ?Amélie ?
Amélie ?
*-Go to the bedroom, Miss Poulain.
All right .Amélie, my girl .
You don't have glass bones like me, you can knock against life
If you let this opportunity slip away,
then, as time goes by .
it's your heart that will become .
as dry and fragile
as my bones
So .
Go for it! For Christ's sake!
-I .
-Hey !
-To the International Airport
-Today's September it's o'clock in the morning
At the Trône Fair
the marshmallow-mixing machine mixes marshmallow.
At the same moment, at the La Villette garden Félix
L'Herbierdiscovers .
that the number of possible connexions in a human brain
is superior to the number of atomes in the universe. Meanwhile,
at the foot of the Sacré-Coeur, the Benedictines work on their backhand.
The temperature is ° C, the moisture content is °
and the atmospheric pressure millibar.

__
127

Ficha técnica do filme


Nome em Português: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
2001

Direção: Jean-Pierre Jeunet


Roteiro: Jean-Pierre Jeunet, Guillaume Laurant
Produção: Jean-Marc Deschamps
Produtoras: UGC, Victoire Productions, Tapioca Films, France 3 Cinéma, MMC Independent
Distribuição: UGC Fox Distribution (France)
Música: Yann Tiersen
Fotografia: Bruno Delbonnel
Edição: Céline Kelepikis
Direção de arte: Volker Schäfer
Figurino: Emma Lebail
Orçamento: 11 710 000 €1
País de origem: França, Alemanha
Língua Original: francês
Formato: CinemaScope - 2,35:1 - som Dolby - 35 mm
Gênero: comédia
Duração: 129 minutos
Classificação: Livre (França)

Audrey Tautou.... Amélie Poulain


Mathieu Kassovitz.... Nino Quincampoix
Rufus.... Raphael Poulain
Lorella Cravotta.... Amandine Poulain
Serge Merlin.... Dufayel
Jamel Debbouze.... Lucien
Claire Maurier.... Suzanne
Clotilde Mallet.... Gina
Isabelle Nanty.... Georgette
Dominique Pinon.... Joseph
Artus de Penguern.... Hipolito
Yolande Moreau.... Madeleine Wallace
Urbain Cancelier.... Collignon
Maurice Bénichou.... Dominique Bretodeau
Claude Perron.... Eva
Michel Robin.... Pai de Collignon
Flora Guiet.... Amélie Poulain - 6 anos
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Posters do Filme
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Partitura
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132
133

Sunday, 24 February, 2002, 21:46 GMT

Composer Tiersen serenades Amelie

Amélie has been a big international hit


By the BBC's Michael Hubbard

The success of the French film Amelie goes on and on. The film from director Jean-Pierre
Jeunet was last year's most popular cinematic release in France but it was also well-
received elsewhere. It was nominated for a Golden Globe in this year's best foreign
language film category and in the UK, it earned seven nods for the Bafta Awards. They
included a nomination for the film's soundtrack album, composed by multi-
instrumentalist Yann Tiersen.

Yann Tiersen's soundtrack has garnered the French composer new fans as well as critical
acclaim. A mix of chansons, specially written tracks and material culled from four of
Tiersen's previous albums, the completed work has brought Tiersen comparisons with
Michael Nyman at his best.

Jeunet, already famed outside France for Delicatessen and Alien:


Resurrection, heard Tiersen's music one day while driving and,
legend has it, immediately ordered the entire back catalogue of
his work.

He then asked Tiersen to compose the soundtrack for Amélie. The


composer recounts: "I was working on my last album L'Absente
and I told him I didn't have a lot of time.

"He started to search for material from my previous albums, then


I added some new tracks." The finished result featured
instruments as diverse as toy piano and typewriter. Tiersen Tiersen: Surprised by
success
explains how he came to complete the soundtrack and choose
appropriate instruments.

"For me it is like a game. Sometimes I can have a period where I have a favourite
instrument. I like vibes just now, for example. It is a bit of instinct. I try to see what
fits."

The success of Amelie was a surprise to Tiersen. He says: "Even in France we are
surprised when our work becomes successful. When you work on a project you just think
about it rather than commercial success."
134

Divine

The Amelie soundtrack missed out on a Golden Globe nomination, but he is clearly not
bothered.

"I don't like this kind of ceremony," he says. "People from the same universe deciding to
congratulate themselves is not such a good idea. It reminds me
of being in school."

Tiersen has been favourably compared with Michael Nyman, best


known for his score for the Jane Campion film The Piano.Being
called "the Gallic Michael Nyman" hasn't hurt him, but he'd rather
people did not make such statements.

"I like the early works of Michael Nyman," he says, "and the way
to approach classical matter with another energy, closer to a rock
band. But I don't think our music is very close."His name check of
musical influences features some rather more surprising artists.

In the early 1980s as a teenager he was influenced by the post- Neil Hannon: Considers
Tiersen as his collaborator of
punk culture of bands like The Stooges and Joy Division."I like
choice
the energy of their recordings and their approach to music," he
says. "It is very instinctive. They played music without care for
technique and gleaned pleasure from it."

Tiersen himself is noted for cutting across musical genres. But he


Jeunet: Ordered Tiersen's
says: "It is not my job to define my music. To keep the entire back catalogue
enthusiasm for creating, an artist should not care about genres."
135

Film locations: France

AMÉLIE (LE FABULEUX DESTIN D'AMÉLIE POULAIN), 2001

Most of the locations for Amelie can be found around Montmartre,Paris (Metro: Abbesses)

Visit: Cathedral Notre Dame de Paris

If you're in Montmartre, you can see the steep flight of steps and the bar from Ronin.

Amélie film location: the bluebottle: rue Saint Vincent, Montmartre, Paris

Jean-Pierre Jeunet, who made the studio-bound Delicatessen and City of Lost Children, films
on locations around the city of Paris, and risks jettisoning the darkness of those films to tread
the fine line between charmingly whimsical and the wincingly twee.

Amélie film location: Amélie’s mother is killed: Notre Dame, Paris

Jeunet just about manages to stay on the right side, setting the tone when Amélie’s mother is
killed by a tourist plummeting from the tower of Cathedral Notre Dame de Paris. He
turns Paris, and particularly Montmartre – the director’s home turf – into a brightly-coloured
fantasy (though you might be surprised to know that the interiors were shot in the studio
in Germany, in Cologne).
136

Amélie film location: Amelie's apartment: rue des Trois Freres, Montmartre, Paris

The film opens with a bluebottle buzzing along the charming, cobbled rue Saint Vincent,
running behind Sacre Coeur in Montmartre. Amélie's apartment and the grocery store can
also be found in Montmartre (close to the bar where Robert de Niro and crew meet up
in John Frankenheimer's Ronin).

Amélie film location: the greengrocer store: Au Marche de la Butte, Passage des Abbesses,
Montmartre, Paris And not far away is Métro Lamarck-Caulaincourt, the beautiful Metro
station with the double staircase, where the blind man experiences a moment of
transcendence as Amélie describes the mouthwatering sights of the bustling market on rue
Lamarck.

Amélie film location: Amélie describes the market to the blind man: Lamarck-Caulaincourt
Metro Station, Paris
137

Amélie (Audrey Tautou) searches for ‘Bretodeau’, to return his box of precious mementoes,
in a phone booth at the northern end of rue Mouffetard at rue Clovis, down in the Left Bank's
cosmopolitan Latin Quarter, not far from the Pantheon.

Amélie film location: Amélie returns the box of mementoes: La Verre a Pied, Rue Mouffetard,
Paris. The bar in which she overhears the result of her good deed is just to the south, Le
Verre a Pied, 118 bis rue Mouffetard.

Amélie film location: a sudden surge of love: Pont des Arts, Paris. She's imbued with a surge
of love and the desire to help mankind while crossing the wooden Pont des Arts, by
the Louvre (scene of the failed suicide attempt in Boudu Sauvé des Eaux, Jean Renoir's
1932 classic, remade by Hollywood as Down and Out in Beverly Hills). It’s also the spot
where Jason Bourne (Matt Damon) disappears at the end of The Bourne Identity.

Amélie film location: Amélie sees Nino's “Ou et quand?” posters: Line 6 Station of La Motte-
Picqet-Grenelle, Paris
138

Amélie sees Nino's “Ou et quand?” posters on the Line 6 Station of La Motte-Picqet-
Grenelle. She sets up a complicated assignation, involving following blue arrows, on the
steps in front of Sacre Coeur, dominating Montmartre, and solves the riddle of the mystery
man, who’s been leaving his photo everywhere, in the ticket hall of Gare de l’Est.

Amélie film location: the video store in which Nino works: Palace Video, Boulevard de Clichy,
Pigalle, Paris. Nino (Mathieu Kassovitz) works in Palace Video, 37 boulevard de Clichy, a
sex shop in the raunchy Pigalle district (where you’ll find the original, though rather
touristified, Moulin Rouge nightclub is still operating).

Amélie film location: Crème brulée: Café les Deux Moulins, Montmartre, Paris

But, of course, the location you really want to see is the lovely art deco cafe where Amélie
works, which is, surprisingly, real. It’s Café des Deux Moulins, 15 rue Lepicat rue Cauchois. It
can be a bit tricky to find. Rue Lepic winds down from Place du Tertre then seems to merge
into rue des Abbesses. In fact, the street turns sharply south, and the cafe is south of rue des
Abbesses. And, yes, you can sample the crème brulée here, which is now named after
Amélie
http://www.movie-locations.com/movies/a/amelie.html
139

Email de Juarez Machado para o autor

from: Juarez Machado juarezmachado@yahoo.fr

to: Patrick Diener <contato@patrickdiener.com>

date: Tue, Nov 23, 2010 at 6:44 PM

subject: Re : Trabalho sobre obras

Caro Patrick, acabo de chegar ao Brasil, vim para passar minha temporada Brasileira.
Em paris não deixe de passar em minha galeria, 22 Rue de Seine, em Saint German Des
Pres, GALERIE VALMAY estou expondo uma bela mostra, " Autour de la table".
Va' ate' Montmartre, desça na estação BLANCHE, ao sair na rua olhe a sua direita e veja
o Moulin Rouge, ao lado tem a Rue Leppic, suba ate' encontrar o bistro e bar "Les deux Moulin". Esta
no lado esquerdo da rua. E' o bar onde foi filmado Amélie Poulin, entre no bar peça "un verre de
Boujollais Noveau" Olhe no fundo do bar e vera' o cartaz original do filme
ao lado o anão de jardim que viajava o mundo do pai da Amélie. Tire fotos,se emocione,
chore, termine o vinho e sai do bar continuando a subir a rua. No final da rua Leppic, vire a direita,
voce estara' na Rue des Abbesses, ande pela calçada da esquerda ate' a Rue Burq,
pare, olhe para sua direita, um predio todo de grandes janelas N°55 e' meu atelier e residencia, tire
mais fotos e se emocione mais ainda. Continue andando pela calçada da esquerda ate'
a proxima esquina, suba, suba, suba, meio em diagonal ( em direção a 1 hora do relógio)
ate' chegar no topo da colina de Montmartre onde esta a Basilica de Sacre Couer, entao voce tera'
Paris aos seus pés... mais fotos e chore para valer.
Abraço e boa viagem, depois você me conta.
Juarez Machado

DSCF8281.jpg
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--- En date de : Mar 23.11.10, Patrick Diener <contato@patrickdiener.com> a écrit :

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