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Universidade Federal de Juiz de Fora

Faculdade de Engenharia
Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Geórgia de Souza Oliveira

REQUALIFICAÇÃO DA SEDE DA COMPANHIA PANTALEONE


ARCURI:
Um resgate à memória industrial de Juiz de Fora

Monografia apresentada ao curso de Arquitetura e


Urbanismo, da Faculdade de Engenharia, da
Universidade Federal de Juiz de Fora, como
requisito parcial para conclusão da disciplina
Trabalho Final de Graduação I.

Orientador: Prof. Mônica Olender

Juiz de Fora
Setembro/2013

1
Dedico este trabalho à Deus, força maior que
sempre me ilumina na conquista de meus
objetivos, aos meus pais e meu irmão querido,
que sempre acreditaram em mim, confiando e
apoiando-me incondicionalmente.

2
Agradecimentos

Agradeço, primeiramente à Mônica Olender, minha orientadora que em muito


contribuiu para que eu pudesse concluir este trabalho com qualidade e maior
aprofundamento do tema. Sua motivação certamente me auxiliou a conduzir da melhor
forma este estudo e, os conhecimentos por mim adquiridos nesta experiência, serão
refletidos em minha vida profissional.

Agradeço também às minhas queridas amigas, Aline Dias, Patrícia Thevenet, Flávia
Ávila e Sidilaine Menezes, pelo companheirismo e momentos de descontração. Amizades
de faculdade que sem dúvida serão levadas pela vida.

Com carinho quero também lembrar dos queridos Steves Rocha e Otávio Starling.
Valeu pelas boas risadas!

Especialmente, aos meus pais, pela oportunidade para que eu me mudasse para Juiz
de Fora e pudesse concretizar meu sonho de me graduar Arquiteta e Urbanista! Também
agradeço ao meu irmão Vinícius, companheiro e amigo, sempre seguindo comigo este
caminho.

Por fim, quero agradecer aos trabalhadores da AMAC, dos diversos setores que
ocupam hoje o edifício objeto de estudo deste trabalho. Sempre atenciosos, me recebiam
de braços abertos nas inúmeras visitas que fiz ao bem.

Graduar-se em Arquitetura e Urbanismo exige dedicação e determinação, em


especial a conclusão de um Trabalho Final de Graduação, portanto, considero muito o
apoio e carinho de todos aqueles que em algum momento ou de alguma forma me
auxiliaram nesta trajetória.

3
“O ladrilho hidráulico é um elemento que
marca Juiz de Fora; infelizmente, hoje, mais
presente nas nossas memórias que na nossa
paisagem urbana. Nas primeiras décadas do
século XX revestia a maioria das calçadas do
nosso núcleo urbano. Devemos a Pantaleone
Arcuri e à sua firma o sucesso deste revestimento
em nosso município.” (OLENDER, Marcos)

4
Resumo
Em 1720, é aberta uma via destinada ao escoamento do ouro produzido nas Minas
Gerais até o porto do Rio de Janeiro. Surgia o “Caminho Novo”_uma das estradas da
Coroa portuguesa_ que induziu a ocupação ao longo de seu leito, originando diversos
povoados, um deles, o de Santo Antônio do Paraibuna, atual Juiz de Fora.

Já no século XIX, o crescimento da cidade é promovido pela produção cafeeira, que


se intensificou com a construção da estrada União e Indústria, em 1853, por Mariano
Procópio Ferreira Lage.

A facilidade de transporte foi um dos fatores que permitiram o desenvolvimento de


atividades industriais e de serviços na cidade que, a partir de 1880, se acentuam.

Em 1921, Juiz de Fora chega a dispor de 107 indústrias, destacando-se como


entreposto político, comercial e de produção, recebendo então o título de “Manchester
Mineira”.

Neste cenário, destacou-se a Companhia construtora de Pantaleone Arcuri, ícone da


construção civil na cidade e representante de um período de prosperidade econômica e
fervor cultural.

Este imigrante italiano chega ao Brasil e, de servente de pedreiro, veio a tornar-se


empresário, consolidando uma empresa de sucesso que inicia suas atividades por volta de
1895, influenciando fortemente a construção da paisagem urbana de Juiz de Fora.

As famosas “cúpulas de ardósia” e os fascinantes ladrilhos hidráulicos, materiais


produzidos pela firma, eram sua marca registrada.

Devido a inúmeros fatores que se acumulam durante décadas, a Companhia


Pantaleone Arcuri encerra suas atividades no início dos anos 80 do século XX.

O edifício encontra-se em bom estado de conservação, logo, a intenção é oferecer


maior conforto aos usuários e implantar usos complementares, que irão facilitar o contato
da população juizforana com a história da atuação e produção da Companhia.

Exemplar de patrimônio industrial de Juiz de Fora, a sede da antiga Companhia


Pantaleone Arcuri é protegida legalmente a nível municipal desde 1988 e, por ser um bem

5
possuidor de valor histórico, cultural e artístico, é tema deste trabalho, que visa apontar
diretrizes para a requalificação do mesmo.

Palavras-chave

Patrimônio industrial. Requalificação. Pantaleone Arcuri.

6
Sumário

1. Introdução .................................................................................................................................. 9
1.1. Apresentação ..................................................................................................................... 9
1.2. Objetivos gerais ................................................................................................................ 11
1.3. Método ............................................................................................................................. 12
2. Identificação e Conhecimento do Bem .................................................................................... 15
2.1. Contextualização Histórica ............................................................................................... 15
2.1.1. Introdução ................................................................................................................ 15
2.1.2. Apogeu Industrial: Juiz de Fora, a “Manchester Mineira” ....................................... 16
2.1.3. A imigração italiana em Juiz de Fora ........................................................................ 17
2.1.4. A Cia. Pantaleone Arcuri e a sua influência na paisagem de Juiz de Fora ................ 18
a. A trajetória de Pantaleone Arcuri e da sua companhia construtora ............................... 18
a.2. Fase 2: Companhia Pantaleone Arcuri, Timponi & Cia. ............................................. 22
a.3. Fase 3: Companhia Pantaleone Arcuri e Spinelli ....................................................... 23
a.4. A trajetória de Raphael Arcuri ................................................................................... 27
a.5. A trajetória de Arthur Arcuri ..................................................................................... 32
b. Produção da Companhia .................................................................................................. 33
b.1. As incríveis “cúpulas de ardósia” .............................................................................. 33
b.2. Os fascinantes ladrilhos hidráulicos .......................................................................... 34
b.3. O projeto para a nova sede da Companhia Pantaleone Arcuri ................................. 38
b.3.1. Características arquitetônicas e artísticas.......................................................... 38
b.4. Principais alterações realizadas na edificação .......................................................... 43
b.5. Declínio do grande ícone da construção civil em Juiz de Fora .................................. 44
b.6. Situação do bem pós-venda ...................................................................................... 45
2.1.5. A sede da Companhia como patrimônio cultural e industrial de Juiz de Fora ......... 47
a. Setor Histórico da Praça Antônio Carlos (contextualização, perímetro de tombamento
e sua relação social, política, urbana e paisagística com a sede)......................................... 47
b. Importância histórico-cultural da sede da Cia. ............................................................ 50
b.1. O patrimônio industrial ............................................................................................. 50
b.2. O tombamento da sede ............................................................................................ 51
b.3. O papel da antiga sede no contexto atual de Juiz de Fora........................................ 51
2.2. Contextualização Urbana e Paisagística ........................................................................... 54
3. Diagnóstico ............................................................................................................................... 61
4. Posturas iniciais de Intervenção............................................................................................... 69

7
4.1. Posturas gerais para intervenção no edifício-sede da Cia. Pantaleone Arcuri ................ 69
4.2. Posturas gerais para intervenção no entorno .................................................................. 71
5. Conclusão ................................................................................................................................. 73
6. Bibliografia ............................................................................................................................... 75
7. Anexos ...................................................................................................................................... 77
7.1. Entrevistas ........................................................................................................................ 77
7.2. Proposta para uma nova delimitação do perímetro de tombamento e do entorno do
Conjunto da Praça Antônio Carlos ............................................................................................... 78
7.3. Decreto de Tombamento da Sede ................................................................................... 80
7.4. Fichas Fotográficas e Desenhos gerais ............................................................................. 82

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1. Introdução

1.1. Apresentação

O objeto do presente estudo é o edifício da antiga sede da Cia. Pantalone Arcuri,


ícone da indústria da construção civil em Juiz de Fora. Localizado na confluência da Praça
Antônio Carlos com a avenida Getúlio Vargas e rua Espírito Santo, já abrigou a parte
comercial e de escritórios da firma, além da própria residência da família Arcuri e um
hotel.

O edifício da sede faz parte dos imóveis que compõem o Conjunto Histórico da Praça Antônio Carlos.
Na
Figura 1 o perímetro de tombamento do conjunto está delimitado e os bens a ele
pertencentes destacados: instalações da CEMIG (1), Villa Operária (2), Villa Iracema (3),
Escola Normal (4), Espaço Mascarenhas (5), 4º Depósito de Suprimento_DeSup (6 e 7),
12º Circunscrição de Serviço Militar_CSM (8) e o edifício sede da Pantaleone Arcuri (9).
Mais adiante, este perímetro de tombamento será melhor detalhado.

Figura 1. Imóveis pertencentes ao Conjunto Paisagístico da Praça Antônio Carlos.


Fonte: Google Earth (adaptado). Data: 30/05/ 2013.
LEGENDA:
Em amarelo- Perímetro de tombamento do Conjunto Paisagístico da Praça Antônio Carlos
Em vermelho- Edifícios que compõe o conjunto

9
Seta- destaca o edifício da sede
Na Figura 2, temos a localização do bem em estudo com destaque para as avenidas
Rio Branco, Presidente Itamar Franco e Getúlio Vargas e rua Espírito Santo (onde localiza-
se o edifício da sede e demais remanescentes da Cia. Pantaleone Arcuri).

Figura 2. Localização do edifício sede da Pantaleone Arcuri.


Fonte: Google Earth (adaptado). Data:30/05/2013.

Atualmente funcionam no edifício alguns serviços vinculados à Associação


Municipal de Apoio Comunitário_ AMAC, que tem como objetivo a proteção e inclusão
social. Lá são desenvolvidas as atividades do projeto “Menina Artesã” e do Programa
Municipal de Atendimento ao Adolescente_PROMAD nos pavimentos térreo e
intermediário; o Centro de Referência de Assistência Social_CRAS e o Centro de
Referência Especializado de Assistência Social_CREAS idoso/mulher, funcionam no
pavimento térreo; o projeto “Pequeno Artista” (na parte onde residiu a família Arcuri, no
pavimento superior), e o depósito geral da AMAC (na parte onde funcionava o hotel),
estão locados no pavimento superior.

A escolha deste edifício como objeto de estudo para meu trabalho de conclusão de
curso justifica-se pela relevância histórica e cultural deste bem, sendo um representante da
atuação dos Arcuri em Juiz de Fora, podendo ser considerado patrimônio industrial.

10
Foi durante o desenvolvimento de um trabalho proposto na disciplina de Técnicas
Retrospectivas II, no segundo semestre de 2012, que eu percebi a importância do resgate
desta memória para a cidade. O projeto então desenvolvido foi a intervenção em um dos
edifícios remanescentes do complexo da Pantaleone Arcuri, onde funciona hoje o “Centro
de Convivência do Idoso”.

Espero com este trabalho poder reafirmar e destacar o valor imaterial presente neste
bem, que narra e evoca a fase do pioneirismo da Cia. Pantaleone no ramo da construção
civil e toda sua contribuição para a cidade de Juiz de Fora. Ladrilhos e telhas de “cimianto”
ainda hoje podem ser vistos em algumas edificações ou até mesmo em espaços públicos,
materiais estes representantes de um momento cultural intenso na cidade.

Estes materiais construtivos eram fabricados pela Cia. Pantaleone Arcuri e tornam-
se a marca registrada da mesma. A história de Juiz de Fora e a atuação da Cia. estão
estreitamente relacionadas e, através deste trabalho, pretendo resgatar esta memória
cultural. Os ladrilhos hidráulicos serão utilizados como inspiração para a proposta de
requalificação do edifício sede, que busca recuperar, além dos aspectos físicos, a
imaterialidade presente na produção destes materiais.

1.2.Objetivos gerais

A seguir estão listados os objetivos geral e específicos traçados para o


desenvolvimento deste trabalho:

Geral

- Elaborar um projeto de arquitetura que permita requalificar o bem, contribuindo


para sua preservação e conforto dos usuários.

Específicos

- Devolver à sociedade juizforana um ícone da construção civil, representante de


um “saber fazer” trazido pelos imigrantes italianos relacionado ao conhecimento e modo
de trabalho no ramo da construção, além das técnicas para produção de materiais, como os
ladrilhos hidráulicos, feitos artesanalmente;

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- Contribuir para o resgate da memória de um período de prosperidade econômica
da cidade e produção cultural intensa, permitindo uma maior apropriação do edifício pela
população através do uso que para ele será proposto;

- Analisar o papel do edifício hoje, no contexto em que se encontra inserido,


verificando se o uso atual é compatível com as suas capacidades (estrutural, arquitetônica,
paisagística, urbanística, histórica e imaterial), se contribui para manutenção do edifício e
se exalta sua relevância cultural e artística;

- Promover a difusão do uso dos ladrilhos hidráulicos, resgatando a memória


afetiva e cultural de Juiz de Fora, seja em escala arquitetônica ou urbana, através da
instalação de uma oficina de ladrilhos hidráulicos no edifício sede;

- Resgatar a história da Cia. Pantaleone Arcuri, através da instalação de um


memorial na sede.

- Promover uma revisão do limite de tombamento do Conjunto Histórico da Praça


Antônio Carlos, de modo que sua ampliação venha a incluir edifícios histórico-culturais de
fundamental relevância para o período de desenvolvimento industrial de Juiz de Fora e
que, no atual limite de conformação do Conjunto foram desconsiderados;

- Promover a revitalização do Conjunto Paisagístico da Praça Antônio Carlos, além


da requalificação do bairro, entorno imediato ao edifício sede;

- Ampliar o sentido do tombamento da sede presente no processo, que se justifica


não só pelos valores arquitetônicos, mas também pelos valores imateriais para a sociedade
juizforana.

1.3.Método

Para atingir os objetivos do presente trabalho, o mesmo foi desenvolvido em duas


fases, Trabalho Final de Graduação I_TFG I e Trabalho Final de Graduação II_TFG II,
seguindo como referência as etapas de projeto propostas pelo Manual de Elaboração de
Projetos do Programa Monumenta1. São elas:

- Identificação e Conhecimento do Bem;

1
Manual de Elaboração de Projetos: Programa Monumenta. Brasília, 2005.

12
- Diagnóstico;

- Proposta de intervenção.

Ao TFG I correspondem as etapas de Identificação e Conhecimento do Bem


(abordadas no capítulo 2) e Diagnóstico (abordada no capítulo 3). A partir daí, reunidas
todas as informações e análises necessárias seguirá a segunda etapa, o TFG II, quando
então será abordada a Proposta de Intervenção que, por conta das limitações naturais de um
projeto acadêmico como este, não abordará o Projeto Executivo, mas somente o Estudo
Preliminar e o Projeto Básico.

Durante a fase de Identificação e Conhecimento do Bem, foram levantados dados


do ponto de vista histórico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, artístico, social e
técnico, abordando não só o edifício, mas também o contexto em que se localiza.

Para tanto, foram utilizadas diversas ferramentas, como a pesquisa in loco feita com
transeuntes, moradores e pessoas que trabalham no local, as entrevistas com Márcio Arcuri
(neto de Raphael Arcuri) e com a arquiteta Adriana Stephan Bragagnolo que, no ano de
1997, também desenvolveu seu TFG com o mesmo tema, no âmbito do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A pesquisa histórico-documental e iconográfica ocorreu mediante consulta a uma


bibliografia diversa, que registra o período de formação da Cia., do seu apogeu ao declínio.

As plantas originais não foram localizadas, sendo então usado como base para o
desenvolvimento deste trabalho, o levantamento realizado pelo Programa de Estudos e
Revitalização da Memória Arquitetônica e Artística_PERMEAR. Ao compararmos as
plantas fornecidas pelo PERMEAR, podemos observar algumas adaptações feitas no
edifício, ao longo do tempo. Estas alterações serão descritas no capítulo 2.

A fase de pesquisa histórica revela as transformações do ambiente urbano até os


dias atuais cuja situação foi registrada por meio de um levantamento do entorno do
complexo da Cia. As informações obtidas geraram mapas temáticos sobre usos, gabaritos,
vias, fluxos, equipamentos públicos e sistema de espaços (públicos/verdes). Os dados da
pesquisa histórica e a análise do espaço nos permitem compreender a relação do edifício
com o entorno.

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Os Processos de Tombamento do bem e da Praça Antônio Carlos foram consultados
para se conhecer o grau de proteção, além, é claro, de serem mais uma fonte de pesquisa e
conhecimento das transformações ocorridas, ao longo do tempo, no bem e na região em
que o mesmo se encontra inserido. O Plano Diretor também foi instrumento de pesquisa
para identificar os usos que ali são permitidos pelo zoneamento municipal.

Durante a fase de conferência do levantamento arquitetônico existente em relação à


situação atual do imóvel, foram conhecidos o sistema construtivo e materiais empregados
no edifício sede. Diversos elementos foram levantados: fachadas, ornamentos, estrutura,
vedações, revestimentos e pinturas das paredes, cobertura e beirais, forros, pisos, escadas,
esquadrias e as instalações hidráulica, elétrica, de rede (telefonia, internet) e de incêndio.
Sempre que possível, as medidas físicas foram tomadas ou conferidas, cuidando sempre
para o uso de métodos específicos de levantamento de bens imóveis possuidores de valor
cultural visando obter maior precisão possível nos resultados.

Com o levantamento fotográfico ficaram registrados todos os elementos citados


anteriormente e o material gerado foi reunido e organizado, compondo as fichas
fotográficas.

Após reunir todas as informações necessárias para conhecimento do bem, foi


possível elaborar o diagnóstico sobre seu estado de conservação.

Estas informações foram registradas por meio de um mapeamento de danos e da


análise do estado de conservação. Identificadas as possíveis causas que geraram as
patologias encontradas, as propostas para combatê-las de modo que não reincidam serão
elaboradas no TFG II.

14
2. Identificação e Conhecimento do Bem

2.1.Contextualização Histórica

2.1.1. Introdução

Juiz de Fora nasceu às margens do Rio Paraibuna e do “Caminho Novo”, via aberta
em 1720 para ligar Minas Gerais ao porto do Rio de Janeiro. As terras no entorno do rio
foram parceladas e concedidas através de sesmarias, induzindo à ocupação do povoado de
Santo Antônio do Paraibuna (atual cidade de Juiz de Fora).

Se no século XVIII o desenvolvimento da região foi promovido pela produção


aurífera, no século XIX são os barões de café os responsáveis pelo crescimento da cidade,
que intensificou-se com a construção da estrada União e Indústria, por Mariano Procópio
Ferreira Lage, no ano de 1853.

Figura 3. Estrada União e Indústria.


Fonte: ESTEVES, Albino. Álbum do Município.

A estrada servia à escoação cafeeira produzida em Minas Gerais, e coloca Juiz de


Fora em posição de destaque como grande entreposto cafeeiro do estado. Sua construção
contou com a mão-de-obra da imigração alemã, cujo assentamento em terras juizforanas se

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deu em colônias: a chamada de cima, que abrange o atual bairro São Pedro; a do meio,
correspondente ao bairro Borboleta e a de baixo, conformada por parte das terras ocupadas,
hoje, pelos bairros Fábrica e Mariano Procópio.

2.1.2. Apogeu Industrial: Juiz de Fora, a “Manchester Mineira”

A partir de 1880, acentuam-se as atividades industriais e de serviços, que contavam


com a mão de obra dos imigrantes alemães e italianos, tendo os últimos presença mais
significativa na cidade. A industrialização demandava obras públicas e privadas, trazendo
significativas transformações em vários aspectos da cidade. Com o crescimento industrial,
veio também o crescimento demográfico e a proliferação de epidemias, como ocorreu em
1889.

Fatores diversos como a localização, a facilidade de transporte, a base econômica, o


café, o fornecimento de energia elétrica, além da disponibilidade de mão-de-obra
(principalmente com a chegada dos italianos), possibilitaram que Juiz de Fora se
destacasse como importante entreposto comercial, de produção e político, conferindo à
cidade o título de “Manchester Mineira”. Tal denominação é referência à famosa cidade
industrial da Inglaterra, Manchester, grande centro industrial e econômico do país.

Em 1911, Juiz de Fora dispunha de 58 indústrias e, em 1921, este número chega a


107. Os setores que mais se desenvolveram foram a indústria têxtil, seguida da alimentícia.
Somados a estes setores, as indústrias do ramo de bebidas, vestuário, calçados, cerâmicas
entre outras contribuíram para colocar Juiz de Fora como o principal centro urbano de
Minas Gerais.

A mão-de-obra operária das fábricas da cidade era nacional e estrangeira. Estes


trabalhadores eram ex- escravos, camponeses empobrecidos, os imigrantes italianos,
alguns portugueses e os descendentes de colonos alemães.

Destacaram-se na cidade a Tecelagem de Bernardo Mascarenhas (Figura 4), a


Fiação e Tecelagem Industrial Mineira (“Fábrica dos Ingleses”), a Fiação e Tecelagem
Antônio Meurer e a Cia. Industrial Pantaleone Arcuri (Figura 5), as duas últimas
representando a trajetória de sucesso de imigrantes alemães e italianos, respectivamente.

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Figura 4. Tecelagem Bernardo Mascarenhas. Figura 5. Cia. Pantaleone Arcuri.
Fonte: (Olender, 2011, p. 56). Fonte: (Olender, 2011, p. 241).
A indústria, além do desenvolvimento, trouxe para Juiz de Fora o “espírito do modo
de viver europeu”, com reflexos nos jornais, colégios e atividades culturais da cidade, que
aconteciam nos teatros e cinemas.

Por volta de 1930, no final da Primeira República, começa o declínio industrial de


Juiz de Fora. Contribuiram para este fato a ausência de capitais para novos investimentos e
de infra-estrutura urbana, como água e saneamento, além da insuficiência no fornecimento
de energia e rede de transportes obsoleta. Curiosamente, estes dois últimos itens que, no
período de apogeu industrial foram condicionantes favoráveis, neste momento colocam-se
como entraves, na medida em que eram insuficientes para atender ao crescente número de
indústrias da cidade.

2.1.3. A imigração italiana em Juiz de Fora

Com a abolição da escravatura no Brasil em 1888, a imigração dos europeus para


nosso país passou a ser incentivada e intensifica-se ao longo do tempo2.

O principal destino dos imigrantes italianos recém chegados era o porto da cidade
de São Paulo, onde muitos se fixaram e outros seguiram rumo à outras cidades. A cidade
do Rio de Janeiro também recebia levas de imigrantes vindos da Itália3, (fato esse de
fundamental importância para o presente estudo porque, foi em uma delas que aportou a
família Arcuri) muitos deles pedreiros e carpinteiros.

2
Na década de 50 chegaram ao Brasil só 24 imigrantes; na primeira década pós-unificação da
Itália (1861) chegam 4916. Estes números progressivamente vão aumentando, até que na década
de 70 (do século XIX) chegam 47100 imigrantes. (OLENDER, 2011).
3
De acordo com relatório Carlos Prates, de 1894 a 1897 desembarcam em nosso país 70.817
imigrantes. Destes, 65.153 eram italianos. (OLENDER, 2011).

17
Juiz de Fora era um centro de interesse que também atraia os imigrantes. Os que
vieram da região dos Arcuri para o Brasil foram motivados pelos seguintes fatores:

- O crescimento demográfico que quase dobrou a população de 1810 para 1860;

- Conflitos na questão fundiária que colocavam em atrito os grandes proprietários e a


massa de agricultores, colonos, artesãos e até pequenos proprietários.

2.1.4. A Cia. Pantaleone Arcuri e a sua influência na paisagem de Juiz de Fora

Começaremos agora a narrar a história do imigrante italiano que se destacou na


cidade no ramo da construção civil: Pantaleone Arcuri. Ele vai de servente à empresário,
construindo um verdadeiro império a partir da atuação da sua companhia construtora na
paisagem urbana de Juiz de Fora, através da elaboração de projetos e da construção de
edifícios emblemáticos, que resistem ainda nos dias de hoje.

A Cia. destacou-se no período de fervor econômico da cidade e, sem dúvida,


contribuiu para este momento de prosperidade e desenvolvimento cultural.

Os ladrilhos hidráulicos produzidos pela Cia. Pantaleone Arcuri povoavam


principalmente pisos de espaços públicos e privados da cidade, agregando valor cultural
com sua riqueza ornamental. As “cúpulas de ardósia” também são uma marca da Cia. e
resistem ainda hoje nos torreões de algumas edificações (na verdade, estas cúpulas com
telhas “escamadas” eram feitas de telhas de cimento amianto).

A seguir, para se entender mais pormenorizadamente a própria criação e atuação da


companhia construtora de Pantaleone Arcuri e sua influência no cenário juizforano,
considerou-se interessante abordar, mesmo que resumidamente, a biografia de Pantaleone e
de seu filho Raphael, principais responsáveis pelo crescimento e atuação da empresa entre
os anos de 1895 e início da década de 80 (que refletem, respectivamente, sua criação e
declínio).

a. A trajetória de Pantaleone Arcuri e da sua companhia construtora

Pantaleone nasceu na cidade de Sant’ Agata d’ Esaro em 24 de Agosto de 1867.


Sua mãe, Rosalia Guaglionone, morreu logo após seu nascimento. A chegada de
Pantaleone com seu pai ao Brasil ocorreu no momento em que havia o primeiro

18
movimento de imigração em massa da Itália para o país, na década de 70, mas sua
permanência foi curta nesse momento.

Seu pai, Angelo Raffaele estava sobrecarregado com o trabalho pesado e não
conseguia dedicar-se ao seu único filho. Raffaele decide então retornar à Itália, deixando
Pantaleone com parentes em sua cidade natal. O menino fica então aos cuidados de uma
tia, casada com o tio de Christina Spinelli, que viria a se tornar sua esposa.

Pantaleone permanece por 11 anos em Santa Ágata d’Esaro, aprendendo o ofício do


pai, que era mestre pedreiro. Aos 20 anos, retorna e desembarca no porto da cidade do Rio
de Janeiro em 1887, onde fica por pouco tempo, seguindo para a cidade de Valença_RJ,
onde conseguira trabalho como pedreiro. Em seguida vai para Rio Preto_MG, onde
trabalhou como servente de pedreiro. Percebendo que a cidade era pequena e não oferecia
condições para seu crescimento profissional, vem para Juiz de Fora acompanhado de
outros italianos. Ali, ele encontra muitos patrícios e conhece o mestre de obras Camilo
Gomes, que lhe oferece seu primeiro emprego: pedreiro na construção de um edificio na
Avenida Rio Branco.

Dois motivos justificam a vinda de Pantaleone a Juiz de Fora:

- A forte presença de imigrantes italianos e, entre eles, familiares e conhecidos de


sua cidade natal;

- Forte desenvolvimento industrial e urbano com consequente aumento das


oportunidades no ramo da construção civil.

Em 2 de abril de 1891, Pantaleone Arcuri casa-se com Cristina Spinelli. Logo após
o casamento eles retornam à Sant’ Agata d’ Esaro, na Itália. Em 27 de dezembro de 1891,
Christina da à luz a Raphael Arcuri, o primogênito da família. Pantaleone retorna ao Brasil
em 1892 e sua mulher permanece na Itália com Raphael por mais 5 anos, retornando ao
Brasil após este período.

Pantaleone construiu sua carreira aos poucos. Foi servente, pedreiro, encarregado,
mestre de obras e percebe então que, apesar de não possuir formação acadêmica, tinha o
dom para trabalhar em obras e era também ótimo comerciante, o que o estimula a montar
uma pequena empresa. À medida que os negócios cresceram, Pantaleone associa-se à
Timponi, seu concunhado, e montam uma empreiteira, em 1895.

19
a.1. Fase 1: Companhia Pantaleone Arcuri e Timponi

Figura 6. As instalações da Companhia Pantaleone Arcuri (imagem ilustrativa).


Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.
O primeiro escritório da firma “Pantaleone Arcuri & Timponi” ficava na esquina da
rua Santa Rita com a antiga rua do Imperador, atual Avenida Getúlio Vargas.

Pantaleone era muito visionário. Rapidamente ele percebe que poderia fabricar os
materiais que poderiam ser utilizados para a execução de suas próprias obras ou vendidos
para terceiros. Desde 1895, a companhia monta uma serraria para a fabricação de
esquadrias, guarnições, carroças entre outros produtos.

Figura 7. Oficina. Figura 8. Serraria.


Fonte: Arquivo histórico da UFJF. Fonte: Arquivo histórico da UFJF.
Com a intenção de captar mão-de-obra para trabalhar em sua fábrica, Pantaleone
fazia um acordo com os imigrantes italianos, que teriam abrigo na cidade e, para tanto, foi
construída a Villa Operária.

20
Em 1896, a firma Pantaleone & Timponi vence sua primeira concorrência pública.
Eles constroem então o novo muro para a cadeia de Juiz de Fora.

Em 1898 toda firma transfere-se para a Rua Espírito Santo, segundo consta no
Processo de Tombamento da Sede:

A firma “Pantaleone e Timponi” foi instalada no lado direito da


rua Espírito Santo, em um terreno adquirido de Cústodio da Silveira
Tristão, em 1896... Neste terreno Pantaleone e Timponi construíram suas
casas; entre elas havia um portão que dava acesso às oficinas de
carpintaria e serraria localizadas nos fundos... (Processo de Tombamento
das antigas instalações da Companhia Industrial e Construtora Pantaleone
Arcuri. Juiz de Fora: FUNALFA/DIPAC, 1988).

Na Figura 9 e na Figura 10, pode-se observar o edifício que abrigava as oficinas e


lojas da Cia. Com fachada imponente em forma de pórtico, localizava-se entre a Villa
Operária e o Castelinho da CEMIG.

Este edifício foi demolido, ficando como remanescente deste período apenas a Villa (
Figura 11).

Figura 9. À esquerda, edifício da Pantaleone. Figura 10. Grupo de operários da firma.


Fonte: Arquivo histórico da UFJF. Fonte: Arquivo histórico da UFJF.

21
Figura 11. Villa Operária. Fonte: Processo de Figura 12. Villa Operária.
Tombamento da Villa Operária. Juiz de Fora: Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 09/01/13.
FUNALFA/DIPAC.
A instalação da firma de Pantaleone nesta região da cidade era estratégica por
diversos pontos:

- Nesta área imediata à Rua Espírito Santo localizavam-se as principais fábricas do


município, havendo, por isso, grande concentração comercial e disponibilidade de mão-de-
obra;

- Proximidade ao transporte ferroviário;

- Baixo custo em função de ser um local sujeito às inundações do Rio Paraibuna;

-Proximidade da usina geradora de energia4.

Ainda em 1898, o barbeiro José Spinelli, também da cidade de Sant’Agata, associa-


se ao seu cunhado Pantaleone e a Timponi. A firma passa então a denominar-se Pantaleone
Arcuri , Timponi & Cia.

a.2. Fase 2: Companhia Pantaleone Arcuri, Timponi & Cia.

A sociedade entre os três empresários durou pouco, pois em 1900, Pedro Timponi a
desfaz e a firma passa então a chamar-se Pantaleone Arcuri & Spinelli.

Nessa fase 2, temos a primeira obra executada por Pantaleone, em 1899. Foi a
reconstrução da fachada e alguns cômodos da loja de armas dos Irmãos Grippi, localizada
à Rua Halfeld, 143.

4
“Primeira Usina hidrelétrica da América do Sul inaugurada em 1889, foi construída por iniciativa
de Bernardo Mascarenhas que desejava utilizar energia hidrelétrica em sua fábrica (Companhia
Têxtil Bernardo Mascarenhas) e na iluminação da cidade” (Disponível em
<www.pjf.mg.gov.br/patrimonio/usina_marmelos.htm>. Acessada em 20 de julho de 2013).

22
a.3. Fase 3: Companhia Pantaleone Arcuri e Spinelli

Figura 13. A família Arcuri em um passeio, com caminhão da firma (primeiros anos da década de 10
do século XX). Em destaque, Raphael Arcuri.
Fonte: (Olender, 2011, p. 25).
A associação de Pantaleone e Spinelli foi muito vantajosa, pois o último possuia
noções de contabilidade e ambos tinham “temperamentos” mais parecidos, evitando-se
desentendimentos como ocorrera com Timponi.

A firma comercializava produtos diversos, como tubos para água e esgoto,


isoladores e placas para eletricidade, chaminés para forjas, caldeiras, fogões, fornos, placas
para paredes e tetos, vasos para flores, geladeiras entre outros artigos.

Começa nesta fase uma de suas maiores empreitadas: a firma ganha a concorrência
para a reforma do Parque Halfeld, tanto para a elaboração do projeto (feita pelo técnico da
Cia., Salvatore Notarroberto) quanto para a execução da obra.

Outro serviço feito pela firma de Pantaleone nesse período foi o projeto e a
execução da obra da nova sede do colégio Granbery, inaugurada em 1904.

23
Figura 15. Obra concluída.
Fonte: (Olender, 2011, p.140).
Figura 14. O colégio Granbery em construção.
Fonte: (Olender, 2011, p. 140).

Já em 1905, inaugurava-se a Igreja do Rosário, projetada e construída pela firma


Pantaleone Arcuri & Spinelli. Os pisos da Igreja ainda exibem os ladrilhos hidráulicos de
cores diversas e mosaicos fabricados pela própria construtora.

Figura 16. Piso da nave da Igreja. Figura 17. Detalhe do piso onde nota-se em um
Fonte: (Olender, 2011, p. 64). dos ladrilhos a abreviatura da Fábrica
Pantaleone Arcuri & Spinelli.
Fonte: (Olender, 2011, p. 77).
Ainda em 1905, a Cia. adquire uma prensa hidráulica para aumentar a fabricação
dos ladrilhos. A aquisição deste maquinário conferiu caráter industrial à produção da firma,
que sai então da escala artesanal, cuja quantidade diária produzida era menor, para uma
produção em massa.

24
Figura 18. Interior da fábrica, já com uma 2ª Figura 19. Fábrica.
prensa hidráulica, adquirida no ano seguinte Fonte: (Olender, 2011, p. 65).
àinauguração.
Fonte: (Olender, 2011, p.65).

Figura 20. Fábrica de telhas e tubos cimiantos nos galpões, 1907.


Fonte: Processo de Tombamento das antigas instalações da Companhia Industrial e Construtora
Pantaleone Arcuri. Juiz de Fora: FUNALFA/DIPAC, 1988
Além de um grande industrial, Pantaleone tinha visão empresarial e
empreendedora, como já dito: ele realiza, para a aquisição do novo maquinário, uma
considerável festa, convidando autoridades brasileiras e italianas e, ao mesmo tempo,
divulgando o material produzido pela firma.

A firma de Pantaleone Arcuri & Spinelli obteve diversas premiações por


participações em exposições regionais, nacionais e internacionais, promovendo, como
sempre, a divulgação de seus produtos.

A sociedade entre os dois empresários durou até 1918, quando Spinelli deixa a
firma e então Pantaleone passa a ser sócio majoritário.

25
Na Figura 21 temos duas edificações que também pertenciam à Cia. e localizavam-
se ao lado da última sede da firma. Atualmente funcionam o CREAS Infância e Juventude
na edificação à esquerda e o “Centro de Convivência do Idoso” na edificação à direita
(originalmente a carpintaria), ambas vinculadas à AMAC.

Figura 21. Edificações remanescentes da Cia. Pantaleone ao lado esquerdo da rua Espírito Santo.
Fonte: Arquivo histórico da UFJF.
Em 1958, aos 91 anos de idade, Pantaleone veio a falecer e, a partir daí, os negócios
são conduzidos por Raphael, Arthur e outros membros da família.

26
a.4. A trajetória de Raphael Arcuri

Figura 22. Raphael, sua esposa e filhos


reunidos na varanda de sua casa (conhecida
atualmente como “Castelinho dos Bracher”),
executada com piso em ladrihos hidráulicos.
Fonte: (Olender, 2011, p. 162).
Falaremos agora da figura de
Raphael Arcuri e sua produção
arquitetônica na cidade, vinculada à firma
de seu pai.

Conforme já mencionado,
Raphael nasce na Itália, em Sant’ Agata
d’ Esaro e, aos 5 anos, vem para o Brasil.

Aos 15 anos, retorna ao seu país natal para concluir sua formação. Em Nápoles, ele
dá início aos seus estudos de Arquitetura e lá permanece até 1911.

Raphael traz qualidade projetual aos empreendimentos de seu pai e torna-se


principal projetista da nova arquitetura juizforana das primeiras décadas do século XX.

A produção arquitetônica de Raphael relaciona-se com sua apreensão da arquitetura


da região de sua formação, Nápoles. Temos então forte presença de estilos como o art-
nouveau, art decó e ecletismo em seu trabalho. A seguir, são mostrados projetos por ele
assinados, alguns com obras executadas pela Cia. Pantaleone Arcuri.

Figura 23. Santa Casa de Misericórdia. Foto Figura 24. Foto posterior à reforma com
anterior à reforma. fachada neogótica proposta por Raphael em
Fonte: (Olender, 2011, p. 205). 1912. Fonte: (Olender, 2011, p. 205).

27
Figura 27. S.d.
Fonte: (Olender, 2011, p.
Figura 25. Edifício Pinho, Figura 26. Perspectiva da 212.
1913. fachada.
Fonte: (Olender, 2011, p. Fonte: (Olender, 2011, p.
211). 211).

Neste projeto (Figura 28), já


notamos a presença das telhas de “ardósia
artificial”, as famosas telhas de cimento
amianto fabricadas pela firma de seu pai.
Infelizmente esta Villa não existe mais,
mas a foto registra sua indescritível
beleza arquitetônica.

Figura 28. Foto da casa do sr. Spinelli (c. 1915).


Fonte: (Olender, 2011, p. 216).

28
Figura 29. “Castelinho dos Bracher”. Figura 30. Villa Iracema.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Figura 31. Palacete Fellet. Fonte: (Olender, 2011, p. 218).

Figura 33. Detalhe da “cúpula de ardósia”.


Figura 32. A ornamentação em fita é uma Fonte: (Olender, 2011, p. 218).
provável referência à profissão da esposa do sr.
João Fellet, D. Carlota Marchesini, que era
costureira.
Fonte: (Olender, 2011, p. 218).

29
Figura 35. As Repartições Municipais com
Figura 34. Nova sede do Club Juiz de Fora, à
obras executadas pela Cia. (c. 1925).
esquerda (Postal da década de 30).
Fonte: (Olender, 2011, p. 227).
Fonte:(Olender, 2011, p. 222).

Figura 37. Companhia Dias Figura 38. Príncipe Hotel.

Cardoso. Autoria: OLIVEIRA,

Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Geórgia, 12/07/13.
Figura 36. Associação
Comercial, 1917. Fonte:
(Olender, 2011, p. 234).

Figura 39. Projeto para a nova sede do Banco Figura 40. Sede da Companhia Pantaleone
do Brasil, 1922. Arcuri.
Fonte: (Olender, 2011, p. 240). Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

30
O Cine-Theatro foi a primeira
construção em concreto armado na cidade
e a Companhia Pantaleone passa a aplicar
tal técnica para a estrutura das edificações
por eles construídas. Raphael então
começa a adotar o estilo art-decó em seus
projetos, estilo este que se desenvolve
justamente com o início da utilização

Figura 41. Cine-Theatro Central, 1950. deste material construtivo.


Fonte: (Olender, 2011, p. 259).

Figura 42. Casa Magalhães. Figura 43. Edifício da Galeria Pio X. Autoria:

Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Figura 46. Casa d’Itália,


Figura 44. Palace Hotel. Figura 45. Edifício Ciampi, 1937.
Autoria: OLIVEIRA, 1930. Construído pela Cia. Fonte: (Olender, 2011, p.
Geórgia, 12/07/13. Fonte: (Olender, 2011, p. 279).
254).

31
Após 1939, não há mais registro de projetos cuja autoria seja de Raphael Arcuri. A
partir de então, ele teria assumido a diretoria técnica da Companhia Pantaleone, atuando
como coordenador de obras.

O projeto de Raphael para a sede da Cia. Pantaleone Arcuri & Spinelli será
comentado mais adiante, num capítulo específico, exatamente por ser este o tema do
presente trabalho.

a.5. A trajetória de Arthur Arcuri

Arthur Arcuri (1913-2010), o filho caçula de Pantaleone, mudou-se de Juiz de Fora,


aos 10 anos de idade, para estudar em Niterói-RJ e, em seguida, para a cidade do Rio de
Janeiro com o mesmo objetivo. Seguindo a tradição da família, no ramo da construção,
Arthur gradua-se Engenheiro Civil em 1937, tendo iniciado os estudos de graduação em
Belo Horizonte-MG, mas os concluído no Rio de Janeiro, na Escola Politécnica.

Influenciado por dois sobrinhos que estudavam Arquitetura na Escola Nacional de


Belas Artes do Rio de Janeiro, Arthur começa a frequentar a biblioteca da instituição e,
como autodidata, consegue desenvolver seus conhecimentos na área e a atuar como
projetista.

Arthur também imprime sua marca na Arquitetura de Juiz de Fora, porém num
outro momento, substituindo os estilos eclético, art nouveau e art decó muito presentes na
produção arquitetônica de seu irmão Raphael pela linguagem típica do modernismo.

À frente da Cia., no período em que assume a direção, Arthur não desenvolve


projetos para a mesma. Seus principais projetos foram elaborados de maneira autônoma. A
seguir algumas obras de destaque:

Figura 48. Residência Frederico Assis.

Figura 47. Residência Luiz Stheling. Fonte: (Santana e Pugliesi, 2002, p. 155).

Fonte: www.vitruvius.com.br

32
Figura 49. Campus da UFJF.
Fonte: blogdopetcivil.com

b. Produção da Companhia

b.1. As incríveis “cúpulas de ardósia”

Em 1907, a Cia. Pantaleone Arcuri & Spinelli adquire a patente de seu novo
material construtivo: as telhas de cimento amianto. No ano seguinte, elas já começam a
fazer parte do cenário de Juiz de Fora, presentes nos torreões e telhados das novas
edificações.

Com formatos diversos e nas cores branca, preta e vermelha, estas telhas eram
aplicadas nas coberturas e causavam um efeito estético em função de suas cores e texturas.
Como já sabemos, as “cúpulas de ardósia” são uma referência às telhas de cimento
amianto.

Por volta da década de 20, a fabricação deste produto precisou ser encerrada, pois a
matéria-prima utilizada, o amianto, era importada do Canadá e, a dificuldade de aquisição
de fibras longas, necessárias para se obter um material de boa qualidade, tornaram inviável
sua produção.

Ainda foram feitas tentativas de se conseguir o material no Brasil, nas redondezas


de Lima Duarte, porém, como as fibras eram mais curtas, o produto final não possuia a
mesma qualidade, sendo menos resistentes e, portanto, menos duráveis.

33
b.2. Os fascinantes ladrilhos hidráulicos

O ladrilho hidráulico foi criado a partir do surgimento de novos materiais


construtivos, como o cimento Portland. O nome deste material deriva de seu processo de
endurecimento (cura) que ocorre pela submersão em água, sem queima. Em resumo, era
constituído por

[...] uma argamassa hidráulica de cimento e


areia fina, formando a parte inferior do ladrilho com
18 milímetros de espessura, a qual é coberta
superiormente por uma delgada camada de dois a três
milímetros de cimento puro em pasta, a que por vezes
se adiciona um pouco de areia fina. Esta camada
superficial constitui a face aparente do ladrilho e pode
ser branca ou corada uniformemente ou ainda,
apresentar desenhos muito diversos.
(OLENDER,2011, p. 67).

Muitas vezes, associa-se a fabricação dos ladrilhos com uma produção de caráter
basicamente artesanal, mas vale ressaltar que é possível uma produção em série, como era
a da Cia. Pantaleone Arcuri, com a utilização de prensa hidráulica.

Figura 51. Ladrilho hidráulico ao lado de seu


molde.
Figura 50. Ladrilho hidráulico sob seu molde.
Fonte: (Olender, 2011, p. 79).
Fonte: (Olender, 2011, p. 79).

34
Os motivos decorativos são
diversos e fascinantes. Muitas peças
permitem várias combinações, formando
diferentes arranjos para pisos. Da Figura
52 a Figura 61, pode-se conferir a
variedade de opções que foram ciradas,
utilizadas e vendidas pela firma durante
Figura 52. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.
várias décadas.

Figura 53. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom. Figura 54. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.

Figura 55. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.


Figura 56. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.

Figura 57. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom. Figura 58. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.

35
Figura 59. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom. Figura 60. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.

Figura 61. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.

A figura de Pantaleone Arcuri muito contribuiu para a difusão do uso deste


revestimento em Juiz de Fora. Os ladrilhos compunham a paisagem urbana da cidade,
revestindo a maioria das calçadas nas primeiras décadas do século XX. Atualmente, por
uma série de fatores, são poucos remanescentes destes ladrilhos, tanto no interior e exterior
de edifícios (públicos e privados) quanto nos passeios públicos.

Figura 62. Interior da loja, com destaque para o painel de exposição dos diversos padrões fabricados
pela firma. Fonte: ARBACH, Jorge, CD-rom.

36
Além da utilização dos ladrilhos nos pisos de Juiz de Fora, a família Arcuri
dissemina, apesar de numa escala bem menor, seu uso também em fachadas (Figura 63),
como vemos na da nova sede da própria Cia., (projetada por Rafael Arcuri e inaugurada
em 1926). É um exemplo do uso dos ladrilhos como ornatos bidimensionais.

Figura 63. Painel de ladrilhos hidráulicos na


fachada da sede. Figura 64. Ladrilhos remanescentes no passeio

Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. público do Palacete Fellet.


Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 25/07/13.

37
b.3. O projeto para a nova sede da Companhia Pantaleone Arcuri

b.3.1. Características arquitetônicas e artísticas

Figura 65. Adaptado. Fonte: OLIVEIRA, Geórgia, 16/05/13.

Em 1923, Raphael inicia a elaboração do projeto para a nova sede da Companhia de


seu pai, inaugurada em 21 de outubro de 1926. Notamos duas alterações em relação ao
projeto original proposto e à edificação de fato construída (Figura 67): a primeira é a
ausência das cúpulas laterais e a segunda a ausência dos letreiros.5

Figura 66. Projeto para a nova sede, 1923. Figura 67. Sede da Cia. Pantaleone Arcuri.
Fonte: (Olender, 2011, p. 241). Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

5
Fonte: (OLENDER, 2011).

38
Para descrição arquitetônica e artística do edifício, foi usado como base o texto de
caracterização arquitetônica presente no dossiê do tombamento.6

O partido arquitetônico dispõe a edificação em “U” horizontalmente, com dois


pavimentos e um intermediário. Três fachadas voltam-se para a via pública. O edifício
apresenta simetria, divindo-se em três corpos, sendo dois laterais e um central.

Os pavimentos térreo e intermediário estariam destinados a abrigar a parte


comercial e os escritórios da firma. O pavimento superior era dividido em duas partes:
uma, ocupada por Pantaleone e a família, e outra, por um hotel.

Diversos elementos que compõem esta edificação lhe conferem destaque em meio
ao cenário de Juiz de Fora. São eles, externamente, as paredes revestidas por ladrilhos
hidráulicos e a fascinante cúpula de cimento-amianto, já citados anteriormente, além dos
ornatos em forma de cabeças de Hermes (Figura 68) e a esquadria da porta principal em
estilo art-nouveau (Figura 69).

6
O dossiê de tombamento encontra-se disponível na Divisão de Patrimônio Cultural_DIPAC de Juiz de Fora.

39
Figura 69. Porta CREAS.
Figura 68. Ornamento “Cabeça de Hermes”.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Hermes é o deus do comércio. As “cabeças de Hermes” ocupam as laterais das


principais entradas da loja e escritórios. A utilização de alegorias como ornamento era
muito comum desde o século XIX.

Também estão presentes no edifício outros ornamentos, como as “cabeças de leão


com anéis na boca” abaixo das cornijas, além dos bustos femininos, que servem de mísulas
para as sacadas, tradição ornamental barroca muito comum no sul da Itália.

Figura 70. Ornamento “Cabeça de leão”. Figura 71. Ornamento.


Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

40
Figura 72. Ornamento em forma de busto
feminino. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia,
12/07/13.
A ornamentação é mais discreta
na parte inferior das fachadas e torna-se
mais complexa e exuberante no
entablamento.

Estão presentes na edificação


diversas tipologias de esquadrias, em
marcenaria ou ferro. As mesmas são
pormenorizadas nas fichas fotográficas
presentes no anexo 7.4.

Internamente, destacam-se as pinturas parietais da parte do pavimento superior que


era destinado à residência de Pantaleone e família, feitas por Ângelo Bigi7. No salão nobre
da família encontramos a pintura de uma paisagem da terra natal do industrial. Na Figura
73 podemos observar o interior da loja da Cia.

Figura 73. Interior da loja. Fonte: Arquivo histórico da UFJF.

7
Ângelo Bigi é um artista italiano que firmou parceria com a Cia. de Pantaleone até o início dos anos 1930.
Podemos então encontrar pinturas parietais do artista em construções executadas pela Cia., como nas
“Repartições Municipais”, na Companhia Dias Cardoso, no Hotel Príncipe (projeto de Raphael), na segunda
sede do Banco do Brasil, no Cine-Theatro Central, no Edifício Ciampi, na Associação Comercial e no Banco
de Crédito Real.

41
Figura 74. Interior da loja em 1929.
Fonte: Arquivo histórico da UFJF.8

O edifício foi construído sobre alicerce de pedra e a sustentação é feita por colunas
de tijolos maciços e pelas paredes externas, que suportam um vigamento de ferro em duplo
T. Este vigamento dá suporte aos barrotes que sustentam o assoalho de madeira do
pavimento superior. Na parte dos depósitos da firma o forro é de concreto, compondo um
terraço neste mesmo pavimento.

Nos pavimentos térreo e intermediário, a alvenaria é de tijolos maciços. Já no


segundo pavimento as paredes são de pau-a-pique. Esta solução foi adotada para evitar
sobrecarga no vigamento.

A cobertura é feita com telhas de amianto, de fabricação da própria empresa. O


torreão central também é coberto por telhas deste mesmo tipo, arrematadas com zinco.

8
Reginaldo Arcuri formou-se em Engenharia Civil e Eletrotécnica em Juiz de Fora e trabalhou na
Itália na Fiat, em Turim. Relacionamos a isso a instalação da primeira revendedora dos automóveis Fiat em
Juiz de Fora, que funcionava no pavimento térreo da nova sede da Cia. Pantaleone Arcuri (inaugurada em
1926).

42
Com relação à camada pictórica das fachadas, não foi utilizada pintura sobre as
paredes, mas pigmento adicionado à própria argamassa do reboco.

Destacam-se marcações horizontais e verticais, que correspondem à trama


estrutural. Pilares ornados por pilastras contínuas impõe um ritmo, interrompido pela
presença das faixas horizontais das vergas dos vãos térreos, do nível do piso e segundo
pavimento e do coroamento.

A organização de cada fachada parte de um arco no pavimento mais alto. Na


frontaria principal está presente a cúpula, com suas telhas em escamas, luneta cega e
pináculo. Os painéis da esquina são curvados e as alas intermediárias possuem ritmos de
cheios e vazios diferentes.

b.4. Principais alterações realizadas na edificação

No decorrer da realização da presente etapa, foram encontradas as seguintes


informações, que confirmam alterações sofridas pela edificação:

- No fim da década de 1950, o edifício da sede da Cia. foi aglutinado ao prédio do


seu lado esquerdo, e pela necessidade da transferência de algumas máquinas de serraria e
carpintaria para seu galpão, é feita uma abertura.

Nas Figura 75 e Figura 76 podemos observar as aberturas que atualmente


permitem a comunicação com o edifício vizinho. Uma delas pode ter sido feita no período
citado anteriormente.

Figura 75. Porta em ferro que comunica com o Figura 76. Abertura que dá acesso ao
galpão ao lado. galpão ao lado.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 01/08/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 01/08/13.

43
Consultar as plantas que constam no anexo 7.4. Na prancha 5/24, na copa do
PROMAD, localiza-se a esquadria a qual me refiro na Figura 75. Já a abertura da Figura 76
pode ser localizada na prancha 6/24.

- Em 1967, ocorre desapropriação de parte do edifício da sede e nele é feito um


“corte” por conta da necessidade da conclusão da canalização do córrego Independência e
da construção da avenida de mesmo nome na época (atual avenida Itamar Franco). A
própria Cia. Pantaleone encarregou-se das obras.

No anexo 7.4 constam as plantas fornecidas pelo PERMEAR e as plantas


atualizadas. Todas as alterações descritas a seguir estão indicadas como layout nas plantas
deste mesmo anexo, e é interessante que o leitor consulte-o para melhor entendimento. É
válido lembrar que o levantamento foi expedito.

Observamos algumas modificações, como a inserseção de divisórias em mdf no


salão principal (térreo), subdividindo os setores da AMAC (CRAS, PROMAD e “Menina
Artesã”) que ocupam este espaço.

Divisórias também foram inseridas para criar subdivisões onde funciona o CREAS
(no pavimento térreo), além de uma alvenaria para criação de mais um banheiro.

Para delimitação de salas no PROMAD (tanto no térreo quanto no pavimento


intermediário) também foram inseridas divisórias na edificação. No pavimento
intermediário algumas paredes foram demolidas, ampliando salas.

Notamos também uma modificação no banheiro que atende ao CRAS, no térreo,


além da realocação da porta da despensa da “Menina Artesã”, também no térreo.

Já no pavimento superior foi criada uma divisória no terraço, delimitando o espaço


ocupado pelo Depósito e pelo “Pequeno Artista” ( que teve também o layout do banheiro
modificado, além da criação de uma alvenaria dividindo a cozinha de um banheiro).

b.5. Declínio do grande ícone da construção civil em Juiz de Fora

Quanto à trajetória da Cia., seu apogeu aconteceu nas décadas de 20 e 30 até


meados de 40 do século XX. A partir daí, começa uma fase de declínio e foi preciso dispor
de parte do patrimônio para cobrir dívidas. No início da década de 80 a empresa entra em

44
inadimplência e teve suas atividades encerradas. Os motivos que conduziram a este
declínio são expostos a seguir.

Até o período anterior ao governo de Getúlio Vargas, o Brasil importava todo tipo
de material (fechaduras, bacias sanitárias, pregos, parafusos entre outros) mas, neste
momento o país começa a sair de sua condição de economia basicamente agrícola e inicia
um processo de industrialização.

Somado a esse fato, a regularização de Leis Trabalhistas oneraram a empresa, pois


agora as atividades dos trabalhadores eram normatizadas e eles passaram a possuir direitos,
como indenização correspondente ao período trabalhado. Em função disso, houve queda na
produtividade.

A Cia. também perdeu concorrência frente à outras empresas da cidade, na medida


em que prometia maior qualidade dos materiais e execução de suas obras. Em função
disso, maior era o custo e tempo demandado em suas empreitadas.

Outro fator ainda foi esse modo de trabalho usado por Pantaleone, que era sob o
sistema de empreitada, que passou a não mais ser viável com o aumento da inflação.

A derrocada final foi uma tentativa de “atualização” da empresa, quando a Cia.


associa-se à Roberto Repetto para a construção de casas no Rio de Janeiro, dando
continuidade a um projeto já iniciado e paralisado por falta de financiamento. A partir daí
ocorre então grande perda financeira e patrimonial da empresa. A Cia. herda dívidas e é
obrigada a vender toda a área à margem direita da Rua Espírito Santo, onde ficavam as
oficinas, a primeira casa de Pantaleone e Timponi, as fábricas de carroças, ornatos e
ladrilhos e galpões. Apesar das dívidas terem sido quitadas, a firma chega a situação de
falência.

Em 1982, o edifício da sede é vendido a empresa PAVAN, que executa algumas


obras na fachada e a recuperação do telhado, mas em 1986, esta vende o prédio à
Secretaria da Fazendo do Estado de Minas Gerais.

b.6. Situação do bem pós-venda

Em 1990, o então prefeito Carlos Alberto Bejani solicita a doação do bem à


Prefeitura de Juiz de Fora para que, ali, pudessem se instalar algumas de suas secretarias,
garantindo, assim, a preservação deste patrimônio que, sem uso, encontrava-se condenado.

45
Foi firmado um convênio entre o governo de Minas Gerais e o município e, a partir
de então, o primeiro uso destinado à edificação foi o funcionamento da Escola Estadual
“Estevão de Oliveira”.

Figura 77. Reportagem veiculada em jornal da


época.
Fonte: Processo de Tombamento. Tribuna da
Tarde, 7 de Abril de 1990.
Figura 78. Reportagem veiculada em jornal da
época.
Fonte: Processo de Tombamento.
Neste momento o estado de conservação em que a edificação se encontrava era
preocupante, comprometendo, inclusive, a segurança dos usuários. A situação mais crítica
era do telhado e forros do pavimento superior. São feitas algumas adaptações porém sem o
menor critério, levando à descaracterização de alguns elementos.

Em 1997, a Defesa Civil do município interditou a área destinada à Escola que


funcionava no pavimento superior do edifício em razão de infiltrações generalizadas que
não ofereciam a menor condição de uso a seus 1200 alunos (ainda hoje pode-se observar
vestígios de danos nos forros).

Com uma liberação de verba, a empresa Engecon vence a licitação e executa as


obras emergenciais. Para a recuperação do telhado, foi necessária a substituição das telhas
por outras, diferentes das originais e que ainda cobriam o telhado naquele momento, por já
não mais se encontrar o mesmo modelo disponível no mercado.

Por fim, a Escola Estadual “Estevão de Oliveira” deixou de funcionar no edifício


sede que passou a abrigar as atividades relacionadas à AMAC .

46
2.1.5. A sede da Companhia como patrimônio cultural e industrial de Juiz de Fora

a. Setor Histórico da Praça Antônio Carlos (contextualização, perímetro de


tombamento e sua relação social, política, urbana e paisagística com a sede)

Ao redor da Praça Antônio Carlos, da Praça João Penido e do Parque Halfeld tivemos
fortes elementos indutores do crescimento de Juiz de Fora.

A Praça João Penido, localizada na parte baixa da cidade, assim como a Praça
Antônio Carlos, eram regiões sujeitas às inundações do Paraibuna.

No entorno da Praça João Penido, tínhamos comércio e serviços de caráter popular


e as habitações proletárias, cortiços, oficinas e indústrias de pequeno e médio portes. Após
a primeira década do século XX, inicia-se a segunda fase da ocupação com construções
representantes dos estilos eclético, neoclássico e art-noveau. Toda esta nova ocupação foi
impulsionada pela implantação das ferrovias, que na época atraiam para si o sistema de
transportes, estimulando a ocupação típica em torno da praça e ruas vizinhas a ela. O
principal ponto de chegada dos imigrantes era a Estação da Praça e muitos acabavam
fixando-se nas redondezas. Na Estação também chegava a matéria prima que vinha suprir
as indústrias da cidade, inclusive a própria Cia. Pantaleone.

A conformação da Praça Antônio Carlos começou a definir-se pela construção da


Estrada União Indústria (1853-61). Posteriormente implantaram-se na região a Companhia
Têxtil Bernardo Mascarenhas (1887), a Companhia Mineira de Eletricidade (1888) e a
Alfândega Ferroviária, em 1893.

No início da década de 1890, ocorreu o aterramento do rio Paraibuna em alguns de


seus trechos e a canalização do córrego Independência no trecho da Praça Antônio Carlos.

Figura 79. Canalização do córrego Figura 80. Praça Antônio Carlos.


Independência. Fonte: ESTEVES, Albino.
Fonte: www.mariadoresguardo.com.br

47
A Praça Antônio Carlos apresentava uma série de fatores que favoreceram a
localização das indústrias em sua proximidade, inclusive a própria sede Cia. Pantaleone
Arcuri & Spinelli, como já citado anteriormente:

- Boa localização urbana, que facilitava o acesso da mão-de-obra dos imigrantes


que se dirigiam até as indústrias para trabalhar;

- Proximidade do transporte ferroviário;

- Baixo custo dos terrenos, considerando que era uma área próxima a um dos
meandros do rio Paraibuna (anteriormente ao aterramento) e logo, região sujeita a
inundações;

- Proximidade com a usina de Marmelos, fornecedora da energia para as indústrias.

Quando Bernardo Mascarenhas instala exatamente neste local sua indústria têxtil e
investe no serviço de iluminação pública é que esta região começa a se desenvolver.

Atualmente a área é tombada, configurando o Conjunto Paisagístico da Praça


Antônio Carlos. O processo de tombamento tem como justificativa sua importância como
marco da segunda fase da industrialização em Juiz de Fora.

O mapa a seguir identifica os bens que compõe o conjunto e a delimitação do


perímetro de tombamento:

48
Figura 81. Perímetro de tombamento atual do Conjunto Paisagístico da Praça Antônio Carlos.

LEGENDA:

1. Instalações da CEMIG
2. Complexo que abrigava a antiga Villa Operária ligada à Pantaleone Arcuri
3. Villa Iracema
4. Escola Normal
5. Antigas instalações da Fábrica Bernardo Mascarenhas
6. 4º DeSup
7. 4º DeSup
8. 12º CSM
9. Antiga sede da Cia. Pantaleone Arcuri

A proteção legal desta região é um instrumento para preservar esta área delimitada
como “testemunho” da formação de um dos núcleos urbanos de Juiz de Fora, sendo a sede
da Companhia Pantaleone um dos edifícios remanescentes que relacionam-se com a
história da ocupação do local. Os “atrativos” que justificaram a instalação das indústrias na
região, como vimos anteriormente, conduziram ao seu desenvolvimento e configuração do
espaço urbano/paisagísto do entorno da Praça Antônio Carlos.

49
b. Importância histórico-cultural da sede da Cia.

b.1. O patrimônio industrial

Podemos considerar todo o complexo de edifícios remanescente do período do


pioneirismo da Cia. de Pantaleone como representante de uma Arquitetura Industrial em
Juiz de Fora, período este que corresponde ao forte desenvolvimento da cidade atrelado
exatamente a esse crescimento das atividades industriais e comerciais. Sendo assim, pode-
se considerar tais edifícios, dentre os quais se destaca a antiga sede da companhia, como
“monumentos da industrialização”.

A importância histórico-cultural da sede está então relacionada à sua atuação no


ramo da construção civil e produção cultural em Juiz de Fora, através dos diversos
edifícios erguidos pelo Companhia Pantaleone, que compõem a paisagem urbana e alguns
ainda exibem remanescentes de materiais produzidos pela firma, como telhas de amianto e
ladrilhos hidráulicos.

Para melhor compreendermos o que vem a ser Patrimônio Industrial e o porquê


classificamos os edifícios da Cia. Pantaleone como tal, buscamos a definição na Carta de
Nizhny Tagil:

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que


possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectônico ou científico.
Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas
e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros
de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e
todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se
desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como
habitações, locais de culto ou de educação (Disponível em
<www.patrimonioindustrial.org.br>. Acessada em 19 de Junho de 2013).

A carta defende ainda o valor histórico-documental do patrimônio industrial que


justificam sua preservação: “O patrimônio industrial representa o testemunho de atividades
que tiveram e que ainda têm profundas consequências históricas....” (Disponível em
<www.patrimonioindustrial.org.br>. Acessada em 19 de Junho de 2013).

Logo, a preservação destes bens, relacionados à Cia. torna-se essencial como forma
de permitir que as futuras gerações possam conhecer este legado cultural. Eles são

50
testemunhos históricos únicos e envolvem valores documentais, formais, memoriais e
simbólicos, de interesse individual e coletivo.

b.2. O tombamento da sede

Em 28 de Fevereiro de 1988 é decretado o tombamento do conjunto arquitetônico


da antiga Companhia Industrial e Construtora Pantaleone Arcuri, formado por duas
unidades. Uma a própria sede e a outra o remanescente das oficinas da Cia. Fica a partir de
então tombada toda sua volumetria, fachadas e cobertura.

O decreto tem como justificativa sua importância como parte do Setor Histórico da
Praça Antônio Carlos, sua representatividade para a memória da comunidade juizforana,
pela atuação da Cia. e pelo valor arquitetônico por ser um dos remanescentes projetados
por Raphael Arcuri.

O tombamento preveu a preservação da volumetria do edifício sede, bem como do


tratamento plástico que constitui as fachadas e da cobertura, conforme observa-se no anexo
7.3. No entanto, elementos do interior da edificação, de relevante valor artístico, histórico,
cultural e arquitetônico não foram considerados no decreto, como as pinturas parietais de
Ângelo Bigi, os pisos em ladrilhos hidráulicos, os pilares do salão principal no pavimento
térreo, o forro do salão nobre da residência Arcuri no pavimento superior, as escadas em
marcenaria entre outros.

Como vimos no capítulo anterior, este conjunto merece ser preservado não só por
estas justificativas como também por ser patrimônio industrial da cidade, testemunho do
período de apogeu industrial de Juiz Fora e com contribuição para construção da paisagem
urbana. Está presente também nestes bens um valor imaterial.

O tombamento assegura proteção legal ao bem, mas é através da atribuição de valor


a ele (inclusive imaterial) que a população se identifica e apropria-se do mesmo,
contribuindo para sua preservação. Uma sociedade que não valoriza seus monumentos
históricos destrói sua cultura, memória e história. Sobre tal apropriação da população
juizforana em relação à sede da companhia, falaremos a seguir.

b.3. O papel da antiga sede no contexto atual de Juiz de Fora

Para verificarmos o grau de apropriação por parte da população de Juiz de Fora em


relação à antiga sede da companhia foram realizadas entrevistas com 30 pessoas em 16 de

51
maio de 2013. O perfil dos entrevistados é diverso, composto por pessoas de várias faixas
etárias, sexos e níveis de escolaridade; transeuntes, moradores ou que frequentam a região
onde se localiza a sede com certa regularidade, por trabalharem ou estudarem nas
proximidades do edifício, inclusive usuários do mesmo.

A seguir, o questionário aplicado, composto por cinco perguntas, sendo a A, C, D e


E de respostas “fechadas”, do tipo SIM, NÃO ou INDIFERENTE para que o resultado
fosse traduzido em dados estatísticos.

A. Você conhece a história da Cia. Pantaleone Arcuri?

B. O que acha do edifício sede?

C. Acha importante ele ser tombado? Tem valor histórico?

D. Você vê relação do edifício com o entorno?

E. Gostaria de ver materiais fabricados pela Cia., como os ladrilhos hidráulicos, sendo
comercializados hoje na cidade?

Das respostas obtidas, destacam-se algumas:

-Entrevistado 1: 23 anos, estudante

“Qualquer prédio antigo com valor histórico para a cidade deve ser preservado.”
(resposta à pergunta C)

-Entrevistado 2: 46 anos, advogada e trabalha no CRAS que funciona no edifício da


Cia.

“Sim. Comentou que era referente à construção civil e relatou as marcas nos
pilares do prédio, que acredita ser das máquinas quando a Cia. estava em atividade.”
(resposta à pergunta A)

“Lindo, muito expressivo. Os pilares têm marcas de onde ficavam as máquinas.”


(resposta à pergunta B)

“Com certeza. Vai trazer a história da cidade. Desperta saber como era feito, a
tecnologia... e tudo isso é cultura!” (resposta à pergunta E)

-Entrevistado 3: 52 anos, assistente social

52
“Foi um dos primeiros prédios aqui. A sede foi hotel, vendia material de
construção. Pantaleone era comerciante de destaque na cidade.” (resposta à pergunta A)

-Entrevistado 4: 51 anos, segurança no Castelinho da CEMIG

“Meu vô trabalhou lá de carpinteiro.” (resposta à pergunta A)

“O tombamento ajuda a conservar. A fachada da CEMIG foi conservada e


construiram o prédio atrás. É importante pra contar a história pros filhos.” (resposta à
pergunta C)

-Entrevistado 5: 72 anos, do lar

“Moro num prédio construído por ele.” (resposta à pergunta A)

Figura 82. Gráficos que refletem as respostas obtidas dos entrevistados em relação às perguntas
A,C,D e E.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia.
Conforme podemos observar nos gráficos, a maioria dos entrevistados (77%)
desconhece a história da Cia. Pantaleone Arcuri, porém, ainda assim, a maioria reconhece
algum valor no bem e acha realmente acertado o fato de o mesmo estar tombado (90%), vê
alguma relação com o entorno (87%) e gostaria de ver os materiais novamente
comercializados em Juiz de Fora (87%).

53
2.2.Contextualização Urbana e Paisagística

Em “A imagem da Cidade” Kevin Lynch propõe um método para leitura da


paisagem urbana, que foi aplicado como experiência neste trabalho para nos ajudar a
compreender o espaço.

Segundo ele, a imagem da cidade pode ser dividida em alguns elementos


imaginários. São eles:

- Vias: canais por onde o observador se locomove. Podem ser vias locais, arteriais,
coletoras, ferrovias entre outras;

- Limites: elementos lineares que funcionam como fronteira entre duas regiões,
como praias, margem de rios, muros entre outros. Podem também ser vias;

- Bairros: muitas vezes o limite entre eles não é físico. Algumas características
definem, como usos e tipos de construções similares e topografia;

- Pontos nodais: pontos estratégicos onde o observador pode entrar ou para onde
pode se locomover. Ex.: um cruzamento, uma convergência de vias, um ponto de encontro
numa esquina ou um local com uso, como uma praça;

- Marcos: são referências e, diferente do ponto nodal, o observador não entra neles.
Ex.: um edifício, uma montanha. Sua escala pode ser bastante variada. A atividade de um
dado elemento pode transformá-lo em marco. Um objeto com um certo significado ou
história tem seu valor de marco intensificado.

Para compreendermos a paisagem urbana do entorno imediato à sede da Cia., este


método foi aplicado, gerando o mapa a seguir:

54
Figura 83. Mapa de análise urbana do entorno da sede da Cia. Pantaleone Arcuri.
Observamos no mapa a delimitação das principais vias do entorno e a classificação
do rio Paraibuna e da ferrovia como limites.

Apenas a praça Antônio Carlos foi definida como ponto nodal e as edificações
destacadas foram classificadas como marcos, considerando que nem todas as pessoas
podem ter acesso às mesmas. Porém, estes bens são referências na paisagem, carregados de
significado histórico-cultural. A topografia existente entre as ruas Espírito Santo e Antônio
Dias também foi considerada marco por auxiliar a referenciar a paisagem do local.

Complementando a contextualização urbana e paisagística, foi feito um


levantamento in loco que gerou os mapas temáticos de Usos (Figura 84), Gabaritos (Figura
85), Vias (Figura 86), Fluxos (Figura 87), Equipamentos Públicos (Figura 88), Sistemas de
Espaços (Figura 89) e Cheios e Vazios (Figura 90). Tais mapas9 são apresentados a seguir:

9
Estes mapas foram gerados durante o desenvolvimento da disciplina de Técnicas Retrospectivas
II em conjunto com a turma, com participação dos alunos Otávio Starling, Arthur Gouvêa, Eulices
Neves, Fabrício Vianna, Renata Alves, Ana Márcia Duarte, Marina Cezar, Paulo Renato Andrade,
Mariana Coutinho e Ana Paula Luz e Juliana Vitral e Bárbara Novais.

55
Figura 84. Mapa de Usos.

Figura 85. Mapa de Gabaritos.

56
Figura 86. Mapa de Vias.

Figura 87. Mapa de Fluxos.

57
Figura 88. Mapa de Equipamentos Públicos.

Figura 89. Mapa de Sistema de Espaços.

58
Figura 90. Mapa de Cheios e Vazios.

Notamos que no entorno imediato da antiga sede da Cia. Pantaleone não existem
edificações de gabarito elevado. Somando-se a este fato, a presença da Praça Antônio
Carlos também contribui para uma “abertura” da paisagem por permitir uma ampliação do
campo visual e colocar o edifício da sede em destaque. O mesmo não ocorre na Rua
Espírito Santo, por possuir uma caixa mais estreita, além de edifícios de gabaritos mais
altos.

Figura 91. Panorâmica do entorno da sede (foto tirada da Escola Normal).


Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.
Quanto aos usos, percebe-se a existência de outras instituições públicas no entorno,
seja de cunho educacional (como é o caso da Escola Normal e Biblioteca Municipal), de
cunho patrimonial/cultural (como é o caso do Espaço Mascarenhas) ou ainda
assistencialista ( como é o caso da edificação remanescente da Cia. onde funciona hoje o
“Centro de Convivência do Idoso”, também vinculado à AMAC). Em geral, percebemos
no entorno forte presença de uso residencial e comercial de pequeno porte, local.

59
Atualmente o fluxo de veículos na rua Espírito Santo é muito intenso,
principalmente por conta do fluxo que se origina nas Avenidas Presidente Itamar Franco e
Getúlio Vargas.

Com relação aos equipamentos urbanos, foi verificada uma carência de


determinados mobiliários, como as lixeiras. Elas deveriam constar em maior quantidade
nos pontos de maior fluxo de pessoas, que ocorre principalmente na proximidade de
edifícios que atraem grande número de usuários (como é o caso da Escola Normal e do
próprio edifício-sede da Pantaleone). O ponto de ônibus localizado em frente à antiga
Villa Operária também é um atrativo à concentração dos pedestres e, inclusive é
inadequado, pois não possui abrigo para os que aguardam pelo transporte público.

60
3. Diagnóstico

Após inúmeras visitas à edificação, foi possível organizar o material que compõe as
fichas fotográficas apresentadas no anexo 7.4 e realizar os mapeamentos de danos das
fachadas Posterior A, Posterior B e Principal, além do salão nobre da residência Arcuri,
que abriga as pinturas parietais de Bigi.

Concluída esta etapa de Identificação e Conhecimento do Bem, foi possível


elaborar um Diagnóstico sobre o estado de conservação em que o edifício se encontra.

A seguir, está apresentado um resumo das patologias encontradas e o estado de


conservação geral da edificação. É interessante que o leitor verifique também no anexo 7.4
os mapeamentos, para que possa acompanhar graficamente o que será neste item descrito.

Primeiramente a análise em relação às fachadas, lembrando que sujidades estão


aderidas em toda superfície das mesmas.

- Fachada Principal:

Com relação à fachada principal, podemos observar regiões onde houve


esmaecimento da pintura ou mesmo desagregação da camada pictórica.

Nesta mesma fachada, os microorganismos concentram-se principalmente na base


do edifício, onde a umidade ascendente atua de forma mais incisiva. Estes agentes de
patologia também estão presentes nos pontos onde há mudança de plano na fachada, como
nas cimalhas, que configuram planos horizontais, ou ainda abaixo das sacadas.

A forma côncava da cúpula central favorece a ação da umidade descendente e o


acúmulo de sujidades.

Foram identificadas ações de vandalismo, como pichação. Esse tipo de dano ocorre
até uma altura de aproximadamente 1,90m a partir do nível da calçada, estando presente
inclusive nos painéis de ladrilhos hidráulicos.

Microflora foi identificada na base do edifício, próximo à entrada principal. Este


tipo de patologia está associada à presença da umidade.

61
Próximo à J1B foi verificada intervenção inadequada, com preenchimento de
argamassa de cimento para recompor parte do edifício que se desprendeu.

- Fachada Posterior B:

Com relação à fachada Posterior B, o dano mais grave verificado foi a forte
incidência de vandalismo, com muita pichação em função do contato direto com a rua, o
que favorece a atuação das pessoas que não têm conhecimento do valor patrimonial que
este bem possui, fato este que agrava ainda mais este tipo de ocorrência.

Também foi identificada a atuação de microorganismos e desagregação da camada


pictórica conforme o leitor pode verificar mais especificamente no anexo 7.4.

- Fachada Posterior A:

Na fachada Posterior A, também se verificou regiões onde houve esmaecimento e


desagregação da camada pictórica. Esta última ocorre principalmente nas cimalhas e no
patamar existente nesta fachada (executada em concreto e onde a ação de microorganismos
é mais intensa em função da atuação da umidade).

Os microorganismos também se apresentam de forma mais marcante em um ponto


da lateral esquerda desta fachada, onde há o encontro com o telhado do galpão vizinho, e
no último módulo desta fachada, na lateral direita, em função da existência de uma laje que
abriga botijões de gás e acaba por permitir a concentração de umidade.

Perda de reboco e de seção superficial do edifício ocorrem pontualmente.

Foi identificada vegetação de pequeno porte que se desenvolveu ao lado de


canalização exposta na fachada. É interessante que o leitor recorra novamente ao anexo
7.4 para verificar pontualmente onde desenvolveu-se esta patologia.

Fissuras ocorrem principalmente no patamar e de forma menos marcante também


na fachada; porém, todas atingem apenas a camada pictórica, não tendo sido identificada
nenhuma fissura de cunho estrutural, que poderia vir a sinalizar algum dano grave.

As intervenções inadequadas identificadas foram trechos onde houve


preenchimento com argamassa de cimento (como no caso onde foi instalado o exaustor) e a
instalação dos canos de PVC na fachada, que destoam da mesma e acabam por
comprometer sua leitura.

62
- Demais patologias identificadas na edificação:

Quanto à cobertura e beirais, não foi possível o acesso; logo, a análise do estado de
conservação dos mesmos não será apresentado.

Em relação aos ornamentos, não foi identificado nenhum dano grave ou peça
faltante. No geral, os problemas verificados foram em relação à perda ou desagregação de
camada pictórica e acúmulo de sujidades.

Sobre a estrutura, não foi verificado nenhum problema estrutural grave que
comprometa a edificação. O fluxo de veículos que ocorre atualmente no entorno do bem
não é bem vindo, pois pode ser um fator que contribui para ocasionar abaulamentos.

Conforme consta na ficha fotográfica 45 (figuras A e C), foi verificada a presença


de um tanque com azulejo apenas no entorno imediato, permitindo a infliltração da água, o
que pode vir a ocasionar o desenvolvimento de microorganismos e a deterioração de
reboco e emboço.

Em relação às pinturas, a situação mais preocupante é a de intervenções


inadequadas, como pinturas acrílicas que podem ter encoberto pinturas parietais no
pavimento superior. As demais pinturas internas, em geral, não apresentam situação crítica,
apenas desgaste natural do material com o tempo e presença de sujidades aderidas.

No pavimento superior, podemos observar muitas ações de vandalismo nas paredes,


decorrente do período em que a Escola Estadual “Estevão de Oliveira” funcionou nas
dependências do edifício, conforme verificamos nas Figura 92.

Figura 93. Perda de reboco e intervenção


Figura 92. Vestígio de vandalismo, pavimento inadequada (preenchimento com argamassa de
Superior (Depósito AMAC). cimento), Pavimento Superior (Depósito
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. AMAC). Autoria: OLIVEIRA, Geórgia,
12/07/13.

63
Foi verificada perda/desagregação de camada pictórica nas alvenarias das salas de
aula ocupadas pelo PROMAD, em função do choque mecânico provocado pelas carteiras
que, ali, existiam.

Figura 94. Desagregação de camada pictórica Figura 95. Em função das intempéries ocorre
em sala ocupada pelo PROMAD no Pavimento desagregação de camada pictórica e atuação de
Térreo. microorganismos no muro do pátio.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Os pilares e vigas metálicas do salão principal (térreo), em algum momento foram


pintados em cor vermelha (conforme observamos na ficha fotográfica de número 09),
descaracterizando o ambiente que originalmente tinha estes elementos pintados em cor
branca (Figura 73). Com isso, atualmente, eles chamam uma atenção que, no período em
que a loja da Pantaleone funcionava, não acontecia, sendo estes elementos, naquele
período, meros coadjuvantes estruturais.

As esquadrias não apresentam danos graves, vidros faltantes, quebrados ou


substituídos por modelo diverso dos existentes (observá-las nas fichas fotográficas de
números 19 a 26). Nas esquadrias de madeira, foi verificado ressecamento da camada
pictórica, que ocasionou desagregação e esmaecimento da mesma. Pontualmente, pode ser
que organismos xilófagos também atuaem, no entanto, no geral, o estado de conservação
das esquadrias é bom. Nas esquadrias de ferro o ressecamento da camada pictórica também
foi identificado e, em algumas, ocorrência de oxidação.

64
Figura 96. Esquadria em marcenaria no Figura 97. Esquadria em marcenaria com
Pavimento Intermediário (PROMAD_sala dos gradil em ferro. Pavimento Térreo.
professores) em que podemos observar o Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.
aspecto de ressecamento da camada pictórica.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Quanto aos forros, identificamos muitos pontos onde houve atuação da água. Este
fato pode ser percebido pela presença de microorganismos ou, mesmo, pela perda de seção
de partes do forro em alguns ambientes. É necessário verificar em quais destes pontos as
infiltrações ainda ocorrem e onde a causa destes danos (que ocorrem em função da atuação
da umidade) foi solucionada mas ficaram os microorganismos como vestígios.

Figura 98. Infiltração em banheiro do Figura 99. Umidade ascendente no salão


pavimento Térreo. principal, pavimento Térreo.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

65
Na ficha 28 (figura C), observamos vestígios de que houve infiltração no forro.

Na ficha fotográfica de número 27, na figura A, observamos que houve uma


infiltração e a solução dada para este dano configura uma intervenção inadequada, com a
aplicação de argamassa de cimento preenchendo emboço/reboco que provavelmente se
desagregaram.

Na ficha 28 (figura A) observamos uma camada de gordura que se impregnou no


forro de madeira, em função do uso destinado atualmente a este ambiente, que abriga a
cozinha do “Pequeno Artista”, no pavimento superior.

No salão principal (térreo), usuários do edifício relataram identificar resíduos de


insetos xilófagos. O forro do salão e o barroteamento não foram mapeados, no entanto, este
é um indício de que podem haver peças comprometidas pela ação dos mesmos.

Conforme apresentado nas fichas fotográficas do anexo 7.4, diversos tipos de piso
são encontrados no edifício, como ladrilhos hidráulicos, tabuado entre outros. Não foi
verificada nenhuma situação grave, apenas desgaste natural dos materiais pelo uso e
sujidades aderidas. Merecem destaque os ladrilhos hidráulicos do salão principal (térreo),
onde encontramos muitos pontos de desgaste das peças, ocasionando até mesmo a
descaracterização dos desenhos que as compõem (ficha fotográfica 34, figura A). No
trecho que é hoje ocupado pelo CRAS, é possível ainda que ladrilhos estejam encobertos
pela manta vinílica que foi instalada no local (ficha fotográfica 31, figura A).

Na ficha fotográfica 32 (figura A), podemos observar piso em ladrilhos hidráulicos,


parcialmente encoberto por piso vinílico, em uma sala ocupada pelo PROMAD no
pavimento intermediário.

balaustre faltante. Autoria: OLIVEIRA,


Geórgia, 12/07/13.
As escadas da edificação, em
geral, se encontram em bom estado de
conservação. Situações como a da Figura
100, foram encontradas, em que falta um
balaustre do guarda-corpo.

Figura 100. Escada que dá acesso ao


Pavimento Superior (“Pequeno Artista”) com

66
As outras escadas em marcenaria_ a que dá acesso ao pavimento superior pela
fachada lateral direita e a que dá acesso ao pavimento intermediário, no salão principal_ se
encontram também em bom estado de conservação. Vestígios de organismos xilófagos não
foram encontrados.

Quanto às instalações de incêndio, conforme se pode verificar nas fichas


fotográficas do anexo 7.4, extintores de incêndio de tipos diversos encontram-se
distribuídos pela edificação. No entanto, não foi encontrada nenhuma sinalização
indicativa de rota de fuga.

A situação mais crítica é em relação às instalações elétricas e de dados (que


incluem internet, telefonia), pois, em função da necessidade de adaptação ao uso para
abrigar as instalações da AMAC, muitas instalações foram executadas de modo
improvisado. Na ficha fotográfica 42 (figura E), observa-se o modem de onde partem as
instalações de rede que atendem o salão principal (térreo).

- Salão nobre da família Arcuri (pavimento superior):

No levantamento do salão nobre da família Arcuri, atualmente ocupado pelo salão


de dança do “Pequeno Artista”, estão presentes as pinturas parietais de Bigi e são
encontradas patologias diversas, conforme pode-se observar em maior detalhe no anexo
7.4 e nas fichas fotográficas 16, 17 e 18 (figura A) que constam neste mesmo anexo.

Os principais problemas foram, em relação ao piso, as sujidades aderidas e a


presença de manchas de oxidação nos ladrilhos conforme observamos no mapeamento. A
incidência deste patologia provavelmente foi em função da atuação da água no interior da
edificação em algum momento, pois nesta mesma parede existem vestígios de
microorganismos e deterioração do forro no trecho que coincide com a mancha de
ferrugem mais intensa. As carteiras que têm os pés de ferro sofreram oxidação ao entrarem
em contato com a água e, logo, restaram as manchas de ferrugem como vestígio.

Outra patologia identificada no piso foi a perda de seção de alguns ladrilhos em


função de choque mecânico com as portas.

Quanto aos forros, além deste trecho onde ocorreu, em algum momento, infiltração
de água, foi verificado deslocamento do alinhamento de algumas tábuas de madeira que o
compõe.

67
Figura 101. Aspecto geral do forro no salão Figura 102. Trecho onde ocorreu infiltração da
nobre da residência Arcuri. água.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

Também encontramos perda da camada pictórica por choque mecânico com as


carteiras. É possível perceber que os rodapés foram executados em ladrilhos hidráulicos,
porém, estes, em algum momento, foram encobertos por pintura acrílica.

Nas paredes encontramos vestígios de hidrocor e goma de mascar. Fissuras com


espaçamento maior foram identificadas; no entanto, estas não são de cunho estrutural,
porém, descaracterizam o aspecto original das vedações e comprometem a leitura das
pinturas parietais de Bigi.

Neste ambiente ocorre intervenção inadequada, com argamassa de preenchimento


em alguns trechos das paredes, onde provavelmente existiram fissuras. Tal solução
interrompe o painel de Bigi, comprometendo-o esteticamente. Também há indícios de que
pinturas parietais foram encobertas e seria necessário a realização de prospecções para
termos esta confirmação.

68
4. Posturas iniciais de Intervenção

4.1.Posturas gerais para intervenção no edifício-sede da Cia. Pantaleone Arcuri

Encerra-se, na etapa de Diagnóstico, a abordagem deste TFG I. No entanto,


mediante as informações obtidas até esta fase, aproveito para indicar posturas iniciais de
intervenção que serão adotadas e, principalmente, aprofundadas, durante o TFG II.

Ao propor uma intervenção num bem com valor patrimonial é fundamental o bom
senso, pois a responsabilidade envolvida neste tipo de projeto, de bens de interesse
histórico-cultural, é enorme. Outras questões também se destacam, como a importância da
atuação de equipes multidisciplinares, envolvendo diversos campos do conhecimento e,
logo, agregando qualidade técnica e otimizando levantamentos e a elaboração do projeto.
A compatibilização entre a preservação e as demandas de uso contemporâneo devem se
harmonizar com a edificação possuidora de interesse de preservação, garantindo que as
atividades ali propostas contribuam para a sua preservação. Devemos considerar, ainda, o
respeito ao bem como documento, que registra e “relata”, através de intervenções nele
feitas ao longo do tempo, possíveis demandas do passado.

Para a intervenção que proponho para o edifício sede da Pantaleone Arcuri, teremos
ações de conservação, qualificação de uso e restauro.

Pretendo adotar algumas premissas básicas de intervenção, condizentes com uma


proposta de intervenção para um bem possuidor de valor cultural. Ressalto então cinco
pontos fundamentais a serem considerados:

- DISTINGUIBILIDADE:

Segundo o Artigo 12º da Carta de Veneza:

Os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se


harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes existentes a fim de que
a restauração não falsifique o documento de arte e história (Disponível em
<www.iphan.gov.br> Acessada em 15 de maio de 2013).

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- REVERSIBILIDADE: deve ser prevista a possibilidade de se adaptar a
intervenção atual numa situação futura. Toda adição de um novo elemento que se faça
necessária deve acontecer de modo respeitoso e harmonioso ao bem.

- MÍNIMA INTERVENÇÃO: deve-se ter o cuidado para evitar intervenções


desnecessárias que possam vir a descaracterizar o bem, mantendo-se a sua autenticidade.

- COMPATIBILIDADE DE TÉCNICAS E MATERIAIS CONSTRUTIVOS:

Segundo o Artigo 10º da Carta de Veneza:

Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a


consolidação do monumento pode ser assegurada com o emprego de
todas as técnicas modernas de conservação e construção cuja eficácia
tenha sido demonstrada por dados científicos e comprovada pela
experiência (Disponível em <www.iphan.gov.br> Acessada em 15 de
maio de 2013).

- AUTENTICIDADE: os projetos devem respeitar os valores históricos, culturais e


artísticos do bem, mantendo ao máximo aquilo que dele perdura até os dias atuais e não lhe
causa qualquer tipo de dano.

No que tange ao restauro, explicito, neste primeiro momento, posição que será
adotada quando da elaboração do projeto que se baseia no que afirma Beatriz Kühl e na
Carta de Veneza, respectivamente: “É questão complexa, pois qualquer restauração, seja
para manter a função de origem, seja para estabelecer uma nova, interfere na edificação e,
por mais restrita que seja, implica mudanças” (KÜHL, 2009, p. 179).

A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional.


Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do
monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos
documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese.... A restauração
será sempre precedida e acompanhada de um estudo arqueológico e
histórico do monumento(Disponível em <www.iphan.gov.br> Acessada
em 15 de maio de 2013).

70
Em relação à conservação, as ações serão pensadas no sentido de diminuir e/ou
eliminar as causas para as degradações existentes, sempre tendo em conta os cinco pontos
de intervenção explicitados anteriormente no início deste item (distinguibilidade,
reversibilidade, mínima intervenção, compatibilidade de técnicas e materiais construtivos e
autenticidade).

Com relação ao uso proposto para o bem, será mantida a ocupação atual, com as
unidades da AMAC que hoje lá funcionam. Nas diversas visitas ao edifício, realizadas
durante a fase de levantamento, foi verificado um intenso grau de apropriação e
identificação dos usuários com o bem, ficando claro que já existe um uso consolidado e
que se harmoniza com o patrimônio em questão.

Por entender a importância do edifício-sede da Pantaleone Arcuri no contexto


histórico de Juiz de Fora e por verificar uma “carência” e curiosidade, por parte dos
usuários do edifício, em conhecer mais profundamente a história do mesmo, proponho
também a criação de um “Memorial da Companhia Pantaleone Arcuri”, além da instalação
de uma oficina de ladrilhos hidráulicos como forma de resgatar a memória da atuação da
Cia. de Pantaleone.

4.2.Posturas gerais para intervenção no entorno

Aproveito este momento para citar também posturas iniciais de intervenção para a
Rua Espírito Santo, entendendo que este entorno está fortemente relacionado ao edifício
sede e, portanto, a intervenção não poderia se encerrar no mesmo.

O objetivo geral é preservar e dar ênfase ao Conjunto Paisagístico da Praça Antônio


Carlos, buscando a sua requalificação através, inclusive, de ações de educação patrimonial.

Com a criação de um “calçadão” em parte da rua Espírito Santo e a implantação de


novos eixos de acesso ao bairro/centro e zona leste, teremos a melhoria da qualidade de
vida dos moradores e usuários do bairro, além da valorização do Conjunto Arquitetônico.

O “calçadão” que será proposto na rua Espírito Santo está compreendido no trecho
que se inicia no cruzamento com a Avenida Itamar Franco e encerra-se no cruzamento com
a rua Osório de Almeida. Desta forma, fica então criada toda uma ambiência que integra os
edifícios remanescentes da Cia. Pantaleone Arcuri e o entorno, gerando um espaço público
de qualidade.

71
A acessibilidade fica garantida com a instalação de rampas e traffic calmings (em
acordo com o projeto de mobilidade que está sendo implementado pela Prefeitura na
cidade), tendo os últimos, além da função de nivelar as calçadas para que os cadeirantes
façam sua travessia, a responsabilidade pela redução da velocidade dos veículos no trecho.

A arborização será feita com árvores de médio porte e espaçamento de 10 metros


entre elas, lembrando que o plantio será feito na calçada oposta ao posteamento, evitando-
se a interferência com a fiação elétrica.

Durante o levantamento, identificou-se a carência de mobiliário urbano, como


lixeiras nas proximidades do ponto de ônibus e edifícios remanescentes da Cia. Pantaleone,
onde existe grande fluxo da pessoas e, portanto, a necessidade de instalação destes
equipamentos.

Outro ponto chave nesta proposta será a execução das calçadas em ladrilhos
hidráulicos, no mesmo modelo dos remanescentes em frente ao Palacete Fellet, conforme
Figura 64. Desta forma, fica garantida uma continuidade visual no trecho, além do resgate
à memória cultural de Juiz de Fora, fazendo-nos relembrar o período em que os ladrilhos
eram aplicados nos passeios públicos e conferiam maior qualidade aos mesmos. É válido
lembrar que a sinalização tátil para os deficientes visuais será também instalada, porém,
somente com placas em tom de cinza, harmonizando-se com os ladrilhos hidráulicos.

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5. Conclusão

Como conclusão deste trabalho, opto por destacar algumas questões relacionadas
aos objetivos traçados para o mesmo.

1. Com relação ao uso atual, foi possível concluir que o mesmo é sim compatível com a
edificação e harmoniza-se com os usos existentes atualmente no entorno; porém, existe
carência quanto à história do bem e de tudo aquilo que foi realizado nele (inclusive a
produção de diversos materiais que reúnem saberes-fazeres diversos), por parte dos
próprios usuários, que sentem necessidade de ter maior conhecimento sobre a edificação
que ocupam. Neste sentido, proponho usos que venham a agregar-se ao existente hoje,
complementando-o. A criação de um memorial da atuação da Cia. de Pantaleone Arcuri e,
mesmo, a instalação de uma oficina de ladrilhos hidráulicos_ conforme apontado no TFG
da arquiteta Adriana Bragagnolo_ cumpririam este papel.

O memorial terá visitação aberta, atendendo não só aos usuários do edifício bem
como à população juizforana como um todo, que terá oportunidade de ter contato com este
patrimônio industrial, que faz parte da história da cidade.

Com a consolidação destes novos usos, ficaria garantido o resgate à memória


afetiva e cultural de Juiz de Fora além, é claro, do resgate da história da atuação da Cia.
Pantaleone Arcuri na cidade e região.

2. O limite de tombamento do Conjunto Histórico da Praça Antônio Carlos foi revisto e


ampliado, incluindo os edifícios histórico-culturais que haviam sido desconsiderados e
fazem parte do desenvolvimento industrial da cidade.

Com as posturas iniciais de intervenção para a revitalização do Conjunto


Paisagístico da Praça Antônio Carlos e requalificação do bairro, ficam elencadas as
soluções que serão adotadas visando potencializar a integração do bem com o entorno
imediato.

3. Os valores imateriais inerentes ao bem foram elucidados, ficando confirmada a


necessidade de seu registro.

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4. Conforme já mencionado, elementos possuidores de valor artístico, histórico, cultural e
arquitetônico foram desconsiderados no decreto de tombamento. Alguns destes elementos
acabaram descaracterizados, como pinturas de Bigi que foram encobertas por camada
pictórica sem valor cultural e os pilares do salão do térreo, que foram pintados na cor
vermelha. Considero então relevante a proteção do interior da edificação, a fim de
preservar elementos como as pinturas parietais de Bigi (que podem ser recuperadas), os
forros de madeira, os pisos em ladrilhos hidráulicos, as escadas em marcenaria, os pilares
do salão principal e demais elementos da edificação em que se identifique valor
patrimonial.

Munida de todas as informações, análises e conclusões obtidas no desenvolvimento


do TFG I, será possível elaborar um projeto de arquitetura para requalificação do bem,
contribuindo para sua preservação e conforto dos usuários. Esta etapa seguirá no TFG II,
quando então serão direcionadas todas as ações de conservação, restauração e de
qualificação do uso, com todas as soluções técnicas que isto implicará.

Desta forma, será devolvido à sociedade juizforana um de seus ícones ligados à


construção civil, contribuindo para o resgate da memória de um período de prosperidade
econômica e cultural de Juiz de Fora, permitindo uma maior apropriação do edifício pela
população em geral, além das melhorias para os usuários atuais, ficando garantida a
preservação do bem.

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6. Bibliografia

ARBACH, Jorge. CD-ROM Catálogo de Ladrilhos da Companhia Industrial e


Constructora Pantaleone Arcuri. Juiz de Fora.

PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A Preservação do Patrimônio Histórico de Juiz de


Fora: Medidas Iniciais. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento- Prefeitura de Juiz
de Fora, s.d.

OLENDER, Marcos. Ornamento, Ponto e Nó: Da urdidura pantaleônica às tramas


arquitetônicas de Raphael Arcuri. Juiz de Fora: FUNALFA/UFJF, 2011.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70, 2011.

CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. Belo


Horizonte: Annablume, 2009.

KÜHL, Beatriz. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas


teóricos de restauro. São Paulo: Ateliê, 2009.

Manual de Elaboração de Projetos: Programa Monumenta. Brasília, 2005.

Processo de Tombamento da Praça Antônio Carlos. Juiz de Fora: FUNALFA/DIPAC.

Processo de Tombamento das antigas instalações da Companhia Industrial e Construtora


Pantaleone Arcuri. Juiz de Fora: FUNALFA/DIPAC, 1988.

Processo de Tombamento da Villa Operária. Juiz de Fora: FUNALFA/DIPAC.

Manual de Conservação Preventiva para Edificações.

OLIVEIRA, Mônica. Vivendo a História: novas pesquisas. Rio de Janeiro: FGV, 2011.

Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Prefeitura


Municipal de Juiz de Fora, IPPLAN, 1999.

SANTANA E PIGLIESI, Rodrigo e Stella. Arquitetura Moderna em Juiz de Fora: A


contribuição de Arthur Arcuri. Juiz de Fora: Funalfa, 2002.

BRAGA, Márcia. Conservação e Restauro: Arquitetura. Rio de Janeiro: ED. RIO, 2003.

TREVISAN, Rosina. Projeto de Restauração: As fases preliminares de pesquisa histórica e


arqueológica – metodologia e influência no projeto final. Cidade: Editora, 2011.

Arquivo Histórico da UFJF

Normas da ABNT

ESTEVES, Albino. Álbum do Município.

75
Plantas e fachadas: PERMEAR

Plantas do entorno: base PJF

Cartas Patrimoniais: Veneza, Nyzhny Tagil, Washington e Quito.

CEMIG, Manual de Arborização

Sites pesquisados:

Disponível em <blogdopetcivil.com> Acessada em 17 de Junho de 2013.

Disponível em <www.patrimonioindustrial.org.br> Acessada em 19 de Junho de 2013.

Disponível em <www.amac.org.br> Acessada em 11 de Julho de 2013.

Disponível em <www.pjf.mg.gov.br/patrimonio/usina_marmelos.htm> Acessada em 20 de


Julho de 2013.

Disponível em <www.mariadoresguardo.com.br> Acessada em 25 de Abril de 2013.

Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaInicial.do> Acessada em 15 de


Maio de 2013.

Disponível em <http://www.pjf.mg.gov.br/> Acessada em 23 de Maio de 2013.

Disponível em <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.142/4270> Acessada em


02 de Junho de 2013.

76
7. Anexos

7.1.Entrevistas

No dia 10 de julho de 2013, foi realizada entrevista com a arquiteta Adriana


Stephan Bragagnolo. No ano de 1997, ela desenvolveu seu TFG tendo também como tema
a Sede da Cia. Pantaleone Arcuri & Spinelli. Questionada sobre sua visão atual da proposta
por ela desenvolvida naquele período, Adriana afirmou que ainda hoje acredita existir
demanda para alguns usos que foram propostos em seu trabalho, que englobava não só o
edifício-sede, mas também outros edifícios que compõem o complexo remanescente. Para
a sede da Cia., ela propos a ocupação com oficinas diversas, dentre elas a de produção
artesanal de ladrilhos hidráulicos, que é exatamente aquela que ela acredita ainda possuir
espaço no âmbito de Juiz de Fora, de modo que seja possível direcionar a intenção de
produção para resgate da memória cultural da cidade.

No dia 29 de julho de 2013, foi realizada a entrevista com o arquiteto Márcio


Arcuri. O neto de Raphael deu informações principalmente em relação à edificação, com
destaque à modificações sofridas pela mesma ao longo do tempo. Ele revela que havia um
elevador ao lado da escada que dava acesso à residência da família. Márcio confirma ainda
o funcionamento dos escritórios de Arquitetura e Engenharia no pavimento intermediário,
além da existência de uma porta que fazia ligação com o galpão ao lado.

Figura 103. Acesso ao elevador no pavimento Figura 104. Acesso ao elevador no pavimento
intermediário. superior.
Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13. Autoria: OLIVEIRA, Geórgia, 12/07/13.

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Com relação à fachada, o entrevistado afirma que havia adição de pó de pedra e
óleo de baleia ao reboco que compunha a mesma.

7.2. Proposta para uma nova delimitação do perímetro de tombamento e do entorno


do Conjunto da Praça Antônio Carlos

Ao delimitar o perímetro de tombamento e de entorno da Praça Antônio Carlos


(Figura 81), a Comissão Permanente Técnico Cultural_ CPTC (atual Conselho Municipal
de Preservação do Patrimônio Cultural_COMPPAC) incluiu apenas dois imóveis da rua
Espiríto Santo: o Castelinho da CEMIG e a sede da Construtora Pantaleone Arcuri.

Um trecho considerável, que contém importantes edificações desse período e que


tiveram uma relação direta com as instalações da Companhia foram desconsideradas no
perímetro de tombamento do Conjunto Paisagístico da Praça Antônio Carlos, inclusive o
Palacete Fellet, com projeto de autoria de Raphael Arcuri.

A área da citada rua Espírito Santo, onde se encontra a Villa Iracema, e a parte mais
baixa, onde se encontram as antigas instalações da Companhia Pantaleone Arcuri, até a
Rua Osório de Almeida, entrada do bairro Poço Rico, e mesmo a Rua Antônio Dias, já no
bairro Granbery, deveriam constar desse limite de tombamento.

Figura 105. Perímetro de Tombamento Atual. Fonte: JUIZ DE FORA. Processo de Tombamento do
Conjunto Paisagístico da Praça Antônio Carlos. Juiz de Fora: FUNALFA/DIPAC. (adaptado).

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Instalações da CEMIG (1), Villa Operária (2), Villa Iracema (3), Escola Normal (4), Espaço
Mascarenhas (5), 4º Depósito de Suprimento_DeSup (6 e 7), 12º Circunscrição de Serviço Militar_CSM
(8) e o edifício sede da Pantaleone Arcuri (9)

Proponho então a ampliação deste perímetro, entendendo o destaque da Rua


Espírito Santo na história do desenvolvimento desta região (Figura 106).

Figura 106. Novo perímetro de tombamento proposto.


Autoria: OLIVEIRA, Geórgia.
Instalações da CEMIG (1), Villa Operária (2), Villa Iracema (3), Escola Normal (4), Espaço
Mascarenhas (5), 4º Depósito de Suprimento_DeSup (6 e 7), 12º Circunscrição de Serviço Militar_CSM
(8) e o edifício sede da Pantaleone Arcuri (9)

79
7.3.Decreto de Tombamento da Sede

Figura 107. Decreto de tombamento da Sede- parte 1. Fonte: JUIZ DE FORA. Processo de
Tombamento das antigas instalações da Companhia Industrial e Construtora Pantaleone Arcuri. Juiz
de Fora: FUNALFA/DIPAC.

80
Figura 108. Decreto de tombamento da Sede- parte 2. Fonte: JUIZ DE FORA. Processo de
Tombamento das antigas instalações da Companhia Industrial e Construtora Pantaleone Arcuri. Juiz
de Fora: FUNALFA/DIPAC.

81
7.4. Fichas Fotográficas e Desenhos gerais

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