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IJUSP – Instituto Junguiano de São Paulo

Irene Pereira Gaeta

FILHOS DA MÃE - ANIMUS DA MÃE NA VIDA DO FILHO

Monografia apresentada ao

Instituto Junguiano de São Paulo

sob orientação do

Dr. Gustavo Barcellos.

São Paulo - SP

2014
Ao Gustavo Barcellos,

por aceitar navegar na reflexão tempestiva.

A todos os professores,

pela dedicação e sabedoria.

A meus filhos, Raissa e Marcel,

meus amores e esperanças das maravilhosas possibilidades

humanas.

A Ana Maria Galrãos Rios,

por me acompanhar em minha noite escura.


Gaeta, Irene Pereira. Filhos da Mãe, o animus da mãe na vida do Filho.

Monografia Instituto Junguiano de São Paulo, SP, Brasil, 2014, p.42

RESUMO

O objetivo desta monografia é fazer uma reflexão sobre um tema

contemporâneo: a ausência paterna. Trata-se de uma reflexão que se iniciou

através da observação da minha vida pessoal, percorrendo a clínica de

pacientes com difícil tarefa de atuação dos diferentes papéis sociais e a

dificuldade de escuta da alma que clama por paz. É singular o momento que

a humanidade vive. Vemos hoje os papéis de Pai e Mãe se modificarem a

ponto de a hegemonia do Pai dar lugar à da Mãe. A transformação cultural da

sociedade e o surgimento de novos modelos de família contribuíram

definitivamente para a incorporação dos “filhos da mãe” como parte legítima

de modos de ser.

Palavras chaves: anima animus, psicologia analítica,arquétipo


Gaeta , Irene Pereira . Sons of the Mother , the animus of the mother in

the life of the Son . A Monograph from the Jungian Institute of São Paulo ,

SP , Brazil , 2014, p.42

SUMMARY

The purpose of this monograph is to reflect on a contemporary theme: the

paternal absence.

It is a reflection that began by observing my personal life, from my work with

clinical patients who found it difficult to perform the different social roles they

had to, and also from observing how challenging it is for a soul that cries out

for peace to really be able to listen.

The moment humanity lives is singular. Today the roles of Father and Mother

have changed to the point that the hegemony of the Father has given led to

the hegemony of the Mother.

The cultural transformation of society and the emergence of new family

models definitely contributed to the incorporation of “The Sons of the Mother

“as a legitimate part of ways of being.

Keywords: anima, animus, analytical psychology, archetype.


Sumário

Introdução ................................................................................................................ 1

Capítulo I – Anima e Animus Hoje ........................................................................ 4

Capítulo II – Mulheres Identificadas com Animus .............................................. 16

Capítulo III – Filho da Mãe..................................................................................... 21

Capítulo IV – Complexo Materno do Filho............................................................ 26

Considerações Finais ………………………………………................................... 32

Referências Bibliográficas ................................................................................... 34


Mas que fator projetante é este? O Oriente dá-lhe o nome de “tecedeira”, ou
maia, isto é, a dançarina geradora de ilusões.
Se não soubéssemos disto há bastante tempo mediante os sonhos, esta
interpretação nos colocaria na pista certa: aquilo que encobre, que enlaça e
absorve, aponta inelutavelmente para a mãe, isto é, para a relação do filho
com a mãe real, com a imagem desta, e com a mulher que deve tornar-se
mãe para ele. Seu Eros é passivo, como o é de uma criança: ele espera ser
captado, sugado, velado e tragado. Ele procura de certo modo, a órbita
protetora e nutridora da mãe, a condição de criança de peito, distanciada de
qualquer preocupação com a vida e na qual o mundo exterior lhe vem ao
encontro e até mesmo lhe impõe sua felicidade. Por isto não é de espantar
que o mundo real se lhe retraia. (Jung, vol. IX/2. )
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FILHOS DA MÃE - ANIMUS DA MÃE NA VIDA DO FILHO

Irene Gaeta

Quando o pai é ausente, caímos mais


prontamente nos braços da mãe.
James Hillman

Introdução

É singular o momento que a humanidade vive. Vemos hoje os papéis de

Pai e Mãe se modificarem a ponto de a hegemonia do Pai dar lugar à da Mãe.

A transformação cultural da sociedade e o surgimento de novos modelos

de família contribuíram definitivamente para a incorporação dos “filhos da mãe”

como parte legítima de modos de ser.

Ausência paterna não é um fenômeno recente. Entretanto, há um

aumento no número de casos e diversificação na origem de tal lacuna:

produção independente, fecundação in vitro e engenharia genética são

manifestações concretas do fenômeno do poder e autonomia - eventualmente

narcísicos - assumidos pela mulher, na qual se observa uma enfatização da

atuação do animus em termos de relação com o mundo externo. Esta realidade

nos motiva a questionar o que será dos indivíduos nascidos neste contexto, os

“filhos da mãe”, e como será a nova sociedade regida pelo complexo materno.

Longe de querer explicar o fenômeno, esta reflexão traz uma série de

questionamentos que pretendem contribuir para sua compreensão e a de suas

consequências. Cabe ainda, no contexto a ser discutido, estabelecer uma

diferenciação entre o filho da mulher que tem um ego estruturado e uma boa
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relação com seu lado masculino, e o filho da mulher que tem o animus atuando

de modo autônomo.

Para demonstrar o modo como isso ocorre, tomemos o caso hipotético

de uma mãe, cuja inconsciência torna difícil para a criança alcançar uma

distância satisfatória, que favoreça a tomada de decisões e a descoberta da

própria identidade. Neste caso, pode ser que a criança não consiga

desenvolver um Ego forte o bastante para vencer a batalha com o dragão,

como é o caso de dependentes químicos. O “filho da mãe” pode desenvolver

um comportamento simbiótico exagerado. Muitas vezes essa ligação aparece

como a síndrome de amor romântico. Ao apaixonar-se, além do complexo

materno do indivíduo estar constelado, também sua carga histórico-social

ganha relevo. Há casos, em que o relacionamento amoroso pode colocar em

cheque a individualidade dos parceiros, impedindo que cada um seja quem

realmente é. Relacionar-se em profundidade pode tornar-se, para tais

indivíduos, ou um risco para ego a ser evitado a todo custo ou uma expectativa

de fusão simbiótica com o outro, promovendo uma regressão tão ameaçadora

quanto.

Para a psicologia analítica o mito do herói na batalha com o dragão é de

extrema relevância, metáfora do desenvolvimento do ego a partir do

inconsciente. A criatura da narrativa pode ser imaginada como uma cobra

alada, um monstro que pertence tanto à Terra quanto ao Céu, mais ao mundo

dos monstros do que ao dos seres humanos. O dragão ilustra a força criativa e

destruidora originada no inconsciente profundo da psique humana, aquilo que


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quer existir e que quer engolir tudo o que ousa nascer, impedindo que se

chegue à consciência, mantendo o indivíduo - ou devolvendo-o - a um nível

arcaico. Aqui, matéria, mãe e inconsciente se equivalem. O indivíduo corre

sério risco de se dobrar a esta força e, se isso ocorrer, estará fadado à

inconsciência, ou a desenvolver uma estrutura de personalidade nas diversas

manifestações do Puer, para sempre. Por outro lado, a conquista do dragão

libera um tesouro. Somente desenvolvendo a autonomia, o filho da mãe terá

chance de salvar seu Ego de ser devorado pelo dragão.

Mulheres desta geração sabem que a jornada de uma mulher à

consciência deve ser diferente da jornada de um homem, cujo mito de matar o

dragão (isto é, separação da Mãe) é atualmente obsoleto. O perigoso dragão

ou o aspecto negativo do arquétipo do Feminino não pode ser aniquilado; ele

oculta-se dentro de todas as mulheres e de todos os homens, embora de

maneiras diferentes.

Se não for conscientemente aceita, essa destruição reprimida dentro da

psique de mulheres e de homens devastaria nossa civilização com tal vingança

que nenhum herói seria capaz de interrompê-la. O único meio de apaziguar o

dragão é reconhecer que somos parte de sua natureza. E precisamos nos

relacionar com essa parte em lugar de tentar combatê-la e controlá-la.


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Capítulo I

Anima e Animus Hoje

Anima e animus vive num mundo bem diverso do mundo


exterior, num mundo em que o pulso do tempo bate
infinitamente devagar, em que nascimento e morte de
indivíduos contam pouco.
Carl Gustav Jung

Para compreendermos o fenômeno relacional humano e o

funcionamento psíquico, é de inestimável valor aplicar os princípios de anima e

animus propostos por Jung. Na análise, devemos adequar, flexibilizar e ampliar

tais conceitos, uma vez que o discurso recebe influências dos diferentes

contextos histórico-sociais. Jung propôs o termo anima para nomear a porção

feminina (contrassexual) que compõe a personalidade masculina; e animus

para a porção masculina existente na personalidade feminina. Se por um lado,

Jung desejava explicar a dualidade entre os sexos, por outro, queria dar

sentido à própria experiência subjetiva.

Voltando o olhar para as novas formas de relacionamento e a

multiplicidade de temas ligados à sexualidade na nossa contemporaneidade, a

visão clássica de Jung está exposta a críticas, mas a funcionalidade de sua

teoria é indiscutível. Afinal, quem não continua projetando e se encantando

com a ideia de que algo ou outra pessoa o complete? Assim, é legítimo rever
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os conceitos teóricos e atualizá-los adaptando-os ao contexto sociocultural

atual. Se antes, as possibilidades de vivenciar a sexualidade eram restritas em

função de atributos estreitos delimitantes de masculino e feminino, hoje não se

pode dizer o mesmo. Questões de gênero e sexualidade devem ser mais bem

compreendidas, pois demarcam identidades e subjetividades, que por sua vez

estão estruturadas sobre dinâmicas psíquicas e pressupostos localizados em

pontos específicos de tempo e espaço. Além disso, há uma linha que separa o

individual e o coletivo que deve ser mais claramente percebida. O gênero – e

as hierarquias de gênero que legitimam posições de poder no campo social – é

domínio do coletivo e está relacionado ao corpo e à sua apresentação social,

ao material; a sexualidade corresponde às instâncias do desejo ligadas à

fantasia e, portanto, diz respeito à obtenção de prazer, ao subjetivo.

Apesar de suportar longas críticas, tais questões são absolutamente

relevantes ao se pensar nos conceitos de anima e animus na

contemporaneidade. Por isso, justifica-se um esforço, no sentido de

compreender suas características arquetípicas e sua qualidade de

manifestação.

1.1 Arquétipos Anima e Animus

Um olhar mais tradicional percebe os pares contrassexuais, como

responsáveis pela paixão e pelo fascínio, como arquetípicos e como uma

espécie e ligação do mundo consciente para o inconsciente. Jung diz:


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Propus o termo anima porque o mesmo deve designar algo de


específico para o qual o vocábulo alma é geral e vago. O fato
que se exprime no conceito de anima é um conteúdo
sumamente dramático do inconsciente. Nem de longe exprime
seu caráter vital. O fator determinante das projeções e a anima,
onde quer que se manifeste, aparece personificada, mostrando
desse modo que ela possui todas as qualidades características
do feminino. É uma produção espontânea do inconsciente. Não
se trata de uma figura substitutiva da mãe, pelo contrário: a
impressão de que as qualidades numinosas que tomam a
imagem da mãe tão poderosa originam-se do arquétipo coletivo
de anima, que se encarna de novo em cada criança do sexo
masculino. Assim como a mãe é o primeiro receptáculo do fator
determinante de projeções do filho, assim também é o pai para
a filha. (Jung, 2011, p. 25)

Sobre o arquétipo de anima, Jung (1987, p. 77) acredita que “há uma

imagem coletiva da mulher no inconsciente do homem, com o auxílio do qual

ele pode compreender a natureza da mulher”. Emma Jung por sua vez,

também representante da visão clássica, descreve anima e animus como

arquétipos enraizados no inconsciente, que ligam aspectos pessoal e

impessoal, consciente e inconsciente. A autora também relata como padrões

arquetípicos, portanto anteriores, certas características específicas de cada

sexo, como, por exemplo, a masculinidade vista como força e objetividade.

Entretanto, novas descobertas de áreas correlatas à psicologia propõem a

formulação de novos modos de compreender e conceituar os arquétipos anima

e animus. Segundo Knox (2004), com os estudos da genética, descobriu-se

não haver codificação efetuada pelos genes de imagens ou processos mentais

complexos e que, portanto, a ideia de que os conteúdos arquetípicos seriam

“despertados” num passe de mágica é uma visão romântica.

Caminhando lado a lado com a ciência, sabemos que se faz necessária

uma releitura para tais conceitos. Se por um lado, sabe-se hoje que o material
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genético herdado não transmite imagens ou histórias, ou seja, os genes não

carregam informações abstratas nem esquemas complexos predeterminados,

por outro, permanecem as evidências de que há diferenças estruturais entre o

cérebro masculino e o feminino. Esse fato aponta para novas possibilidades

sem encerrar os questionamentos acerca da sexualidade humana. É preciso

olhar para a biologia e para a psicologia de maneira separada, pois se o

cérebro molda a psique, a psique também molda o cérebro.

A literatura traz diversos autores críticos à visão tradicional porque há

muita confusão na compreensão dos conceitos de anima e animus. São

observações importantes e devem ser analisadas de perto. James Astor (apud

Fillus, 2012) reconhece o conceito de arquétipo como confuso e difícil de

descrever. Já Verena Kast (2000) acredita que junguianos compreendem o

conceito de modo diferente. Dr. Valery von Raffay (apud Fillus, 2012) aponta

contradições na obra de Jung ao se referir ao arquétipo e à manifestação

arquetípica, sendo que não há possibilidade de o arquétipo herdar ideias inatas

ou um mundo anterior, aquele já formado e tido como verdadeiro ou exemplar.

John Beebe (apud Fillus, 2012) afirma deve-se evitar a exposição ao

reducionismo arquetípico, e concorda com von Raffay ao afirmar que uma

compreensão inadequada do conceito de arquétipo pode levar a desconsiderar

problemas constituídos em relações pessoais. Seguindo a mesma tônica,

David Tacey diz:

A ideia romântica de que os arquétipos estejam fixados em um


espaço de sono eterno e que essas entidades estáveis podem
ser acessadas por qualquer pessoa, a qualquer momento e em
qualquer lugar, precisa ser comparada à ideia de Jung que os
arquétipos são incognoscíveis e além da experiência humana.
(Tacey, 1997, p.30, apud Fillus, 2012, p.42)
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O mesmo autor é vigoroso em sua crítica às tentativas de engrandecer

comportamentos e atitudes de figuras mitológicas que representam modos de

ser imutáveis, independentes de elementos culturais, inclusive salienta que as

imagens arquetípicas não podem produzir estereótipos. A sensação é de que

tais imagens não são bem compreendidas e acabam sendo tratadas como

psicologismos. Um dos primeiros autores a contestar os conceitos postulados

por Jung foi James Hillman. Ele compreende que se anima e animus são

arquétipos, devem existir para ambos os sexos. Assim sendo, não há como

supor que o homem seja regido por logos e a mulher por Eros, mesmo que

sejam entendidos como elementos que compõem tanto o masculino quanto o

feminino. Esta ideia contradiz a própria definição da universalidade do

arquétipo.

Na tentativa de solucionar essa questão de imagens de masculino e

feminino supostamente estereotipadas, a proposta é olhar para o aspecto

arquetípico como a sizígia, que é o arquétipo da alteridade, os opostos juntos

na psique, a possibilidade de produção interior, de onde afloram os sistemas

arquetípicos anima e animus carregados de um aspecto numinoso mobilizador

do imaginário e da fantasia por onde a vida psíquica pode se integrar. É como

ser aquele que não se pode ser, a mulher que não pode ser homem e o

homem que não pode ser mulher.

Ao se rever os conceitos de anima e animus deve-se conceber a

identidade de gênero como flexível, e que tanto homens quanto mulheres

teriam anima e animus como par de opostos prototípicos (Young-Eisendrath,


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2002). Isto não quer dizer que a divisão entre sexos também seja flexível, ao

contrário, a contrassexualidade é um complexo a respeito do sexo oposto.

Young-Eisendrath chama atenção para o fato de a biologia ainda ser

determinante nas diferenças sexuais e por isso, os arquétipos de anima e

animus podem ser entendidos também como substrato biológico da

sexualidade. Falando sobre gênero, Andrew Samuels (1989) também afirma

que esta é uma questão psicossocial. Não há uma negação biológica e

tampouco motivos para crer em determinismo.

Para Fillus:

As reflexões a respeito de anima e animus podem


assumir aspectos diversos. O fato observado nos
relacionamentos indica que a fantasia em relação ao
outro é um mobilizador importante na dinâmica individual.
A maneira como cada indivíduo integra sua experiência
como fenômeno também interfere no modo como o outro
terá sua experiência com o fenômeno. (...) Ao final,
compreende-se mais uma vez que a individualidade do
sujeito tem muito a complementar essa percepção, que,
apesar de genérica, será ressignificada de acordo com
cada história, cada drama em ser, de fato, humano.
(Fillus,2012, p. 45)

Anima e animus são responsáveis pela criação de projeções na

constituição de relacionamentos, especialmente os amorosos. O indivíduo é

traçado no limiar do arquetípico e do cultural e no caminho do seu

desenvolvimento encontra uma trajetória plástica e multifacetada. São muitas

as possibilidades de reflexão acerca de anima e animus: a fantasia em relação

ao outro é um mobilizador importante na dinâmica individual; o modo como

cada um integra sua experiência como fenômeno também interfere na


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experiência do outro; transformações culturais e a compreensão para o tema

também são importantes. Ou seja, a discussão não se encerra sobre um ponto

de vista imutável, ao contrário, enquanto houver meios de transformação, o

debate deverá permanecer aberto. Tudo indica, portanto, que a individualidade

do sujeito complementa a percepção, que ganha novos significados de acordo

com cada história.

Sendo relação a palavra-chave para tudo que existe acerca da psique, o

indivíduo se relaciona com seu animus apoiado no reconhecimento da própria

realidade, o que equivale a reconhecer a realidade e a autonomia do

inconsciente. Para chegar a este ponto, é impreterível que haja o

reconhecimento das projeções. Habitualmente, o animus irá projetar-se sobre

homens exteriores, quando não for percebido conscientemente pela mulher

como parte dela mesma. Tal projeção pode ser percebida ao observar o

encantamento, a supervalorização ou a desvalorização desta mulher por um

homem.

As projeções de Animus se desenvolvem em quatro etapas:

1. Nasce como a encarnação da força física, como um atleta ou “homem

musculoso”.

2. No estágio seguinte desenvolve iniciativa e capacidade de

planejamento.

3. Então, torna-se “o verbo”, se manifestando muitas vezes como professor

ou clérigo.

4. Na sua quarta etapa, o animus se manifesta como a personificação do

“pensamento”.
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Nesta última fase, a vida pode ganhar novo sentido, pois o animus

assume o papel de mediador de uma experiência religiosa, dando à mulher

firmeza espiritual e amparo interior, rompendo com a aparente brandura. É

neste momento que a mulher se abre a novas ideias, pois o animus conecta a

mente feminina com a evolução espiritual da sua época. O animus positivo

imprime ousadia aos pensamentos estimulando novos empreendimentos. Essa

característica reservou à mulher de épocas antigas a tarefa de prever o futuro e

conversar com os deuses.

Se o maior número de genes femininos ou masculinos determina o sexo,

a representação da mulher no inconsciente do homem e vice-versa se dá pelo

fato do número menor de genes do sexo oposto produzir características

correspondentes a tal, mas por ser em menor número, permanece

inconsciente.

Desde a origem, todo homem traz em si a imagem da mulher;


não a imagem desta ou daquela mulher, mas a de um tipo
determinado. Tal imagem é, no fundo, um conglomerado
hereditário inconsciente, de origem remota, incrustada no
sistema vivo, tipo de todas as experiências da linhagem
ancestral em torno do ser feminino, resíduo de todas as
impressões fornecidas pela mulher, sistema de adaptação
psíquico herdado... O mesmo acontece quanto à mulher. Ela
também traz em si uma imagem do homem. A experiência
mostra-nos que seria mais exato dizer: uma imagem de
homens, enquanto que no homem se trata em geral da imagem
da mulher; sendo inconsciente, esta imagem é sempre
projetada inconscientemente no ser amado; ela constitui uma
das razões essenciais da atração passional e de seu contrario.
(Jung, 2006, p. 483)

Entre as funções do animus e da anima está a de estabelecer uma

relação entre consciência individual e inconsciente coletivo. De modo similar, a


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persona representa uma zona intermediária na busca de adaptação social, ou

seja, entre o eu e o mundo exterior. O caminho inverso é feito por animus e

anima que devem conduzir as imagens do inconsciente coletivo ao consciente

do eu. Há sempre um aspecto positivo e outro negativo e um aspecto primitivo

e outro diferenciado nas manifestações arquetípicas, inclusive animus e anima.

Para Jung:

Em sua primeira forma inconsciente o animus é uma instância


que engendra opiniões espontâneas, não premeditadas; exerce
influência dominante sobre a vida emocional da mulher,
enquanto que a anima é uma instância que engendra
espontaneamente sentimentos que exercem sua influência
sobre a compreensão do homem e levam à sua distorção.
(Jung, 2006, p.351)

As projeções do animus se dão principalmente em personalidades

religiosas e heróis, inclusive celebridades das áreas da música, artes e

esportes. Já a anima ocupa um espaço que, na mulher, é vazio, inconsciente,

ermo e solitário. No decorrer do processo de individuação, alma e consciência

do eu se aliam e verifica-se, portanto, uma porção feminina no homem e

masculina na mulher. Enquanto a anima reúne, o animus na mulher

individualiza. Como são configurações opostas, no nível da realidade

consciente constituem um cenário conflituoso, ainda que a relação consciente

do parceiro seja equilibrada.

A anima é o arquétipo da vida... pois a vida se apodera do


homem através da anima, se bem que ele pense que a
primeira lhe chegue através da razão (mind). Ele domina a vida
com o entendimento, mas a vida vive nele através da anima. E
o segredo da mulher é que a vida vem a ela através da
instância pensante do animus, embora ela pense que é o Eros
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que lhe dá vida. Ela domina a vida, vive, por assim dizer
habitualmente, através do Eros: mas a vida real, que é também
sacrifício, vem à mulher através da razão que nela é encarnada
pelo animus. (Jung, 2006, p. 351-352)

Capacidade de decisão, iniciativa, coragem e honestidade nascem do

lado positivo do animus, que no seu aspecto maior, personifica uma elevada

profundidade espiritual. É através dele que a mulher se conscientiza dos

processos básicos de desenvolvimento da sua posição objetiva, tanto no

quesito cultural quanto no pessoal, para encontrar a trajetória que a levará e

elevará a uma atitude intensamente espiritual em relação à vida. Para tanto,

seu animus talvez já não emita mais opiniões absolutas. Neste processo,

amparada pela coragem e pela grandeza de espírito, a mulher poderá avaliar a

intangibilidade das suas convicções, se tornará mais flexível e apta a aceitar os

conselhos vindos do seu inconsciente, especialmente aqueles que contradizem

as ideias do seu animus.

Anima e animus vive num mundo bem diverso do mundo


exterior, num mundo em que o pulso do tempo bate
infinitamente devagar, em que nascimento e morte de
indivíduos contam pouco.
Não admira que seu ser seja estranho, tão estranho que
sua entrada na consciência significa muitas vezes algo
como psicose. (Jung, 2008, pg. 280)

Originalmente, o animus é uma formação espontânea, involuntária de

opiniões que exercem uma poderosa influência sobre os sentimentos,

projetando-se sobre personalidades religiosas e heróis. A anima também é

uma formação espontânea, mas que influencia ou distorce a razão. Nos dois
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casos, o aspecto incestuoso desempenha um papel decisivo: a projeção ocorre

na mulher jovem sobre o pai; na de mais idade, no filho; no homem jovem, na

mãe; no mais velho, na filha.

O primeiro foi seu pai


O segundo seu irmão
O terceiro foi aquele que a Tereza deu a mão.

Enquanto a anima no homem procura juntar, o animus na mulher exige

individualizar, distinguir. São contrários e isto gera conflitos. Embora o

consciente não se identifique com o inconsciente, há um confronto que deve

ser levado em consideração, pois tem papel fundamental no desenvolvimento

do sujeito. O consciente deve conseguir se expressar seja verbalmente,

gestualmente ou através de sentimentos. Do contrário, a antiga cisão

reaparece e com ela todas as consequências que o desprezo ao inconsciente

pode acarretar. Mas caso sejam feitas muitas concessões ao inconsciente,

poderá ocorrer uma inflação da personalidade, no sentido positivo. De qualquer

modo, sempre haverá um conflito entre “prós” e “contras”, o que é certamente

desconfortável, mas inevitável, pois não é possível fugir de si mesmo o tempo

todo. É uma cruz a ser carregada. De acordo com a alquimia, essa oposição

tem uma estrutura quádrupla, possui quatro elementos e forma a imagem de

uma cruz, que corresponde à realidade psíquica, à criação do Ego a partir do

inconsciente, tanto por sua forma cruzada, quanto por seu aspecto de suplício.

Pode-se dizer, então que carregar a cruz é um símbolo que ilustra

adequadamente a totalidade e a paixão. Assumir uma postura de fuga diante


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da vida deixa a pessoa amarga. Entretanto, viver bem consigo mesmo exige

um esforço no sentido de destinar para si paciência, amor, fé, esperança e

humildade.

Esta conduta pode trazer questionamentos sobre a própria felicidade,

autoacolhimento e reconhecimento de carências, o que poderá descortinar um

“demônio” interno provocador e tornar a autoconvivência insuportável até que

se ganhe a consciência de que não se deve dar ao outro aquilo que não se dá

a si mesmo, seja bem ou mal.


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Capítulo II

Mulher identificada com o animus

Toda psicologia individual deve ter seu próprio


manual, pois o manual geral contém apenas a
psicologia coletiva.
Carl Gustav Jung

Como podemos compreender a mulher identificada internamente com

seu animus?

Seria a mulher independente, que gera filho sozinha, que congela óvulos

para gerar filhos quando encerra a jornada profissional, que é solteira por

opção?

Falamos aqui da mulher que, a partir de sua identificação com seu

animus, é rígida, abertamente intelectual e que acabou perdendo o contato

com seus instintos femininos.

Os atributos são vários: rigidez de pensamento, crítica, exigência severa

de si e do outro, nenhuma curiosidade sobre os mistérios da vida, mentalidade

materialista ao extremo.

Não podemos confundir animus com intelectualidade, embora exista. A

mulher identificada tem seu intelecto rígido e agressivo. Seu julgamento é

superficial e radical, sua percepção de mundo é cruel, imagina saber o que é

bom e certo, bonito para si e para o mundo. Diz como todos devem viver,

ganhar e gastar seu dinheiro. Profetiza e ameaça os amigos com ideias de um


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futuro ameaçador e fatal. Ninguém sobreviverá à crise da economia mundial,

“ficaremos pobres e sós, o câncer não perdoa e seremos sua próxima vítima”.

Essa mulher não percebe que sua intelectualidade pode ser

desenvolvida sem a identificação exacerbada de seu animus.! Uma das

características mais típicas da mulher identificada com o animus é a rigidez.

A flexibilidade é característica do ego maduro, livre da atuação

autônoma de complexos. A identificação com o animus produz rigidez tanto do

pensamento, quanto do sentimento, traduzindo-se em julgamentos duros, que

respondem a leis gerais e não a características específicas das situações, das

percepções que tendem a se tornar demasiadamente concretas a respeito de

objetos físicos e padrões de comportamento, e também das intuições que

tomam tom de profecias, frequentemente negativas, tanto em termos dos

indivíduos, quanto da coletividade.

Consequência natural dessa identificação é a dificuldade com os

relacionamentos. Afastadas dos instintos femininos, tornam-se vulneráveis a

paixões compulsivas e destrutivas. Seus parceiros normalmente são homens

narcísicos e truculentos. O que buscam realmente é um homem cujo animus

seja mais poderoso que o seu.

Mulheres fortes são frequentemente atraídas por homens fracos e

covardes, como uma imposição do destino, e passam a estar então cheias de

fantasias de serem suas salvadoras, resgatando-os do alcoolismo ou de

alguma outra forma de decrepitude.

Com a “queima de soutiens”, movimento feminista da década de 60, as

mulheres puderam entrar no mundo acadêmico, empresarial, competindo de

igual para igual com os homens. Podemos considerar esse fato como uma
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manifestação do que está acontecendo nos níveis profundos no espaço-tempo

essencial, mítico e arquetípico. O controle está todo nas mãos dessa mulher. A

escolha e decisão de ter um filho ficam totalmente atreladas à sua disposição.

Anticoncepcionais, técnicas de inseminação dão a ela esse poder.

Para Bolen (1994) foi uma libertação do arquétipo Atena nas mulheres –

uma mente competente e impessoal que poderia criar estratégias e usar o

poder. Da mesma forma que a deusa Atena emergiu da cabeça de Zeus, as

mulheres que tinham as habilidades de Atena se tornaram visíveis e foram

reconhecidas e valorizadas pela cultura do Pai.

As mulheres da atualidade com identificação com o animus, geralmente são

divorciadas ou casadas com donos de casa, que parecem vivenciar parte de

sua própria anima.

Há que se destacar nessas mulheres seu impulso perfeccionista. Elas

estão no nosso cotidiano, nos consultórios, altamente intelectualizadas e de

sucesso. Consequência disso, deprimidas e infelizes, engajadas em atividades

compulsivas, não raro viciadas em comida, álcool, drogas, dinheiro e amor.

Com dificuldade em expressar seus sentimentos e emoções, seus

relacionamentos são complicados e difíceis de serem mantidos.

Com o feminino afastado e apesar do sucesso exterior, estas mulheres

têm uma autoimagem bastante comprometida. Poderíamos dizer que

“venderam a alma ao diabo”, ou seja, ao animus. Foi-lhes conferido sucesso no

mundo dos homens, mas ausência total no universo das mulheres. Se discurso

é inteligente, lógico, mas não conseguem falar de amor, ou revelar seus

verdadeiros sentimentos, pois não conseguem acessar a profundidade de seu

ser.
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Seria a revolta das Deusas reprimidas?

Depois dos anos 60 e nesse início de século XXI percebemos a

desvalorização das atividades domésticas e da maternidade. São filhas do

desenvolvimento tecnológico, de uma educação que prioriza qualificação e

aptidões científicas. A intuição, sentimentos, subjetividade, tolerância e

capacidade de se relacionar tornaram-se “artigos” de 2ª necessidade.

No entanto, na atualidade, quando as mulheres chegam aos 45 anos

lamentam não terem tido filhos. Na verdade Homens e Mulheres de nossa

época são vítimas deste momento singular que vivemos.

Para Stein (1990) não podemos fazer uma reflexão sobre a opressão

apolínea das mulheres uma vez que os homens vêm sendo, no mínimo,

igualmente oprimidos por este espírito dominador de nossos tempos. O

Feminino em homens e mulheres está sofrendo. Na verdade o que é realmente

imperativo é a liberação do Feminino, e não das mulheres. Afrodite simboliza

uma dádiva divina que não pertence apenas a mulheres, mas pertence a toda

vida.

Para a escritora Camille Pagllia (2014), a questão ficou complicada, pois

as mulheres venceram e agora? O que fazer com esta vitória? Desde que a

escritora e intelectual Camille Paglia “abandonou a estrada”, depois de ter

lançado mundialmente a luta pelos direitos das mulheres ainda nos anos 1960,

muitas feministas, órfãs de ideias, deturparam os objetivos da luta e passaram

a instigar o embate entre gêneros, o conflito sexista. Numa visão simplista,

maniqueísta, semeiam o conflito das mulheres contra os homens, como se


! 20!
!

vivêssemos em mundos opostos. As reivindicações agora não são mais pelos

direitos das mulheres, mas por privilégios que se sobreponham aos direitos

iguais — à isonomia jurídica e social — por interesses políticos e econômicos,

etc.

Neste cenário, nasce o filho da mãe.

Uma fixação total na mãe pode, portanto levar a uma falência completa

do desenvolvimento, isto é, a uma falta de autonomia que possibilita não

somente o relacionamento com um parceiro, mas até o desenvolvimento

profissional adequado.
! 21!
!

Capítulo III

Filho da Mãe

Entre os espíritos possíveis, os espíritos dos pais são


praticamente os mais importantes; daí a difusão universal
do culto dos antepassados.
Carl Gustav Jung

1. Filho da mulher identificada com o animus

No processo de identificação com o animus, é possível que as mulheres

percam um pouco do poder feminino e, na tentativa de ocupar o lugar do pai,

não desempenhem este papel com a mesma força que o homem. A descrença

na capacidade masculina de prover o necessário para o desenvolvimento que é

frequentemente encontrada na psique dessas mulheres que tentam ser auto-

suficientes, é castradora para o desenvolvimento do ego masculino de seus

filhos na medida em que despotencializa a atuação masculina.

Segundo Monick (1993), a castração edípica, quando feita pelo pai,

implica numa atitude que retira o filho de sua fantasia de onipotência narcísica

infantil, mostrando-lhe que ainda é pequeno, mas, que tem potenciais de

crescimento, que, quando atualizados, na idade adulta favoreceram a

superação do próprio pai. Esta mesma castração, ao ser efetivada pela mãe,

vem com um tom que o desqualifica, dizendo, por exemplo, que o menino não

tem capacidade e nem precisa desenvolver suas competências, que sua mãe

pode fazer por ele ou que o mundo não o merece ou compreende. Os

sacrifícios e frustrações inerentes ao crescimento são considerados pela mãe


! 22!
!

castradora como desnecessários para seu filho especial, que não precisa se

adaptar a um mundo que não está à altura de sua qualificação.

Seu filho, ao ser dependente desta mãe distanciada da dinâmica

feminina, e atuando mais intensamente a partir de um modelo masculino,

impossibilitado de se identificar com ela por ser de outro gênero, se não

encontra em seu ambiente modelo masculino forte, fica castrado, impotente e

então ingressa num grupo de filhos aprisionados, ou seja, uma legião de “filhos

da mãe”, desprovidos tanto do alimento materno quanto da proteção e

orientação para o mundo paterno.

Talvez seja possível afirmar que tudo tenha começado com a “filha do

pai” - aquela mulher que inconscientemente, em algum estágio, começa a se

identificar mais com o próprio pai e com o elemento masculino interior (animus)

do que com a mãe e o principio feminino (anima). Mas se a origem dos “filhos

da mãe” se deu graças a uma “filha do pai” nasce a pergunta: qual a postura

deste pai que provocou na filha a necessidade de ocupar seu lugar? Não temos

a resposta, mas sabemos que as “filhas dos pais” tendem a aderir ao Pai

Mundo da sociedade, e desenvolverem competência e confiança – exceto,

algumas vezes, no que diz respeito a traços de feminilidade e estereótipos de

beleza. Ao ser dominada pelo complexo animus ao invés de o ser pelo Ego, a

mulher moderna vivencia a perda do poder ficando presa ao animus e

abandonando o reinado feminino, deixando de ser fomentadoras de

desenvolvimento e passando a competir com o masculino, em atuação

destrutiva em relação à masculinidade nascente de seus filhos, gerando os

“filhos da mãe”, sem força, sem autonomia, filhos que não vencem o desafio do

dragão, que são eternamente jovens (Puer Aeternus).


! 23!
!

As super poderosas com sucesso profissional, sentem-se superiores,

muitas vezes despotencializando o filho. Parece haver um encolhimento do

filho frente à potência da mãe.

Emma Jung fala sobre masculinidade feminina presente também na vida

amorosa:

(...) seu erotismo tem então um caráter agressivo masculino,


não sendo condicionado ao sentimento nem ligado a ele, como
é o caso normalmente com as mulheres, funcionando,
entretanto para si, sem estar associado à totalidade da
personalidade. (Jung, E. 2006, p.18).

Ou seja, ao assumir uma postura masculina, a mulher perde seu poder

essencial: o feminino.

Quando se consegue diferenciar do animus e se afirmar em


relação a ele, em vez de se deixar devorar por ele, então ele
deixará de representar apenas um perigo, tornando-se ao
contrário uma energia criativa; nós precisamos dela, pois por
mais estranho que isso possa parecer, somente incorporando
esse ser masculino da alma, para que ele aí exerça a função
que lhe cabe, será possível ser realmente mulher no seu
sentido mais elevado e, já que ao mesmo tempo somos
autênticas, também cumprir nosso próprio destino humano.
(Jung,E, 2006, p. 54)

Uma vez que na geração anterior houve uma identificação em massa

das mulheres com os valores masculinos, uma vez que historicamente o papel

das mulheres era muito desvalorizado, com o advento da liberdade sexual e a

possibilidade de participar do mundo produtivo, observamos uma inundação de

mulheres fortes prescindindo e desconfiando da força masculina. As filhas do

pai tendem a entender a proteção e cavalheirismo masculinos como


! 24!
!

desqualificação e dispensar a presença dos homens para seu

desenvolvimento, às vezes tão concretamente como quando se compra sêmen

com o propósito de reprodução independente. Em oposição à conduta comum

na geração anterior, não se confia que o pai vá ser capaz ou vá desejar prover

a prole ou ser o companheiro da velhice. Dispensar o pai na criação do filho

traz consequências na psique deste. São com essas consequências que

estamos lidando nos nossos consultórios no dia a dia, tanto com os homens

com características puer quanto com as mulheres superpoderosas que se

queixam de solidão.

Essas mulheres que não confiam que o homem vai dar, o que anseiam

que dão tudo e são deixadas pobres. A falta de confiança no masculino

despontencializa o homem nesta relação fadada ao fracasso, pois onde não se

espera nada, onde não se planta a semente não floresce nada.

O desenvolvimento da função do amor é da mais alta importância para a

ação e a vida criativa, pois é através dele que há o reconhecimento da

necessidade fundamental da alma de se unir a outra, o que significa perceber

certa vulnerabilidade em si e sentir-se verdadeiramente humano.

Tanto o animus quanto a anima possuem uma dimensão espiritual e

uma sensual. Alguns autores, como Murray Stein (2013) acreditam que o

animus espiritual tenha funções importantes que são bem representadas pelos

arquétipos do irmão e do filho. O arquétipo do irmão carrega o princípio de

Eros, que deseja a intimidade espiritual e a ligação com a alma de outra

pessoa; já o arquétipo do filho traz o princípio fertilizador de renovação.

Também a ação da anima e a ação do animus sobre o Eu são idênticas e de


! 25!
!

difícil remoção, pois são persuasivos e imprimem o sentimento inabalável de se

possuir nas mãos justiça e verdade; e com sua origem projetada, parece ter

fundamentos sólidos em objetos e situações objetivas. Para Jung (2011), a

natureza é conservadora e não se altera facilmente. Sendo animus e anima

elementos de tal domínio, que defende sua inviolabilidade com obstinação, a

conscientização das próprias projeções é uma batalha muito maior do que o

reconhecimento de seu lado sombrio, que ocorre ao se vencer certas

resistências morais como vaidade, cobiça, ressentimentos, entre outros.


! 26!
!

Capítulo IV

Complexo Materno no Filho

Que parte misteriosa de sua personalidade é essa


que escondeu por detrás das imagens de pai e mãe e
que por tanto tempo o fez acreditar que a origem do
seu mal o atacou de fora?
Carl gustav Jung

Além da situação descrita na qual a mãe está identificada com os

valores masculinos, encontramos casos nos quais o elemento masculino está

ausente, e a mãe permanece atuando de forma feminina.

Em Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo (2002), Jung chama a

atenção para os desdobramentos do complexo materno no filho. Entre os

efeitos mais observados estão homossexualismo, donjuanismo e,

eventualmente, impotência.

No homossexualismo o componente heterossexual fica preso à


figura da mãe de modo inconsciente: no donjuanismo, a mãe é
procurada inconscientemente em cada mulher. Os efeitos do
complexo materno sobre o filho são representados pela
ideologia do tipo Cibele-Átis: autocastração, loucura e morte
prematura. (Jung, 2002, p.95)

Na mitologia clássica o enlaçamento entre espírito e mundo materno é

ilustrado pela Grande Deusa e seu jovem consorte, filho, amante e sacerdote.

Atis, Adônis, Hipólito, Faentonte, Tamuz, Endimião e Édipo são exemplos

desse vínculo erótico. Mesmo sendo um conceito da psicopatologia, o


! 27!
!

complexo materno também pode apresentar aspectos positivos. Se houver

uma diferenciação de Eros em uma bem sucedida resolução do conflito erótico,

o filho pode ter desenvolvidas caraterísticas como bom gosto, harmonia

estética e dons de educador com toques de intuição e tatos femininos ou ainda

uma alma ansiosa por preservar cuidadosamente valores do passado.

Como se constitui um complexo materno negativo? A questão não é tão

simples quanto parece, pois o que está em pauta não é só a interação com a

mãe pessoal relação com a mãe arquetípica, com o campo materno total.

Supondo na questão do filho indesejado, ou filhos que recebem críticas

constantes da mãe, uma não aprovação constante (acidez da mulher com

animus exacerbado) não possibilitam nenhuma chance de interação favorável

com o mundo.

Há uma falta de confiança no filho, como se ele não fosse capaz de

fazer nada, ela interfere e faz para o filho, despontencializando qualquer

iniciativa rumo à autonomia.

O mundo se torna para este filho frio, há um sentimento de não ser um

si-mesmo bom e de viver de fato em um mundo ruim. Pensa que seria melhor

não existir. “O mundo é tal como é, e o indivíduo sente que é ele mesmo o

culpado de sua própria infelicidade. Esse sentimento de culpa tem raízes

profundas”. (Kast, 1997, pg.159)

Enquanto o complexo materno positivo transmite uma confiança básica,

primordial, o direito a existência, o completo materno negativo promove uma

desconfiança primordial, que resulta num medo existencial profundo, um não a

vida.
! 28!
!

Para James Hillman (1998), declarar negativo o complexo é congelá-lo

no inferno e propõe que se repense a questão do Puer Aeternus em relação

com a mãe. A ideia de Puer negativo e positivo também deve ser revista. O

complexo de Édipo é apenas um modelo da relação entre filho e mãe que

produz os entrelaçamentos fatais do espírito com a matéria, chamados

neuróticos a partir do século XX. Tentativas desesperadas, agoniadas e

trágicas para desatar o nó primordial da neurose mostra como são fortes as

suas necessidades mútuas. O laço original de espírito e matéria é

personificado pelo abraço apertado ou pela conjunção erótica entre mãe e filho.

O espírito está tão imerso no corpo material, seja se deliciando ou se

contorcendo para sair, que dificilmente podemos descobrir outras

interpretações do espírito.

Mas afinal quem é o pai que falta? Não é o pessoal, mas aquele

espiritual, o Deus morto que oferece um foco tal que não incita o filho a buscar

respostas em sonhos e oráculos mais do que nas orações, códigos, tradição e

ritual. Hillman (1998) questiona o que acontece quando Puer, como estrutura

fundamental da psique, perde sua autoidentidade, sua posição dentro da

totalidade Puer-Senex (jovem-velho) e é sutilmente substituído pela figura do

filho da grande mãe. “Quando a mãe substitui o pai, a magia substitui o logos

(verbo) e os filhos sacerdotes invadem o espírito Puer.” (Hillman, 1998, p. 75)

Como não conseguem retroceder para reviver o pai morto da tradição,

os filhos caminham para dentro das mães do inconsciente coletivo procurando

uma total compreensão e a garantia de segurança. “A mãe encoraja o filho a

seguir em frente e a abraçar tudo, que para ela, significa todas as coisas,
! 29!
!

enquanto para o pai, ao contrário, tudo significa nada, a menos que seja

discriminado.” (Hillman, 1998, p. 77)

Sem o pai perde-se também a habilidade de reconhecer um chamado e

discriminar vozes, atividade essencial para a psicologia. O espírito que não tem

pai, não tem guia. A divisão entre Senex e Puer dá lugar a certa mistura de

ordem espiritual (astrologia, ioga, filosofias espirituais, etc).

Sem o pai perdemos também aquela capacidade


que a Igreja reconheceu como “discriminação dos
espíritos”: a habilidade para reconhecer um
chamado quando o ouvimos e para discriminar as
vozes, atividade tão necessária para a psicologia
precisa do inconsciente. (Hillman, 1998, p. 76)

Inércia passiva e dinâmica compulsiva da natureza são características

do reino da Grande Deusa. Há um ciclo protetor, que nutre e gera animais e

plantas, desde a semente até a morte. Este é um lugar cheio de afinidades com

o belo, atemporal e emocional e suas preferências apontam para laços de

parentesco, mas também para o obscuro, opaco, estancado. A mãe, como

aquela que nutre tal qual a vida natural, fornece ao Puer dose excessiva de

alimento e, com isso, reforça alguns traços básicos do filho exigindo que ele se

comporte como dependente. O complexo materno dificulta a precisão do

espírito, elemento de pouca compreensão pela Grande Deusa, que o apreende

no relacionamento com ela. O espírito deve ter efeitos no mundo material: vida

e pessoas. Ainda que o filho reconhecesse a mãe em seus atos, fugisse e se

refugiasse em abstrações e fantasias impessoais, ele continuaria sendo o filho


! 30!
!

impregnado pelo animus da Deusa. Mãe e filho se constituem como modos de

percepção.

A íntima associação entre mãe e filho na psique é


imaginada como incesto e experimentada como êxtase e
culpa. O êxtase segue as duas direções verticais, a divina
e a infernal, mas a culpa não encontra alivio. A grande
mãe transforma a divida do puer para com o
transcendente – o que deve aos deuses por seus dons –
numa dívida de sentimento, numa culpa em relação aos
símbolos na vida material. Ele paga a mais para a
sociedade através da família, do emprego, dos deveres
civis, e evita seu destino. (Hilman, 1998, p. 79)

Os heróis são andarilhos (Gilgmesh, Dionisio, Hercules, Mitra, etc) e o

caminhar errante é símbolo da busca incessante que nunca encontra seu

objeto e da nostalgia da mãe que se perdeu. De acordo com Jung (1912), esta

mãe perdida é o objeto secreto da caminhada. Há uma parte da libido, a libido

renegada, que se afasta das tarefas heróicas e deseja voltar e mergulhar na

mãe de maneira incestuosa, mas não consegue, pois é intimidada pelo tabu.

Uma vez que a libido não atinge seu objetivo, segue caminhando errante e

ansiando para sempre. Essa explicação dinâmica é a primeira e clássica

elaboração junguiana da figura arquetípica do Puer Aeternus: o componente

eternamente jovem da psique humana, homem ou mulher, jovem ou velho, que

está sempre caminhando e que está ligado à mãe arquetípica. A psicologia

junguiana propõe considerar o caminhar errante como símbolo do anseio

nostálgico, que pode não ter nada que ver com incesto. Vejamos o caso de

Ulisses, o andarilho primordial. Sentado na beira do mar, na ilha onde mora

Calipso, o olhar desconsolado, ele está repleto de nostalgia. Pensa que não
! 31!
!

existe nada pior para o mortal do que o caminhar errante. Anticléia, Telêmaco,

Eumeu sofrem de saudades de Ulisses. (Hillman, 1998 p. 186). Mas Ulisses

deseja apenas voltar para casa, não pela sua mãe, mas por seu lar e pela ilha

onde nasceu. Mesmo que Calipso e Ogígia possam preencher suas

necessidades libidinais incestuosas e renegadas. Ulisses sofre e anseia por

seu lar, pela enorme cama redonda onde dormia com Penélope. A nostalgia

nasce da separação das duas metades, da falta de conjunção. (Hillman, 1998

p. 188).

O papel do arquétipo materno regressivo e devorador é claramente

discriminado da matriz criadora. Jung insere tal dualidade dentro de uma

fantasia em cada metade da vida, que também é uma dualidade: a do Puer-

Senex, que são estruturas da consciência válidas em todas as fases da vida.

Para o jovem “entrar na mãe” significa praticar um ato incestuoso; para o velho

“entrar na mãe” representa o caminho da renovação, da individuação. Parece

que o mundo hoje vive um período em que seu Ego heroico atingiu o ápice e

que os complementares Senex e Puer ganharam grande relevância. Jung diria

que esta fase da consciência coletiva corresponde a da segunda metade da

vida.
! 32!
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Considerações Finais

Para os indivíduos que vivem na atualidade e estão inseridos nesta


cultura, a batalha com o dragão e a posição heróica da primeira metade da vida
estão arquetipicamente erradas, apesar da idade do indivíduo. Essa é uma
postura obsoleta, completamente fora de sintonia com o tempo atual, e cada
vitória sobre o dragão simboliza uma derrota diante da tarefa da cultura atual:
tornar-se consciente do Senex em todo o seu significado arquetípico e a ele
relacionar a fenomenologia do Puer.

Considero importante esta reflexão, pois a dificuldade nos


relacionamentos interpessoais e a desvirilização masculina apontam para uma
crise.

A nova mulher vive no mundo de um homem, onde ela se volta contra as


forças da feminilidade que estão situadas no âmago de sua identidade.

A relação com os filhos também é permeada pelo desenvolvimento de

um complexo filial. Neste emaranhado circular, também expectativas irreais

que ultrapassam a individualidade dos filhos são jogadas, dificultando o

processo de desenvolvimento de cada um.

No entanto a capacidade de libertação independente da relação

materno-filial biológico-arquetípica depende da própria natureza individual de

cada um.
! 33!
!

Vemos em nosso consultório indivíduos que, apesar de todo cenário

difícil, conseguem a libertação apesar do constrangimento provocado pelo

aprisionamento do animus da mãe.

São indivíduos que possuem uma vitalidade, ligada a um fator de

atividade do eu que lhe confere a capacidade de superação.

Na vida real, uma mulher consegue reconhecer que está chegando a um


equilíbrio entre os dois arquétipos dentro de si mesma quando ela já não é
impelida a uma ação, fala ou defesa de um coletivo ideal antes de perceber o
que realmente valoriza em si mesma. Quando sua natureza feminina não é
anulada por seu animus, ela terá uma sensação de paz e intimidade consigo
mesma. Mesmo os relacionamentos exteriores podem não ser essenciais
nesse momento, pois ela pode já não precisar projetar seu animus ou sua
feminilidade para fora de si mesma.
Se, de fato, é o Feminino reprimido e violentado que está prestes a
revidar a nossa civilização unilateral, as mulheres têm uma séria
responsabilidade de ajudar os homens na reconstrução de um equilíbrio. No
entanto, é necessário que ela seja uma mulher em seu corpo e alma e no seu
papel social e cultural.
Além disso, ela precisa reconhecer que seu poder pode tanto construir
quanto destruir. Apenas então, ela poderá ter uma relacionamento significativo
com seu animus e com os homens e a sociedade. Então o animus, por sua
vez, será libertado de sua posição de controle para ser livre para servir o ego
feminino dela, para que uma mulher possa satisfazer sua individualidade e
destino pela criação de uma nova consciência.
! 34!
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Capa: Van Ghog Pietá (segundo Delacroix)


Saint-Rémy, Setembro de 1889
Óleo sobre tela 73 x 60,5 cm
Amsterdam

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