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le externo, não sancionado pela ordem juridica, é um dos exemplos de po- também de ordem social em sentido amplo (proteção do meio ambiente,
der de fato. dos interesses dos consumidoies, ou do patrimdnio cultural).
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De qualquer forma, tratando-se de abuso de poder de controle na so- No scio da empresa, a harmonia entre os diferentes interessados su-
ciedade andnima, importa definir, preliminarmente, essa finalidade ou ob- põe, primeiramente, o respeito às normas-objetivo inscritas na Constitui-
jetivo que legitima o exercicio do poder. Na verdade, seria mais correto
R
30, como a busca da justica social e a valorizagao do trabalho, condição da
falar no plural em finalidades ou objetivos, pois eles são de duas ordens: os dignidade humana.?
intra e o extra-empresariais. Os primeiros correspondem 2 satisfagao dos
S
R A
A noção de nonma-objetivo foi introduzida no Brasil peto Professor E. R. Grau. Cf.
”
t 3. Cretella Júnior, Anulação do Ato Administrativo por Desvio de Poder, Rio de Janei- Planejamento Econômico e Regra Jurídica, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978,
vo, Forense, 1978, Pp. 242 e ss. e verbete “norma-objetivo” na Enciclopédia Saraiva de Direito.
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A discussão sobre os interesses intra e extra-empresariais não é estra- Na mesma época da elaboragdo da anterior lei acionaria alemã, a Sui-
nha à doutrina do direito privado. ¢a introduziu, no seu Código Federal das Obrigações, alguns dispositivos
de protegdo do interesse da empresa no funcionamento de sociedades por
116. É muito conhecida a concepção dita da “empresa em si”, que ações. Assim, o atual art. 671, terceira alinea, tratando do fundo de reserva
NS e
Walter Rathenau divulgou na Alemanha, ao final da Primeira Guerra Mun- Jegal, dispde que “enquanto o fundo de reserva ndo ultrapassa a metade do
dial, sustentando que os empresários detêm o poder de controle não para ES SRA RSA fi_‘ura social, não pode ser utilizade senao para cobrir os prejuizos ou para
servir os capitalistas — sócios ou acionistas — e sim no interesse público re- se tomarem as medidas que permitam manter a subsisténcia da empresa em
presentado pela empresa, como organização que transcende a sociedade perfodo de exploração deficitdria, evitar o desemprego ou atenuar-lhe as
comercial.* A lei acionária germânica, de 1937, aceitou (pelo menos ver- conseqiidneias™. No art. 674, cuidando das reservas estatutdrias ou faculta-
balmente) essa concepção no seu $ 70, ao assinar aos membros do Voys- tivas, edita: “A assembléia geral pode, por ocasido da fixação do dividendo,
tand, sob sua responsabilidade, o dever de dirigir os negócios sociais se- constituir reservas não previstas, nem pela lei, nem pelos estatutos, ou que
gundo o “bem do estabelecimento” (Wohl des Betriebs) e dos seus empre- excedemas exigéncias da lei e dos estatutos, na medida necessaria para as-
e
gados, assim como no interesse comum da nação e do Reich. O dispositivo segurar, de forma durdvel, a prosperidade da empresa ou a distribuigdo de
foi, sem dúvida, a fonte do art. 116, $ 7°, do nosso Decreto-Lei nº 2.627. A um dividendo tão constante quanto possivel” (alinea 2); “ela pode, igual-
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doutrina alemã, no entanto, tal como a brasileira, procurou minimizar o al- mente, mesmo na falta de clausulas estatutdrias, operar, sobre os lucros lí-
cance da norma.* A lei acionária de 1965 não repetiu a fórmula, de certo quidos, deduções para criar e manter instituigdes de previdéncia em
A
modo maculada de espírito nazista, limitando-se a declarar, laconicamente, proveito dos empregados e operarios da empresa, ou outras instituigoes
que “a diretoria (der Vorstand) deve dirigir a sociedade sob sua responsabi- andlogas” (alinea 3),
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lidade” ($ 76). Mas consagrou, em contrapartida, o princípio da co-gestão Nos Estados Unidos, em pleno periodo de depressdo conseqiiente a
dos trabalhadores no seio do Aufsichisrat, já instituída nos anos imediata- crise de 1929, E. Merrick Dodd, entdo professor na Harvard Law School,
mente posteriores à guerra ($ 96). sustenton, em polémica com Berle, que os diretores de uma sociedade ané-
nima ndo sao, propriamente, trustees dos acionistas, mas tém também de-
Nota de Texto 67 Na verdade, a evolução da lei alemã de 1937 para as leis
S
veres mais amplos, de natureza social.® A idéia continua a granjear adeptos,
de participação operária das décadas de 50 e 60 corres- té hoje, naquele pais.’
ponde exatamente à evolução doutrinária do institucio-
nalismo clássico ou publicista ao organizativo. Nota de Texto 68 É preciso reconhccer, no entanto, não sem pesar, que
e
em especial nos EUA hoje é absolutamente prevaleate a
chamada análise econômica do direito societário.
É interessante observar que seus defensores, de assumi-
da inspiração Coasiana, se afastam de seu inspirador
3 Cf. W. Rathenau, Vom Aktienwesen, Eine geschaefiliche Betrachtung, Berlim, 1917;
tradução italiana “La Realtá della Societa per Azioni”, na RS, 1960, pp. 912 e ss. quando se trata de definir interesse social.
4 —Emseusautorizados comentários 4 lei de 1937, R. Godin c H. Wilhelmi, co-autores do
projeto, afirmam que a fórmula legal significaria que os administradores sociais agem
no interesse não só dos acionistas atuais, mas também dos futuros, o que era uma evi-
dente interpretação a Jatere: “Der Vorstand leitet die Gesellschaft, d.h. fuelirt lhre Ges- 3 EM Dodd, “For Whom Corporate Managers are Teustees?” in Harvard Law Review,
chaefte, wie es das Interesse der Aktionaere, aber nícht nur der augenblicker ferst
sa
45 (1932), p. 1.145. Berle, como sabido, acabou depois concordando, substancialmen-
recht nicht nur des Augenblicks), sondern auch der kuenftigen, d.h. der Bestaud und te, com essa opinido.
ks
die Entwicklnng des Unternehmen (wofuer das Gesetz “Betricbe” sagt) verlang. und 6 Cf.E.V.Rostow, “To Whom and for What Ends is Corporate Management Respon-
mit gewisseem afier Ruccksicht auf dus Wohl der Gesellschafi, in die das Unternehmen
So
sible?” in E. S. Mason (coord.), The Corporation in Modern Society, Cambridge-
eingeordnet ist” (Aktiengeseiz, cit., p. 286). Massachusetts, 1966, p. 46.
Í FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMAO FILHO i O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 369
t =
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Isso porque a idéia central de Coase tem no fundo uma. sação e na proposta de sua eliminação” está presente a
mensagem organicista e até institucionalista, Ver na idéia de intermalização dos interesses mais relevantes e
”,.M
empresa um feixe de contratos e um feixe de interesses d influentes para a sociedade, exatamente por que isso
i
nada mais significa que identificar um ente voltado a 4 elimina custos de transação elevados.
captar e organizar todos esses interesses, sem distinção. Í Tanto isso é verdade que andlises iniciais de alguns
entre cles.” Mesmo na idéia Coasiana de custo de tran- pds-Coasianos no campo socictario eram em esséncia
profundamente ligadas ao institucionalismo organiza-
RSA
tivo.”
Ocorre que acabou por se formar um consenso em tormo
de certas idéias gerais de tedricos da andlise econdmica
Na formulagiio mais ligada & idéia de Coase a empresa é vista como um feixe de contra-
do direito, bem mais ideolégicos e politicos (como Pos-
tos — nexus of contracts (essa visão da empresa foi originariamente claborada por .
Alchian e H. Demsetz, “Production, Information Costs and Economic Organization”, ner e Bork) e bem menos profundos que a de seus paise
jn
American Economic Review, 62 (1972), p, 777, 783 e posteriormente desenvolvida por inspiradores como Coase.
M. Jensen ¢ W. Meckling, “Theory of the firm: Managerial Behaviour, Agency Costs A principal e mais politica delas, a idéia de eficiéncia,
and Ownership Structure”, in Journal of Financial Economics, 3 (1976), p. 305), Em aplicada tanto ao direito antitruste como ao direito socie-
uma linguagem mais juridica, a firma é vista como um único agente subscritor de um tario, acabou por reduzir o interesse societdrio apenas
grupo de contratos, que começa pelos contratos com os sócios e vai desde contratos com
20 interesse dos acionistas à maximização do valor das
fornecedores e clientes até contratos com trabalhadores e contratos de emprésiimo,
necessários para suprir as necessidade de fundos da empresa (cf. H. Hansmann, The - agdes e levar os proprios pos-Coasianos inicialmente
ownership of enterprise, Cambridge, Harvard University Press, 1996, p. 18). mais coerentes (como Hansmann) a rever suas posi-
A própria definigao ¢ os termos nela utilizados revelam sua origem econdmica. A preo-
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cupagio em desconsiderar as formas juridicas para centrar-se na realidade ccondmnica
é evidente.
Essa preocupagdo fica mais clara no passo seguinte da teoria. Trata-se de determinar A segunda e mais importante delas é a equivaléncia substancial eatre controle interno e
qual o fundamento do controle interno da empresa. Na perspectiva econdmica, o fun- externo do ponto de vista juridico. O que a teoria dos custos de transagdo procura de-
damento está na teoria dos custos das transações (cf. O. Williamson, “Transaction cost moustrar é que ambos podem ser Gteis para os interesses da empresa.
economics” in R. Romano, Foundations of Corporate Law, Oxford, Oxford Univer- O controle interno, naqueles casos em que o estabelecimento tinha de relagdo externa,
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sity Press, 1993, p. 12). O controle interno da empresa, obtido através da propricdade contratual, de mercado com determinado grupo, seria muito custoso. E o controle ex-
de suas ações, é naturalmente atribuido dquele grupo de pessoas com as quais transacio- tema, na medida em que os interesses de eventual grupo de controle intemo sejam tão
helerogéneos que levem a custos de transação (leia-se de tomada de decisdes) altissi-
e o STS
nar no inercado é excessivarmente oneroso para a propria empresa ou para esse grupode
pessoas, seja porque algumn deles mantém uma sinuação monopolista (imagine-se, por mos, acarretando virtualmente a paralisagio da empress ou sua operagio ineficiente.
A conseqiiéncia de tudo o que foi dito é bastante simples e pode ser assim resumida. O
A
exemplo, um sindicato de trabalhadores bastante forte), seja porque o custo social ou o -
descontentamento gerado por uma delerminada situação pode ser extremamente negati- iteresse da empresa não pode ser mais identificado, como no contratualismo, a0 inte-
resse dos sócios nem tampouco, como na fase institucionalisia mais extremada. 4 auto-
3 o RNdA
vo para a empresa. [sso é um ponto muito importante que distingue a análise cconômica —
aqui empreendida de uma pura e simples aplicação da teoria da eficiéncia. Entre os eus” preservagdo. Deve isso sim ser relacionado à criação de uma organizagdo capaz de
tos de transação incluem-se não apenas aqueles mensurdveis economicamente mss tam- estruturarda forma mais eficiente — e aqui a eficiéncia é a distributiva e não a alocativa
bém aqueles relacionados 2 satisfação dos que com a empresa se relacionam. ~ as relagdes juridicas que envolvem a sociedade. Essa conclusão é evidentemente bas-
Essa consideração tem duas conseqiiéncias bastante relevantes. Em primeiro lugar, 3 lante préxima do institucionalismo organizativo acima identificado.
relativa irrelevância da forma societéria escolhida. Com efeito, é tradicional a compa-
ração na doutrina econdmica entre a sociedade de capitais e a cooperativa, entenden-
do-se a contribuição dos sócios nas sociedades de capilais como economicamente
equivalente a uma hipotética junção de capitais proprios a custo zero realizada em uma R. H. Coase, “The nature of the firm” in Econometrica 4, cit., p. 386, ¢ in The firm, the
também hipotética cooperativa (v. a interessante comparagdo feita por H. Hansmann, market and the law, cit., p. 33.
The ownership of enterprise, cit., p. 14). Cf. H. Hansmann, The ownership of enterprise, cit.
370 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMAO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 37
ções, adotando em pleno as premissas ideoldgicas da Nesse caso, porém, o interesse societário confundia-se, efetivamente,
analise econémica do direito.'’ como da empresa, ¢ a fundamentação do julgado poderia ter sido dada com
pase naquele. O que havia, de fato, era o sacrificio da sociedade francesa ao
Hé um trago comum em todas essas concepgdes ou disposicdes legais: interesse geral do grupo econômico, no qual se inseria, de não entrar em
é o fato de terem surgido em plena crise econdmica. Dal já se haver falado conflito com a política externa do governo norte-americano. *
(com evideate alusio ao famoso ensaio de Spengler) em produtos de uma No Brasil, a lei de sociedades por ações de 1976 veio consagrar, ao
Untergangsphilosophie." É, talvez, por isso que, a cada periodo de prospe: que parece definitivamente, o abandono da teoria do exclusivo atendimen-
ridade econdmica ulterior, a idéia do exercicio do poder de controle, no in- {0 dos interesses acionários e, até mesmo, dos interesses intra-empresariais
teresse da empresa e do bem publico, é posta em surdina. Mas ela em seu conjunto, como objetivo da atuação de controladores e adminis-
permanece latente e sempre pronta a surgir tona. tradores. Na norma do parágrafo único do art. 116, assim como na expressão
Em caso muito comentado, a Justiça francesa teve ocasido de reafir- de uma modalidade de abuso de poder, constante da alínea a do art, 117,$1º,
mar o principio do interesse empresarial como escopo da sociedade anôni- vem imposto o respeito aos interesses da “comunidade”, ou da “economia
ma.'? Tratava-se da subsididria francesa da companhia norte-americana nacional”. No art. 154, definindo-se a finalidade das atribuições adminis-
Fruehauf, que havia firmado com outra sociedade francesa um importante trativas, assinalam-se “as exigências do bem público e da função social da
contrato para a fabricação de reboques de caminhéo, destinados a exporta- empresa”.
ção para a Republica Popular da China. Um ano após a celebração do con- Tal não significa, escusa dizé-lo, que doravante toda companhia se
trato, a sociedade norte-americana controladora decide desfazer o negécio, transforme em órgão público e tenha por objetivo primordial, senão único,
alegando pressdes políticas, e dá ordem aos administradores da subsidiária o vasto interesse coletivo. Mas significa que não obstante a afirmação legal
para tomarem as medidas necessarias nesse sentido. Diante da recusa da de seu escopo lucrativo (art. 2º), deve este ceder o passo aos interesses co-
co-contratante em operaro distrato, só restava a solução do inadimplemen- munitários e nacionais, em qualquer hipótese de conflito. A liberdade indi-
to, acarretando a resolugdo com perdas e danos de elevado montante. vidual de iniciativa empresária não toma absoluto o direito ao lucro,
Inconformados, os administradores de Fruehauf-France, representando os colocando-o acima do cumprimento dos grandes deveres de ordem econô-
acionistas minoritarios franceses, requereram ao Tribunal de Coméreio que mica e social, igualmente expressos na Constituição.
nomeasse um administrador judicial para gerir, temporariamente, os negé- Ora, essa clara afirmação da supremacia dos interesses comunitários
cios da sociedade, a fim de executar o contrato em causa, o que foi deferi- ¢ nacionais, quando em conflito com o escopo lucrativo da companhia,
do. Confirmando a decisio em grau de recurso, o tribunal de segunda aparece em nosso direito despida do necessário aparelhamento de aplica-
instancia declarou que um administrador judicial podia e devia substituir ção e eficácia. Cedemos aí, mais uma vez, à tradição jusnaturalista, de pu-
os órgãos administrativos de uma sociedade andnima, em circunstancias ras afirmações de princípio, sem o necessário complemento dos remédios
excepeionais, em atenção ao interesse da empresa, cujo equilibrio financei- jurídicos sancionatórios. Pois, se o titular desses interesses comunitários e
1o e crédito no mercado seriam gravemente comprometidos com a resolu- nacionais transborda largamente o círculo empresarial, quem tomará a ini-
ção contratual, suscetivel de arruini-la definitivamente e de provocar a ciativa de defendê-los e com que tipo de ação? Certamente não os acionis-
dispensa de mais de seiscentos empregados.
13 D. Schmidt critica a decisão judicial que, à seu ver, desconsiderou as pretrogativas da
10 ¥ g, a pueril andlise contida em H. Hansmann e R. Kraakman, ““The end of history of maioria acionária de decidir, em todos os casos, qual o interesse de socicdade (Les
corporate law", in Georgetown Law Journal 89 (2001), pp. 439 e ss. Droits de la Minorité dans la Société Anonyme, cit., nº 298); quando, na verdade, era
P
1 Nussbaum, cit. por P. G Jaeger, L 'interesse sociale, cit., p. 15 patente o desvio de poder, não legalizado na França, pela falta de uma regulamentação
12 “Juris-Classeur Périodique”, La Semaine Juridique, 1965, vol. 11, 14.274-bis; RTDC. dos grupos societários, autorizando a subordinação do interesse individua! de cada so-
1955, p. 631; RS, 1969, p. 418 (com comentirios de Ragusa-Maggiore). ciedade ao do grupo.
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tas, mesmo minoritários ou ndo-controladores. Na formulação legal do Exercendo suas atividades em setores que geralmente
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mecanismo da responsabilidade civil, houve a definição de novos interes. afetam o interesse de todos ou de relevantes parcelas da
ses protegidos e de novo responsável (o controlador), ao lado dos admipjs. população, nada mais coerente que garantir de alguma
tradores. Mas não houve a indispensável designação do agente legitimado forma a participação interna de seus representantes.
a agir em prol do bem público. Uma das maneiras, ainda que imperfeita, de fazê-lo, é
Imagina-se que essa omissão é suprida na companhia de economia exatamente atribuir ao acionista (controlador) o Estado,
mista pelo fato de o Poder Público sempre exercer o controle aciondrio, ao menos em teoria, instrumento de representação de
com a autorizagdo expressa de “orientar as atividades da companhia de interesses coletivos, o dever de representar (fiduciaria-
modo a atender ao interesse pablico que justificou a sua criação” (agt, mente), tais interesses, além de seus próprios interesses
238). Mas essa interpretacdo lógica é abstrata € não encontra apoio na. capitalísticos. É o que faz o art. 238 da lei societária.
realidade. A experiência prática nos últimos anos tem sido, nesse
Em primeiro lugar, “interesse público” ndo quer dizer inferesse esta- í aspecto, mais rica que a própria intuição teórica.
tal, pois ambos podem não coincidir, necessariamente, sobretudo em pais
Í Esses dispositivos têm se revelado poderosos e às vezes
como o nosso, em que o Estado muito raramente foi representativo do | únicos instrumentos regulatórios de certos setores da
povo, ou da sociedade civil. Ademais, a estrutura da sociedade de econo- 3
3 economia. Especialmente naqueles setores em que a
mia mista encerra, em si mesma, grave contradição. As companhias explo- i União detém monopólio de fato, o uso do poder de con-
ram, por definição legal, empresas lucrativas. Mas o regime econdmico ? trole no interesse público tem ajudado no planejamento
consagrado na Constituição ndo assina ao Estado, por função, produzir
lu- |
$ e direcionamento dos referidos setores.
cros. A legitimidade da ação estatal, ainda e sempre, é 0 servigo piblico, a
Nessa perspectiva a empresa pública e de economia mis-
produgdo de bens e servigos que ndo podem ser obtidos no regime da ex-
ta ressurgem como objeto de análise e estudo tanto para o
ploragdo privada, de modo eficiente e justo, sem discriminagdes entre os
direito societário quanto para a teoria da regulação.
consumidores, de acordo com o priacipio da demanda solvavel, como
ocorre com a empresa capitalista. A função da empresa estatal não é a ge-
ração de receita sob a forma de lucro empresarial, mas a preservação,da 117. Convém analisar agora, mais de espaço, o conteúdo e o alcance
seguranga nacional, ou a organizagdo de setor que não possa ser desen- da expressão “interesse social”, que o legislador de 1976 substituiu por “in-
volvido com eficdcia no regime de competi¢io e de liberdade de iniciati- teresse da companhia” (arts. 115 e 117, $ 1° €).
va (Constituição Federal, art. 173). O dilema que se apresenta ao Estado, Sobre isto, muito se discutiu e se continua a discutir em doutrina. A
revisão crítica do conceito de pessoa jurídica, tal como à expusemos, re-
enquanto acionista controlador, é pois o de perseguir o interesse piblico
sumidamente, no capitulo anterior, parece haver eliminado de vez a con-
anfes e acima da exploragdo lucrativa — o que torna sem sentido a partiei-
cepção gierkeana da Person an sich, que considerava o interesse social
pação societéria do capital privado no empreendimento; ou dar lugar a0
como algo distinto e superior ao dos préprios sécios. De resto, se assim
interesse publico apenas quando este se coloca em conflito com objetivo fosse, como bem salientou Ascarelli, ndo se poderia recusar a obrigatorie-
normal de produção de lucros — o que infringe o principio constitucional dade do voto do acionista em assembléia nem a possibilidade de se consi-
assinalado. n_o_,ma_w invalidas as deliberagdes sociais tomadas pela totalidade dos
sécios.
Nota de Texto 69 Na verdade, vista sob um certo prisma, essa aparente
contradigio é capaz de incluir na dinimica das delibe-
ragdes societdrias outros interesses que não o jnteresse
privado do acionista. 14 T Ascarelli, Studi in Tema di societd, cit., p. 163.
O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 375
374 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO
1 Hoje, o modelo de participação operaria, ainda que cri-
Not: a de Texto 70 Essa posição de Tullio Ascarelli, bastante compreeng;.
ticado nos circulos neoliberais mais tradicionais,'® tem
vel na época que foi exarada, está hoje superada,
! seus méritos mais do que comprovados.'” Do ponto de
O contratualismo desprendeu-se da crença de que ape-
í
ti
nas o interesse do grupo de sócios forma a vontade. vista societdrio, operou uma importante transformagao
da concepgdo institucional. Da visão classica, genérica
social. O institucionalismo de seu lado também se de. 1i
preendeu da concepgio original de Rathenau (sem dú- e pouco aplicativa, passou-s¢ a um institucionalismo
vida influenciado pela tradição realista Gierkeana de integracionista, cujos objetivos societarios supra indi-
um interesse préprio da sociedade identificado ao inte- t viduais se revelam na integração concreta (e não em
resse publico). í
principios mal definidos) dos interesses dos trabalha-
Ambas as concepgdes — contratualismo e instituciona- dores na estrutura de poder societario.
lismo — saíram em busca de novos consensos.” — Mas é exatamente essa integra¢do concreta que coloca
i
uma questdo séria e importante, a exigir reflexdo dou-
a) Institucionalismo
trinria mais profunda: por que só os interesses dos tra-
No institucionalismo, essa busca leva a resultados mui-
b
to satisfatérios do ponto de vista social e societério, ain-
da que deixe varias questdes a serem resolvidas. 16 No plano das conseqiiéncias econdmico-juridicas, a co-participacdo germânica tem
o ek
0 exemplo é ainda aqui a Alemanha, bergo e escola do sido criticada por literatura de forte viés neocldssico. Estudos de corporate gover-
modelo institucional. No imediato pos-guerra, a idéia, nance enumeram quatro caracteristicas negativas dos órgãos de representagdo: gran-
de lamanho (enquanto seriam desejáveis órgãos compostos de número reduzido de
influente também para o direito societario, é a de des- representantes, com subcomités especializados); encontros pouco freqiientes; pequeno
A AAA
construgdo dos centros de poder. Um deles — talvez o fluxo de informagdes c altos {ndices de conflitos de interesses. As principais conse-
mais forte — é exatamente o poder empresarial. qiiéncias desse conjunto de fatores seriam a vagarosidade e burocratização das deci-
Fazé-lo implicava repensar o modelo empresarial ale- sões e aumento de custos para a empresa. Aliada 3 tradigdo concentracionista das
mio, fortemente baseado em estruturas de poder concen- empresas alemãs, o sistema de co-gestdo administrativa seria também causa da fragili-
dade do mercado aciondrio alemão (para maior detalhamento, v. M. J. Roe, “German
trado, Jsso se fez através de modelo muito interessante
co-determination and german securities markets”, in Columbia Jornal of European
de ser observado, sobretudo da perspectiva brasileira, a -
S
Law,nº 5, 1999, pp. 199-202 e pp. 209-211). Esse tipo de critica, de forte viés neoclds-
participagdo operdria nos Conselhos de Supervisio
N
sico, claramente subestima o valor da cooperagdo capital — trabalho na eficiéncia em-
o S
(Aufsichtsraf) das empresas alemds. Esse modelo; presarial, e na criagdo de uma estrutura administrativa profissional em uma realidade
mais do que forma de alterar a estrutura empresarial, econdmica concentrada (onde o controlador tem poder incontrastivel), como é o caso
serviu como potente incentivador de um pacto capi- da realidade alemã e brasilcira.
É interessante observar a avaliagio fortemente positiva feita por Comissao de Profes-
tal-trabalho e do desenvolvimento industrial alemdona á sores que realizam a avaliagio dos efeitos da Mitbestimmung para 0 governo alemdo.
segunda metade do século XX. Iniciou-se com a Mon- Í Entreas principais vantagens mencionadas destacam-se: os efeitos positivos para a efi-
tanMitbestG, de 1951, atingindo seu ponto mais avan- i ciéncia das empresas decorrentes da cooperagio capital trabalho (Produktivitdt der Koo-
¢ado com a Mitbestimmungsgesetz, de 1976. i1 peration) e a introdução de formas de gestdo não hierdrquicas e baseadas em constante
¥ fluxos de informag3o. A conclusão ¢ que, “Die zukiinftige Entwicklung der Mitbestim-
JÉ mung muf dem Leirbild einer kooperativen, dezentralisierlen, beteiligungsorientierten
und informatiousintensiven Unternehmenskultur verpflichtet sein) - v. Bericht der
15 O termo é usado por F. Galgano, Storia del diritio commerciale, cit., p. 135. para des- Komission Mitbestimmung, Bonn, entregue em 19 de maio de 1998, realizada por
crever a evohição do institucionalismo alemão. Como se verá, entretanto, essa mesma um grupo de professorcs coordenado por W. Streeck, Max-Planck-Institut fir
Gesellschafisforschung.
P
descrição ¢ aplicvel, em certa medida e por outras razdes, a0 confratualismo.
376 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMAO FiLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 377
balhadores merecem essa atenção? Uma visio que se cimento dos mercados de capitais sobretudo após a ca-
pretenda ndo individualista da realidade societária tástrofe de 1929.
deve necessariamente ter em conta os vários interesses Para tanto, lança-se mão do conceito de maximizagio
envolvidos pelas estruturas empresariais de porte: ip. do valor das agdes. Tal idéia, cara aos neocldssicos
teresses de consumidores, comunidade afetada por americanos, * seduz também os contratualistas.'” Essa
conseqiiéncias ambientais da atividade empresarial etc. passa a ser a definição Gltima do conceito de interesse
Quais os critérios para identificar quais podem ser :_s“ social, além do qual ndo haveria desenvolvimento pos-
lados internamente e quais devem permanecer extemos sivel para o direito societério.
a sociedade, com disciplina propria? Dessa última afirmagio advém a primeira fraqueza, 6b-
A resposta a essas perguntas, dedicar-se-20 os esforgos via, dessa concepção. Como toda tentativa de pré-defi-
da teoria organizativa, verdadeiro complemento e am- nição, engessa e limita o desenvolvimento cientifico. O
pliagdo das idéias do institucionalismo integracionista, préprio titulo do artigo de H. Hansmann e R. Kraak-
man, 20 mesmo tempo pretensioso, e talvez por isso
b) Contratalismo mesmo pueril, é boa demonstração desse risco.
Como dito acima, o contratualismo também sofre Mas não é só. Tal definição do interesse social — exata-
profunda revisio critica. Só que aqui os resultados são mente por permanecer autocentrada — acaba por favore-
bem mais parcos e indesejiveis, talvez porque a revi- cer um único tipo de comportamento, a especulagio.
são tenha seguido orientagdo filoséfica oposta à do
Não é de se esquecer que a definição de interesse social
é pardmetro para a atuação de acionistas e administra-
institucionalismo.
Esse Gltimo busca escapar de qualquer pré-definigdo do dores. Afirmar que o interesse social reduz-se ao inte-
interesse social, procurando integrar interesses que resse à maximizagio do valor das agdes implica
possam levar a uma definição mais ampla e compreen- justificar atuagdo de administradores e acionistas que
i
visem exclusivamente esse objetivo, inclusive aquelas
siva do interesse social, concentrando-se na participa-
ção efetiva na sociedade de representantes dos
anobras puramente especulativas.®’
Em presenga de tal definigdo do interesse social, não
interesses por ela eavolvidos. Ja o primeiro tenta, como
são de espantar os recentes escandalos societérios no
se verá, uma definição absoluta e definitiva do interesse
mercado de capitais. Esses escândalos societdrios, de
social.
As correntes contratualistas modernas criticam a liber-
‘3
dade atribuida pelos contratualistas classicos aos acio-
i
nistas para definição do interesse social. Afirma-se que 18 y faw”, cit., pp. 439 & .
of corporate
1. Hansmann e R. Kraakman, *“The end of histor
essa liberdade ndo é compativel com a existéncia do 19 V., sobre a concepgdo de interesse social na teoria contratualista, P. G Jaeger, L' inte-
mercado de capitais, que pressupde a existéncia de acio- resse sociale, cit., bem como sua revisio pelo mesmo autor em “Linteresse sociale ri-
nista futuro e incerto. visitato (quarant'anni dopo)” in Giurisprudenza commerciale, parte [ (2000), pp. 795 ¢
E com esse investidor, acionista futuro e incerto, que se ss.
20 Não se deve esquecer que um resultado pacifico da modema teoria dos jogos é que os
busca novo consenso, procurando-se agora não apenas
comportamentos individuais são fortemente influenciados por estrutura de relaciona-
pré-definir as regras de organizagdo interna da socieda- Inento social que leva em conta o comportamento passado dos demais agentes do mer-
de, como tinha sido feito na segunda metade do século cado e as regras sugeridas de comportamento. Ou seja, a reputagao do outro com quem
XIX, mas sim pré-definir e se possivel positivar o se interage é elemento fundamental além das regras que determinam o objeto da intera-
proprio conceito de interesse social. Esse consenso se 430 (jogo). Se essas regras instigam o comportamento individualista dificilmente a co-
mostra necessario para possibilitar a organizagao e cres- operagdo podera ocarrer.
378 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 379
resto, não são novos — repetem-se ciclicamente desdeo" Para tanto, duas nogdes, ambas bem conhecidas e já
South Sea Bubble, de 1720, na Inglaterra® e revelama mencionadas, são úteis para encaminhar a anélise. É ne-
absoluta incapacidade da legislação de mercado de ca. cessario aqui resumidamente repeti-las e organiza-las.
pitais de prevenir grandes prejuízos 20s investidores, A primeira, a famosa idéia coasiana” da empresa como
Essa incapacidade não deriva de insuficiências Proprias, feixe de relagdes juridicas ou um feixe de interesses.
mas da incoeréncia da concepção socielida contratua- A segunda, a também conhecida e resiliente construgdo
lista, que continua a estimular especulagdo e ndo a per- do contrato de sociedade como um contrato-organiza-
manéncia na m:%ãmm.z ção, * que visa não a dar guarida a diferentes interesses
Foi o que ocorreu nos recentes grandes escândalos es- ordenados a um fim, mas sim organizar tais relagdes em
peculativos norte-americanos. Ali se demonstrou outra - prol de um interesse societério destacdvel do individual.
fraqueza do modelo contratualista. À extremada con- Ora, não é dificil dai derivar uma noção procedimental
da sociedade e do interesse social. O objetivo maior de
cepção contratualista, além de influenciar a definição
qualquer estrutura societaria parece ser entdo reconhe-
do interesse social, ajuda a determinar a própria remu-
cer ¢ internalizar interesses envolvidos pela sociedade e
neração dos administradores, que nessas empresas con-
assegurar regras que permitam a composigao de confli-
sistia basicamente em opções de compra de ações. Isso
tos entre esses varios interesses. Em presenga de uma
significa que tanto maior será o ganho do administrador
tal definigdo procedimental não é dificil que a discus-
quão maior for o valor — real ou artificial — das ações.
são se desloque da definigdo do interesse social (entre
Toda a filosofia e organização societária gira portanto
publico e privado) para outras, mais aplicativas e pre-
em torno da idéia, especulativa, de maximização do va-
mentes, como a distinção dos interesses interiorizaveis
lor das ações. O estimulo à criação artificial de valor
dos nio-interiorizaveis e a identificagdo da disciplina a
pela administração, grande causa desses escândalos,
se aplicar a estes ¢ aqueles.
decorre diretamente dessas características societárias e A grande questdo a ser resolvida, então, estd exatamen-
não de falhas na legislação de mercado de capitais. te na determinagao dos interesses que podem ou néo scr
¢) Conclusão — as perspectivas teóricas para as socie- interiorizados.
dades anônimas A lei ndo contém critérios tedricos gerais definitivos
que possam respondera essa questao. A anélise empiri-
Todas as insuficiéncias até aqui detectadas sugerem a
ca de cada interesse especifico envolvido e de sua rela-
necessidade de uma visão mais abrangente, capaz de
ção momentinea com os interesses societarios é funda-
captar os vários interesses envolvidos na sociedade
mental. Bom exemplo disso é a propria lei de participa-
anônima sem pré-definições que impeçam a evolução
ção operaria alem, que surgiu em um momento histori-
do sistema. co de grande interdependéncia entre empresas e
trabalhadores. Foi essa interdependéncia, mais do que
qualquer preocupagdo tedrica, que determinou a intro-
2 t V., sobre o caso, A. A. Berle Jr. ¢ G Means, The modern corporation and prívate pro-
perty, Nova lorque, The Macmillan Company, 1940, p. 131.
Al está o segundo elemento citado na nota 20, a reputagio — do controlador ou adminis-
"N
tradores — maior estimulo para comportamento individualista (especulador) dos demais 23 R.H. Coase, “The nature of the firm” in The firm, the market and the law, cit.
acionistas e maior prejulzo a0 mercado de capitais. 24 P Ferro-Luzzi, / contratti organizativi, cit., 1976.
FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 381
380
dução do sistema de participação operária, apesar das Outro exemplo, da experiéncia brasileira, bem demons-
resistências ideológicas existentes. tra a relação entre os requisitos para a cooperagao e a
Apesar dessas dificuldades, é possível tentar identificar internalizagdo de interesses externos à sociedade. Tra-
critérios gerais, indicativos de maior ou menor probabili. ta-se de noticia publicada no jornal Valor Econômico
dade de obtenção de bons resultados com a internaliza. de 21.05.2002 dando conta da aquisi¢do por empre-
ção, critérios que podem servir para iluminar a análise gados de empresas em estado pré-falimentar, como for-
empirica de cada relação específica de interesses. ma de sua salvação (o caso mais conhecido citado é o da
Os critérios gerais a serem utilizados são aqueles suge- industria de lavadoras “Enxuta”). Em situações de cri-
ridos pela teoria da cooperação. A razão é simples. Exa- - se, só aqueles interesses mais dependentes e constan-
tamente por partir do pressuposto de que o objetivo das temente relacionados com a sociedade se dispdem a
estruturas societárias é organizar interesses, eliminan- - salvé-la, internalizando-se.
do os conflitos existentes, fundamental é a0 menos a Esses exemplos demonstram a possibilidade de coope-
possibilidade de cooperagio entre os interesses envol- ração dos respectivos grupos de interesses com os inte-
vidos. A moderna teoria da cooperagdo sugere trés cri- Tesses tipicos de grupos internos a sociedade, como 0s
térios bem simples e até intuitivos, ainda que bastante acionistas, exatamente pela existéncia de dependéncia
genéricos, para determinar essa possibilidade: continui- reciproca.
dade da relação, pequenos nimeros e boa quantidade de- ‘Dadas essas premissas, que sugerem fortemente o reco-
informação.” Essas três caracteristicas, tomadas em seu nhecimento interno de interesses tão interdependentes
com 0§ societarios, como o dos trabalhadores e consu-
conjunto, são capazes de garantir a interdependéncia e a
confianga reciproca necessarias para a cooperagao. midores, um dos novos grandes campos da investiga-
Não é de espantar, portanto, que a conjungao e coopera- ção societdria se torna (i) a determinagao das condigdes
ção de vários interesses internos à sociedade tenham. concretas para essa internalização e (ii) o estudo especi-
fico e detalhado de cada um dos interesses, verificando
ocorrido voluntariamente exatamente nas hipoteses em,
se, quando e como é mais conveniente sua internaliza-
que a cooperagdo era possivel.
Tome-se, por exemplo, o caso das cooperativas de pro- ção e, em caso negativo, qual a melhor forma de reguia-
mentar a relação desses interesses (externos) com a
dutores agricolas nos EUA que acabaram por dominar
parte substancial do mercado de insumos agricolas
sociedade.
(27%). Essa aquisição voluntaria deveu-se à grande de- j
pendéncia e necessidade da constante relagao econômi- Mas o interesse social não ¢ redutivel a qualquer interesse dos sécios
e sim, unicamente, ao seu interesse comum de realização do escopo social.
ca entre produtores de insumos e seus consumidores
A comunhio de interesses existc tanto na sociedade quanto na comunidade.
(produtores agricolas) fazendo com que os últimos fi-
Aespecificidade da sociedade resulta do fato de ser ela uma comunhdo vo-
nalmente optassem pela aquisigdo. Assim, interesses de
luntaria de interesses distinta, portanto, não só da meramente incidente (ou
consumidores acabaram por adentrar a sociedade via
acidental) que ocorre, por exemplo, na avaria comum, como também da co-
aquisição acionária.*
munhão necessaria.>’ Ora, quem diz comunhdo voluntéria, refere-se, im-
plicitamente, a um escopo ou objetivo. Os sócios reúnem-se para a
25 R Axelrod, The evolution of cooperation, Nova lorque, Basic Books, 1984, pp. 129 €
ss.
26 H. Hansmann, The ownership of enterprise, cit. 27 T Ascarclli, Studi in Tema di societd, cit., p. 148.
382 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMAO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 383
realização de um objetivo comum. O interesse social consiste, pois, no in- dade imobilidria causa mortis, por exemplo, essa companhia não é nula a
teresse dos sócios 4 realização desse escopo. Daí a possibilidade de exis. todos 0s outros respeitos, notadamente quanto as suas relagdes contratuais
tência de um conflito entre sócio e sociedade, na medida em que aquele com fomecedores, clientes ou empregados. O legislador não pode deixar
persegue, enquanto sócio, objetivos diversos desse escopo comum. de modular as sanções que comina, de acordo com a multiplicidade dos fa-
Em matéria societária, esse escopo comum decompõe-se em dois ele- 1os tipicos a sancionar. No caso, a ineficdcia, que é sempre relativaa certos
mentos: o objetivo final e o modo de sua realizagdo. O objetivo final é a atos ou relações, parece-nos a única sanção adequada, dada a extrema varie-
produção de lucros, com a sua repartição entre os sócios; e nisto vai a dife- dade dos atos eventuaimente praticados in fraudem legi.
rença específica entre sociedade e associação. Ora, ao controlador, mais do O desvio de poder de controle ¢ anomalia sempre ligada a opressão
que a qualquer dos outros participantes na sociedade, compete o dever de dos ndo-controladores, à situação que na pratica norte-americana denomi-
atuar em vista da realização dessa finalidade; não só pelo exercício do voto,
na-se intracorporate oppression ou freezing out ou squeezing out minority
mas também fora da assembléia, definindo a política empresarial e promo-
._ɪaãmã.% No direito inglés, fala-se, de modo análogo, em fraud on
vendo sua aplicação pelo órgão administrativo. i
the minority, mas a doutrina salienta que a expressão deve ser interpretada
118. Para garantir a realização do interesse social, no sentido que aca-
em sentido targo.** Por outro lado, pode haver, também, elusão de disposi-
ções legais imperativas, sem opressão aparente. Mas é óbvio que, sendo as
bamos de definir, a lei costuma impor limites à ação do controlador. No sis-
normas de direito societário editadas para proteção dos interesses dos sócios
tema da common law, essa limitação legal ao exercício do controle é
ede terceiros, os atos de fraude 2 lei trazem sempre consigo a potencialida-
organizada, preferencialmente, em torao da proibição da prática de atos ex-
travagantes do objeto sacial, entendido como definição da capacidade da de de dano.
Na Lei nº 6.404/76, a sangdo, prevista genericamente, ¢ apenas a de
pessoa jurídica (ultra vires). Nos demais sistemas jurídicos, como o nosso,
preferiu-se garantir o respeito, em qualquer hipótese, a um certo número de perdas e danos (art. 117), salvo quando o abuso de controle ocorre median-
direitos dos acionistas, concebidos analogamente aos direitos individuais te voto em assembléias gerais, hipdtese em que tém aplicagdo as normas do
do homem e do cidadão na sociedade politica (Lei nº 6.404/76, art. 109). art. 115, com a previsdo, em seu $ 4°, da anulabilidade da deliberação toma-
Em ambas as hipóteses, como reconhece a jurisprudéncia francesa, reto- da em decorréncia do voto de acionista com interesse conflitante com o da
mando expressão consagrada pelo Conselho de Estado, mas que nos parece companhia; ou, entdo, da norma geral de anulação de deliberagdes viciadas
imprecisa, a violagdo da norma configura um excesso de %e&w« por parte do por dolo, fraude, ou simulagdo (art. 286).
órgão social que praticou o ato, ou tomou a deliberação. * A sanção é a nuli- Essa preferéncia pela sanção compensatéria ¢, alids, um dos traços
dade, por ter sido o ato praticado contra legem. marcantes do individualismo patrimonialista que domina nossa organiza-
Ora, o desvio de poder, como assinalamos, caracteriza-se pela elusão ¢do juridica. Diante do dano a interesses sociais ou coletivos, a legitimida-
de disposições imperativas, pela sua observância meramente aparente ou i de do particular de agir somente aparece quando pode produzir a prova de
formal, frustrando-se a finalidade da norma. Sobreleva, neste campo, a um prejuizo individual. E como a defesa do interesse geral é monopoliza-
função inquisitória do juiz, que não se deve contentar com as aparências,
K
mas atentar sempre para os fins sociais da lei e as exigências do bem co-
mum, como prevê a Lei de Introdução ao Código Civil (art. 5º). i
29 Veja-se, sobre o assunto, o estudo claro e completo de F. H. O’Neal e R. B. Thompson,
A sanção própria dos atos de fraude à lei deveria ser a ineficácia e não
Oppression of Minority Shareholders, cit.
a nulidade. Se se constitui sociedade por ações para elidir a aplicação de 30 “Fraud’ here connotes an abuse of power analogous to its meaning in a court of
disposições sucessoriais ou a imposição fiscal da transferéncia de proprie- equily to describe a misuse of a fiduciary position. Nor is it necessary that those who
are injured should be a minority; indeed, the injured party will normally be the com-
pany itself, though sometimes those who have really suffered will be a class or section
of members, not necessarily a mumerical minority, who are outvoted by the conirol-
28 Cf.G Ripert ¢ R. Roblot, Traité, cit., ), 0 1.221 e 1.230. lers” (L. B. Gower, The Principles of Modem Company Law, cit., p. 564).
s
384 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 385
A
da, comumente, pelo titular do poder, a conseqiiéncia indefectivel é a ina» ativa ordinária (art. 6º do Código de Processo Civil) ao
plicagdo de sanção adequada aos casos de abuso de poder. menos para os sujeitos identificados no art. 116, pará-
AL AN A
A lei de sociedades por agdes de 1976, ainda ai, não obstante consa- grafo único, da lei societária. Isso significa que deci-
grara instituição do acionista controlador, deixou de completar a discipling sões sociais que possam afetar a vida dos trabalhadores
do instituto com o aparelhamento de congruas sangdes, a comegar pelo me- ou da comunidade em que atua a empresa (além, é ob-
W 5 B A vio, dos demais acionistas queja contam com legitimi-
canismo da ação social uti singuli, tradicionalmente prevista para os casog
de responsabilidade administrativa. Diante da omissão legislativa, porém, dade expressamente prevista em lei) poderdo ser
parece irrecusavel a aplicação analégica do direito positivo, segundo o contestadas por trabalhadores ou membros da comuni-
mandamento da Lei de Introdução ao Codigo Civil (art. 4°). Qualquer acio- dade em que atua a empresa. Sendo a legitimagdo ordi-
nária a regra para quem tem direitos e interesses
SEESREE N
nista, em nosso entender, é parte legitima para propor ação de perdas e da-
nos, no interesse da companhia contra o controlador, observando, no que legitimos (art. 6° do Codigo de Processo Civil) e o art.
couber, os dispositivos do art. 246, $ 1°. Não vemos obstaculo insuperavel, 1 16, parégrafo único, os atribui a trabalhadores e comu-
para tanto, na norma do art. 6° do Codigo de Processo Civil, uma vez que. nidade em que atua) não há como negac-lhe a legitimi-
dade para buscar wtela especifica de seus interesses,
essa autorizago legal para a substitui¢do processual não pode ser interpre-
ainda que individualmente. A definição de interesses le-
tada de modo estrito, como previsão direta e taxativa da lei.
gitimos cria necessariamente a legitimidade ativa para
Nota de Texto 71 De todo modo, o principio genérico de substituição pro- sua tutela**
cessual em matéria societdriaj4 foi estabelecido no art. Evidentemente, devido às limitagdes subjetivas da coi-
246, $ 1º, da lei societaria. Não haveria sentido aplicar o
sa julgada é de se esperar, especialmente para deman-
i
; das reparatdrias, a elaboração de regras especiais para
dispositivo apenas quando o controlador fosse pessoa
juridica, deixando de se aplicar na hipdtese autorização proteção também dos interesses difusos, coletivos e in-
it aaal a
legal expressa para substituição processual no caso de
controlador pessoa fisica.
Alé porque, tendo em vista o principio constitucional Um dos problemas da lei acionária de 1976 esté na aparente diferença entre a definigio
3
do amplo acesso à justica, a interpretagdo das regras so- dos titulares do interesse social e dos legitimados ativos para as demandas societérias.
bre legitimidade ativa não pode e nem deve ser restriti- Oart. 116, parigrafo tinico, da lei define como titulares do interesse social (entendido,
va ou exclusivamente gramatical.
0
nesse caso, como interesse & manutenção da empresa) os acionistas, os empregados e
Não é esse o local e nem é o subscritor fonte autorizada os investidores do mercado. Em face da norma do art. 246 da Lei nº 6.404/76, no entan-
em matéria de direito processual. Mas, duas observa- to, a doutrina tende a negar a possibilidade de atribuição de legitimidade ativa a inves-
ções gerais sobre o direito processual aplicado 2 ques-
tidores e empregados para a referida demanda; v. F. K. Comparato, O poder de contrale
na sociedade andnima, Rio de Janciro, Forense, 1983, p. 301; v., contra, E. L. Teixeira,
tdes societdrias, de tdo triste historia em nosso pais, J. A, T. Guecreiro, Das sociedades anénimas no direito brasileiro, v. 1, São Paulo, Bus-
devem, no entanto, ser feitas. Ambas partem de consta- hatsky, 1979, p. 301. Essa interpretagdo deve ser, no entanto, contestada. Trabalhado-
tagdes pontuais de direito material. res ¢ membros da comunidade em que atua a companhia, como co-titulares do
Em primeiro lugar, da definição institucional-organiza- interesse social, são legitimados a defender seus legitimos interesses individuais (legi-
tiva do interesse social aqui defendida, decorrem certas timação ordindria), independentemente de regra especifica prevendo essa legitimida-
de. Ao contririo, só as hipóteses de legitimação exiraordiniria cxigem previsão legal
conseqiiéncias processuais. Ainda que ndo redutivel a0 cxpressa - v. Cédigo de Processo Civil, art. 6°, in fine. Assim, o art. 246 da Lei nº
interesse público, a concepgdo institucional moderna 6.404/76 deve ser interpretado como mera disciplina dos requisitos para que acionistas
do interesse social (v. Nota de Texto 70) ao identificar (¢ só eles) proponham demanda ressarcitdria. Ndo pode ser interpretado a contrario
interesses dignos de tutela societdria, cria legitimagaa sensu, excluindo outros interesscs legitimos, dotados de legitimacio ordinária
w%«u@
386 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMAO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 387
dividuais homogéneos envolvidos pela sociedade — & B) As Manifestações e os Remédios
que não impede, repita-se, a proteção, desde j4, dos in
i
teresses dos trabalhadores e membros da comunidade 119. Não há dúvida de que o poder de apreciação e decisão sobre a
em que atua a empresa. oportunidade e a conveniência do exercicio da atividade empresarial, em
Pk
A segunda caracteristica material importante com refle. cada situação conjuntural, cabe ao titular do poder de controle, e só a ele.
xos processuais é bem conhecida. Sua importincia para A Trata-se de prerrogativa inerente ao seu direito de comandar, que não pode
ti
o direito processual tem sido, no entanto, absolutamen- deixar de ser desconhecida, como salientamos, em homenagem a uma con-
te desconsiderada. 7 cepção anárquica, ou comunitária, da sociedade por ações.
Constituindo a vida societaria uma atividade e não uma - Frequentemente, no entanto, sob a invocação de interesses superiores
hdeai
sucessão desencadeada de atos, uma série de institutog da sociedade (análoga à invocação da razão de Estado na esfera política), o
processuais perdem sentido. Um julgamento de unrato:
h
j
que ocorre, na verdade, é o sacrifício dos não-controladores ao capricho ou
Gk
do passado, sendo um ato humano, além de (ou talvez
interesse pessoal dos controladores; ou a interesses que não são, propria-
antes que) juridico, acaba por ter em conta os efeitos da
mente, os da sociedade em questão, e sim do grupo econômico mais vasto
teversdo do ato sobre a situagdo presente. Daf a pou- ¢ no qual se insere,
quissima freqiiéncia de anulação de atos societirios ou; ii Esse conflito de interesse pode manifestar-se pelo exercício do direito
de jurisprudéncia consistente nessa matéria. A dificulda- — i
de voto em assembléia, ou por decisões tomadas em nível administrativo.
de em alterar um ato vérios anos depois, consumadas vé- s
suas conseqiiéncias, é evidente. Nio mais O Decreto-Lei n®2.627 tinha, no que concerne ao conflito de interes-
rias de
isolável, o ato já se conjugou 4 atividade, sendo impossi- ses no exercicio do voto, as disposições dos arts. 82 e 95.% A existência de
vel aplicar-lhe a disciplina dos atos. Urge aqui pois uma . uma contradição de interesses, como salienta a doutrina, é questão de fato,
reforma processual, especifica para o direito societério, a ser apreciada em concreto, conforme as circunstâncias.** Mas, de qual-
b
transformando a tutela antecipatoria ou cautelar da nu- quer forma, o que a lei previa era apenas um conflito entre o interesse pes-
lidade (absoluta ou relativa) dos atos societdrios em tu- soal do acionista, que toma parte na votação, e o da sociedade. Bem se vê
il
tela definitiva, Só assim serd possivel controlar o ato — que a realidade do grupo econômico estava totalmente ausente do espírito
antes que se integre à atividade societdria. 5 do legislador de 1940, pois, no seio do grupo, como frisamos, é normal o
De lege ferenda, no entanto, a experiéncia acumulada neste pais sobre sacrifício de uma sociedade ao interesse coletivo do grupo econômico, que
a frustrante aplicagdo dos mecanismos juridicos de proteção a não-contro- não se confunde, propriamente, com o interesse particular do acionista
ladores estd a aconselhar a adogdo de sanções punitivas ou dissuasrias controlador. A lei acionária alemã (§ 243, alínea 2), muito mais aderente à
contra o abuso de controle, a par da ineficácia do ato e das perdas e danos.” realidade econômica, inclui na proibição também o voto em assembléia por
interesse de outrem, em conflito com o da própria sociedade (a menos que
haja o reconhecimento expresso da existência de grupo, com a celebração
de um “contrato de empresa”, como veremos abaixo).
32 Na doutrina constitucional norte-americana, ji se susteatou com brilho a conveniéncia
de uma defesa dos direitos individuais por meio de sanções de dissuasão E&Q.ÃR&.
saindo do tradicional esquema da responsabilidade civl ((orfs). Cf., a esse respeito,a
excelente nota publicada na Harvard Law Review, vol. 93, nº 5, março de 1980,pp.
966 ¢ ss. Não se deve olvidar, de resto, que as funções tradicionais da responsabilidade 33 Art.82.“O acionista não pode votar nas deliberações da assembléia geral relativas ao
taudo de avaliação dos bens com que concorrer para a formação do capital social, nem
A R Bl
civil não se limilam A mera indenização, mas objetivam também, em o»:hwE_&_nmfl..u
punição do responsdvel. Ct. a tese de B. Starck, no direito francés, Essai d'une .QAS.. nas que venham a beneficid-lo de modo particular.”
Générale de la Responsabilité Civile considérée en sa double fonction de garantie et 34 M. Valverde, Sociedade por Agaes, cit., 11, nº 455; Pontes de Miranda, Tratado de Di-
de peine privée, Paris, L. Rodstein, 1947. B reito Privado, cit,, L., $ 5.322,4.
388 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 389
A Lei nº 6.404/76, nesse particular, aperfeiçoou o direito anterior, ad. Aumenta ainda mais, portanto, a possibilidade de coope-
mitindo que possa haver abuso no exercício do direito de voto com o fito de ragdo. A regra do conflito de interesses formal tem, por-
obtenção de vantagem para o votante ou para outrem, em prejuízo não só tanto, dupla função. Além de evitar decisdo seguramen-
efetivo, mas também potencial “à companhia ou a outros acionistas” (ar, te prejudicial a sociedade, ajuda a formação de uma
ambiente cooperativo, fundamental para seu desenvol-
115). Prevê, ademais, a ocorrência de abuso da minoria, no exercício do
vimento.
voto (§ 3°).
A todos esses argumentos teoricos ¢ de fato tém sido
dada muito pouca atengdo, em função exatamente da
Nota de Texto 72 A questão do conflito de interesses é na verdade nuclear
para o controle do exercicio do poder pelo controlad, interpretagdo contratualista, retro criticada (Nota de
Texto 70), da lei societéria brasileira.
e para a propria criação de um ambiente societirio coo-
A posição contratualista fradicional privilegia a chama-
perativo. Aqui, a teoria dos jogos é de grande valia para
demonstrar o porqué. Como explanado na Introdução, a da regra de conflito de interesses material. Segundo ela
modema teoria dos jogos demonstra que o comporta- 0 voto do acionista em assembiéia é sempre permitido,
mento individual é fortemente influenciado pela estruty- devendo ser a posteriori comparado ao interesse social
ta de relacionamento interindividual. Se essa estrutura para eventual anulagdo. Essa idéia contratualista vem
estimula a cooperagdo, havera possibilidade de coopera- sendo utilizada na interpretagdo do art. 115, $ 1°, da lei
societaria, e vem gerando inúmeras controvérsias dou-
¢do, caso contririo ndo. Dois elementos importantes
para determinar essa estrutura são a reputagio dos trindrias a respeito da sua aplicação. Duvidas não há so-
agentes e o proprio tipo de integragao, ou seja, se é de bre as primeiras duas hipoteses do dispositivo.
soma zero (tudo o que um ganha o outro perde) ou não. Sobre a última hipótese, no entanto, paira forte discus-
O primeiro elemento é relevante, pois se a reputagdo do são doutrindria. A dúvida é sobre sua caracterizagao
segundo agente for individualista, o primeiro terá mais como conflito de interesse formal ou material.** E no-
estimulo a um comportamento individualista (como
acorre no dilema do prisioneiro). Quanto ao segundo
elemento, sua relevincia decorre de sua prépria efetiva- 35 Parte da doutrina classifica a hipotese do art. 115, $ 1°, como conflito formal, no senti-
ção. Interagdes que não são de soma zero podem trazer do de que ndo poderia o aciopista concorrer para a formagdo da vontade expressa em
beneficio a um jogador sem prejudicar o outro. O com- deliberagio assemblear relativa “ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para
portamento cooperativo é mais provavel. a formagio do capital social ¢ 4 aprovagdo de suas contas como administrador”. A par-
Ora, a regra de conflito (sobretudo a formal) pode influ- ticipagio do acionista em duas posigdes juridicas contrapostas é razdo suficiente para a
suspensdo do exercicio de voto. Nesse sentido, v. M. Carvalhosa, Comentirios i Lei de
enciar decisivamente os dois fatores. De um lado, reti- Sociedades Anénimas, vol. 2, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 410 e 41 1. Por ourro [ado,
rando o acionista das decisdes em que tem interesse há a indagação se existiria, no dispositivo legal, uma efetiva violação a acarretar anuli-
individual, impede a formação de uma reputagéo indi- dade do voto per se ou se a sanção legal de anulag3o somente seria aplicada na presen-
vidualista. A cooperagdo entre os acionistas é mais pro- ça de conflito material de interesses, v. E. Valladio Franga, Conflito de Interesses nas
vével. De outro, a mesma proibição de voto em uma Assembléias de S.A., cit., p. 92. Este questionamento serve i partc da doutrina que con-
sidera necessária a avaliação de conflito de interesses in concrero, não bastando sua
rodada da interagdo que seria seguramente de soma
mera previsio formal: “cabe indagação relativamente ao mérito da incompatibilidade
zero (pois havendo interesse individual envolvido em entre o exercicio 20 voto com a matéria submetida à deliberação da assembléia geral,
uma determinada decisão, tudo o que a companhia per; de onde deva ser encarado casuisticamente, para efeito de sua anulagao”, v. L. G
der reverterá em beneficio para o acionista) acaba por Ledes, “Contlito de Interesses”, in Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anénimas,
transform4-lo em interagdo de soma diferente de zero. ¢it,, p. 25. Por fim, hé terceira posição no sentido de que embora o conflito de interes-
i
I
Í 390 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FiLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 391
ta-se que essa é a hipótese mais importante, pois é nela pedido, com base na maioria das vezes em razdes pro-
exatamente que se formula o princípio geral de conflito cessuais.”
repetido, de resto, corretamente no art. 156 da lei (con- Na perspectiva institucional organizativa a regra de
flito de interesses dos administradores).** conflito de interesses assume uma fungdo nova e bem
O grande problema é, ainda aqui, o recurso à expres- mais importante. Trata-se do instrumento mais impor-
são “interesse conflitante com o da companhia”. Mal tante de depuragdo dos interesses individuais dos socios,
definido e mal estabelecido estruturalmente como ¢o permitindo a convivéncia ¢ a cooperagio socictaria.
interesse social, tal menção só reforga posigdes juris. — & Para tanto, a0 contrario do que vem sendo a interpreta-
prudenciais tendencialmente avessas a intervir nos ne- . ¢do do art. 115, $ 1°, da lei das sociedades anônimas, é
i
gocios sociais.”” preciso reforgar a idéia de conflito de interesses formal.
Na pritica, esse sistema tem levado 2 virtual desapli- =~ Em presenga de uma definição procedimental do con-
SUAA
cação das regras sobre conflito de interesses, pois a flito de interesses, como € a organizativa, toma-se inú-
anulação de atos é incompativel com a atividade socie- til qualquer definigdo que exija a pré-definigdo do
tária. Chegado o momento da decisdo final em processo interesse social. É claramente o que ocorre com a con-
de conhecimento visando a anulagdo da Assembléia, cepção material, que só pode ser aplicada comparando
tantas e tdo virias consequiéncias da assembléia impug: em cada caso o interesse do sócio com o interesse da
nada já decorreram para a companhia e para terceiros sociedade.
que é invidvel anul4-la. Em jurisprudéncia, esse tipo de Ora, a interpretago organizativa, além da conveniéncia
questdo tem se resolvido ou pelo simples atendimento de. tedrica, implica nada mais que dar valor à letra do art.
pedido subsididrio de perdas e danos (solução ineficaz 115, $ 1°, da lei societaria, expresso ao afirmar que ndo
para o controle do poder do controlador, como visto no pode participar da deliberação acionista com qualquer
texto) ou pela pura e simples rejeigdo do provimento interesse especial no negocio de deliberagdo. Trata-se,
portanto, de proibição de participação e não-participação
controlada pela regra de conflito de interesses material.
ses deva ser apurado caso a caso, permanece a proibição do vato “quando se tratade
wna das situagdes de conflito aberto de interesses, relacionadas no $ 1° do art, 115", Mas não só gramatical € a interpretagdo. Também teleo-
pois “trata-se, afinal, de mera aplicação do principio nemo iudex in causa propria®, ... — Jégica. Basta observar a já mencionada dicgdo clara-
F. K. Comparato, “Cantrole conjunto, abuso no exercicio do voto acionário calienagio mente organizativa do art. 116 da mesma lei.
direta de controle empresarial”, in Direito Empresarial: Estudos e Pareceres, São Pau-
lo, Saraiva, 1995, p. 91. é
d
LBt Laa i
38 Aandlise de decisdes recentes leva a concluir pela preferéncia de uma maior flexibili-
zação da aplicação dos dispositivos legais que ensejam a anulação e manutenção da va-
36 Como já visto anteriormente, o princípio gera! de conflito de interessesé aplicável ato- lidade da assembléia impugnada, ou anulação de apenas parte de suas deliberagdes. V.
dos os gestores de patrimônio alheio. os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justi¢a e do Tribunal de Justiga de São
37 Tais posições baseiam-se exatamente na impossibilidade de definição judicial d Paulo: Recurso Especial n° 74.683-SP (1996), que rejcita a anulação de assembléia em
resse da companhia. As decisões proferidas por nossos Tribunais Superiores manifes- que os votos que teriam sido proferidos irregularmente não cram suficientes para mo-
tam alinhamento' à interpretação dada pela doutrina à matéria, que considera 0 dificar o sentido da deliberagio; Apelação Civel nº 40.514-4/3 (1998), que considera
interesse da companhia como o interesse comum dos acionistas abstratamente consi- insuficiente para anular a assembléia geral erro formal na redação de sua ata, bastando
derados (uti socii) e não como a somatória de interesses individu: sua corregao; Recurso provido JTJ (227/147), que determina a anulagdo da assembléia
u inguli) (v. RT615/162, e TISP, 18.11.1996, in N. Eizirik, Sociedades Anônimas — acral ordinaria apenas na parte em que deliberou quanto à forma de apurag3o dos divi-
Jurisprudência, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 175). dendos das agdes ¢ seus reflexos nas demonstragges financeiras.
|
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392 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FiLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 393
Aqui, portanto, verifica-se um dos mais graves desajus-
Í controfador, e é este principio que deve prevalecer, não se podendo inter-
tes da aplicação da lei. Embora na teoria moderna, os obe pretar isoladamente esses dispositivos legais.
Jetivos e principios da lei e a prépria letra do art, 115;§ - Observa-se, ainda, que todas as modalidades abusivas descritas no §
1º, indiquem no sentido institucional organizativo, a in. 1º do art. 117 são dolosas, sendo que algumas delas (alineas b e ¢) exigem
terpretagdo contratualista da lei tem levado à impossibi- * do agente dolo especifico. Em certos casos, o intento fraudulento ou preda-
lidade de imposigdo de lunites ao poder do controlador; 16rio do controlador é facilmente dessumivel dos fatos. Em outras hipote-
A nossa tradicional e histórica tolerdncia com o poder ses, porém, a prova do elemento subjetivo revela-se diabélica, a não ser
econdmico (v. Introdução) se revela de forma particular recorrendo a presungdes hominis, fundadas em indicios e circunstincias; ou
e nefasta nessa interpretacdo da lei societaria. 7 então admitindo, para efeitos civis, que a culpa grave ao dolo se equipara.
Noart. 117, dá-se o elenco das manifestações de abuso de controle, A Nota de Texto 73 B importante aqui aprofundar um pouco a questio, in-
enumeração constante do $ 1º, de caráter obviamente exemplificativo, en-
dagando o sigaificado do dolo especifico.
Para tanto, o recurso a teoria de direito penal é muito
seja uma aplicação analógica da norma. Mas a analogia supõe a identidade:
útil, pois ai é que mais se desenvolveu — por razões 6b-
A
de um elemento nuclear, entre a hipótese de incidência definida em lei ¢ o
vias — a discussão acerca do significado dos elementos
caso real assemelhado. Daí por que, adiantando o que será exposto no capí- -
subjetivos. Como é sabido, desde a adoção plena da teo-
b dA
tulo seguinte, não nos parece legalmente possivel fazer atuar a regra do art,
ria finalista, a partir da reforma de 1984 do Código Pe-
117 a fim de responsabilizar o acionista controlador pelos débitos da nal, o elemento intencional é parte da ação típica.”?
companhia para com terceiros em caso de abuso. Tal hipótese não encontra O resultado imediato desse deslocamento no ambito do
U LA
nenhum elemento central de analogia com as modalidades abusivas previs- direito penal é que o dolo e a cuipa, influenciados pela
tas no $ 1º do artigo, nem tampouco se compreende na fórmula geral do art, finalidade da ação, deixam de ser elementos da culpabi-
116, parágrafo único. Ademais, a sanção prevista no art. 117 — perdas e danos lidade, e passam a ser elementos da conduta tipica.
R aaan
— não se confunde com a responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais. Assim, ndo é o delito que se caracteriza como doloso ou
Na enumeração legal das hipóteses de abuso, não se descobre ne- culposo, mas os delitos serdo de ação dolosa e agdo cul-
nhum caso típico de excesso de poder, tal como definido acima, ou seja, o posa.
emprego de meios desnecessariamente custosos para alguns dos partici- A conduta que pode se manifestar na forma de ação ou
omissdo, pode ser dolosa ou culposa. A diferenciagio
pantes da empresa na realização do que o empresário entende sero interes-
B
é estabelecida por Welzel da seguinte maneira: se há
se empresarial. O fato, previsto na alínea b, de liquidação de companhia -~ - uma lei que proibe ou prescreve uma determinada
A RS
próspera, não está obviamente ligado a interesses empresariais legítimos, agdo, com o objetivo de evitar um fim social indeseja-
mas ao interesse egoísta do controlador de obter vantagem indevida. do, preocupa-se a lei com a finalidade pela qual o au-
Torna-se dificil, nessas condições, aplicar a norma legal a casos fre- tor realiza a ação. No entanto, ha regras que apenas
SR SS EDA TNAA
Ha, portanto, um elemento cognitivo — consciência da
ação e de seu resultado — e um elemento volitivo — dis- a) Na sociedade anénima isolada
posição de realizá-lo.”' :
120. Já salientamos que o desvio de poder difere do ato contra legem
Assim, o dolo específico resume-se na realidade à de-
monstração da ligação da conduta descrita na norma ao pelo fato de, naquele, o agente procurar respeitar a legalidade formal, ou
resultado. Havendo, portanto, descrição e objetivação.
meramente aparente. Assim, o acionista que vota deliberagdo conflitante
com o interesse social procura sempre justificar seu voto com razões de apa-
dc ddtos,
em lei da conduta ilícita — o dolo se resume & demons--
tração do nexo causal dessa conduta com o resultado. rente beneficio para a sociedade, ou, pelo menos, de inelutabilidade de ou-
Essa conclusão é absolutamente coerente com a legali- tra decisdo por imposigdes inderrogdveis de ordem econdmica.
dade estrita do direito penal. É ela que permitee exigea É o caso, notadamente, do cldssico problema do autofinanciamento.
incorporação da finalidade (dolo específico) no próprio O controlador pode obter satisfagdo do seu interesse econômico pessoal, na
sociedade, sem a distribuigdo de dividendos, sobretudo, quando ocupa pos-
LA LA
tipo. A situação é absolutamente diversa de cláusulas
genéricas como a existente para a responsabilização ci- tos de direção na companbhia, e se atribui elevados honorérios, além de go-
vil. Ali em ausência de previsão legal expressa e deta- zar de outras vantagens inerentes ao cargo. Pode acontecer, mesmo, que a
º sistemdtica retengdo de lucros liquidos constitua uma politica deliberada
i de “congelamento” da minoria, como se diz no jargdo societario nor-
te-americano, compelindo-a a desfazer-se de suas ações a baixo prego.
40 Cf H. Welzel, El nuevo sistema del derecho penal, cit., p. 30. Antes da lei acionéria de 1976, a doutrina e a jurisprudéncia ainda não
41 Arespeito do dolo, ver a clássica lição de F. Carrara, Opuscoli di diritto criminale, Pra- haviam definido, claramente, o remédio juridico que competia ao acionista
to, Giachetti, 1874, vol. 1, p. 292.
4 prejudicado, nesse tipo de desvio de poder. Em sua excelente monografia
396 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLENA SOCIEDADE ANONIMA 397
RbA
sobre o direito do acionista ao dividendo, Luiz Gastão Paes de Barros H Ora, quando há previsão dos dividendos fixos nos estatutos, parece
Leães apontou dois caminhos: a ação de nulidade ou de anulação da delibe. muito mais natural a admissibilidade da ação de cobrança, uma vez de-
Tribu-
ração da assembléia geral e a ação de responsabilidade civil e criminal do $ monstrado o desvio de poder. Foi, aliás, o que reconheceu o mesmo
diretores e fiscais.”* Trata-se, a nosso ver, de remédios indiretos e, por EM E nal de Justiça de São Paulo, em acórdão posterior, julgando incabível a
mesmo, nem sempre adequados à satisfação do interesse lesado. ; ação cominatéria.**
A jurisprudência, por sua vez. admitia que pudesse haver dissolução $ A Lei nº 6.404/76 estabeleceu uma garantia de dividendo mínimo a
compulsória da companhia, pela não-distribuição de lucros, durante vários. $ todos os acionistas, em função do lucro líquido do exercício (art. 202). Pre-
exercícios. Em acórdão de 1962, o Tribunal de Justiça do Paraná adotou 4 viu duas exceções ao pagamento desse mínimo: nas companhias fechadas,
essa solução, invocando para tanto o “preceito da lei que estabelece quea - desde que não haja oposição de nenhum acionista presente à assembléia
geral; e, de modo geral, no exercício em que os órgãos da administração in-
sociedade anônima, qualquer que seja seu objeto, é sempre mercantil, não |
formarem à assembléia ordinária ser esse dividendo incompatível com a si-
podendo, por isso mesmo, deixar de ter por finalidade precipua o lucro e
tuagio financeira da companhia. Nesta última hipótese, o conselho fiscal,
atendendo que, na espécie, não obstante ter dez anos de existéncia, a socie-
quando em funcionamento, dará parecer a respeito e, se se tratar de compa-
dade ainda ndo distribuiu dividendos, tornando-se passivel de liquidagfio,
nhia aberta, uma informação será transmitida à Comissão de Valores Mobi-
nos termos do art. 138, b, do Decreto-Lei nº 2.627, de 26.09.1940.”* O Tri-
Tiários. Os lucros assim retidos devem ser registrados como reserva especi-
bunal de Justiga de São Paulo também assim já decidiu, embora, na espé- al e, se não absorvidos por prejuízos em exercicios subseqiientes, serão pa-
cie, o ndo-pagamento de dividendos não tivesse sido o motivo único, nem gos como dividendos assim que o permitir a situação financeira da
mesmo o principal, da dissolugdo da companhia. A fundamentação do ares- companhia.
to, no entanto, faz explicita referéncia ao desvio de poder: “A sociedade
apelante suspendeu a distribuigdo de dividendos desde o exercicio de 1949 Nota de Texto 74 A Lei nº 10.303/01 introduziu uma terceira hipótese de
até o de 1954, quando foi proposta a ação. Podia fazé-lo, sem diivida, poisa — retenção do lucro líquido. Trata-se daquela retenção
lei não veta a retenção de dividendos desde que haja necessidade on conve- destinada a captar recursos por debêntures não-conver-
niéncia para o interesse coletivo. Mas esse principio ndo ¢, nem pode ser, síveis em ações, desde que evidentemente não haja
absoluto. E isso porque, desde que haja abuso ou malicia das assembléias oposição de nenhum acionista (art. 202, $ 3º, 1, da Lei
gerais da sociedade na deliberagdo de ndo distribuir dividendos, a retengio nº 6.404/76).
destes chocar-se-ia com o direito do acionista aos lucros sociais, consa-
grado no artigo 78, a, da Lei das Sociedades por Ações (Decreto-Lei nº É bem de ver que a lei não eslabeleceu a iguatdade de dircitos de to-
2,627, de 26.09.1940). (...) Pelo exposto, para que se justificasse a retengio dos os acionistas sobre esse dividendo obrigatório; ao contrário, ressalvou,
dos dividendos pela apelante, necessério seria que esta demonstrasse, cum- 5 expressamente, as preferências ou vantagens dos titulares de ações prefe-
pridamente, a necessidade ou conveniéncia dessa medida para a consecu- renciais (art. 203 da Lei nº 6.404/76). O indispensável é que o dividendo
ção de seus objetivos sociais, coisa que ndo se depara nestes autos e que global não seja inferior ao mínimo legal, ainda que os dividendos atribuí-
dos, por exemplo, às ordinárias não atinjam a porcentagem fixada em lei,
conflita com o disposto no art. 15 dos estatutos da apelante, onde se prevéo
ou nos estatutos, para aquele.
Emfi:m._uflo dos dividendos na base de 6% ao ano, sobre o valor do capital
Nesse sistema, ¢ indubitável que o acionista tem ação de cobrança
social”,
dos dividendos correspondentes à porcentagem mínima contra a compa-
nhia fora das situações excepcionais assinaladas.
42 L. G Lcães, Do Direito do Acionista ao Dividendo, São Paulo, 1969, cap. VIL.
43 Apelação Civel nº 255/61,3* Cam. Civ., Relator Segismundo Gradowski, RT320/527.
45 Apelagio Civel nº 142.811, 1* Câm. Civ,, Relator Pinto do Amaral, RT 368/129.
44 Apelagdo Civelnº 80.668, 5* Câm. Civ., Relator J. C. Ferreira de Oliveira, RT265/454.
398 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÓNIMA 399
Convém, no entanto, assinalar que o sistema do dividendo obrigatg.. car a tese da desconsideragio da personalidade juridica em relação à
rio ndo eliminou a possibilidade juridica de abuso do controlador na fixa- sociedade constituida pelos diretores, que era acionista majoritario, tal
ção da política de remuneração dos acionistas. Tanto mais que em muitas como pedia o autor, o Tribunal anulou, não obstante a deliberação da as-
companhias, aproveitando-se da vacatio legis, o controlador fixou a por- sembléia geral por abuso de poder.
centagem do dividendo obrigatorio em nivel bem inferior 20 estabelecidg Nos Estados Unidos, em que essa pratica de abuso de poder é conheci-
no $ 2º do art. 202. Seja como for, o simples respeito à exigéncia minimgf;. da como siphoning off corporate wealth,'" os wibunais têm reconhecido aos
xada em lei ndo d4 a0 empresario um bill de indenidade nessa matéria, acionistas nde-controladores o direito de propor uma ação social uti singuli
É possivel uma redução do dividendo obrigatorio, fixado no estatuto, conlra os controladores-administradores (derivate action), fundada no fato
em menos de 25% do lucro liquido ajustado? A ambigua redagio do &%,o“ de que uma remuneração excessiva constitui malversagdo dos bens sociais.
sitivo legal (art. 202, $ 2°) parece ensejá-la; e essa interpretação ¢ corrobo- A nossa vigente lei aciondria procurou tornar menos frouxo, nesta
rada pela previsão do recesso, como remédio de proteção aoacionista questdo, o regime do Decreto-Lei nº 2.627. Estabelecen o principio de que
dissidente (art. 137). a remuneragdo dos administradores deve ser fixada “tendo em conta suas
responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competéncia e
121. Uma maneira disfargada de se desviarem lucros da sociedade, os reputagio profissional e o valor dos seus servigos no mercado” (art. 152 da
quais, normalmente, deveriam aproveitar aos acionistas, consiste na exage- Lei n° 6.404/76). Vinculou a possibilidade de previsio estatutdria de uma
rada remuneração dos administradores. O caso ocorre com freqiiéncia, participação dos administradores no lucro liquido da companhia à fixação,
quando estes são também os controladores e pode combinar-se, ou nio, pelos estatutos, do dividendo obrigatorio em pelo menos vinte ¢ cinco por
i
com a inadequada distribuigdo de dividendos. cento desse [ucro; e o pagamento de tal participago, a efetiva atribuição do
O Tribunal de Justica de Alagoas teve ensejo de decidir, há vérios - dividendo obrigatdrio. Por outro lado, visando aos fringe benefits, que os
anos, uma dessas manifestagoes de desvio de poder, aplicando a doutrina administradores se outorgam fora de qualquer autorizagdo da assembléia,
que vimos desenvolvendo.* Na ação, o autor alegou que os três diretores conferiu a acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital so-
da companhia eram os únicos sécios de uma sociedade limitada, que deti- cial o direito de exigir que o administrador de companhia aberta informe à
nha dois tergos do capital daquela. Em
ses diretores, pretendendo que fossem
1947, o autor j4 havia acionado es-
condenados a devolver aos cofres
i assembléia geral ordindria “os beneficios ou vantagens, indiretas ou comple-
mentares, que tenha recebido ou esteja recebeado da companhia e de socie-
saciais quantias referentes a comissdes sobre os lucros liquidos, percebidas dades coligadas, controladas ou do mesmo grupo”, bem como “as
de forma dupla e indevida, tendo sido a demanda julgada procedente. Em condigdes dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela compa-
represalia, a diretoria convocou a assembléia geral, algumas semanas nhia com os diretores e empregados de alto nivel” (art. 157, $ 1° c e d).
depois, promovendo uma substancial elevação de seus honorérios. Preca- Nessa matéria, alids, espera-se que a Comissdo de Valores Mobilirios
vendo-se, no entanto, contra uma possivel argitição de nulidade dessa delibe- saiba fiscalizar, adequadamente, o procedimento dos administradores nas
ração, a sociedade acionista, controlada pelos diretores, transferiu para seu companhias abertas.
procurador agdes da companhia, em quantidade pouco superior à do autor da - |
demanda, Dois anos ap6s, havendo a companhia adquirido maquinas sem 122. Em contrapartida, pode também ocorrer desvio do poder de con-
langar no ativo o seu valor, o autor moveu nova ação judicial, também jul- trole em detrimento de um ou alguns dos administradores. Mesmo não sen-
gada procedente. Onze dias depois, a diretoria convocou a assembléia para do acioniste, o diretor participa do interesse social de produgdo e
decidir novo e substancial aumento de seus honorérios, bem como uma ele- distribuigdo de lucros. Ele tem mesmo o dever funcional de atuar em vista
vação de sua participação nos lucros liquidos, de 20% para 30%. Sem apli-
47 CLF.H.O'NealeR. B. Thompson, Oprression of Minority Shareholders, cit., pp. 85
46 Apelagio Civel nº 3.330, Relator Meroveu Mendonga, RT 154/341. ess.
400 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 401
da realização desse objetivo e, uma vez realizado, não pode ser excluido, peneficio ou interesse aparente da sociedade. O desvio de poder costuma
abusivamente, da partilha de lucros pelo titular do controle social. Sem se transparecer, claramente, quando a deliberagdo da assembléia, visando a
chegar ao exagero de considerar que os diretores têm direito a essa forma introdução nos estatutos de uma das clausulas que analisamos no Cap. II da
de remuneração pelo exercício de suas funções, como proclamou um julga. segunda Parte, acorre mu&m a manifestagdo de dissidéncia, qualificada ou
do,* não se pode deixar de reconhecer que a exclusdo de determinado dire- - não, no corpo aciondrio. E ébvio que onde haja desrespeito formal a nor-
tor dessa participagdo, ou a sua fixagdo em porcentagem irrisória em mas imperativas. como 4 que fixa a maioria qualificada no arl. 136 da Lei
relagdo à dos demais, constitui, em tesc, abuso de poder. Mas, .Eu,saº_a. 1°6.404/76, ou a que exige a aprovação da alteragdo pela assembléia espe~
=
porque não se trata de um direito do diretor, como o do acionista ao divi- cial de acionistas preferenciais (mesmo art., $ 1°), a deliberação é contra le-
dendo, é bem de ver que o juiz não pode substituir-se à assembléia geral na geme, portanto, nula. Mas a opressdo dos ndo-controladores manifesta-se
decisão de distribuir essa participação nos lucros, caso não tenha havido ai, mais fregiientemente, pelo desvio de poder, com o respeito formal das
discriminação entre diretores; mormente se a assembléia também decidiy = regras legais. A deliberação da assembléia geral, então, pode ser invalidada
não distribuir dividendos, pois a tanto se opõe a disposição imperativa do pela anulagdo do voto do controlador (art. [15).
S
art. 152 e parágrafos da Lei nº 6.404/76. Todavia, contra essa orientação,
Nota de Texto 75 Na verdade, havendo interesse direto do controlador,
que já resultava clara do Decreto-Lei nº 2.627 (art. 134), houve duas deci-
seu voto sequer deveria ser computado na assembléia,
sões do Tribunal de Justiça de São Paulo.”?
pois há conflito de interesses formal (artigo 115, $ 1°,
da Lei nº 6.404/76).
123. Outras hipóteses de opressão dos não-controladores, repertoria-
das na jurisprudência, são as de aumento de capital por subscrição e de alte- No elenco exemplificativo das modalidades do exercicio abusivo do
ração estatutária,”* ou de dissolução. poder de controle, constante do seu art. 117, $ 1° a nova lei de sociedades
Num caso decidido pela Corte de Cassação italiana, e que mereceu por agdes inclui o fato de o controlador “promover a liquidagdo de compa-
comentário favorável de Ascarelli,*' a maioria procedeu a depreciações ex- nhia prospera (. .) com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem in-
cessivas em verbas do ativo social, consignado no balanço, a fim dejustift- devida, em prejuizo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa
car um aumento de capital em montante elevado, aproveitando-se da ou dos investidores em valores mobilidrios emitidos pela companhia”. Foi
momentânea impossibilidade financeira dos não-controladores em subs- o que ocorren no caso de Lebold v. Inland Steel Co.. decidido nos Estados
crever a parte que lhes tocava nesse aumento. O Tribunal Supremo da Itália Unidos:*? o controlador langou mão desse recurso extremo, a fim de se ver
julgou que essa deliberação constituía, nitidamente, um desvio de poder.” livre de um contrato que passara com a companhia, considerado prejudicial
Igualmente, pode-se considerar abusiva a deliberação de alteração 208 seus interesses.
estatutária, decidida pela maioria em assembléia, quando tenha por único -
escopo consolidar o seu poder, em prejuízo dos não-controladores, e sem 124. A jurisprudéncia estrangeira registra, também, alguns casos de
desvio de poder por meio da constituigdo, pelo controlador, de uma socie-
dade especialmente destinada a servir de instrumento & opressdo dos não-
controladores. Nos Estados Unidos, por exemplo, cita-se o caso Matteson
48 Trib.Jus.S. Paulo, 1º Grupo Câm. Civ., embargos infringentes nº 112.838, Relator Di- v. Ziebarth.” O acionista A, possuindo dois tergos do capital votante da
mas de Almeida, RT 346/169. companhia X, negociou pessoalmente com a companhia Y, a licenga de uti-
49 3º Câm. Civ,, Apelação Civel nº 91499, Relator Raphael de Barros Monteiro, AT
286/322; e 2º Grupo de Câm. Civ., embargos na apelação retromencionada, relator Pedro lização de marcas de fabrica daquela por quantia irrisoria, desde que ele,
Chaves, RT 294/187.
50 CEA,A. Berle Jr. e G Means, The Modern Corporation and Private Property, Nova
O Abuso do ,
Torque, Ed. Revista, 1967, cit., pp. 221 ess.e 235 ess.; T. C. Duarte Direiz
to e us Deliberações Sociais, 2º ed., Coimbra, 1955. 52 Lebold v. Intand Steel Co., 125 F 2d 369 (7th Cir. 1941).
51 T. Ascarelli, Stdi in Temadi Socíetã, cit., pp. 147 ess. 33 Matteson v. Ziebonth, 40 Wash. 2d 286, 242 P. 2d 1.025 (1952).
402 O SALOMÃO FILHO
E CALIXTO
FÁBIO KONDER COMPARAT O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 403
acionista A, fosse contratado pela companhia Y com honorários elevados; mítica da personalidade juridica impedia o reconhecimento da existéncia,
ficando, igualmente, assentado que Y receberia uma opção para à aquisi- em tais hipoteses, de um contrato consigo mesmo que a mais antiga tradi-
ção de todas as ações de X. Como um acionista Bíonã—_o desta se recu- ção juridica sempre condenou.
Tais ajustes ou acordos ndo podiam deixar de ser considerados inefi-
sou a dar opção de transferência de suas ações, A constituiu a sociedade 7,
na qual detinha o controle absoluto. Logo em scguida, as assembléias ge- cazes, mesmo na auséncia de proibição legal expressa pela aplicação da teo-
rais de X e Z aprovaram a sua fusdo, coma observancia rigorosa de todasas ria do desvio de poder. A nova lei de sociedades por ações não se omitin 4
regras formais, estipulando-se que os acionistas de X receberiam agdes respeito. Considerou modalidade de abuso de poder pelo controlador,
oriunda da fusão. Concluida “contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de socie-
preferenciais sem voto na nova companhia
dade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento, ou ndo-eqiii-
esta, anova companhia celebrou o acordo de licenciamento de marca de fa:
tativas” (art. 117, $ 1°, /). Deveria, no entanto, ter exigido a prévia
brica com Y, que também contratou A como manager.
autorizagdo da assembléia geral, sem o voto do controlador.
A Corte de Cassagdo francesa também teve ocasido de aplicar o
de
principio do abuso de poder, ao anular a deliberagdo de assembléia geral
126. Mas quem deve responder pela composição das perdas e danos?
uma companhia que aprovara a celebragdo de um contrato de “loca-
Se a ação é intentada por acionista, não há de ser, evidentemente, a
ção-gerência” do seu fundo de comércio, com uma outra sociedade consti-
prépria sociedade, pois isto seria dar com uma mão o que se tira com a ou-
tuida pelos acionistas majoritirios especialmente para essa finalidade * tra. A responsabilidade pela indenização dos prejuizos só pade ser do con-
No Brasil, deliberagdes dessa ordem seriam, sem duvida, passiveis do
trolador, que incorreu no desvio de podec®® como estatui, corretamente, a
disposto no art. 115 da Lei nº 6.404/76. Lei nº 6.404/76 (art. 117). Mesmo que a decisão seja tomada em assem-
bléia, não se pode considerar o ato como praticado pela propria sociedade,
125. Nq regime do Decreto-Lei nº 2.627, nada se previa quanto as hi-
segundo a concepção orgânica. Em primeiro lugar, porque agir é atributo
poteses de contradição de interesses fora da assembléia, isto &, sem que do homem. O que há, em verdade, é um problema de atribuição dos efeitos
houvesse efetivo exercicio do direito de voto. Tudo se passava, na visao ir- de atos humanos, como bem salientou a moderna doutrina critica da perso-
realista do legislador, como se não existisse coutrole, ou melhor, como se o nalidade juridica. Ademais, porque a assembléia não se confunde nunca
acionista só manifestasse as suas prerrogativas de poder, inerentes à proprie- com 2 sociedade andnima, como frisamos.”’ Finalmente, porque o desvio
dude aciondria, no momento da reunido da assembléia geral. Fora desta, 0 de poder, no qual incorre o controlador, desnatura a legitimidade da decisão
conflito de interesses só podia manifestar-se entre um diretor e a compa- coletiva, malgrado a sua regularidade formal, paralisando, portanto, aquela
nhia (Decreto-Lei nº 2.627, art. 120). atribuigdo de efeitos dos atos praticados, que acabamos de mencionar. Sem
Sio freqgiientes, no entanto, os confratos entre a sociedade e o seu con- duvida, os diretores, que praticaram o ato abusivo e danoso para os interes-
trolador, ou uma outra sociedade igualmente controlada por este, causando ses dos ndo-controladores, incorrem na responsabilidade funcional, regu-
cvidente prejuizo aos ndo-controladores ¢ mesmo aos terceiros credores, lanuente estabelecida em lei (Lei nº 6.404/76, art. 158), pelo fato de
concepção
pela lesdo do patriménio social.*® Só mesmo o respeito a uma haverem procedido com culpa ou dolo, não obstante dentro de suas atribui-
ções ou poderes. Mas essa responsabilidade dos diretores não exclui, no
novo sistema legal, a do titular do poder de controle, que pode não ser ad-
" ministrador (art. 117, $ 3°).
54 RTDC 1973, 3, pp.86/587.
majo-
55 Como disse o juiz Brandeis, em julgado sempre citado nos Estados Unidos, “the
relation toward
ritv has the right to control; but when it does so, it occupies a fiduciary
the minority, as much so as the corporation itselfor its officers and directors. If. through
that control, a sale of the corporate property is made and the property s&:.ã&
by the 56 CL A. Wald, “Irresponsabilidade da Socicdade Anônima por Decisdes Nulas ou Abu-
majority, the minority may not be excluded from a fair participation in the fruits of
the sivas da Assembléia Geral”, RDM nova série, nº 12, 1973, p.
sale” (Southern Pacific Co. v. Bogert, decidido pela Suprema Corte em 1919). 57 Chsupran®3,
O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 405
404 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO
0 direito alemão tem, a esse respeito, uma disposição geral repressora A vigente lei acionaria parece tornar indubitdvel essa solução, ao dis-
do ato de “aproveitamento da própria influência sobre a sociedade” (lei acio- por, N0 art. 115, que se considera abusivo o voto exercido com o fim de ob-
nária de 1965, $ 117), consistente em induzir, pelo exercicio intenciona! da ter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou
própria influência sobre ela, um administrador, procurador ou preposto, a possa resultar, prejuizo para a companhia ou para outros acionistas. Ainda
aágir em detrimento da sociedade. O agente é obrigado a indenizar a socieda- que se considere que a sociedade controlada pelo administrador não é o seu
de e, eventualmente, os próprios acionistas lesados. Com o agente respon- alter ego. é bem de ver que, ao volar abusivamenle pela apravagdo das con-
it
dem também, solidariamente, os administradores sociais, a menos que o ata tas desse administrador, ela o fez com o fito de obter para este uma vanta-
por eles praticado seja fundado em uma deliberação da assembléia geral, to- gem a que ele ndo fazia jus, dai resuitando, obviamente, um prejuizo ou
S
mada de acordo com os preceitos legais. Já nos referimos a esse dispositivo, possibilidade de prejuizo para a companhia.
Caso anélogo é o do adminisirador que obtém a concessdo de emprés-
quando tratamos do controle extemo.”* Na lei germânica, ele se aplica, de
la
fato, a ambos os gêneros de controle. Na nossa Lei nº 6.404/76, deve-se refez- timo, pela sociedade por ele administrada, sem autorizag3o de assembléia
rir a norma do art. 117, $ 1º, ¢, que visa, tão-só, 20 acionista controlador. geral, a beneficio de outra sociedade da qual detenha o controle. A nossa lei
Na hipótese de controle conjunto, todos os acionistas controladores penal (Cddigo de 1940, art. 177, § 1°, TIT) não se refere à obtenção de em-
responderão solidariamente pelos prejuízos causados, por aplicação da re- préstimo por interposta pessoa, ao contrario, por exemplo, do disposto no
gra constante do ast. 942 do Código Civil de 2002. Código Civil italiano (art. 2.624). A doutrina penalista dá 20 texto uma in-
terpretagdo mais compreensiva, admitindo que, para a ocorréncia de crime,
127. Há, ainda, situações em que o controle de outra sociedade pode ndo há necessidade de o diretor figurar, abertamente, como parte contratan-
servir para fraudar a aplicação de disposições legais imperativas. Não sc te. “Toma empréstimo também aquele que agir por meio de um ‘tes-
trata de questão inserida na problemática do grupo societário, pois não há, ta-de-ferro’, ou por qualquer interposta pessoa. O essencial é que o diretor
necessariamente, conjugação de atividade empresarial entre ambas as socie- seja o real beneficidrio do empréstimo. º
dades, com a conseqiiente unidade de direção. Aredação do art. 154, $ 2°, b, da Lei nº 6.404/76, embora mais abran-
É o caso, por exemplo, do diretor que obtém a aprovação de suas con- gente que a do art. 119, pardgrafo único, do Decreto-Lei n°2.627, ainda não
tas em assembléia, graças ao voto decisivo de uma sociedade acionista, por é suficientemente incisiva para a hipotese. Se o administrador figura como
ele controlada, frustrando-se, destarte, a aplicação da norma proibitiva do: sócio totalitário da sociedade que recebe o empréstimo, ou se ela foi criada,
art. 134,8 1º, in fine, da Lei nº 6.404/76, sancionada até mesmo penalmente — exclusivamente, para essa finalidade, não nos parece admissivel dúvida al-
(Código Penal de 1940, art. 177, $ 1º, VII). Nota-se quealeipenalfalaem — - guma quanto à ilicitude. Mesmo deixando de ocorrer um desses casos ex-
aprovação de contas mediante interposição de pessoa. Mas a doutrina tremos, o contrato celebrado pode ser considerado ineficaz para a
considera que essa interposição deve ter sido criada especialmente para o —— companhia mutuante, se as circunstincias de fato evidenciarem a fraus
efeito de aprovação de contas.”* Assim, se a sociedade controlada pelo di- legi, como sustentou Ascarelli.®
retor não foi constituída com essa finalidade, o seu voto de aprovação de'
contas não constituirá crime. Não obstante, entendemos que, no caso, a de- b) No grupo econémico
liberação da assembléia pode ser considerada ineficaz pela ocorrência de
fraude à lei, desde que, bem entendido, sem o voto dessa sociedade contro- 128. No seio do grupo econdmico, o problema da disciplina do desvio
lada pelo diretor, não haja aprovação das suas contas.
de controle torna-se mais agudo, pois a propria mecénica de funcionamen-
58 CEsupranº 18, ' : i
i 60 C. Pedrazzi e P. José da Costa Jr, Direito Penal das Sociedades Andnimas, cit, pp
59 CEC.Pedrazzi e P. José da Costa Jr, Direito Penal das Sociedades Anônimas, i, pp- 1917192,
61 T. Ascarelli, Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, cit., p. 491.
210ess.
406 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 407
to do conjunto empresarial tende, como salientamos,” * não só poss
2 ibilida. entre grupos de direitos e grupos de fato (faktische Konzerne), comojá as-
de de restrição ou supressão da distribuição de lucros, em uma ou em todas Min—u_:ou.i Só os primeiros podem funcionar sem o respeito aos interes-
as sociedades que o compõem, como também a uma restrição na própria ses particulares das sociedades componentes, mas com a compensagao dos
produção desses lucros. O interesse particular de uma sociedade pode ser prejuizos causados. O livro terceiro da lei define os tipos de contratos de
sacrificado ao interesse geral do grupo. grupo, denominados “contratos de empresa” (Unternchmensvertraege),
Nota-se que esse desvio de poder, analisado na ótica do interesse que podem constituir Konzerne de dircito. São eles: o contrato de domi-
particular de cada sociedade, pode ocorrer não apenas em sociedades nagdo (Beherrschungsvertrag) e o contrato de transferéncia de [ucros
controladas, ou “filiais”, mas também na própria controladora ou holding, (Gewinnabfuehrungsverirag), ambos regulados no $ 291; o contrato de co-
Figure-se, por exemplo, a decisdo de alteracio radical do abjeto social das
munhdo de lucros (Geftwinngemeinschaft), de transferéncia parcial de
sociedades controladas, de cessdo do coatrole destas, da venda global dos
lucros (Teilge winnabfuehrungsvertrag) e o arrendamento ou cessão de es-
bens do seu acervo empresarial, ou da dissolugdo das sociedades operantes;
tabelecimento (Betriebspachtvertrag, Betriebfueberlassungsvertrag), no
tudo isso deliberado em vista do interesse geral do grupo, e não do interesse
pardgrafo seguinte. Só estes últimos eram regulados na Lei de 1937. De
particular da holding, de produção e distribuicdo de lucros. Imagine-se,
qualquer modo, esses tipos contratuais são 0s únicos aptos a constituir um
mesmo, que a cessão de controle ou a venda dos bens do acervo empresarial
grupo econdmico de direito, e os seus instrumentos devem ser levados ao
de sociedades controladas sejam feitas para outras sociedades pertencentes
registro do comércio para que produzam efeitos juridicos. A doutrina salien-
a0 grupo, simplesmente coligadas & companhia controladora, mas nio
dominadas por ela, por prego manifestamente irrisorio, inferior, por exerm- ta que eles operam uma alteração nos fins sociais, passando as partes a atuar
plo, 20 valor contébil das ações. Como não reconhecer o prejuizo sofrido pe- em função do interesse geral do grupo.®
los acionistas ndo-controladores da holding, ou a probabilidade de prejuizo? Acontece que os grupos de fato continuam a ser, ainda hoje, incompa-
Por outro lado, como também salientamos, o direito ndo pode descu- ravelmente mais numerosos que os grupos de direito. O arquivamento de
rar os relevantes interesses econdmicos globais do grupo societario, que um “contrato de empresa” no registro do comércio é fato relativamente
devem, mesmo, sobrepor-se a0 interesse particular das sociedades que,o raro na Alemanha. Ou seja, malgrado a reafirmagéo pelo legislador do
compdem. O ponto de equilibrio deve ser encontrado na legalização desse - principio do respeito ao interesse particular de cada sociedade, no grupo de
fato, acompanhada da imposição de limites, e de toda uma sistematica de fato, e a imposição de um relatério pormenorizado sobre as relagdes entre
adequada protegdo aos interesses individuais lesados. as sociedades componentes do grupo, a ser apresentado, anualmente, pelos
AT
Foi o que fez o legislador alemão, na lei acionaria de 1937, e mais administradores à assembléia geral (§ 312), a maior parte dos empresérios
s FR
completamente nade 1965. Naquela, o $ 101, correspondente ao $ 117 des- entendeu mais conveniente não legalizar os grupos econdmicos criados,”
ta, a0 reprimir o aproveitamento da propria influéncia sobre a socicdade, 0 que significa excluir da regulamentação legal um número considerdvel
excluia da obrigagdo de indenizar o agente que houvesse atuado “para ser- de sociedades anénimas, pois, segundo estimativas correntes, 70% a 80%
vir interesses merecedores de tutela” (schurzwerdigen Belange). Fundados das companhias alemas integram-se num Konzern.”
numa observagio da exposição de motivos, 0s comentaristas e os tribunais: .
admitiram, sem discussdo, que tais interesses eram ._.cm_»Bo:a os do grupo
econdmico no qual a sociedade em questdo se inseria.”
A atual lei acionéria alemd adotou uma sistematica um tanto diferente Cf. supra nº 112.
Cf. R. Godin e H. Wilhelmi, dktiengesetz, cit., T, pp 1.579 e ss.; H. Wiirdinger, Akdien-und
e, de qualquer modo, bem mais complexa. Ela partiu da distinção radical” Konzernrecht, 3* ed., Karlsruhe, 1973, p. 288.
Alguns juristas estrangeiros supereslimam, assim, sem nenhum apoio na realidade, a
importincia desse relatério sobre as relagdes com as sociedades pertencentes ao grupo
{cf., por ex., L. di Brina, “I Contratti tra Società Collegate nella Legge Tedesca sulla
62 Cf supran* 111, Societd per Azioni”, in RDC, 1972, 1, pp. 226/227).
63 H, Rasch, Deutsches Konzernrech, cit. p. 163. Cf. H. Wirdinger, Aksien-und Konzernrecht, cit., p. 254.
"
Constituido o grupo econdmico de direito, os “acionistas estranhos” acervo, ou cujo faturamento ou receita ultrapassa 1 5% das vendas ou recei-
(aussenstehende Aktionaere), como são chamados os ndo-controladores na tas do méno.a No primeiro caso, os atos da subsididria de venda do seu
sociedade dominada ou submetida 4 transferéncia de lucros, passam a 20- acervo total, de incorporagio em outra sociedade, de eleição de administra-
zar de duas garantias: uma “indenização apropriada” (angemessener Aus- dores, reforma dos estatutos ou dissolugdo devem ser exercidos, direta-
gleich), equivalente ao dividendo, para 0s que desejam permanecer na mente, pot voto da assembiéia de acionistas da holding, e ndo pelos
companhia, na qualidade de “hóspedes tolerados”, como disse pitoresca- representantes legais desta na subsidiria. É a doutrina do pass-through.
mente um autor;* ou então o direito de recesso, com o recebimento dos Na segunda hipótese, já se admite que a decisão compita aos representantes
da sociedade controladora na assembléia da subsidiária, mas sempre com a
Al
controladores de um contravalor (4bfindung) pelas agdes cedidas.
A garantia do dividendo é dada em função da distribuição de lucrog prévia aprovação da assembléia da holding.
aos acionistas, feita no passado, e da distribuigdo previsivel de &5%2_8.
no futuro, caso ndo tivesse havido o “contrato de empresa’; acrescentando, Nota de Texto 76 Na Alemanha, essa necessidade prática teve elaboração
cautelarmente, a lei que se devem levar em conta as amortizagdes wa_a»__s“ teórica no famoso caso Holzmiiller.” Em uma faitispe-
das e as retificagdes de valores necessarias, mas não as reservas facultati- cie semelhante, de criação de uma sociedade unipessoal
vas, anteriormente constituidas (§ 304, alinea 2), sem o que estaria através da transferência de parte do patrimônio da socie-
legitimado até mesmo o autofinanciamento à outrance. Pode-se também - dade (transformada em) holding (pura), em primeiro lu-
o que parece pouco justificado— estipular no contrato que os nao-controla- gar impôs-se à diretoria (Vorstand) a convocação de
dores receberdo dividendos correspondentes aos distribuidos pela socieda- uma Assembléia Geral para decidir a respeito de uma
de dominante (ibidem). transferência patrimonial para a sociedade controlada
Quanto 4 indenizagdo pelo recesso, ela pode ser estipulada em agdes (0 que não seria obrigatório de acordo com a lei societá-
de outra sociedade, ou da que exerce sobre ela o controle, ou ainda em di- ria). Afirmou-se também que, dali em diante, qualquer
nheiro (§ 305). decisão sobre o aumento de capital na sociedade uni-
Em contrapartida dessas garantias, estabelecidas em favor dos acio- pessoal deveria ser tratada como uma decisão da socie-
nistas ndo-controladores, o legislador alemdo, inspirando-se, sem divida, dade holding, exigindo consequentemente uma decisão
no art. 209 da lei acionaria inglesa de 1948, em matéria de take-over bids,” da Assembléia Geral dessa última com quórum qualifi-
admitiu que, na hipdtese da constituição de um poder de controle corres- cado (75%).
pondente & detengdo de 95% do capital aciondrio de uma companhia, e per- Trata-se, com efeito, de atribuir diretamente à Assem-
tencente a outra sociedade por ações, esta pode expropriar os ndo-controla- bléia Geral decisões que normalmente competiriam à
dores, mediante a entrega de ações do seu capital, ou do capital da socieda- diretoria da sociedade controladora como representante
de 4 qual por sua vez se subordina, com uma eventual complementagdo em do acionista único na sociedade unipessoal. A transfe-
dinheiro (§ 320, alineas 4 e 5). rência de parte importante do patrimônio é apenas um
Nos Estados Unidos, sustentou-se a necessidade de uma disciplina exemplo. À mesma ameaça aos interesses da minoria da
particular para as subsidiarias integrais, que detém a quase totalidade (me- sociedade holding pode ser identificada, por exemplo,
gasubsidiaries) ou uma parte significativa (significant subsidiaries) do em decisGes tendentes a conclusão de contrato de gru-
acervo empresarial do grupo, isto é, segundo a SEC, mais de 15% desse po, no caso de aumento de capital da sociedade contro-
68 L. Brina, “I Contratti tra Societa Coilegate nella Legge Tedesca sulla Societd per 70 Cf. M. A. Eisenberg, “Megasubsidiaries: The Effect of Corporate Structure on Corpo-
Azioni”, cit. rate Control”, in Harvard Law Review, vol. 84, nº 7, de maio de 1971, p. 1.577.
69 Cf supran®79. 71 Caso Holzmilller, decisdo de 25.02.1982, in BGHZ 83, 122.
410 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 4u
lada ou ainda no caso da admissão de terceiros na realidade dos grupos econômicos, estabelecendo a proteção adequada aos
sociedade (nestes últimos dois casos, a sociedade tor: interesses passíveis de lesão. Nada indica que no meio brasileiro esses inte-
nar-se-ia pluripessoal com diminuição da participagio resses sejam despreziveis. Tudo demonstra que a prática e a jurisprudência
relativa dos sécios minoritarios).” O perigo evidente não souberam e não puderam, no direito anterior, excogitar mecanismos
nesses dois casos ¢ a utilização da sociedade unipessoa| apropriados de defesa dos não-controladores, sem coartar inconsiderada-
para permitir a diluição da participagao votante dos mi- mente a formação dos grupos societários. Foi, por conseguinte, louvável a
noritários no grapo. Nao há porque, ai também, não se orientação da Lei nº 6.404/76 de procurar disciplinar o fenômeno.
aplicar à controlada as regras existentes sobre utiliza- Num dos raros casos de constituição contratual de grupo, levados ao
ção abusiva do poder de controle para diluigZo da parti- conhecimento dos tribunais, a Justiga procurou interpretar ampliativamen-
cipagdo dos minoritarios. te os textos legais, para evitar a nulidade. Mas a discussdo estabelecida
O antidoto para esse tipo de comportamento é eviden(e, mostrou até que ponto o fato sub judice era estranho à sistematica do De-
Na concepção organizativa da sociedade, a procedi- creto-Lei nº 2.627. Duas companhias de mineragdo constituiram uma socie-
mentalizagdo da atividade social e o cumprimento das dade civil, denominada “consorcio de administragdo”, que passou a
formalidades societárias aparecem como requisito fun- dirigi-las, retirando de suas respectivas dicetorias, praticamente, todas as
damental para a separagdo das esferas. No caso dos wau suas prerrogativas legais. Um acionista de uma dessas sociedades anôni-
pos, no entanto, a essa necessidade se contrapde uma mas ajuizou ação para anular a constituição do “consércio”, alegando vio-
outra: impedir o conflito de interesses na holding. Area- lação flagrante da norma constante do art. 116, $ 5° do Decreto-Lei nº
lizagdo de Assembléias exclusivamente com um repre- 2.627, que vedava a transferéncia das atribuições ou poderes, conferidos
sentante da holding pode servir como meio de aos diretores, a outro órgão criado pela lei ou pelos estatutos. O texto, as
R S
fortalecer a posição de seu controlador em detrimento claras, só previa transferéncia de poderes no seio da prépria companhia, e
dos minoritarios (da holding). Uma forma de compati- assim mesmo para declara-la invélida. A diregdo unificada do grupo econd-
bilizar essa exigéncia com a primeira ¢ sem divida a mico era problema totalmente desconhecido, ou pelo menos ndo considera-
TG
encontrada na já citada decisdo Holzmiiller do BGH do, pelo legislador. Acresce notar, no caso levado a juizo, que o “consércio
alemdo, que imputa as atribui¢des da Assembléia Ge- de administragdo” percebia elevada porcentagem sobre o lucro produzido
ral da sociedade unipessoal diretamente à Assembléia pelas companhias administradas.
Geral da holding. Desse modo, as decisdes podem ser O juiz de primeira instincia julgou procedente a demanda, anulando o
consideradas verdadeiramente do socio único (hol- “consórcio”. Todavia, em grau de apelação e de recurso extraordinario, os
ding), permitindo registrar lodas as diferentes opinides tribunais entenderain em sentido contrario. No caso, afirmaram, ndo teria
que a compde e não apenas a posi¢ao do controlador da havido delegagdo de poderes, nem ter passado o “consércio” a operar como
holding. Opera-se na pratica uma transmissao da dia- procurador dos diretores de ambas as companhias, mas como mandatário
lética maioria-minoria, da sociedade controladoraà destas, por decisão de suas respectivas assembléias gerais. “E o $ 5° citado
controlada. admite que os diretores constituam, em nome da sociedade, mandatarios
para as operagdes que poderdo praticar.”” Tal decisdo, na verdade, ndo en-
129. Voltando os olhos para o nosso pais, pensamos que o legislador contrava o menor amparo na lei. Não se tratava, obviamente, de simples
de 1976 teria incorrido em omiss3o culposa se não houvesse enfrentado a constituição de procuradores para a pratica de atos certos e determinados,
i
72 Cf. V. Emmerich e J. Sonnenschein, Konzernrecht, 3* ed., Munique, Beck, 1989, p- 73 Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordindrio n° 24.034,
110. Relator Min. Barros Barreto, em RT 291/873.
412 FÁBIO KONDER COMPARATO
E CALIXTO SALOMÃO FlLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 413
mas de autêntica substituição de administradores: tanto mais que os repre- se tornando, como era de prever-se, raras exceções ao sistema vigorante,
sentantes legais do “consórcio” eram os próprios diretores das companhias em razão da possibilidade do recesso acionário (arts. 136 e 265). Com isto
em questão, não tendo sentido que eles fossem, a um tempo, diretores « a proteção aos acionistas não-controladores repousa, integralmente, sobre a
mandatários, a menos que se admitisse que o “consórcio”, pelo efeito-da aplicação do princípio indenitário por abuso de poder (art. 246), cujo cará-
personalidade jurídica, nada tinha a ver com esses diretores. Ademais, a ter dissuasório não se tem revelado muito eficaz, nem mesmo com o incen-
constituição de procuradores não é ato da assembléia geral, mas sim da di- tivo do prêmio em dinheiro à ação social w/i singuli dos acionistas não-
reioria. À deliberagdo das assembléias acentuou ainda mais o fato de que controladores ($ 2º).
houve, efetivamente, delegação de atribuigdes vedada por lei. E a atribui-
ção a0 “consdrcio” de porcentagem elevada sobre os lucros apurados pelas 131. Até aqui, a questão do desvio de poder, no grupo societário, foi
companhias administradas demonstrava, à saciedade, que não se estava vista exclusivamente como opressão dos não-controladores. Acontece que
diante de simples relação de mandato. não é apenas este o perigo decorrente da falta de regulamentação do fenô-
meno grupal. Há, também, casos freqiicntes de fraude a disposições legais
130. Aregulagdo legal dos grupos econdmicos pressupde, necessaria. nperativas, por meio da utilização do mecanismo do grupo.
mente, a propria definição legal do que se deva considerar como grupo; Assim ocorre, por exemplo, com as participações reciprocas de capi-
para o efeito de aplicação das normas reguladoras de sua constituição e ati- tal. Já tivemos ocasião de assinalar que esse entrecruzamento de socieda-
vidade; bem como, antes de mais nada, o que se deva considerar como con- des, quando intenso, pode esvaziar os poderes decisórios da assembléia
trole. geral, além de violar os princípios da integridade do capital social e da sin-
O reconhecimento da existéncia de um grupo econdmico não pade ceridade do balanço.”*
depender da decisão dos proprios interessados. O sistema alemão de distin- A regulação da sociedade anônima, nos sistemas jurídicos como o
guir “grupos de direito” ¢ “grupos de fato”, segundo a opinido concordante nosso, funda-se em grande parte no princípio da intangibilidade do capital
de vérios observadores, não provou bem. social, do qual decorre toda uma série de regras imperativas: o procedimen-
Na primeira edigdo deste livro, antes da promulgação da Lei nº 6.404/76, to de avaliação dos bens não-pecuniários quando da subscrição de ações, a
esboçamos as linhas-mestras de disciplina dessa questão de jure condendo.” proibição da emissão de ações abaixo do par, a proibição de a companhia
A lei acionéria de 1976 adotou, em parte, as orientagdes que preconi- negociar com as ações que emitiu, a proteção dos credores quirografários
zdvamos, notadamente a consagragdo dos grupos de simples coordenagio, nas deliberações de redução da cifra do capital. A participação reciproca
0 lado dos de subordinagdo. Para aqueles — denominados consorcios — ad-. entre duas ou mais sociedades pode tornar inteiramente vão esse princípio.
mitiu grande liberdade de estrutura, rejeitando o sistema alemão da previ- Figure-se, por exemplo, que a companhia A, com o capital de um milhão,
são de contratos tipicos em numerus clausus. constitua, logo após a sua fundação, duas outras companhias, B e C, subs-
Mi a legislador pétrio seguiu o modelo alemão de outra forma e, a - crevendo e pagando, em cada uma, ações no valor de meio milhão, repre-
sentando 99% do capital social, num e noutro caso. Imagine-se, depois, que
nosso ver, criticavelmente, ao aceitar a distinção entre grupos de fato e gru-
Avendaa C a totalidade das ações que possui no capital de B, e venda a esta
pos de direito. Estes últimos, regulados no Capitulo XXI da lei, acabaram
última a totalidade das ações que subscreveu no capital de C. Com essa
operação, A logrou recuperar as quantias investidas em ações das duas ou-
tras companhias. Se vier a ser dissolvida, com a devolução do seu ativo li-
74 Analisamos a regulação dos grupos societários na Lei nº 6.404/76 em artigo publicado quido aos acionistas, terá deixado subsistir duas sociedades, cujo ativo real
em RDM 23/91; em versão francesa, com algumas alterações (F. K. Comparato “Les € pouco superior a zero.
Groupes de Sociétés dans la Nouvelle Loi Brésilienne des Sociétés par Actions”), in
Revue Internationale de Droit Comparé, 1978, nº 3, p. 791, e em Rivista delle società,
1978, face. 4, p. 845; em versão alemã, na Zeitschrift fiir Unternehmens — und Ge-
selischaftsrecht, 1979, nº 4, p. 583. 7S CEsupran63.
414 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 415
BB
Por outro lado, quando a lei não impõe regras adequadas para a avalia. Antes de passar 4 analise das tendéncias atuais, são ne-
çãono balango das ações em carteira, decorrentes de uma participação reci- cessdrios alguns esclarecimentos a respeito da regula-
proca de capital, como fazia a lei sueca de 1944 ($ 141, alinea 1), os mentação dos grupos na Alemanha. Com relagdo a
proteção dos credores, pode-se qualificar o sistemaale-
Sil
ii b
Estes Gltimos, em particular, quando quirograférios, terdo, eventualmente,
ções da sociedade de comando (Haupigesellschaft), de
comprometida a garantia representada pelo ativo da companhia, em razio
ik G
acordo com o $ 323 AktG. Essa situagdo justifica-se
do mau funcionamento dos mecanismos societérios de integridade do capi-
com base nas caracterfsticas peculiares desse tipo de
tal e de fiscalizagdo da gestdo administrativa.
sociedade.
A integragdo total, com manutengdo da personalidade
Nota de Texto 77 Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro
juridica, é apenas admitida com a imposição de regras
enfrenta momento de séria crise. Do modelo original
I
especiais protetivas dos acionistas minoritarios das so-
praticamente nada resta. Sepultadas pela pratica ou
ciedades agrupadas e dos credores. Com efito, sua for-
SR
pelo legislador, as principais regras conformadoras do
mação é possivel apenas quando todas as agdes sejamjá
direito grupal (grupo de direito) como originariamente
de propriedade da sociedade de comando (§ 319), ou
idealizado não tém aplicagdo. Os grupos de direito são
el
quando esta possna 95% das agdes. Nesse último caso,
letra absolutamente morta na realidade empresarial
os acionistas podem ser obrigados a vender suas agdes
brasileira, em função sobretudo da inexisténcia de defi-
sa
nição de regras de responsabilidade e da possibilidade
de retirada em massa dos minoritirios da sociedade
quando da celebragio da convengdo de grupo. Já o por 76 CE M. Lutier, “The law of groups of companies in Europe: a challenge to jurispruden-
assim dizer direito dos grupos de fato flutua entre re- ce” in Forum international on commercial law and arbitration, vol. 1, 1983, nº 1, p.
gras de responsabilidade mal definidas e disciplina de 24, v. também do mesmo autor “Des Konzemrecht der Bundesrepublik Deutschland:
conflito de interesses de dificil aplicação. Ziel, Wirklichkeit und Bewahrung” in SAG 1976, pp. 152 ss.
Assim sendo, é necessário refletir criticamente e de for- 71 Cf.H. G Koppensteiner, in Kélner Kommentar zum Aktiengesetz, vol. 3, Colônia, Ber-
lim, Bonn, Munique, Carl Heymanns. 1985. Vorb $ 319, Rdn. 3, p. 203, que depois de
ina prospectiva sobre as experiéncias estrangeiras e par- haver definido as caracteristicas acima, afirma: “Kaufmdnnisch betrachiet, ist die ein-
ticularmente sobre a longa experiéncia dos Tribunais gegliederte Gesellschaft eine Betriebsableilung der Hauptgesellschaff', v. ambém,
alemdes no perfeccionamento das — como j4 visto — im- no mesmo sentido, B.Griinewald-J.Semler, in Gessler-Hefermehl Akfiengesetzkom-
Rl
perfeitas regras legais deste pais sobre grupos. menfar, 13. Lieferung, Munique, Vahlen, 1991, $ 319 (Vorb.), Rdn. 2, pp. | ss.
416 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 417
mediante indenização ($ 320, Abs. 5). Com relação à Um bom exemplo é o caso Fertighaus, decidido por
proteção dos credores, prevê-se a responsabilidade in- aquele tribunal em 4 de maio de 1977.” Tratava-se de
tegral da sociedade de comando pelos débitos da socje. demanda proposta por um fornecedor contra o sócio
dade subordinada, em caso de Eingliederung (§ 322), unico de seu devedor, uma sociedade unipessoal subca-
Em um segundo nível de integração, encontram-se ag pitalizada. Dos bens utilizados pela sociedade, a maior
sociedades ligadas por um contrato, que pode ser um parte pertencia ao sécio tnico. Na decisdo. afirma-se
expressamente o principio da separagdo patrimonial
Beherrschungsvertrag ou um Gewinnabfiihrungsver-
contido no $ 13 GmbHG e nega-se a possibilidade de
trag (§ 291). Fala-se em nível mais baixo de integração
responsabilizagdo do socio único com base apenas na
porque o direito da sociedade de comando de determinar
subcapitalizagdo.™ Afirma-se em seguida que o fato de
o destino da sociedade comandada está sujeito às limita-
que a sociedade seja controlada por uma pessoa juridica
ções previstas no contrato de grupo e nos dispositivos ndo importa qualquer diferenga qualitativa com relação
dos §§ 308-318 AktG. Mesmo não sendo responsável pe- 20 caso em que o sócio único seja uma pessoa fisica.*'
los débitos da sociedade subordinada (o $ 303 prevê
apenas a obrigação de prestar garantias em caso de de-
saparecimento da relação grupal aos credores que as re-
79 Cf. Caso Fertighaus, decisão de 04.05.1977, BGHZ 68, 312.
quisitarem em um prazo de seis meses do registro do
80 Essa afirmagdo baseia-se em duas premissas: primeiro, o tribunal considerou que a
término do contrato de grupo), a sociedade de comando sanção correta contra a subcapitalizagio encontra-se nas disposigdes socictirias de
é obrigada a repor todo ano as perdas contábeis sofridas proteção do capital social e não em uma eventual aplicagdo da teoria da desconsidera-
pela sociedade subordinada ($ 302). ção (p. 319) e em segundo lugar no fato de que o Tribunal, ainda que negando do ponto
Por fim, no terceiro nível encontram-se os assim cha- de vista tedrico os pressupostos da teoria de Serick, faz uma aválise subjetivista da des-
cousideragdo, considerando incficientes critérios objetivos para a atribuigdo de res-
mados grupos de fato. Neles, existe apenas a obrigação ponsabilidade “Enigegen der Auffassung von Serick (Rechisform und Realitãt 1.953)
de reparar os danos ocasionados por decisões tomadas hat der Bundesgerichtshof bei der Behandlung von — im einzelnen allerdings ganz un-
pela sociedade controtadora ($ 311). terschiedlich gelagerten — Durchgriffsproblem weirgehend auf einen objeltiven Miss-
brauch der Rechisform der Gesellschaft abgestelll und den Nachweis einer
@) Responsabilidade grupal subjetiva nicht verlangt (vgl. BGHZ 20, 4). Der erkennende Senat hat aller-
Missbrauchsabsicht
Exposto o substrato legislativo, pode-se passar 4 andli= dings in dem Uricil vom 26 November 1.957 (aaO S. 462) ausgesprochen, es miisse
se de como e com que fundamento os tribunais alemaes (dort: zum objektiv hervorgerufenen Rechisschein) grundsiitzlich ein subjekiiver Ge-
sichispunkt hinzukommen, der das Verhalten des sich auf die Selbstandigkeit der
aplicaram a disciplina do segundo nivel de integragao, GmbH berufenden Gesellschafiers als einen Verstoss gegen Treu und Glauben oder
como reiro definido, a hipdteses incluidas no terceiro.™ gegen die Guten Sitten kennzeichne” (p. 316).
Primeitamente é necessario ter conhecimento da posição 81 OTribunal até admite a maior probabilidade de conflito de interesses nos grupos, inas
do BGH antes do famoso caso Autokran, que represen- não tira qualquer conseqiiéncia dessa constatação: “Ob der enischeidende Einfluss auf
einer GmbH von einem Privaigesellschafter oder aus einem anderen Unternehmen
tou importante mudanga em relação à jurisprudéncia an- stammmt, ist jedoch unerheblich. Es mag zwar sein, dass, wie Wiedemann (Juristische
terior daquela corte. Person und Gesamthand als Sondervermdgen, WM 1.975, Sonderbeilage 4/1.975, p.
20) ausfiihrt, erfahrungsgemdss ein hervschendes Unternehmen die abhângige juristis-
che Person intensiver mit den eigenen Inleresse verkniipfen wird, als dies bei einem Pri-
vatgesellschafter der Fall ist. Dieser Umistand rechifertigt jedenfalls nicht ohne weiteres
78 Emtodosostrês casos que serdo analisados, trata-se de um GmbHKonzern. A doutrina der Glâubiger gegen die Muiterge-
einen allgemeinen unmittelbaren Haftungsdurchgriff
dominante tende, no entanto, a considerar o mesmo raciccinio aplicivel ao AG faktis- sellschafi, wie dies insbesondere auch ein Vergleich mit den konzernrechtliche Vorschrif-
che Konzern-v. V. Emmerich e J. Sonnenschein, Konzernrecht, cit., p. 347. ten fiir die Aktiengesellschaft (§§ 15 95., 302 95., 311 T AkeG) zeigs” (p. 320).
418 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMAO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCTEDADE ANONIMA 419
Essa última afirmagio foi objeto de muitas criticas na m mita Q._Efio o wBZ_c de aplicação da norma, sobretudo
doutrina por não levar em consideragdo as peculiarida. i ma sociedade unipessoal, na qual o dado formal do exer-
des dos grupos. : á cício da administração _:...o .m requisito essencial para o
Com efeito, é exatamente com base no reconhecimento nann._.&o do poder À an.o_,mmo afirma que o socio pode
da peculiaridade dos grupos que se baseia a decisãodo eximir-se de nnwvcnmwgiumn apenas demonstrando
caso Autolran, de 16 de setembro de 19853 Tratava-se - que qualquer outro wa_.s_.:_w:man_. oc_:ê.aº de seus
de dívida resultante de contratos de leasing de máqui- deveres _nwm_.m e estatutdrios (pflichigeméss handelnde
nas. O autor era credor de sete sociedades controladas . Geschafisfiihrer) de uma empresa .Ea,mv endente teria
por uma mesma /iolding, que era sua sócia única de gerido os _.awonõw;% mesma maneira. À
fato. A sociedade holding controlava não apenas finan- O segundo ponto não é tratado em profundidade na de-
ceiramente o caixa das sociedades ligadas, através-de — - cisão. Nega-se a possibilidade de aplicação do $ 302
uma outra sociedade que tinha a função de Hausbank, BGB afirmando-se que, no caso da sociedade unipessoal,
mas podia também determinar, como efetivamente fez, a inexistência de um interesse interno autônomo não
a transferência das máquinas de uma sociedade 2 outra, justifica a aplicação das regras de proteção do patrimô-
Através de diversos artifícios, a sociedade holdingha- — — nio social, mas apenas das regras de proteção dos cre-
via conseguido transferir grande parte do patriménio dores.** Como regra substitutiva, invoca-se o $ 303
das controladas para seu patriménio e para o patrimô- AltG, que obriga a sociedade de comando do grupo a
nio am seusocio Ew_oms_._o.. m.:. presença de uma sítua- prestar garantias aos credores da sociedade subordina-
ção fática tão clara, não .—.o_.n_mo__ para o QO,m.—.:Bu— da que tenham feito o requerimento até seis meses antes
que, nos grupos, 2 co-existência, no mesmo sujeito, de do registro do fim da relação grupal. Tal regra é utili-
P = RIS
m.o_m interesses sociais, cumulada com a efetiva possibi- zada, no entanto, mais para aproximar a hipdtese da res-
lidade mm pôr um interesse a servigo do outro, justificaa ponsabilidade de grupo — formando assim um corpo de
aplicação das regras previstas na lei acionária para os GmbH K d função d
grupos de direito. HON«N.W parao m, á D.RNNB— 7 _._fl 0 .m uma
OD:&O,—D
Dois são os pontos discutíveis e discutidos na decisão: perfeita COmesp ondência mu.a_mn_v_:.s & fatisp ecie.
em primeiro lugar, a determinação dos critérios que A conclusdo de Autokran é que, ainda que utilizando
: z - ;
ic
permitem afirmar a efetiva possibilidade de utilização elementos estruturais (a noção de qualifizierte faktische
de um interesse em função do outro; em segundo, a jus- - Konzern), o elemento subjetivo continua presente na
tificativa da aplicação da normativa dos grupos de direi- caracterização da “responsabilidade”.
to aos grupos de fato. E é exatamente essa possibilidade de exclusão de res-
Com relação ao primeiro ponto, requer-se a existência. ponsabilidade por demonstração da inexistência de
do assim chamado “qualifizierte faktischer Konzern”, culpa que caracteriza e justifica a denominação res-
ou seja, o sócio único deve ter exercido a administragio ponsabilidade de grupo subjetiva.
da sociedade de forma ampla e duradoura (dauerndund —
umfassend).”* Trata-se claramente de requisito que li-
84 BCHZ95,p. 330 (334).
82 Caso Autokran, decisão de 16.09.1985, BCHZ 95, p. 330. 85 O tribunal afirma que tal protegio seria incompativel com a sociedade unipessoal caso
83 BCHZ 95, p. 330 (333-334), fazendo referéncia às discussdes do Arbeilkreis se admitisse que o interesse social é o interesse comum dos sécios. Mesmo adotan-
CmbH-Reform (Thesen und Vorschlige zur GmbH-Reform 1972, vol. 2, pp. 59 € 67), do-se uma nogdo mais ampla de interesse social, que inclua credores e empregados, o
onde a expressio foi pela primeira vez utilizada. tribunal considera a proteção “externa” (do $ 303 AA/G) suficiente - p. 346.
420 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FiLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 421
Essa não deve ser confundida com a responsabilidade : do também a administrag3o financeira da sociedade.*®
subjetiva pura, baseada na demonstração da intenção, Ainda que, como j4 explicado, essa decisdo representas-
Nesse caso, não mereceria a denominação grupal, vow se uma decorréncia logica da decisão do caso Autokran,
nada teria de específico para o grupo. Tratar-se-ja de pode-se notar um menor fervor pragmatico e um maior
mera aplicação da regra de responsabilidade por ato i empenho dogmético por parte do BGH em relação
cito do Código Civil. aquela decisdo. Pode-se dizer que a decisdo no caso
Por responsabilidade de grupo subjetiva deve-se emen- Tiefbau aplica os principios que em Autokran tinham
dar aquele tipo de regra (legal ou jurisprudencial) que, sido declarados mas ndo aplicados. Enquanto em
com base em uma predeterminada configuração da es-
Autokran tinha-se declarado o objetivo de aplicar uma
trutura grupal, “presume” a existência de um comporta-
disciplina semelhante & konzernspezif sche Haftung mas,
mento fraudulento. Presunção simples, motivo pelo
10 final, acabou-se por aplicar uma disciplina semelhan-
qual a disciplina não se confunde fampouco com à res-
ponsabilidade objetiva. Permanece sempre possivel:
te à da responsabilidade delitual, no caso Tiefbau procu-
para a sociedade eximir-se de responsabilidade de- ra-se discutir os pressupostos da responsabilidade grupal
monstrando que respeitou a independência patrimonial prevista na lei e determinar os efeitos e limites de sua
da sociedade controlada.* aplicagdo aos grupos de fato.
Afirma-se a aplicabilidade do $ 302 4kG, ou seja, a
b) Responsabilidade estrutural obrigagdo de compensar as perdas. O desaparecimento
Com a expressão “responsabilidade estrutural” quer-se das davidas existentes no caso Autokran a respeito da
exprimir a responsabilidade privativa dos grupos apli- aplicagdo desse dispositivo justifica-se sobretudo em
cável em função da simples existência de uma determi- função da particularidade da fattispecie, que envolve
nada estrutura grupal. Nesse grupo incluem-se as responsabilidade societdria (interna) e ndo-responsabi-
decisões jurisprudenciais alemas ulteriores ao caso Au-. lidade perante os credores. O BGH, ao definir os crité-
tokran e a lei portuguesa dos grupos, que são analisadas rios para a aplicação de tais regras, utiliza a mesma no-
em seguida. ção de qualifzierte faktische Konzern, dessa vez, no
Sucessivamente ao caso Autokran, o BGH teve de en- entanto, depurada de semitons subjetivos. A responsa-
frentar o problema da responsabilidade nos qualifzier- bilidade da sociedade controladora não é influenciada,
tefaktischeKonzern no caso Tiefbau, decidido em 20 de portanto, pelos padrdes de comportamento do adminis-
fevereiro de 1989.%7 Tratava-se de demanda proposta trador médio. A sociedade controladora pode eximir-se
pelo síndico de uma massa falida em face de seu princi- de responsabilidade apenas se demonstrar que os danos
pal financiador, um banco, que tinha exercido na prá! nada têm a ver com o exercicio da administragio.* O
ca, durante longo tempo, a direção dos negócios da
sociedade através de fiduciários, transformados em só
cios majoritários da sociedade. Um deles havia exerci- 8B BCHZ 107, p. 19.
89 Muito incisiva é a declaração “antisubjetivists” do BGH nesse trecho: “Die Verlustii-
il
bernahmepflicht dient zumindest auch dazu, die Ausserkrafisetzung der Kapitalsiche-
rungsvorschrifien auszagleichen. Sie kann daher enigegen der bisherigen Annahme
86 Trata-se, portanto, de uma responsabilidade de natureza mista, que u elementos des Senats nicht davon abhéngen, ob das herrshende Unternehmen die Geschafie der
da estrutura (Konzernstraktur) e do comportamento grupal (Konzernverhalten) — Y. abhângigen GmbH pflichigemdss wie der Geschãftsfihrer einer selbstândigen Ge-
nesse sentido P. Hommelhof, “Konzempraxis nach Video", in DB 1992, p. 311 sellschaft gefúhrt hat, Kapitalerhaltunggrundsétze und ordnungsgemsse Geschifi-
87 Caso Tiefbau, decisio de 20.02.1989, BCHZ 107, p. 7. sfiihrung haben”, p. 18.
O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÓNIMA 423
422 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO
elemento subjetivo (culpa) desaparece, permanecendo resses empresariais na mesma pessoa - 0 sócio único. A
apenas a necessidade de demonstração do nexo de cau- possibilidade de pôr um interesse a serviço do outro é
salidade. A necessidade de demonstrar o nexo de causa- presumida, como nas decisões precedentes, a partir do
idade justifica-se exatamente por tratar-se de grupo de exercício da administração social. Determina-se, por-
fato. Se com Autokran não se havia inovado tanto, tra- tanto, a aplicação do $ 303 AX1G. A justificativa está na
tando-se nos resultados de mera responsabilidade por necessidade de proteger os credores sociais, que para o
comportamento (Verhaltenshaftung), em Tiefbau ad- tribunal, no caso da sociedade unipessoal, na qual o só-
mite-se a responsabilidade com base apenas na existên- cio único exercita 20 mesmo tempo a administração,
cia de uma estrutura de grupo e sua ligação causal ao. não é menor que nos grupos de direito.”
dano (Strukturhaftung).® &
Interessante na decisão é também uma afirmação feita
Os limites da aplicação das regras grupais são também< ——
em obiter dictum. Afirma-se que o sócio único respon-
fixados. Com efeito, o tribunal afirma que ainda que o 8.. :
de pessoalmente com todo o patrimônio,já que se trata
302 não exija a demonstração do nexo de causalidade
normalmente de um empresário individual. No caso,
entre o exercício do poder de direção e as perdas, a situa-
entretanto, em que seu segundo interesse empresarial
ção deve ser avaliada diversamente quando se trata de
fosse exercitado também com responsabilidade limita-
grupo de fato. A inexistência de um contrato que impli-
que (como pode acontecer em presença de um Gewin- da, poder-se-ia pensar em responsabilização dessa ou-
nablahrungsvertrag) a transferência dos lucros impede M ta moowo,aãm, Trata-se de responsabilidade mn_o.n»_. ou
a aplicação de uma normativa tão rígida.” seja, “eine Haftungsverband zwischen den Einzelge-
Outra decisão que deve ser mencionada é a do caso Vi- sellschaften unter Schônung des Privatvermigens des
deo (decisão de 23,09.1991).” Trata-se aqui novamen- i Gesellschafters””*
te do sócio único de uma sociedade de responsabilidade | Para ter uma idéia correta do esquema “evolutivo” —
tada, que exercia paralelamente o comé : sem que à expressão deva ser atribuída, pelo menos no
nome individual, além de ser sócio de outra sociedade: momento, qualquer função valorativa do tipo “darwi-
esse
é a própria
O primeiro ponto de inter caracterização — niano” -, é necessário não esquecer que, em todas as
do Konzern. O tribunal, fazendo referéncia a uma inter- 1 decisdes, a caracterizagdo como qualifzierte faktische
pretagdo ja consolidada dos $$ 15 ss. AMG identificao = —— Konzern é uma presungdo simples, mera inversio do
Konzern com base na existéncia de dois ou mais inte- ônus da prova. Analisando-se a regra de responsabili-
dade juntamente com o elemento presumido, pode-se
ter uma idéia melhor das implicagdes tedricas da regra
T estabelecida. Em Autokran, encontra-se uma fattispecie
determinada em termos subjetivos. A contra-prova
90 V. F Kiibler, “Haftungstrennung und Gliubigerschutz”, im “Recht der Kapitalge- requerida ¢ do comportamento como administrador di-
sellschaften: Zur Kritik der Autokran-Doktrin des BGH” in Festschrift fiir Theodar
Heinsius (1991), p. 412. —
91 Para o BGH deve-sc distingiiir entre os diversos poderes de direção: “Im iibrigen bes-
teht zwischen der rein tatsiichlichen Beherrschung und der Ausiibung der Leitungsmacht ;
aufgrimd eines besonderen Verirages ein Unlerschied, der es nicht gebolen erscheinen - . 93 Para 0 BGH, mesmo realizando uma análise do tipo econdmico e verificando os riscos
lsst, die enssprechende Anwendung der vertragskonzernrechdichen Bestimmungen assumidos pelas partes, não se pode presumic que o credor, em prescnga de um grupo
weiter auszudehnen, als es nach den zugrundeliegenden Wertungen erforderlich ist” = de fato de direção tão integrada, não tenha contado com o patrimônio da holding ao
p.19. conlratar com a sociedade controlada (p. 2.178).
92 DB 1991, p. 2.176.
Caso Video, decisio de 23.09.1991, = 94 DB 1991, p.2.176 (2.177).
FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 425
ligente de uma sociedade independente. Portanto, Para atingir aquela hipdtese que merece mais protegdo do
a caracterização da responsabilidade é necessária a ponto de vista juspolitico: a empresa média familiar.**
existéncia da estrutura grupal aliada ao comportamentg 4 Argumenta-se ainda que a definição dos qualifizierte
contrério aos interesses da sociedade controlada. A essa faktische Konzern, na forma como feita, com exigéncia
Jattispecie definida em termos, por assim dizer, “subje- de demonstragdo da existéncia formal de dois interes-
tivos”, corresponde uma disciplina também subjetiva, ses empresariais em torno do sacio único, torna o es-
Delermina-se a aplicação do $ 303 Ak/G, que pouco se quema passivel de fraude: baste introduzir entre o real
NS
distingue do caso de responsabilidade por dano. A típi- sécio controlador e a sociedade controlada uma socie-
a “responsabilidade” de grupo, fundada na obrigação dade holding e impede-se a configuração da fattispe-
de compensar as perdas (§ 302), é negada. cie." Nesse caso, 0 sócio “real” teria um único interesse
Na segunda decisão (Tiefbau), verifica-se uma clara ob- -& patrimonial (o da holding), enquanto a sociedade hol-
jetivização (da fattispecie e da disciplina). Para a carac- ding teria dois interesses patrimoniais mas escasso pa-
terização da fattispecie basta a existéncia do qualifizierte triménio.
Jaltische Konzern e o liame causal com o dano. A disci- A responsabilidade grupal ndo seria suficiente, exigin-
plina aplicada é precipuamente de grupo (§ 302 AktG) do-se sempre uma desconsideragdo ao final para impe-
Finalmente, em Video pode-se identificar uma ulterior dir a fraude. Não haveria por que recorrer ao esquema
objetivizagdo. Ainda que na definição da fartispecie se grupal e não diretamente ao da desconsideragao.
sigam os critérios de Tigfbau, na disciplina adota-se a Mas as criticas mais intensas relacionam-se à mudanca
de orientação a partir de Tiefbau, com claro favoreci-
chamada sektorale Durchgriff (desconsideragdo setorial),
objetivando a persecução do patriménio e ndo dos mento de uma responsabilidade objetiva ou baseada
“culpados”. meramente na estrutura da empresa. Do ponto de vista
estritamente positivo, argumenta-se que tal tipo de res-
Essa evolução jurisprudencial foi objeto de severa criti-
ponsabilidade é contréria ao proprio escopo das regras
dn
ca doutrindria. A tentativa de estabelecimento de um
sistema objetivo ou estrutural de responsabilidade foi,
de responsabilidade de grupo da lei acionária alema.”®
Atendendo a essa maré de criticas vindas da doutrina e
criticada em diversos aspectos. A primeira critica rela-
em função do amplo didlogo existente na Alemanha en-
ciona-se à propria indeterminagdo da expressio qualifi- - —
tre doutrina e jurisprudéncia (em ambos os sentidos), o
zierte faktische Konzern® excessivamente restrita e
BGH mudou de orientagao no mais recente julgamento
ampla 20 mesmo tempo. Restrita porque, a0 exigir aad-
sobre a matéria. No chamado TBB Urfeil (29.03.1993),”
ministração da sociedade pelo sécio único, exclui as hi--
poteses em que tal situagdo não exista formalmente,
mas em que o exercicio do poder por parte do sócio não
se distingue na prática (nem quantitativa nem qualitati- V. a esse respeito P. Hommelhoff, "Konzempraxis nach Video™, cit., p. 312.
vamente) da prépria administragdo. Excessivamente Cf. F. Kúbler, “Haftungstrennung und Gliubigerschutz”, cit., p. 422.
in DB 1992, p. 26, que afir-
ampla porque, tendo como fundamento o exercicio do
ma: “Seit der Rechtsprechung des Reichfinanzhofs war und ist auch nach dem gelten-
poder e aplicando-se também a pessoas fisicas, ameaga den Steurrecht (14 KSiG) Voraussetzung der steuerrechilich anzuerkennenden
Organschafi die wirtschaftliche, organisatorische und finanzielle Eingliederung der
Organgesellschaft in das Unteruehmen des Organtrigers. Diese Eingliederung ist das
Leitbild fiir die Regelung von $$ 302, 303 AkKIG".
95 Cf. F. Kitbler, “HaRungstrennung und Gliubigerschutz”, cit., p. 423. 99 Caso TBB Urteil, decisão de 29.03.1993, NJW 1993, p. 1.200.
TTAc
426 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO ‘O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 427
o tribunal atenua sua posição em relação à responsab;, O legislador portugués, partindo do mesmo objetivo de
lidade estrutural. Em uma fartispecie semelhante 3 a.. diferenciar claramente entre disciplina da sociedade uni-
Video, i. e., um sécio único de várias sociedades, o _1_.u 3 pessoal de grupo e disciplina do comerciante individual,
bunal afirma que ndo basta a existéncia do A:i%.fi«:m previu para esse último uma férmula não-societária de li-
fuktische Konzern para gerar a presunsio de utilização. mitação de responsabilidade (estabelecimento comercial
de uma sociedade no interesse da outra. É necessário com responsabilidade limitada). Quanto à sociedade uni-
pessoal de grupo, optou por uma formula ainda mais es-
T
444 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 445
b
na teoria do negócio indireto, afirma o autor que o vin. A simulação é aplicável a atos e não a uma atividade,
culo foi querido mas havia intenção posterior de venda sobretudo porque as conseqiiéncias jurídicas da simula-
das ações ou quotas, ou transferência dos direitos de s¢. ção se coadunam apenas com a disciplina dos atos.
cio a ela relativos (esse seria o efeito indireto desejado), Como série de atos encadeados e ordenados a um fim,
A primeira hipótese parece ser preferivel, sobretudo se uma atividade não pode ser declarada nula ou anulada.
aretirada da sociedade ou transferéncia de direitos não Muitos efeitos foram produzidos em relação a terceiros,
foi registrada nos órgãos encarregados dos registrog efeitos esses que não podem ser eliminados ou anula-
societdrios (Junta Comercial ou Cartdrio de Titulos ¢ dos. Por isso fala-se na doutrina brasileira normalmente
Documentos, conforme a natureza da sociedade seja de atividade irregular e não de atividade nula.
comercial ou civil), sendo portanto descomhecida de Na doutrina italiana modema'® o que se diz é que a dis-
terceiros. Nota-se, no entanto, que a qualificagio civi ciplina dos atos sociais deve ser dirigida não a eliminar
listica é pouco relevante para a distinção dos efeitos. a sociedade, mas sim a eliminar a lesão que pode ser
Classificada como negocio indireto o elemento chave é provocada pelo ato. Esse tipo de raciocínio está em li-
determinar se através desse estratagema ha fraude à lei, nha inclusive com a moderna idéia institucionalista de
A tentativa de interpreté-lo como simulação leva ao preservação da empresa.
mesmo resultado. [sso porque não havendo discrepén- Permitir a declaração de nulidade ou anulação do ato de
&m entre a vontade real e a declarada (que não há), re- constituição da sociedade implicaria dissolvê-la, o que
o essencial para a caracterização da simulagio não é possível nem conveniente.
Awn 167 do Código Civil de 2002), a nulidade depende- Por essa razão, C. Angelici, ao analisar a constituição
rá da demonstração da fraude 4 lei. unipessoal, abre mão completamente da disciplina dos
Seria necessario verificar então se no ordenamento bra- atos afirmando que o que há é uma irregularidade (ine-
sileiro estaria havendo fraude à proibigo legal da cons- xistência efetiva de dois sócios) que impede que o pro-
tituição unipessoal. Apesar das recentes evolugdes cesso organizativo se complete e, portanto, ãuâa que
jurisprudenciais no sentido de admitir a sociedade uni- a sociedade adquira responsabilidade limitada.'*
pessoal superveniente, impondo apenas responsabili- Outra linha possivel de raciocínio ¢ admitir a explica-
dade ilimitada aos socios, parece ainda ousado, de lege
ção jurídica a partir da teoria dos atos, mas impedir que
Jata, referirmos que ndo existe proibigdo legal 4 socie-
seus efeitos se apliquem à atividade social. A conse-
dade unipessoal no Brasil (à exceção evidentemente da
qiiéncia da simulação seria então apenas impedir a pos-
hipótese da subsididria integral de que aqui não se está
tratando). sível lesão a terceiros. Nesse sentido parece ter se
Desse modo a hipétese poderia ser construida como si- orientado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
mulagdo. que em acórdão de 8.05.1984 (in RT 592/172) fez de-
correr da simulação na constituição da sociedade a des-
b.2. Critica a aplicagdo do raciocinio civilistico ds so-
consideração da personalidade juridica. No caso em tela
ciedades
à iregularidade formal da constituição somaram-se indi-
O problema com o tipo de raciocinio exposto acima cios de fraude, ou seja, efetiva lesão a interesses de tercei-
está em suas premissas. O fato de aparentemente à
identificagdo como negécio indireto (no caso ilicito) ou
negdcio simulado ndo ter conseqiiéncias juridicas, re-,
vela a inadequagio desse tipo de estrutura de raciocinio
20 campo societario.
446 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 447
tos provocada pela constituição simulada. É essa lesão Dentre os opositores, salientou-se Ascarelli que, já quando da repu-
que a desconsideração da personalidade jurídica é apta blicagdo no Brasil do seu estudo sobre o negécio indireto, consagrara uma
a eliminar, preservando a empresa. nota a0 assunto.?® Antes de mais nada, ele considera o critério do controle
A conclusão parece dever se encaminhar a uma critica 3 muito incerto, pois ao lado dos casos de controle totalitario ou quase, há
tradicional expressão usada por Ascarelli — sociedade : também situações em que um acionista, ou grupo de acionistas, com menos
simulada. da metade do capital votante, domina efetivamente a sociedade; sem falar,
Sociedade simulada não há. O que pode haver é a carac- então, do controle externo, exercido, por exemplo, pelo maior credor da so-
terização da simulação em um determinado ato especi- ciedade.
fico. A resposta a isso deve ser dada necessariamente Ademais, salienta Ascarelii, mesmo identificado o titular efetivo do
em termos societários, ou identificando uma irregulari- - controle social, nem por isso ele passa a ser considerado empresério, para o
dade na atividade social e aplicando as conseqiiéncias - direito. A noção econômica de empresirio ndo se confunde e não pode
respectivas ou aplicando seletivamente a teoria da des- mesmo confundir-se com o conceito juridico; pois aquela funda-se em uma
consideragdo da personalidade juridica. atividade efetivamente exercida, enquanto este só tem por mira fixar um
critério de atribuigdo dos efeitos da atividade. Dai por que se fala, em direi-
Uma parte da doutrina germénica, desde fins do século passado, ha- to, de “empresdrios sociais”, com referéncia as sociedades.
via sustentado a conveniéncia, de jure condendo, de se afastar a limitagio Por outro [ado, prossegue, a tese do acionista “soberano” parece des-
da responsabilidade, perante os credores sociais, do acionista que, embora conhecer o fato de que somente em casos marginais uma sociedade funcio-
ndo único, exerce de fato um poder incontrastdvel na companhia. Num arti- na sem uma organizagdo do poder de controle. Portanto, a seguir-se a
2o publicado em 1931, Lorenzo Mossa retomou a tese, falando em acionis- logica do raciocinio, na quase totalidade das sociedades anônimas haveria
ta “soberano”."” Apés a guerra, Walter Bigiavi defendeu-a com ardor, em uma transposição da responsabilidade social para o patriménio do acionis-
face do sistema do Código Civil e da Lei de Faléncias de 1942." ta. Ora, esse resultado seria altamente danoso sob o aspecto econdmico. O
A acolhida doutrinaria não foi das mais amplas, muito embora os tri- acionista majoritario, que mais arrisca na empresa, seria fatalmente penali-
bunais sufragassem a tese, de modo esporédico."” zado em confronto com o pequeno investidor, ou o simples especulador.
Não se pode esquecer de que a responsabilidade limitada ¢ fator de progresso
econdmico, pois, permitindo um maior afluxo de capitais para as atividades
produtivas, contribui para uma redução relativa de custos e pregos.
17 L. Mossa, “Responsabilita dell’unico socio di un’anonima”, cit., p. 322. Também não se pode dizer que a responsabilidade limitada seja uma
18 Cf. W. Bigiavi, L 'Imprenditore Occulto, Pidua, Cedam, 1954; Difesa dell'Jinprenditore contrapartida da falta de poder do acionista, transpondo-se assim para o
Occulto, Padua, Cedam, 1962; Fallimento, di soci sovrani, pluralita d'imprenditori
oceulti, confusione di patrimoni, Giucisprudenza italiana, 1954, 1. 2, 691; La giurls- *
prudenza della Cassazione sull ‘ammissibilita della societd occulta, Giur. it., 1957, 1V,
tirano' o ‘socio sovrano’, cioé dell ‘nzionista che, pur non essendo unico, ma avendo la
Le ss.; Ancora sulla giurisprudenza della Cassazione in fema di socield occulta, Giur.
quasi totalitd o la magioranza delle azioni, ne esercita il conseguente potere servendo-
it., 1957, 1, 557 e ss.; Societã controllata e societd adoperata come “cosa propria”
Giur. it., 1958, 1, 623 e ss.; L fmprenditore occulto nella societd di capitali e il suo fal-
si della societd come cosa propria. Conseguentemente, la dichiarazione di fallimento
limento in estensione, Gius. it., 1959, |, a, 149 e ss.; Responsabilita illimitata del socio”
di una societd per azioni non puô essere estesa ad altra societa per azioni che dispon-
tirano, Foro italiano, 1960, |, 1.180 ess.
ga del pacchelto azionario della società fallita.”
19 ACorte de Cassagao, após uma certa hesitação, veio a conden-la, claramente (Sez. 1,
25 de margo de 1971. nº 848): “L'art. 2.362 c.c. - a norma del quale, in caso di insol-
venza della societa per le obbligazioni sociali sorte nel periodo in cui le azioni risulti-
no essere apparienute ad una sola persona, questa risponde illimitalamente — non'é 20 T. Ascarelli, Problemas das Sociedades Anéninias e Direito Comparado, cit., p. 128,
applicabile sia nell ipotesi in cui le azioni della soeietd appartengano non gid ad una nota 109. Os ulieriores trabalhos de Ascarelli sobre o tema cstdo em Saggi di Diritto
sola persona fisica, ma ad un ‘alira societd per azioni, sia nel caso del cosidetto “socio Commerciale, cit., p. 403, e em Problemi Giuridici, cit., 1, pp. 446 ¢ ss. e 455, 475.
448 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 449
campo das sociedades anônimas, uma tese que procura explicar, tradicio- cidos em doutrina para a aplicação da disciplina da des-
nalmente, a limitação da responsabilidade do armador, no direito marítimo. consideragio da personalidade juridica, permitam di-
A responsabilidade limitada do acionista, ao contrário, ¢ fundada no Princi- minuir o grau de arbitrariedade.
pio da integridade do capital social, como margem minima de solvabilida- Tais pardmetros devem basear-se, sem divida, na
de da companhia. É em torno desse princípio que se organiza todo_um existéncia ou não de centros de atividade internos ca-
sistema de publicidade, inexistente nos demais tipos societarios, e se refor: pazes de fazer frente ao poder do sócio majoritério. É
ça a responsabilidade de administradores e fiscais. necessário, no entanto, que o direito positivo ou a in-
Finalmente, aduziu Ascarelli, a tese da extensdo da responsabilidade terpretação jurisprudencial reconheçam efetivamente
dos débitos sociais ao acionista “soberano” nada mais preconiza do que a a existência de direito de determinados centros de ati-
transformação das atuais andnimas em sociedades comanditérias, o que re- vidade internos. Nos sistemas que reconhecem pleno
presenta auténtica involugdo nessa matéria. A sociedade em comandita não direito de informação e participação do sócio indivi-
oferece maior garantia aos credores sociais do que a andnima, pois a expe- dual, independentemente da quantidade de ações ou
riéncia do direito francés, no século passado, prova que os grandes capita- quotas possuídas, basta um acionista para descaracte-
listas (e verdadeiros empresérios no sentido econdmico) preferem confiar rizar a sociedade como unipessoal (mesmo em sentido
o cargo de gerentes ou socios comanditados a “homens-de-palha”. Alids, amplo).”'
não está demonstrada a maior incidéncia de casos de insolvabilidade da so- No Brasil, isso não ocorre. A lei brasileira atribui a
ciedade andnima relativamente aos demais tipos societarios; nem o Estado grande maioria dos direitos às chamadas minorias insti-
parece muito convencido disso, pois impde a forma andnima para o exerci- tucionais, ou seja, minoritários detentores de uma
cio de algumas empresas que devem oferecer absoluta garantia aos seus quantidade minima de ações. Ao acionista individual
credores, como os bancos e as seguradoras. são reconhecidos apenas os direitos individuais ligados
- A essa cerrada argumentação, porém, acrescentava um bemol, ao ad- 4 prépria qualificagdo como acionista, como o direito
mitir que, provada a efetiva confusão patrimonial entre a sociedade e o seu aos dividendos.
controlador, os tribunais poderiam, excepcionalmente, fazer incidir sobre O número minimo de ações para ter garantido o acesso
os bens deste a responsabilidade pelas dividas sociais. aos direitos fundamentais e de controle de informagdo
Ora, 0 que Ascarelli pensava ser tão-só uma concessão de meio-tom à da administragdo é 5% do capital social. Exige-se esse
tese adversa, representava de fato o reconhecimento de sua substancial va- minimo de ações para: requerer judicialmente a exibi-
lidade. Com efeito, excluindo-se a querela exegética sobre os textos do Có- ção dos livros sociais (art. 105); solicitar informagdes
digo Civil italiano ou da lei falimentar daquele pais, o que Bigiavi aos administradores da companhia (art. 157); solicitar
preconizava era realmente isso. Ele distinguia o sócio ou acionista “sobera- informagdes aos membros do conselho fiscal (art. 163,
no”, do “soberano qualificado” ou “tirano”, porque, embora ambos tenham $ 6°); requerer a convocagdo da assembléia geral em
o controle social, o último confunde o seu patrimdnio pessoal com o da so- companhia fechada (art. 124); propor ação de responsa-
ciedade, degradando-a, assim, 4 condigdo de simples instrumento de sua bilidade em face dos administradores, caso a assem-
atividade individual. bléia geral da companhia decida pela ndo propositura
(art. 159, $ 4°); propor ação à controladora por danos
Nota de Texto 80 Não é facil definir critérios precisos que permitam
identificar o sócio soberano ao sécio único para fins de
i
aplicação de regras mais rigidas de responsabilidade. É
possivel, no entanto, fixar pardmetros aproximativos 2l CE a respeito da distinção entre sociedade unipessoal em sentido amplo e estrito - C.
que, juntamente com utilizagdo dos critérios reconhe- Salomão Filho, A sociedade unipessoal, cit., pp. 84 € ss.
450 FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FiLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 451
causados à sociedade independentemente de c. auçã O capital na sociedade andnima, como salientou Ascarelli, ¢ a margem mi
o
(art. 246, $ 1°,a).2 .a de sua solvabilidade. Como os acionistas não respondem, em princi-
São todas faculdades fundamentais para o exercício de pio, pelos débitos sociais, ¢ em torno do capital social que se organiza a
um minimo controle sobre o acionista majoritário ¢ a proteção legal dos direitos dos credores. Por isso, algumas legislagdes não
administração. Direitos adicionais são atribuidos a acio- se limitam a preservar a integridade desse capital, mas ainda fixam-lhe um
nistas detentores de 10% do capital social (direito de valor minimo.**
eleger um membro do conselho fiscal, art. 161, e reque- É importante notar que o dever de capitalizagio da empresa constitui
rer a adoção do voto múltiplo para eleição de membros um principio geral do direito mercantil, ndo submetido lei majoritéria nas
do conselho de administração, art. 141). São esses os sociedades de comércio. Já em matéria de parceria maritima, o velho Códi-
critérios que podem ser usados para caracterizar uma 20 Comercial dispõe que “se o menor número (de compartes) entender que
sociedade unipessoal em sentido lato, nas suas relações aembarcagdo necessita de conserto e a maioria se opuser, a maioria tem di-
com terceiros. Não basta, no entanto, que o sócio dete- reito para requerer que se proceda a vistoria judicial; decidindo-se (pela
nha mais de 95% do capital social para considerar a so- vistoria) que o conserto é necessario, todos os compartes sdo obrigados a
ciedade unipessoal. É necessária a concorrência, em contribuir para ele” (art. 488).
cada caso, dos requisitos de aplicação das regras de Nos Estados Unidos, os tribunais fixaram o principio de que, quando
desconsideração da personalidade juridica. o capital de uma companhia ¢ manifestamente insuficiente para o exercicio
Tudo indica, portanto, no sentido da teoria da desconsi- de sua atividade empresarial, o controlador (active shareholder) não pode
deração que deve ser, de agora em diante, objeto de aná- opor o principio da separagfio patrimonial, para evitar a execução dos cré-
lise mais detida. ditos sociais sobre 0s seus bens, no caso de insolvabilidade da companhia.
A manutenção da exploragdo empresarial, nessas condições, representa um
136. A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada risco criado, deliberadamente, perante terceiros. Assim foi decidido no
é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalida- chamado Deep Rock case,” e no caso Amold v. Phillips.** Amold
dejurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, constituiu, no Texas, uma sociedade andnima com o capital autorizado de
pois, em matéria empresarial, a pessoa jurídica nada mais é do que uma téc- 50 mil délares, dividido em 50.000 agdes de um délar cada uma. Foram
nica de separação patrimonial. emitidas, inicialmente, apenas 500 ações, das quais Amold subscreveu
Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção desse
498, e dois outros acionistas uma ação cada. Para a construgdo de uma fá-
princípio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juízes have-
brica de cerveja, a ser explorada pela companhia, Arnold emprestou a socie-
riam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente
dade 70 mil délares. Finda a construgdo, fez mais um empréstimo de 7, 5
unilateral. |
mil dolares, para financiar o inicio da produgdo. Nessa ocasido, recebeu ga-
Nos precedentes judiciais norte-americanos, um outro critério tem
igualmente fundamentado as decisões que imputam ao controlador a res- -
ponsabilidade pelos débitos da companhia: é a inadequada capital zagio.”
24 O principio da proteção do capital, como garantia precipua dos credores sociais, tor-
na-se, no entanto, sem sentido na macrocompanhia. Como frisou J. K. Galbraith, o ca-
pital de uma General Motors, de uma Standard Oil of New Jerscy, ou de uma General
22 Parauma pormenorizada enumeragdo dos “direitos individuais” e dos “direilos das mi- Electric, pode scr amortizado pelos ganhos de alguns dias, ou até de algumas horas (O
norias™ cf. M. Carvalhosa, Comentérios d lei das sociedades anénimas, São Paulo, Sa- Novo Estado Industrial, cit., p. 83).
raiva, 2003, vol. 2, sub. art. 109, pp. 338 e ss. 25 Taylor v. Standard Gas & Elec. Co, 306 U. S. 307 (1939).
23 Cf.N.D. Lattin, The Law of Corporations,cit., pp. 73 ess. ¢ H. W. Ballantine, On Cor- 26 Armold v, Phillips, 117 F. 2d 497 (5th Circ. 1941), cert. dei d313U.S. 583,61 S.Ct
porations, cit., pp. 302/303. 1.102, 85 L. E. 1.539 (1941).
452 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 453
rantia real sobre o imóvel e as instalações fabris. Durante dois anos, o negó- no regime da prova, pois a responsabilidade do direito comum supõe a
cio prosperou e Arnold recebeu honorários de diretor e juros sobre o demonstração de culpa do agente, enquanto aquela solução doutrinária dis-
montante do empréstimo. Sobrevindo uma crise econômica, a companhia pensa essa prova.
entrou em regime de exploragdo deficitria. Arnold, entdo, executou o seu
crédito e arrematou a fabrica em leildo. Pouco depois, era declarada a fa- Nota de Texto 81 A rica casuistica da desconsideração exige, para ser
lência da companhia, com um passivo quirografrio de 66 mil ddlares, A bem compreendida, um pouco de sistematizagdo.
requerimento do sindico, o tribunal julgou ineficaz perante a massa a exe- Para empreendê-la, é necessério apresentar de forma
cução da fébrica, promovida por Amold, determinando que ele concorres- estruturada as principais teorias sobre a desconside-
se na faléncia como credor simplesmente quirografario. Tagao.
O conceito de personalidade juridica, teoricamente ela-
Como se percebe, o caso era muito semelhante ao famoso Salomon y.
borado pela pandectistica, foi durante longo tempo con-
Salomon & Co. Ltd., tantas vezes citado, e no qual a House of Lords brita-
siderado intocavel. Essa rigidez demorou muito a ser
nica recusou-se, a0 final do século passado, a desconsiderar a personalida- superada. Apenas na segunda metade da década de 50,
de juridica da companhia. Salomon constituiu uma companhia com seus com a publicagdo do trabalho de R. Serick, ganharam
familiares, na qual possuia o controle quase totalitdrio. Em seguida, vendeu impulso teorias que admitiam desconhecer a personali-
2 essa companhia o seu fundo de comércio individual, recebendo o prego, dade juridica.
parte em dinheiro e parte em debéntures por ela emitidas. Mas na verdade, Não se pretende aqui analisar com profundidade todas
como salientou Gower, Salomon parece ter sido mais uma vitima do que o as teorias que trataram do assunto.
vildo da histéria, pois a sua boa-fé não foi posta em ditvida, tendo ele, efeti-
O objetivo é analisar apenas as teorias mais importantes
vamente, procurado sustentar, com o seu dinheiro, a companhia insolvé- telacionadas ao tema aqui fratado, enquadrando-as se-
vel.” Foi, sem duvida, por essa razdo que o “véu” da personalidade não se gundo critérios úteis para a reflexdo tedrica e para sua
considerou rompido. A boa ou má-fé do controlador exerce, de fato, uma aplicação pritica.
influéncia preponderante sobre os julgamentos nessa matéria, como se re-
conhece mesmo no direito norte-americano.”® a) A teoria unitarista
Igualmente, na Alemanha Federal, a insuficiente capitalização de
uma sociedade mercantil tem fundamentado a desconsideragao da persona=- Na metade dos anos 50 aparece a primeira sistematiza-
lidade juridica, apreendendo-se, através desta, os bens particulares dos só- ção da teoria da desconsideragao da personalidade juri-
cios ou acionistas (Durchgiff).”> A doutrina germânica justifica esse. dica, feita pelo alemdo R. Serick. É a seus estudos e,
resultado com base na teoria da “finalidade normativa”, ou seja, conside- sobretudo, à sua teorizagdo da jurisprudéncia america-
rando-se a deficiente capitalizagZo da companhia como desvio da função $ na que se deve atribuir o desenvolvimento moderno da
:
ou finalidade do instituto, na economia societaria. Mas a jurisprudéncia teoria da desconsideragdo da personalidade juridica.
prefere ficar com o tradicional principio da responsabilidade aquiliana, Em seu trabalho, Rechtsform und Realitdt juristischer
consagrado no $ 826 do BGB. Entre uma solução e outra, a diferenga reside Personen, o autor define a desconsideragdo como um
conceito técnico especifico, contraposto e excepcional
com relagdo ao principio da separação patrimonial.
27 Salomon v. Salomon & Co. Lid,, cit., p. 70. O autor adota um conceito unitario de desconsideragao,
28 C£LN.D. Latin, The Law of Corporations, cit., p. 89. ligado a uma visdo unitéria da pessoa juridica como
29 CE M. Lutter, “La responsabilité civile dans le groupe de sociétês”, in Revue des Socié- ente dotado de uma esséncia pré-juridica, que se contra-
tés — Journal des Sociétês, 1981, nº 4, pp. 697 e ss. pde e eventualmente se sobrepde ao valor especifico de
O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA 455
FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO
elemento intencional na utilizagdo fraudulenta da for-
cada norma.’® O unitarismo de Serick revela-se tam-
bém em outro plano: a não distinção entre tipos de pes-
ma societdria.*
Nessa última corrente jnclui-se ainda Galgano. Mesmo
soa jurídica com relação à organização interna,
partindo de uma declaragdo de principios eminente-
motivo pelo qual não vê nenhum motivo que _,Emmpã
mente antiunitaria, a proximidade de resultados entre a
um tratamento diferenciado para a sociedade unipes-
sua teoria e a de Serick é evidente. O autor rejeita qual-
soal.* quer tipo de assimilagio entre pessoa fisica e juridica.
Dentro desse grupo, podem-se identificar dois subgry- Nega também que a personalidade juridica seja funda-
pos, segundo o modo de justificação da desconsideragio, da em uma concessão de subjerividade juridica aos gru-
Existem aqueles que tentam justificar a desconsideração pos organizados por parte do legislador. Em uma
de um ponto de vista ov.—n%o._:mzên.õgrn utilizan- analise muito proxima à tradicional doutrina instru-
do critérios, nem sempre de fácil determinação, como mentalista,”® Galgano define a personalidade juridica
ordnungswidrige, funktionswidrige oder Zweckent- como “la speciale disciplina che, in deroga al diritto
fremdete Verwendung der juristischen Person” (ut comune, la legge ha previsto per determinati gruppi”,
zação contrária aos estatutos, a função ou ao objetivo disciplina consistente em uma “somma di privilegi che,
da pessoa juridica). ricorrendo specifici pressuposti, il legislatore ha con-
Uma outra corrente, na qual se inclui o proprio Serick, cesso ai membri” *
tenta justificar a desconsideragdo a partir do assim cha- O autor faz duras criticas a teoria de Serick, que vê na
personalidade juridica um fendmeno unitario, ou seja, a
mado subjektiver Rechtsmissbrauch, identificando o
regra, e na sua desconsideragdo, a exceção. Argumenta
que esse tipo de raciocinio regra/excecdo, sem uma
conveniente critica do conceito de pessoa juridica, le-
30 Trata-se daquilo que Schanze chama de “qualifizierten Wesenbestimmung der juristis- varia a admitir a desconsideragdo com base em princi-
chen Person” (definigiio qualificada da esséncia da pessoa jurldica) (cf. E. Schanze, pios vagos e de dificil determinagdo como os de
Einmanngesellschaft und Durchgriffhiafrung, cit., p. 60), que se traduziria em uma con- eqiiidade e justiça.””
cepção pré e supra normativa da personalidade juridica, caracterizada na seguinte afir-
mação: “der Eigenwert des Rechisinstituts der juristischen Person steht dem
Zweckwert einer einzelnen Norm gegeniiber” — “o valor proprio da pessoa juridica se
contrapde (e sobrepõe) 20 objetivo de uma norma especifica” (R. Serick, Rechtsform
und Reolitãt juristischerPersonen, 2* ed., Berlim, Mohr-de Gruyter, 1955, p. 24). Na
verdade, Schanze parece exagerar ao se referir a um caráter pré e supra normativo, Se- 34 A esse grupo pertence não apenas o próprio Serick mas também U. Drobnig, com seu
classico trabalho Haftungsdurchgriff bei Kapitalgesellschaften, Berl Frankfurt,
rick reconhece expressamente que a pessoa juridica não é uma entidade pré-moldada
Metzner, 1959,
(keine vorgegebene Erscheinung)— entenda-se, pré-juridica -, mas sim uma criação do
que a0 35 Cf., vg., T. Ascarclli ‘Considerazione in tema di socictd e personalitd giuridica”, in
ordenamento (eine Schopfung der Rechtsordnung). Não há dúvida, no entanto,
falac em valor próprio da personalidade juridica, aproxima-se das teorias realistas da
Studi in onore di Giuseppe Valeri, ¢ v.I,p. 21, G Arangio-Ruiz, La persona giuridi-
ca come soggetio strumentale,
pessoa juridica, criando por assim dizer um realismo normativo que acaba por desem-
bocar no unitarismo supra mencionado.
36 Cf. F. Galgano, “Strutrura logica”, cit., pp. 553-567.
n F. Galgano, “Struttura logica”, cit., pp. 579-580. É interessante aqui fazer um coafron-
31 CF. R. Serick, Rechtsform und Realitt, cit., pp. 20-22. to da teoria de Galgano com a de Miiller-Freienfels, o mais conhecido critico da teoria
32 Representante de tal teoria &, por exemplo, U. Immenga, Die personalistische. Kapital-
de Serick na Alemanha. Ambos partem de uma critica severa do pressuposto funda-
gesellschaft, Bad Hombucg, Atheneum, 1970.
33 Cf. a respeito V. Emmerich, Scholz Kommentar zum GmbH-Geseiz, 7º ed., Colonia, mental da teoria de Serick, o unitarismo do conceito de pessoa juridica, concebido
Schmidt, 1986, $ 13, Rdn. 80, afirmando que a indcterminagdo dos critérios é uma das coma sujeito de direito pleno (vollwerriges Rechtssubjecr), equiparével às pessoas fisi-
maiores razdes para as criticas doutrinérias que são feitas a essa teoria hoje em dia. cas. Enquanto, porém, Galgano nega que as pessoas juridicas sejam sujeitos de di
s
FABIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 457
Mas quando chega o momento não mais de criticar, b) A teoria dos centros de imputagdo
mas, sim, de definir o conteúdo normativo de seu 8.,,“
Bssa segunda corrente doutrinaria, hoje dominante
ceito de pessoa jurídica, ou seja, em suas próprias pa-
principalmente na Alemanha, talvez devesse ser deno-
lavras, a soma de privilégios que constituem a
minada antiunitdria. Isso porque o seu surgimento re-
personalidade juridica, o autor cria seu próprio unita-
monta a uma critica, mais precisamente a uma recensao
rismo: reduz o conteúdo normativo do conceito de
ao trabalho de R. Serick, publicada pelo Prof. Miil-
pessoa jurídica à responsabilidade limitada dos seus
ler-Freienfels no ano de 1957. Nesse trabalho, o autor
membros.”* Assim procedendo, desconhece um ele-
afirma que o esquema regra/excegdo de Serick erra ao
mento que, ainda que insuficiente, é necessário à con-
ver na personificação juridica, e conseqlientemente no
figuração da personalidade e da própria subjetividade,
seu contrdrio, a desconsidera¢do, um fendmeno unita-
A desconsideração por ele imaginada mostra-se possí-.
vel apenas em caso de abuso e para o fim de atribuição Tio. Para ele, respeitar ou ndo a separago patrimonial
de responsabilidade a sujeito diferente do devedor. depende da andlise da situagdo concreta e da verifica-
Conseqiientemente, mesmo partindo de pressupostos ção do objetivo do legislador ao impor uma determina-
diversos, chega a resultados muito semelhantes aos da da disciplina.”
teoria por ele criticada. Esse posicionamento permite uma visão menos rigida
da desconsideragdo, que passa a incluir ndo apenas si-
tuagdes de fraude, mas, também, quando necessario,
situagdes em que, à luz da importdncia e do objetivo da
norma aplicdvel, é conveniente não levar em conta a
€ procura um conceito unitário substitutivo, o de responsabilidade limitada, W. Mil-
personalidade juridica. A desconsideragdo não é, por-
ler-Freicnfels não se preocupa em negar a subjetividade juridica, mas sim em demons-.
trar o relativismo de tal subjetividade, A pessoa jurídica concebida como um centro” tanto, apenas uma reação a comportamentos fraudulen-
de imputação de normas é sustentável como tal apenas na medida em que o escopode. tos, mas também uma técnica legislativa ou uma
cada regra o penmita: “Die juristischer Person ist sonach nur ein bequemer, zusam- técnica de aplicação das normas (Regelungstechnik)
menfassender Ausdruck fiir bestimmte Einheiten ein *passendes Symbol’. Sie bilden. que permite dar valor diferenciado aos diversos conjun-
nur ein gedankliches Zusammenfassung von Tatbestanden, Beziehungen und Normen, tos normativos.”
ein leicht begreifbares Vorstellungsbild (...)", cf. “Zur Lehre”, cit., p. 529. A teoria de Miiller-Freienfels postula não apenas um
Essas diferenças de opinião em dois sistemas que têm realidades legislativas seme-.
maior pluralismo externo na aplicagdo diferenciada das
lhantes (tanto na Alemanha como na [tália a personalidade juridica é concedida apenas
às sociedades de capital) explicam a diferença de extensão entre as duas teorias, sobre- normas, mas também o pluralismo interno, com avalia-
tudo com relação 4 desconsideração da personalidade juridica. Enquanto Galgano re-
toma ao conceito de abuso para a admissão da desconsideração, limitendo sua
aplicação aos casos de atribuição de responsabilidade patrimonial ao sócio limitada-
mente responsavel, Milller-Freienfels, como visto acima, procura determinar o escopo
39 Cf. W. Miiller-Freienfels, “Zur Lehre”, cit., p. 536: “Denn es geht ja immer um die Fra-
de cada norma em particular para determinar a qual sujeito (sócio ou sociedade) ela
deve ser aplicada. Tal teoria encontra hoje reflexo na riquíssima série de hipóteses de ge, ob und inwieweit eine bestimmee Norm in dem konkreten Fall auf diese oder jene
desconsideração reconhecidas na doutrina e na jurisprudência alemãs.
Juristische Person ihren Sinn und Zweck nach im Zuge richtiger Gestaltung der sozialen
Ordnung anwendbar ist. Auch dann, wenn man die fiir den konkreten Fall charakteris-
tischen Einzelheiten herausgearbeitet hai, darf man sich nicht zu verallgemeinerden
Anvworten verleiten Jassen (...)".
40 CE. P. Behrens, “Der Durchgriff úber die Grenze™, in Rabels Zeitschrift, 1982, pp.
38 Cf. E. Galgano, “Struttura logica”, cit., pp. 609 e ss. 308314,
458 FÁBIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FILHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 459
ção diferenciada dos diversos tipos de sociedade. De. ou de outra o principio da separagio patrimonial fosse
fende assim um tratamento diferenciado das pessoas ju- atingido.”
ridicas segundo as diversas funções econômicas que Na doutrina mais recente nota-se uma crescente preo-
desempenha. ***?
m cupação em distinguir os casos segundo o método e as
Ateoriade Múller-Freienfels tem hoje grande aceitação conseqiiéncias juridicas dele provenientes. Ao mesmo
doutrinária e jurisprudencial na Alemanha, podendo ser tempo a personalidade juridica como conceito técnico
considerada dominante,** perde importancia, sendo hoje considerada como mero
Controvertida é ainda sua classificação como uma teo- Stichwort.®
ria sobre a desconsideração da personalidade jurídica,
É interessante observar as opinides desses tedricos a
Alguns autores propõem a distinção entre problemas de
mera aplicação das normas existentes no direito civil ¢ respeito da sociedade unipessoal. Antes da GmbH No-
problemas de desconsideração em sentido próprio, para velle, que como visto consagrou a possibilidade de
constituigio unipessoal, considerava-se a sociedade
cuja caracterização seria necessário que de uma forma
unipessoal como um problema tipico de atribuição de
normas. A sociedade unipessoal era, portanto, consi-
derada n3o como uma esfera totalmente separada do
41 . Múller-Freienfels, “Zur Lehre”, cit,, p. 532: “Die Einmanngesellschaft, die aus sócio, mas, sim, como sujeita a um variables Norman-
Griinden der Haftungsbeschrânkung betrieben wird, verdiente nicht mit einer Familien wendungkonzept, ou seja, como um ente dotado de in-
GmbH gleichbehandelt zu werden, die als Erbengemeinschaft ein erebtes Handelsun-
ternehmen forifúlra, Diese Familiengesellschaft wiederum muss wieder anders be- dividualidade propria, dependendo do escopo da
wertet werden, wenn sie einen oder mehrere Geldgeber als Mitgesellschafter norma a ser aplicada.*
aufinimmt. Von dieser sich zur'normalen' GmbH entwickelnden Einheit ist schliesslich Depois da admissão da constituição unipessoal, a socie-
die GmbH als Verwaltungeinheir eines grossen Konzerns oder als Verkaufeinheit eines
dade unipessoal deixou de receber um tratamento me-
Syndikats zu unterscheiden usw” (A sociedade unipessoal, u
tação de responsabilidade, não pode receber tratamento indiferenciado de uma socie- todologicamente distinto. Não se trata mais de um caso
dade familiar, que como comunidade de herdeiros sucede o empreendimento paradigmatico de atribuigdo de normas, sendo ao con-
comercial herdado. Essa sociedade familiar, por sua vez, deve ser avaliada diferente- trario incluida no tratamento geral da desconsideragao,
mente quando ela aceita um ou mais prestadores de capital como sócios. Finalmente
deve também ser diferenciada a GmbH normal da sociedade ut
administrativa de um grande gnipo ou então como unidade de vendas de um sindicato).
42 É interessante observar que, quanto à sociedade unipessoal, as posigdes de Serick e
Milter-Freicafels representam aa realidade a transposição para um ambiente em que já. a4 Nesse sentido, E. Rehbinder, Konzernaussenrecht und allgemeines Privatrecht, Ber-
se reconhece a necessidade pritica da Einmanngesellschaft, da controvérsia que 8 cor-
rente pandecistica de Savigny e a handels-und gesellschafisrechilich orientierte, esco- lim-Zurique, Gehlen, 1969, p. 108.
45 Cf. H.J. Menens, Hachenburg Grosskommentar, cit., Anh. $ 13, Rdn. 36; K. Schmid,
la germanistica de Gierke, tinham sustentado no século XIX com relegio &
unipessoalidade. O tratamento que Miiller-Freienfels dá à sociedade unipessoal € mui- Gesellschaftsrecht, Colônia, Berlim, Bonn, Munique, Carl Heymanns Verlag, 1991,
to próximo da teoria do Sondervermigen, ¢ a aplicação especifica da teoriada descon- pp. 193-194; também nesse sentido, propondo a distinção hoje largamente aceita entre
sideragdio para a sociedade unipessoal que defende corresponde, mutatis murandis, à Haftungsdurchgriff e Zurechnungsdurchgriff, v. H. Wiedemann, Gesellschafisrecht,
impossibilidade de permanéncia da Korperschaft em auséncia de pluralidade de com , pp. 221 ess. O primeiro termo é empregado para os casos de Missbrauch (fraude),
ponentes, sustentada por Gierke. A pos itária e 0 raci jo regra/excegio de Se- entendida no scntido objetivo, e o segundo, nos casos de imputação de normas. O pri-
rick avizinham-se, ao contririo, da teoria ficcionista de Savigny (cf. E. Schanze, ineiro tem caráter emineniemente sancionatorio, enquanto no segunde prevalece o per-
Einmanngesellschaft und Durchgriffhafuung, cit., esp. pp. 19 e 61). fil reguiamentar.
43 Cf. H. 1. Mertens, Hachenburg Grosskommentar zum GmbH Geserz, cit., (1. Licfe- 46 H. J. Mertens, Hachenburg Grosskommentar, cit., $ 13, Anh. 1, Rdn. 41-42, E. Schan-
fung, Anh. 13, Rdn. 30). ze, Einmanngesellschafi und Durchgriffhaftung, cit, p. 15.
460 FABGIO KONDER COMPARATO E CALIXTO SALOMÃO FiLHO O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANONIMA 461
ainda que continue a merecer tratamento especial na ca — conhecimentos do sécio podem, em certos casos, ser
suística da desconsideragao.*’ atribuidos 2 sociedade. O caso tipico de aplicagdo dessa
regra decorre de uma peculiaridade do sistema atemão,
c) Resultados aplicativos: a casuistica
qual seja, a existéncia de uma regulamentação especifi-
¢. 1. Desconsideração atributiva ca para a aquisigdo de propriedade com boa-fé. Nos
Com essa expressdo procura-se traduzir o mais fiel. negdcios entre sócio único ¢ socicdade ndo se aplicam as
mente possivel a aplicação da teoria da desconsidera- regras de aquisição de boa-fé, pois não é possivel susten-
ção de modo a permitir a aplicagdo de certas normasem tar que 0 sócio único possa ignorar a existéncia do prece-
forma coerente com o escopo do legislador. dente vinculo contratual entre essa e um terceiro (ou
São os seguintes os casos mais tipicos de desconsidera- vice-versa).”' No Brasil, devido 2 inexisténcia de uma tal
ção atributiva (Zurechnungsdurchgriff): regra, o fato de o negdcio ter sido realizado entre sécio
— caracteristicas pessoais do socio podem ser atribuídas único e sociedade poderia induzir no méximo a uma pre-
à sociedade. Assim são passiveis de anulagdo por erro
sunção simples de simulagdo, cabendo &s partes no ne-
essencial quanto à pessoa do destinatdrio declarações
gócio (sócio e sociedade) demonstrar o contrario;
tendo como destinataria a sociedade, em wm_._xa haja erro
— proibigdes impostas ao sócio podem ser estendidas
essencial quanto à pessoa do sécio único;**?
— comportamentos do sócio podem ser atribuidos 4 so- também a sociedade (e vice-versa). É o caso das proibi-
ciedade. Assim, por exemplo, no caso de dolo de tercei- ções de concorréncia impostas a0 socio que gravam
10, que para constituir vicio do ato juridico exige que também a sociedade.”
dele tenha conhecimento um dos participantes do ato, Ainda com relagdo à desconsiderag@o para atribuição
Para aplicagdo desse dispositivo o sócio não seria con- de normas deve-se mencionar a hipotese da aplicagdo &
siderado terceiro em relação a sociedade;” venda de todas as quotas da normativa referente aos vi-
cios da compra ¢ venda.
¢.2. Desconsiderag@o para fins de responsabilidade
47 Interessante é notar que Mertens, no seu comentdrio precedente 8 GmbH Novelle (Ha-
chenburg Grosskommentar, 1979), intitulava o Anh $ 13 Einmanngesellschaft únd Como j4 ressaltado anteriormente com relação a essa
Durchgriffhafiung, enquanto no comentário posterior (Hachenburg Grosskommentar, hipótese, 20 menos nos casos normais nao é razodvel
1990) o titulo passou a ser Durchgriffhaftung. fazer qualquer distingdo a priori entre sociedade uni-
48 Cf. V. Emmerich, Scholz Kommentar zum GmbH Gesetz, 7 ed., Kóln, Schmidt, 1986,
cit., $ 13, Rdn. 72; G Hueck, Baumbach-Hueck Kur=-Kommentar zum GmbH Geselz;
Munique, Beck, 1988, $ 13, Rdn. 16, p. 199. :
49 Existe interessante e recente exemplo de aplicação desse prin na jurisprudência
brasileira. Trata-se da decisão que revogou outra concessiva da concordata de uma em-
51 Cf. E. Schanze, Einmanngesellschaft und Durchgriffhaftung, cit., p. 104. V. ainda V.
presa, transformando-a em falência, com base na falta de idoneidade do controlador, Emmerich, Scholz Kommentar, cit., $ 13, Rda. 73, que considera requisito para a aqui-
afirmando que “a não idoneidade do controlador contamina de descrédito o pedido de sição em boa-fé a existéncia de uma transferénciz ndo apenas do ponto de vista juridi-
moratória da controlada”. No caso, além da inexistência dos requisitos economicos co, mas também econdmico.
para a concordata, foram levados em conta os fortes indícios de que o controlador, atra- 52 Nesse campo, atualmente regulado pelo art. 86 do Tratado CEE, a Corte de Justiça da
vês da concordata de empresa holding por ele controlada. pretendesse por a salvo. Comunidadejá firmou opinião de que se aplicam à sociedade filha (seja ou não unipes-
ações adquiridas com cheques sem fundos (v. RT 657/86, TJSP, acórdão de soal) as proibigdes existentes com relação a sociedade mãe (v. decisão da Corte de Jus-
25.04.1990). tiga da CE de 6.03.1974, nº 6-7/63, in Foro Italiano, 1974, TV, c. 261. No mesmo
50 Cf, comentando regra andloga contida no 123, Abs. 2 BGB, v. V. Emmerich, Scholz seatido, sentenga do Tribunal de Catânia, de 25 de janeiro de 1977, in Rivista di Diritto
Kommentar, cit., $ 13, Rán 13. Commerciale, 1977, 1L, p. 103).
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pessoal e pluripessoal. Os três casos paradigmáticos exercicio do comércio é suficiente para caracterizar a
que serão tratados — confusão de esferas, subcapitaliza- responsabilidade. Quando, ao contrério, a subcapitali-
ção e abuso de forma — podem se configurar tanto em zação ndo é evidente, é necessario demonstrar o ele-
uma como em outra hipótese. mento subjetivo, ou seja, a culpa ou dolo do(s) sócio(s)
A identificação dessas três hipóteses parece ligar-se in- em ndo prover o capital suficiente a atividade social. A
timamente a uma configuração objetiva da desconside-. óbvia dificuldade de produzir tal prova fez com que na
ração. No entanto, como se verá na formulação dos maioria dos casos de subcapitalizagdo simples a des-
requisitos para a configuração das referidas hipóteses, consideragio seja negada.”
fez-se necessário misturar elementos objetivos e subje-- - Sancionar a subcapitalizagdo nessas hipóteses parece
tivos, o que fez com que na prática não se conseguisse de um rigor excessivo. Com efeito, se o legislador não
eliminar totalmente os inconvenientes contidos na-teo= impde obrigação de capital minimo, ¢ dificil exigir do
ria subjetiva. sócio que faga a previsdo correta no momento de consti-
A confusdo de esferas caracteriza-se em sua forma tipi- tuigdo da sociedade. O mais correto parece ser conside-
ca quando a denominação social, a organização societá- rar a fixação do montante do capital como componente
ria ou o patrimônio da sociedade não se distinguem de da business judgement rule do socio e admitir a descon-
forma clara da pessoa do sócio, ou então quando forma- sideragdo somente nos casos em que a subcapitalizagio
lidades societárias necessárias à referida separação nio for extremamente evidente (qualificada). Até porque
são seguidas. Com relação ao primeiro caso (confusio existe remédio mais eficaz contra a subcapitalizagio. É
de denominação), pode-se mencionar o emprego de no- muito mais conveniente nesses casos adotar uma visão
mes semelhantes ou de fácil confusão com o nome da realista e ampla do capital, considerando como tal todos
sociedade controladora para designar a sociedade con- aqueles empréstimos (e ndo são raros) feitos pelo sócio
trotada. Evidentemente, a hipótese aproxima-se bastan- à sociedade em situagdes de crise.
te dos casos de aplicação da teoria da aparência”* Na Enfim, há ainda o abuso de forma. Pode-se distinguir
verdade, só será possível distinguir ambos os casos ainda entre o abuso de forma individual e o institucio-
mais adiante, depois da definição do método de descon- nal. No primeiro caso ha a utilização da personalidade
sideração da personalidade jurídica. Já os demais mo- juridica com o objetivo especifico de causar dano a ter-
dos de identificação da confusão de esferas baseiam-se ceiro. Nesse caso só ele (terceiro) serd legitimado a
sobretudo em critérios formais, como a existência de pleitear a desconsideragdo da personalidade juridica.
administração e contabilidade separadas entre sócio e Trata-se do caso classico de desconsideragdo da perso-
sociedade.™ nalidade juridica baseada em critérios subjetivos. O se-
Com relagio à subcapitalizagdo, é preciso fazer a dis- gundo, a0 contrério, caracteriza-se por uma utilização do
tinção entre subcapitalizagdo simples e qualificada. Na privilégio da responsabilidade limitada contrária a seus
última, o capital inicial é claramente insuficiente a0 objetivos e à sua função (zweck und funktionswidrige
cumpriimento dos objetivos e da atividade social e, con- Ausnutzung des Haftungsprivilegs) € tem como caracte-
seqiientemente, o perigo criado pelo(s) sécio(s) no ristica diferencial o fato de implicar a possibilidade de
53 Cf. H. Wiedemann, Gesellschafisrech, cit., p. 224. 55 Cf£ E. Schulte, “Rechtsprechungiibersicht zum Trennungsprinzip bei juristischen Per-
54 H. Wicdemann, Gesellschaftsrech, cit., p. 224. sonen”, in WertpapierMitleilungen, 1979, Sonderbeilage, nº 1, p. 7.
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