O documento discute o princípio da moralidade administrativa na Constituição brasileira de 1988. Ele afirma que este princípio foi elevado à dignidade de informador e pressuposto de validade de toda atividade administrativa, exigindo que os atos da administração pública sejam conformes à lei e à finalidade pública, mas também à moralidade. O princípio da moralidade administrativa permite questionar a própria lei se ela for imoral ou contrariar a razoabilidade.
O documento discute o princípio da moralidade administrativa na Constituição brasileira de 1988. Ele afirma que este princípio foi elevado à dignidade de informador e pressuposto de validade de toda atividade administrativa, exigindo que os atos da administração pública sejam conformes à lei e à finalidade pública, mas também à moralidade. O princípio da moralidade administrativa permite questionar a própria lei se ela for imoral ou contrariar a razoabilidade.
O documento discute o princípio da moralidade administrativa na Constituição brasileira de 1988. Ele afirma que este princípio foi elevado à dignidade de informador e pressuposto de validade de toda atividade administrativa, exigindo que os atos da administração pública sejam conformes à lei e à finalidade pública, mas também à moralidade. O princípio da moralidade administrativa permite questionar a própria lei se ela for imoral ou contrariar a razoabilidade.
não era inusitado no direito brasileiro mesmo antes da Carta Política de 1988, uma vez que tanto a doutrina quanto a lei e a jurisprudência pátrias já o enxergavam como informador do princípio da legalidade quanto aos fins, tendo sido invocado como fundamento do combate ao desvio ou ao abuso de poder tanto em relação ao ato vinculado como ao discricionário. A referência expressa ao princípio da moralidade apartado do princípio da legalidade por parte do caput, do art. 37 da Carta Magna de 1988 demonstra, antes de tudo, a autonomia conferida ao princípio da moralidade para propiciar, como bem preleciona a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Discricionari- edade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 110-111), em conjunto com o princípio da razoabilidade (art. 5º LIV), o exame do objeto ou conteúdo dos atos da administração pública, importando os efeitos imediatos que os atos produzem, e não a intenção subjetiva dos respectivos agentes. Diante dessa autonomia, o princípio cons- titucional da moralidade da administração pública foi alçado à dignidade de informador e pressuposto de validade de toda a atividade administrativa e legal, especificamente em relação aos procedimentos da administração. No que tange à conceituação do princípio da moralidade administrativa, não custa mencionar a concepção dominante, entre os administrativistas daqui e do exterior, de que a moral administrativa não se confunde com a Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho é moral comum, embora ganhe influência desta, Consultor da União, Procurador da Fazenda Nacional já que aquela, encontrando-se juridicizada, de Categoria Especial, Sócio do IBDC e Mestrando representa o conjunto de regras de conduta para na UnB. uma boa administração, tiradas da disciplina Brasília a. 33 n. 132 out./dez. 1996 125 interior da administração pública, a qual não Ramos Reinaldo (O princípio da moralidade deixa de espelhar os valores morais prestigiados na administração pública: a liceidade do limite e amparados pelo ordenamento jurídico, etário para acesso aos cargos públicos): mormente pela Lei Suprema. “O constituinte, portanto, estabeleceu A esse respeito, merece destaque a posição nítida distinção: juridicizou a ‘morali- assumida pelo abalizado Ministro Moreira dade’, definindo-a como ‘princípio’, para Alves, em sua conferência inaugural do XXI viger, paralelamente, com o da ‘lega- Simpósio Nacional de Direito Tributário, lidade’. A distinção é evidente e promovido pelo Centro de Extensão Universi- necessária. A moralidade administrativa tária (São Paulo, 19 de novembro de 1996), no integra o direito (constitucional) como sentido de que o princípio da moralidade elemento de observância indeclinável administrativa do art. 37, caput, da Carta (irretorquível), mas não está ínsita na Magna reclama “a aplicação dos princípios legalidade, nem desta constitui corolário. morais dominantes dentro de um certo momento histórico em relação à Administração”. O legislador constituinte, ao instituir o princípio, não cuidou do mero ‘reenvio’ Desse modo, o preceptivo constitucional do art. 37, caput, tem, ao meu ver, a intenção de da norma legal à norma moral, mas alargar a abrangência do princípio da morali- atribui à moralidade administrativa dade administrativa, permitindo que seja juri- relevância jurídica, de eficácia plena e dicamente possível exigir-se da administração mandamental autônoma – e de vida direta e indireta da União, dos estados, do própria. Nessa linha de raciocínio há que Distrito Federal e dos municípios a atuação com se distinguir a ordem jurídica positiva, a observância da lei e de conformidade com a que caracteriza a legalidade da ordem finalidade pública, mas com a lei aferida quanto jurídica positiva que caracteriza a a sua moralidade, alcançando, outrossim, o moralidade – ambas compondo a mesma controle se a própria lei, colimado o princípio ordem jurídica integral – porque nem da razoabilidade, compatibiliza-se ou não com tudo que é ‘legal é moral’. Decorre daí a moralidade administrativa. que não basta que o administrador se atenha ao estrito cumprimento da lega- Nesse diapasão é o magistério de Maria lidade, devendo a sua atividade ser bali- Sylvia Zanella di Pietro (Direito administrativo. zada e informada pelo princípio ético, 5. ed. São Paulo: Atlas, p. 71): porquanto a declaração de nulidade cons- “... sempre que em matéria administra- titui sanção constitucional à moralidade tiva se verificar que o comportamento da administrativa (art. 5º, LXIX). Cabe, administração ou do administrado que pois, ao administrador, ao firmar o ato, com ela se relaciona juridicamente, atender a ambos os princípios. Não embora em consonância com a lei, ofende importa, ainda, que o ato administrativo a moral, os bons costumes, as regras de seja ‘vinculado’ (ou regrado) e que tenha boa administração, os princípios de preenchido todas as solenidades exigidas justiça e de eqüidade, a idéia comum de na lei. A moralidade alcança os atos da honestidade, estará havendo ofensa ao administração de qualquer natureza, princípio da moralidade administrativa.” sejam ‘regrados ou discricionários’. O E assim prossegue a Professora Titular de ato pode ser legal e, ao mesmo tempo, Direito Administrativo da Faculdade de Direito imoral, incidindo na eiva de inconstitu- da Universidade de São Paulo: cionalidade.” “Ouso pensar que, com o advento da “ Embora não se identifique com a nova ordem constitucional, as teorias legalidade (porque a lei pode ser imoral, sobre o ‘abuso de poder’ perderam em e a moral pode ultrapassar o âmbito da substância. O que importa, agora, é que lei), a imoralidade administrativa produz a ação do administrador se componha efeitos jurídicos, porque acarreta a inva- nos limites da ‘lei’ e da ‘moral’, em lidade do ato, que pode ser decretada pela cumulação. Não importa indagar, ainda, própria administração ou pelo Poder se o ato é ‘vinculado ou discricionário’, Judiciário.” ou se, em relação ao último, existiu ou Esta, também, é a lição do Senhor Ministro não desvio de finalidade (ou outros quais- do Superior Tribunal de Justiça Demócrito quer vícios). Havendo afronta à morali- 126 Revista de Informação Legislativa dade, o ato se inquina de ‘nulo’, ipso sendo esta ou aquela forma imoral... facto, por contrariar princípio constitu- Então o que este princípio acrescentou cional. Não há, aí, de perquirir se houve de novo ao ordenamento jurídico foi a dano à administração (ou maltrato ao possibilidade do controle judicial com interesse público), porque este é presu- referência às leis, para declará-las in- mido juris et de jure. A nulidade inde- constitucionais, em casos extremados, pende de verificação do resultado, porque observado o princípio da proporcionali- o ato ‘imoral’ é ato ‘inconstitucional’, dade (CF, art. 5º, LIV), em conseqüência nulo, ineficaz. exclusiva da moralidade, podendo ele O princípio da moralidade adminis- examinar, inclusive, se o comportamento, determinado à Administração, atenderia trativa, na sua dicção ampla (art. 37), ou não o princípio da moralidade.” tampouco poderia depender de lei que explicitasse o que é ou não moral. A A seu turno, merece especial atenção a precisão que se exige da legalidade não questão sobre se o Poder Judiciário teria sido tem cabimento quando se trata da mora- autorizado a controlar a valorização dos lidade, pois, de outra forma, se estaria motivos e a escolha do objeto – consubstancia- subsumindo um ao outro princípio, dores do mérito administrativo, efetuados pela tornando-se ocioso falar-se em moral administração, diante da norma constitucional administrativa. Sob esse critério, têm do art. 37, caput. eficácia desconstitutiva sobre os atos, José Augusto Delgado, Ministro do Superior contratos e atos administrativos Tribunal de Justiça e Professor Adjunto da complexos praticados com violação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, moralidade administrativa os preceitos representa bem uma das correntes de idéias a do art. 5º LXVIII, LXIX e LXXIII e o esse respeito (O princípio da moralidade princípio do art. 37. Serão nulos de pleno administrativa e a Constituição Federal de direito, ainda que legais, abrangendo a 1988): desconstituição todos os efeitos deles “A extensão do princípio da morali- esperado.” (RT 711/19) dade conduz ao entendimento de que a A conseqüência da constitucionalização do administração pública tem o dever de princípio da moralidade administrativa foi melhor administrar, que ultrapassa o explicitada pelo Excelentíssimo Senhor conceito de bem administrar. Isso repre- Ministro Moreira Alves por ocasião da palestra senta que, em face de quatro ou cinco retromencionada, da qual anotei as seguintes hipóteses boas, o administrador público, lições: ao contrário do particular, não tem o direito de escolher qualquer uma delas. “O princípio da moralidade aplica-se É do seu dever adotar o melhor. Se não o a todos os Poderes da República, quando fizer, em face de como está posto na atuarem como administradores na Constituição Federal o princípio da prática de atos administrativos.” moralidade administrativa, o juiz tem “O Supremo Tribunal Federal rejeitou, mais do que poder jurisdicional, tem o de modo absoluto, a tese de inconstitu- dever de, no exercício do controle da cionalidade de texto constitucional. Não referida atividade administrativa, há princípio constitucional mais elevado desfazer a decisão, por ser reflexo de uma que outro princípio constitucional, de ação que infringiu a obrigação de ‘melhor modo que o Judiciário não pode declarar administrar’. Esse poder constitucional do a inconstitucionalidade de certo princípio juiz é, somente, o de desconstituir o ato em relação ao outro.” administrativo. Não lhe é permitido que “A conseqüência da constitucionali- substitua a ação administrativa, sob pena zação do princípio da moralidade de ferir um outro princípio que é o da administrativa é principalmente dizer independência e harmonia dos poderes.” que, além de a Administração continuar (RT 680/39) vinculada aos princípios legais, há um Em campo oposto, nesse caso, encontra-se, plus: vincular ao princípio o legislador entre outros, o Professor Celso Ribeiro Bastos, – impedir que o legislador possa, por que, no seu Curso de direito administrativo. exemplo, determinar que a Administração São Paulo: Saraiva, 1994. p.37, opina: Pública proceda desta ou daquela forma, “A inovação de um difuso princípio Brasília a. 33 n. 132 out./dez. 1996 127 de moralidade pode, na verdade, valores morais do administrador público escamotear um ingresso que, até então, pelos seus próprios valores, desde que uns não tem sido aceito pelo Poder Judiciário e outros sejam admissíveis como válidos no mérito do ato administrativo. Quer-nos dentro da sociedade; o que ele pode e deve parecer que não tenha sido esta a invalidar são os atos que, pelos padrões intenção do texto, nem corresponda ela do homem comum, atentam manifesta- a uma aspiração doutrinária do nosso mente contra a moralidade.” direito, que tem sabido sempre acatar as distinções entre administrar e exercer a Por força do princípio da moralidade, os jurisdição. Nem para o próprio Judiciário, atos da administração pública e de seus agentes a nosso ver, convém um alargamento em geral devem conter a maior eficiência desmensurado da sua competência nessa possível, pela obrigação de prestarem uma boa matéria, que o transformará, de aplicador administração, observando-se a honestidade, a da lei que é, num administrador de boa-fé, a lealdade, a moderação, a discrição, a segundo grau.” economicidade, a sinceridade, sem que possa Tenho para mim, após observar os teores existir qualquer inconfessável desejo de preju- de alguns preceptivos constitucionais, tais como dicar ou beneficiar este ou aquele administrado. do art. 37, caput (expressa o mandamento de Merecem destaque as seguintes palavras do respeito ao princípio da moralidade admi- jurista luso Antônio José Brandão (espinçado nistrativa, em paralelo aos princípios da do seu conhecido artigo Moralidade adminis- legalidade, impessoalidade e publicidade), do trativa. RDA 25/459): art. 5º, LXXIII (prevê ação popular – discipli- “... tanto infringe a moralidade adminis- nada pela Lei nº 4.717/65 – para estimular a trativa o administrador que, para atuar, defesa dos bens e interesses públicos e da foi determinado por fins imorais o u moralidade administrativa), do art. 70 (autoriza desonestos, como aquele que desprezou o controle interno e externo – aquele por meio a ordem institucional; embora movido por da própria administração, este por meio do zelo profissional, invade a esfera reserva- Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal da a outras funções, ou procura obter mera de Contas – não só da legalidade, mas também vantagem para o patrimônio à sua guar- da legitimidade e da economicidade dos atos da. Em ambos esses casos, os seus atos da administração), do art. 5º, LIV (assegura a são infiéis à idéia que tinha de servir, pois razoabilidade das leis e dos atos administrativos), violam o equilíbrio que deve existir entre e art. 2º (consagra a separação dos poderes), todas as funções, ou, embora mantendo ou que, em nome do princípio da moralidade aumentando o patrimônio gerido, desvi- administrativa, a qual difere da ilegalidade por am-no do fim institucional, que é o de desvio ou abuso do poder, o Poder Judiciário, concorrer para a criação do bem-comum.” excepcionalmente, tem competência para Aliás, nesse ponto, Celso Antônio Bandeira anular o mérito do ato administrativo quando de Mello (Elementos de direito administrativo. a valoração dos motivos e a escolha do objeto 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 61) do ato mostrem-se notória e iniludivelmente leciona: ineficientes e contrários à moral dominante em “Segundo os cânones da lealdade e relação às outras hipóteses que o senso comum boa-fé, a administração haverá de da sociedade teria adotado. proceder, em relação aos administrados, No entanto, se a valorização dos motivos com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe ou a escolha do objeto do ato enquadram-se, de interdito qualquer comportamento algum modo, dentro da razoabilidade, mesmo astucioso, eivado de malícia, produzido que, eventualmente, possa haver divergência de maneira a confundir, dificultar ou de opinião, o ato deve ser mantido, em minimizar o exercício de direitos por homenagem, também, à regra da separação de parte dos cidadãos.” poderes. Insta ser ressaltado que o § 4º do art. 37 da Maria Sylvia Zanella di Pietro (em sua obra Constituição Federal estatui que os atos de Direito administrativo, p. 182), sobre os limites improbidade, nos escalões governamentais e da discricionariedade administrativa e o administrativos, importarão a suspensão dos controle pelo Poder Judiciário, assim arremata: direitos políticos, a perda da função pública, a “Não cabe ao magistrado substituir os indisponibilidade dos bens e o ressarcimento 128 Revista de Informação Legislativa ao erário, na forma e graduação previstas em Em nível infraconstitucional, vale ilustrar lei, sem prejuízo da ação penal cabível. que o Estatuto dos Servidores Públicos Civis Outrossim, por força do art. 85, V, do da União (Lei nº 8.112/90) prevê várias Estatuto Político, atentar contra a probidade disposições concernentes aos deveres dos administrativa é uma das hipóteses de crimes agentes públicos em geral e às vedações que de responsabilidade do Presidente da República, eles estão sujeitos, com vista a garantir uma conforme definido no art. 9º da Lei nº 1.079/ conduta compatível com a moralidade 50, fato que enseja o impeachment, alcançando, administrativa, havendo a previsão da nos termos do art. 52, I, da Lei Maior, com a responsabilidade civil, penal e administrativa destituição, os Ministros de Estado nos crimes do servidor pelo exercício irregular das suas da mesma natureza conexos com aqueles. atribuições.