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CaPítul,o 2

O Surgimento das Agências


como uma Decorrência
da Moderna Regulação

Sumário: 2.1 Agências de Regulação: competência e especificidades


- 2.2 Transparência, permeabilidade e neutralidade - 2.3 0 caráter
público das agências - 2.4 A multiplicidade de funções e compe-
tências das agências - 2.5 A especialização das agências - 2.6 A
busca do equilíbrio sistêmico como eixo da atividade regulatória -
2.7 A importância da neutralidade - 2.8 A moderna regulação e os
órgãos reguladores

2.1 Agências de Regulação: competência e especificidades


Vimos que, contemporaneamente, a atividade de regulação
estatalsobre um determinado setor da economia predica uma
série de características bem peculiares. A mudança significativa
da forma como o Estado intervém na ordem económica torna
necessário o surgimento de instrumentos aptos a viabilizar essa
nova forma de intervenção. Dentre estes instrumentos, as
agências talvez soam o mais paradigmático.';

28No meu Regra/anãoEstafa/e /nteressesPúb//cos(cit.. p. 199). enumerei as razões pelas quais as


agênciasrepresentamessa transformaçãono modo de o Estado se relacionarcom a sociedadee
com a economia: "A uma. porque a multiplicação destes entes. não só no Brasil como também na
Europa. revela claramenteos efeitos das transformações que estão a ocorrer no Estado e na
sociedadee deles em face do Direito Público. 26.2. A duas. porque tal ângulo de análise nos
permite bem divisar a função de regulação que entendemos constituir o núcleo do Estado
republicízado.26.3. A três. porque a partirdo enfoquedos órgãos reguladoresverifica-se
nitidamentea dupla função do poder políticoque há pouco prenunciávamos:a mediaçãode
nteresses públicos especiais e, concomitantemente. a promoção e proteção de interesses públicos
difusas. 26.4. Por fim. e principalmente. porque em torno destes organismos (ou agências) se
apresentam várias das linhas mestras das transformações em curso. nos parâmetros que constituíam
o arcabouço jurídico do paradigma anterior.
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 47
46 floriano de Azevedo Marquei Neto

regulação têm por função preservar as relações de competição,


A tal nova regulação estatal, vimos, é determinada pela
setores da corrigindo falhas de mercado e impedindo a inviabilidade
perspectivade um Estado pretender intervir em económica do sistema. Dos consumidores, pois estes hão de
economia: i) sem afastar a participação dos agentes privados;
ser os principais beneficiáriosda regulaçãoe, portanto, os
ii) separandoas tarefasde regulaçãodas de exploraçãode maiores interessados na eficiência regulatória. Por fim, do
atividade económica, mesmo quando remanescer atuando no
poder político: por muita vez ter interesseespecíficono setor
setor por ente controlado seu; iii) orientando sua intervenção
(u.g. sendo controlador de uma empresa que opere no setor
predominantemente para a defesa dos interesses dos cidadãos ou sendo detentor de bens ou recursos essenciais à atividade
enquanto participantes das relações económicas travadas no regulada); e por ser o responsável pelo estabelecimento das
setor regulado; iv) procurando manter o equilíbrio interno ao
políticas públicas que incidam sobre o selar.
setor regulado, de modo a permitir a preservação e Incremento Inobstante devam estes órgãos se articular e interagir
das relações de competição (concorrência), sem descurar da
com estes três pólos de interesse, se põe essencial que eles
tarefa de imprimir ao setor pautas distributivas ou desenvol- mantenham uma cer/czne fra/ dadoem relação aos três.
vimentistas típicas de políticas públicas; e, por fim, v) exercendo Destas condicionantes resultam as características essenciais
a autoridade estatalpor mecanismose procedimentosmenos
daqueles entes estatais que deverão se incumbir da regulação
impositivos e mais reflexivos (permeáveis à composição e arbi-
estatal, a saber: i) serem órgãos públicos; ii) que concentrem
tramento de interesses), o que envolve maior transparênc'a e
várias ftJnÇÕese competências; iii) voltadas para um setor da
participação na atividade regulatória. economia que demande significativa especialização; iv) marcados
Para dar cabo a essas tarefas (distintas, insistimos, nos
pela busca de equilíbrio entre interesses envolvidos com a ativi-
objetivos, nos pressupostos e no modo de atuação das antigas dade regulatória e v) que tenham uma significativa neutralidade
modalidades de intervenção estatal na economia), mostra-se
em relação a estes interesses.
necessária a constituição de wm tipo espec@code ÓrgãospÚÓZcos
(públicos tanto por serem dotados de autoridade como por 2.3 0 caráter público das agências
serem abertos ao controle e participação da sociedade), que
O fará/er púó/{codestes entes reguladores tem dupla
enfeixem amP/a gama de competências associadas a uma a//a
acepção. São públicos porque hão de ser órgãos do Estado (pois,
especialização
féc7zíca,
de modo a intervir num determinado selar reitere-se, estamos tratando de regulação estatal, que não deve
da economia (cuja relevância ou essencialidade da atividade
ser confundida com regulação pelo mercado ou auto-regulação),
econâmicajustiHlquem essa intervenção)
dotados de autoridade e revestidos das prerrogativas e condi-
cionantes inerentes a todos órgãos públicos (u.g. que manejam
2.2 Transparência, permeabilidade e neutralidade
poder extroverso).'oPorém, são públicos também no sentido
Estes órgãos públicos devem ser concebidos com ampla
transparênciae permeabi/idade,
de modo a receber e processar
demandas e interessesdos regulados, dos consumidores e do 29A esse respeito ver SUNDFELD. Cardos Ari. Fundamentos de D/re/to Púb//co. São Paulo: Malheiros.
1996.p.147 etseq.
próprio poder político. Dos regulados porquanto os órgãos de
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 49
48 Floriano de Azevedo Marques Neto

o setor regulado e que, portanto, sua atuação seja focada na


de abertos ao público, é dizer, transparentes na sua forma de
sua área de especialidade. Neste sentido, a especialidadese
atuação e permeáveis à participação dos administrados (regu-
presta não apenas a garantir maior eficiência regulatória, como
lados ou cidadãos) no exercícioda autoridade. Daí o porque
também sepõe como um instrumento para reduzir a assimetria
de os entes com fiinções regulatórias terem um caráter orgãmco
informacional(entendida como o déficit existenteentre o
que, a um só tempo, sqa apto ao exercício da autoridade e
patamar de informações que o regulado possui sobre a ativi-
permeável à participação da sociedade
dade em relação ao arcabouço de informações acervadas pelo
2.4 A multiplicidadede funçõese competênciasdas regulador). A especialidade, portanto, relaciona-se diretamente
com a legitimação técnica dos entes reguladores.
agências
A mw/fiPZjcdado de./ünçõese compelêncas é própria da ativi
2.6 A busca do equilíbrio sistêmicocomo eixo da
dade regulatória. A partir do momento em que o Estado opta
atividade regulatória
por intervir na ordem económica como regulador, assume-se
Outra característica que deve ser perseguida na regulação
o compromisso de manejar todos os instrumentos necessanos
é o egzti/íórió.
Equilíbrio que deve se manifestar também em
para, naquele setor da economia, atingir as Hlnalidadesprecípuas
duas acepções. De um lado, o equilíbrio traduzido na mediação,
da regulação. A regulação leva à concentração de funções dado
sopesamento e interlocução entre os vários interesses exis-
o seu caráter pragmático e finalístico (o que legitima a atuação
tentes no setor regulado. Como em outra feita afirmamos, "a
do regulador é sua capacidade de, eficientemente, combinar
emergência de entes reguladores autónomos corresponde
o equilíbrio do sistema regulado com o atingimento de obÜe
indubitavelmente à necessidade do poder político de constituir
uivosde interessegeral predicados para o setor). Para isso é
espaços em que sejam possíveis a articulação e a mediação de
necessário que o ente de regulação possua competências e
interesses, em que seja viável a interlocução com os diversos
instrumentos amplos e efetivos.
pólos de poder político existentes na sociedade contempo-
rânea. Mais ainda, traduz-se como uma resposta à necessidade
2.5 A especializaçãodas agências
A terceira característica se refere à esPeca/ázação.Embora de flexibilidade e de comunicabilidade que revestem o inter-
vencionismo hodierno(intervenção reguladora)."''
não sqa impossível a existência de órgãos de regulação multis-
Esse caráter de busca de equilíbrio pela mediação de
setoriais ou gerais," é típico da atividade regulatória que o
interessesdentro do sistema mediado decorre, de um lado, da
ente regulador seja detentor de profundo conhecimento sobre
necessidade de o Estado interagir com os atores privados como
forma de legitimar sua intervenção na ordem económica e, de

31Ver meu: A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes. In: SUNDFELD. Carlos Ari. D/re/to
.4dm/n/strat;voEconóm/co. São Paulo: Malheiros. SBDP. 2000. p. 80.
e Rega/ação no S/stema Finance;ro. cit.. p. 98-100.
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 51
50 Floriano de Azevedo Marques Neto

Recorrendo uma vez mais a Vital Moleira e Fernanda


outro, do fato de que a regulação é exercida hcje em ambientes
Maçãs, o surgimento dos entes encarregados da regulação
abertos à competição. Neste quadrante, a regulação deve favo-
objetivo "garantir a neutralidade política da gestão administra-
recer não a imposição de pautas regulatórias, mas a busca do
tiva que desempenham, assegurando que o setor sobre o qual
consenso e da mediação de interesses, sem perder de vista a
actuam se desenvolva de acordo com suas próprias regras, as
tutela dos interesses gerais da sociedade. Ou seja, o regulador
regras e os critérios técnicos do setor em causa."'s Importa
deve praticar aquilo que outra feita designei de zmedí(zção-afina."
De outro lado o equilíbrio se traduz também na necessária dizer que essa neutralidade não significa que o regulador atue
contra os interessesdos regulados ou em contraposição aos
estabilidade que deve ser assegurada na regulação. Voltando-se
desígnios do Poder Público. Significa, sim, que no exercício de
ela para setoresem que se quer ver vicejar a competição e a
suas atividades o ente regulador deve manter eqüidistância
atuação dos amoresprivados, coloca-secomo essencialque a
dos interesses verificados no selar regulado, de modo a exercer,
regulação não só não obste como também promova a previsibi-
com prudência e proporcionalidade, suas competências de
lidade de expectativas.
forma a melhor atingir aos objetivos visados com a regulação.
2.7 A importância da neutralidade
Por fim, o traço talvezmais polêmico dessa nova regulação. 2.8 A moderna regulação e os órgãos reguladores
Trata-se da necessária nezt/ra/idade (eqüidistância) que o ente Pois bem. São justamente os imperativos desse novo
cenário da intervenção estatal sobre a ordem económica que
regulador deve manter em face dos interesses regulados, incluídos
aí também os interesses do Poder Público (quer quando controle ensejaram a criação das agências reguladoras não só no direito
brasileiro como em diversos países, mormente no direito
algum operador sujeito à regulação, quer no tocante aos prõpnos
interessesde ordem geral que se queira ver imprimidos no europeu. Importa destacar, porém, que não necessariamente
os entes incumbidos de regulação carecem de se constituir na
setorregulado).
configuraçãojurídíca de agências. Entre nós, por exemplo, o
primeiro órgão de regulação setorial criado foi o Banco Central
do Brasil (por intermédio da Lei Federal n' 4.595, de 31 de
dezembro de 1964)," embora haja na doutrina quem identi-
fique essa primazia em outros órgãos distintos." Afirmamos

33Autoridades Reguladoras Independentes. cit.. p. 29-30.


34Embora criado num contexto em que ainda não se tinha claros os contornos da regulação estatal
na economia. as competências previstas nos artigos 10 e 11 da referida lei não me parecem deixar
margem de dúvidas de que o Bacen assume o papel de órgão regulador do sistema financeiro
3s Manuel Gonçalves Ferreira Filho. por exemplo. identifica como primeiro ente regulador o
Comissariado de Alimentação Pública (criado pelo Decreto n' 13.069. de 12.06.1918) seguido
pelo Instituto de Defesa Permanente do Café (criado em 1923). Apesar dos precedentes. não se
pode identificar nestes órgãos função propriamente regulatória.
Púb//cos.cit.. P. 180).
52 floriano de Azevedo Marques Neto

CaPítul,o 3
isso para dizer que nem todo ente regulador se configura como
uma agência. Porém, e isso é essencial, a regulação estatal, nos
termos acima divisados, nelas encontra um instrumento mais
apto e eficiente para seu exercício. As Agências como Autoridades
Reguladoras Independentes

Sumário: 3.1 Problemas conceituais: o nome "agência" - 3.2 A


autoridade das agências - 3.3 A atividade objeto das agências e
suas características - 3.3.1 A amplitude dos poderes das agências
3.3.2 A capacitação técnica - 3.3.3 A permeabilidade à sociedade
- 3.3.4. A processualidade- 3.4 Aindependência - 3.4.1 Indepen-
dência e agentes regulados - 3.4.2 Independência e consumidores
- 3.4.3 Independência e poder político - 3.5 Duas espécies de
independência: orgânica e administrativa - 3.5.1 A independência
orgânica: estabilidade dos dirigentes e ausência de controle hierár-
quico - 3.5.1.1 Estabilidade dos dirigentes - 3.5.1.2 Ausência de
controle hierárquico 3.5.2 Independência administrativa: meios
para exercer a regulação independente - 3.5.2.1 Autonomia de
gestão - 3.5.2.2 Autonomia financeira - 3.5.2.3 A liberdade para
organizar seus serviços - 3.5.2.4 Regime de pessoal compatível -
3.6 Conclusão: a imprescindibilidade da independência

3.1 Problemas conceituais: o nome "agência"


As agências foram introduzidas no direito brasileiro
exatamentepara desempenhar essa moderna regulação. A
designação adorada, porém, não nos parece tenha sido das
mais felizes. O termo agênciasfoi, claramente, importado do
direito americano. Duas inconveniências desaconselhariam a
aflorão dn n nmp
A primeira inconveniênciadecorre do fato de que no
direito americano o termo agemcesé utilizado para designar o
gênero órgãos públicos, envolvendo tanto aqueles órgãos que
aqui se quis designar (as iHdePendenf
reg /aforaagemciesou
índePendenfrPgztZafor}
commissio?z)quanto outros órgãos não
dotados das características de órgãos reguladores (o que lá nos
Agências Reguladoras Independentes - fundamentos e seu Regime Jurídico 55
54 Floriano de Azevedo Marques Neto

conceito de agênca para a grande maioria de órgãos regula-


EUA designam-se execufáue agenciei). Assim, o primeiro dores modelados nos termos acima. Não obstante, há casos de
problema decorreu da indé@ irão /ermino/ógica dí/ada desde ioga
entes de regulação que não foram denominados de agências
pela oügem do zo?ne."
A outra inconveniência se relaciona à dificuldade de como é o caso da Comissão de Serviço Público de Energia do
Estado de São Paulo.
encaixe do termo na tradição do direito brasileiro.
Menos por razões de purismo conceptuale mais por uma
Primeiro, porque a designaçãoagéHcias já fora utilizada
questão didática e metodológica, de nossa parte preferimos
no sistemajurídico para designar outros objetos (por exemplo,
utilizar o termo Hzl/orídades Rega/adoras /ndePemdenfes para
as agências de desenuoZuÍmem&o rpgáotzaZ; as agências de fomento;
designar estes entes reguladores de nova geração. E isso por
as agências como estabelecimentos'7 -- por exemplo, as agências
um singelo motivo. Essa designação (constante na doutrina
de correio franqueadas referidas no artigo 3' da Lei n' 9.648/98;
européia, portuguesa em particular) tem o mérito de nela
ou ainda o contrato de agência do novo Código Civil) "
Segundo, porque a utilização do termo do direito aliení-
embutir os três aspectos centrais para caracterização das
agências: serem elas i) órgãospúóZicos,dotados de autoridade;
gena ensejou uma certa aversão de parte da doutrina no
ii) voltados ao exercício da./ümçãode regulaçãoe iii) caracteri-
sentido de que tratava-se de instituto que não poderia ser
zados pela ndependê7zci(z.Se bem entendidos estes três aspectos,
aplicável ao direito pátrio A simples existênciajá recomendada
estarão expostos os pressupostos das agências no direito brasileiro.
a não importação do termo americano."
A terceira crítica à designação utilizada decorre do fato
3.2 A autoridade das agências
de que quando a Constituição Federal (Cf. artigo 2 1, XI e artigo
O primeiro aspecto é que as agências são órgãos pzZb/iras
177, $2', 111)fez referência expressa a entes reguladores utilizou
do/aços de autoridade, capazes de exercer coercitivamente suas
do termo órgãoruga/apor,e não agências,o que acarreta alguma
atribuições. Exercem função pública, típica de Estado (embora
desconformidade entre as alterações indicadas na Constituição
não apenas aquelas típicas da Administração Pública). Desta-
e sua concretização na legislação ordinária.
camos isso para reiterar que as agências são órgãos criados
O fato é que o nome não tem o condão de alterar a coisa.
para o exercício de regulação estatal, conforme previsto no
E o direito positivo introduziu, deHlnitivamente,entre nõs o
artigo 174da Constituição. Não se confundem com espaçosde
uladoras:A Metamorfose do Estado
exercício de auto-regulação ou de mero concerto de interesses
36Sobre esse tema ver GOMES. Joaquim Barbosa. Agêndas Reg
e da Democracia.Rev/stade D/re;toda Assou iradnres do /Vovó Estado do R/o de do mercado. São órgãos de exercício de funções públicas próprias
./ane/ro. v. XI. p. 93.
37Cf. artigo 1000do Novo Código Civil(NCCB). dos poderes estatais.

" R
38Cf. artigo 710 e seguintes do NCCB
Essencial é ter em vista que as agências exercem função
de Estado. Esse aspecto, aliás, veio perfeitamente delimitado
em decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio de Mello
legislativoe judiciário) não dista muito do nosso.
ao deferir liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Agências ReguladorasIndependentes - Fundamentose seu RegimeJurídico 57
56 Floriano de Azevedo Marques Neto

espécies do gênero autarquia às quais o legislador conferiu


ajuizada pelos então partidos de oposição (hoje no governo)
privilégios específicos ou maior grau de autonomia'z a tal ponto
n' 9.986/2000. Tanto a inicial da ação (bem proposta, arrazoada que ela possa ser considerada dotada de independência.
e fundamentada), quanto a decisão concessivada liminar (no Ocorre que as autarquias, quer pela deHlniçãodoutrinária,
tocante ao deferido para afastar o regime celetista para aqueles quer pelo direito positivo ainda vigente (Cf. artigo 5', 1, do
Decreto-Lei n' 200), são caracterizadas como "o serviço autó-
que exercerão função de agentes de regulação nas agências)
adotaram como fundamento central o fato de que as funções a nomo, criado por lei, com personalidade jurídica própria,
serem exercidas por aqueles agentes revestem-se de caracterís- património e receita próprios, para executar atividades típicas
ticas e relevância que as caracterizam como funções de Estado, da Administração pública que requeiram, para seu melhor fiin-
incompatíveis com a instabilidade e fragilidade do vínculo cionamento, gestãoadministrativa e financeira descentralizada'
trabalhista. A referência ao objeto da autarquia ser a execuçãode
Naquela decisão ficou assentadopelo Ministro-Relator a/iuidadef@ca da Hdminàsfração Pública reforça, é verdade, o
que "Inegavelmente, as agências reguladoras amuamcom poder caráter público das agências. Porém, acarreta alguma descon-
de polícia, fiscalizando, cada qual em sua área, atividades reve- formidade com o fato de que tais órgãos irão deter, dentre
ladoras de serviço público, a serem desenvolvidas pela iniciativa suas funções, competências que não podem ser identificadas
privada. (...) Está-sediante de atividadena qual o poder de propriamente como /@icízs da .4dPiiwásZração,
como é o caso de
fiscalização, o poder de polícia, fazem-se com envergadura suas funções normativas ou quase judiciais que logo adiante
ímpar, exigindo, por isso mesmo, que aquele que a desempenhe abordaremos. Daí por que entendemos que as funções das
sinta-se seguro, atue sem receios outros, e isso pressupoe a agências se caracterizam muito mais como típicas de Estado
ocupação de cargo público... [próprio] àqueles que desenvolvam do que típicas da Administração. E esta diferença estará respal-
atividades exclusivas de Estado (...)"" dada exatamente no regime esPecia/que a lei conferir a estas
O fato de as agências desenvolverem atividades típicas autarquias, uma vez que a atribuição específica de poderes que
de Estado decorre da inerência para a consecução dos obÜetivos
transcendem às comezinhas funções administrativas poderá
da regulação estatal da detenção de poderes e prerrogativas ser feita por lei ordinária.
inerentes à autoridade estatal. Mas há também uma outra
Em suma, deixamos registrado o caráter de órgão público
acepção -- que não vieram enunciadas na decisão da Suprema das agências, dotadas que são de autoridade e, conseqüente-
Corte -- indicativa da naturezajurídica tomada por estes órgãos.
mente, de poder extroverso. E, mais ainda, exercem as agências
Deveras, sabemos que as agências tomaram no direito brasileiro
funções típicas de Estado tanto no que toca ao seu caráter insti-
a configuração de autarquiasem regime especial,'' que são
tucional (essencialidade, estabilidade e indelegabilidade das
D/re/to da Associação dos
42Ver MEDAUAR. Odete. D/re/to .4dm/n/strat/vo A4oderno. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003
as. In: Agénchs Rega/adoras. P. 80
cit.. P. 121
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 59
58 Floriano de Azevedo Marques Neto

funções públicas que Ihe são cometidas), quanto no que tange de regulação. Admitimos apenas que se outorgue a um dos
ao caráter mais amplo de suas funções, que desbordam dos membros do colegiado uma ftJnÇão destacada de direção (cargo
landesde singelas funções administrativas. de Diretor-Geral, Presidenteou Coordenador) apenas para
Porém, como visto nos tópicos anteriores, o fato de exercício de i) funções de gestão e administração orgânica
interna; ii) funções representativas e protocolares; e iii) organi-
exercerem poder extroverso típico de autoridade pública não
zação e coordenação dos trabalhos do órgão colegiado (con-
implica dizer que as agências sejam órgãos caracterizados pela
unilateralidade e impositividade. Como pretendemos ter vocação e direção de reuniões, por exemplo). Exatamente como
demarcado acima, é inerente à moderna regulação o exercício ocorre na tradição dos órgãos colegiados do PoderJudiciário
da autoridade num ambientede composição,negociaçãoe e do próprio Legislativo. A direção colegiada, ademais, permite
mediação perante os interesses envolvidos (o pressuposto do um maior pluralismo de representaçãodentro dos órgãos
equilíbrio acima indicado). Daí por quejá afirmamos em estudo reguladores (com membros indicados por distintas forças polí-
ticas ou mediante alternância dos processos de nomeação),
específico'' que as agências representam, no direito brasileiro,
os melhores exemplos da mudança de paradigma do papel do além de assegurar que o órgão regulador absorva as mudanças
Estado (que passa ao papel de Estado regulador) e da Admi- no cenário político gradualmente, sem rupturas ou alternâncias
nistração Pública (que passa a ter um papel muito mais de bruscas na orientação regulatória (o que se consegue com o
arbitrar conflitos e negociar com a sociedade a consecução de descasamentodos mandatos, o que só é possível num cenário
objetivosde interesse geral do que de ser agente do poder de direção colegiada).
impositivo).
Portanto, há que se ter em vista que as agênciasexercema
3.3 A atividade objeto das agências e suas características
autoridade que thesjoi cometida de modo um tanto diverso da tradição O segundo aspecto das agências, entendidas como Auto-
admtzisfrafiuabrasa/eira.
Juntamente com as característicasda ridades Reguladoras Independentes se prende ao seu oye/o oa
â sala./inaZÍdade.
As agênciasreguladoras, por óbvio, têm por
transparência, participação e processualidade, um destes traços
diferenciais é o fato de, em geral, as agênciasseremdíHgídaspor escopo exercer a regulação estatal sobre a economia. Não
órgãoscoZeÚados, o que discrepa da tradição administrativa brasi- qualquer regulação, mas sim aquela desenhada nas longas (mas
leira. Isso se explica pela necessidade de se tentar evitar que a necessárias) linhas que abrem este trabalho. A finalidade para
a qual foram criadas as agências determina várias de suas carac-
ampla gama de poderes conferidos ao regulador recaiam sobre
um só agente público. terísticas, as quais as instrumentam para o cumprimento dos
Temos conosco que a direção colegiada das agências pressupostosda regulaçãoapresentadosno Capítulo 3 supra.
deveria ser obrigatória para todos estesórgãos reguladores,
sendo atribuídas ao colegiado todas as funções propriamente
3.3.1 A amplitude dos poderes das agências
A primeira característica diz raspe\to à amplitude de poderes

'3 Regra/açáoEstafa/ e /nferesses Púb/;cos. cit.. P. 197.


que as agências possuem. Para bem exercer a atividade
Agências Reguladoras Independentes fundamentos e seu Regime Jurídico 61
60 Floriano de Azevedo Marques Neto

reaulatória nos moldes antes expostos, o regulador deverá descumprimento de regras ou objetivos regulatórios; iv) poder
sanciona/óüo,consistente tanto na aplicação de advertências,
manejar vários instrumentos interventivos,que vão desde a
multas ou mesmo cassações de licenças, como também na
atividade normativa até a aplicação de sanções.
Embora isso possavariar de setor para setor, as agências prerrogativa de obrigar o particular a reparar um consumidor
ou corrigir os efeitos de uma conduta lesiva a algum valor ou
ntes poderes:"
reúnem os seguintes poderes: i) poder normal uo, consistente
interesse tutelado pelo regulador; v) poderESde conefiação, que
em editar comandos gerais para o setor regulado (complemen-
se traduzem na capacidade de, dentro do setor, conciliar ou
tando os comandos legaiscrescentementeabertos e indefinidos);
mediar interessesde operadores regulados, consumidores
ii) poder de o /erga," consistente na prerrogativa de emissão,
isolados ou em grupos de interesses homogêneos, ou ainda
em consonância com as políticas públicas aplicáveis ao setor,
interessesde agentes económicos que se relacionam com o setor
de aros concretos de licenças, autorizações, injunções, com
regulado (malgrado não explorarem diretamente a atividade
vistas a franquear ou interditar o exercíciode uma atividade sujeita à regulação setorial) no âmbito da cadeia económica;'7
regulada a um particular;4õ iii) poder de ./isca/{zczçãodo setor, a e por fim vi) poderesde recomendação,
consistentesna prerro-
qual se revela tanto pelo monitoramento das atividades reguladas gativa, muitas vezes prevista na lei que cria a agência, de o
(de modo a manter-se permanentemente informada sobre as regulador subsidiar, orientar ou informar o poder político,
condições económicas, técnicas e de mercado do setor), quanto recomendando medidas ou decisões a serem editadas no âmbito
na aferição das condutas dos regulados de modo a impedir o das políticas públicas.48
Tal amplitude de poderes traz alguma perplexidade para
i4 Utilizamo-nos aqui do termo "poder" no sentido que Ihe damos no Direito Administrativo. Trata-
se na verdade de um poder-dever.na medida em que o administrador a.quem a lei atribui um parte da doutrina que não aceita que um órgão administrativo
poder há de exercê-lo como um dever. não podendo dele dispor a partir de critérios de vontade.
Todo aquele que tem poder administrativotem também a obrigação de maneja-lo no estrito reúna funções administrativas com outras que seriam típicas
dos outros poderes (a ftJnÇão quase legislativa -- normativa
cumprimento da finalidade que justificou a sua atribuição

MÊili@Ülãiü
llHü:::a::F:xãHI
's Importante notar que o poder de outorga detido pelas.agênciasnão se confunde com a prer:ogativa
p,:. Glnrõn
'buv quase-jurisdicional -- composição de conflitos

decisão. típica de polacas públicas. sobre como. quando e em que condições serão expedidas estas e imposição coercitiva de condutas).'g
outorgam.Essaquestão veio bem equacionada na Lei Ra g.472/97 (LGT). que reservou ao roaer
Executivo (artigo 18. tlj a prerrogativa de organizar as outorgamdos serviços prestados em regime
público (editando o Plano Geral de Outorgam).mas.conferiu à ANATELa competência tartigo l y vi 4zComo é o caso. por exemplo. dos setores que fornecem infra-estrutura ou equipamentos no setor de
para editar os atos de outorga. A necessidadede se reservar.o poder de outorga (vinculado. telecomunicações. ou dos operadores do serviçode gás canalizado com relação ao setor de petróleo.
preferencialmente. por balizas de políticas públicas) decorre do fato de que as condições com que '8 Aqui. por uma questão de uniformidadeadoto o termo "poder de recomendação"embora mais
se leva a cabo o processo de outorga condicionarão a futura regulação sobre o bem ou atividade adequado seja prerrogativas de recomendação. Trata-se aqui da necessidade de integração entre a
outorgada Os termos e condições presentes no ato de outorga integrarão os marcos regulatór os a atuação dos órgãos de regulação com as instâncias centrais do poder político. pois aqueles reúnem
serem observados. Doutro bordo. interesses estatais presentes no momento da outorga poderão nformações sobre o setor regulado que são essenciais para a formulação de políticaspúblicas. Nesta
interferir na regulação'É o caso. por exemplo. da predominância de interesses de arrecadação de perspectiva. cria-se um poder-dever para o regulador. pois este não pode se furtar a fazer recomen-
õnuspela outorga'(quando onerosa). que predicarão condições económicas de significativo impacto dações ou responderconsultas do poder político. da mesma forma como não me parece lícitoque o
na regulação tarifária ou na equação económica de um contrato de concessão núcleo do poder desconsidere as informações ou recomendações do regulador para mais
46Quando a regulação envolve a concessão de serviços públicos surge a questão de saber da adequadamente decidir os objetivos e orientações que se pretende ver impressas no setor regulado
conveniênciado poder concedenteser representadopela agência. Parece que não seja esta a 49Entre nós, já no início da década de 40. Bilac Pinto (Cf. Rega/amentação ffetíva dos Sem/ços de
melhor alternativa. A dissociação entre poder concedente e agência é conveniente. pois. na Ut///JadePúb//ca.2. ed. Atualizadapor AlexandreSantosde Aragão. Rio de Janeiro: Forense,
regulação da concessão.'poder concedente. usuário e concessionário estarão. todos. sujeitos à 2002, p. 119) já propugnava pela concentração de funções típicas dos três poderes nos órgãos de
atMdade do regulador. Portanto. é conveniente que. nos contratos de concessão. a Administração regulação(que ele designava de comissões de fiscalização e controle para os serviços de utilidade
pública). Com extrema lucidez. aludia ele ao fato de que as tais comissões deveriam ser autarquias
Central partic pe como poder concedente. o que reforça a neutralidade.do regulador. A agência com poderes "semi-jurisdicionais. administrativos e normativos" e constituídas por peritos e juristas
pode. inobstante.promoveros atos e procedimentosde outorga e. doutro bordo. integraro com elevado "sentido público
contrato de concessão como agente estatal encarregado de tutelar os interesses envolvidos
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 63
62 floriano de Azevedo Marques Neto

dirigentes, mas também os seus funcionários), para os quais


3.3.2 A capacitação técnica
devem ser levados em consideração fatores de capacidade
Uma segundacaracfezísfica
é a concentraçãode conheci-
específica, conhecimento técnico e, eventualmente, experiência
mento (caPacálação
féc7záca)
que deve residir na agência. Por serem
no setor regulado.''
as agências órgãos incumbidos dessa nova regulação, é essencial
Depois, a pre erupção de condiçõespara que a agência
que ela reúna conhecimentose especialidadessobre o setor
mantenha-se permanentemente atualizada e informada, dis-
objeto da regulação." Isso decorre, desde logo, da característica
pondo de me os e ánsfrzt7?ze?z/os
não só para exigir dos regulados
da especialidade ou especificidade da regulação acima exposta,
informações e conhecimentos por eles detidos, como também
pois o arcabouço de normas, princípios, conceitos e instru-
para acervar estudos, consultorias, pesquisas e para manter
mentos, adequado à intervenção regulatória num setor, nao
seu pessoal permanentemente incentivado e treinado. Isso obvia-
necessariamente será adequado à aplicação em outros
mente remete à necessidade de que estes órgãos de regulação
Porém, a capacidade técnica do regulador é também um
sejam fornecidos de meios para não perder sua capacidade
requisito para a própria legitimaçãoda regulação Quanto mais
técnica, o que, tratando-se os setores regulados de segmentos
a agência (e seus agentes) dominar os códigos, necessidades e
altamente dinâmicos, é um risco permanente
possibilidades do setor regulado, mais será eficiente a regulação
A peida de cat)agitação técnica pelo esuazümento dos meios do
Isso porque quanto mais capacitada tecnicamente for a agência,
menor será a assimetria de informação em relação ao regulado. reg dador(restrição de cargos, achatamento de salários, contin-
Em sendo assim, menor a capacidade de o regulado se genciamento de verbas) se dá por duas vias: perda dos melhores
utilizar em seu favor do fato de conhecer mais o setor regulado técnicos atraídos pelas oportunidades do mercado ou pereci-
mento da base de informações pela sua desatualização (dado
do que o agente estatal (por reunir os dados relativos à sua
que o investimento em acervo de informações técnicas há de
operação, além de ter grande facilidade de obter informações
ser permanente).
sobre o setor em que atua). Além disso, a exPerfzsetécnica e a
especialidade permitem que as medidas tomadas pelo regulador
3.3.3 A permeabilidade à sociedade
tendam ajá levar em conta as especificidades do setor regulado,
A ferreíra catar/erísfíca é a sua necessária permeaóiZidadeâ
facilitando sua eficácia.
socíeü(ü. As agências não podem ser órgãos públicos tradicionais.
4 caPacÍfaçãotécnicada agência deve ser perseguida em
dois momentos. Primeiro, no recrzifamenfo de sezlsagentes (não só
5i Não vemos grandes problemas no recrutamento de técnicos que trabalhem ou tenham trabalhado
em empresas submetidas à regulação. desde que. obviamente. estes indivíduos cortem
absolutamentetodos as vínculos com o antigo empregador (isso envolve também planos de
previdência privada ou aposentadoria complementam pois a mantença destes cria necessariamente
um vínculo de interesse que pode interferir no livre exercício da atividade regulatória). Creio que
neste processo de recrutamento do agente de regulação no mercado existemriscos de contaminação
de interesses infinitamente menores do que no processo contrário (transferência do regulador
para o regulado). situação que deve ser desincentivadae obstada, para o que se prestam os
mecanismosde quarentena que adiante. no texto. abordarei
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 65
64 Floriano de Azevedo Marques Neto

também perante os potenciais beneficiários da atividade das


É pressuposto da atividade que executamque sua atuação sqa
absolutamente condicionada pela abertura aos amoressociais agências. Ou seja, o órgão regulador deverá buscar, perma-
O envolvimento do administrado não deve apenas ser fran- nentemente,a participação dos demais atores da sociedade
(consumidores, grupos de interesse, associações,entidades de
queada, mas deve ser incentivado, promovido, buscado pelo
classe, agentes económicos outros que não os operadores
regulador. Não basta a existência dos mecanismos que facultem
regulados). Isso envolve não só a abertura de canais institu-
a participação. É necessário que eles ensejem a participação
cionais com os administrados, mas especialmente a promoção
efetiva. Se, ainda assim, ela se revelar insuficiente, a agência
de espaços de interlocução com entidades que buscam repre'
deverá reformular tais mecanismos (tornando-os mais acessíveis).
sentar os cidadãos. Isso envolve desde um estreitamento da
A permeabilidade tem dois sentidos.
De um lado, se revela no diálogo permanente, transpa' relação com os organismos de defesa do consumidor, até o
incentivo à criação de associações de usuários de um bem ou
rente e aberto do regulador com os agentes sujeitos à regulação.
serviço objeto da atividade regulatória da agência.
Não será porque o operador haverá de se submeter ao regula-
A permeabilidade da atuação do órgão regulador irá se
mento, à licença, ao plano ou ao contrato que ele não deverá
traduzir em vários mecanismos que tentaremos brevemente
ser ouvido, participar, negociar e tentar fazer prevalecer seus
sumariar. Ela envolve i) mecanismos de participação nas ativi-
interesses. Porém, que isso não ocorra à sorrelfa e sim de forma
dades dos órgãos (consultas públicas, audiências, sessões de
aberta, pública. E a interlocução deverá sedar indistintamente
deliberação abertas, forte incentivo ao contraditório nas
com todos os operadores, inclusive para contrapor Interesses
decisões); ii) a institucionalização de organismos de represen-
e objetivos de amoreseconómicos que competem entre si.
tação da sociedade no cumprimento das funções do regulador
A impermeabilidadedo regulador elnface dos interessesregu-
(conselhos consultivos, por exemplo); iii) a institucionalização
lados pode pâr emlrisco a legitimidade da regulação, pois tara com
dos espaços de interlocução entre regulador e regulado (mesas
que a aceitação das pautas regulatórias repouse exclusiva-
de negociação, comitês técnicos, etc.); iv) na disponibilidade
mente na imposição por força da autoridade, cuja capacidade
aos interessados do acervo de informações amealhado pelo
e eficácia é limitada. Pode-se dizer que esta permeabilidade
regulador, com facilitação de acesso e possibilidade de cruza-
traz o risco da captura pelo interessedos regulados. Porém, o
mento com outros bancos de dados; v) a instituição de agentes
risco da captura é inerente à própria regulação e não ao fato
de ela se dar com abertura ao diálogo com o regulado. De de promoção da permeabilidade e abertura do órgão como as
ouvidorias ou os conselhos de representantes dos operadores
outro lado, quanto mais aberta e institucionalizadafor essa
ou usuários; vi) a formatação de convênios com órgãos governa-
permeabilidade, mais controle poderá ter a sociedade para
mentais ou não governamentais que permitam o intercâmbio
coibia a captura.
de experiências, demandas e informações relevantes para o
Porém, a permeabilidade não pode se revelar apenas na
setor regulado; vii) a difusão e incentivo da criação, na sociedade,
interlocução com os sujeitos à regulação. Ela deve se efetivar
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 67
66 floriano de Azevedo Marques Neto

de agrupamentos voltadosa participar da atividade regulatória


3.4 A independência
(conselhos de usuários, comitês de acompanhamento dos O terceiro e último aspecto a ser destacado é que estamos
diante de autoridades reguladoras dotadas de {ndependê7zcia.sz
regulados, etc.).
Esse talvez seja o aspecto mais polêmico destes novos órgãos
3.3.4. A processualidade de regulação. "0 traço essencial de tais organismos é natural-
A qaarfa caracferísflca é a process a/idade que deve mente a sua autonomia ou independência dos respectivos
caracterizar a atividade das agências.O manco da ampla gama membros. Não estão organicamente integrados na adminis-
tração ordinária do Estado, nem estão sujeitos a orientações
de poderes que detêm as agências obriga que, no seu exercício,
ou controle governamental quanto à condução da sua ativi-
estejam elas absolutamente adstritas ao devido processo legal,
dade."" Trata-se de uma decorrência daquele requisito de
na sua acepção mais ampla (devido processo legal substantivo).
neutralidade da regulação que acima divisemos. Como afirma
Não é por outro motivo que a peça'chave do direito adminis-
Sala Arquer "la independência es la garantia de la neutralidad"."
trativo americano seja o ÀederaZ4dmnás/raZ ue ProcedurpHcf,
ssA independência das agências constitui praticamente
editado para disciplinar a atividade das Agências Reguladoras
um elemento de sua definição.'õA razão para tanto não nos
Independentes no direito americano. É fato que, concentrando
parece muito complexa. Dissemos há pouco que o surgimento
poderes como acima demonstrado, coloca-se a necessidade de
destes órgãos coincide com um novo estágio da regulação
que a atividade das agências seja rigorosamente submetida a
estatal marcado pela separação entre o prestador do serviço
normas processuais. essencial e o ente encarregado de regula-la. Em' se tratando
Observância de prazos, procedimentos absolutamente de serviços ou atividades de relevância coletiva, de elevado
detalhados, formas de assegurar os direitos dos administrados,
impacto social, teremos sempre uma relação tripartida. Há i)
mecanismos para exercício do contraditório, critérios de aferição o produtor da utilidade pública; ii) o seu consumidor; e iii) o
da proporcionalidade nas condutas regulatórias, todos estes Poder Público.
dispositivos têm de estar previstos (e garantidos) no exercício
das funções das agências. s2Prefiro utilizar o termo independênciaem vez de autonomia. pois este último poderia dar a
entender que estamos diante das tradicionaisautarquias do direito brasileiroquando. como já
O traço de processualidade, portanto, se manifesta tanto expus. entendo serem as agências espécies muito particulares de autarquias. Não obstante. o
termo independência não deve dar a entender que se tratem estes órgãos de entes absolutamente
pela observância da idéia de processo(que compreende a figura não submetidos a qualquer controle. De minha parte. entendo que a submissão a mecanismos e
instânciasde controle. ao contrário de ser írrito à independência.constitui traço essencial.Daí
de partes e o respeito aos seus direitos e à sua participação por que independência das agências deve caracterizar o encaixe bastante específico e excepcional
destes órgãos nos poderes do Estado. mas nunca a sua imunidade aos controles institucionais.
para o manejo da função pública), quanto no aspecto procedi- como adiante exporei.
53MOREIRA. Vital. .Auto-Rega/ação Prof7ss/ona/e Ádm/n/stração Púb//ca. cit.. p. 51 .
mental (detalhamento do rito e dos procedimentos a serem s4 SALA ARQUER. Jose Manuel. EI Estado Neutral. Contribución al Estudio de las Administraciones
Independientes.Rev/stafspaõo/a de l)erecto .4dm/n/strat/vo.v. 42. 1984. p. 8
necessariamente observados pelo regulador para exercício de
5sOs parágrafos seguintesseguem. em linhas gerais. o que escrevi há mais de três anos e que está
publicado na obra coletiva organizada por SUNDFELD. Carlos Ari. C)/re/to4dm/n/strat/voEconóm/co.
suas atividades). cit.. p. 72 et seq
5õCf. GALLI. Rocco. Corso d/ l)/r/tto .4mm/nütrat/vo. 2. ed. Padova: CEDAM. 1996, p. 177.
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 69
68 Floriano de Azevedo Marques Neto

o órgão regulador deve poder divisar os interesses gerais que


A independência se põe, portanto, essencial para que o
tutela os interesses específicos (embora legítimos) dos regulados.
regulador possaexercer suas funçõesde forma eqüidistanteem
Um dos principaiselementospara a efetivaçãodesta
relação aos interesses dos regulados (operadores económicos),
independência são os mecanismos de impedimento do recru-
dos beneficiários da regulação (os usuários, consumidores,
tamento, pelos regulados, de quadros dirigentes do órgão
cidadãos) e ainda do próprio poder político, ficando protegido
regulador (a chamada gaare7zfea). Com efeito, a possibilidade
tanto dos interesses governamentais de ocasião, quanto dos
de o agente regulador passar, de inopino, a ocupar posição de
interesses estatais diretamente relacionados ao setor regulado
relevo no regulado, coloca seriamente em risco a independência
(como titular da atividade objeto da regulação -- no caso de do órgão. Não que se pressuponha qualquer tipo de impro-
serviços públicos --; como titular de bem explorado no setor bidade na fase anterior à transferência.
-- no caso de bens públicos escassosou de bens reversíveis --; e Porém, após a sua ocorrência temos duas circunstâncias
no caso de titular do capital de empresa que opera no setor indesejáveis: i) o regulador, convertido em executivo do regu-
regulado -- nas situações em que o setor foi aberto à compe- lado, leva consigo um cabedal de informações que, ainda que
tição, mas nele remanesceram operadores públicos)- não utilizadas diretamente, fazem desaparecer a necessária
Segue daí que, para que tenhamos o pleno exercício da fronteira de interesses; ii) a sociedade tende a perder a confiança
regulação sobre esta atividade (inclusive buscando a efetivação no regulador e a pressupor que toda a atividade regulatória se
das pautas de interesse geral estabelecidaspara o setor regu- desenvolveem perigosa promiscuidade. Daí por que tem-se
lado), será necessário que o ente dela encarregado man-tenha cada vez mais relevante a introdução da chamada quare7z/ema,
uma certa autonomia em relação a estes três blocos de interesses sendo para nós absolutamente natural e necessário que o Estado
que, normalmente, não são combináveis,nem multo menos arquecom os ânus deste mecanismo de segurançado sistema.s'
coincidentes. Se bem é verdade que a quarentena não impedirá que, supe-
rado o prazo de impedimento, tenhamos o mercado absorvendo
3.4.1 Independência e agentes regulados quadros do regulador, ela ao menos obsta o fluxo de infor-
Obviamente, o órgão regulador deve ter total inde- maçõesno sentido do regulador para o regulado e permite
pendência perante os agentes económicos exploradores da uma demarcação de períodos entre a atuação do agente no
atividaderegulada. Perder tal independência significaria negar âmbito do regulador e, após, no mercado.
a própria razão de ser da regulação. Repetimos que isso nao
haverá de significar que a atividade regulatória deva ser exer- 57A meu ver. a melhor forma de efetivar tais mecanismos é com o estabelecimento da proibição de
que o dirigente ou detentor de cargo relevante no órgão regulador represente qualquer interesse
cida contra o regulado. No novo contexto da regulação estatal da regulada. por um período mínimo de doze meses após deixar seu cargo. Neste período. cumpre
ao Estado pagar pelo seu sustento o valor correspondenteao que ganhava no cargo. Em que
pesem as críticas a tal mecanismo.afirmando que isto caracterizariapagamento de salário sem
que aqui tratamos (onde o traço da competição e da pluralidade contrapartida. discordo da crítica. A natureza destes pagamentos é indenizatória. voltada a reparar
a restrição do direito do indivíduotrabalhar. De todo modo. a pior solução parece ser aquela
de prestadores constitui eixo vetorial), os operadores da ativi- oferecida pela Lei Federal Ro 9.427/96 que determina que os dirigentes da ANEEL. após deixarem
o cargo; permanecerão por um ano prestando serviços para aquela agência e sendo-lhes defeso
dade regulada são parte fundamental. Porém, em que pese atuar para os regulados. Nesta regra. o dirigente permanecevinculadoao órgão. obtendo
informações e participando da atividade regulatória. A quarentena de nada servirá.
manter com eles uma permanente e transparente interlocução,
Agências ReguladorasIndependentes - Fundamentose seu RegimeJurídico 71
70 floriano de Azevedo Marques Neto

3.4.2 Independência e consumidores como ocorre, por exemplo, quando o agente regulador cede a
Do mesmo modo, embora deva ter um compromisso pressões de grupos específicos de consumidores, criando pleitos
forte com os consumidores (em benefício de quem deve se dirigir indenizatórios dos prestadores dos serviços que, via equilíbrio
a regulação), a agência não pode se transformar num simples económicofinanceiro, são transferidos para o Poder Público
e incondicional promotor do interesse do consumidor, desco- e, pela via fiscal, para toda a gente
nhecendo as outras dimensões da atividade regulatória. Tal
atividade não pode se traduzir num populismo regulatório. 3.4.3 Independência e poder político
Se o fizer, poderá estar descurando da proteção do interesse do Porém, a dimensão da independência mais polêmica é a
indivíduo, que não pode usufruir do serviço (o que denomi- que tange à articulação com o poder político. Parece-nos abso-
namos de consumidor potencial)," para atender apenas ao lutamente relevante que a atividade do órgão regulador seja
interessedo usuário, em regra mais aquinhoado, algo muito protegida das vicissitudesdo poder político. Bem é verdade
comum quando se discutea Hlxaçãode tarifas em serviços que será no âmbito governamental (envolvendo Executivo e
públicos. Do mesmo modo, o atrelamento exclusivo ao interesse Legislativo) que serão definidas as pautas, as balizas, da ativi-
do usuário pode levar, em situaçõeslimite, ao aniquilamento dade regulatória: as leis que suportam os instrumentos regula-
de parcela dos exploradores da atividade I'egulada, acarretando, tórios e as macro-políticas para o setor. Porém, definidos estes
a longo prazo, a redução da competição (com a oligopolização marcos, devem as agências desenvolver sua atividade com um
ou monopolizaçãodo mercado específico)-Por fim, a exorbi- grau elevado de independência em face do poder político,
tância na tutela dos interessesdos usuários pode acarretar sob pena de se converterem em meras /o?zgama?zwsdo núcleo
prquízos para o Poder Público (é dizer, para a coletividade), estratégico estatal.
A especificidade e a especialidade, que predicam a neces-
sidade de um setor contar com um órgão regulador próprio,
interditam que a atividade regulatória seja permanentemente
pautada pela interferência política. A nova regulação é, sem
dúvida, um instrumento de implementação de uma política
pública num determinado setor. Não pode, porém, se trans-
formar em instrumento dojogo político em particular.
Um exemplo parece ser ilustrativo. Deve o órgão regulador
deter suficienteindependência (apoiada pelos instrumentos
legais adequados) para, por exemplo, se opor ao interesse de
um governanteque, numajogada eleitoral, ingentereduzir à
via de regra mais articulados e mobilizados. metade as tarifas praticadas para um determinado serviço
Agências Reguladoras independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 73
72 floriano de Azevedo Marques Neto

essencial. A independência aqui deve servir para que o órgão


3.5.1 A independência orgânica: estabilidade dos
regulador seja um instrumento de política governamental e
dirigentes e ausência de controle hierárquico
não um instrumento de política de um governo. Ademais, pelo A í7zcbPezz(!âzcüz
Olgánicapertine ao exercício das atividades-
tanto que acima expusemos, o próprio provimento dos postoS- íim da agência e se traduz na existênciade mecanismosaptos
chave de um órgão deste pernil deve se pautar por critérios a assegurar que os agentes reguladores não estarão subordi-
técnicos e a indicação destes agentes, a nosso ver, não pode nados à vontade política do poder central para além das metas,
ser ato exclusivodo chefe do executivo,mas deve envolver objetivos e princípios constantes das políticas públicas estabele-
inclusive o legislativo, mediante sabatina e aprovação dos cidas para o setor.Já daí percebe-se que a indePe?zdêncüorgânica
nomes pela instância parlamentar.s9 se presta a assegurar amtlLa, autora,omh 'no manejo dos in,strum,antas
Em suma, a independência das agências as torna menos regu l(ltóüos .
atreladas ao curso do devir político, em especial, das variáveis Não se confunde tal independência com uma liberdade
eleitorais, muito mais dependentes da permanente comuni- conferida ao regulador para fazer o que bem entender com o
cação, balizada por objetivos previamente definidos, com o setor regulado. Sua atividade há de ser condicionada i) pelos
setor específico objeto da sua atividade regulatória.õo princípios e objetivosprevistosna lei que o criou; ii) pelos
princípios gerais que regem a Administração pública e em
3.5 Duas espécies de independência: orgânica e especial a atividade regulatória;'' iii) pelas políticas públicas
ad ministrativa
estabelecidasdireta ou indiretamente (via reflexay' para o setor.
Podemos identificar duas espéciesde independência de
No entanto, para além destes condicionantes, haverá que
que devem se revestir as agências. De um lado, temos a i#de@en-
se respeitar a independência do regulador, entendida, pode-
dêncía o?genica. De outro, a i7zdePendêzzcü
adminisfrafíua. Trata-se
se dizer, como uma proteção especial contra ingerências na
de dimensões distintas, mas que se complementam particular-
atividade regulatória. Algo que se afirma como essencial na sepa-
mente porque a independência orgânica será inviabilizada se
ração entre a atividade regulatória e a função governamental.
o órgão regulador não possuir mecanismosque assegurem
independência nasua gestão.
3.5.1.1 Estabilidadedos dirigentes
Alguns instrumentos se prestam, conjugadamente, a garantir
s9 Esta sistemática tem ensejado polêmicas entre nós em função da prescrição constitucional que
comete ao Chefe do Executivo a competência para prover os cargos de direção da Administração a independência orgânica. O principal deles é a esfaó / Jade dos
Em que pese ter já o Supremo TribunalFederalse manifestado. reiteradasvezes. no sentido de
que não pode a lei introduzir outra sistemáticade provimentodestes cargos que prescindada
vontade do Chefe do Executivo. tenho cá comigo que isso não torna ilegal a previsão legal de que õi Onde avultam com importância destacada princípios como o da subsidiariedade. proporcionalidade.
a indicação do presidente. governador ou prefeito terá de ser referendada pelo Parlamento. Isso razoabilidade. transparência. eficiência e participação
porque. neste caso. não se está manietando ou vinculando a vontade do governante eleito. mas õ2Há políticas públicas que incidem sobre um setor ainda que não se tratem de políticas públicas
criando um procedimentocomplexodo qual este participade forma determinante. para o setor. Bom exemplosão as políticas de desenvolvimentotecnológico ou industrial que.
óoAcerca da importância da "democratização" nas relaçõesentre autoridade regulatória independente pela via dos insumos básicos. acabam por ter relação com o setor regulado e. portanto. não
e os diversos atores sociais envolvidos. tendo por foco de análise o Banco Central. ver: RUA. Mana poderão ser descumpridas pelo regulador. O mesmo ocorre com políticas setoriais incidentes. não
das Graças. A Independência do Banco Central: Administração ou Política?. In: DINIZ. Eli; AZEVEDO. sobre o setor regulado. mas sobre atividade que possui interface. na cadeia económica. com o
Sérvio de. Reforma do Estado e l)emocrac/ano Bus;/. Brasília:Ed. UnB. 1997. p. 143-170. objeto da regulação. A estas hipóteses designo de políticas públicas de interferência reflexa.
74 Floriano de Azevedo Marques Neto Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 75

dirãgenfes
das agências." Esta estabilidadese traduz a) na 3.5.1 .2 Ausência de controle hierárquico
investidura de mandatopara os dirigentes (Hlxaçãode um prazo Ainda no plano da independência orgânica, à estabilidade
para exercício das funções) e b) na conseqüente inamouáói/dado dos dirigentes soma-se a aztséncía de mecanismos f@ cos do confio/e
(não demissibilidade)destesdurante o período do mandato, #ierárqaico.É dizer, os atos praticados pelas agências não são
salvo em circunstâncias excepcionais (prática de aros de impro- passíveisde anulação, revisão ou revogação por parte dos diri-
bidade, condenação criminal, descumprimento reiterado dos gentes do órgão da Administração central aos quais os órgãos
objetivos do setor). reguladores são institucionalmente vinculados. A razão da
Essa estabilidadeassegura, em última instância, que o inexistência de controle hierárquico é de fácil entendimento.
regulador poderá exercer suascompetências sem estar ameaçado Se admitida esta espécie de controle, os órgãos da Adminis-
de ter sua atuaçãointerrompida por ato de vontade dos diri- tração direta poderiam interferir permanentemente na ativi-
gentes do poder central. Tal aspecto relevante da independência dade do regulador, monitorando seu fitose, sempre que tomados
das agênciasfoi bem percebido pelo Ministro Marco Aurélio em contrário à vontade política existente no núcleo do poder,
de Mello quando, ao deferir liminar em Adin já referida, desfaziamo ato reformando-o ou determinando o seu refazi-
asseverou"Ninguém coloca em dúvida o objetivo maior das
mento." Assim, descabem, no âmbito interno ao poder execu-
agências reguladoras, no que ligado à proteção do consumidor,
ineficiência, domínio tivo,õõtanto a tutela dos atou praticados pelo regulador, quanto
sob os mais diversos aspectos negativos
a sua revisão de ofício ou mediante recurso do interessado.õ7
de mercado, concentração económica, concorrência desleal e
aumento arbitrário de lucros. Hão de estar as decisões destes
órgãos imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, õsComo bem lembra Alexandre Santos de Aragão. a existência do controle hierárquico "deitaria por
terra todo o arcabouço institucionaltraçado pelo ordenamentojurídico para as agências
sempre, o contorno técnico. É isso o exigível não só dos reguladoras. tornando inócua. por exemplo. a vedação de exoneração adnutum de seus dirigentes
O espírito da disciplina destas entidades. que é justamente o de afasta-las das injunções político-
respectivos dirigentes -- defezzlores de mazzdafo --, mas também eleitorais fugazes e casuísticas. restaria totalmente corrompido se o Ministro ou Presidente da
República pudesse a qualquer momento impor caso a caso sua vontade."(Cf. 4génc/asRega/adoras
dos servidores (...)"" Rio de Janeiro: Forense. 2002. p. 349)
õõClaro deve estar que estes atos são passíveis de revisão peloJudiciário. Demarco que a independência
orgânica não significa. de modo algum. a ausência de qualquer controle da atividade das agências
Tais órgãos devem se submeter -- e de algum modo já se submetem -- a um conjunto de
õ3E interessante notar que foi justamente este aspecto(estabilidade dos dirigentes das agências) que mecanismos de controle. O que se quer afastar aqui é o controle de tipo hierárquico. que levaria
levado à apreciação da Suprema Corte Americana. ensejou a decisão que passou a admitir a existência à submissãodo regulador à cadeia de comando do Poder Executivo
destes órgãos (protegidos face ao Chefe do Executivo).Trata-se do célebre caso Humphrey Executor
X EUA. julgado em 1935 (295. U.S. 602, 55 s. Cit« 869. 79. L. Ed. 1611) onde se discutia basicamente õzSomente em duas hipóteses entendo que seria possível se cogitar de exercício do poder de controle
o direito de o regulador (William E. Humprey) seguir à frente do Federal Trade Comission. para a de viés hierárquico em face de ato do regulador dotado de independência.A primeirahipótese
qual ele havia sido nomeado pelo Presidente Houver por um mandato de 7 anos(que só se expiraria cuidaria de flagrante descumprimento de políticas públicas pelo regulador quando então calharia
em setembro de 1938). Ao assumir o governo. o Presidente Roosevelt pretendia nomear algum ao p?rticular atingido se socorrer do disposto no artigo 5', XXXIV (direito de petição contra
próximo seu para substituir Humphrey. Este. porém. não aceitando retirar-se do cargo. foi demitido ilegalidadeou abuso de poder). para comunicar a ilegalidade praticada pelo reguladore exigir
por Roosevelt em outubro de 1933. Faltando:lhe ainda cerca de cinco anos de mandato. assegurado que a mesma seja reparada. A segunda hipótese ocorreria em situaçõesem que. no âmbito do
por lei federal (o FederalTrade Comission Act). Humphrey recorre ao Judiciário pedindo que fosse regulador. uma decisão é tomada em caráter originário e definitivo pelo órgão máximo da agência.
indenizado pelo prazo restante. A questão chega à Suprema Corte em 1935. E. na oportunidade. mpedindo qualquer recurso válido no seu âmbito. Nesta hipótese. creio que caberia ao particular.
decide-se por distinguir as executiveagencies das independent agenciei. admitindo para estas a respaldado no disposto no artigo 5'. LV. invocar o devido processolegal para fazer valer o seu
possibilidade de serem imunes ao controle do Chefe do Executivoe a admissibilidade de que por lei direito de ver a,questão analisada pelo menos em uma instância de recurso distinta daquela que
os seus dirigentessejam investidosna função por prazo de mandato. É importante notar que o praticou o ato. E por esta segunda possibilidade que se faz necessário que as decisões das agências
PresidenteRoosevelt.que iniciou seu mandato confrontando a independênciada FTC. logo se sejam tomadas inicialmente nas suas instâncias inferiores e de forma criteriosa e motivada. permi-
apercebeu da importânciadestes mecanismosde intervençãoestatal. passando para a história tindo que os órgãos colegiados de direção superior da agência atuem como instância recursal
como o governante americano que mais alavancou a autonomia das agências efetiva. Sem isso. creio. estará o particular legitimado para procurar outras instâncias administra-
õ' Cf. Ação Direta de InconstitucionalidadeRo 2.310-DFIcit. tivas para exercer seu direito de recorrer.
76 Floriano de Azevedo Marques Neto
Agências Reguladoras Independentes - Fundamentos e seu Regime Jurídico 77

3.5.2 Independência administrativa: meios para exercer 3.5.2.2 Autonomia financeira


a regulação independente Já a aa/anemia./i#anceirnse caracteriza pela garantia de
Também essencialé a í7zc&Pe7zdêzzcü
admánüfríz/iua.
Como que os recursos financeiros necessários à atividade da agência
dissemos, malgrado toda a proteção institucional de que se reveste,
não dependerão da gestão do tesouro (ou seja, sua liberação
a independência orgânica poderá servir de nada se a agência não demandará boa vontade do poder central).
não tiver meios para aduar.A independência de gestão cuida,
Embora esse objetivo possa ser buscado mediante previsão
portanto, de garantir uma liberdade de meios para a boa atuação
legal, o ideal e corrente é serem criadas fontes próprias de
do regulador. Trata-se de dota-lo de recursos e instrumentos para
exercer suas atividades sem necessidade de recorrer ao poder recursos-p'arao órgão, se possível geradas do próprio exercício
central. Ela se traduz nos seguintesmecanismos i) a autonomia da atividade regulatória (especialmente mediante a instituição
de gestão do órgão; ii) autonomia financeira; iii) liberdade para de taxa para fazer frente às diversas manifestações de poder
organizar seus serviços; iv) regime de pessoal compatível. de polícia encontradiças nas agências). Quando as receitasdas
agências provierem da cobrança de taxas, é importante dizer,
3.5.2.1 Autonomia de gestão as recursos aHfevidos deverão ser necessa lamente despe\ditos no
A aufonomüdegé?suão envolvedotar a agência da capacidade exerrü o da a/juádadeZPgz&/afóãa.O não emprego destes recursos
de organizar e gerir seus orçamentos (claro que observadas as pela agência (por serem exagerados em face das necessidades
regras gerais de direito financeiro e os mecanismos de controle do órgão,.ou por serem objeto de medidas fiscais de contingen-
da gestão pública), alocando os recursos disponíveis nas ativi- ciamento ou bloqueio por parte dos órgãos fazendários) pode
dades que, ao ver do órgão, sejam prioritárias e necessáriasao levar os partliculares sqeitos passivos destes tributos a recorrer
bom exercício de suas atividades. Tal autonomia, no nosso en-
aoJudiciário para deles se desonerar, alegando ou excesso de
tender, interdita contingenciamentos ou cortes orçamentários que
tributação (a taxa tem valor maior do que o necessário para
sejam feitos para atender a objetivos de política monetária ou fiscal.
exercício da atividade regulatória, tanto que não está sendo
Ela também torna absolutamente incompatível com as agências
aplicado) ou desvio na finalidade do tributo (que no caso da
reguladoras a previsão de contratos de gestãocomo, por exemplo,
taxa, imposto intrinsecamente vinculado, leva à inviabilidade
ocorre no caso da Agência Nacional de Energia Elétrica -- ANEEL,
de sua cobrança).
conforme previsão do artigo 7' da Lei n' 9.427/96.m
Daí por que temosinsistidoque, inobstantea nobreza
68Em outra oportunidade escrevi: "De outro lado. parece fora de dúvida que as metas e.objetivos do dos seus objetivos, o cerceamento da autonomia financeira das
órgão regulador não devam estar previstosem contratos. Eles correspondem à própria.política
pública para o setor e. como tal. deverão vir contidos na Lei ou nos instrumentos normativos por
ela indicados. Também não nos parece razoável atrelar a atividade dos dirigentes de uma agência
agências pelas autoridades fazendárias, para além de compro-
a metas de gestão em função do atingimento das quais possam receber bónus(!) ou então perder meter a ativídade dos reguladores, pode produzir um efeito
o cargo. A estabilidade dbs dirigentes de um órgão regulador. já dissemos. é elemento central
para sua autonomia. E. além das hipóteses de desvio de conduta ou improbidadet.estes dirigentes deletério para as finanças públicas. A autonomia financeira.
somente devem ser afastados se a agência não estiver cumprindo a política pública definida nos
termos da Lei para o setor. Em uma palavra. pretender adstrir as agências a contratos de gestão de resto; é, imprescindível para que o regulador tenha meios
significa -- além de uma ignorância do que sejam e para que sirvam os dois instrumentos(agência
e contrato de gestão) -- quitar a independência e a autonomia destes órgãos, sem as quais não se
exerce a atividade regulatória." (Cf. A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes. In adequados para o exercício de suas atividades. A pior captura
SUNDFELD, Carlos Ari. D;feito 4dm/n/strat/voEconómico. cit. p. 88-89).
que pode acometer uma agência é aquela de engessar suas
78 Floriano de Azevedo Marques Neto
os e seu Regime Jurídico 79

funções por falta de meios adequados ao seu exercício,


órgão de direção da agência (nunca ao chefe do Executivo ou
transformando-a num simulacro .
seus auxiliares).'9 Por fim, os demais cargos que exerçam
funções inerentes à atividade regulatória, os quais deverão
3.5.2.3 A liberdade para organizar seus serviços
A liberdade para organizar se s será/içou é a característica
inerentes à carreira de servidor público ocupante de funções
que mais se aproxima do conceito clássico de ente autárquico. de estado.70 ' ' ' ''''*
Trata-se da liberdade para determinar, internamente, como
A especificidade do regime de pessoal das agências, doutro
serão alocadas as competências e atribuições dos agentes para
exercício das atividades regulatórias. Isso envolve (obviamente
lado, deve envolver a adoção de padrões de remuneração
compatíveis com a relevância da atividade, de um lado, e com
observadas as condicionantes previstasna lei que criou a agência)
não só a prerrogativa de organizar-se funcionalmente, como a realidade do setor regulado. De outro, embora sempre haja
uma defasagem entre o que o Estado pode pagar aos seus servi.
também de distribuir-se regionalmente. Envolve também a
dores e aquilo que paga o mercado, essa diferença não pode
liberdade para optar por firmar contratos ou convênios para
ser tal que se Configure como uma desfeita, um desincentivo
obter o concurso de terceiros.
aos técnicos incumbidos da regulação.

3.5.2.4 Regime de pessoal compatível


3.6 Conclusão: a imprescindibilidade da independência
Por Him,está a prerrogativa (e a necessidade) das agências
Hemos conosco, portanto, que o aspecto da independência,
possuírem um regime de pessoa/ comPalíz/eZcom a natureza das
além de fechar a caracterização das agências como autoridades
suas atividades. Neste sentido compartilhamos com o entendi-
reguladoras independentes, constitui traço essencial destes
mento dado pelo Ministro Marco Aurélio sobre a necessidade
órgãos. São os instrumentos asseguradores da independência
de um regime funcional mais estável para os agentes encarre-
gados da regulação. Não faz qualquer sentido que os dirigentes que permitirão o exercício da regulação com vistas ao equilíbrio
do sistema regulado e à impressão (ponderada e prudente)
dos órgãos de regulação tenham estabilidade (mandatos, não
das pautas de políticas públicas definidas para o setor. Desta-
indemissibilidade imotivada) e os demais agentes sejam demis-
síveis por ato de vontade quer dos dirigentes das agências, quer camos uma vez mais, que a independência se demarca a partir
de instrumentosjurídicos, mas só se consagra se o re " r-' or
(o que é pior) da Administração central. Isso signiHlcadizer que
nas agências haverá três ordens de regimes de pessoal. Os diri- detiver. meios e instrumentos para bem exercer suas fi nções e
gentes máximos (integrantes do órgão de direção colegiada) 69

que terão cargos de investidura por prazo certo. Os demais


agentes que exerçam funções de direção (supervisores, gerentes,
superintendentes,coordenadores, etc.) que poderão ocupar
cargos de confiança cuja nomeação, porém, deverá caber ao
80 Floriano de Azevedo Marques Neto

Cat)ítuto 4
tiver rigor e transparência para assegurar à sociedade que os
objetivos da regulação continuam sendo públicos.
A independência das agências,já afirmamos, deve se
manifestar em relação a todos os interesses envolvidos com a Agências e Governo
atividade regulatória. Porém, como do ponto de vistajurídico
e institucional é perante os órgãos de governo que a indepen- Sumário: 4.1 A legitimidade democrática das agências - 4.2 Política
dência se mostra mais polêmica. Cremos ser importante, então, de Estado. política de governo, políticas públicas e políticas
regulatórias - 4.2.1 Políticas de estado - 4.2.2 Políticasde governo
abordar um pouco as fronteiras entre regular e governar. 4.2.3 Políticas públicas 4.2.4 Política regulatória - 4.3 Funções
de estado e funções de governo - 4.4 Aimplementação das políticas
públicas: critérios de mediação, ponderação e prudência - 4.5 A
difícil articulação entre políticas públicas e políticas regulatórias

4.1 A legitimidadedemocrática das agências


A nova regulação estatale o seu principal instrumento
de consecução, as agências, suscitam um importante debate
acerca da distinção, num Estado Democrático de direito, entre
a dimensão de governar e o exercício das funções públicas. Numa
democracia, a atividade de governo cabe àquelesdemocratica-
mente eleitos. A eles incumbe dirigir a máquina pública de
modo a perseguir os obÚetivose princípios que, apresentados
à sociedade, ensejaram-lhe os mandatos conferidos por sufrágio.
Restaria esvaziada a Democracia se os governantes fossem
eleitos, mas não pudessem imprimir ao Estado seus pontos de
vista, suas orientações, os desígnios que concebem como os
melhores para o país.
Porém, a legitimidade democrática dos governantes não
implica em dizer que, eleitos, tenham a seu dispor toda a máquina
do Estado para dela dispor como bem entendam. Cirne Lama,
há bem mais de meio século, nos ensinava: "Não tem o Poder
Executivo a representação do Estado, respeito aos negócios

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