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Estruturas de Gestão Pública

Aula 4
Estado Regulador
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RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO


Tribunal de Contas da União
Secretaria Geral da Presidência
Instituto Serzedello Corrêa
Diretoria de Educação Corporativa de Controle
Serviço de Educação Corporativa de Controle - Seducont

CONTEUDISTA
José Arimathea Valente Neto

TRATAMENTO PEDAGÓGICO
Violeta Maria dos Santos Galvão

PROJETO GRÁFICO e DIAGRAMAÇÃO


Vanessa Vieira

Este material tem função didática. A última atualização ocorreu em Abril de 2017. As

afirmações e opiniões são de responsabilidade exclusiva do autor e podem não ex-

pressar a posição oficial do Tribunal de Contas da União.


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Estado Regulador 3

Aula 4 - Estado Regulador


A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma quantidade muito grande de deveres ao
Estado.

Como o Poder Público não é capaz de satisfazer todos esses deveres sozinho, começou a
descentralizar a realização de algumas atividades para o setor privado.No entanto, mesmo que
essas atividades sejam realizadas por entidades particulares, o Estado precisa exercer controle e
supervisão, pois a responsabilidade pela prestação dos serviços é originariamente sua.

É nesse contexto que surge a função de Estado Regulador, em que o Poder Público inter-
fere nas relações econômicas para garantir a satisfatória prestação dos serviços e o equilíbrio dos
interesses das partes envolvidas.

Quais medidas podem ser adotadas na função de Estado


Regulador?
Quais são as instituições responsáveis por essa função?
A União pode rever as decisões das instituições que realizam
regulação?

Para responder a essas questões, precisamos entender algumas características do Estado


Regulador e das instituições responsáveis por realizar a regulação.

A fim de facilitar o estudo, esta aula está organizada da seguinte forma:

1. Introdução ............................................................................................................................................. 5

2. Estado Regulador................................................................................................................................ 6

3. O surgimento das agências reguladoras............................................................................... 7

4. Características das agências reguladoras.......................................................................... 9

4.1 Independência............................................................................................................................... 9

4.2 Resolução de conflitos........................................................................................................ 12

4.3 Regulamentação....................................................................................................................... 13

4.4 Características mais comuns............................................................................................ 15

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5. Exemplos de agências reguladoras........................................................................................ 17

Síntese......................................................................................................................................................... 20

Bibliografia.............................................................................................................................................. 21

Ao final dos estudos desta aula, esperamos que você tenha condições de identificar as
características do Estado Regulador e descrever funções das instituições que realizam regulação
na Administração Pública Federal.

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1. Introdução

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O modelo de administração gerencial começou a ser implantado, no Brasil, no início dos
anos 90.

Esse modelo baseia-se na idéia de que o Estado deve concentrar-se apenas na prestação
das atividades imprescindíveis à população e que, por sua natureza, dependem da presença do
Poder Público, como por exemplo a prestação jurisdicional, a elaboração legislativa, a defesa
nacional, as relações diplomáticas, entre outras.

Segundo o modelo gerencial, o setor privado realizaria com mais eficiência a prestação
das atividades cuja presença estatal não é essencial, como os serviços de natureza puramente
econômica.

Na medida em que a iniciativa privada começa a realizar as atividades prestadas ante-


riormente pelo Estado, surge a necessidade de promover a regulação das relações econômicas
decorrentes dessa mudança, a fim de proteger os interesses de todos os agentes envolvidos: o
próprio Estado, as empresas prestadoras, os usuários dos serviços e a sociedade em geral.

Para exercer a regulação das relações econômicas, o Estado utiliza diversas entidades. As
mais comuns são as chamadas agências reguladoras.

Nesta aula, veremos como a regulação é exercida pelo Estado e quais são as características
das entidades que exercem essa função.

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2. Estado Regulador
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A União pode transferir recursos para outros entes da Federação de dois modos: obriga-
toriamente ou voluntariamente.

Depois das reformas administrativas, o Estado deixou de prestar inúmeros serviços e pas-
sou a funcionar como garantidor da prestação desses serviços de forma adequada.

Por que a regulação exercida pelo Estado é tão importante?


Em quais áreas o Estado exerce a regulação?

A premissa básica da necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico é que


o mercado não pode regular, por si próprio, a prestação de serviços e a produção de bens em
todos os setores dos quais o Poder Público decidiu ausentar-se.

Se o Estado abdicasse totalmente do poder de interferir na prestação de serviços públicos


privatizados e na correspondente estrutura empresarial, sérias consequências poderiam advir,
como, por exemplo:

• Setores essenciais para o país, como os setores elétrico, de transportes e de


telecomunicações, poderiam entrar em colapso, por falta de planejamento e
investimento;

• Práticas anticoncorrenciais poderiam ser adotadas, porque o mercado não é capaz de


impedi-las sozinho;

• Os usuários, parte mais fraca da relação de consumo, ficariam desprotegidos;

• Poderia não haver a universalização dos serviços públicos, pois as empresas tenderiam
a investir apenas em áreas rentáveis.

Estado Regulador não é uma entidade, é apenas a denominação de uma das


funções do Estado.

Por isso, costuma-se atribuir a denominação de Estado Regulador para referenciar as atri-
buições que o Poder Público adquire com o exercício da intervenção no domínio econômico.

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Comumente, há confusão entre a atuação do Estado Regulador e o processo de privatiza-
ção de empresas estatais.

Embora a desestatização da prestação de alguns serviços públicos provoque a necessidade


de regulação, nem toda atividade regulatória do Estado advém desse processo, pois o Poder
Público regula diversas atividades econômicas em setores como o sistema financeiro, o mercado
de petróleo e combustíveis, o sistema portuário, o serviços suplementares de saúde, entre outros.
Muitos desses setores sequer foram explorados, algum dia, diretamente pelo Estado.

Assim, a regulação do Estado é bem mais abrangente que a mera privatização, podendo
incidir, por exemplo, quando:

• a prestação dos serviços públicos tenha sido outorgada, como na concessão e na


permissão;

• a prestação dos serviços públicos seja incentivada pelo próprio Poder Público, como nas
OS e OSCIP;

• a prestação dos serviços públicos seja controlada pelas próprias entidades empresariais,
como na livre concorrência.

3. O surgimento das agências reguladoras


Fator de grande influência na atuação do Estado Regulador é a velocidade com que as
inovações tecnológicas são operadas, exigindo respostas rápidas e tecnicamente adequadas.

A alta complexidade das matérias objeto da regulação impossibilitou, na maioria das ve-
zes, utilizar ou criar órgãos na estrutura das entidades políticas (Administração Direta) sujeitos a
fortes influências hierárquicas e à flutuação de conveniências políticas.

O Estado Regulador, para ser operacionalizado, necessitava, entre outras coisas, de profis-
sionalismo, capacidade técnica, autonomia administrativa, eficiência. Essas características indica-
vam que somente por meio dos mecanismos de descentralização administrativa seria possível ao
Poder Público exercer o seu papel com presteza.

Agências reguladoras são entidades administrativas com alto grau de espe-


cialização técnica e integra a estrutura formal da Administração Pública. São
instituídas sob a forma de autarquias de regime especial com a função de re-
gular um setor específico de atividade econômica, ou de intervir de forma geral
sobre relações jurídicas decorrentes dessas atividades. As agências reguladoras
devem atuar com a maior independência possível perante o Poder Executivo e
com imparcialidade em relação às partes interessadas (Estado, setores regulados
e sociedade).

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Por isso, as agências reguladoras, criadas para exercer as funções de Estado Regulador,
assumiram, no Brasil, a natureza de autarquia em regime especial, integrando a Administração
Indireta dos entes estatais.

Logo, elas não se consubstanciam em entidades novas no ordenamento jurídico brasileiro.


São meramente entidades já previstas na legislação que assumem características peculiares para
estarem aptas a exercer a função de regulação.

Para o surgimento das agências reguladoras, o pontapé inicial foi a promulgação das
Emendas Constitucionais 8 e 9, em 1995, que tratam dos setores de telecomunicações e petro-
lífero, respectivamente.

Legalmente, o marco inicial para se implantar o modelo de regulação sob a responsabilida-


de das agências foi a Lei 9.491/1997, que redefine o Plano Nacional de Desestatização.

Outros normativos importantes são:

• Lei 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências
reguladoras;

• Lei 10.871/2004, que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos


efetivos das agências reguladoras.

Falaremos sobre algumas disposições dessas leis mais adiante, quando tratarmos das ca-
racterísticas das agências.

A atividade regulatória não é exclusiva das agências reguladoras.

Como visto, a criação de agências (entidades autárquicas) é ideal para o exercício da regu-
lação a cargo do Estado, mas existem órgãos integrantes da Administração Direta e outras enti-
dades da Administração Indireta que também exercem função de Estado Regulador. Eis alguns
exemplos:

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Concorrência e direitos Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Secretaria de Acompanhamento Econômico,
do consumidor do Ministério da Fazenda, Procons estaduais e municipais.

Mercado de capitais Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Sistema Financeiro
Banco Central do Brasil (Bacen), Conselho Monetário Nacional (CMN).
Nacional

Meio Ambiente Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Educação e ensino Ministério da Educação (MEC).

Indústria e comércio, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Instituto Nacional da
patentes, normalização Propriedade Industrial (INPI), Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
e padronização (INMETRO).

Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e seus conselhos e comissões:


Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Ciência e Tecnologia Animal (CONCEA), Conselho Nacional de Informática e Automação (CONIN), Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia,
Climatologia e Hidrologia (CMCH).

4. Características das agências reguladoras

Quais características são importantes para que as agências


reguladoras exerçam suas atividades com efetividade? As
características são iguais para todas as agências?

Vimos a definição de agências reguladoras e como elas surgiram. Agora, para compreen-
dermos a atuação dessas entidades, vamos conhecer as suas características.

4.1 Independência

Entre as características das agências reguladoras, talvez a mais marcante seja a amplia-
ção de sua autonomia conferida pela independência administrativa, orçamentária, política e
financeira.

É certo que nem todas as agências têm características idênticas, pois a lei instituidora da
entidade é quem deve definir as prerrogativas outorgadas a ela.

A maioria das agências possui prerrogativas semelhantes, para garantir a independência


de sua atuação. A título de exemplo, a Lei 9.472/1997, que criou a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), dispôs, no § 2º do art. 8º, que a agência gozaria de:

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• Independência administrativa frente ao ente político;

• Ausência de subordinação hierárquica a qualquer outra instância administrativa;

• Mandato fixo de dirigentes;

• Autonomia financeira.

Ao analisar esses exemplos de prerrogativas e características, entendemos que a indepen-


dência conferida às agências visa garantir imparcialidade de ação, que dificilmente seria alcança-
da se a regulação fosse exercida por órgãos governamentais sujeitos a influências políticas.

A doutrina aponta o mandato fixo e a estabilidade dos dirigentes como os mais importan-
tes instrumentos para assegurar imparcialidade aos atos dos agentes públicos e às decisões das
agências reguladoras.

O art. 6º da Lei 9.986/2000 prevê que a lei instituidora de cada agência deve fixar a dura-
ção do mandato dos seus dirigentes.

A mesma lei também introduziu uma previsão geral de estabilidade para os dirigentes,
conforme a o art. 9º:

Art. 9º Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de


condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda
do mandato.

Assim, cabe à lei instituidora da agência criar outras exigências para que ocorra a perda do
mandato. Isso torna variável, de acordo com cada caso, o grau de independência das agências
perante o Poder Executivo.

A Lei 9.986/2000 deu maior ênfase à necessidade de somente se levar em conta critérios
técnicos para a escolha dos dirigentes das agências reguladoras, ao preceituar que:

Art. 5º O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros


do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação
universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão
nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após
aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição
Federal.

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Observa-se que, além de haver a exigência de “elevado conceito no campo de especiali-
dade”, a lei também tornou composto o ato de nomeação dos dirigentes, vez que necessita do
aval do Senado Federal.

Os dirigentes das agências devem possuir alta especialização técnica. Quem não se lembra
do caos aéreo brasileiro, ocorrido nos anos de 2006 e 2007? Naquela ocasião, as investigações
constataram que alguns dirigentes da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) foram nomea-
dos com base em critérios políticos, em vez de técnicos. Esse fato contribuiu para o agravamento
da crise, pois os dirigentes não eram especializados e não eram plenamente capazes de tomar as
decisões técnicas corretas.

A independência das agências deve ser absoluta, tanto em relação ao ente político, quanto
em relação aos consumidores dos serviços e às empresas prestadoras.

A independência a ser garantida às agências, inclusive como forma de


tranquilizar os investidores que desejam atuar no setor regulado, pode ser
quebrada pela atuação dos próprios agentes econômicos.

Especificamente quanto aos agentes econômicos (empresas), o risco de que essa indepen-
dência seja quebrada é maior. O imenso poder econômico dos agentes do setor regulado pode
desvirtuar a atuação do ente regulador, que pode passar a atuar tendenciosamente em favor dos
interesses desses agentes. Tal desvirtuamento é chamado, pela doutrina, de “risco de captura”.

Uma das formas mais eficazes de impedir o risco de captura são os mecanismos de impedi-
mento do recrutamento, pelos regulados, de dirigentes do órgão regulador (a chamada quaren-
tena). Desse modo, impede-se que os dirigentes sofram intenso assédio dos agentes regulados,
já que possuem informações extremamente privilegiadas.

Para tentar evitar o risco de captura, a Lei 9.986/2000 prevê o seguinte:

Art. 8º O ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer


serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, conta-
dos da exoneração ou do término do seu mandato.

A lei instituidora de cada agência pode estabelecer prazo de quarentena maior que o pre-
visto na norma, vez que se trata de prazo mínimo a ser obedecido.

Vimos a necessidade de independência da agência frente ao Poder Executivo e aos agen-


tes regulados. Podemos observar essa independência, também, quanto a todos os Poderes do
Estado, pois:

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• Em relação ao Poder Legislativo, as agências são independentes porque dispõem de


função normativa, o que justifica o nome de agência reguladora;

• Em relação ao Poder Executivo, são independentes porque, além de seus dirigentes


gozarem de estabilidade, suas normas e decisões não podem ser alteradas ou revistas
por autoridades externas ao quadro da agência;

• Em relação ao Poder Judiciário, as agências são independentes porque dispõem de


função quase jurisdicional, já que resolvem litígios entre os integrantes dos setores
regulados.

Essa independência, logicamente, não é integral. Como exemplo, podemos mencionar


que:

• a agência não pode sobrepor-se às leis criadas pelo Legislativo, bem como recusar-se à
submissão ao controle externo, exercido com auxílio do Tribunal de Contas da União;

• a agência, apesar de não ser subordinada ao Poder Executivo, pode ser supervisionada
por ele, a fim de garantir que não haja desvirtuamento das funções da entidade;

• o art. 5º da CF/1988 garante o princípio da inafastabilidade da atuação judiciária, o que


faz com que as decisões da agência possam ser contestadas.

4.2 Resolução de conflitos

Já se falou sobre a competência que as agências reguladoras têm de solucionar os confli-


tos entre os interessados na atividade objeto de regulação (o próprio Estado, o setor econômico
regulado, os usuários dos serviços e a sociedade em geral).

Ficou claro, também, que o controle judicial é inafastável. Assim, mesmo que as agên-
cias possuam a função de resolução de conflitos, suas decisões sempre poderão ser revistas
judicialmente.

Por que atribuir a função de resolução de conflitos às


agências, vez que o Judiciário já detém essa função?

A solução de conflitos efetuada pelas agências reguladoras possui características pecu-


liares, que tornam as suas decisões mais receptivas aos interessados no processo de regulação.

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Primeiramente, temos o fato de seu corpo técnico, inclusive os agentes encarregados da
apreciação dos litígios, ser altamente especializado nas matérias de que resultam os conflitos.

Na maioria das vezes, os conflitos envolvem matéria de extrema complexidade, o que tor-
na as agências reguladoras o foro natural de mediação e solução dos litígios aos olhos das partes
diretamente interessadas.

A resolução de conflitos pelas agências também se torna mais interessante, se comparada


à atuação do Poder Judiciário, pelas seguintes características:

Agências Reguladoras Poder Judiciário


Atuam de forma homogênea Atua de forma assistemática
e sistemática, ou seja, são e aleatória, pois cada juiz
dadas soluções similares para tem autonomia para decidir
casos que envolvem a mesma conforme sua convicção,
matéria, pois usam critérios a partir de fatos e provas
técnicos e objetivos. constantes do processo.

Atuam na prevenção do Atua somente quando


surgimento dos conflitos, provocado.
mediante controle prévio
e acompanhamento
constante da atuação das
empresas reguladas.

Assim, a solução de conflitos feita pelas agências é cada vez mais aceita, já que esses ór-
gãos são considerados os mais técnica e estruturalmente preparados para tomarem as decisões
nas matérias objeto da regulação.

4.3 Regulamentação

O poder normativo conferido às agências é visto com cuidado e receio por parte da
doutrina.

A diferença essencial entre as autarquias (gênero do qual as agências reguladoras fazem


parte) e os entes políticos (União, estados, DF e municípios) é a capacidade de legislar, que não
é competência das entidades autárquicas.

Entretanto, o poder normativo das agências permite a elas expedirem normas técnicas e
setoriais, as quais muitas vezes inovam no mundo jurídico.

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Assim, o motivo do receio é que uma autarquia, entidade da Administração Indireta, esta-
ria legislando, atribuição reservada, a princípio, somente para o poder central do Estado.

Qual a justificativa para as agências poderem expedir


normas?

Alguns autores, como Lucas Rocha Furtado, entendem que a competência de edição de
normas para regulamentar a execução das leis é privativa do Presidente da República, com base
no art. 84, IV, da CF/1988.

Art. 84, IV, da CF/1988: Compete ao Presidente da República sancionar, promulgar


e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua
fiel execução.

Nesse entendimento, o poder de regular das agências enquadrar-se-ia no poder discricio-


nário conferido ao administrador público por lei, a ser exercido nos estritos limites legais.

Assim, considerando a impossibilidade de o legislador definir, a priori, a melhor solução a


ser adotada para todas as situações concretas, as normas expedidas pela agência enquadram-se
na manifestação de conveniência e oportunidade conferida à atuação do administrador público,
devendo estar, porém, em estrita consonância com a legislação.

Outros autores, a exemplo de Marcelo Alexandrino e Marçal Justen Filho, por sua vez,
entendem que outras entidades da Administração Pública, como as agências reguladoras, têm
capacidade para regulamentar a execução das leis.

Nesse entendimento, as agências poderiam editar normas de natureza estritamente técni-


ca, desde que exista uma lei (geralmente a lei instituidora da agência) que, em termos expressos:

• autorize a elaboração normativa;

• estabeleça claramente os assuntos sobre os quais ela poderá ser exercida (delimitação
das áreas de competência da agência reguladora);

• fixe as diretrizes, parâmetros e metas que devem ser observados pelo órgão técnico.

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De um ou de outro modo, hoje em dia a doutrina aceita o poder normativo conferido às
agências, sobretudo porque se trata de assuntos técnicos, nos quais as agências são altamente
especializadas.

Naturalmente, o poder regulamentar das agências não significa outorgar-lhes indepen-


dência absoluta. Além de dever ser exercido nos estritos limites legais, como dito antes, também
está sujeito ao controle do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, inclusive sob o aspecto
da operacionalidade, pelo qual até a economicidade dos atos é analisada.

Controle: O TCU exerce normalmente suas competências de controle externo,


previstas no art. 71 da CF/1988, sobre as agências reguladoras.

É certo que parte da liberdade que as agências têm no poder regulamentar é ampliada
pelo fato de que as leis que definem as suas atribuições utilizam, muitas vezes, conceitos genéri-
cos estabelecendo apenas princípios ou parâmetros a serem observados pelas entidades.

O entendimento mais razoável a ser dado a essa liberdade é o termo “discricionariedade


técnica”. Este termo relaciona-se à necessidade de certas normas ou decisões administrativas
considerarem um nível de especialização tal que somente aquele agente, entidade ou órgão teria
elementos necessários para indicar a solução a ser adotada.

É importante ressaltar que, embora as agências tenham discricionariedade técnica para


decidirem pelas melhores soluções, a atribuição de definir as políticas públicas relativas aos seto-
res regulados é exclusiva das entidades políticas. Por exemplo, cabe aos entes políticos definir as
políticas tarifárias, bem como os mecanismos e os parâmetros de revisão das tarifas.

A discricionariedade técnica deve ser condizente com as características das


entidades especializadas nas matérias dos setores que devem regular. 

4.4 Características mais comuns

No modelo brasileiro, apenas duas agências têm base constitucional expressa:

• o art. 21, XI, da CF/1988 prevê que a lei deve dispor sobre a organização dos serviços
de telecomunicações, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

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• o art. 177, § 2º, III, da CF/1988 determina que a lei deve dispor sobre a estrutura e
atribuições do órgão regulador do monopólio da União, em matérias relativas a petróleo.

Assim, a Lei 9.472/1997 criou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ao passo


que a Lei 9.478/1997 instituiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Afora essas duas agências, todas as outras foram criadas exclusivamente por lei. Como o
texto constitucional não cuidou de definir as características inerentes a este tipo de entidade,
cabe a cada lei específica pronunciar-se sobre as peculiaridades inerentes a cada agência.

Já vimos as características apontadas pela doutrina como necessárias para que as agências
exerçam a atividade de regulação adequadamente.

Vimos, também, que a Lei 9.986/2000 regulou a gestão de recursos humanos de todas as
agências reguladoras federais.

Embora as leis instituidoras definam algumas características distintas para essas agências
reguladoras, podemos identificar características comuns, tais como:

• Exercem função regulatória sobre determinado setor de atividade econômica, ou


concernente a determinadas relações jurídicas decorrentes das atividades econômicas
em geral;

• Contam com instrumentos que asseguram razoável autonomia perante o Poder


Executivo;

• Possuem amplo poder normativo, no que concerne às áreas de sua competência;

• Submetem-se, como qualquer outra entidade integrante da Administração Pública, aos


controles judiciais e parlamentar plenos.

Existe outra característica comum a todas as agências reguladoras. A Lei 10.871/2004,


que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das agências, prevê que
os agentes encarregados das atribuições típicas dessas agências devem ser servidores públicos
estatutários, sujeitos ao regime jurídico da Lei 8.112/1990.

As pessoas que trabalham na atividade fim das agências reguladoras devem ser
servidores públicos estatutários.

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Essa é outra disposição que tenta dar mais independência à atuação das agências, pois o
regime estatutário garante mais estabilidade ao servidor que o regime celetista.

A mesma Lei 10.871/2004 estabelece, em seu art. 3º, parágrafo único, que a esses agen-
tes, no exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder de polícia, são
asseguradas:

(...) as prerrogativas de promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipa-


mentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o
auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício
de suas funções.

Assim, fica claro que o legislador tentou garantir a independência inclusive dos servidores
das agências reguladoras, para dar mais efetividade à atuação dessas entidades.

5. Exemplos de agências reguladoras


Vimos as funções do Estado Regulador e algumas características das instituições que reali-
zam a regulação. Veremos, agora, exemplos de algumas agências reguladoras federais.

Agência Nacional de Águas (ANA)

Criada pela Lei 9.984/2000, a Agência Nacional de Águas (ANA) é vinculada ao Ministério
do Meio Ambiente. Tem a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a
Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos.

Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)

Criada pela Lei 11.182/2005, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) é vinculada ao
Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. Tem competência para regular e fiscali-
zar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária.

Agência Nacional do Cinema (ANCINE)

Criada pela Medida Provisória 2.228-1/2001, a ANCINE foi inicialmente vinculada ao


Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, mas hoje em dia é vinculada
ao Ministério da Cultura. A ANCINE tem competência para realizar o fomento, regulação
e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica.

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Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

Criada pela Lei 9.427/1996, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) é vinculada ao
Ministério de Minas e Energia. Tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmis-
são, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas
e diretrizes do Governo federal.

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)

Criada pela Lei 9.478/1997, a Agência Nacinal do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(ANP) é vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Tem por finalidade promover a regu-
lação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do
petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

Criada pela Lei 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é vinculada
ao Ministério da Saúde. Tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse
público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive
quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvi-
mento das ações de saúde no País.

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)

Criada pela Lei 9.472/1997, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) é vincula-


da ao Ministério das Comunicações. Tem competência para adotar as medidas necessárias
para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações
brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade
e publicidade.

Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e Agência Nacional de


Transportes Terrestres (ANTT)

Criadas pela Lei 10.233/2001, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ)


e a Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT são vinculadas ao Ministério dos
Transportes, Portos e Aviação Civil. Têm por finalidade regular ou supervisionar, em suas
respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da
infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros. Essa regulação preservou o interesse
público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autori-
zadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impe-
dindo situações que configurem competição imperfeita ou infração da ordem econômica.

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Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

Criada pela Lei 9.782/1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é vincula-
da ao Ministério da Saúde. Tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde
da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de
produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, bem como da fiscalização dos am-
bientes, dos processos, dos portos, dos aeroportos e das fronteiras e da incorporação de
novos insumos e tecnologias aos produtos e serviços regulados.

Tribunal de Contas da União


20 Síntese
Tribunal de Contas da União

Nesta aula, vimos algumas características do Estado Regulador e das


instituições que realizam a regulação.

A necessidade do Estado Regulador surge da descentralização de ati-


vidades para o setor privado. Assim, a intervenção no domínio econômico
tem o objetivo de garantir a prestação satisfatória dos serviços e o equilíbrio dos interesses das
partes envolvidas: o próprio Estado, as empresas prestadoras e os usuários dos serviços.

Vimos que a regulação não decorre, necessariamente, da privatização de serviços públicos,


pois a atividade regulatória é exercida também em setores que o Estado nunca prestou serviços,
como o de saúde suplementar.

O tipo mais comum de instituição que realiza regulação são as agências reguladoras
(autarquias de regime especial). A essas entidades deve ser garantida a maior independência
possível. Eis alguns exemplos de medidas que visam garantir essa independência:

• autonomia financeira;

• mandato fixo de dirigentes;

• nomeação de dirigentes com base em critérios técnicos;

• quarentena para os dirigentes poderem ser recrutados pelas empresas do setor.

As agências reguladoras, por serem bastante especializadas, têm sido consideradas o foro
natural para a resolução de conflitos entre as partes, pois as matérias tratadas geralmente são
bem complexas.

Ademais, as entidades reguladoras têm competência para expedir normas aos respecti-
vos setores, desde que nos estritos limites estabelecidos pela lei (geralmente a lei instituidora da
agência).

Embora o modelo de agências reguladoras (autarquias) seja o ideal para se exercer a re-
gulação, vimos que existem outros órgãos e entidades que também são responsáveis por
essa função, como a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e os Procons
estaduais e municipais.

Apesar de as agências reguladoras serem entidades bastante peculiares, vimos que se


submetem normalmente aos controles dos Poderes Legislativo e Judiciário, inclusive ao controle
externo exercido pelo TCU.

Estruturas de Gestão Pública


Bibliografia 21

Aula 4 - Estado Regulador


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