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PROJETO DE

REGULAÇÃO DO
SETOR DE ÁGUA
E SANEAMENTO

MÓDULO 1

Conceitos Básicos da Regulação

Fundamentos Econômicos da Regulação

83
ABES
Módulo 1 - Unidade 1 - Fundamentos Econômicos da Regulação

uniabes

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Presidente
Roberval Tavares de Souza

Equipe Técnica da ABES


Álvaro José Menezes da Costa
Dante Ragazzi Pauli
Marisa de Oliveira Guimarães

Elaboração do conteúdo técnico


Siglasul - Consultores em Regulação

Projeto Gráfico
Vinícius Prado

Edição
Teresa Sardão - Consultoria em Tecnologia e Educação Digital

Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES


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Prezado aluno,

Bem-vindo ao Módulo 1 do curso de capacitação em Regulação no saneamento

na modalidade de ensino à distância. Neste módulo, vamos dar um panorama a

respeito da regulação econômica e de sua importância para setores de


infraestrutura. Convidamos você a aprender os principais conceitos econômicos

envolvidos na regulação e o que motiva sua implementação.

Essa viagem pelo mundo da regulação econômica se inicia com a apresentação

do conceito de regulação e das agências reguladoras, seguida por um breve

histórico sobre as primeiras experiências de regulação no mundo.

Posteriormente, vamos nos debruçar sobre conceitos econômicos relevantes

para a compreensão da necessidade da regulação, por meio da apresentação


da teoria do bem-estar e as falhas de mercado. Finalmente, discutiremos os

principais instrumentos regulatórios e modelos de regulação de preços mais


utilizados.

Para acompanhar o conteúdo aconselhamos a realização de uma leitura atenta


desse material, a consulta às referências bibliográficas e materiais de apoio e o

desenvolvimento das atividades propostas.

Ao final deste módulo esperamos que você compreenda conceitos econômicos


que fundamentam a regulação e perceba a importância de tema.

Aproveite!

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste módulo é introduzir os conceitos básicos para que o aluno

entenda os princípios econômicos que fundamentam a regulação, e conheça os

principais modelos de regulação utilizados. Os conceitos e teorias são

apresentados com exemplos práticos, para que o aluno possa fazer a ligação

entre a teoria e a prática.

O módulo é organizado em três unidades. A primeira trata especificamente do

que é a regulação econômica e quais as características de mercado que não

garantem a máxima eficiência. A segunda unidade aborda os casos em que se

justifica a regulação econômica e o papel das agências reguladoras. A última

unidade apresenta os principais instrumentos e modelos de regulação adotados

na prática.

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UNIDADE 1

Fundamentos Econômicos da Regulação

A Unidade 1 apresenta os princípios econômicos que justificam a regulação de

alguns setores, por parte do poder público. O objetivo da unidade é discutir as


teorias e conceitos econômicos evidenciando que em algumas situações a
regulação não é apenas desejável, mas também necessária .

A unidade é estruturada em duas partes. A primeira trata do surgimento da


regulação, a evolução histórica e a teoria econômica do bem-estar, que

fundamenta a regulação. Na segunda parte são apresentadas as situações em


que o livre comportamento do mercado falha, havendo necessidade de

intervenção ou regulação.

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O QUE É A REGULAÇÃO

A regulação é um assunto que está presente no nosso dia-a-dia e que nos afeta

diretamente, ainda que de formas diferentes, conforme sejamos consumidores,

funcionários de uma empresa prestadora de um serviço regulado ou

funcionários da administração pública. Certamente, muitos de nós já nos

perguntamos o que é a regulação e para que ela nos serve.

Pinto Jr. e Fiani (Pinto Jr. & Fiani, 2002) afirmam que "regulação é qualquer ação

do governo no sentido de limitar a liberdade de escolha dos agentes

econômicos".

A existência da regulação se fundamenta na teoria econômica, sendo necessária


nas situações em que o mercado agindo livremente não consegue alocar de

forma eficiente os recursos ou não consegue maximizar o bem-estar social.

A regulação é, portanto, quando o governo determina regras e


restrições para os agentes econômicos que atuam em um
determinado mercado, com o objetivo de melhorar a
eficiência e o bem-estar para a sociedade como um todo.

Como o governo pode melhorar a eficiência gerando benefícios

para a sociedade como um todo? Ao estabelecer as regras e

restrições, o governo busca atender melhor às necessidades dos

consumidores e, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade

financeira da empresa prestadora do serviço ou produtora do

bem em questão. A regulação, em geral, está presente em áreas que

são de interesse público (conforme será abordado nas seções seguintes), e em

mercados com características específicas, como os casos de monopólios

naturais.

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Esse trabalho de regular, controlar e fiscalizar os serviços de interesse público,


(como são os casos de energia elétrica, saneamento, planos de saúde e
transporte, dentre outros), é feito, geralmente, por agências reguladoras.

As agências reguladoras são órgãos governamentais para os quais o poder


público delega as funções básicas de normatização, de controle e de
fiscalização. No Brasil existem distintos tipos de agências que regulam diferentes
setores, como o caso da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar,
www.ans.gov.br) que regula e fiscaliza as atividades dos planos de saúde, ou o
caso da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica, www.aneel.gov.br) que
regula e fiscaliza a geração, a transmissão, a distribuição e a comercialização de
energia elétrica no país. As agências podem ser federais (como os casos citados),
estaduais, regionais ou até mesmo municipais, como no caso do Saneamento
Básico.

A agência reguladora pode determinar o preço cobrado por um determinado


serviço, os mecanismos de atualização desse preço, estabelecer o nível de
qualidade da prestação do serviço, as quantidades ofertadas, o grau de
cobertura do serviço nas áreas urbanas e rurais, e até o volume de investimento
das empresas que atuam no setor. Assim, a regulação não está restrita à
determinação de preços (tarifas) apenas, mas atua de forma bem mais extensa.
Mais à frente, detalharemos um pouco mais as variáveis técnicas e econômicas
que geralmente são reguladas.

Mas o órgão regulador não define todas as regras sozinho. Frequentemente, há


processos de participação pública, onde as partes envolvidas (poder público,
consumidor e prestador) podem se manifestar. Assim, o regulador deve conciliar
as diferentes necessidades, buscando atender tanto a população, que pode
demandar um serviço de melhor qualidade a um preço mais baixo, quanto a

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defesa do interesse público, com objetivo central de controle dos monopólios



privados essencialmente nas indústrias de rede, como é o caso de telefonia e

eletricidade (Pinto Jr. & Fiani, 2002). Assim, ainda na década de 1930, foram

criadas muitas agências reguladoras em diversos setores, como bancos e

seguros a partir dos Banking Acts de 1933 e 1935, no setor de telecomunicações

com a Federal Communications Commission em 1934 e no setor de energia com

a Federal Power Commission em 1935.

Já na Europa o desenvolvimento da regulação econômica foi por outro caminho,

com a discussão da propriedade das empresas fornecedoras de serviços


públicos (Pinto Jr. & Fiani, 2002). Assim, a partir da década de 1940, o poder

público assumiu a operação das indústrias consideradas de interesse público,

que foram estruturadas como monopólios estatais. Na época, se manteve o

entendimento que, com a prestação do serviço por parte do poder público, não

haveria necessidade de regulação por outra entidade governamental.

Já no final do século XX, por volta dos anos 1970 e 1980, começou no mundo a

ser questionada a eficiência da prestação dos serviços públicos por parte de

empresas estatais, assim, o modelo de maior concorrência e de empresas


privadas reguladas começou a ganhar força. Caberia, então, às agências

reguladoras alinhar os interesses do agente privado com os objetivos sociais. As

transformações ocorridas nesse sentido ficaram conhecidas como


desregulamentação.

A desregulamentação é entendida como a introdução à concorrenc1a nos


segmentos em que isso é possível e a regulação nos outros segmentos não

competitivos. O objetivo final é aumentar a eficiência, reduzir os custos e

estimular os investimentos para a melhoria da qualidade dos serviços prestados,

principalmente no caso das indústrias de infraestrutura. Com essas

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transformações, a regulação ganha um papel ainda mais complexo, ocupando



um espaço relevante de busca pelo bem-estar social. As agências passam,
assim, a ter a estrutura que atualmente conhecemos.

No Brasil, o grande marco da história da regulação é a década de 90, quando


muitos serviços públicos essenciais, como

telecomunicações e energia elétrica,

passaram pelo processo de privatização.


Nesse período, o objetivo era aumentar a

eficiência das empresas e permitir a

recuperação da capacidade de

investimento, que tinha sido reduzida ao

longo dos anos 1980. Como o Estado

brasileiro não era mais capaz de arcar com

ta is custos, buscou-se na privatização a

possibilidade de melhora da qualidade e cobertura dos serviços através de

métodos mais eficientes de gestão (Pinto Jr. & Fiani, 2002). Com novos agentes

atuando nos setores foram necessárias reformas institucionais, que passaram a

definir os mecanismos de regulação no país. As agências reguladoras então

criadas tinham como objetivo alinhar os interesses das empresas com os da

sociedade.

Um bom exemplo é o serviço de telefonia. Antes das reformas, a cobertura era

restrita e se refletia no preço das linhas. As pessoas podiam esperar por meses

uma linha telefônica e as linhas eram declaradas no imposto de renda como um

ativo! Hoje, em grande parte do país, em até uma semana o telefone é instalado

nas residências. Com o modelo de privatização adotado para os serviços de

telecomunicações, instituindo inclusive formas de concorrência, houve a

necessidade de se criar a agência reguladora desse setor (ANATEL) que regula,

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entre outras variáveis, a cobertura do atendimento no território, taxa de



chamadas locais completadas nos horários de pico de utilização, etc.

objetivando melhorar os serviços disponíveis para a população.

Outros setores de infraestrutura passaram por reformas semelhantes, surgindo,


então, a necessidade de novas agências para regular esses e outros serviços, tão

importantes na vida da população. No Brasil, além da ANATEL, outras duas

agências que refletem esse movimento são a ANEEL e a ANP. A ANEEL foi
criada pela lei n. 9.427, de dezembro de 1996, é uma agência federal que tem

como atribuições regular e fiscalizar as atividades de setor energia elétrica . A

ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) foi instituída pela

lei n. 9.478, de agosto de 1997, e objetiva regulamentar a atuação das empresas

desses três setores, inclusive da estatal Petrobrás.

Atualmente, o Brasil conta com uma estrutura regulatória consolidada em alguns


setores, como, por exemplo, em energia elétrica e incipiente em outros, como

no caso do saneamento. No entanto, hoje existem diversas agências, com

marcos legais e regulamentações específicas. Além disso, há também muita

pesquisa acadêmica na área.

Mas o esforço é contínuo e a estrutura regulatória está sempre em evolução,

buscando as boas práticas, aperfeiçoando as normas e aprendendo com as

experiências internacionais. A regulação econômica acaba agindo como uma

ponte entre o poder público, as empresas e os cidadãos e também uma forma

de o Estado incentivar o crescimento econômico e aumentar o bem-estar social.

Agora que você entendeu o que é a regulação e como ela evoluiu é necessário

compreender melhor os conceitos econômicos que a justificam, tema da


, . -
prox1ma seçao.

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De forma simplificada, podemos considerar que os consumidores demandam


bens e que quanto mais barato cada bem for, mais as pessoas irão querer

consumir dele. E que as empresas, que ofertam esse mesmo bem, vão querer
ofertar mais dele quanto mais caro as pessoas estiverem dispostas a pagar.
Então a quantidade
demanda e ofertada
depende dos preços.
Podemos construir um o
gráfico com os preços no
u,

o.
.
GI
Oferta

eixo vertical e a quantidade


no horizontal. Sendo assim,
a curva que mostra a p•

quantidade demandada
pelos consumidores é
decrescente (a quantidade
demandada diminui
Demanda
conforme o aumento dos
preços) e a que mostra a Q* Quantidade
quantidade ofertada é
crescente (aumenta a
quantidade ofertada
conforme o aumento de preços). Por terem direções opostas, elas naturalmente
se cruzam. Esse ponto, onde o preço, P*, iguala as quantidades ofertadas e
demandadas, 0*, é chamado ponto de equilíbrio.

Outro conceito importante do teorema é o de equilíbrio competitivo. Em


economia, diz-se que o equilíbrio entre a quantidade ofertada e demandada de
um bem é competitivo quando surge de um mercado competitivo e completo.
Os mercados completos e de concorrência perfeita se caracterizam pela
existência de muitos compradores e muitos vendedores, fazendo com que
nenhum agente de forma individual possa estabelecer o preço. Todos os
vendedores e compradores negociam a um único preço estabelecido pelas
forças do mercado. Para que isso aconteça é importante que todos os ofertantes
vendam os mesmos produtos. Esses produtos não são diferenciáveis entre si.

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Como não há diferença perceptível, nem na funcionalidade, nem de qualidade,



nem a marca é um diferencial, para o consumidor tanto faz comprar o produto

de um ofertante ou de outro. Nesses casos, os produtos são homogêneos e

substitutos perfeitos, pois você troca um produto por outro sem qualquer

dificuldade. Adicionalmente, todos os agentes, vendedores e compradores,

devem ter acesso às mesmas informações!

Um exemplo de mercado competitivo é o mercado de guarda-chuva, oferecido


por vendedores ambulantes no centro das grandes cidades. Todos vendem pelo

mesmo preço, o mesmo produto. São muitos vendedores e muitos

consumidores e o preço é definido pelo mercado. Se um ambulante aumentar

o preço, ninguém vai comprar dele, pois, o vendedor ao lado está vendendo o

mesmo produto mais barato.

Mas para que a estrutura de mercado seja considerada de concorrência perfeita,


outras características importantes também devem ser observadas, como, por

exemplo, o acesso aos recursos financeiros por parte de todas as empresas para

comprar as máquinas e equipamentos necessários à sua produção, além da

disponibilidade de conhecimento da tecnologia necessária para produzir os

bens ou prestar os serviços desejados. Da mesma forma, todas as empresas

devem conseguir contratar os trabalhadores que precisam para executar a sua

operação. Assim, qualquer empreendedor que queira começar uma empresa,

produzir e ofertar um bem, conseguiria. Não há qualquer barreira para a sua

entrada no mercado, ou seja, não é necessário um alto investimento, ou um

conhecimento tecnológico específico, ou acesso a um recurso - como um

mineral - escasso. Novas empresas podem entrar no mercado todos os dias. Da

mesma forma, se um empresário deseja fechar a sua empresa, consegue vendê-

la e sair do mercado rapidamente, ou seja, não há qualquer barreira à saída .

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possível melhorar a situação de algumas pessoas sem prejudicar os outros, é


uma alocação ineficiente no sentido de Pareto (Varian, 1999).

Resumindo, o primeiro teorema do bem-estar nos diz que quando o mercado é

competitivo não há necessidade de intervenção do poder público ou regulação,


pois o livre mercado garante a eficiência e a maximização do bem-estar social.

Mas quando olhamos para o mundo real, as coisas não funcionam exatamente
da mesma forma. As características da concorrência perfeita são difíceis de

serem encontradas em muitos setores da economia. Por exemplo, quando

contratamos uma empresa provedora de internet residencial, há opções

restritas, os serviços prestados são diferentes e a cobertura é limitada. Não


podemos dizer que há concorrência perfeita nesse setor. No Brasil, a oferta de

internet de banda larga tem a estrutura de um oligopólio 1 , com poucas

empresas atendendo a maior parte do mercado. E não conseguimos comparar


os pacotes das empresas. Esta tática dificulta compararmos os parâmetros dos
serviços diminuindo nosso poder de escolha.

Quando não há concorrência perfeita ou os mercados não são completos, não


há equilíbrio competitivo e a alocação dos recursos não atinge o ótimo de

Pareto. Nesses casos, ocorrem as chamadas falhas de mercado. Ou seja, o

1 Um ol igopólio é uma estrutura de mercado caracterizada por existirem poucas empresas

ofertantes e muitos demandantes (Varian, 1999).

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mercado falha em alocar de forma eficiente (no sentido de Pareto) os recursos



da economia.

Quando o mercado falha em alcançar uma alocação ótima, algo pode ser feito

para aumentar a eficiência? Sim, o poder público, por meio de diversos


mecanismos (impostos, fixação de tarifas, preços administrados etc.), pode

intervir para que a sociedade alcance um nível superior de bem-estar social.

Como veremos mais na frente, uma das formas de intervenção é a regulação


econômica.

As falhas de mercado são diversas, mas vamos com calma, para poder entender

melhor cada tipo de falha e quando elas ocorrem. Nas duas próximas seções
vamos aprofundar no tema. Na próxima seção vamos aprofundar o tema.

FALHAS DE MERCADO

As falhas de mercado são as situações nas quais o equilíbrio do mercado não é


competitivo e, portanto, não consegue maximizar o bem-estar social, ou seja,

quando esse equilíbrio gera resultados que não são eficientes, no sentido de

Pareto.

A origem das falhas de mercado está ligada à inexistência de alguma daquelas

condições apontadas na seção anterior, que são propnas dos mercados

completos e de concorrência perfeita. São elas: acesso à informação,


homogeneidade do produto, muitos ofertantes, muitos demandantes,

inexistência de barreiras à entrada e à saída.

É possível perceber no dia-a-dia que nem sempre essas condições estão


presentes em todos os setores da economia.

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Pensando na condição do mercado competitivo, em que todos os agentes têm



as mesmas informações, podemos perceber que essa condição dificilmente se

verifica. Realmente, nem sempre todos os vendedores e compradores têm

acesso às mesmas informações, o tempo todo e em todos os mercados. Vemos

na prática que alguns têm mais informações do que outros, e isso gera impacto
nas negociações. Por exemplo, quando uma pessoa compra um apartamento,

ela sabe o quanto gostou do imóvel, da localização e da planta, mas o vendedor

não imagina que aquele tinha sido o melhor apartamento que a pessoa tinha
visitado! Por outro lado, o vendedor sabia de cada problema do apartamento,

mas o comprador não tinha conhecimento.

Nas negociações, em geral, os agentes possuem níveis diferentes de acesso à

informação e isso pode levar a uma situação na qual o agente com mais

informação tende a obter maiores vantagens em relação a quem tem menos,

gerando o incentivo para um comportamento oportunista! Nessas situações,


ocorre o que se chama de assimetria de informações.

A assimetria de informação pode gerar dois tipos de oportunismo: (a) o pre-

contratual, quando uma das partes propositalmente omite uma informação

relevante para a contraparte antes de o contrato ser firmado, para que o

contrato seja mais vantajoso que seria em caso de informação completa; (b) e

pós-contratual, quando uma das partes muda de comportamento após a

assinatura do contrato, pois sob a nova situação permitida pelo contrato, e

vantajoso assumir uma postura diferente da acordada. No primeiro caso, o efeito

da assimetria de informação é conhecido como seleção adversa, já no segundo

caso tem-se o risco moral.

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Uma boa definição de externalidade é a de Mankiw (Mankiw, 1999), que diz



que: "é o impacto das ações de uma pessoa sobre o bem-estar de outras que
não participam da ação. Se o impacto for adverso, é chamada externalidade
negativa, se for benéfico, é chamada de externalidade positiva

Mas como isso pode ser uma falha de mercado? Como a externalidade, que
pode ser de produção ou de consumo, se refere a alguma atividade que gera

um custo ou benefício, sem que o produtor ou o consumidor gerador dessa


externalidade tenha que pagar o custo gerado (como no exemplo do vizinho
com a música alta) ou consiga receber uma remuneração pelo benefício gerado
(como a vizinha que toca bem o piano), o que acontece é que não há um
mercado para precificar e negociar esse custo ou benefício gerado na forma de
externalidade.

Lembra que uma das condições para que o equilíbrio fosse competitivo é que
houvesse mercados completos? Então, quando há externalidades, os custos e
benefícios gerados não são negociados, pois não há mercados para tal. Nesse
sentido, os mercados não são completos. Se houvesse mercado para alocar
esses custos ou benefícios, então os custos poderiam ser minimizados pela
sociedade e os benefícios poderiam ser maximizados.

No exemplo anterior, se houver mercados completos, o vizinho teria que pagar


para colocar a música alta e a pianista receberia para tocar pelas manhãs.
Certamente, o vizinho não colocaria a música tão alta ou se colocasse, o prédio
receberia uma receita que poderia ser usada para um isolamento acústico. Por
outro lado, a vizinha pianista iria tocar todas as manhãs com incentivo adicional.

Vamos pensar no saneamento básico. Se todos os cidadãos tivessem acesso ao


saneamento básico, mesmo as regiões mais carentes, essa situação levaria a

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significativas externalidades positivas, pois isso impactaria positivamente nos


indicadores de saúde da população, diminuindo a mortalidade infantil e as
doenças e aumentando o rendimento escolar6 e a produtividade do trabalho.
Os benefícios para a sociedade como um todo seriam maiores do que a soma
dos benefícios individuais. Por isso a necessidade de que o poder público
intervenha no setor saneamento regulando a atividade e gerando as políticas
públicas que incentivam e viabilizem a acesso universal.

Já um bom exemplo de externalidade negativa no saneamento é quando uma


fábrica, de celulose decide não instalar processos de tratamento de seus
resíduos de forma adequada e despeja no rio que abastece a cidade. A empresa
não trata adequadamente os seus resíduos para minimizar seus custos, mas, ao
tomar essa decisão, ela polui o rio e impede que pescadores desenvolvam sua
atividade e que a água seja usada para abastecer a cidade. Como consequência,
os habitantes podem contrair doenças, o que gera maiores gastos em saúde.
Isso significa que o custo de fabricar o produto para essa empresa é menor do
que o custo social de fabricar esse produto. É mais caro para a sociedade, que
sofre com essas externalidades, do que para a empresa, uma vez que o custo
social total é soma do custo da empresa mais o custo dos malefícios gerados
para a população e para os pescadores afetados pela poluição.

Assim, diante da presença de externalidades o papel do poder público é sempre


estimular os agentes a tomarem decisões que gerem externalidades positivas,

6 Pesquisas ap ontam que a dife re nça de aprove itamento esco lar entre crianças q ue t êm e não

têm acesso ao saneamento básico pode chegar a 18% (CEBDS; Instituto Trata Brasil, 2014)

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mas, por outro lado, impedir ou diminuir os incentivos para a tomada de



decisões que gerem externalidades negativas.

Nas situações em que ocorrem falhas de mercado, como as causadas pelas


externalidades, o governo interfere no funcionamento do mercado através do
estabelecimento de normas, leis, impostos, taxas, subsídios, regulação de
quantidade ou qualidade do serviço prestado, etc., para que a sociedade
alcance um bem-estar maior do que se o mercado agisse sem nenhuma
intervenção.

Teorema de Coa se

Uma visão interessante que complementa o problema das externalidades foi dada por
um economista chamado Ronald Coase, em 1960. O autor apontou no então chamado
Teorema de Coase, que o problema gerado pelas externalidades que elevam o custo
social, como naquele exemplo da poluição do rio, tem como origem o fato de que os
direitos de propriedade não estão bem definidos. Se a empresa poluidora tivesse que
pagar pelo resíduo que ela joga no rio, indenizando os pescadores por não poderem
pescar, certamente iria jogar menos resíduo no rio, melhorando o bem-estar para todos.

O Teorema de Coase trouxe uma reflexão importante. Muitos problemas de


externalidades podem ser resolvidos com negociação entre os agentes. Se o
direito de propriedade do rio fosse dos pescadores, a empresa teria que pagar
para jogar a poluição ali ou então implementar um processo que não gerasse
poluição. No exemplo, essa negociação entre as empresas e os pescadores não
era possível, pois o direito de propriedade do rio não estava definido. Assim,
uma das formas de se resolver a questão das externalidades é a definição dos
direitos de propriedade, criando espaço para a negociação entre os agentes.

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falha de mercado é gerada pelo fato da negociação não levar em conta todas
as informações possíveis, o que gera alocações ineficientes de recursos.

Externalidades: Quando a produção ou consumo de um bem gera, por
consequência, efeito sobre outro consumidor ou produtor sem que exista uma
contrapartida. Quando esse efeito não é precificado, o mercado não é
completo, fazendo com que as externalidades gerem resultados que não são
ótimos segundo a ótica da eficiência econômica .
Poder de Mercado: Poder de um (ou grupo de) demandante ou ofertante
determinar preços e quantidades transacionadas no mercado. Essa capacidade
de determinar preços varia de acordo com a estrutura de cada mercado. No
caso do poder de mercado do produtor, o efeito é a redução da quantidade
produzida e o aumento dos preços acima do preço de equilíbrio competitivo, o
que gera situações de redução do bem-estar social.

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BIBLIOGRAFIA

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Wolffenbüttel, A. (2006). O que é? - Marco Regulatório. Acesso em 05 de 05 de


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http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article
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Módulo 1 - Unidade 1 - Fundamentos Econômicos da Regulação

uniabes

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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Laffont, J. J., & Tirole, J. (1993). A theory of incentives in procurement and


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Public Utility Research Center (Flórida, EUA); Universidade de Toulouse (França);


Pontifícia Universidade Católica do Perú & Banco Mundial. Regulation
Body of Knowledge. Disponível em:
http://regulationbodyofknowledge.org/

Tirole, J. (1988). The theory of industrial organization. MIT press.

Tirole, J. (2014). Market power and regulation . Scientific Background on the


Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel. 7

7 Jean Tirole ganhou o Prê mio do Banco d a Su écia para as Ciências Econ ômicas em M emó ri a
de Alfred Nobel em 2014 "por sua análise de poder de mercado e regulação".

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