Você está na página 1de 25

POLÍTICA MACROECONÓMICA

FEP – Mestrado em Economia

1. Introdução

setembro 2023
Dimensão positiva, normativa e Economia Política

Motivações para o estudo da Política Económica (PE):


(i) Dimensão positiva da PE:
 estudar os efeitos da PE na economia
 ponto de vista de um observador externo
 estudo dos canais através dos quais as decisões públicas afetam o
comportamento privado; diretamente ligada à teoria económica
(e.g., efeitos do quantitative easing, efeitos de um processo de
consolidação orçamental, efeitos de uma reforma no mercado de
trabalho,…)
 opções de PE são exógenas; são tratadas como choques na procura

Política Macroeconómica, 2023-24 2


Dimensão positiva, normativa e Economia Política

(ii) Dimensão normativa da PE:


 estuda como se podem tomar as melhores decisões de PE
 ponto de vista do policymaker (autoridade de PE)
 tem como objetivo fazer recomendações ao policymaker:
• que decisões servem melhor o interesse público? (e.g., diminuir
o desemprego, evitar a deflação, aumentar o nível de vida das
populações, reduzir a desigualdade,…)
• tem por base a dimensão positiva, mas implica o uso de juízos
de valor para hierarquizar objetivos incompatíveis e resolver
trade-offs
• tem que ter em consideração todas as restrições à PE (e.g.,
limitações ao uso de determinados instrumentos, legislação/
regulação, informação imperfeita,…)
Política Macroeconómica, 2023-24 3
Dimensão positiva, normativa e Economia Política

 Soluções ótimas (first-best), nomeadamente do ponto de vista da


maximização do bem-estar, que resultam diretamente da análise
positiva, são muitas vezes impossíveis de implementar
 A análise normativa permite encontrar soluções possíveis, tipo
second-best, mas que certamente não maximizam o bem-estar, e
por vezes até podem nem melhorar esse bem-estar
(e.g., liberalização mundial do comércio seria o first-best, mas não é
possível; a alternativa, second-best, são acordos regionais de
liberalização do comércio, mas podem provocar distorções nesse
mesmo comércio internacional)

Política Macroeconómica, 2023-24 4


Dimensão positiva, normativa e Economia Política

(iii) Economia Política:


 estuda os determinantes das decisões de PE
 é uma extensão da dimensão positiva, porque adota o ponto de
vista de um observador externo
 assume que as decisões de PE são endógenas, bem como o
comportamento dos agentes privados
(e.g., autoridades de PE têm os seus próprios interesses ou cedem
a grupos de interesse (lobbies); o problema dos ciclos políticos,…)
 útil para complementar a dimensão positiva, porque explica as
falhas das autoridades de PE
 útil para complementar a dimensão normativa, porque ajuda a
avaliar quem ganha e quem perde com as diferentes políticas
económicas
Política Macroeconómica, 2023-24 5
Funções do policymaker e da PE

O papel do policymaker (autoridade de política económica):


• Implementar e supervisionar o cumprimento das regras do “jogo”
económico  regras e leis que enquadram as decisões
fundamentais de todos os agentes económicos (e.g., leis de
concorrência, legislação laboral,…)
• Efetuar despesas e recolher receitas para pagar essas despesas 
decisões orçamentais  afetam direta e indiretamente (ao afetar a
procura do setor privado) a procura agregada numa economia, bem
como a produtividade das empresas (investimento público em
infraestruturas, investigação e desenvolvimento, formação do
capital humano,…)
• Emitir moeda e gerir a sua circulação e a evolução das taxas de juro
e das taxas de câmbio (regime cambial)
Política Macroeconómica, 2023-24 6
Funções do policymaker e da PE

O papel do policymaker (autoridade de política económica):


• Produzir bens e serviços  bens públicos; gestão de recursos em
setores económica, social e politicamente mais sensíveis como a
saúde, a educação, a energia ou os transportes…
• Negociar com uma variedade de outros agentes económicos 
negociações salariais, reformas estruturais no setor público…
• Negociar com outros países  muitas decisões de PE são tomadas
a um nível internacional e com uma crescente interdependência 
veja-se o caso da Área do Euro

Política Macroeconómica, 2023-24 7


Funções do policymaker e da PE

 A génese da Macroeconomia aponta para a intervenção pública


 Falha de coordenação dos mercados  Intervenção
 Quem intervém? Governos e Bancos Centrais

 Falhas de mercado (e.g., desemprego)  intervencionismo Keynesiano


vs
Falhas das autoridades (ex., contas públicas descontroladas…)  livre
funcionamento da economia (liberalismo clássico)
 A 1ª vertente tende a acentuar a política económica e a aperfeiçoá-la …
 A 2ª tende a minimizá-la e a fixar como objetivo máximo a estabilização
conjuntural

Política Macroeconómica, 2023-24 8


Funções do policymaker e da PE

Porquê intervir?  Três funções da Política Económica


(Musgrave & Musgrave, 19891)
1. Redistribuição do rendimento  corrigir a distribuição primária do
rendimento, tendo em atenção questões de equidade, entre agentes e
regiões
2. Alocação dos recursos  promover uma afetação eficiente dos
fatores produtivos, que estará na base de um mais eficiente
funcionamento dos mercados  visa suprir/atenuar as falhas dos
mercados relacionadas com concorrência imperfeita, assimetria de
informação ou informação incompleta/imperfeita, externalidades,
mercados incompletos… (e.g., investimento em infraestruturas,
formação de capital humano, regulação e supervisão dos mercados…)
1 Musgrave, R. A. & P. B. Musgrave (1989), Public Finance in Theory and Practice, 5th ed., McGraw-Hill
Política Macroeconómica, 2023-24 9
Funções do policymaker e da PE

3. Estabilização macroeconómica  O ajustamento a choques,


dependendo das condições estruturais da oferta de bens e serviços
pode demorar muito tempo… as políticas de gestão da procura podem
acelerar este ajustamento, reduzindo quer a intensidade dos efeitos
dos choques, quer a duração do desequilíbrio  políticas contra-
cíclicas de curto prazo
O legado Keynesiano  Keynes justificava a necessidade deste tipo de
intervenção com: i) o “animal spirits”, isto é a instabilidade no
comportamento dos agentes económicos, que facilmente passam de
um otimismo exagerado para um pessimismo exagerado; e ii) a rigidez
nominal de preços e salários, que dificulta o auto-ajustamento dos
mercados
Política Macroeconómica, 2023-24 10
Objetivos, instrumentos e instituições

A condução da política económica:

 Definição dos objetivos a atingir pela PE (e.g., reduzir


a desigualdade de rendimentos, reduzir a dívida pública,
evitar a deflação, aumentar a competitividade externa,…)
 Identificação dos instrumentos  meios para atingir
os objetivos, sob controlo do policymaker (e.g., taxa de
juro, taxa de imposto, despesa pública,…)
 A restrição imposta pelas instituições  tudo o que
afeta o contexto económico e restringe a atuação dos
instrumentos (e.g., legislação e normas regulatórias,
enquadramento/ regras orçamentais, normas sociais,…)
Política Macroeconómica, 2023-24 11
Objetivos, instrumentos e instituições

 Objetivos  muitos e, por vezes, contraditórios


 Podem ser muito genéricos (finalidades)
 resultados de ordem muito geral que se pretendem obter,
para os quais não são indicados os graus pretendidos para
a sua realização (não quantificáveis e sem dimensão
temporal)
 como é vago reduz a responsabilização se a política não for
bem sucedida; permite excluir, a priori, qualquer política
que contrarie a finalidade
 e.g., reduzir as assimetrias regionais, melhorar o bem estar
da população, controlar as contas públicas…
 Idealmente os objetivos devem ser quantificados, passíveis
de hierarquização (se incompatíveis) e ter dimensão temporal
 são mais fáceis de monitorizar e responsabilizar
Política Macroeconómica, 2023-24 12
Objetivos, instrumentos e instituições

 Instrumentos  definição
 Meios controlados pelas autoridades de política e que podem ser
usados para alcançar os resultados pretendidos, i.e., os objetivos
 São normalmente numerosos e com diversos graus de eficácia, de
viabilidade de implementação e de controlo pelo policymaker

 Instrumentos administrativos vs. de mercado


 Administrativos  controlo direto: as autoridades têm controlo
direto sobre eles, via legislação (e.g., taxas de imposto, taxas de
juro diretoras do BC, salário mínimo…)
 de mercado  controlo indireto: as autoridades têm de intervir
no mercado para os acionar (e.g., taxa de câmbio num regime de
câmbios flexíveis, controlo de preços via expectativas salariais,
taxas de juro de mercado…)

Política Macroeconómica, 2023-24 13


Objetivos, instrumentos e instituições

 Instituições
 Restrições que enquadram as relações entre os agentes
económicos, condicionando a utilização dos diferentes
instrumentos, e sendo consideradas um dado no curto prazo
 Regras, legislação, normas de comportamento e conduta, por
vezes até normas informais (e.g., legislação laboral, leis de
concorrência, procedimentos orçamentais, estatutos dos bancos
centrais, regime cambial, sindicatos, Tribunal Constitucional…)
 Afetam a eficácia do mecanismos de transmissão para cada
instrumento ou conjunto de instrumentos
 A alteração destas instituições ou do papel que desempenham no
processo económico, regra geral, é o que vulgarmente se designa
por reforma estrutural…
Política Macroeconómica, 2023-24 14
Classificação da política económica

 Por instrumentos
 Monetária
 Cambial
 Orçamental
 Rendimento e preços
 (…)
 Por objetivos
 Crescimento económico
 Estabilização conjuntural
 Desinflacionistas
 Integração Económica
 (…)

Política Macroeconómica, 2023-24 15


Classificação da política económica

 Por horizonte temporal


 Conjunturais ou de estabilização

 Visam melhorar a utilização da capacidade produtiva (políticas


de gestão da procura)
 Têm, normalmente, objetivos de natureza mais quantitativa
 Horizonte temporal de curto prazo (1-2 anos)
 Estruturais
 Visam melhorar a capacidade produtiva da economia (gestão
da oferta)
 Têm, normalmente, objetivos de natureza mais qualitativa
(aumentar as qualificações profissionais, investimento em
infraestruturas, concorrência nos mercados…)
 Horizonte temporal de médio (≤ 5 anos) e longo prazo (> 5
anos)
Política Macroeconómica, 2023-24 16
Classificação da política económica

 De acordo com a automatização: passivas e ativas


 Automáticas (passivas)  não implicam novas decisões

 Estabilizadores automáticos
 Taxas de imposto
 Despesas sociais em subsídios ao desemprego
 Discricionárias (ativas)  reativas ou pró-ativas
 As autoridades usam os instrumentos para atingir
determinado objetivo pontual
 Regras (ativas)
 Autoridades seguem determinadas regras que estabelecem o
seu comportamento em cada momento do tempo no sentido
de atingir e manter determinado objetivo (e.g., regra de
Taylor para a taxa de juro, regras de política orçamental,…)
Política Macroeconómica, 2023-24 17
Ligação entre instrumentos e objetivos

 Ligação entre instrumentos e objetivos:

 Objetivos  Yi vetor com n objetivos

 Instrumentos  Xi vetor com p instrumentos

 Mecanismo de transmissão (HI)  relação entre instrumentos e


objetivos, definida para um dado conjunto de instituições (I)

 Problema do policymaker  escolher os instrumentos adequados


para atingir os objetivos, sujeito às restrições:
Y = HI (X)

Política Macroeconómica, 2023-24 18


Ligação entre instrumentos e objetivos

 Princípio de Tinbergen (1956)  Jan Tinbergen, primeiro


prémio Nobel da Economia em 1969
 Se numa economia, passível de ser descrita por um modelo
linear, a autoridade política tiver n objetivos fixos, então
estes objetivos poderão ser atingidos se estiverem
disponíveis p instrumentos, com n = p, cujos efeitos sobre
os objetivos sejam linearmente independentes – ie, quer os
objetivos, quer os instrumentos devem ser linearmente
independentes (condição necessária mas não suficiente)
 Quando isto acontece é possível obter uma solução do tipo:
X = HI-1 Y, com X* Y = Y* (solução ótima)
Política Macroeconómica, 2023-24 19
Ligação entre instrumentos e objetivos

E quando n > p?
• Endogeneização de objetivos via max (min) de funções utilidade
(perda de bem estar social) para alcançar os melhores resultados
possíveis mas não necessariamente ótimos porque existem
restrições (Theil, 1964)
L(Y1 – Y1*, Y2 – Y2*,…, Yn – Yn*), sendo L (0, 0,…, 0) = 0
• Policymaker tem que escolher o conjunto de instrumentos X que
permitam minimizar a perda L, sujeito à restrição imposta pelas
instituições (I):
Y = HI (X)
• A solução final é aquela em que já não é possível melhorar
marginalmente nenhum dos objetivos sem penalizar pelo menos
um dos restantes
Política Macroeconómica, 2023-24 20
Ligação entre instrumentos e objetivos

• Nesta perspetiva, uma reforma estrutural é uma


alteração em HI, ou seja uma alteração do quadro
institucional, que reduz o valor da perda (L), permitindo
a melhoria de, pelo menos, um objetivo sem penalizar
qualquer um dos outros
• Exemplo: o trade-off entre emprego e produtividade
• uma diminuição da taxa social única das empresas ou
uma redução do salário mínimo  tende a aumentar o
emprego, mas provavelmente diminui a produtividade
• se estas medidas forem acompanhadas por reformas
estruturais ao nível da formação do capital humano ou da
introdução de inovações no processo produtivo, podemos
assistir a um aumento quer do emprego, quer da
produtividade
Política Macroeconómica, 2023-24 21
Limites à condução da Política Económica

a) Limites de conhecimento
• Autoridades de política económica têm um conhecimento
imperfeito da estrutura da economia e dos riscos futuros  estas
dificuldades revelam-se na incerteza dos modelos e dos
parâmetros utilizados
• Não há uma consideração perfeita do fenómeno do risco  quer
por uma má avaliação por parte das autoridades, quer porque o
risco é difícil de modelizar e, por vezes, não pode ser quantificado
• Recente adaptação de modelos da área das Finanças  modelos
de opções reais, que consideram explicitamente a incerteza e o
risco associado, principalmente perante decisões irreversíveis (ou
dificilmente reversíveis)  por vezes é melhor nada fazer…
Política Macroeconómica, 2023-24 22
Limites à condução da Política Económica

b) Limites de representação
• Agentes privados seguem as suas próprias estratégias e
reagem/antecipam as ações de política económica
• As expectativas racionais (John Muth, 1961) e a Crítica de Lucas
(Robert Lucas, 1976)  o dinamismo dos modelos
macroeconómicos

c) Limites de confiança
• Agentes económicos podem não acreditar nos anúncios das
autoridades, o que afeta o seu comportamento  a importância
da credibilidade das autoridades de política económica
• O problema do risco moral e da inconsistência temporal
(dinâmica)
Política Macroeconómica, 2023-24 23
Limites à condução da Política Económica

d) Limites de informação
• Autoridades podem não ter toda a informação necessária para
tomar decisões  informação assimétrica/imperfeita
• Variáveis exógenas não controladas pelas autoridades podem
alterar-se, condicionando os efeitos das políticas

e) Limites de benevolência
• Autoridades podem não ter como objetivo prioritário o bem estar
geral
• Os ciclos políticos, relacionados com o desejo de reeleição e a
pressão de grupos de interesse (lobbies)

Política Macroeconómica, 2023-24 24


Limites à condução da Política Económica

f) Limites de implementação
• Existência de lags temporais que podem condicionar os efeitos das
políticas  deteção do problema, desenho da política, aprovação,
implementação, efeitos…

g) Limites de interdependência
• Interdependência entre países/regiões/setores
• Interesse nacional vs instituições internacionais
• A necessidade de coordenação de políticas

Política Macroeconómica, 2023-24 25

Você também pode gostar