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Henrique Rattner
Coordenador do Projeto de Pesquisa sobre
Pequenas e Médias Empresas, organizOu ti coordenou
o Seminário de Estudos, do qual resulta a presente
coletinea de amaos.
Nos debates sobre o crescimento econômico dos países problemas de funcionamento das pequenas e médias em-
em desenvolvimento, destaca-se o papel, atribuído ãspe- presas. Desta pesquisa, realizada, na época, em 155 em-
quenas e médias empresas, de geradoras de empregos e presas localizadas em São Paulo, Salvador e Porto Alegre,
de renda para as populações urbanas, cuja absorção pro- resultaram cinco monografias que tratam da produção,
dutiva, realizada pelo setor industrial moderno, não tem do marketing, da contabilidade e finanças e dos aspectos
correspondído às expectativas e planos. i
organizacionais das pequenas e médias empresas.'
Em 1976, um grupo interdisciplinar de pesquisado-
De fato, as pequenas e médias empresas constituem,
apesar do crescimento e expansão contínuos de grandes res da EAESP/FGV retomou a mesma amostra, pro-
unidades produtivas, a imensa maioria das empresas in- curando estudar os problemas das pequenas e médias
empresas numa perspectiva histórica de sua evolução, à
dustriais e comerciais responsável por uma parcela signi-
luz da conjuntura econômica e social dos anos 60-70.
ficativa do produto social, dos empregos, salários e im-
postos recolhidos. Por outro lado, os processos de con- Deste projeto resultou um relatório publicado sob forma
centração e centralização do capital parecem anunciar o de livro,2 que chamou a atenção para vários aspectos e
fim próximo da maioria dessas pequenas e médias empre- problemas das pequenas e médias empresas pouco analí-
sas, superadas, do ponto de vista tecnológico, financeiro sados nos estudos convencionais. De fato, verificou-se
e organizacional, pelo maior dinamismo das grandes uni- que, apesar de elevada taxa de mortalidade das empresas
dades produtivas. entrevistadas, pela primeira vez, em 1963, como fenô-
meno econômico e social, as pequenas e médias empre-
Como é superada esta contradição. na vida econômi-
sas não estão fadadas e condenadas a desaparecer. Outras
ca real? ~Como explicar a alta rotatividade de pequenas
pequenas e médias empresas surgem e crescem, desempe-
empresas e, sobretudo, o nascimento contínuo de novos
nhando novas e diferentes funções, à sombra dos oligo-
empreendimentos industriais, comerciais e de serviços?
pólios e conglomerados, aos quais as pequenas unidades
Quais são as chances de sobrevivência dessas empresas
estão subordinadas, tributárias e dependentes, numa di-
que concorrem, freqüentemente, num mesmo mercado,
nãmíca própria das contradições dos processos de
com fortes oligopólios? E quais seriam as medidas mais
acumulação, centralização e dispersão de capitais do sis-
eficazes a serem adotadas pelo poder público a fím de se
tema.
assegurarem condições de funcionamento, com lucrativi-
A fim de aprofundar as análises esboçadas no relató-
dade, às pequenas e médias empresas?
rio de 1979, e testar algumas hipóteses adicionais, um
Essas e muitas outras indagações têm provocado novo projeto de pesquisa, procurando incorporar a di-
uma larga série de estudos e pesquisas sobre pequenas e mensão histórica, foi apresentado ao Internacional
médias empresas, tanto nos países desenvolvidos quanto Developinent Research Center(IDRC) do Canadá, cuja
nos em desenvolvimento, procurando-se projetar alguma direção consentiu em patrociná-lo, em colaboração com
luz sobre os intrincados problemas que surgem a nível aEAESP/FGV. Este projeto, à semelhança do anterior,
micro e macroeconômico na análise do comportamento retomou duas amostras estudadas por uma equipe de
das pequenas e médias empresas. pesquisadores do Instituto de Administração da FEA/
A Escola de Administração de Empresas de Siri USP, dentro do Programa Delft, em 1966/67. As amos-
Paulo, da Fundação Getulio Vargas, foi uma das PIW1ei- tras foram extraídas das indústrias têxtil e de autopeças.
ras instituições acadêmicas a engajar-se num vasto pro- ambas, com características especfficas e formas de ínser-
jeto de pesquisa, em 1963, no qual procurou-se levantar çfo das pequenas e médias empresas no mercado bem di-
informações sobre a organização, o desempenho e os ferentes.
rios e técnicos em análises de estudos e estatísticas de trial mais consoantes com as necessidades e aspirações
órgãos oficiais, surgiram algumas evidências empíricas, dos empresários das pequenas e médias empresas. Nas
que levaram a equipe a formular hipóteses para serem circunstâncias atuais, todavia, os programas de apoio, de
verificadas no contato direto com as empresas e seus crédito, de assistência técnica e de modernização admi-
responsáveis. Em vez de repetir os "diagnósticos" con- nistrativa mais parecem desempenhar funções políticas e
vencionais sobre a ineficiência das pequenas e médias legitimadoras do sistema, face às pressões e reivindica-
empresas, sob o enfoque da administração profissional, . ções, confusas e desarticuladas, da massa dos pequenos e
apontando para: médios empresários.
Outro ponto crítico, nos estudos sobre pequenas e
- uma organização da produção deficiente;
médias empresas, refere-se ao problema da definição:
- ausência de um marketing eficaz;
como conceituar uma pequena empresa? Se concordar-
- desconhecimento dos princípios e sistemas de organi-
mos que a pequena unidade não representa ou reproduz
zação modernos;
as características de uma grande, nem esta tampouco é o
- aspectos rudimentares das funções contábil e finan-
somatório de muitas pequenas unidades, seremos levados
ceira;
a admitir que a passagem de uma dimensão para outra
- problemas na área de relações industriais, tais como (pequena ..•.média ..•.grande) implica mudanças qualitati-
recrutamento, treinamento, remuneração etc.,
vas na estrutura da empresa e um maior aprofundamento
da divisão técnica e social de trabalho, na unidade produ-
procuramos destacar as condições econômicas e políticas
tiva. Portanto, a definição do tamanho por indicadores
da fundação e da atuação das pequenas e médias empre-
quantitativos (faturamento, ativos fixos, capital + reser-
sas, dentro de uma economia aberta ao mercado e ao
capital internacional, com todas as conseqüências que vas e, sobretudo, número de empregados) não nos forne-
esta situação possa acarretar para a inovação tecnológica, cerá informações válidas e fidedignas sobre o comporta-
a acumulação e a reprodução do capital, nas pequenas e mento real da empresa, sua articulação e posição dentro
da estrutura hierárquica das unidades que concorrem no
médias empresas.
Em vez de insistir na tão batida tecla da "ausência" mesmo ramo e mercado. Por que, então, a teimosia dos
das virtudes empreendedoras schumpterianas entre os economistas e administradores em classificar as empresas
proprietários e administradores das pequenas. e médias por indicadores quantitativos? Ao se adotar como crité-
empresas, procuramos levantar informações sobre ascon- rio o número de empregados, admite-se implícítamente a
dições de acesso à posição de empresários, suas caracte- premissa de que este seria o fator determinante de pro-
rísticas biográficas pessoais e familiares, que se mesclam - dutividade (VI!), índice fundamental para·a avaliação do
e confundem com a história da empresa. Nesta trajetória, empenho da empresa, da indústria e da economia global.
a origem e as relações sociais da família, os casamentos e Contudo, este índice depende antes da composição orgâ-
os interesses criados através da incorporação de sócios, nica do capital, fato que, quando ignorado, pode levar a
oriundos da família extensa, mostram-se tão importantes classificar, numa mesma categoria, empresas altamente
quanto a educação formal e o treinamento profissional capital-intensivas, com unidades artesanais e mão-de-obra
dos indivíduos. Ademais, ao depararmo-nos com as situa- intensivas.
ções concretas de dependência e subordinação das pe- A persistência e relativa rigidez dos sistemas de clas-
quenas e médias empresas em relação às grandes empre- sificação por "tamanho" explica-se provavelmente por
sas, líderes de seus respectivos ramos ou indústrias, des- um viés da microeconomia, que assume como princípio
locou-se o enfoque central da análise, das unidades' pro- inicial de suas análises um mercado de concorrência per-
dutivas individuais, para a análise do ramo e de seu res- feita, com uma função de produção (tecnologia) comum
pectivo mercado, ou seja, para a estrutura da produção e ao ramo ou indústria, em que as empresas passam por
do consumo de um determinado produto, ou linha de diferentes fases ou etapas de ajustamento, até chegar a
produtos. Na análise das diferentes articulações, e das sua dimensão ótima. Na realidade, o ramo não apresenta
relações "para frente" e "para trás" das pequenas e mé- um simples agregado de empresas individuais, funcional-
dias empresas, surgem os papéis decisivos que assumem mente idênticas. Ao contrário, as análises intra-indus-
compradores ou vendedores ''únicos'', tanto da tecnolo- triais revelam uma estrutura complexa, caracterizada por
giaquanto dos insumos e/ou dos produtos acabados, na relações dinâmicas entre unidades com posições e fun-
configuração do espaço em que se movem as pequenas e ções diferentes. Embora os dados quantitativos sejam ne-
médias empresas. Neste contexto, assume também im- cessários para se dimensionar e comparar certos aspectos,
portância fundamental o apoio, sob as mais diversas for" funções e problemas das pequenas e médias empresas,
mas, da política oficial do Estado, prestado ã luta pela existe uma necessidade premente de se obter informa-
sobrevivência. das pequenas e médias empresas. Em mer- ções complementares qualitativas, a fim de se apreender
cados dominados pelo capital estrangeiro e estatal, não a dinâmica e as tendências do processo de acumulação,
bastariam capacidade e espírito inovadores: para assegu- bem como as funções diferenciadas que nele desempe-
rar o "sucesso" da empresa,ou sua sobrevivência, seria .nham as pequenas e grandes unidades produtivas.
Nota introdutória 7
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Em Pequenas e médias empresas: um modelo opcio- Center (IDRC), do Canadá; Aponta ele, para discussão e
nal para países em desenvolvimento, José Eloy dos San- eventual verificação empírica, algumas indagações acerca
tos Cardoso, da Secretaria de Indústria, Comércio e.Tu- do papel, da dinâmica e do provável destino das peque-
rismo de Minas Gerais, inicia a análise dos problemas nas e médias empresas no processo geral da acumulação
gerados nas áreas metropolitanas do país pelas migrações de capital, na sociedade brasileira. Sem enfatizar os pro-
internas campo-cidade. Buscando em dados estatísticos' blemas da pequena e média empresas. individuais, por
de vários países a análise das políticas diferentes a peque- mais rigorosas Que tenham sido as amostras extraídas do
nas e médias empresas e associando-se aos problemas de universo das pequenas e médias empresas, elas não chega-
produtividade e de geração de empregos, o autor propõe ram a nOJ revelar as condições e estruturas íntra-setoriaís
um modelo alternativo de desenvolvimento industrial - que conseguem determinar, em boa parte, as possibilida-
baseado em uma política de localização das indústrias . des de sobrevivência delas. Propõe-se, então, nova análi-
em cidades médias - combinado com um planejamento se, a partir da inserção das pequenas e médias empresas
integrado, atento aos problemas sôcio-culturaís da popu- no Seu respectivo mercado e na estrutura econômica na-
lação e orientado para a implantação de pequenas e mé- cional, procurando, em suas determinações, ultrapassar
dias unidades produtivas, absorvedoras de mão-de-obra as explicações calcadas numa estreita visão microeconô-
e possível barreira à expansão indiscriminada de empre- mica e no voluntarísmo subjetivo dos empresários. Neste
sas capital-intensivas. novo contexto, parecem elucidar-se as aparentes contra-
Cézar Manoel de Medeiros, técnico da Diretoria de dições do processo de concentração e centralização do
Planejamento da Fundação João Pinheiro, de Minas Ge- capital, o qual, longe de levar ao desaparecimento das
rais, em seu trabalho sobre Pequenas e médias empresas pequenas e médias empresas, gera condições e estímulos,
- aspectos pouco analisados aponta algumas funções de ordem tecnológica ou mercadológica, para a criação
fundamentais, das pequenas e médias empresas, no pro- de novas pequenas unidades produtivas, articuladas com
cesso de crescimento econômico. Além da geração de . as grandes empresas sob a forma de relação de subordina-
empregos - em particular para a mão-de-obra pouco ou ção e dependência.
não-qualificada - as pequenas e médias empresas podem Compõem ainda esta coletânea várias resenhas de
contribuir para-o desenvolvimento regional e, portanto, estudos realizados sobre pequenas e médias empresas nos
para a desconcentração espacial das atividades indus- .países do Terceiro Mundo, nesses últimos anos, de auto-
triais, tendo em vista sua menor dependência de econo- ria de José Roberto Ferro, Daniele Mohr e Maria Luíza
mias externas e de pesados investimentos em infra-estru- Melaragno - estudantes do Curso de Pós-Graduação em
tura, típicos das grandes concentrações urbanas indus- Administração da EAESP/FGV - que colaboraram com
triais. Encarada sob este enfoque, a política de apoio às dedicação, seriedade e competência, nas diversas fases do
pequenas e médias empresas resultaria também numa projeto de pesquisa.
melhor distribuição da renda e na expansão e fortaleci- Ao concluirmos esta breve introdutória, não pode-
mento do mercado interno. mos deixar de agradecer ao Dr. Anthony D. Tillet, dire-
O estudo seguinte, produto de pesquisas realizadas tor associado da Divisão de Ciências Sociais e de Recur-
em Recife, nos leva a ingressar o universo das microem- sos Humanos do IDRC, pelo seu empenho na tramitação
presas. No trabalho intitulado As atividades de microuni- e aprovação de nosso projeto para fins de seu financia-
dades de produção ao espaço urbano: um estudo na re- mento; à Capes/MEC e ao CNPq, pelo apoio que propor-
gião metropolitana de Recife, PE, de Aldemir do Vale cionaram à realização do seminário e à publicação da
Souza e Tarcísio Patrício de Araújo, ambos do Departa- presente coletânea. Finalmente, os nossos sinceros agra-
mento de Economia da Universidade Federal de Pernam- decimentos aos colegas - professores e pesquisadores da
buco, os autores apontam' para as manifestações contra- EAESP/FGV - participantes do projeto, os quais, com
I ditórias do processo de expansão e de acumulação capi- suas sugestões e colaboração efetivas, contribuíram deci-
talista: o avanço da produção em estabelecimentos mo- sivamente para o êxito do seminário e desta publicação.
dernos e capital-intensivos destrói as formas de produção
mais tradicionais, criando um excedente de mão-de-obra,
como exército de reserva da força-de-trabalho. A incapa-
cidade do setor moderno e capital-intensivo de absorver
esses contingentes crescentes de mão-de-obra leva-os à I Ver diversos autores. Série Administração na Pequena Empresa
procura de ocupações alternativas, que surgem sob a for- Brasjleira. Rio de Janeiro, FGV, Sv.
ma de ''microempresas'', articuladas, em regime de su-
2 Rattner, H. et alíi,PequeFllle m~dÜl empresa no Brasil. São
bordinação, com as empresas e o mercado de trabalho do Paulo,Símbolo.1978. .
setor formal ou moderno da economia capitalista. -,
O último trabalho, da autoria de Henrique Rattner, 3 Inowção tecnológica, produtividade e mudanças organiza-
cionais nas pequenas e médias empresas. Documentos de Traba-
da EAESP/FGV, intitulado Algumas hipóteses sobre as lho, EAESP/FGV. v. 1,2 e 3,1981. mimeogr.
perspectivas de sobrevivência das pequenas e médias em-
presas, foi elaborado como documento de trabalho e de * A Redaçlo da RAE expressa aqui seu reconhecimento pelo
empenho e a colaboração efetiva prestada pelo Prof. Rattner,
discussão para o projeto de pesquisa acima enunciado e que atuou também como editor deste número especial da Revista
patrocinado pelo International Development Research de Administração de EmprettZs. .