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Aula 2

Microeconomia 1 – UnB (graduação)

Preferências, Escolhas e Utilidade

2023/2
Preferências

Ideia: modelar o problema de escolher a melhor cesta


x ∈ B(p, w ) através da comparação binária entre alternativas
e da suposição de que o consumidor escolhe o prefere.

Definição
Uma relação binária R sobre o conjunto X é um subconjunto do
cartesiano X × X . Se o par (x, y ) ∈ X × X pertence à relação,
escrevemos xRy e dizemos que “x guarda relação com y por R”.

Caso específico: relação de preferência


Ao invés de R, usamos ≽. A expressão x ≽ y designa que “a
alternativa x é (fracamente) preferível a y ”. Mas vamos impor
algumas condições para chamar ≽ de relação de preferência
(racional ).
Preferências (cont.)
Interpretação da relação de preferência
A informação contida em ≽ pode ser interpretada como as
respostas de um questionário.
• Dado um par de alternativas (x, y ) em X × X , qual das
seguintes opções melhor reflete sua posição?
1 Eu prefiro x a y .
2 Eu prefiro y a x.
3
1.1 Preferences
Eu considero x e y igualmente desejáveis. 5

x !y y !x
x preferred to y x and y equally desirable y preferred to x
x !y x ∼y y !x

Figura:
Figure 1.1 Osbornepreference
An individual’s e Rubinstein, p.5x and y .
between

individual’s answers to the questionnaire: if x ∼ y then x ! y and y ! x , so


Preferências (cont.)

Definição (Propriedades)
Seja R uma relação binária sobre o conjunto X .
(a) Dizemos que R é completa quando, para todo x, y ∈ X
temos xRy ou yRx. (Aqui o ou é inclusivo.)
(b) Dizemos que R é transitiva quando xRy e yRz implicam que
xRz.

Definição (Relação de preferência)


Uma relação binária ≽ sobre um conjunto X é chamada de relação
de preferência sobre X quando ≽ for, ao mesmo tempo, completa e
transitiva.a
a
Às vezes, ≽ é chamada também de racional.
Preferências (cont.)

Exemplo (Indiferença total)


Quando para todo x, y ∈ X tivermos x ≽ y , qualquer alternativa é
fracamente preferível a qualquer outra. Em termos formais,
≽= X × X (qualquer par de alternativas está na relação).

Exemplo (Funções induzem preferências)


Se u : X → R é uma função, então a relação binária ≽ sobre X
definida por

x ≽y ⇔ u(x) ≥ u(y )

é uma relação de preferência.


Preferências (cont.)

Definição (Mais propriedades)


Seja R uma relação binária sobre o conjunto X .
(a) Dizemos que R é reflexiva quando, para todo x ∈ X , valer
que xRx.
(b) Dizemos que R é irreflexiva quando, para todo x ∈ X ,
não valer que xRx.
(c) Dizemos que R é simétrica quando para todo x, y ∈ X , xRy
implicar que yRx.
(d) Dizemos que R é anti-simétrica quando para todo x, y ∈ X ,
xRy e yRx implicarem que x = y .
(e) Dizemos que R é uma relação de equivalência quando for ao
mesmo tempo reflexiva, simétrica e transitiva.
Preferências (cont.)

Preferência estrita e indiferença


Uma relação de preferência ≽ induz duas relações importantes.
1 Preferência estrita; relação binária ≻ sobre X tal que

x ≻y ⇔ x ≽ y e não y ≽ x.

2 Indiferença: relação binária ∼ sobre X tal que

x ∼y ⇔ x ≽ y e y ≽ x.

Observação (Propriedade de ≻ e ∼)
Embora a relação ≽ seja reflexiva, a relação ≻ é irreflexiva. E ∼ é
uma relação de equivalência.
Preferência e escolha

Toda relação de preferência induz um modelo básico de


escolha entre alternativas factíveis em que o o indivíduo
escolhe aquilo que mais prefere entre o que factível.

Definição (Função de escolha induzida por preferências)


Seja X um conjunto de alternativas concebíveis. Dado um conjunto
A ⊆ X interpretado como um conjunto de alternativas factíveis (ou
um “problema de escolha”), definimos as escolhas possíveis de
serem feitas com base em ≽ por

c≽ (A) = {x ∈ A : x ≽ a para todo a ∈ A}.


Preferência e escolha (cont.)

Exemplo (X = {maçã, banana, laranja})


Suponha que maçã ≻ banana ≻ laranja.
c≽ (X ) = {maçã}.
c≽ ({maçã, banana}) = {maçã}.
c≽ ({maçã, laranja}) = {maçã}.
c≽ ({banana, laranja}) = {banana}.
c≽ ({x}) = {x} para x qualquer das alternativas em X .

Exemplo (Indiferença entre todas das alternativas)


Se x ∼ y para todo x, y ∈ X , então c≽ (A) = A qualquer que seja o
conjunto de alternativas factíveis A ⊆ X .
Preferência e escolha (cont.)

O modelo nem sempre é realista (Luce e Raiffa, 1957)


Considere a seguinte situação.
X = “todos os pratos de jantar”.
Pratos: x = pernas de rã, y = bife, z = peixe.

Menu Escolha
{x, y } y
{x, z} z
{y , z} z
{x, y , z} y

As escolhas acima podem ser “explicadas”. Mas existe alguma


preferência sobre x, y e z que as gerem? Resposta: não. Por quê?
Preferência e escolha (cont.)

Transitividade das preferências pode ser um problema

café com 1 grão de açúcar



café com 2 grãos de açúcar

café com 3 grãos de açúcar

..
.
∼ Figura: R.D. Luce,
1925 − 2012
café com 100 gramas de açúcar
Preferência e utilidade

Ideia: tentar expressar toda a informação contida nas


preferências do agente em uma função objetivo (chamada de
função de utilidade).

Definição (Função de utilidade)


Seja ≽ uma relação de preferência sobre X . Dizemos que a função
u : X → R representa ≽ se para todo x, y ∈ X valer que

x ≽y ⇔ u(x) ≥ u(y ).

Neste caso, dizemos que u é uma função de utilidade para ≽.


Preferência e utilidade (cont.)

Observação (Funções de utilidade não são únicas)


Se u é utilidade para ≽, e ϕ é uma função estritamente crescente
sobre a imagem de u, então ϕ ◦ u é também utilidade para ≽.
Exemplos:
1 ϕ(t) = 2t.
2 ϕ(t) = e t .
3 Se u tem sempre u(x) ≥ 0, então para ϕ(t) = t 2 a função
ϕ ◦ u representará as mesmas preferências que u.

Utilidade é um conceito ordinal


O fato de qualquer “transformação monotônica” ϕ na imagem de u
ser tal que a composta ϕ ◦ u ser também utilidade para ≽ a
expressa o fato de que a informação que buscamos sumarizar
com uma utilidade é apenas a “ordem” dos elementos em X .
Preferência e utilidade (cont.)

Exemplo (X = {a, b, c, d})


Suponha que a ∼ b ≻ c ≻ d. A função u : X → R com

u(a) = u(b) = 9, u(b) = 0, u(c) = −1/10, e u(d) = −45

representa ≽.

Exemplo (Preferência lexicográfica sobre X = R2+ )


Defina x ≽ y ⇔ x1 > y1 , ou x1 = y1 e x2 ≥ y2 . Não existe
utilidade que represente ≽. Se houvesse, para todo a ∈ R+ existiria
qa ∈ Q tal que u(a, 1) > qa > u(a, 0). E para todo b > a, temos
u(b, 1) > qb > u(b, 0) > u(a, 1) > qa > u(a, 0). Logo, f : R+ → Q
é uma injeção, o que não existe. (Por quê? )
Preferência e utilidade (cont.)
Proposição 1
Se X é finito, e ≽ um relação de preferência sobre X , então existe
uma função de utilidade para ≽.
Ideia da demonstração.
1 Encontre x1 , . . . , xK tais que xK ≻ xK −1 ≻ · · · ≻ x1 .
2 Para cada xi , seja Mi = {x ∈ X : x ∼ xi }.
3 Defina u(x) = i se x ∈ Mi . Note que u representa ≽.
1.4 Utility functions 11

M1 M2 M3 MK
! ! ! ... !
u (x ) = 1 u (x ) = 2 u (x ) = 3 u (x ) = K

Figura: of
Figure 1.2 An illustration Osborne e Rubinstein,
the construction p.11
in the proof of Proposition 1.1.

YK −1 is nonempty). Thus every x ∈ X is a member of some set M k for some


Preferência e utilidade (cont.)

Observação (Escolhas com utilidade)


A função de escolha c≽ (A) pode ser expressa por

c≽ (A) = {x ∈ A : u(x) = max u(a)}


a∈A

quando u representar ≽.

Proposição 2 (Unicidade da utilidade)


Se u e v são duas funções de utilidade que representam a relação
de preferência ≽ sobre X , então existe uma função estritamente
crescentea ϕ : u(X ) → R tal que

v (x) = ϕ(u(x)) para todo x ∈ X .


a
Ou seja, t > t ′ ⇒ ϕ(t) > ϕ(t ′ ).
Preferências sobre cestas de mercadorias

Caso importante: preferências sobre o conjunto X de cestas de


N bens x = (x1 , . . . , xN ), com xi ≥ 0, para i = 1, . . . , N.

Definição (Propriedades adicionais importantes de ≽)


(a) Não-saciedade global: se x ∈ X , então existe y ∈ X com
y ≻ x.
(b) Não-saciedade local: se x ∈ X então existe y
arbitrariamente próximo de x com y ≻ x.
(c) Monotonicidade: se xi ≥ yi para i = 1, . . . , N então x ≽ y .
Ela é dita estrita quando x ≻ y caso tenhamos ainda x = ̸ y.
(d) Convexidade: se x ∼ y implicar que λx + (1 − λ)y ≽ x para
todo 0 ≤ λ ≤ 1. Ela é dita estrita se também verificarmos
λx + (1 − λ)y ≻ x para 0 < λ < 1.
Preferências sobre cestas de mercadorias (cont.)
Para entender as propriedades acima de forma gráfica, é útil
definir dois conjuntos importantes dada qualquer alternativa
x ∈ X.
1 Conjunto de contorno superior: alternativas fracamente
preferíveis a x.

U≽ (x) = {y ∈ X : y ≽ x}.

2 Curva de indiferença: alternativas indiferentes a x.

I≽ (x) = {y ∈ X : y ∼ x}.

Observação (No caso de existir uma utilidade)


Quando u representa ≽,

U≽ (x) = {y ∈ X : u(y ) ≥ u(x)}


I≽ (x) = {y ∈ X : u(y ) = u(x)}.
ansitividade implica, pois, que X ~ Y. Isso, porém, contradiz o pressuposto de que X
. Essa contradição confirma o resultado: as curvas de indiferença que representa
Preferências sobre cestas de mercadorias (cont.)
veis distintos de preferência não podem se cruzar.
Que outras propriedades têm as curvas de indiferença? Em teoria, a res​posta é: nã
Observação
muitas. As curvas de indiferença são um modo de descrever prefe​rências. Quase toda
Se x e y representam cestas distintas de bens, com por exemplo
s preferências “razoáveis” que se possam imaginar podem ser descritas pelas curva
x ≻ y , então I (x) ∩ I≽ (y ) = ∅ se ≽ é completa e transitiva (i.e.,
e indiferença. O truque≽ está em saber que tipos de preferências originam que forma
curvas de indiferença não se cruzam).
e curvas de indiferença.

FIGURA 3.2 As curvas de indiferença não (livro)


Figura: Varian podem se cruzar. Se o fizessem, as
cestas de bens X, Y e Z teriam todas de ser indiferentes umas às outras e, assim,
Preferências sobre cestas de mercadorias (cont.)
x2

x
y
I≽ (x)

0 x1

Figura: Não-saciedade local falha.


Preferências sobre cestas de mercadorias (cont.)
x2

λx + (1 − λ)y

I≽ (x)
y
0 x1

Figura: Preferências estritamente convexas.


Preferências sobre cestas de mercadorias (cont.)
x2

x
λx + (1 − λ)y

I≽ (x)

0 x1

Figura: Preferências não convexas.


Preferências sobre cestas de mercadorias (cont.)

Definição (Continuidade)
A relação binária ≽ sobre X = RN + é chamada de contínua quando
para quaisquer sequências (xn ) e (yn ) de cestas com xn ≽ yn para
todo n, e lim xn = x e lim yn = y , tivermos x ≽ y . (I.e., as
comparações são preservadas no limite.)

Proposição 3 (Debreu)
Toda relação de preferência no conjunto X = RN+ que é contínua
tem representação uma função de utilidade contínua.

Exemplo (Lexicográfica)
A relação de preferência lexicográfica no R2+ não é contínua (por
quê?), e a proposição acima não se aplica.
Referências

H. Varian
Microeconomia – uma abordagem moderna
Atlas, 9a ed, 2015.
Capítulo 3.
M. J. Osborne, A. Rubinstein
Models in Microeconomic Theory
Open Book Publishers, 2nd ed, 2023.
Capítulo 1.
G. Debreu
Theory of Value
Wiley & Sons, 1959.
Capítulo 4.

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