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Microeconomia 1-A

1. Teoria do consumidor
1.1 Preferências e função de utilidade
1.2 Escolha do consumidor

Juan Pablo Gama Torres


Teoria do consumidor
1.1 Preferências e função de utilidade
• Para caracterizar as decisões das pessoas, é necessário formalizar o
conceito de “preferência”. Uma preferência é uma relação ≿ de X onde X é o
conjunto de escolhas do agente.
L
• Vamos supor que X ⊆ ℝ . Por tanto, x = (x1, …, xL) ∈ X e xl representa a
quantidade real de cada bem de consumo da cesta x.

• A preferência x ≿ y quer dizer que “x é tão bom quanto y”, e desta


preferência podemos induzir duas outras preferências:

- Preferência estrita ≻ de nida por x ≻ y ⇔ (x ≿ y e não vale que y ≿ x).


- Preferência de indiferença ∼ de nida por x ∼ y ⇔ (x ≿ y e y ≿ x).
fi
fi
Preferências e função de utilidade
• Agora em diante, nos forcemos num tipo de preferências especiais
denotadas de preferências racionais.

De nição:
A relação de preferência ≿ é racional se satisfaz as seguintes propriedades:

1. Completude: Para todo x, y ∈ X temos que x ≿ y ou y ≿ x.


2. Transitividade: Para todo x, y, z ∈ X temos que se x ≿ y , y ≿ z então
x ≿ z.
Estas hipóteses garantem que a relação esta bem de nida e é consistente.
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fi
Preferências e função de utilidade
Proposição:
Se ≿ é racional então:

1. ≻ é irre exiva (x ⊁ x para todo x ∈ X) e transitiva (se x ≻ y , y ≻ z então x ≻ z).


2. ∼ é re exiva (x ∼ x para todo x ∈ X) e transitiva (se x ∼ y , y ∼ z então x ∼ z).
3. Se x ≻ y , y ≿ z então x ≻ z.
4. Se x ≿ y , y ≻ z então x ≻ z.
• Por facilidade, ao invés de usar preferências para caracterizar o comportamento
dos consumidores, vamos considerar funções de utilidade.
fl
fl
Preferências e função de utilidade
De nição:
Uma função u : X → ℝ é uma função de utilidade que representa a relação de
preferência ≿ se para todo x, y ∈ X temos que x ≿ y ⇔ u(x) ≥ u(y) .

Proposição:
Se u : X → ℝ representa a ≿ então f ∘ u : X → ℝ com f estritamente crescente
também representa ≿.

Proposição:
Se uma relação de preferência ≿ pode ser representada por uma função de
utilidade u : X → ℝ então ≿ é racional.

• A demonstração desta proposição é consequência da transitividade e


completude de ≥ que usa a função u da seguinte forma: x ≿ y ⇔ u(x) ≥ u(y) .
fi
Preferências e função de utilidade
Propriedades das preferências
• O recíproco deste resultado não é necessariamente verdade. O contra-exemplo
2
mais famoso é a ordem lexicográ ca em ℝ . No entanto, existe um resultado
mais fraco que é verdade. Para isso, veremos alguns tipos de preferências.

• A relação de preferência ≿ em X é monótona se para todo x ∈ X e y ≫ x


(yl > xl para todo l = 1,…, L) então y ≻ x.

• A preferência ≿ em X é estritamente monótona se para todo x ∈ X e y > x


(yl ≥ xl para todo l = 1,…, L e y ≠ x) então y ≻ x.

• A preferência ≿ em X é localmente não saciável se para todo x ∈ X e ε > 0


existe y ∈ X tal que || y − x || < ε e y ≻ x.
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Preferências e função de utilidade
Propriedades das preferências
Preferências e função de utilidade
Propriedades das preferências
• A relação de preferência ≿ em X é convexa se para todo x ∈ X o conjunto
contorno superior Ux = {y ∈ X : y ≿ x} é um conjunto convexo, ou seja, se
y ≿ x e z ≿ x então αy + (1 − α)z ≿ x com α ∈ [0,1].

• A relação de preferência ≿ em X é estritamente convexa se para todo


x ∈ X e y, z ∈ X com y ≠ z tal que y ≿ x e z ≿ x então αy + (1 − α)z ≻ x
com α ∈ (0,1).

• A relação de preferência ≿ em X é continua se Ux e Lx = {y ∈ X : x ≿ y}


são fechados para todo x ∈ X.
Preferências e função de utilidade
Propriedades das preferências
Preferências e função de utilidade
Propriedades das preferências
L
• A relação de preferência ≿ em X =ℝ+ é homotética se dado x, y ∈ X tal
que x ∼ y então αx ∼ αy para todo α ≥ 0.

L
• A relação de preferência ≿ em X = ℝ × ℝ+ é quase-linear com respeito ao
bem 1 (chamado neste caso de bem numerário) se
a) Se x ∼ y então x + αe1 ∼ y + αe1 com e1 = (1,0,…,0) e α ∈ ℝ.
L
b) x + αe1 ≻ x para todo x ∈ ℝ × ℝ+ e α > 0.
Preferências e função de utilidade
Propriedades das preferências
1.2 Escolhas do consumidor
• Vamos supor por simplicidade que o espaço de escolhas ou espaço de
L
consumo é dado por X = ℝ+. No entanto, esta característica não é satisfeita
em geral pois muitos bens são indivisíveis.

• Para de nir a restrição orçamentária, vamos supor que todos os bens podem
ser negociados a um preço em dólares (ou reais) que é conhecido por todos
os consumidores e agentes da economia.
L
• Desta forma, existe um vetor p = (p1, …, pL) ∈ ℝ onde pl representa o
preço que deve ser pago por comprar uma unidade do bem l. Um preço
negativo quer dizer que o comprador deverá receber para consumir o bem
como pode ser o caso de poluição.
fi
1.2 Escolhas do consumidor
• Notem que aqui estamos supondo que o consumidor é tomador de preço, com o
qual, o peso deste consumidor é consideravelmente pequeno comparado com o
total da economia.

• Desta forma, dado o nível de renda w e o vetor de preços p, a restrição


orçamentária é dada por
p ⋅ x = p1x1 + … + pL xL ≤ w .
Desta forma, para que uma cesta de consumo x seja acessível deverá satisfazer a
restrição orçamentária descrita anteriormente. Denotaremos Bpw = {x : p ⋅ x ≤ w}.

De nição:
A restrição orçamentária Walrasiana Bpw
= {x : p ⋅ x ≤ w} é o conjunto de todas as
cestas de consumo acessíveis ao consumidor que tem w como o nível de renda e p
como o vetor de preços.
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Escolhas do consumidor
Restrição orçamentária
1.3 Maximização de utilidade
L
• Assumindo que X = ℝ+ e o consumidor é caracterizado pela preferência ≿
que é racional, continua e localmente não saciável. Consideremos que u(x)
seja uma função de utilidade contínua representando ≿.

• Dado o vetor de preços p ≫ 0 e o nível de renda w > 0, temos que o


problema de maximização de utilidade (UMP) dado o preço p ≫ 0 e w > 0
é dado por
max {u(x) : x ≥ 0 e px ≤ w} ⟺ max {u(x) : x ≥ 0 e x ∈ Bpw}.

Proposição:
Se p ≫ 0 e u : X → ℝ é continua, então o UMP tem pelo menos uma solução.
Maximização de utilidade
• Por tanto, para cada p, w temos uma correspondência de demanda de nida por
x(p, w) = {x : x maximiza UMPp,w} e é chamada de correspondência Walrasiana no caso
em que exista um única solução para cada p ≫ 0 e w > 0, x(p, w) será chamada de função
de demanda.

Proposição:
Suponha que u : X → ℝ é uma função de utilidade continua que representa ≿ uma preferência
L
localmente não saciável de nida em X = ℝ+. Então a correspondência de demanda Walrasiana
x(p, w) possui as seguintes propriedades:
(i) Homogeneidade de grau zero em (p, w): x(αp, αw) = x(p, w) para qualquer p, w e α > 0.
(ii) Lei de Warlas: px = w para todo x ∈ x(p, w).
(iii) Convexidade e unicidade: Se ≿ é convexa, u quase-côncava, então x(p, w) é um conjunto
convexo. Mais ainda, se ≿ é estritamente convexa, u estritamente quase-côncava, então
x(p, w) é uma função.
Demonstração: Exercício!
fi
fi
Maximização de utilidade
1
• Se u é C , continuamente diferenciável, e x* ∈ x(p, w), temos que existe um λ ≥ 0 tal que para cada l = 1,…, L
∂u(x*)
≤ λpl com igualdade se x*l
> 0 .
∂xl

( ∂x1 ∂xL L )
∂u(x) ∂u(x)
Equivalentemente ∇u(x*) ≤ λp onde ∇u(x*) = , …, e x* [ ∇u(x*) − λp] = 0. Caso x* ≫ 0, temos
que
∇u(x*) = λp.
Implicando que
∂u(x*)/∂xl pl
= = MRSlk(x*)
∂u(x*)/∂xk pk
que é chamada de taxa marginal de substituição do bem l pelo bem k em x*. Esta taxa quer dizer a quantidade do bem
k que deve dar para compensar uma redução de uma unidade do bem l.

• Notem que λ representa o valor marginal de relaxar a restrição orçamentaria. Para ver isso, consideremos x(p, w) ≫ 0 e
∂u
diferenciável. Pela regra da cadeia, temos (x(p, w)) = ∇u(x(p, w)) ⋅ Dw x(p, w) onde
∂w
( ∂w )
∂x1 ∂xL
Dw x(p, w) = (p, w), …, (p, w) . Como ∇u(x(p, w)) = λp, temos que
∂w
∂u
(x(p, w)) = ∇u(x(p, w)) ⋅ Dw x(p, w) = λp ⋅ Dw x(p, w) = λDw p ⋅ x(p, w) = λ.
∂w
Pois p ⋅ x(p, w) = w então Dw p ⋅ x(p, w) = 1.
Maximização de utilidade
Exercício:
α 1−α
Calcular a função de demanda da Cobb-Douglas com L = 2, u(x1, x2) = kx1 x2 com
α ∈ (0,1) e k > 0 dados o vetor de preços (p1, p2) ≫ 0 e w > 0, e veri car se pode existir
solução de canto, isto é, xl(p, w) = 0 para algum l com p ≫ 0 e w > 0.

• Vamos agora de nir a função de utilidade indireta. Dado (p, w) ≫ 0, v(p, w) = u(x*) com
x* ∈ x(p, w).

Proposição:
Suponha que u( ⋅ ) é uma função continua representando uma preferência localmente não
L
saciável de nida em X = ℝ+. A função de utilidade indireta v(p, w):
(i) é homogênea de grau zero.
(ii) é estritamente crescente em w e não decrescente em pl para qualquer l.
(iii) é quase-convexa, isto é, {(p, w) : v(p, w) ≤ v} é convexo para qualquer v.
(iv) é contínua em p e w.
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1.4 Minimização de gasto
• Agora, ao invés de procurar um consumo que maximize a utilidade do
consumidor, vamos determinar o consumo que minimize o gasto de forma
que se mantenha um certo nível de utilidade. Este problema é chamado de
problema de minimização de gasto (EMP). Dado p ≫ 0 e u > u(0), o
problema EMP é descrito como:
min {p ⋅ x) : x ≥ 0 e u(x) ≥ u}.
Minimização de gasto
Proposição:
Sob as mesmas hipóteses de antes temos:
(i) Se x* é ótimo do UMP com w > 0 então x* é ótimo para o EMP quando u = u(x*) e o
minimizador de gasto é exatamente w.
(ii) Se x* é ótimo do EMP com u > u(0), então x* é ótimo do UMP com w = p ⋅ x*. Mais
ainda, o nível máximo de utilidade é exatamente u.

• Dado p ≫ 0 e u > u(0) a função de gasto e(p, u) é o valor p ⋅ x* onde x* é a solução do


EMP.

Proposição:
Sob as mesmas hipóteses de antes, a função de gasto e(p, u):
(i) é homogênea de grau 1 em p, isto é, e(λp, u) = λe(p, u) para λ ≥ 0.
(ii) é estritamente crescente em u e não decrescente em pl para qualquer l.
(iii) é côncava em p.
(iv) é contínua em p e u.
Minimização de gasto
• Analogamente à função ou correspondência de demanda Walrasiana, temos a
função ou correspondência Hicksiana, h(p, u) que é a solução ou soluções do
EMP para p ≫ 0 e u > u(0).

Proposição:
Sob as mesmas hipóteses de antes, a correspondência de demanda Hicksiana
h(p, u) satisfaz:
(i) homogeneidade de grau 0 em p: h(λp, u) = h(p, u) para λ ≥ 0.
(ii) não excesso de utilidade: para qualquer x ∈ h(p, u), u(x) = u.
(iii) convexidade e unicidade: se ≿ é convexa, então h(p, u) é um conjunto
convexo e se ≿ é estritamente convexa, então h(p, u) é uma função.

• Além disso, temos h(p, u) = x(p, e(p, u)) e x(p, w) = h(p, v(p, w)).
Minimização de gasto
• Usando a demanda Hicksiana podemos analisar como mudanças de preços podem
implicar em mudanças do nível de renda necessárias para manter um nível de utilidade.

Proposição:
Sob as mesmas hipóteses de antes, assumindo também que h(p, u) é uma função para
qualquer p ≫ 0. A demanda Hicksiana h(p, u) satisfaz a seguinte lei da demanda
compensada: para qualquer p′, p′′,
(p′′ − p′) ⋅ (h(p′′, u) − h(p′, u)) ≤ 0.









Minimização de gasto
• Como consequência disso, mudanças de um único preço pl diminui a
demanda deste bem. Notem que, no caso da demanda Walrasiana, pode não
ser verdade.

Exercício:
Determinem as funções de demanda Hicksiana e de gasto usando a função de
utilidade Cobb-Douglas.
Relações entre o EMP e UMP
• Supondo que u é estritamente quase-côncava temos
Proposição:
Sob as mesmas hipóteses anteriores, temos que e(p, u) é continuamente diferenciável em p ≫0e
u > u(0) e satisfaz
h(p, u) = ∇p e(p, u).

• Uma das relações mais conhecidas entre a demanda Walrasiana e Hicksiana é a equação de
Slutsky.

Proposição:
Sob as mesmas hipóteses anteriores + diferenciabilidade tanto em x , como h , temos que para todo
p, w e u = v(p, w) temos que
∂hl(p, u) ∂xl(p, w) ∂xl(p, w)
= + xk(p, w) para todo l, k = 1,…, L
∂pk ∂pk ∂w
ou equivalentemente Dph(p, u) = Dp x(p, w) + Dw x(p, w) ⋅ x(p, w)′.

Relações entre o EMP e UMP
s11(p, w) … s1L(p, w)
A matriz S(p, w) = ⋮ ⋱ ⋮ onde
• sL1(p, w) ⋯ sLL(p, w)
∂xl(p, w) ∂xl(p, w)
slk(p, w) = + xk(p, w) é conhecida como a matriz de substituição de
∂pk ∂w
Slutksy. Mais ainda, S(p, w) = Dph(p, u) e pela proposição anterior
2
S(p, w) = Dp( ∇p e(p, u)) = Dp e(p, u) com o qual esta matriz é simétrica e semi-de nida
negativa e satisfaz S(p, w)p = Dph(p, u) ⋅ p = 0.

• Outra relação muito conhecida é a identidade de Roy.


Proposição: Identidade de Roy
Sob as mesmas hipóteses anteriores, se (p, w)
≫ 0 então
1
x(p, w) = − ∇p v(p, w).
∇w v(p, w)

fi
Relações entre o EMP e UMP
• Com isso, obtemos o seguinte diagrama:
Concavidade e quase-concavidade

L
• Concavidade: f : ℝ → ℝ é côncava se para todo x, y ∈ ℝ
αf(x) + (1 − α)f(y) ≤ f(αx + (1 − α)y) com α ∈ [0,1].
L
• Estrita concavidade: f : ℝ → ℝ é estritamente côncava se para todo
x, y ∈ ℝ x ≠ y αf(x) + (1 − α)f(y) < f(αx + (1 − α)y) com α ∈ (0,1).
L
• Quase-concavidade: f : ℝ → ℝ é quase-côncava se para todo x, y ∈ ℝ
f(αx + (1 − α)y) ≥ min{f(x), f(y)} com α ∈ [0,1].
L
• Estrita quase-concavidade: f : ℝ → ℝ é estritamente quase-côncava se para
todo x, y ∈ ℝ x ≠ y f(αx + (1 − α)y) > min{f(x), f(y)} com α ∈ (0,1).
Quase-concavidade no ℝ

• Proposição: Se f : ℝ → ℝ, então f é decrescente se e só se é quase-


côncava. Se f : ℝ → ℝ, então f é estritamente decrescente se e só se é
estritamente quase-côncava.

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