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PARTIDOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS LUÍS GUIMARÃES – 224686

Como ponto de partida, Jalali (2017, p. 10) avança com a problematização de o


porquê certos resultados eleitorais serem previsíveis e o que isso implica. Em primeira
instância, e sabendo que a democracia representativa assenta em sistemas partidários,
cumpre definir em que consistem. Para tal, Jalali (2017, p. 11) recorre à definição de
Sartori, isto é, um sistema deve apresentar propriedades que não se verifiquem quando os
elementos são considerados monisticamente, bem como ser resultante das interações que
se estabelecem entre os elementos constitutivos. Sucintamente, nas palavras de Sartori,
“partidos são parte do sistema quando são partes (…) e um sistema de partidos é (…) o
sistema de interações resultantes da competição interpartidária”. Neste sentido, a previsão
de resultados eleitorais carece de uma institucionalização, pelo que decorre a existência
de uma estrutura de interações interpartidárias “previsível, estável e persistente” (Jalali,
2017, p. 14). Deste modo, interações previsíveis assentam em três postulados, elencados
de seguida: (a) estabilidade dos principais partidos e respetivos comportamentos – quem
e como cooperam, quem e com quem competem; (b) efeito da previsibilidade nos atores
políticos – eleitores, políticos e partidos – e como molda os seus comportamentos, assim
como as atitudes e expectativas; (c) a existência de uma interação preponderante –
principal dimensão de competição –, ou seja, existir uma linha de competição eminente e
que em torno dela se estruture a política, mormente, a “competição pela liderança do
executivo” (Jalali, 2017, p. 15).

Posta esta breve introdução à temática, Jalali (2017, pp. 19-20) remete-nos para
modelos que buscam explanar a formação e a consolidação dos sistemas partidários,
sendo, porventura, o mais influente, o modelo das clivagens sociais de Lipset e Rokkan –
1967. O referido modelo assenta em dimensões de conflito que dividem a sociedade e que
estruturam grupos dentro da mesma, tendo origem em movimentos históricos. A primeira
de quatro clivagens – duas oriundas da revolução nacional e duas da industrial – é a
clivagem centro-periferia, isto é, a divisão entre os vencedores – centro, cultura central
da construção nacional – e os derrotados – periferia, populações dominadas de diferentes
etnias, línguas e religiões – no contexto da construção dos Estados europeus (Jalali, 2017,
pp. 21-23). A segunda clivagem, Estado-Igreja, verifica-se aquando da formação do
Estado moderno por avocar responsabilidades que eram apanágios da Igreja. A revolução
industrial gerou outras duas clivagens, sendo a primeira rural-urbano, a segunda,
proprietários-trabalhadores (Jalali, 2017, p. 24). Na primeira, o setor fabril almejava
promover o comércio livre, enquanto o setor agrícola advogava a proteção dos mercados

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a nível nacional e internacional, dado que os custos de produção aumentavam com o


êxodo da mão-de-obra barata para os centros urbanos industriais. A segunda centra-se no
mercado de trabalho pós-revolução industrial, nas condições laborais precárias às quais
os trabalhadores eram submetidos (Jalali, 2017, p. 25). Emerge, assim, uma classe social
de trabalhadores que procura o recrudescer das condições laborais. A concentração desta
classe em centros urbanos e fábricas fomentava a sua capacidade de organização em
defesa dos seus interesses – sindicatos. Evidentemente, interesses antagónicos aos do
patronato e proprietários (Jalali, 2017, pp. 26-27).

Contudo, das quatro clivagens, a rural-urbano é a menos visível, contrapondo com


a proprietários-trabalhadores, que está na raiz da famigerada divisão esquerda-direita,
sendo a que melhor explica o voto nas democracias ocidentais (Jalali, 2017, pp. 27-30).
Sinteticamente, conclui-se que os sistemas partidários emanam das clivagens sociais e os
partidos transpõem tais clivagens para a cena política. Subsequentemente, emergem as
interações interpartidárias, ergo sistemas partidários, que variam entre os diferentes
países consoante a respetiva clivagem predominante, conduzindo à “cristalização dos
principais partidos” e à estruturação dos sistemas partidários (Jalali, 2017, pp. 31-34).
Esta estabilidade é amiúde explicada pela reprodução das estruturais sociais advindas das
clivagens. Além disso, um outro fator é a socialização política que permite a passagem
de valores identitários e políticos, frequentemente através da família e membros do
mesmo grupo social (Jalali, 2017, pp. 35-36).

Não obstante a pertinência do modelo, este apresenta três limitações, a saber: (a)
a estabilidade do sistema partidário fica, em tese, dependente da estabilidade da estrutura
social, algo que não se verificou na Europa; (b) assente nos partidos de massa, esperar-
se-ia que o surgimento dos catch-all provocasse mudanças profundas – não sucedeu; (c)
sistemas que se consolidaram sem partidos de massa organizados em torno das clivagens
apresentadas – EUA e Portugal (Jalali, 2017, pp. 40-42). O modelo de estruturas de
interação de Mair tem como enfoque a arena governamental, porquanto no cerne dum
sistema partidário está a competição pelo governo. Tal modelo apresenta três dimensões:
(a) padrão de alternância no governo, que pode ser completa, parcial ou não-alternância;
(b) inovação vs. familiaridade no governo; (c) abertura a diferentes partidos no governo
(Jalali, 2017, pp. 44-49). Portanto, a estrutura pode ser mais aberta ou fechada – maior ou
menor estabilidade e previsibilidade (Jalali, 2017, pp. 51-53). A estabilidade é alcançada
por constrangimentos na escolha partidária que o sistema impõe aos eleitores, fecundando

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um sistema consolidado. Segundo Sartori, “um sistema (…) consolida-se (…) quando os
eleitores dão como adquirido um determinado leque de opções e alternativas políticas”
(Jalali, 2017, p. 60). Num sistema consolidado, dá-se a ‘heurística da história eleitoral’
que gera estabilidade, ou seja, resultados anteriores servem de base para os eleitores
anteciparem que partidos são relevantes, sendo assim induzidos a votar “nas forças que
dominam o sistema”, potenciando a reprodução de padrões prévios (Jalali, 2017, p. 62).

Nesta ótica, Portugal é um caso paradigmático. É pioneiro da terceira vaga de


democratização e, ao contrário das tendências apontadas pela literatura, o seu sistema
partidário estruturou-se celeremente, sem prejuízo de os partidos serem catch-all na
génese e de a geração de clivagens e a socialização estarem aquém do padrão de Lipset e
Rokkan (Jalali, 2017, p. 68), Aliás, o sistema partidário consolidou-se, sobretudo, devido
a dois eixos basilares: (a) principal dimensão de competição entre PS e PSD; (b) ausência
de coligações à esquerda para formar governo até 2015. Deste modo, as eleições de 2015
representaram um ponto de mudança. Todavia, a “previsibilidade já não é o que era”
(Jalali, 2017, pp. 94-95). Assiste-se à emergência e crescente relevância de partidos
catalisadores de mudança sistémica – Podemos –, bem como à permeabilidade a outsiders
– Trump. “Os sistemas partidários estão sob pressão, senão mesmo em mudança” (Jalali,
2017, pp. 95-96). Quatro fatores contribuem para tais mudanças: (a) momentos históricos
críticos, como o recente resgate financeiro; (b) transformação social e novas clivagens;
(c) ‘empreendedores políticos’ que formam novos partidos e/ou dinamizam novos temas;
(d) recrudescer do populismo. Neste sentido, pode concluir-se que ocorrem mudanças
quando a responsividade do sistema partidário não é mais adequada às demandas cívicas
(Jalali, 2017, pp. 96-98). Surgem, nesta esteira, partidos populistas à esquerda e à direita.
A new left ganha ímpeto com a crise de 2008, pelo recrudescer do empobrecimento e
desigualdades. O SYRIZA destrona o tradicional PASOK em implosão, formando
governo em 2015 (Damiani, 2020, p. 44). À direita, o UKIP, anti-imigração e anti-
establishment, obtém proeminência em 2010, causando dissabores aos partidos
mainstream, vencendo as eleições europeias de 2014 e contribuindo para o sucesso do
BREXIT (Rydrgen, 2018, p. 739). Deste modo, o florescer desta nova estirpe partidária,
populista e anti-establishment, veio agitar os sistemas outrora previsíveis. Assim, emana
uma questão premente: tais partidos são uma ameaça democrática ou o mero transpor da
volátil e momentânea vontade do eleitorado para a arena política, isto é, a materialização
do desígnio da democracia de partidos?

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Bibliografia

Damiani, M. (2020). Populist radical left parties in western europe (p. 44).

Routledge.

Jalali, C. (2017). Partidos e Sistemas Partidários (pp. 10–98).

Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Rydgren, J. (2018). The oxford handbook of the radical right (p. 739).

Oxford University Press.

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