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PARTIDOS CATCH-ALL VS.

PARTIDOS CARTEL LUÍS GUIMARÃES – 224686

O fecundar dos partidos catch-all – designação de Kircheimer, 1966 –, veio


contestar o axioma que os partidos de massa eram o modelo a seguir, o partido de futuro,
numa ótica de ‘contágio de esquerda’. Assiste-se, desde o fim da década de 50, ao
florescer de matizes sociais distintas, contrastando com as identidades coletivas
cabalmente visíveis até então. Deste modo, distinguir grupos diferenciados que
preconizassem interesses comuns a longo prazo no seio do eleitorado tornou-se numa
tarefa árdua. Nesta esteira, o recrudescer da importância do welfare state e o crescimento
económico subjacente fomentaram a criação de programas eleitorais mais amplos, de
menor clivagem, sem estarem enclausurados em setores específicos da sociedade civil,
procurando garantir os interesses da maior porção eleitoral. Neste sentido, e com o
desenvolvimento dos media, os líderes políticos encetaram uma comunicação dirigida
para o coletivo do eleitorado que se ia convertendo num consumidor (Katz & Mair, 2004,
pp. 12-13). Por conseguinte, as alterações no âmbito dos programas eleitorais e estratégia
comunicativa prosseguida pelos partidos e respetivos líderes, conduzem a uma
personificação do poder, refletindo uma desideologização e despolitização das sociedades
pós-II GM. Subsequentemente, emerge um novo modelo, no qual as eleições podem ser
sintetizadas numa escolha entre líderes e não de políticas ou programas.

Tendo como eixo basilar a tríade partido-sociedade-Estado, pode afirmar-se que


no âmbito da dimensão party in central office, os programas são elaborados
maioritariamente pelas elites partidárias, reduzindo o papel dos militantes (Katz & Mair,
2004, p. 13). Enfatizam a militância e granjeiam os membros com direitos na máquina,
contudo, abrem as suas posições a um leque maior de apoios e sem tanto compromisso.
Os líderes prestam contas aos militantes e, sobretudo, a um eleitorado substancial. Os
militantes são agitadores – em campanha –, a hierarquia é top-bottom (Katz & Mair, 2004,
p. 33). No fator party in public office, fruto dos limites e obrigações decorrentes da ação
governativa, fazem concessões e cooperam com grupos que outrora foram adversários
eleitorais (Katz & Mair, 2004, p. 20). No fator party on the ground, esta estirpe de partidos
imiscui-se na sociedade civil, procurando recrutar filiados, militantes de backgrounds e
contextos sócio-económicos heterogéneos. O ponto nevrálgico é a afinidade
programática, não a identidade social. Por isso, adotam uma “estratégia ofensiva”,
substituindo uma efetividade mais profunda em prol dum sucesso eleitoral a curto prazo.
Fomenta-se a indistinção ideológico-programática dos partidos, surgindo um consenso,
ao centro. Adicionalmente, estes partidos passam a ser intermediários entre a sociedade

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civil e o Estado, aproximando-se deste, isto é, “agregam as demandas da sociedade civil


e apresentam-nas perante a burocracia estatal” e “constituem os agentes dessa burocracia
na sua defesa das políticas perante o público” (Katz & Mair, 2004, p. 21).1 Para cumprir
esse papel de intermediário, deve ser capaz de atrair eleitorado e manipular o poder estatal
para assegurar os seus interesses (Katz & Mair, 2004, p. 23). De notar que tendências
sociais, culturais e políticas, impulsionaram a aproximação dos partidos ao Estado. Dá-
se o declínio dos níveis de participação e ativismo partidário, bem como um maior ênfase
noutras esferas de atuação, sobretudo, grupos onde existem um conjunto de interesses
comum e nos quais os indivíduos sentem que o seu impacto é relevante. Além dos
desafios supramencionados, constam a incapacidade de responder ao crescimento do
eleitorado e ao incremento dos custos de atividade partidária. Neste sentido, voltam-se
para o Estado em busca de recursos (Katz & Mair, 2004, p. 24). Emergem, assim, os
partidos cartel, com raízes pré-1970 (Koole, 1996, p. 529).

Subsequentemente, os partidos penetram no Estado que lhes fornece uma fonte de


recursos, permitindo a sua sobrevivência e auxílio na capacidade de resposta aos desafios
colocados por alternativas de mobilização recentes. O Estado “converte-se numa estrutura
institucionalizada de apoio, respaldando os insiders e excluindo os outsiders”.2 Absorve
os partidos, que deixam de ser intermediários entre a sociedade civil e o Estado,
convertendo-se em agências semi-estatais (Katz & Mair, 2004, p. 25). Na dimensão party
in central office, militantes podem ter mais direitos que nos catch-all, mas as suas
posições são desprivilegiadas. Ser militante ou não, é indiferente, dado que convidam
todos os simpatizantes a participar em atividades e decisões do partido. Quando os
militantes exercem direitos, fazem-no individualmente. Algo notório na seleção de
candidatos e líderes que se realizam através de votações por correio em vez de reuniões
ou congressos (Katz & Mair, 2004, p. 33). No fator party in public office, primazia nos
partidos cartel e catch-all, não procuram propriamente excluir ou prevenir a emergência
de outsiders, mas sim controlar e absorver os newcomers num cartel de partidos do
establishment, num conluio interpartidário (Koole, 1996, 531). A necessidade de
sobrevivência tende a promover a cooperação, dado que partilham interesses comuns
(Katz & Mair, 2004, p. 32). A decorrente estabilidade atenua a importância da vitória e
transforma a política em trabalho, não em vocação – anátema para Weber (Katz & Mair,
2004, p. 36). No fator party on the ground, a afiliação é direta através da sede central,
pelo que as organizações locais perdem relevância. Esta aceção produz uma autonomia

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1, 2
Tradução própria
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dos líderes e maior distanciamento para as secções locais, conferindo-lhes maior


autonomia que tende a aumentar o compromisso, a participação e apresentar-se como um
partido atrativo perante os putativos membros e simpatizantes – estratarquia (Katz &
Mair, 2004, pp. 33-34). As campanhas são quase exclusivamente intensas em capital,
profissionalizadas e centralizadas – menor grau nos catch-all (Katz & Mair, 2004, p. 32).

Os partidos substituíram as funções representativas por procedimentais, corolário do


movimento dos partidos da sociedade civil para o Estado (Mair, 2003, p. 282). A primeira
envolve a integração e mobilização dos cidadãos, atualmente redundante nas democracias
avançadas (Mair, 2003, pp. 282-283). A segunda, no recrutamento de líderes políticos e
funcionários para cargos públicos (Mair, 2003, p. 284). Neste sentido, os partidos catch-
all baseiam-se menos na capacidade representativa, mais na efetividade para implementar
políticas, almejando melhorias sociais e não reformas profundas (Katz & Mair, 2004, p.
29). Os de cartel veem a democracia como forma de obter estabilidade social, não
mudança, pelo que as eleições tornam-se em meros procedimentos constitucionais,
renovando lideranças políticas. Assim, a democracia não é um processo pelo qual a
sociedade civil limita e controla o Estado, é um serviço que este presta à sociedade. (Katz
& Mair, 2004, p, 35). Discordando de Koole (1996, p. 527), Kirchheimer problematiza a
maior proximidade do partido ao Estado implicar um maior distanciamento da sociedade.
É alarmante para as democracias, onde os partidos perderam capacidade representativa.
Fomenta a indiferença, apatia, abstenção e, em última instância, a subversão da própria
democracia. Possibilita o surgimento de forças populistas e antidemocráticas que
personificam o descontentamento da sociedade civil. Assim sendo, o futuro das
democracias é altamente incerto, mas qualquer que seja, dependerá inevitavelmente do
futuro dos partidos. Assistiremos ao partido cartel plus ou a uma nova estirpe partidária?

• Bibliografia

Katz, R. S., & Mair, P. (2004). El partido cartel. La transformación de los partidos

politicos y de la democracia de partidos. Zona Abierta, (108-109), 12–36.

Koole, R. (1996). Cadre, catch-all or cartel? Party Politics, 2(4), 527-531.

https://doi.org/10.1177/1354068896002004004

Mair, P. (2003). Os partidos políticos e a democracia. Análise Social,

38(167), 282-284.

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