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CHRISTOPHER

WILSON

PARAO

?
"Coloque dois sujeitos do contra
um do lado do outro e agite bem ."
— Revista Christianity Today

A luta é franca e aberta neste


debate envolvente.
Douglas Wilson, apologista cristão,
e Christopher Hitchens, ateu convicto,
enfrentam-se na discussão de um
tema que divide opiniões há séculos
e continua atual.
As principais polêmicas, desde
a simples existência de Deus até a
explicação para o mal no mundo,
estão registradas e sintetizadas
nesta autêntica colisão de idéias
e conceitos entre dois
pensadores brilhantes.

garimpo
www.garimpoedltorial.com.br
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"Christopher Hitchens
manifesta uma enorme
indignação moral, mas, em
face do ateísmo, gostaria
que ele explicasse o porquê
dessa indignação. Se Deus
não existe, quem está
preocupado com moral?"
DOUGLAS
WILSON
Teólogo e pastor da Christ Church, nos Estados Unidos, e
acadêmico da Nova Faculdade Saint Andrews. É bacharel em
Estudos Clássicos e mestre em Filosofia pela Universidade de
Idaho. Ajudou a fundar o Confederação das Igrejas
Evangélicas Reformadas. Escreveu vários livros, entre os quais
Letter from a Christian Citizen [Carta de um cidadão cristão] e
Heaven Misplaced: Christ's Kingdom on Earth [O céu no lugar
errado: o Reino de Cristo na terra].
J

Jornalista britânico e analista político de prestígio educado


em Oxford. Considerado um autêntico representante do
movimento chamado "neoateísmo", é autor de diversos livros,
incluindo God Is Not G reat [Deus não é grande]. Escreve
regularmente para as revistas The Nation, Harper's e The
N ew Yorker. Foi considerado um dos cem maiores intelectuais
pelos leitores das revistas Foreign Policy e Prospect. Hitchens
mora nos Estados Unidos, em Washington D.C.
WILSON
D O U G LAS
CHRISTOPHER HITCHENS

O CRISTIANISM O E BOM
PARA O M UNDO?
UM DEBATE

ganmpo
O I
EDITORIAL

São Paulo
© 2010 Garimpo Editorial.
Todos os direitos reservados.

Tradução autorizada da edição original americana


© Canon Press

Tradução e preparação d e texto: Robinson Maikomes


Projeto grá fico: Andréa Lyra

1* edição — março/2010

O s textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional (NVI),
Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação específica.

D ados I nternacionais df. C atalogação na P ublicação (cip)


(C âmara B rasileira do L ivro, SP, B rasil)

Wilson, Douglas
O Cristianismo é bom para ò mundo? : um debate sobre a
maior religião monoteísta do planeta / Douglas Wilson, Christophe
Hitchens ; tradução Robinson Maikomes. — São Paulo : Garimpo
Editorial, 2010.

Título original; Is Christianity good for the world?


ISB N 978-85-62877-08-7

1. Cristianismo e ateísmo 2. Disputas religiosas I. Título.

10-00744 C D D -230

índices para catálogo sistemático:


1. Cristianismo c ateísmo ; Debates 230

É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro,


por quaisquer m eios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros),
sem prévia autorização, p o r escrito, da editora.
SUMARIO

PREFACIO

APRESENTAÇÕES
Christopher Hitchens 11
Douglas Wilson 15

PRIMEIRO ROUND
Christopher Hitchens 20
Douglas Wilson 24

SEGUNDO ROUND
Christopher Hitchens 32
Douglas Wilson 33

TERCEIRO ROUND
Christopher Hitchens 38
Douglas Wilson 40

QUARTO ROUND
Christopher Hitchens 48
Douglas Wilson 52

Q U IN TO ROUND
Christopher Hitchens 58
Douglas Wilson 62

SEXTO ROUND
Christopher Hitchens 68
Douglas Wilson 72
PREFACIO
Jo n a h G oldberg

COM O CRISTÃO CONSAGRADO que é, Douglas Wilson acre­


dita que O cristianismo é bom e verdadeiro. Como ateu não me­
nos consagrado, Christopher Hitchens acredita que o cristianismo
é uma grande mentira e, no fim das contas, algo perverso. Eu me
vejo em uma posição intermediária nebulosa, embora deva con­
fessar ser mais simpático aos pensamentos de Wilson, que não
conheço pessoalmente, e não tanto às idéias de Hitchens, a quem
considero um amigo casual. Como não sou cristão, não posso
dizer que acredito na veracidade do cristianismo como um ele­
mento totalmente isento de impurezas. N a condição de judeu
razoavelmente secular que crê em Deus e também no papel posi­
tivo da religião e do cristianismo, sem dúvida não sou a pessoa
mais indicada para arbitrar esse debate profiindamente intelectual,
emocionante e abalizado. Mas ainda bem que não é para isso que
'estou aqui. Minha função é apenas dar o pontapé inicial e aguçar
o paladar do leitor para a refeição que o aguarda.
Christopher Hitchens é um antiabsolutista por excelência. Por
isso, numa guerra bem pessoal contra o terror, ele vê sua batalha
contra a religião como mais uma frente entre outras ou, talvez,
para sermos mais exatos, como sua principal frente de batalha. A
o C R I S T I A N I S M O E BO M PARA O M U N D O ?

analogia que ele faz entre o Deus judeu-cristão e o Big Brother


do livro 1984 é reveladora. Hitchens observa que, na antiutopia
de Orwell, os homens devem adorar seu líder e, no Antigo Tes­
tamento, devem adorar o Criador do céu. Mas o Big Brother
celestial é bem mais opressor do que seu equivalente criado pelo
homem. Qualquer que seja a utilidade dessa analogia, pode-se
fazer a objeção de que esse relacionamento é mais complicado
do que imagina Hitchens.
A famosa declaração de Voltaire (num debate com um ateu):
“Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo”, está dentro do
espírito do assunto. Christopher, com toda a certeza, discordaria
de que Deus nos fez à sua imagem, mas admitiria que os homens
têm o péssimo costume de tentar se recriar à imagem de Deus.
Pelo menos em parte, ele responsabilizaria a religião por esse cos­
tume sangrento. N o entanto, pelo menos no século passado, os
mais cruéis imitadores de Deus foram muitas vezes os que mais
se mostraram dispostos a destruir a religião bíblica para substi­
tuí-la pela religião deles próprios. Os jacobinos foram especialis­
tas em usar para fins revolucionários aquilo que Robespierre
corretamente chamou “instinto religioso”. Os bolcheviques pro­
meteram o “céu na terra” . Os fascistas italianos quiseram fazer da
política algo sagrado. Os nazistas tentaram substituir o cristia­
nismo por uma espécie de autoadoraçao pagã.
Wilson e Hitchens discutem as consequências morais do ateís­
mo com muito mais criatividade e sofisticação do que eu pode­
ria fazer. Mas, com certeza, ambos admitiriam que o ateísmo
PREFA CIO

não implica necessariamente em mal mais do que a fé, por si,


resulta no bem. Vale a pena ponderar que o mundo idealizado
por Hitchens, ou seja, sem religião, de paz e harmonia, é uma
utopia comparável à busca do amor cristão em âmbito universal.
Ansiar por uma ordem religiosa é algo próprio da natureza hu­
mana — mesmo que esse gene esteja ausente em alguns albinos
espirituais. Ainda que Hitchens fizesse desaparecer o cristianis­
mo, ele não conseguiria evitar que a humanidade construísse um
novo templo em seu lugar. E mesmo que os promotores da nova
fé se autodenominassem ateus ou adoradores da Razão, a Histó­
ria mostra que não há garantias contra a crueldade em altas do­
ses, contra a desumanidade e contra o dogmatismo instintivo.
A história do cristianismo não é absolutamente imaculada,
conforme Christopher Hitchens deixa claro e Douglas Wilson
admite, mas o cristianismo pelo menos oferece instrumentos para
condenar os que praticam o mal em seu nome. Há muitos ismos
“seculares” que não têm condições de alegar o mesmo. Eles preci­
sam — ou preferem — simplesmente redefinir o mal como des­
lealdade para com a Causa, ao passo que todo mal praticado em
prol da Causa é considerado ato de heroísmo. Com toda a certe­
za, o cristianismo teve seguidores que agiram perversamente em
nome de Deus. Mas, pelo menos, ele cultiva uma consciência
moral pela qual os homens podem tentar olhar para seus atos
com os olhos de um Deus de amor. Diante de algumas alternati­
vas, esse princípio de organização dificilmente parece ser o pior
para a humanidade.
10 o C R I S T I A N I S M O É BO M PARA O M U N D O ?

Christopher Hitchens, é lógico, discorda de tudo isso. Ele


admite com relutância que o cristianismo contém bons princípios,
mas o mesmo se dá com um número incontável de sistemas e
crenças. A Regra Áurea não é algo que tem origem em Deus, mas
no homem, e desenvolveu-se em todos os lugares onde este pros­
perou, pois sem ela não haveria prosperidade. Hitchens apresen­
ta um excelente argumento neste ponto. E é justamente esse
argumento que Wilson tem prazer em combater. Mas como o
debate é deles, não meu, devo deixar isso a cargo dos debatedores.
Mas cpnçludT chamando a atenção para algo que se percebe
nas páginas que estão à sua frente, e não tanto nas que você aca­
bou de ler. Este livro é escrito num tom de alegria. E claro que os
dois autores adoram discutir o assunto e debater um com o ou­
tro. Fazem isso procurando expressar um sentimento de grati­
dão bem visível. Não importa de que lado você esteja nesse debate,
meu palpite é que, assim como eu, você também o achará esti­
mulante, pois os discursos que costumamos ouvir em torno des­
se tema costumam ser bem monótonos. Parabenizo os dois
debatedores por se revelarem simpáticos defensores de suas res­
pectivas causas e faço votos de que os leitores sé aproximem com
esse mesmo espírito (se Hitchens me permite usar essa palavra).
Boa leitura.
APRESENTAÇAO I
C h risto p h er H itch en s

EU COSTUMAVA DIVERGIR bastante de várias opiniões do


falecido William F. Buckley, mas há uma famosa declaração que
ele fez, reproduzida muitas vezes logo após sua morte, com a
qual concordo quase integralmente.
A declaração é esta: “Acredito que o duelo entre cristianismo
e ateísmo é o mais importante do mundo. Acredito ainda que a
batalha travada entre individualismo e coletivismo é a mesma
batalha que se repete em outro nível.”
Para que eu tivesse condições de endossar essa declaração de
modo geral (ela está no primeiro livro de Buckley, God and Man
at Yale), a palavra “cristianismo” teria de ser trocada por “reli­
gião”, e a batalha precisaria ser redefinida como uma batalha en­
tre liberdade e totalitarismo.
Grande parte da interação com Douglas Wilson está ligada ao
que considero a falsidade das alegações metafísicas da religião, e
também tem a ver com o fato de que penso ser um despropósito
a afirmação de que a religião é a fonte da moral em nossa condu­
ta. Mas não quero esconder a verdade de que sou mais antiteísta
do que ateu ou ateísta. Trocando em miúdos, não sou daqueles
que não creem, mas gostariam de ter fé para crer. Pelo contrário.
12 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

SOU alguém que tem prazer no fato de que não existem provas
convincentes da existência de nenhuma das milhares de divinda­
des da humanidade, sejam as do passado, sejam as do presente.
Para mim, a ideia de que uma pessoa possa desejar um senhor
supremo, absoluto e imutável, cujo reinado seja eterno e inquestio­
nável, alguém que exija propiciação incessante e que nos mantém
debaixo de vigilância contínua, não importa se estamos dormindo
ou acordados, vigilância que não tem fim (e que, na verdade, até
aumenta) depois de nossa morte, bem, essa ideia para mim é
desconcertante. Um sistema assim tão pavoroso significaria que pa­
lavras como “liberdade” ou “livre-arbítrio” não têm sentido algum.
Esse estado do Big Brother celestial seria o cúmulo do totalitarismo,
muito mais hermético e tirano do que o Estado visto em 1984, pois
os “crimes de pensamento” — ofensas cometidas só na imaginação
— seriam detectados no momento em que ocorressem.
O pesadelo antiutópico de Orwell revela um estado de coisas
em que a crueldade e o culto ao poder são praticados, digamos,
em benefício próprio e sem que se peça licença. Mas o regime
todo-poderoso exige de seus subordinados mais que obediência
na base do medo. Exige também que eles professem seu amor
pelo Big Brother. É esse elemento extra que acho extremamente
repugnante na fé religiosa. O indivíduo é literalmente ordenado
a amar. E ordenado não somente a amar os outros como a si
mesmo — uma ordem ridícula e impossível, além de intrinseca­
mente contraditória — , mas também a amar um Ser supremo
que, ao mesmo tempo, deve ser profundamente temido. São
APRESENTAÇÃO 13

inúmeras as passagens centrais das escrituras judaicas, cristãs e


islâmicas que deixam claro o pensamento crítico de que Deus
não está satisfeito com sua onipotência, onisciência e onipresença,
mas também sente ciúmes, faz exigências e é impaciente, sempre
enfurecido com as deficiências naturais com as quais ele delibera-
damente aleijou suas criaturas. Nas palavras de Fulke Greville,
fomos “criados doentes” e “nos ordenaram que fôssemos saudá­
veis” para que, conformados, sempre agradecêssemos ao Ser que
não precisa fazer o menor esforço para que possamos viver, so­
frer e morrer. Na esfera não espiritual da vida, essas relações de
poder geralmente são vistas como sadomasoquismo.
Imagino que se possa argumentar que dissidentes judeus, cris­
tãos e muçulmanos já se levantaram contra ditaduras do mundo
real, geralmente com muita coragem. Mas esse argumento não é
muito importante e não quer dizer nada sobre a validade das
crenças em questão. Afinal de contas, muitos stalinistas demons­
traram coragem exemplar resistindo a Hitler, e muitos antissemitas
que apoiavam a monarquia absoluta na Rússia combateram com
bravura o comunismo. Isso não muda a verdade de que eles esta­
vam se opondo a uma tirania fazendo uso de outra.
Qualquer que seja o caso, se a resistência religiosa à opressão
serve como evidência, então se pode dizer o mesmo sobre a reli­
gião que colaborou com a opressão ou a instituiu. Há tantas evi­
dências disso que não há necessidade de fazer o leitor gastar tempo
com essa questão. A Igreja Católica tem de gastar muito tempo
para se desculpar pelos crimes cometidos contra a humanidade, e
14 o C R I S T I A N I S M O E B O M PARA O M U N D O ?

também gasta muito dinheiro para hoje indenizar as vítimas de


suas ações de estupro e tortura contra crianças. No entanto, se
olharmos para o mundo muçulmano, veremos que, sem nenhu­
ma exceção, quanto menos religioso é o país (Turquia, Indonésia,
Tunísia), maiorçs são suas chances de viver uma vida um pouco
mais democrática. O corolário cabe perfeitamente: quanto maior
o domínio do islamismo, mais se veem terror, tirania e miséria
(Irã, o Afeganistão talibã, as prisões da Arábia Saudita).
O mito bíblico primitivo provavelmente contém uma impor­
tante semente da verdade moral. Criados com uma curiosidade
natural, o primeiro homem e sua mulher são punidos por um
capricho e de forma repugnante pelo simples exercício de uma
faculdade indispensável que lhes havia sido concedida. Há quem
alegue detectar uma espécie de pecado nesse ato positivo da parte
deles. Há também os que, por alguma razão que não se pode en­
tender, acham que todos nós estamos envolvidos naquela trans­
gressão, condenados a rastejar eternamente para alcançar o favor de
um Senhor difícil de agradar. Repudiando esse conto de fadas si­
nistro, afirmo que o “primeiro” registro de rebelião da livre inteli­
gência foi contra os ditames sem sentido da religião, e encerrarei
dizendo que essa importante tradição — que vem desde Demócrito
e Lucrécio, passando por Galileu, Espinoza e Voltaire até chegar a
Darwin e Einstein — é o registro do triunfo da humanidade sobre
a teocracia bárbara e sobre seu manual escriturístico. Há mais bele­
za e simetria nessa realização — e mais amor fraternal genuíno —
do que em qualquer apelo à dimensão vazia do sobrenatural.
APRESENTAÇÃO II
D o u g las W ilson

DEUS SABIA QUE precisaríamos pegar uma moedinha de 10


centavos e, por isso, ele nos deu unhas. Ele sabia que o pôr do sol
em tons de azul, laranja e cinza seria tão lindo e incrível que nos
deu olhos para que pudéssemos enxergar em cores. Ele poderia
ter feito todos os alimentos nutritivos, mas com gosto de jornal
ensopado de óleo. Em vez disso, ele nos deu sabores de melan­
cia, castanha de caju, cerveja preta, pipoca na manteiga, maçãs,
pão fresquinho, picanha assada e uísque 25 anos. E, claro, ele
sabia que precisaríamos agradecer-lhe tudo isso; então nos deu
mente e coração.
A gratidão é assunto central em todo o debate sobre a existên­
cia de Deus. Por um lado, se Deus não existe, não há por que
agradecer alguma coisa a alguém. Estamos aqui como produtos
de uma longa cadeia de processos impessoais que seguem seu
caminho até chegar ao nosso breve momento na História. Se
Deus existe, então cada momento, cada vez que respiramos, cada
coisa que vemos ou ouvimos, tudo é uma dádiva legítima e pura.
E, conforme aprendemos com nossa mãe, quando alguém nos
dá um presente como esse, a única resposta adequada é agradecer
à pessoa.
16 o C R ISTIAN ISM O E B OM PARA O MUNDO?

O apóstolo Paulo dá a esse tema da gratidão um lugar central


no relacionamento do homem com Deus. Ao se referir aos que
levam a vida sem Deus, ele detecta dois problemas. O primeiro
é que eles não conseguem lidar com a divindade de Deus; e o
segundo é que não lhe querem ser gratos. Paulo diz; “Porque,
tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem
lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fú­
teis” (Rm 1.21). Eles não o glorificaram como Deus e não lhe
foram gratos. A soma desses dois problemas é que tanto a imagi­
nação quanto os processos racionais dessas pessoas ficaram do­
minados pela vaidade.
Prevendo uma resposta que Christopher Hitchens poderá dar
a essa minha afirmação, dizendo que ela não passa de um ataque
a d hominem, declaro que Paulo prossegue, escrevendo: “... di­
zendo-se sábios, tornaram-se loucos.” Muitas vezes, porém, o
sentido bíblico da palavra “louco” não é bem interpretado nem
aplicado de forma adequada (veja também SI 14.1). O apóstolo
não afirma “dizendo-se sábios, tornaram-se burros e idiotas” . Não
se trata de inteligência nem de habilidade intelectual. Se fosse
assim, eu seria o primeiro a fiigir de um debate com Christopher
Hitchens. Mas um motor turbinado de 350 cavalos não fará
nada pelo carro se o motorista não soltar a embreagem. E se a
embreagem for usada corretamente, até um pequeno carrinho
de cortar grama pode deslizar muito bem sobre o gramado. Se a
metáfora não for clara, digo que admitir que Deus é Deus e ser
grato a ele é a única coisa que pode soltar a embreagem.
A P R E S E N T A Ç Ã O II 17

N o momento em que o leitor toma esse pequeno livro nas


mãos, gostaria de pedir-lhe que o leia tendo em mente a antiga
tríade composta de verdade, bondade e beleza. Para cada um des­
ses temas gostaria que o leitor perguntasse que significado eles
teriam se Deus não existisse e, além disso, perguntasse o signifi­
cado que eles têm nas ferramentas verbais normalmente utiliza­
das por Christopher Hitchens. Meu argumento não se prende
tanto a desafiar o que Hitchens pretende rejeitar (Deus), mas ao
que ele assim mesmo deseja preservar. Ele pôs a árvore abaixo,
mas ainda assim deseja que a fruta esteja lá para ser colhida. Ele
excluiu de seu quintal as laranjeiras, mas assim mesmo quer suco
de laranja. Christopher Hitchens tem uma boa argumentação,
mas, em face do ateísmo, gostaria que ele explicasse o porquê do
uso da razão. Se Deus não existe, o que é a verdade? Christopher
Hitchens manifesta uma enorme indignação moral, mas, em face
do ateísmo, gostaria que ele explicasse o porquê dessa indigna­
ção. Se Deus não existe, quem está preocupado com moral?
Christopher Hitchens é um grande talento como escritor, mas,
em face do ateísmo, gostaria que ele explicasse o porquê de sua
prosa vibrante e motivadora. Se Deus não existe, então proteste,
protorte, pro& ^% ...^
Por último, já que estou falando tanto de gratidão, é impor­
tante que eu reconheça algumas de minhas dívidas aqui. Logica­
mente sou grato a Deus pela oportunidade de debater com um
ateu do calibre de Christopher Hitchens. Também sou grato ao
próprio Christopher (posso chamá-lo pelo primeiro nome?), pois
18 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

cooperou como um cavalheiro nos bastidores e aceitou subir ao


ringue para uma luta franca e aberta. E agradeço também a Aaron
Rench, meu agente, por organizar tudo, e à Christianity Today
Online pela publicação do primeiro debate. E claro que estendo
minha gratidão a Lucy Jones e a toda a equipe da Canon Press
pelo trabalho que realizaram para que fosse possível publicar o
debate no formato de livro.
PRIMEIRO ROUND
c

DE HITCHENS PARA WILSON

Ao olhar para a questão que se me apresenta (pela qual devo


agradecer-lhe sua generosidade e hospitalidade ao solicitar minha
resposta), tenho plena certeza de que posso responder na negati­
va. As razões são estas:
[1] Embora o cristianismo seja visto como a fonte (ou se veja
como a fonte) de onde se disseminam preceitos morais como
“Ama o teu próximo”, eu não conheço nenhuma prova de que
esses preceitos sejam derivados do cristianismo. Citando um
exemplo de cada Testamento, não acredito que os seguidores de
Moisés não se importaram com homicídio, roubo e falso teste­
munho enquanto não chegaram ao Sinai, e observo que a pará­
bola do bom samaritano revela alguém que, por definição, não
podia ser cristão.
Acrescento a esses pontos óbvios que a Regra Áurea é bem
mais antiga que qualquer sistema monoteísta, e nenhuma socie­
dade humana seria viável ou mesmo concebível sem uma base de
solidariedade (o que também abre espaço para o interesse pró­
prio) entre seus membros. Mesmo que isso não seja de grande
P R IM EI R O R O U N D 21

relevância para a dimensão ética, eu acrescentaria que nem a fá­


bula de Moisés nem os relatos que os evangelhos fazem de Jesus
de Nazaré, com todas as suas enormes discrepâncias, podem afir­
mar a virtude da veracidade histórica. Tenho consciência de que
muitos cristãos também têm dúvidas sobre a veracidade literal
desses contos, mas isso é muito mais problema deles do que
dificuldade minha. Ainda que eu acreditasse que Jesus nasceu de
uma virgem, não consigo pensar como isso constituiria uma prova
da divindade de seu pai ou da veracidade de seus ensinamentos.
Nem mesmo se eu aceitasse que ele ressuscitou. No Novo Testa­
mento há tantas ressurreições que é difícil depositar minha con­
fiança em alguma delas, e muito menos empregá-las como base
para algo tão integral para mim quanto minha moralidade.
[2] Muitos dos ensinamentos do cristianismo são imorais,
além de inacreditáveis e míticos. Cito principalmente o conceito
da redenção vicária, pelo qual a responsabilidade pessoal pode ser
transferida a um bode expiatório, sendo, dessa maneira, elimina­
da. Em meu livro, argumento que posso pagar sua dívida ou até
mesmo ir para a prisão em seu lugar, mas não posso absolvê-lo
do que você fez. Infelizmente, essa fantasia exorbitante chama­
da “perdão” anda de mãos dadas com uma advertência igual­
mente extrema — a saber, a rejeição de uma oferta tão sublime
é passível de ser punida com condenação eterna. Nem o jAntigo
Testamento, que não se intimida em recomendar genocídios,
escravidão, mutilações de órgãos genitais e outros horrores, in­
clina-se a mencionar a tortura dos mortos. Os que contam essas
22 o C R I S T I A N I S M O E BO M PARA O M U N D O ?

histórias tão horríveis para criancinhas não são condenados por


mim, mas pela História e por aqueles que abominam a cruelda­
de cometida contra crianças (fundamento moral presente em
todas as culturas).
C.S. Lewis ajuda-me a tornar clara essa ideia, enfatizando que
os ensinamentos de Jesus fazem sentido somente se o emissor da
mensagem for arauto de um reino dos céus iminente. Se não
fosse assim, não seria moralmente arriscado denunciar o uso eco­
nômico do dinheiro, a família e a preocupação com “o dia de
amanhã”? Alguns de seus leitores poderão acreditar que esse
ensinamento é verdadeiro — no sentido de uma redenção imi­
nente — ou moral. Penso que, para eles, seria difícil acreditar nas
duas coisas ao mesmo tempo; e observo também que seus esfor­
ços seriam infrutíferos e excessivamente hercúleos (às vezes cha­
mados “fanáticos” em relação ao modo como as duas coisas
tracionam em sentidos opostos). Outra maneira de dizer a mes­
ma coisa seria afirmar que, se o cristianismo pretendia nos salvar
com seus ensinamentos, ele deveria ter se saído melhor até agora.
E assim passo para meu próximo ponto.
[3] Se o cristianismo deseja receber crédito pelo trabalho de
cristãos excepcionais ou pelas atividades de famosas obras de as­
sistência social, então, a bem da verdade, deveria também assu­
mir a responsabilidade pelo contrário. Não serei condescendente
com seus leitores, especificando-lhes quais são esses opostos, mas
sugiro outra vez que olhem para a Regra Áurea. Para citar só um
exemplo mais recente, se salmos e hinos foram cantados para
P R IM EI R O R O U N D 23

santificar a escravidão, mas depois também cantados por


abolicionistas, então seria lógico afirmar que a explicação não
fanática para isso é que a moral não exige sanção sobrenatural?
Todas as igrejas cristãs já tiveram de se desculpar por terem parti­
cipado de algum modo das Cruzadas, da escravidão, do antisse-
mitismo etc. Não acho que essa humildade roube o crédito da fé
como tal, pois inclino-me a pensar que a fé é o problema pri­
mordial, mas acho que a humildade conduz necessariamente à
conclusão de que a religião é algo fabricado pelos homens.
Passando para o outro extremo da humildade, a ideia fantasiosa
de que o cosmos foi feito para o homem atinge-me como a mais
elevada forma de egocentrismo arrogante. E isso me leva ao meu
último pensamento (respeitando os limites deste breve ensaio).
Não nos falta conhecimento sobre essas questões, e as fronteiras
se expandem numa velocidade que impressiona até quem não
está em busca de uma causa única para fenômenos tão grandes e
diversificados. Podem-se encontrar mais motivos para assombro
e reverência num estudo do espaço ou de nosso D N A do que em
qualquer livro escrito por um grupo de homens piedosos na era
do mito (em que Tomás de Aquino levou a astrologia a sério e
Agostinho inventou o “limbo”).
É claro que não tenho condições de provar a inexistência de
uma divindade que supervisiona e vigia cada momento da mi­
nha vida e irá me perseguir mesmo depois da morte. (Mas posso
me alegrar com a falta de provas para uma ideia tão pavorosa,
que poderia se comparar a uma Coréia do Norte celestial, onde a
24 o C R I S T I A N I S M O E BO M PARA O M U N D O ?

liberdade não é só impossível, mas inconcebível.) Mas também


nenhum teólogo já provou o contrário. Talvez isso coloque em
condições de igualdade quem crê e quem duvida — exceto pelo
fato de que a pessoa que crê alega saber não apenas que Deus
existe, mas que os pormenores de sua vontade não são mera­
mente passíveis de conhecimento, mas conhecidos de fato. Uma
vez que a religião nasceu quando as espécies viviam em estado de
grande ignorância e medo considerável, espero ser perdoado por
não querer acreditar que outro ser humano possa me dizer o que
devo fazer nos detalhes mais íntimos de minha vida e do meu
pensamento e, além disso, ditar esses termos como se represen­
tasse uma entidade sobrenatural. É claro que essa ideia tirânica é
muito mais antiga que o cristianismo, mas às vezes acho que os
cristãos têm muito menos motivos para acreditar, e menos ainda
para desejar que algo tão horrível seja verdade. Será que sua res­
posta me fará mudar de ideia?

DE WILSON PARA HITCHENS

Gostaria de começar agradecendo-lhe por aceitar participar desta


— como diriam os diplomatas — “franca troca de opiniões”. E
com certeza agradeço aos amigos da Christianity Today por nos
acolher.
P.G. Wodehouse disse certa vez que há mentes que são como
sopa num restaurante de quinta categoria — melhor não mexer.
P R IM EI R O R O U N D 25

Ao pensar sobre o ateísmo, receio que eu possa me identificar


com as palavras de Wodehouse. Eu vinha estudando esse assunto
sem envolver outras pessoas, até que vi o livro de Sam Harris na
mesa de um colega, o que me levou a escrever outro livro em
resposta, isso sem falar em uma resenha da mais recente publica­
ção de Richard Dawkins e agora uma série de respostas ao livro
God is Not Great [Deus não é grande], tudo isso culminando
neste debate. Receio que meu problema seja o seguinte: quanto
mais eu mexo no prato de sopa, mais fumaça, carnes misteriosas
e perguntas vêm à superfície. Aqui estão algumas.
Seu primeiro argumento é que a fé cristã não pode receber o
crédito por toda aquela coisa envolvendo “ama o teu próximo”,
isso sem falar na Regra Áurea, e a razão apresentada é que esses
preceitos morais sempre foram óbvios para todos os que, ao
longo da História, queriam uma sociedade estável. Daí você
passa para o segundo argumento, que diz que os ensinamentos
do cristianismo são “incrivelmente imorais” . Em seu livro, você
argumenta a mesma coisa referindo-se a outras religiões. Apa­
rentemente, os princípios morais básicos não são assim tão
óbvios. Então, esta é minha primeira pergunta: em que sentido
você está apresentando esse argumento? Será que todas as socie­
dades humanas têm uma noção básica de moral, que é o tema de
seu primeiro argumento, ou será que a religião contaminou todas
as coisas, que é a tese de seu livro?
A segunda coisa que se observa é que, na realidade, os cristãos não
alegam que o evangelho tornou o mundo melhor fornecendo-nos
26 o C R I S T I A N I S M O É BO M PARA O M U N D O ?

informações éticas turbinadas. Houve avanços éticos que se de­


vem à propagação da fé, mas não é aí que se concentram as
ações. Os cristãos creem — conforme argumenta C.S. Lewis
em A abolição do homem — que incrédulos compreendem os
fundamentos da moralidade. O apóstolo Paulo refere-se aos
gentios, que não tinham a lei, mas assim mesmo tinham um
conhecimento natural de alguns princípios da lei (Rm 2.14).
Mas o mundo não se torna um lugar melhor porque se conse­
gue entender a maldade humana. Ele deve se tornar melhor por
meio das boas novas — precisamos aceitar a dádiva do perdão e
a consequente capacidade de viver em conformidade com um
padrão que já conhecíamos (mas que, necessariamente, estáva­
mos deixando de seguir). Portanto, o evangelho não consiste em
alguma lei nova e aperfeiçoada. Ele torna o mundo melhor por
meio das boas novas, e não usando de artifícios como culpa ou
bons conselhos.
Em sua segunda objeção, você tem o prazer de desqualificar o
Antigo Testamento, “que não se intimida em recomendar geno­
cídios, escravidão, mutilações de órgãos genitais e outros horro­
res” . Em prol da nossa discussão, deixando de lado por um
momento se sua representação do Antigo Testamento é tenden­
ciosa ou fiel, parto da premissa de que você resumiu com fideli­
dade a essência da ética de Moisés. Daí você passa a dizer que
foram “condenados pela História” os que ensinam tais histórias
para as crianças. Mas por que essa “condenação feita pela Histó­
ria” deveria ter alguma importância para qualquer um de nós que
PRIMEIRO ROUND 27

lê histórias bíblicas para crianças, ou deveria importar até mesmo


para qualquer das pessoas que cometeram aquelas atrocidades,
segundo os princípios que você estabelece? Essas pessoas já estão
todas mortas, e nós, que lemos essas histórias, também iremos
morrer. Por que deveríamos nos importar com os frágeis julga­
mentos da História? Deveriam os propagadores desses “horro­
res” ter se importado? Não há Deus, correto? Como não há Deus,
isso significa — você sabe disso — que genocídios acontecem do
mesmo jeito que terremotos e eclipses. Tudo é matéria em mo­
vimento, e essas coisas acontecem.
Se você está do lado de quem é atingido, só existe morte, e se
você é um dos agentes desse genocídio, o resultado a longo prazo
é uma breve vitória e morte no final. Então, quem se importa?
Imagine um israelita durante a conquista de Canaã, fazendo to­
das aquelas coisas ruins que você diz terem acontecido. Durante
um de seus arroubos de fúria, empunhando uma espada, será
que ele deveria parar por um momento para refletir sobre a pos­
sibilidade de você estar com a razão? “Sabe, daqui a três milênios
e meio, o consenso entre os historiadores será que estou fazendo
algo errado neste exato momento. Mas, se não há Deus, essa
desaprovação com certeza não irá perturbar minha indiferença.
Avante com os despojos e a matança!” Baseado nos princípios
que você estabeleceu, porque ele deveria se importar com algum
princípio moral?
Em sua terceira objeção, você diz que, “se o cristianismo dese­
ja receber crédito pelo trabalho de cristãos excepcionais ou pelas
28 o C R I S T I A N I S M O É B OM PARA O M U N D O ?

atividades de famosas obras de assistência social, então, a bem da


verdade, deveria também assumir a responsabilidade pelo con­
trário”. Resumindo, se expomos os nossos santos, você exige que
também mostremos nossos charlatães, perseguidores, trapacei­
ros, mercadores de escravos, inquisidores, camelôs, televangelistas
e por aí afora. Mas permita-me expor a estrutura do seu argu­
mento aqui. Se um professor universitário recebe crédito pelo
aluno que domina toda a matéria estudada, passa nos exames
finais e segue para uma carreira que será benéfica para si e para a
universidade onde se formou, deve-se obrigatoriamente criticar
o professor (é uma questão de justiça) pelo vagabundo maconheiro
que ele teve de pôr para fora da classe na segunda semana de aula.
Ambos estavam matriculados, não é? Ambos eram alunos, não
1?
eramr
O que você está dizendo é que o cristianismo precisa obriga­
toriamente ser julgado não apenas com base nos que creem no
evangelho e vivem segundo essa fé, mas também com base nos
cristãos nominais que não podem ouvir o Sermão do Monte
sem que isso seja motivo de piada e sem correspondência na vida.
Você está dizendo que aqueles que se destacam no curso e os que
tomam bomba são a mesma coisa. É um pensamento que me
parece bastante curioso.
Você conclui fazendo objeção à soberania de Deus e diz que
essa ideia transforma o mundo inteiro num pavoroso Estado
totalitário, onde os que creem dizem que Deus (e quem ele pen­
sa que é?) controla todas as coisas. Eu recomendo que você deixe
PRIMEIRO RO U N D 29

um pouco de lado toda essa teologia e tente evocar alguma grati­


dão por aqueles que criaram nossas instituições de liberdade.
Muitas dessas pessoas foram realmente inspiradas pela ideia de
que, uma vez que Deus é plenamente soberano e o homem, pe­
cador, todo poder humano deve ter limites e responsabilidades.
A ideia da divisão de poderes vem de uma cosmovisão que você
desqualifica como essencialmente totalitária. Por que as socieda­
des em que predominou esse tipo de teologia geraram, como
consequência direta, nossas instituições de liberdade civil?
A última questão: em seu parágrafo final você dá grande im­
portância ao seu individualismo e ao seu direito de ser deixado
em paz nos “detalhes mais íntimos de sua vida e de seu pensa­
mento”. Diante de seu ateísmo, que explicação você pode dar
que nos obrigue a respeitar o indivíduo? Como o seu individua­
lismo flui das premissas do ateísmo? Por que alguém do mundo
externo deveria respeitar os detalhes de sua vida e de seu pensa­
mento mais do que respeita o movimento interno de qualquer
outra reação química? Nossos pensamentos não passam disso,
certo? Ou, se existe uma diferença, poderia você, a partir das
premissas de seu ateísmo, fazer essa distinção?
SEGUNDO ROUND
c

DE HITCHENS PARA WILSON

Exceto pela recomendação de Wodehouse, isso é um casuísmo


meio engraçado, que não contém nada que o diferencie do
islamismo, do hinduísmo ou até do humanismo. Se eu fosse
cristão, ficaria muito incomodado com a quantidade de conces­
sões feitas por Wilson. Como não sou cristão, esboço um discre­
to “obrigado” pelo fato de ele admitir que a moral não tem nada
a ver com o sobrenatural. Meu livro traz o argumento de que a
fé religiosa tornou-se puramente opcional, e não pode ser decre­
tada por alguma coisa revelada ou divina. É só mais uma coisa
em que acreditar no meio de um número incalculável de “crenças”
particulares que não me incomodam nem um pouco, contanto
que seus adeptos concordem em me deixar em paz.
Como Wilson não procura me convencer de que Cristo mor­
reu por meus pecados (e ainda por cima pode perdoá-los de modo
vicário) nem de que sou fruto de um plano divino ou de que
alguns fatos narrados no Antigo ou no Novo Testamento real­
mente aconteceram, nem de que punições severas estão reserva-
SEG UN DO ROUND 33

das para quem discordar desse pensamento, sinto-me à vontade


para deixar nossas divergências exatamente onde se encontram:
como uma das disputas cada vez menos interessantes entre os
que, hesitantes, agarram-se às “Escrituras Sagradas” fabricadas pe­
los homens e os que não têm necessidade de consultar tais textos
em busca de verdade, beleza ou vida ética. A existência ou não de
um cosmos indiferente (algo de altíssima probabilidade) não re­
duziria nossas obrigações humanas mútuas em comparação com
a teoria bem estranha de um ditador celestial, seja ele asteca, mu­
çulmano ou cristão (como você insiste em dizer). A única dife­
rença é que estaríamos agindo a partir de nossa obrigação com os
outros, a partir de simpatia e interesses mútuos, sem o impulso
da terrível punição ou por alguma recompensa egoísta. Alguns
conseguem lidar com esse pensamento, mas outros, é claro, não.
Tenho uma leve suspeita sobre o que é mais moral.
Numa recente visita ao estado de Arkansas, passei por um enor­
me outdoor perto do aeroporto de Little Rock, onde se lia: “JE ­
SUS.” Isso me chamou a atenção, pois o outdoor dizia muita coisa
e, ao mesmo tempo, muito pouco; eu quase o havia esquecido até
deparar com as evasivas de Wilson, que me fizeram lembrar dele.

DE WILSON PARA HITCHENS

É com prazer que vejo que você achou meio engraçada a minha
resposta. Também gosto de saber que nós dois admiramos
34 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

Wodehouse. E alegra-me muito o fato de que você gostaria que


eu começasse a falar sobre a morte de Cristo pelos pecadores —
o que certamente farei. Mas o modelo que o Novo Testamento
nos apresenta dirige-se primeiro à necessidade de arrependimen­
to e depois à necessidade de fé em Cristo como Salvador. No
âmbito de nosso debate, o arrependimento torna-se necessário
porque você abraça as contradições internas do ateísmo, e tudo
para evitar Deus (Rm 1.21; SI 14.1-2). Assim, chegaremos ao
evangelho, mas preciso pedir-lhe que tenha um pouco mais de
paciência.
Voltando agora ao assunto em discussão, a saber, o arrependi­
mento intelectual. Desqualificar algum a coisa por achá-la
casuísmo não é o mesmo que provar um casuísmo; recusar-se a
responder a algumas perguntas porque o outro está sendo evasivo
é uma manobra bem engenhosa — se você conseguir realizá-la
com sucesso.
Parece que você distorceu meu reconhecimento de que —
quanto à vida civil pública — os ateus com certeza podem sc
portar de maneira moral. O que eu estava dizendo não era que a
moralidade não tem nada a ver com o sobrenatural, como você
declara, mas que a moralidade não tem nada a ver com o sobre­
natural se você quiser ser um ateu incoerente. Aqui está aquela
mesma ideia, expressa de outro modo e atrelada ao tema que
estamos discutindo.
Entre muitas outras razões, o cristianismo é bom para a hu­
manidade por tornar a hipocrisia um conceito coerente. A fé
SEG UN DO ROUND 35

cristã certamente condena a hipocrisia como tal, mas como há


um padrão fixo, isso torna possível que pecadores não consigam
segui-lo ou que hipócritas ardorosos finjam que o seguem, quan­
do, na realidade, não têm a menor intenção de fazê-lo. Agora
faço-lhe uma pergunta: existe algo que se possa chamar de hipo­
crisia ateístdi Quando outro ateu faz escolhas éticas diferentes
das suas (como por certo fizeram Stalin e Mao Tsé-Tung), existe
algum padrão comum a todos os ateus, padrão este que você está
respeitando, mas eles não? Caso afirmativo, que padrão é esse e
em que livro ele tem origem? Por que ele tem força sobre eles se
com você é diferente? Mas se não existe um padrão objetivo
aplicável a todos os ateus, então não lhe parece que se torna ne­
cessário o elemento sobrenatural para que haja um padrão moral
que possa ser expresso e defendido com alguma lógica e raciona­
lidade?
Portanto, não estou dizendo que você precisa crer no sobre­
natural para que possa viver como um cidadão responsável. O
que estou dizendo é que você precisa crer no sobrenatural para ter
condições de explicar com coerência e racionalidade por que você
acredita ser necessário viver desse jeito. Para provar que estou
errado neste ponto, não basta empregar palavras como “casuísmo”
ou “evasivas” — você precisa apresentar uma explicação racional.
Com base no ateísmo, a moralidade objetiva espelha-se... como?
A fé cristã é boa para a humanidade porque fornece o padrão
fixo que o ateísmo não consegue fornecer e porque proporciona
perdão dos pecados, algo que o ateísmo também não pode dar.
36 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

Precisamos da direção de um padrão porque somos pecadores


confusos. Precisamos do perdão porque somos pecadores culpa­
dos. O ateísmo não apenas conserva a culpa, mas também man­
tém a confusão.
TERCEIRO ROUND
c

DE HITCHENS PARA WILSON

Vemos aqui um pequeno exemplo de como o senso de seguran­


ça dos religiosos lhes permite ser indelicados e deselegantes de
uma maneira que eles não fariam facilmente no discurso do dia a
dia. Conheço bem o versículo de Salmos que me descreve como
tolo, corrupto e abominável. (Em meu livro God Is N ot Great,
mostro que o salmista estava tão encantado com essa ideia, que a
reproduziu quase integralmente na abertura do salmo 53.) Não
me surpreendo — nem me ofendo — por perceber que na Epís­
tola aos Romanos sou igualmente desqualificado como um in­
grato ignorante e fútil. A verdade é que eu nunca pedi para ser
salvo e não quero ninguém sendo martirizado por mim — ou se
martirizando contra mim. Peço só uma coisa ao apóstolo Paulo,
a seus seguidores e imitadores: deixem-me em paz.
A respeito da questão muito mais pertinente em torno da
origem dos imperativos éticos, que acredito derivarem da solida­
riedade humana inata, e não do sobrenatural, permita-me apre­
sentar igualmente um exemplo de cada Testamento. Parto da
premissa de que as narrativas podem ser consideradas confiáveis
TERC EIRO ROUND 39

até prova em contrário. Deve-se acreditar que os judeus chega­


ram ao Sinai com a impressão de que homicídio, roubo e falso
testemunho não eram exatamente um problema? E na história
do bom samaritano que interrompeu sua viagem para ajudar um
semelhante existe alguma declaração de que ele tenha agido as­
sim por orientação divina? Como ele era anterior a Jesus, clara­
mente não foi motivado por algum ensinamento cristão. E se ele
fosse um judeu piedoso, como parece provável, ele tinha garan­
tias e autoridade religiosa para não fazer o que fez, se a pobre
vítima não fosse um judeu. A fé no sobrenatural faz pessoas (que
seriam decentes sob outras circunstâncias) praticarem atos que
normalmente elas evitariam — atos como mutilar órgãos genitais
de crianças, apavorar criancinhas com conversas sobre o inferno,
proibir práticas sexuais normais, culpar todos os judeus por
“deicídio”, aplaudir suicidas-homicidas e tratar as mulheres se­
gundo a cartilha de Paulo ou Maomé.
Nunca aleguei nem deixei subentendido que a incredulidade
é garantia de boa conduta ou mesmo indicador dela. (Às vezes
acho que os ateus, sob certo aspecto, têm uma leve superioridade
pelo fato de chegarmos às nossas conclusões sem pensar sobre a
morte de um jeito egocêntrico e subjetivo, fazendo dela o que
gostaríamos que ela fosse.) Mas um ateu pode ser niilista, sádico
ou até casuísta.
Quanto à questão de Stalin e da barbárie secular ou ateísta, é
com modéstia que chamo sua atenção para o capítulo 17 de meu
pequeno livro, onde procuro apresentar uma resposta a essa
40 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

pergunta muito comum. Até 1917, a Rússia esteve durante sécu­


los debaixo de um monarca absoluto que também era o cabeça de
uma Igreja Ortodoxa corrupta e intolerante, detentora de poderes
supostamente mais que humanos. Com milhões de pessoas ansio­
sas e famintas, crédulas e há tanto tempo imbecilizadas, Stalin, um
ex-seminarista, teria sido tolo se não apelasse a tamanha reserva de
ignorância e servidão, procurando também imitar seu antecessor.
Se o sr. Wilson preferir não misturar alhos com bugalhos e apon­
tar para uma sociedade que tenha sucumbido em miséria e
despotismo seguindo os preceitos de Epicuro ou Espinoza ou
Jefferson ou Einstein, terei prazer de debater com ele.

DE WILSON PARA HITCHENS

Há algumas pequenas confusões que gostaria de apontar breve­


mente dentro do escopo dos meus primeiros parágrafos. Se
houver condições, gostaria ainda de usar um pouco do espaço
para tratar do pensamento central que você (de novo) parece não
haver entendido. O restante do tempo será empregado com sua
alegação em torno da origem dos imperativos éticos. Gostaria de
fazer tudo isso para preparar o palco para nosso debate sobre a
razão central por que o cristianismo é bom para a humanidade
— ele é bom porque Jesus morreu pela vida da humanidade.
Em primeiro lugar, as confusões. Citei Salmos 14.1 não por
pensar que você seja “burro” . Na literatura de sabedoria do Anti-
TERC EIRO ROUND 41

go Testamento, a insensatez é uma questão moral, não de inteli­


gência. Estou pronto a reconhecer de boa vontade (e não pelo
argumento em si) que você é superior a mim intelectualmente.
Mas não estamos discutindo quem tem mais potência intelec­
tual — a questão aqui é se seu carro superior está na estrada certa.
Um carro veloz pode ser um problema numa noite escura por
uma estrada em que a ponte caiu. E você insiste em continuar
usando os óculos escuros do ateísmo.
Sua segunda confusão tem a ver com a parábola do bom
samaritano. O nome da parábola deveria ter sido de ajuda —
você diz que o protagonista da história era “de Samaria”, mas
você não leva em conta que essa era uma questão racial e étnica,
e não de local de moradia. O homem que havia sido espancado
e estava à beira do caminho era judeu, o sacerdote e o levita que
passaram por ele eram judeus e o homem que parou para ajudar
era samaritano, desprezado por ser de uma raça misturada. Mas
você diz que era provável que o samaritano fosse judeu, inver­
tendo toda a história e fazendo-me pensar que você não leu di­
reito o texto bíblico (Lc 10.27-37).
Mas respondendo ao ponto que você traz à baila citando a
história, o samaritano não precisava do ensino de Jesus para fazer
a vontade de Deus. Jesus contou a história como uma exposição
do segundo maior mandamento, que é amar o próximo como a
si mesmo. Um mestre da lei havia pedido a Jesus que definisse
quem era o “próximo” para se justificar, e ele contou essa história
para ilustrar a mensagem de uma lei antiga. Assim, o dever de
42 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

amar o próximo foi revelado aos escritores do Antigo Testamen­


to cerca de mil e quinhentos anos antes de ser cumprido pelo
samaritano por meio desse ato de amor.
Você afirma, consequentemente, que esse tipo de lei era a de­
claração do óbvio — Moisés desceu do monte e passou a dizer
ao povo que homicídio, roubo e falso testemunho eram coisas
erradas; então toda aquela gente reunida revirou os olhos e disse:
“Nós já sabíamos disso!” Mas o problema é que naquela época as
pessoas não sabiam disso, e hoje ainda não sabem. Afirmar algu­
mas questões incluídas em apenas uma das três categorias que
você menciona é apontar para controvérsias que ainda existem
nos dias atuais. Pense em uma das questões incluídas na categoria
mais facilmente condenável entre as três — homicídio. Temos
aborto, infanticídio, abortos em estágios avançados de gravidez,
eutanásia, genocídio, pesquisa com células-tronco, pena de mor­
te e guerra injusta. Homicídio é a coisa mais fácil de enxergar em
nossa sociedade, mas mesmo assim não o vemos com clareza.
O homem, seja o de antigamente, seja o de hoje, certamente
conhece toda a lei de Deus se o boi que está sendo ferido é o dele,
mas o propósito de um código de leis é proporcionar um padrão
para todos, quando indivíduos desejam colocar de lado os pa­
drões da vida civilizada para atender seus interesses. E à seme­
lhança dos antigos, nós também precisamos de ajuda nessa
questão.
Passo agora ao ponto que você continua sem entender. Não
estou preocupado se ateus praticam necessariamente o mal nem
T ERC EIR O ROUND 43

se eles podem vir a cometê-lo. Eu neguei a primeira afirmação e


agora você admite a outra. Mas não é bem por aí. Não estamos
falando que o fato de ser ateu o obriga a ir para o centro da
cidade esta noite e incendiar um bêbado na calçada. Eu não pen­
so que seja assim. E também não estamos conjecturando se ateus
são capazes de cometer atos maus. Você mesmo admite que sim.
Estamos falando (ou, para ser mais exato, eu estou tentando fa­
lar) sobre o ateísmo apresentar ou não alguma base racional para
condenar racionalmente os que se comportam dessa maneira
perniciosa. Você costuma dizer: “Cheguei a tal posicionamento
ético.” E eu lhe pergunto: “Sim, claro. Mas por quê?”
Assim, o que está em jogo não é se podemos fazer uma lista de
lugares encantadores sob a direção de ateus ou de filiais do inferno
governadas por cristãos. Se me dessem a possibilidade de escolher
entre morar num Estado como a Virgínia governado por Thomas
Jefferson ou na Rússia sob o poder dos czares, minha escolha seria
viver sob seu amado Jefferson. Tudo bem. Mas isso não é uma
concessão, porque não é disso que estamos falando.
Pense no pior ateu de que você tem notícia. Imagine-se senta­
do ao lado de seu leito, minutos antes de sua morte. Seguindo o
exemplo de Frank Sinatra, ele diz: “1 did it my way” [Vivi do
jeito que eu quis]. Em seguida, dá uma risadinha de satisfação e
conclui: “E acabei impune.” Pela sua teoria, a única regra é que
você precisa dizer-lhe alguma coisa e, seja lá o que for, é algo que
deve emanar do ateísmo compartilhado por vocês dois — e de­
verá desafiar as escolhas morais que ele fez durante a vida. Quais
44 o C R I S T I A N I S M O E B O M PARA O M U N D O ?

são suas opções? Ele realmente acabou a vida impune. Deixou


um rastro de injustiça atrás de si, e não há nenhuma justiça que o
aguarde. Falta-lhe base para dizer algo que não tenha por funda­
mento seu preconceito e suas preferências. Você menciona isso
para ele. E, dando de ombros, ele responde: “Tanto faz quanto
tanto fez.”
E claro que eu gostaria de submeter minha teoria ao mesmo
teste. Consigo pensar em alguns cristãos realmente maus. Mes­
mo que eu não conseguisse, é claro que você me ajudaria. A dife­
rença entre nós dois é que eu tenho uma base pela qual posso
condenar o mal em sua perspectiva cristã. Você não tem base
alguma para confrontar o mal, quer de uma perspectiva cristã,
quer de uma perspectiva ateísta. Se você diz que tal prática é má,
precisa ter argumentos para explicar o porquê disso. E isso nos
leva ao último ponto — você dá o primeiro sinal de que está
tentando apresentar uma base para a ética.
Você diz de passagem que os imperativos éticos derivam da
“solidariedade humana inata”. De imediato surgem muitas per­
guntas difíceis, e isso talvez explique por que os ateus geralmente
se mostram tão relutantes em responder à seguinte pergunta:
“Quem faz essa derivação?” Teria ela alguma autoridade? Alguém
já votou em quais derivações representam uma solidariedade hu­
mana inata e verdadeira? Alguém já votou nos derivativos fide­
dignos? Com base em quê a solidariedade humana inata é um
critério confiável? Se alguém rejeita esse critério, essa pessoa está
sendo má ou seria ela uma simples e inevitável mutação no pro-
TERC EIRO ROUND 45

cesso evolutivo? O que é exatamente solidariedade humana? O


que é mais fácil de entender: o livro de Romanos ou o livro da
solidariedade humana inata? Existem denominações distintas que
leem o livro da solidariedade humana inata de formas diferentes?
Qual delas está certa? Quem diz que esta ou aquela está certa?
E, por último, a solidariedade humana inata crê em Deus?
QUARTO ROUND
c

DE HITCHENS PARA WILSON

Esta é a razão por que, em meu livro, enfatizo tanto a importân­


cia de Guilherme de Occam e sua famosa navalha. Desculpe-me
a impressão, mas por que os fiéis passam tanto tempo vendo
mistério onde ele não existe? E por que insistem em incluir pres­
supostos que não podem ser provados?
Considero que o sentido da passagem em Lucas (num trecho
cheio de histórias sobre expulsão de demônios e outras magias
desconcertantes) seja o dever diante das pessoas que se encon­
tram em dificuldade. Parece que o texto perde muita força se a
lição se resumir a discrepâncias étnicas sobre as quais nem pode­
mos ter certeza. Não se deve “inverter” a mensagem como se ela
fosse o dever de imitar o samaritano, algo como “vá e faça o
mesmo” .
Você dilui a pureza da história — cujo princípio moral pode
ser compreendido por qualquer ateu ou humanista — dizendo
que há um milênio e meio de intervalo entre a “revelação” desse
simples ato de caridade e seu cumprimento como narrativa. Você
também parece não fazer distinção entre um mandamento com-
QUARTO ROUND 49

preensível, como “ama o teu próximo”, e a ordem impossível de


amá-lo “como a ti mesmo”. Nós não fomos feitos para amar os
outros como a nós mesmos; isso pode até ser um defeito em
nosso “projeto”, mas, neste caso, a ironia ficaria por sua conta. A
Regra Áurea pode ser encontrada nos Analectos de Confucio e no
lema do rabino babilônio Hillel, que são bem mais antigos que
o cristianismo e declaram que não se deve fazer aos outros aquilo
que seja repulsivo a nós mesmos. (Isso também é algo que me
assalta como contraditório ou pleonástico, pois com certeza to­
dos concordamos que sociopatas e psicopatas merecem ser trata­
dos de formas que qualquer pessoa moralmente normal achará
questionáveis.)
Quando, porém, você diz que os homens nunca conheceram
nem compreenderam o princípio essencial, você está dizendo um
absurdo. A moralidade comum é inata. Mas se você pensa que
ela ainda não é conhecida, então os séculos de advertências divi­
nas foram em vão. Você está preso numa rede que você mesmo
armou. Olhe para a lista de crimes reais ou possíveis que você
menciona. O genocídio não é condenado pelo Antigo Testamen­
to (como você bem sabe e admite), a exemplo da escravidão.
Pelo contrário, esses dois horrores são muitas vezes recomenda­
dos pelos escritos sagrados. O aborto é denunciado no Juramen­
to de Hipócrates, que é bem anterior ao cristianismo. Quanto à
pena de morte e à guerra injusta, tanto religiosos quanto não
religiosos divergem sobre as próprias definições que sustentam
qualquer condenação. (Quando você inclui “pesquisa de células-
50 o C R I S T I A N I S M O E B O M PARA O M U N D O ?

tronco”, presumo que você tenha omitido sem querer a palavra


“embrionárias” .)
Em resposta à sua próxima pergunta desnecessariamente com­
plexa, os ateus não ficam incomodados com a questão do mal
ou da possibilidade de uma derivação não sobrenatural da ética.
O que nos deixa relutantes é dizer que, se a fé religiosa desmoro­
nar — como cremos que vai acontecer e, até certo ponto, já está
acontecendo — , o alicerce da moral e da decência desmorona
junto. E não deixamos de notar que há um corolário que cabe
aqui: a maneira como a religião faz as pessoas se comportarem
pior do que se comportariam. Se você não acredita em mim, dê
uma lida no jornal de hoje: veja o que as tropas de Deus estão
fazendo no Iraque. O u observe o comércio sórdido, mas piedo­
so, de Ralph Reed, Jack Abramoff ou do falecido Jerry Falwell.
E junto ao leito de morte deste último que você deveria fazer sua
pergunta — você ousaria dizer que um seguidor de Albert Einstein
ou de Bertrand Russell estaria com aquele mesmo risinho de
satisfação no último minuto de vida? Em ambos os casos — um
ateu arrogante e presunçoso ou um religioso hipócrita — , creio
que nós dois teríamos dados suficientes para sermos bem “críti­
cos”. Eu me diferenciaria de você somente pelo fato de não exigir
sanções sobrenaturais ou de não alegar uma superioridade que
me confere tal poder.
Lamento que tenha sido com sarcasmo que você se refere a
Thomas Jefferson como “meu” amado. Você também não o
respeita? E por que você não consegue acreditar que um incrédulo
Q U ARTO ROUND 51

pode doar sangue sem esperar nada em troca, simplesmente pela


satisfação de realizar um ato que envolve apenas um benefício e
nenhum prejuízo? Segundo seu pensamento, o fato de eu agir
assim não tem sentido, a menos que eu aceite a ideia inacreditável
de que, depois de centenas de milhares de anos de vida e sofri­
mento humanos. Deus escolheu um momento, alguns milhares
de anos atrás, para fmalmente intervir. Mais cedo ou mais tarde
você terá de aceitar que é possível existir uma pessoa boa que
não obrigue sua mente a acreditar em algo tão fantasioso. Nessa
hora você verá que suas terríveis condições vão bem além das
exigências.
Ao encerrar, respondo à sua estranha observação sobre meu
automóvel, citando Heine. Ele disse:

Em épocas de trevas as pessoas são mais bem orientadas


pela religião, assim como numa noite de breu total um cego
é o melhor guia; ele conhece os caminhos e as estradas me­
lhor que qualquer pessoa que enxergue. Mas quando chega
a luz do dia, é bobagem usar cegos como guias.

O argumento que você constrói já estava superado bem antes


de nós dois nascermos. Não há necessidade de uma revelação
para viabilizar a moral, e a ideia de que a boa conduta exige uma
recompensa celestial, ou de que a má conduta merece punição
com inferno, é uma degradação de nosso direito e dever de fazer
escolhas por nós mesmos.
52 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

DE WILSON PARA HITCHENS

Você se refere aos fiéis que veem “mistério onde ele não existe”.
Será que você concordaria que a pergunta: “Por que existe algo
aqui em vez de absolutamente nada?” não se enquadra na mesma
categoria? Se você e eu estivéssemos num camarote de experi­
mento mental assistindo à explosão que conhecemos como Big
Bang ou à primeira resposta gloriosa da criação diante do fia t lux
de Deus, poderíamos concordar que, naquele momento, a navalha
de Occam seria totalmente inútil a qualquer um de nós dois?
Se Jesus tivesse contado uma história sobre um homem ne­
gro que parou para ajudar um branco que havia sido espancado
no Mississipi na década de 1950 e você recontasse a história tem­
pos depois, dizendo que o homem misericordioso era branco,
penso que seria justo eu apontar para a inversão e para o fato de
que a história havia sido modificada e enfraquecida. E quando eu
disse que o bom samaritano cumpriu uma lei antiga, eu não
disse que a obediência a essa lei esteve inoperante durante o tem­
po decorrido. É óbvio que não esteve. Mas a desobediência tam­
bém não esteve, e Jesus estava atacando uma forma específica de
desobediência institucionalizada — a hipocrisia religiosa.
Sobre a questão da moral, você diz que o que o deixa relutan­
te é dizer que, se a fé religiosa desmoronar, o alicerce da moral e
da decência desmorona junto. Mas o seu comportamento vai
bem além de uma simples relutância. Seu livro e suas participa­
ções neste debate até agora estão repletos de denúncias veçmen-
QUARTO ROUND 53

tes de várias manifestações de imoralidade. Você está agindo aqui


como se fosse um Savonarola, e eu apenas gostaria de saber qual
é a base para suas sonoras denúncias.
Você prega como se fosse um evangelista ardoroso — com um
livro flexível de capa de couro e tudo o mais. Eu sei que o livro não
é a Bíblia e apenas quero saber que livro é esse e por que ele tem
algo a ver comigo. Por que alguém deveria ouvir suas críticas em
torno de cristãos contra muçulmanos no Oriente Médio ou sobre
batistas fundamentalistas como Falwell da Virgínia? Pelo que você
preconiza, você não passa de uma reunião aleatória de protoplasma,
mais barulhento que a maioria, mas não mais digno de crédito
que qualquer outro — ou seja, digno de crédito algum.
Você afirma que eu preciso admitir que pode haver pessoas
boas que não precisam se ocupar com o que eu estou dizendo
sobre Jesus. Mas minha afirmação inicial foi bem mais modesta.
Estou dizendo apenas que uma pessoa boa precisa ter condições
de, no mínimo, definir o que é bondade e em que ela se baseia.
Você acena dizendo que “a moral básica é inata”, mas isso não
chega nem perto de um padrão.
Há três problemas insuperáveis para você aqui. O primeiro é
que inato não é sinônimo de digno de crédito. Por que alguém
deveria obedecer a algum estímulo interior? E qual estímulo deve
estar acima de todos os outros estímulos concorrentes? Por quê?
Em segundo lugar, o emaranhado de princípios morais inatos e
conflitantes hoje encontrados em bilhões de seres humanos tam­
bém precisa ser classificado e sistematizado. Por que você faz isso
54 o C R I S T I A N I S M O E BO M PARA O M U N D O ?

e depois chega nos dizendo como devemos nos comportar? Quem


morreu e o constituiu rei sobre nós? E em terceiro lugar, você
acredita que essa nossa moral inata se encontra na criatura (na hu­
manidade), que é prima (de sangue) de várias bactérias, mamíferos
aquáticos e pássaros coloridos da selva. Toda a sua cosmovisão tem
como fundamento a evolução, o que significa nada mais, nada
menos, que mudança. Você também acredita que praticamente
todas as espécies têm formas derivadas umas das outras. E quando
mudamos, algo de que não podemos escapar, toda a nossa moral
inata muda conosco, certo? Temos primos distantes cujas mães
comiam os filhotes. Isso lhes era inato? Será que eles se desenvol­
veram porque agir assim não era bom para eles?
Tudo isso se relaciona com o tema de nosso debate. Estamos
perguntando se o cristianismo é bom para o mundo. Na condi­
ção de um cristão que discute esse tema com um ateu, tenho
tentado mostrar, em primeiro lugar, que o ateísmo não tem nada
a dizer sobre o assunto — nem de um jeito nem de outro. Se o
cristianismo é ruim para o mundo, os ateus nao podem afirmar
isso com coerência, pois lhes falta um critério fixo para definir o
que é ruim. Se o cristianismo é bom para o mundo, os ateus não
devem ser consultados a esse respeito, pois eles não têm como
definir o que é “bom” . Pense nisso como se estivesse de mãos
atadas — de modo que eu possa falar de Jesus. E quero fazer isso
porque ele é bom para a humanidade.
Jesus Cristo é bom para a humanidade porque ele veio na
condição de vida para o mundo. Você tem razão ao dizer que
QUARTO ROUND 55

amar o próximo como a nós mesmos é impossível e está com­


pletamente fora de nossa capacidade. Mas você encara essa inca­
pacidade como um estado natural (que o mandamento agride),
ao passo que o cristão olha para a mesma coisa e vê um estado de
morte (que a vida se dispõe a transformar). Nossa total incapaci­
dade de fazer o que é certo não nos isenta da responsabilidade de
fazê-lo. E por isso que a Bíblia refere-se ao incrédulo como escra­
vo do pecado ou como alguém que se encontra num estado de
morte. A ideia das duas metáforas é ressaltar a total incapacidade
de fazer o que é certo. Estávamos mortos em nossas transgres­
sões e pecados, afirma-nos o apóstolo Paulo.
Portanto, a morte e a ressurreição de Cristo não são apresenta­
das pelo evangelho como remédio para todos os que se encontram
no hospital, mas como vida ressurreta num cemitério. O mundo
vive em um estado contínuo de morte — na hora do egoísmo, da
ganância, da traição, da cobiça, da hipocrisia, do orgulho e da
insolência, nunca pecamos pela falta, mas sempre pelo excesso.
Mas a morte de Jesus significa que o estado de morte foi glorio­
samente levado à morte. É por isso que Jesus disse que, quando
fosse elevado na cruz, atrairia a si todos os homens. Na bondade
de Deus, a Cruz é um objeto que nos causa fascínio inexorável.
Quando homens e mulheres olham para ele em sua morte, rece­
bem vida em sua ressurreição. E isso é bom para a humanidade.
QUINTO ROUND
c

DE HITCHENS PARA WILSON

Já que você insiste, concedo que a importância do samaritano


reside em seu aspecto étnico. Não é uma parábola muito im­
pressionante, embora na primeira vez que a ouvi em uma escola
dominical ela tenha sido apresentada como exemplo de caridade
universal (com a implicação que, por alguma razão, não nos é
estranha: pessoas piedosas não agem necessariamente com mais
amor e compaixão que as outras). O que sabemos sobre a etnia
do homem que caiu nas mãos dos bandidos ou sobre a natureza
tribal dos ladrões, se é disso que estamos tratando? É claro que
você vai se pronunciar com autoridade sobre esses detalhes tam­
bém, não é mesmo?
Eu concordo que as origens do cosmos são obscuras — mis­
teriosas, se você prefere — para nós dois. Mas é você quem está
fazendo mistério ao insistir que mudanças bem recentes neste
minúsculo planeta na periferia de uma galáxia é o que confere
significado a todo o Big Bang ou primeira causa divina. Pergun­
tar quem causou o quê é abrir as portas, como você bem sabe, a
uma infinita regressão de perguntas sobre o que causou uma des-
QU IN TO ROUND 59

sas causas. Em meu livro cito o grande [Pierre-Simon, marques


de] LaPlace, que inaugurou a era moderna dizendo que os relatos
sobre o cosmos e sobre suas mudanças estavam agora completos,
ou incompletos, em seus próprios termos. Eles não precisavam
de um “deus”. Desde então, a fé em uma divindade tem sido
apenas uma opção. Acredite se quiser, mas lembre-se de que isso
levanta mais perguntas do que respostas (na verdade, não res­
ponde a nenhuma pergunta importante), sendo altamente vul­
nerável ao critério confiável da navalha de Oceam. Os deístas
concordavam com você na questão de um Criador, mas não eram
religiosos que admitiam que pressupor essa figura os obrigava a
pressupor que ele ou ela resolveu intervir nos assuntos da vida
humana, muito menos pressupor que a tortura e a morte de um
único indivíduo em algum lugar remoto do Oriente Médio era
a solução que estávamos esperando há dezenas de milhares de
anos em uma existência brutalizada do homo sapiens.
Agora pegue esse raciocínio e aplique alguns de seus elemen­
tos às origens da moral. Eu digo que nossa predisposição “inata”,
tanto em direção ao mal quanto ao bem, é exatamente o que se
poderia esperar de uma espécie cuja evolução é recente e que está
a meio cromossomo (como sabemos pelos estudos de DNA) de
distância dos chimpanzés. A propósito, não veja nisso uma des­
valorização da humanidade. Sociedades de primaras, elefantes e
até porcos demonstram sinais consideráveis de cuidado com os
outros, vínculo entre pais e filhos, solidariedade diante do perigo
e assim por diante. Conforme diz Darwin:
60 o C R I S T I A N I S M O É BO M PARA O M U N D O ?

Qualquer animal que seja, dotado de instintos sociais bem


nítidos, incluindo-se aqui a afeição entre pais e crias, ga­
nharia inevitavelmente um senso ou uma consciência mo­
ral assim que sua capacidade intelectual se tornasse tão
desenvolvida ou quase tão desenvolvida quanto é no caso
do homem.

Podemos agora observar que as coisas são mesmo assim. Mas


o “altruísmo” animal e humano é contraditório quando se olha
para o modo como as espécies também são feitas para lutar entre
si, matar, dominar e até mesmo comer umas as outras. Os hu­
manos são capazes de crueldades bem maiores porque somente
eles conseguem planejá-las. Não acho que isso condene o Cria­
dor que os fez desse jeito, pois já faz tempo que descartei o pres­
suposto de que tal elemento exista. Assim, quem fica diante de
questões sobre a coexistência de Deus com o mal é você, e não
eu. Veja onde você chegou com sua busca talentosa de uma com­
plexidade desnecessária.
As oscilações entre condutas sociais e antissociais são bem
coerentes através do tempo e do espaço: algumas sociedades per­
mitem o canibalismo, mas elas tendem a desaparecer; outras permi­
tem sacrifícios humanos e infanticídio (em geral, sob influência
de algum sacerdócio). Mas respondo à sua pergunta fazendo uma
observação pragmática: se sempre nos rendêssemos aos nossos
mais baixos instintos, não haveria palavras para descrever esse
debate entre nós nem sociedade na qual pudéssemos ter algum
Q U IN TO ROUND 61

público interessado em lê-lo. A luta por afirmar o que é positivo


em nossa capacidade humana — não me importo com a metá­
fora de Lincoln sobre nossos “melhores anjos” se você prometer
que não vai interpretá-la muito literalmente — já é bastante
árdua. Olhando para mim mesmo, percebo que posso ter pra­
zer em doar sangue gratuitamente e também em contemplar a
morte de meus inimigos fascitas-clericais nas fileiras da Al Qaeda
e até nos infortúnios de gente que não representa ameaça para
mim.
Tenho certeza de que você poderia citar exemplos paralelos
em sua experiência. Mas dizer que fomos criados doentes e de­
pois recebemos ordem de nos curar não ajuda a esclarecer esse
problema. E dizer que a solução para isso surgiu há cerca de 2 mil
anos apenas, segundo relatos altamente discrepantes e autocon-
traditórios, só pode ser visto por mim como um absurdo. O
que se consegue provar — excetuando-se sua própria capacidade
de fazer declarações prolixas — com a alegação de que “Jesus
Cristo é bom para a humanidade porque ele veio na condição de
vida para o mundo”? Você não tem como “saber” isso. E você
também não tem provas para apresentar. O corolário disso —
que sem Jesus estamos à mercê da maldade em todas as suas
formas — traz a terrível implicação de que ações dignas não têm
sentido se não forem acompanhadas por sua fé sem fundamen­
to. Como costumo dizer, acredite se isso lhe servir de ajuda. Mas
não venha ofender milhões de pessoas que agem corretamente
na vida e não precisam de nenhuma autoridade sobrenatural. E
62 o C R I S T I A N I S M O É B OM PARA O M U N D O ?

não me venha dizer que devo estar apaixonado pela morte se eu


não concordar com o seu pensamento. Assim já é demais. O
fato é que seu cristianismo, caso ainda não tenha notado, fez de
você uma pessoa menos misericordiosa e menos ponderada, bem
diferente do que você seria sem essas suas premissas exorbitantes.

DE WILSON PARA HITCHENS

Receio que seus argumentos estão presos a dificuldades mais


importantes que a etnia do samaritano, de modo que esse tema
não deve mais nos deter. Eu pedi mais de uma vez que você
apresentasse um fundamento para a moral em face do ateísmo, e
você quase sempre respondeu dizendo que os ateus podem to­
mar o que algumas pessoas chamam “decisões morais”. Sim, cla­
ro. Mas o que estou tentando saber é fundamento racional
elas podem apresentar para classificar uma decisão como “moral”
e outra como “imoral”. Você fmalmente apelou à “solidariedade
humana inata”, expressão que desencadeou uma série de pergun­
tas que lhe apontei. Respondendo, você agora nos diz que temos
uma predisposição inata tanto para um comportamento bom
quanto para um mau. Mas ainda não saímos do mesmo lugar. O
que eu {ainda) quero saber é que fundamento você tem que lhe
permite chamar alguns comportamentos de “bons” e outros de
“maus”. Se ambos são inatos, o que os distingue? O que haveria
de errado em simplesmente decidir na base de uma moedinha
Q U IN TO ROUND 63

jogada para o alto? Com relação à sua observação de que minha


“busca talentosa de uma complexidade desnecessária” só me le­
vou à “coexistência de Deus com o mal”, respondo que prefiro
ter o meu Deus mais o problema do mal em vez de sua ausência
de Deus junto com um: “Mal? Tudo bem!”
Depois de tantas intervenções, sinto-me à vontade para dizer
que apresentei essa pergunta de variadas formas, mas ainda não
recebi nada nem parecido com uma resposta. A esse respeito,
fico tentado a citar Wyatt Earp do filme Tombstone: a justiça está
chegando — “Você vai fazer alguma coisa ou vai ficar aí sangran­
do?” — , mas acho que vou deixar isso para lá. Earp não era mui­
to parecido com o bom samaritano.
Mas é interessante que o mesmo acontece com você quando
precisa dar algum fundamento para confiar na “razão”. Li sua
citação de LaPlace em seu livro e acho bom que você o tenha
trazido à baila aqui. Assim como você, LaPlace acreditava que
não precisava da hipótese de Deus, mas você também deve saber
que ele manteve essa posição como alguém que cria firmemente
na mecânica celestial e terrestre. Ele era um determinista causai, e
isso quer dizer que ele acreditava que todos os elementos do uni­
verso no presente eram “efeitos do passado e causas do futuro” .
Portanto, se LaPlace é o que o leva a pensar que hoje a crença
em Deus é “opcional”, esse seu apelo realmente vira uma coisa
engraçada. Essa doutrina significa (embora se reconheça que
LaPlace tenha ficado mentalmente perturbado antes que essas
implicações o alcançassem) que você, Christopher Hitchens, não
64 o C R I S T I A N I S M O E B O M PARA O M U N D O ?

está pensando e escrevendo porque seus pensamentos são verda­


deiros, mas porque a posição e a velocidade de todos os átomos
no universo cem anos atrás tornaram isso inevitável. E eu não
estou aqui sentado com meus pensamentos cristãos porque eles
são a verdade de Deus, mas porque isso é o que esses elementos
químicos reunidos em minha cabeça sempre fazem nessas condi­
ções e sob essa temperatura. O “demônio de LaPlace” poderia ter
calculado e previsto seus argumentos (e número de palavras) cem
anos atrás da mesma forma que ele poderia ter calculado a pro­
fundidade das poças d’àgua no caminho por onde dirijo — e
poderia ter feito isso usando a mesma fórmula. Isso significa que,
na verdade, seus argumentos e minhas poças são a mesma coisa.
Pode-se dizer que estão no mesmo nível.
Se você pegasse duas garrafas de refrigerantes de marcas dife­
rentes e as agitasse bastante, colocando-as em seguida sobre uma
mesa, ninguém pensaria em perguntar quem está “ganhando o
debate”. Elas não estão debatendo; estão apenas borbulhando
pela efervescência. Você se refere à eventual falta de “palavras para
descrever este debate”, embora creia num universo onde debate é
um conceito que faz sentido. Debate? Debate? não preciso de
sua hipótese do debate. É só matéria em movimento, cara!
Você descarta a ideia de que a morte de Jesus — a “tortura e a
morte de um único indivíduo em algum lugar remoto do Ori­
ente Médio” — possa ser a solução para o sofrimento de nossa
existência brutalizada. Quando eu disse que Jesus é bom para a
humanidade porque ele é vida para o mundo, você simplesmen-
Q U IN TO ROUND 65

te descartou isso. E disse: “Você não tem como ‘saber’ isso. E


você também não tem provas para apresentar.”
O fato é que eu creio que posso apresentar provas daquilo
que sei. Mas as provas são como o alimento que comemos, e por
isso damos graças na hora de comer. E devemos comer, não colocá-
lo num canto do prato — e se não damos graças, não o saborea­
mos direito. Mas aqui estão algumas provas para você, sem
nenhuma ordem específica. Tecnologia para tratamento do tor­
nozelo. O sabor da cerveja. Jesus ressuscitou dos mortos no ter­
ceiro dia, exatamente como ele disse. O pescoço de uma mulher.
Abelhas sobre uma flor. A habilidade de um bicho-da-seda. Per­
dão de pecados. Tempestades com relâmpagos. Gargalhadas (para
materialistas ateus, espasmos do diafragma). O oceano em noite
de lua cheia. Delta blues, O pavão que vive no meu quintal.
Nascer do sol, colorido. Bebês sendo batizados. O prazer de es­
pirrar. Contato visual. Ter os pés retirados da lama e firmados
para sempre sobre a rocha. Você pode dizer que nada disso tem
sabor para você. Mas suponha que você curve a cabeça e dê graças
por tudo isso. Tente.
Você diz que não pode acreditar que a morte de Cristo na
cruz significa salvação para o mundo porque a ideia é absurda.
Demonstrei de diferentes formas que o fato de ser absurdo não
desqualifica nenhuma de suas crenças atuais. Você faz grandes
elogios à razão, embora não ofereça razões para seus julgamentos
morais estridentes e inflexíveis, ou não explique por que classifi­
ca como “argumento racional” certos processos químicos. Isso é
óó o C R I S T I A N I S M O E B O M PARA O M U N D O ?

um absurdo neste exato momento, e aí está você abraçado a ele.


Para você, recusar-se a aceitar Cristo porque isso é um absurdo é
algo comparável a um homem numa extremidade de uma pisci­
na que se recusa a nadar para o outro lado porque vai se molhar.
Diante de suas premissas, você terá de apresentar outra razão para
rejeitar Cristo como você faz.
Mas para você se trata de um movimento que revelaria os
dois grandes dogmas do verdadeiro ateísmo. Primeiro: Deus não
existe. Segundo: eu o odeio.
SEXTO ROUND
c

DE HITCHENS PARA WILSON

Quo warranta é uma pergunta antiga, e significa: “Com que di­


reito?” Você me pergunta qual é meu “fundamento” para justifi­
car um código de conduta correta e insiste em enxergar na minha
resposta uma evasiva. Eu, por minha vez, pergunto-lhe com que
direito você pressupõe que uma autocracia celestial é uma garantia
para a moralidade, isso sem falar sobre com que direito você
escolhe que sua versão (cristã) é a única correta. Todas as divindades
são aclamadas por seus seguidores como fonte do bom compor­
tamento, assim como também são usadas como justificativa para
comportamentos indesculpáveis.
Minha resposta é a mesma que sempre tenho dado: nossa
moral evoluiu. Assim como nós. A seleção natural e as tentativas
e erros nos deram o vago, porém grandioso conceito dos direitos
humanos e alguns meios, mas não ainda todos, de tornar esses
direitos coerentes e lógicos. Simplesmente não é preciso intro­
duzir o estranho ou o sobrenatural. LaPlace foi apenas um entre
os que concluíram que a religião é basicamente irrelevante em
questões importantes: uma opção que se pode fazer, mas apenas
SEXTO ROUND 69

uma entre muitas outras. (Preciso dizer que sua descrição de


LaPlace faz com que ele pareça perigosamente repugnante como
Calvino, mas até o grande Isaac Newton e um gigante como
Alfred Russell Wallace caíram presas de todo tipo de ilusão su­
persticiosa com suas maravilhosas descobertas humanistas.)
Parece que não há um jeito fácil de discutir isso, a não ser em
termos pessoais ou individuais. Você e eu não temos ideia do
que é ser um sociopata — alguém que não liga para as outras
pessoas, exceto enquanto elas podem servir seus interesses — ou
um psicopata — alguém que extrai real prazer do ato de causar
sofrimento aos outros. Mas sabemos que existe gente assim, e
precisamos nos precaver contra essas pessoas. Considero a exis­
tência delas parte de nossa evolução não planejada e nossa afini­
dade com uma natureza que sempre favorece o predador. Você
não. N a realidade, parece que você adota a doutrina imoral e
suicida que defende o perdão para aqueles que podem nos des­
truir. Por favor, cuidado para não perdoar os meus inimigos ou
os inimigos da sociedade. Se eu tenho de classificar essas pessoas
como exemplo do “mal” (e não encontro outra alternativa), não
consigo deduzir que haja possibilidade de uma coexistência pací­
fica com elas e não quero que você lhes estenda a mão, se o que
está em jogo é a minha vida ou a vida de minha família.
Passando daqui para as virtudes (cujo número surpreende)
que podem ser encontradas nos seres humanos, novamente pre­
firo não criar mistério onde não existe mistério algum. Deixan­
do de lado pecados comuns — eu não roubo o que pertence aos
70 o C R I S T I A N I S M O É BO M PARA O M U N D O ?

outros, por exemplo, e espero o mesmo em contrapartida, nao


perdoando tais ofensas quando elas acontecem — , posso mencio­
nar algo específico para nossa discussão. De vez em quando, per-
cebo-me meio tagarela na hora de defender uma ideia ou falando
algo que pode arrancar aplausos da plateia. Mas sempre estou
consciente disso ou, se você preferir, consciente da tentação de
agir assim; e luto (nem sempre com sucesso) para resistir a essa
tática, em vez de me sentir mal por ter cedido a esse impulso.
Por que ajo assim? Sócrates chama esse autocontrole “demônio”:
uma voz interior que nos ajuda a ter autocrítica. Mais tarde, mui­
tos pensadores a definiram de formas discrepantes, mas uma de­
finição não é garantia de compreensão.
Eu me contento em considerá-la indefinível, e é neste ponto
que divergimos. Minha tendência é considerá-la uma faculdade
humana sem a qual não poderíamos ter — não vou dizer “evoluído”
de novo — avançado como homo sapiens. Você acredita que devo
esse impulso interno ao elemento divino e também afirma que
uma intervenção celestial que se deu nos dois últimos milênios
da história humana (um microssegundo no tempo da evolução)
é o que define a questão. Você me desculpe, mas eu acho que essa
crença não é só inconcebível, mas também imoral. Ela faz com
que ações corretas tenham um altíssimo grau de dependência do
sobrenatural.
Outra forma de enxergar isso seria dizer que, sem a sanção
celestial, você estaria entregue aos seus desejos e nao se importa­
ria com outras pessoas. Por mais pavorosas que suas opiniões
SEXTO ROUND 71

sejam para mim, eu me recuso a crer que, se perdesse a fé, você se


tornaria um selvagem egocêntrico. Pelo contrário, é a religião
que faz muita gente moralmente normal concordar com cruel­
dades estarrecedoras, incluindo mutilação de órgãos genitais de
crianças, escravidão, aversão à sexualidade feminina e muitos
outros crimes dos quais um incrédulo normal se afastaria sem
precisar de nenhum impulso celestial. Faça a você esta pergunta:
você consegue mencionar uma ação ou declaração moral pratica­
da ou proferida por um cristão que também não tenha sido pra­
ticada ou proferida por um ateu? Meu e-mail está à disposição
de qualquer leitor que aceite esse desafio.
Gostei de sua piada sobre a redução da gargalhada a um espas­
mo (havia um conhecido crítico de P.G. Wòdehouse que definia
o sorriso como contrações “nasolabiais”), mas acho que você dei­
xou um pouco a desejar com sua conclusão de autenticação. Atre­
vo-me a dizer que eu poderia aumentar a lista de prazeres da vida
e até incluir um ou dois temas cuja discussão em público o cris­
tianismo e outras religiões dificultaram. N o entanto, escolherei
falar de minha recente pesquisa de meu DNA, que agora pode
ser sequenciado e analisado. Fiquei muito feliz com a “revelação”
de minha afinidade com outras espécies e bem impressionado
com a competência e a exatidão dos que me permitiram fazê-lo.
A confirmação de minha condição como animal evoluído foi
uma combinação de competência, beleza e inteligência, e é preci­
so muita ignorância e estupidez para continuar negando essa
constatação.
72 o C R I S T I A N I S M O E B O M PARA O M U N D O ?

Acho que será melhor se não resistirmos às evidências que


podem, à primeira vista, incomodar e desagradar, assim como
também é melhor rejeitar conclusões para as quais não se tem
absolutamente nenhuma evidência.

DE WILSON PARA HITCHENS

Gostaria de iniciar minha última participação agradecendo a você


por concordar em participar deste debate, e à Christianity Today
por ser uma anfitriã tão simpática.
Voltando para nossa discussão, gostaria de começar chaman­
do a atenção para vários pontos de menor divergência. Primeiro,
gosto de saber que nós dois admiramos Wodehouse — embora
eu tenha ficado decepcionado pelo fato de você não ter notado a
mão de Wodehouse em minha conclusão de “autenticação”.
Em segundo lugar, concordo com você que não devemos resistir
“às evidências que podem, à primeira vista, incomodar e desagra­
dar”. Mas sei que não concordamos tanto assim, pois logo divergi­
mos sobre quem de nós dois está desonrando esse princípio bem
óbvio. Demonstrei que você se recusa a olhar para as evidências porque
sua premissa sobre o que o universo realmente éimpede que descrições
válidas desse universo surjam dele mesmo. Se alguém, sem querer,
derramasse leite no chão da cozinha e chegasse outra pessoa querendo
saber o que aconteceu, a única coisa de que podemos ter certeza é
que ela não iria perguntar ao leite. O leite não saberia. E o acidente.
SEXTO ROUND 73

N a questão da moralidade, você novamente tenta responder:


“Minha resposta é a mesma que sempre tenho dado: nossa mo­
ral evoluiu.” H á duas coisas a dizer sohre essa resposta. A primei­
ra tem a ver com a moral que evolui e o futuro, e é uma variação
de minhas observações anteriores. Se nossa moral evoluiu, isso
significa que ela muda. Se a evolução ainda não está concluída (e
por que deveria estar?), então isso significa que nossa moral está
igualmente sujeita a esse fluxo contínuo. E isso significa que tudo
o que venhamos a considerar “moral” está em aberto. Nosso
“vago, porém grandioso conceito dos direitos humanos” pode
desaparecer do mesmo jeito que nossas guelras.
Portanto, nossos “princípios morais” são apenas um ponto de
parada na estrada. Não faz sentido nos apegarmos a eles, certo?
Quando viajo, eu não me apego aos quartos de hotéis. Não choro
quando preciso deixá-los. Assim, no futuro, depois de cada de­
núncia moral feroz que você fizer aos seus leitores, você precisará
acrescentar algo como: “Mas essa crítica é apenas provisória. Nossa
perspectiva pode evoluir e se transformar completamente daqui a
alguns anos”; ou: “Opinião apenas provisória. A moral muda com
o tempo” — abreviatura: OAPMMCT. Seria algo mais ou menos
assim: “O reverendo Snoutworthy é um ser detestável, além de ser
um inútil, e sua proposta para processarmos os editores do catálogo
de sutiãs da Sears alegando pornografia e fraude é uma afronta
contra a humanidade civilizada. Mas... OAPMMCT.”
Isso se relaciona com o segundo ponto e trata da moral evo­
luída e o passado. Ao lidar com pessoas cuja moral e juízos não
74 o C R I S T I A N I S M O É B O M PARA O M U N D O ?

coincidem com os seus, você as considera “imorais” ou “menos


evoluídas”? A retórica de seu livro, seu tom nessa interação e seu
recente tripudiar sobre o falecido Jerry Falwell apontariam para a
primeira opção. Usando as palavras que você mesmo escolheu,
as pessoas que você denuncia devem ser culpadas. A palavra
agressividade me vem à mente. Você escreve como um arcebispo
do século 10: inteligente, mas truculento, que sofre dores causa­
das pela gota. Mas fazer isso é algo realmente estranho para quem
diz que a “moral” é produto da evolução. Estaria você dominado
por uma grande indignação pelo fato de o urso coala não ter
desenvolvido orelhas que estejam presas ao lado da cabeça, como
se acha que deveriam estar? Você está irritado com o fato de que
mariscos ainda não desenvolveram pernas? Quando você obser­
va que os ursos do zoológico continuam chupando as próprias
patas, você para e começa a protestar diante deles?
Sua ideia de moralidade e a evolução pela qual ela passou têm
a ver tão-somente com aquilo que é. Mas a moral que os cristãos
conhecem, e o tipo de moral que você furtivamente advoga, tem
a ver com o que deve ser. David Hume já nos mostrou que não
é possível derivar o deve ser do é. Você já percebeu o problema
com esse tipo de raciocínio? Pelo jeito que você defende suas
idéias de moralidade, é claro que não. Você é um escritor talentoso
e tem uma queda por polêmicas. Mas, tirando tudo isso, o que
há abaixo da superfície?
Você acredita viver num universo onde não existem padrões
fixos para deve ou não deve. Mas Deus lhe deu uma incrível capa-
SEXTO ROUND 75

cidade para denunciar o que não deve ser. Assim, já que você o
rejeita, você tem ótimos sermões, mas não pode apresentar ne­
nhum texto. Quando as pessoas começam a notar que nao há
textos, não há garantias, fundamentos nem razoes, você faz ajustes
e tenta compensar com heleza retórica e com uma prosa extrema­
mente floreada. Você parece o pastor que escreveu ao lado de suas
anotações para o sermão: “Argumento fraco. Grite nesta hora.”
Seu convite para que tentemos mencionar uma ação moral que
não tenha sido praticada ou proferida por um ateu demonstra que
você continua sem entender do que estamos falando. Temos to­
dos os motivos para acreditar que esses ateus, praticando tais atos,
serão incapazes, tanto quanto você tem sido, de explicar o porquê
de uma ação ser considerada boa e outra, má. Você diz que não há
alternativa que lhe permita não classificar como exemplos de “mal”
os sociopatas e psicopatas. Mas é claro que há uma alternativa. Por
que não chamá-los apenas “diferentes”?
Um padrão fixo fundamentado no caráter de Deus permite-
nos definir o mal, mas isso traz consigo a possibilidade do per­
dão. Você rejeita o perdão, mas, no fim das contas, isso significa
que não acredita que alguma coisa precise ser perdoada. Isso sig­
nifica que você destruiu a ideia do “mal”, não importa quais com­
portamentos “classifique” como inconvenientes a você.
Percebi em seu livro que você foi batizado numa igreja cristã.
Portanto, gostaria de encerrar chamando-o de volta aos termos
do batismo. Qualquer pessoa que tenha sido batizada em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo traz em si as demandas
76 o C R I S T I A N I S M O E BO M PARA O M U N D O ?

permanentes de arrependimento, crença e discipulado contínuo.


Seu nome de batismo, Christopher, significa “portador de Cris­
to”; seu batismo significa a mesma coisa, e o terceiro manda­
mento exige que você não leve ou porte esse nome em vão. Alguns,
a exemplo de você, revoltam-se contra os termos desse discipula­
do, mas isso não significa que as exigências para os discípulos
tenham sido negadas ou revogadas. Não estou trazendo essa ques­
tão à tona para criticá-lo. Não sei se você se afastou da fé porque
se desviou dela, abandonou-a ou foi perseguido por cristãos hi­
pócritas. Não importa o que tenha sido, a bondade de Deus se
revela a todos nós em Cristo, e cada pessoa, qualquer que seja sua
história, precisa encarar essa bondade.
Jesus não foi apenas mais um personagem na História, por
mais importante que ele tenha sido — antes, foi e é o fundador
de uma nova História, uma nova humanidade, um novo jeito
de sermos humanos. Ele foi o Adão verdadeiro e definitivo. Mas
antes que essa nova humanidade em Cristo pudesse se estabele­
cer e começar sua tarefa de espalhar-se pela terra, o antigo jeito de
sermos humanos tinha de morrer. Antes que os mansos pudes­
sem herdar a terra, os orgulhosos precisavam ser expulsos e man­
dados embora de mãos vazias. E esse o significado da Cruz, toda
a mensagem dela. A Cruz é a provisão da misericórdia de Deus
que elimina o orgulho autônomo e exalta a humildade. O pri­
meiro Adão recebeu de Eva o fruto da morte e da desobediência
em um jardim devida; o verdadeiro Adão dotou Maria Madalena
do fruto de sua vida e ressurreição em um jardim de morte, um
SEXTO ROUND 77

cemitério. O primeiro Adão foi levado à morte num sono pro­


fundo e sua mulher foi tirada de seu lado; o verdadeiro Adão
morreu sobre a cruz e uma lança traspassou seu lado, de onde
surgiu sua noiva em sangue e água. O primeiro Adão desobede­
ceu junto a uma árvore; o verdadeiro Adão obedeceu sobre o
madeiro, produto de uma árvore. E todas as coisas passaram a ser
necessariamente diferentes por causa disso.
Cristo disse a seus seguidores que falassem dessas coisas a todo
o mundo — sobre como o mundo está passando da antiga hu­
manidade para o novo jeito de sermos humanos. Não apenas o
mundo renasceu; nós também precisamos nascer de novo. O Se­
nhor foi claro ao nos dizer que pregássemos as boas novas a todas
as criaturas. Ele estabeleceu um lar que, além de grande, é acolhe­
dor; há bastante espaço para você. Nada que já tenha feito ou
falado será usado contra você. Todas as coisas serão purificadas e
perdoadas. Sobre a mesa há comida simples — pão e vinho. A
porta está aberta, e vou deixar a luz acesa para você.

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