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AS PARTICULARIDADES DO TRABALHO UBERIZADO: rebatimentos à classe

trabalhadora
Ana Carolina da Silva Bitencourt1
Resumo: O presente artigo apresenta reflexões, por meio da teoria social crítica, sobre as
particularidades do trabalho uberizado e sua incidência na classe trabalhadora. O artigo se
caracteriza como uma revisão narrativa bibliográfica. As reflexões finais que a uberização do
trabalho é uma “nova” forma de labor, na qual apenas evidencia da forma mais perversa a
exploração dos chamados/as trabalhadores/as digitais, afetando tanto sua saúde quanta à
negação de diretos.
Palavras-chave: Trabalho Uberizado. Classe Trabalhadora. Avanço Informacional. Negação
de Direitos.
1 INTRODUÇÃO

Conforme Abílio (2020), no Plano Nacional por Amostras de Domicílios Contínua,


também denominado de PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), cujo objetivo consiste em realizar investigações sobre os indicadores conjunturais do
trabalho no Brasil, no ano de 2019 realizou um estudo, no qual verificou que 3,8% da
população brasileira possuem como principal fonte de renda o trabalho por meio de
aplicativos.

Esse processo, configura-se em um trabalho intermitente e dá origem ao chamado


proletariado digital (ANTUNES, 2019). A materialização desse novo ator social, origina-se
do fenômeno da uberização do trabalho, o qual de acordo com Abílio (2020), seria uma nova
forma de controle do trabalho regido pelas plataformas digitais. Segundo a autora, trata-se de
um fenômeno em escala mundial, resultado da reestruturação de produção e do trabalho,
oriundas das crises do capital.

Esse cenário encontra-se vinculado as metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho,


a partir da crise do capital e da queda do modelo Keynesiano favoreceram um novo
paradigma nas relações trabalhistas, isto é, as formas precarizadas de trabalho e emprego que
foram inseridas a partir do crescimento de novas modalidades de contrato e do declínio da
oferta de empregos seguros, sendo um dos efeitos mais visíveis e nocivos da flexibilização na
ótica do trabalho. Tal processo afeta principalmente a classe trabalhadora, ou como
denominada por Antunes (2005), a classe-que-vive-do-trabalho.

Este estudo foi impulsionado a partir das reflexões realizadas na disciplina de


“Trabalho e Relações Sociais na Atualidade”, assim como parte do aprofundamento de
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará
(PPGSS/UFPA) e Bolsista CAPES. E-mail: anacarolinabitencourt123@gmail.com.
leituras sobre as metamorfoses do mundo do trabalho. Além de fazer parte do objeto de
pesquisa de dissertação, na qual discutirá essa discussão, com foco no trabalho e saúde dos/as
trabalhadores/as entregadores por aplicativo de Belém-PA. Assim, a finalidade desse é refletir
as particularidades do trabalho uberizado e sua incidência na classe trabalhadora.

Com suporte na abordagem crítico-dialética . Para tanto, apresenta uma


fundamentação teórica com autores e autoras de base marxista, afim de elucidar criticamente
como ocorrem os rebatimentos na classe trabalhadora e as possibilidades de superação. Deste
modo, este estudo trata-se de pesquisa bibliográfica, onde segundo Gil (2008) é explanada
partindo do material existente, composto por livros, artigos científicos. O autor destaca uma
característica: o benefício de acessar uma gama de trabalhos desenvolvidos por outras
pessoas, permitindo a obtenção de diversas informações. Com isso, este estudo possuiu uma
abordagem qualitativa, na qual Minayo (2009) discorre ser um ambiente de significados,
motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes que fazem parte da realidade social
humana, na qual podem ser resumidos em um mundo de relações que, geralmente, não pode
ser quantificado.

Portanto, o artigo encontra-se dividido da seguinte forma: a presente introdução, o


desenvolvimento que está dividido em duas sessões que abordam respectivamente algumas
reflexões sobre o processo de trabalho na sociedade atual e o trabalho uberizado e suas
implicações a classe trabalhadora, seguido a das considerações finais e as referências
utilizadas.

2 O PROCESSO DE TRABALHO NA SOCIEDADE DO CAPITAL

Para compreensão do processo de trabalho, no qual é discutido na principal obra de


Marx, O Capital, torna-se necessário explanar sobre uma das principais categorias de análise
desse pensador, a saber: o trabalho. Haja vista que esse é fundante para elucidar de forma
concreta, prática e histórica a sociedade. Além de ser a base das atividades econômicas, uma
vez que por meio desse ocorre a produção dos bens de consumo, assim como através dos
valores de troca é gerado a riqueza social (NETTO; BRAZ, 2012).

Sendo assim Marx (1989), discorre que sociedade e natureza possuem uma relação
direta, uma vez que a segunda é matéria de transformação do homem, a qual é realizada
através do trabalho aplicado por este, assim como, são extraídos do meio natural os elementos
indispensáveis para manutenção da existência dos organismos em sociedade.
Do mesmo modo Marx (2011, p. 188), argumenta que além de movimentar as forças
naturais, o homem também se movimenta, e “[...] agindo sobre a natureza externa e
modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria
natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças
a seu próprio domínio [...]. ”

Conforme Netto e Brás (2012) o produto do trabalho é natureza transformada, isto é,


sob a mesma são aplicadas ações de transformação que operam com uma determinada
finalidade. Desse modo, os autores expõem que o trabalho executado pela humanidade é
caracterizado por: manusear instrumentos; conhecimento prévio e habilidades; utilizar de
comunicação articulada; atender aos interesses em comum; é uma atividade de cunho coletivo
e é teleologicamente direcionada.

Entretanto, com o movimento histórico-dialético da sociedade, as relações societárias


tornaram-se cada vez mais complexas, no qual Antunes (2021, p. 98) afirma que o trabalho
deixa de ser uma atividade meramente de reprodução humano-social para uma força de
trabalho especial, isto é, começa a contribuir para a produção de riquezas, onde argumenta,
com base em István Mészáros, que “[...] o trabalho deixava de ter sentido básico a criação de
bens socialmente uteis e para se transformar em força de trabalho, ou seja, única fonte
produtora de mercadorias capaz de criar riqueza, apropriada pela burguesia para assim
valorizar o seu capital [...]”.

Partindo desses pressupostos Marx (2011, p. 190) discorre que o processo de trabalho
é “[...] a atividade do homem, com ajuda dos meios de trabalho, opera uma transformação do
objeto do trabalho segundo uma finalidade concebida desde o início [...]”. O autor destaca que
essa forma de operacionalidade ocorre por meio da força de trabalho, na qual é o próprio
trabalho, realizado pelo/a trabalhador/a. Dentro deste contexto, o autor destaca um ponto de
suma importância para o entendimento desse processo, a saber

[...] O processo se extingue no produto. Seu produto é um valor de uso, um material


natural adaptado às necessidades humanas por meio da modificação de sua forma. O
trabalho se incorporou a seu objeto. Ele está objetivado, e o objeto está trabalhado.
O que do lado do trabalhador aparecia sob a forma do movimento, agora se
manifesta, do lado do produto, como qualidade imóvel, na forma do ser [...]
(MARX, 2011, p. 190)

Assim, entende-se que o produto final deste trabalho contém outros valores de uso,
produtos de trabalhos anteriores, ou seja, não constituísse apenas como resultado do labor
humano, mas, também, como uma condição do processo de trabalho. Do mesmo modo que
“[...] sua entrada nesse processo, seu contato com o trabalho vivo, é o único meio de
conservar e realizar como valores de uso esses produtos de um trabalho anterior. ” (MARX,
2011, p. 192).

Com base nisso, a classe trabalhadora, como forma de sobrevivência e manutenção de


suas necessidades básicas, vende sua força de trabalho para os detentores de matéria prima e
dos meios de produção, onde dentro deste contexto o processo de trabalho, nos moldes do
capitalismo, apresenta dois fenômenos particulares, nos quais são: primeiro, o/a trabalhador/a
labora sob a vigilância do capitalista, em outras palavras, o ultimo dedica-se para que seja
utilizado somente o necessário para a execução do trabalho. Segundo, o produto final pertence
ao capitalista e não aquele/a que produziu, ou seja, o/a trabalhador/a (MARX, 2011).

Conforme o exposto, observa-se que esse processo afeta nocivamente apenas um


segmento: os/as trabalhadores. Onde nesse cenário, além não possuem o direito de obterem
produto final do seu labor, precisam vender sua força de trabalho para sobreviver e por meio
dessa realizam a autovalorização do capital, estão a serviço daqueles que pagam pelo seu
tempo de trabalho, esses/as encontram-se submetidos ao produto final de seu trabalho, dado
que esse é supervalorizado no mercado adquirindo autonomia, onde Konder (2011, p. 122)
discorre que “As leis do mercado se impõem ao trabalho. Os preços, as cifras e as taxas de
lucro comandam as operações os serem humanos figuram no quadro da produção apenas
como instrumentos. ”

Mediante a isto, o trabalho humano acaba tornando-se alienado, haja vista que não se
reconhece dentro do processo de elaboração do produto final, no qual Marx (1989, p. 150)
afirma com maestria que “[...] quanto mais o trabalhador se gasta trabalhando, tão mais
poderoso se toma o mundo objetivo alheio que ele cria frente a si, tão mais pobre se torna ele
mesmo, o seu mundo interior, tanto menos coisas lhe pertencem como seu/suas próprio/as
[...]”.

De acordo com Konder (2011, p. 34), apesar do trabalho ser a mola do progresso
esses/as trabalhadores/as não se veem dentro deste processo, dado que os únicos beneficiados
são os capitalistas, à medida que a riqueza centra-se no seio desses. Para mais, o autor explana
que o trabalho acaba sendo visto de forma avessa a classe trabalhadora, posto que “[...]
encaram como uma obrigação imbecilizadora, como uma atividade que lhes é imposta e os
oprime, reduzindo-os a bestas de carga. ”
Todavia, a mercadoria existe somente mediante ao trabalho humano, sendo que o
inverso não ocorre, considerado ao caráter fetichizador que a mesma adquire durante o
processo, no qual Marx (2011) também denomina de coisificação ou reificação. Para o autor,
o produto de trabalho alcança um duplo sentido já que além de satisfazer as necessidades
sociais básicas da sociedade, passa a atender as necessidades dos seus produtores – na qual
não são os/as trabalhadores/as, mas os donos dos meios de produção, ou seja, o capital.

Esses apontamentos oferecem base para a apreensão do trabalho no contexto


capitalista contemporâneo, haja vista que acompanha as transformações oriundas no
movimento histórico-dialético da sociedade e do capital, principalmente quando o último
encontrasse em tempos de crise. Conforme apontado por Mészáros (2011, p. 32), onde “[...] o
capitalismo experimenta hoje uma profunda crise, impossível de ser negada por mais tempo,
nem mesmo por seus porta-vozes e beneficiários [...]. ”

Ainda seguindo essa lógica Antunes (2021) data dois momentos históricos recentes
dessa crise, os quais seriam os anos de 2008-2009, marcado pelo processo de intensificação
de ações que visavam flexibilizar o trabalho, assim como o ano de 2019, no qual o destaque
vai para o avanço tecnológico, a tecnologia sempre online, sem direito a desconexão, sem
contar com o preço já sendo pago, principalmente para a classe trabalhadora. Para o autor,
esse foi o contexto que propiciou o surgimento das plataformas digitais, no qual é marcado
pela alta tecnologia digital e captação e captação da força de trabalho digital, também
chamado de uberização do trabalho.

3 TRABALHO UBERIZADO E SUAS IMPLICAÇÕES AOS/AS


TRABALHADORES/AS

Com o advento da industrialização no século XIX, ocorrida inicialmente na Inglaterra,


com a introdução de novas máquinas no contexto fabril levou a uma metamorfose no modo de
produção, bem como na economia. Este contexto oferece base para o capitalismo ser o modo
de produção hegemônico. Assim Neto (1986, p. 31) argumenta que “A máquina, assim
caracterizada, é a forma adequada do capital; com sua introdução, o capitalismo encontra sua
base técnica adequada, ajustando plenamente a base material à forma social [...]”.

De acordo com Harvey (1989, p. 121), nesse momento, as inovações tecnológicas e


organizacionais de Henry Ford constituíam-se como uma extensão de tendências bem
estabelecidas. Segundo o autor, apesar de racionalizar antigas tecnologias e manter a divisão
do trabalho preexistente, o mesmo conseguiu almejar determinados benefícios de
produtividade, onde sinaliza que a

[...] produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de


reprodução da força de trabalho, uma nova política de· controle e gerencia do
trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de
sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.

Em contrapartida, a partir da década de 1970 com as chamadas crises do capitalismo,


ocorridas no auge do Fordismo/Taylorismo e do Governo Keynesiano, apresentaram-se os
primeiros sintomas de recessão que consistiram: na queda da taxa de lucro; no esgotamento
do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; na hipertrofia da esfera financeira;
na maior concentração de capital, oriundas das fusões entre empresas monopolistas e
oligopolistas; na crise do Welfare State e dos seus mecanismos de funcionamento; no
acréscimo das privatizações; na flexibilização do trabalho e entre outros (ANTUNES, 2005).

De acordo com Netto (1995) o contexto da crise do capital não significou somente a
falência das respostas às demandas da sociedade, mas o agravamento nas estruturas do capital,
forçando o Estado a garantir os direitos mínimos a população, no entanto, foi um fator
considerado preocupante para a ordem capitalista. Nesse sentido Antunes (2005, p. 33),
aponta que como resposta a esse cenário

iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e


político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do
neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do
trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan
foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de
reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do
instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores .

Este contexto foi marcado pelos intensos ataques a classe trabalhadora, tanto pelo
Estado como pelo capital, e as condições vigentes do período do auge fordista. Além disso, o
setor financeiro começa a conquistar espaço, ganhando autonomia relativa, assim como a
expansão tecnológica. Com isso, ocorre a competição intercapitalista, enfatizando às
características centralizadoras, discriminatórias, e destrutivas desse processo, fazendo com
que seu núcleo esteja focado em países capitalistas avançados, em especial a tríade constituída
pelos EUA e o Nafta, a Alemanha e Japão (ANTUNES, 2005). O autor salienta ainda, que
essa autonomia não comportou majoritariamente os países de industrialização intermediaria,
bem como os do Terceiro Mundo, porém quando inseridos, assumiram uma posição de
subordinação e dependência completa. Sendo assim, infere-se que a reestruturação produtiva
desses últimos ocorreu em condições de subalternidade.
Por conseguinte, a alternativa de resolução para esse panorama foi a mundialização e
financeirização do capital, onde a produtividade e a lucratividade alcançaram o setor
econômico gerando o avanço tecnológico e a concentração de capital no poder da classe
dominante. No entanto, acarretou em rebatimentos drásticos sobre o mundo do trabalho. Posto
isso, verificou-se a desregulamentação dos direitos trabalhistas, no desmonte do setor
produtivo estatal e no intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, para Faria
e Kremer (2004) tal processo levou a implementação de novas tecnologias, com bases na
microeletrônica, além das novas formas de organização e gestão de trabalho, traços esses que
englobam o fator mercadológico, afetando, principalmente, os arranjos societários.

A partir disso, dentro dessa reestruturação, encontra-se a acumulação flexível, onde


Antunes (1995, p. 21) apoiado nos escritos de David Harvey, expõe esse fenômeno como
sendo “[...] caracterizado pelo surgimento de setores da produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional [...]”. Além
disso, o autor indica que o setor de serviços é um dos mais favorecidos nesse processo.

Dentro do exposto, encontra-se o resultado mais nocivo à classe trabalho: a


precarização do trabalho, no qual identifica-se o crescimento exorbitante do desemprego
estrutural, o aumento do exército industrial de reserva, a intensificação da competitividade
entre trabalhadores/as, dado as fragilidades contratuais. Além disso Moraes, Oliveira e
Accorsi (2019) indicam que o aumento na utilização da Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC`s) na organização do trabalho gerou o aumento de trabalhadores/as cada
vez mais explorados/as, isolados/as e precarizados/as.

Portanto, identifica-se que a partir desses processos, resultou na chamada explosão do


trabalho intermitente, em que trouxe a cena o chamado proletariado digital, em que o capital
sem poder realizar a interação entre o trabalho vivo e trabalho morto, utilizou-se de
mecanismos para o aumento da produtividade, através da intensificação das ferramentas de
mais-valor, por meio do trabalho tecnocientífico-informacional e pela heterogeneidade do
trabalho vivo, recriando, assim, novas formas de exploração e superexploração da força de
trabalho, onde qualquer espaço torna-se um potencial gerador de mais-valor (ANTUNES,
2019).

Posto isso, como forma de manifestação do proletariado digital, observa-se o


movimento chamado de uberização do trabalho, o qual trata-se da intensa informatização do
trabalho, através do qual perpassa às transformações qualitativas do mercado informal do
trabalho. Além da complexidade apresentada nas relações trabalhistas, também deve ser
interpretada como mais um degrau da flexibilização e terceirização do trabalho (ABÍLIO,
2020).

Para Schinetsck (2020) essa nova forma de organização apresenta caráter triangular,
dado que participam trabalhador/a, consumidor e plataforma, sendo essa última mediadora
entre os primeiros e responsável pelos contratos de ambos. A autora expõe sete elementos
desta nova forma de organização, a saber: controle por programação, comandos ou objetivos;
sujeito objetivo; liberdade programada; gestão por números ou recompensas; mobilização
total dos trabalhadores; relação de aliança entre trabalhadores e empresas e refeudalização das
relações de trabalho e atomização do mercado de trabalho.

Esse fenômeno revela-se dentro do que Slee (2017) nomeia como economia do
compartilhamento, a qual refere-se a novos investimentos no mercado de serviços, via
internet, com a finalidade de conectar consumidores/as com os/as prestadores/as de
determinado serviço. A sua manifestação, de acordo com o autor, é recente, está datada entre
os anos de 2013 e 2014. A promessa desse movimento é potencializar os sujeitos a conduzir
positivamente sua realidade, através da perspectiva do microempresariado.

Em contrapartida Slee (2017) apresenta o traço negativo mais latente da economia de


compartilhamento que atua como geradora de tensionamentos entre os atores sociais desse
processo, tendo em vista que os/as trabalhadores/as dos serviços virtuais vivenciam intensos
receios em perder seus/suas consumidores/as. Além de realizar o beneficiamento de seus
investidores em detrimento dos/as trabalhadores/as desse segmento.

Portanto, Antunes (1995) reitera que a ampliação do setor de serviços expressa


negativamente na acentuação da subcontratação de trabalhadores/as, onde o trabalho
precarizado acentua o processo de heterogeneização, fragmentação e complexidade da classe
trabalhadora, dado que a desregulamentação das condições trabalhistas e, consequentemente,
o retrocesso dos direitos sociais, enfatizando a individualidade da classe trabalhadora.

Assim, Antunes (2020) argumenta que os efeitos da expansão da restruturação


produtiva materializam-se, também, na elevada incidência de acidentes e adoecimentos
laborais, podendo chegar ao óbito dos/as trabalhadores/as. Além disso, discorre que essa
discussão perpassa o longo processo histórico das diferentes formas de exploração da força de
trabalho, o qual foi abordado por Engels, em 1845, em seu estudo “A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra”, no qual discute sobre a condições de vida e laborais do operariado
do século XIX.

Do mesmo modo Antunes (2020, p. 144) apresenta a atualização desse fenômeno no


decorrer do século XX até a atualidade, onde com o aumento do controle e intensificação do
trabalho, a partir da expansão do taylorismo-fordismo, surgem novas proporções de acidentes
e adoecimentos durantes as atividades de trabalho. Deste modo, salienta que “[...] essas
alterações acabam sendo mais perceptíveis no interior de corporações de grande porte, nas
quais a gestão dos processos de trabalho é potencializada pela presença de robôs e sistemas
informacionais e comunicacionais sofisticados [...]”.

Praun (2019) ao apontar dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em


2000, com alicerce das políticas e programas de saúde mental voltado à população
economicamente ativa da Alemanha, Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Reino Unido,
apresentou que um em cada dez trabalhadores/as padecem de depressão, ansiedade, estresse
ou cansaço referente aos exercícios laborais. Posteriormente, em 2005, apresentou o estudo
com centro nos países europeus e nos considerados desenvolvidos, no qual constatou que 50%
dos 60% encontravam-se com diagnostico de estresse na maioria do tempo laboral.

Conforme Rezende, Barbosa e Assis (2018, p. 02) a qualidade de vida no trabalho


(QVT) dos/as trabalhadores/as uberizados/as incidem diretamente no seu desempenho laboral,
dado que “[...] as condições de trabalho, as relações humanas, o suporte organizacional e a
compensação são fatores que afetam a QVT percebida pelos indivíduos, sendo que melhorias
nesses aspectos tendem a impactar positivamente a produtividade e crescimento do negócio
[...]”.

Segundo Filgueiras e Antunes (2020) o processo de uberização do trabalho é um


fenômeno que gera intensas transformações na natureza organizativa do trabalho, assim como
produz alterações significativas na estrutura do mercado de trabalho. Os autores fazem um
destaque de suma importância sobre esse fenômeno, onde essa deve ser compreendida e
utilizada como como uma das expressões dos modos de ser do trabalho, dado que expandem-
se nas plataformas digitais, onde as relações de trabalho encontram-se mais individualizadas e
invisibilizadas. Assim como, apresentam a tríade destrutiva das relações de trabalho, a saber:
flexibilidade, informalidade e intermitência, na qual convertem-se em um ideário de empresa
corporativista global, no entanto a realidade consiste na “[...] derrelição e corrosão da
legislação protetora do trabalho, quanto é imposta uma nova legislação que, na verdade,
permite as formas mais arcaicas de exploração [...]. ” (p. 65).

À vista disso, essas condições acentuam-se quando compreendidas em contexto de


crise, como a disseminação em escala mundial da COVID-19, em que se tem o alargamento
das atividades digitais. Para Oliveira (2020) o aumento das atividades uberizadas, estão
relacionadas ao caráter essencial que essas estão desempenhando atualmente, em especial no
que diz respeito as orientações de distanciamento social. A autora indica que os impactos da
uberização afetam diretamente a saúde de milhares de trabalhadores/as digitais, dado que “[...]
quando a organização do trabalho se altera, a relação saúde-doença no trabalho é também
alterada [...]” (p. 05).

Além disso, Cardoso e Morgado (2019), expõem a necessidade em discutir o trabalho


em todas suas dimensões, pois verificam a resistência social em reconhecer as atividades
laborais como geradoras de prazer, satisfação e adoecimento, principalmente esse último
fator, posto que verificam a necessidade em discutir os determinantes sociais que ocasionam o
agravamento dessa saúde, destacando a necessidade em compreender quais são e como
influenciam na vida e na saúde desses sujeitos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo se propôs refletir as particularidades do trabalho uberizado e sua


incidência na classe trabalhadora, a partir dos momentos históricos, como a crise do capital,
respeitando o movimento histórico-dialético da sociedade. Assim, evidenciou-se, a partir do
aporte teórico, que o trabalho é a categoria fundante para a compreensão da relação
sociedade-Estado e suas implicações a classe-que-vive-do-trabalho, neste caso, aquela que
busca sobreviver por meio do trabalho uberizado, haja vista que esse ainda não possui
legislações próprias para assegurar esses/as trabalhadores/as. Além de apresentar riscos sérios
a esses/as, pois esses além de estarem sujeitos aos ditames de uma plataforma digital, na qual
alega que esses/as são “autônomos/as”, “empreendedores”, vivem constantemente com sua
saúde, física e mental, em estado de alerta, pelas razões expostas neste trabalho.

Bem como entende-se que o trabalho a partir do surgimento do capitalismo,


juntamente com o apoio estatal, resultou em uma série de alterações econômicas, nas relações
empregatícias e na estrutura ocupacional interna das organizações, assim como estimula
frequentes reestruturações produtivas, gerando modificações nas relações societárias.
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