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BARREIRAS E FACILITADORES DA

IMPLEMENTAÇÃO DAS RECOMENDAÇÕES DO


MECANISMO NACIONAL DE PREVENÇÃO E
COMBATE À TORTURA (MNPCT) NO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL

1
O projeto “Fortalecimento da rede de monitoramento da implementação de recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura (MNOPCT) no estado do Rio Grande do Sul” busca articular sociedade civil e órgãos públicos para o acompanhamento da implementação
das recomendações do MNPCT nas instituições privativas de liberdade do Rio Grande do Sul. Este projeto possui financiamento do Fundo
Especial do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura (OPCAT Special Fund), vinculado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos (Office of The High Commissioner for Human Rights), realizado pelo Instituto Cíclica, por meio da concessão OPCAT-100-
GLO/09/HC/07-B453.

Autoria:
Eduardo Georjão Fernandes
Cristiano Nicola Ferreira
Valentina Fonseca da Luz

Projeto gráfico e diagramação:


Manu Raupp

Equipe organizadora:
Eduardo Georjão Fernandes
Brenda de Fraga Espindula
Cristiano Nicola Ferreira
Ivone dos Passos Maio
Valentina Fonseca da Luz

FICHA ISBN:

TÉCNICA 978-65-980114-2-0

Creative commons:
Permitida a reprodução sem fins lucrativos, parcial ou total, por qualquer meio, se citados a fonte e o site no qual pode ser
encontrado o original: www.institutociclica.org
1. Apresentação do projeto 04
2. Introdução 06
2.1 Metodologia 07
3. Barreiras e facilitadores de implementação 08
3.1 Barreiras 09
3.1.1 Formato das recomendações 09
3.1.2 Natureza jurídica das recomendações 09
3.1.3 Ausência de um sistema estadual de prevenção e combate à tortura 09
3.1.4 Falta de transparência 10
3.1.5 Sistemas de informação ineficazes 10
3.1.6 Escassez de recursos materiais e humanos 10
3.1.7 Discordância sobre a legitimidade e a necessidade das recomendações 11
3.1.8 Desarticulação entre os órgãos da execução penal 11
3.1.9 Limitações estruturais da arquitetura das unidades prisionais 12
3.1.10 Preconceito com o público-alvo 12
3.1.11 Naturalização de práticas punitivas 12
3.1.12 Condições precárias de trabalho 12
3.2 Facilitadores 13
3.2.1 Instauração de procedimentos internos para efetivar recomendações 13
3.2.2 Conhecimento e atendimento às normativas internacionais e nacionais de

SUMÁRIO
tratamento a pessoas em privação de liberdade 13
3.2.3 Identificação com a defesa dos direitos humanos 14
3.2.4 Visão crítica sobre o sistema prisional 14
4. Considerações finais 15
Referências 16
Apêndice 17

1.
APRESENTAÇÃO
DO PROJETO
Este relatório é um produto de projeto realizado pelo Instituto Cíclica, com o apoio
do “Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes” (OPCAT) da Organização das Nações
Unidas (ONU).

O Instituto Cíclica é uma organização sem fins lucrativos, composta por


profissionais com experiência em pesquisa científica, na gestão pública e no
terceiro setor, que busca desenvolver e aplicar metodologias criativas e eficientes
para a consultoria, o acompanhamento e a execução de ações de transformação
social junto à universidades, a governos e à organizações da sociedade civil.

Considerando que os direitos humanos constituem um dos eixos de atuação


do Instituto Cíclica, no ano de 2021 foi realizada consulta junto a peritos
do MNPCT para buscar mapear demandas para o aprimoramento e a maior
efetividade da atuação do Mecanismo. A partir da consulta, foi informado que
uma problemática central da atuação do MNPCT é a dificuldade
de monitoramento da implementação das recomendações que
constam nos relatórios de inspeção.

Tendo em vista essa questão e a partir da inserção do Instituto Cíclica no território


do Rio Grande do Sul, este projeto tem o objetivo de fortalecer a rede
de monitoramento da implementação das recomendações do
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT)

APRESENTAÇÃO no estado do Rio Grande do Sul (RS) por meio da articulação


entre órgãos públicos e a sociedade civil. É esperado que as

DO PROJETO autoridades públicas e a sociedade civil reconheçam a relevância e se engajem


na prevenção e no combate à tortura no estado.

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Para atingir esse objetivo, o projeto é dividido em quatro etapas:

A primeira etapa do projeto resultou na publicação “O panorama da


implementação das recomendações do Mecanismo Nacional de
1. Requerer informações sobre quais Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) no estado do Rio
recomendações do MNPCT foram/não foram Grande do Sul” (FERNANDES; FERREIRA; LUZ, 2023). O presente relatório foca-
implementadas por órgãos públicos no se sobre a segunda etapa do projeto. Buscamos, para tanto, ao longo do texto,
estado do RS; apresentar barreiras e facilitadores para implementação das recomendações do
MNPCT no estado do RS.
2. Identificar as barreiras institucionais
para a não implementação de recomendações
do MNPCT no estado do RS;

3. Desenvolver reuniões de advocacy e


estratégias para articulação entre órgãos
públicos e organizações da sociedade civil
para propor soluções para a implementação
das recomendações do MNPCT no estado do
RS;

4. Desenvolver e aplicar estratégias de


monitoramento da implementação das
recomendações no MNPCT no estado do RS.

5
2.
INTRODUÇÃO:
Na publicação “O panorama da implementação das recomendações do Mecanismo
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) no estado do Rio Grande do Sul”
(FERNANDES; FERREIRA; LUZ, 2023), buscamos situar qual o quadro atual quanto à
implementação das recomendações do MNPCT no RS. A partir de consultas aos órgãos
públicos do RS por meio dos procedimentos previstos na Lei de Acesso à Informação (LAI
- Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011), sintetizamos um panorama que apresenta
alguns aspectos significativos.

Os três relatórios do MNPCT no Rio Grande do Sul - o Relatório de visita ao Presídio


Central de Porto Alegre (BRASIL, 2015b), o Relatório de visita ao Instituto Psiquiátrico
Forense (BRASIL, 2015a) e o Relatório de Inspeção: Missão Conjunta no Rio Grande do
Sul (BRASIL, 2019) - resultaram em um total de 147 recomendações endereçadas
a 18 órgãos públicos. De modo geral, o panorama identificado aponta para um
percentual relativamente baixo de recomendações implementadas
(23,8%), além de um alto índice de não implementação/não resposta
(61,2%) (FERNANDES; FERREIRA; LUZ, 2023).

Verifica-se também que determinados temas tendem a índices mais baixos


de implementação: articulação, fiscalização e monitoramento interinstitucional;
garantia de direitos de minorias; controle social e medidas de inserção e apoio a egressos
e familiares; criação de Mecanismos e Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à
Tortura; canais de denúncia de tortura; e repasse de recursos. Constata-se também
atenção sobre um conjunto de órgãos que obteve um índice baixo

INTRODUÇÃO:
de implementação e/ou não respondeu aos pedidos de informação:
Direção da Penitenciária Estadual do Jacuí; Governo do RS; Tribunal de Justiça do RS;
Ministério Público do RS; Ministério Público do Trabalho; Secretaria de Segurança Pública
do RS; Instituto Geral de Perícia; Vigilância Sanitária do RS; Departamento Penitenciário
Nacional; e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (FERNANDES;
FERREIRA; LUZ, 2023).

No presente relatório buscamos compreender os fatores e motivos pelos quais esse quadro
configura-se. Para tanto, aplicamos uma metodologia para identificação de barreiras
e facilitadores de implementação. A seguir descrevemos os caminhos metodológicos
adotados.
6
2.1 METODOLOGIA

Uma das formas de análise do processo de implementação de uma política pública Durante as entrevistas, os atores foram convidados a falar sobre o seu
é a identificação de barreiras e facilitadores, uma vez que essas informações conhecimento quanto às recomendações do MNPCT no RS e, especificamente,
auxiliam a tomada de decisão pelo gestor. Neste relatório, as barreiras abrangem sobre o status de implementação das recomendações no respectivo órgão.
o conjunto de fatores, condições e processos que dificultam a implementação Durante os relatos, buscamos identificar os fatores favoráveis e desfavoráveis à
das recomendações do MNPCT. Os facilitadores, por outro lado, representam implementação. Após transcritas, as entrevistas foram categorizadas em barreiras
os fatores, condições e processos que tendem a ampliar as possibilidades de e facilitadores.
implementação das recomendações.
Para a definição das categorias, buscamos identificar barreiras e facilitadores que
Para a identificação das barreiras e facilitadores da implementação das se repetiram nas falas e informações coletadas, tendo em vista que buscamos
recomendações do MNPCT no RS, além do pedido de informação aos 18 órgãos apresentar um quadro representativo da situação do RS. Ademais, as barreiras
para os quais as recomendações foram endereçadas, realizamos 9 entrevistas e os facilitadores foram identificados em 3 níveis: MNPCT; gestão dos órgãos
com atores-chave representantes desses órgãos, abrangendo a direção da Cadeia acionados; e serviços e profissionais dos órgãos acionados. No nível do MNPCT,
Pública de Porto Alegre, a direção do presídio Feminino Madre Pelletier, a direção são abordadas as questões referentes ao trabalho do MNPCT e de seus peritos
da Penitenciária Estadual do Jacuí, a Defensoria Pública do RS, a Secretaria de na realização de inspeções, na produção de relatórios e no encaminhamento
Segurança Pública do RS, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, o de recomendações. No nível da gestão dos órgãos acionados, identificam-se as
Departamento Penitenciário Nacional e o Comitê Estadual de Prevenção e questões relativas à atuação dos órgãos públicos para os quais as recomendações
Combate à Tortura. As informações foram complementadas com buscas em fontes são direcionadas. No nível de serviços e profissionais dos órgãos acionados, são
documentais. abordadas questões práticas e concretas quanto à efetivação das recomendações,
considerando o papel das instituições privativas de liberdade e dos profissionais
que nelas trabalham.

7
3.
A categorização resultou em 12 barreiras e 4 facilitadores, a seguir sistematizados:

Tabela 1 - Barreiras e facilitadores de implementação das


recomendações do MNPCT no Rio Grande do Sul

Categoria Nível

Barreiras Formato das recomendações MNPCT; Gestão dos órgãos


acionados
Natureza jurídica das recomendações MNPCT; Gestão dos órgãos
acionados
Ausência de um sistema estadual de MNPCT
prevenção e combate à tortura
Falta de transparência Gestão dos órgãos acionados
Sistemas de informação ineficazes MNPCT; Gestão dos órgãos
acionados
Escassez de recursos materiais e Gestão dos órgãos acionados;
humanos Serviços e profissionais dos
órgãos acionados
Discordância sobre a legitimidade e a Gestão dos órgãos acionados
necessidade das recomendações
Desarticulação entre os órgãos da Gestão dos órgãos acionados
Execução Pena
Limitações estruturais da arquitetura Gestão dos órgãos acionados;
das unidades prisionais Serviços e profissionais dos
órgãos acionados
Preconceito com o público-alvo Serviços e profissionais dos
órgãos acionados
Naturalização de práticas punitivas Serviços e profissionais dos

BARREIRAS E
órgãos acionados
Condições precárias de trabalho Serviços e profissionais dos
órgãos acionados

FACILITADORES DE Facilitadores Instauração de procedimentos internos Gestão dos órgãos acionados


para efetivar recomendações

IMPLEMENTAÇÃO
Conhecimento e atendimento às Gestão dos órgãos acionados
normativas internacionais e nacionais
de tratamento às pessoas privadas de
liberdade
Identificação com a defesa dos direitos Serviços e profissionais dos
humanos órgãos acionados
Visão crítica sobre o sistema prisional Serviços e profissionais dos
órgãos acionados

Fonte: elaboração própria.

8
3.1 BARREIRAS
3.1.1 Formato das recomendações 3.1.3 Ausência de um sistema estadual de
prevenção e combate à tortura
A redação de algumas das recomendações do MNPCT pode ser
percebida pelos órgãos públicos como abrangente, deixando A inexistência de um Sistema Estadual de Prevenção e
de identificar especificamente as instituições acionadas e as Combate à Tortura no Rio Grande do Sul prejudica a atuação
etapas requeridas para implementação. Essas recomendações estão conjunta entre diferentes órgãos, a formação de coalizões
especialmente relacionadas à categoria temática de “articulação, fiscalização e a organização de ações estratégicas e sincronizadas.
e monitoramento interinstitucional”, a qual, como demonstrou a primeira A desarticulação dessa rede de contatos é evidenciada pela atual situação do
publicação deste projeto (FERNANDES; FERREIRA; LUZ, 2023), apresentou baixo Comitê Estadual de Combate à Tortura (CECT/RS), cuja mobilização depende de
nível de implementação pelos órgãos, com apenas 17,1% das medidas efetivadas. esforços individuais dos participantes, ao invés de um compromisso institucional
dos órgãos. Ao promover melhores fluxos de informação entre as instituições,
Nível impactado: MNPCT; Gestão dos órgãos acionados a criação de um Sistema Estadual também possibilitaria o encaminhamento de
denúncias individuais sobre torturas e tratamentos degradantes, bem como a
3.1.2 Natureza jurídica das recomendações adoção de medidas ágeis e articuladas de combate a situações específicas de
tortura.
O fato de as recomendações realizadas pelo MNPCT possuírem
natureza jurídica não-vinculante, não produzindo qualquer Nível impactado: MNPCT
grau de coercitividade, gera sobre os órgãos efeito de
mera orientação. A ausência de consequências pré-estabelecidas pelo não
cumprimento das medidas reduz o impacto de mobilização, como revelam relatos
que expressam a demanda por “força de intervenção” para garantir uma atuação
mais efetiva.

Nível impactado: MNPCT; Gestão dos órgãos acionados

9
3.1 BARREIRAS

3.1.4 Falta de transparência 3.1.6 Escassez de recursos materiais e


humanos
Em parte dos órgãos públicos consultados, a ausência de transparência
sobre informações relevantes impõe obstáculos à implementação A insuficiência de recursos materiais e humanos está entre as
de políticas eficazes. Por vezes, justificativas que apontam para a principais barreiras referidas pelos órgãos consultados. Em
“preservação da segurança” são mobilizadas de forma naturalizada como forma diferentes setores da execução penal, as demandas pela contratação de servidores
de impedir o acesso aos dados. Salienta-se também que, como demonstrado e pela destinação de mais verbas públicas são circunstâncias que influenciam a
na primeira publicação deste projeto (FERNANDES; FERREIRA; LUZ, 2023), implementação das recomendações. O acesso de pessoas privadas de liberdade
para um terço das recomendações, não houve resposta quanto ao nível de a garantias como trabalho, serviços médicos e atendimento jurídico são algumas
implementação. Tais situações prejudicam diretamente a promoção, o controle e das medidas diretamente afetadas por essa escassez. A segurança das pessoas
o acompanhamento das recomendações. apenadas e de servidores públicos, bem como o monitoramento de violações de
direitos também são impactados pela insuficiência de recursos.
Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados
É importante salientar que a escassez de recursos não atinge todos os órgãos
3.1.5 Sistemas de informação ineficazes consultados. São observados relatos positivos quanto ao repasse de recursos
financeiros, especialmente tratando-se dos montantes direcionados para a
A ausência de fluxos pré-estabelecidos para encaminhar as reconstrução da Cadeia Pública de Porto Alegre. Quanto aos recursos humanos,
recomendações promove significativa dificuldade dos órgãos alguns relatos são positivos: em uma das consultas realizadas, foi mencionado
para garantir constância na comunicação interna, realização que, segundo a gestora entrevistada, a casa prisional possui um quadro adequado
de acompanhamentos periódicos e continuidade das políticas, de profissionais (envolvendo psiquiatra, psicólogos, assistentes sociais, advogada,
a despeito das reestruturações institucionais. Os relatos odontólogo e nutricionista). Em outro caso, foi relatado que a instituição possui
expressam que trocas de gestão, mudanças governamentais e substituição de “um grande número de efetivo habilitado para combater incêndio”. Esses relatos,
servidores promovem a desarticulação de ações e a perda de dados relevantes. porém, são pontuais, e a insuficiência de recursos tende a preponderar no contexto
O cenário evidencia a necessidade de sistemas internos para recebimento das das instituições de privação de liberdade do estado.
recomendações, divulgação de informações e organização de recursos por parte
das instituições. Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados; Serviços e profissionais dos
órgãos acionados
Nível impactado: MNPCT; Gestão dos órgãos acionados

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3.1 BARREIRAS

3.1.7 Discordância sobre a legitimidade e a 3.1.8 Desarticulação entre os órgãos da


necessidade das recomendações execução penal
O reconhecimento da legitimidade e da necessidade das recomendações A fragilidade da rede interinstitucional na execução
propostas pelo MNPCT é imprescindível para que elas sejam concebidas como penal do Rio Grande do Sul prejudica a atuação conjunta
prioridades pelas gestões institucionais. Ao referir que “algumas dessas e estratégica de diferentes órgãos, inviabilizando a
recomendações a gente não reconhece como existentes aqui na implementação de recomendações relacionadas à promoção
casa” como justificativa à não implementação das medidas, a de políticas integradas. Conforme já destacado, as recomendações
administração de uma unidade prisional do estado expressa voltadas à articulação institucional apresentaram grau baixo de implementação
a existência de divergências em relação às observações de acordo com os dados coletados na primeira etapa do projeto (FERNANDES;
realizadas pelo Mecanismo. Esse tipo de relato se articula com a barreira FERREIRA; LUZ, 2023). Essa barreira relaciona-se à ausência de espaços oficiais
sobre a natureza jurídica das recomendações, de modo que o reconhecimento de articulação entre órgãos, que seriam possíveis por meio da criação do Sistema
da importância e a implementação dessas medidas pode acabar dependendo da Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, bem como da formalização do Comitê
interpretação da gestão dos órgãos. Estadual de Combate à Tortura.

Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados

11
3.1 BARREIRAS
3.1.9 Limitações estruturais da arquitetura das 3.1.11 Naturalização de práticas punitivas
unidades prisionais
A estrutura do sistema penitenciário age, em diferentes
Nos relatos das administrações prisionais, o obstáculo níveis, para naturalizar condutas punitivas que relativizam
mais recorrente às recomendações do MNPCT relaciona-se garantias fundamentais para a população privada de liberdade
à limitação estrutural das unidades. Tratam-se de construções e legitimam violências tanto na esfera governamental
datadas de mais de um século, muitas vezes com projetos inapropriados para quanto nas práticas cotidianas das unidades. Em diferentes
um uso como penitenciária, e que têm sido adaptadas ao cotidiano prisional setores da execução penal, a reprodução desses procedimentos é observada: no
com diversas restrições. A falta de acessibilidade, a necessidade de manutenção Judiciário, pela aplicação de medidas mais gravosas de punição em detrimento
frequente e a impossibilidade de ampliação dos edifícios são elementos comuns às de penas alternativas; no governo do estado, pela carência de políticas voltadas
diferentes casas prisionais, perceptíveis por relatos que evidenciam a dificuldade ao desencarceramento/à desinstitucionalização e à promoção de dignidade à
de promover dignidade e segurança em estruturas físicas estagnadas, com pouco população prisional; e nas rotinas administrativas das unidades, pela banalização
espaço e condições arquitetônicas instáveis. de práticas de castigo, como o uso de celas de triagem.

Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados; Serviços e profissionais dos Nível impactado: Serviços e profissionais dos órgãos acionados
órgãos acionados
3.1.12 Condições precárias de trabalho
3.1.10 Preconceito com o público-alvo
As entrevistas revelaram a precariedade das condições de
Foi possível observar que a existência de preconceito trabalho nas unidades prisionais, especialmente em razão
com grupos sociais específicos, como no caso da população da insuficiência de servidores em número proporcional à
LGBT, dificulta o cumprimento de medidas adequadas às suas quantidade de apenados. As entrevistas apontam que os profissionais
particularidades. Demandas relativas à transferência de casa prisional e à atuam em um contexto de insegurança, assumem funções diversas de seus
garantia de tratamento hormonal são percebidas como questões injustificáveis cargos e trabalham em cargas horárias excessivas, chegando a dobrar as horas
e pautas de menor relevância. Esse ponto está também fortemente ligado ao trabalhadas sem remuneração. Esse cenário tornou-se ainda mais alarmante a
estigma social em torno da população privada de liberdade e de seus familiares, partir da pandemia, momento em que o quadro de servidores em atuação foi
o que ocasiona a perpetuação de tratamentos desumanos e indignos a esses reduzido. Além disso, a carência de profissionais com formações específicas, em
grupos. especial médicos, psicólogos e psiquiatras, foi citada como problemática relevante
em diferentes unidades prisionais.
Nível impactado: Serviços e profissionais dos órgãos acionados
Nível impactado: Serviços e profissionais dos órgãos acionados
12
3.2 FACILITADORES
3.2.1 Instauração de procedimentos internos 3.2.2 Conhecimento e atendimento às normativas
para efetivar recomendações internacionais e nacionais de tratamento a
pessoas em privação de liberdade
Neste facilitador, o órgão acionado age de uma forma a
possibilitar, por meio de procedimentos internos, que as Neste facilitador, o órgão de execução penal busca basear
recomendações sejam efetivadas e monitoradas. Como exemplo, suas ações a partir de protocolos e normas nacionais e
destaca-se a instauração de procedimento para apuração de dano coletivo internacionais, fornecendo um arcabouço de atuação para
(PADAC), por parte da Defensoria Pública Estadual (DPE). O relato da instauração garantia e respeito aos direitos humanos. Um exemplo é quando
do procedimento funciona da forma que quando a “recomendação chega é o órgão segue as resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no que diz
montado um expediente que é acompanhado por meio de uma (PADAC)”. Um respeito à forma de recebimento, tratamento e concessão de prisão domiciliar
outro exemplo positivo identificado neste facilitador é a criação e inauguração do às mães com filhos pequenos. Em entrevista, foi possível identificar a adoção de
Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (NUGESP), em 2022. O NUGESP medidas práticas a partir da resolução, resultando que seja aplicado, à maioria
foi criado pela Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) das gestantes, o benefício de prisão domiciliar. Outro aspecto identificado é o
para tentar resolver o problema estrutural de entrada no sistema penitenciário cumprimento das determinações da Lei de Execução Penal (LEP) no processo de
gaúcho. O Núcleo surgiu de tratativas de diferentes órgãos, a partir de habeas triagem das pessoas em privação de liberdade que estão entrando no sistema
corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública. prisional.

Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados Nível impactado: Gestão dos órgãos acionados

13
3.2 FACILITADORES

3.2.3 Identificação com a defesa dos direitos 3.2.4 Visão crítica sobre o sistema prisional
humanos
Neste facilitador, os profissionais dos órgãos conseguem
Neste facilitador, os profissionais dos órgãos acionados pelas identificar problemas no sistema de execução penal,
recomendações buscam, em suas ações rotineiras, garantir reconhecer de forma crítica as consequências do sistema
o respeito e a defesa dos direitos da pessoa em privação prisional sobre as pessoas privadas de liberdade e agir para
de liberdade, consolidando assim uma atuação pautada na enfrentar essas situações. Como exemplo, em relação ao processo de
defesa dos direitos humanos. Como exemplo, destaca-se a abolição desocupação da Cadeia Pública de Porto Alegre (CPPA), destacam-se falas que
do uso de algemas como mecanismo de contenção, situação que foi verificada buscam reconhecer que as “pessoas que foram encarceradas lá tenham algum
em uma entrevista. Outro exemplo é a realização, em uma unidade prisional, de tipo de compensação”, considerando que as condições das pessoas apenadas lá
um primeiro atendimento que objetiva a identificação de aspectos que podem eram degradantes e feriam os direitos humanos. Outro exemplo é a realização
caracterizar alguma vulnerabilidade (mulheres gestantes, idosos, etc.), buscando de audiências concentradas, buscando alternativas para a saída das pessoas que
assegurar o respeito às vulnerabilidades daquela pessoa. estão internadas no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), trazendo para discussão
outros agentes, tais como o “município de origem da pessoa, o estado do RS e a
Nível impactado: Serviços e profissionais dos órgãos acionados Secretaria de Saúde”. Entendendo a gravidade dos ocorridos dentro do sistema
prisional gaúcho, uma alternativa que identificamos em entrevista foi a busca
de “muitas coisas de forma extrajudicial, que muitas vezes é mais efetivo para a
resolução das questões”. Outro aspecto importante são as penas alternativas à
privação de liberdade, as quais teriam sido fomentadas após a criação dos NUGESP.

Nível impactado: Serviços e profissionais dos órgãos acionados

14
4.
CONSIDERAÇÕES A metodologia aplicada neste estudo resultou na identificação de 12 barreiras
para a implementação das recomendações do MNPCT no Rio Grande do

FINAIS Sul: formato das recomendações; natureza jurídica das recomendações; ausência de
um sistema estadual de prevenção e combate à tortura; falta de transparência; sistemas
de informação ineficazes; escassez de recursos materiais e humanos; discordância sobre
a legitimidade e a necessidade das recomendações; desarticulação entre os órgãos da
Execução Pena; limitações estruturais da arquitetura das unidades prisionais; preconceito
com o público-alvo; naturalização de práticas punitivas; condições precárias de trabalho.
Por outro lado, foram identificados 4 facilitadores: instauração de procedimentos internos
para efetivar recomendações; conhecimento e atendimento às normativas internacionais
e nacionais de tratamento às pessoas privadas de liberdade; identificação com a defesa
dos direitos humanos; visão crítica sobre o sistema prisional. Esse conjunto de barreiras
e facilitadores relaciona-se com 3 níveis institucionais: MNPCT; gestão dos órgãos
acionados; e serviços e profissionais dos órgãos acionados.

O diagnóstico resultante da combinação entre o relatório “O panorama da


implementação das recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura (MNPCT) no estado do Rio Grande do Sul” (FERNANDES; FERREIRA; LUZ, 2023) e a
presente publicação aponta para uma série de desafios a serem enfrentados no contexto
da execução penal no Rio Grande do Sul. Em especial, entendemos que o conjunto
sistematizado de barreiras e facilitadores é um caminho útil para o estabelecimento de
ações prioritárias tanto no fluxo interno cada um dos 18 órgãos acionados pelo MNPCT no
seus relatórios, quanto na produção de ações interinstitucionais de prevenção e combate
CONSIDERAÇÕES à tortura e outros tratamentos desumanos e degradantes.

FINAIS Nesse sentido, compreendemos que um próximo passo relevante é a apresentação e


o debate das barreiras e dos facilitadores entre órgãos públicos e sociedade civil para
a pactuação de soluções de enfrentamento das barreiras e a identificação de formas
de fortalecimento dos facilitadores. Reforçamos, assim, a importância da articulação
interinstitucional na produção de ações conjuntas e coordenadas. Na próxima etapa
deste projeto, iremos propor ações de mobilização que permitam
traduzir as evidências já sistematizadas em possíveis estratégias
e soluções.

15
REFERÊNCIAS

BRASIL. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Relatório


de Inspeção: Missão Conjunta no Rio Grande do Sul. Brasília,
2019.

BRASIL. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Relatório


de Visita ao Instituto Psiquiátrico Forense Rio Grande do
Sul. Brasília, 2015a.

BRASIL. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Relatório


de Visita ao Presídio Central de Porto Alegre Rio Grande
do Sul. Brasília, 2015b.

FERNANDES, E. G.; FERREIRA, C. N.; LUZ, V. F. da. O panorama da implementação


das recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e

REFERÊNCIAS Combate à Tortura (MNPCT) no estado do Rio Grande do Sul.


Porto Alegre: Instituto Cíclica, 2023.

16
APÊNDICE Roteiro de entrevista com representantes dos órgãos acionados pelo MNPCT

Etapa Pergunta

Perguntas de Apresentação do Instituto Cíclica e da pessoa


aquecimento entrevistada.

Comunicação dos objetivos do projeto e resolução de


dúvidas iniciais

Recebimento das 1. Como vocês receberam as recomendações do MNPCT


recomendações decorrentes dos relatórios de inspeção de 2015 e de 2019
no Rio Grande do Sul?

2. Vocês tiveram alguma dificuldade para interpretar as


recomendações recebidas?

Identificando barreiras 3. Vocês podem nos informar o estágio atual de


implementação das recomendações recebidas? [Neste momento,
recomenda-se apresentar as recomendações específicas para
o órgão e conversar sobre elas]

4. Vocês poderiam nos explicar como funciona a atribuição


da responsabilidade sobre a implementação e acompanhamento
da implementação das recomendações recebidas?

5. Vocês poderiam descrever quais foram/estão sendo


as principais barreiras para a implementação das
recomendações recebidas?

6. Quais soluções vocês pensam que poderiam ser


implementadas para a superação dessas barreiras?

APÊNDICE Fechamento 7. Gostariam de fazer alguma consideração sobre a


implementação das recomendações ou comentar algum ponto
que não foi mencionado até o momento na entrevista?

Fonte: elaboração própria.

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