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Rodolfo Bohoslavsky

~
ORIENTAÇAO
VOCACIONAL
A EstratégiaClínica

TraduçãoJOSÉMARIA VALEIJEBOJART
Revisãoe apresentaçãoWILMA MILLAN ALVES PENTEADO

MartinsFontes
São Paulo 2003
_./
,·i I'

Título original: ORJENIACJÓN VOCACIONAL - La Estrategia Clínica.


Copyright© by Ed1ciones Nuel'a \/isiôn SAIC. Buenos Aires, 1979.
Coeyright © 1977, Lil'raria Martins Fontes Editora Lula.,
Siío Pwllo, para a presente edicão.
A meus mestres
A meus alunos
1ª edição Com gratidão
outubro de 1977
u~edição
abril de 199R
2ª tiragem
abril de 2003

Tradução
JOSÉ MAR/A VALEJJE BOJART

Revisão e apresentação
Wi!ma Mi/la11Alves Penteado
Produção gráfica
Geraldo Alws
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Desenvolvimento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bohoslavsky, Rodolfo
Orientação vocacional : a e~tratégia clínica/ Rodolfo Boboslavs-
ky : tradução José Maria Valeije Bojart ; revisão e apresentação
Wilma Millan Alves Penteado. - 11~ cd. - São Paulo : Martins Fon-
tes, 1998. - (Psicologia e pedagogia)

Título original: Orientación vocacional


Bibliografia.
ISBN 85-336-0810-1

1. Orientação vocacional I. Título. II. Série.

97-5626 CDD-371.425
Índices para catálogo sistemático:
1. Orientação vocacional : Educação 371.425

Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Rua Conselheiro Ramalho. 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil
Te/. (li) 32413677 Fax (li) 3105.6867
e-mail: info@martinsfontes.com.br http://www.martinsfontes.com.hr
Índice

Apresentação à edição brasileira, por Wilma Millan Alves


Penteado IX
Adenda à edição brasileira, por Rodolfo Bohoslavsky XVII
l'rôlogo, por José Bleger XXIII
Palavras iniciais -A propósito do titulo do livro 1

f. O quadro de referência- Esboço para a elaboraçãode um


modelo dos problemas vocacionais 19
?. O diagnóstico em orientação vocacional- Contribuiçãopara
uma teoria da estratégiadiagnóstica 71
3. A entrevistade orientação vocacional 101
·/. A informação ocupacionalem orientaçãovocacional 141
5. A identidadeprofissional do orientador vocacional 159

Apêndices

I. Umplano de dois anos de orientação vocacionalpara alunos de


um colégio de 2. grau 193
0

2. Planopara organizaçãode atividadesde orientação


vocacionalnuma escola da Universidadede Buenos A ires 19 7
3. Umprojeto de tarefasde orientação vocacional
elaboradopara um instituto de estudos superiores
de uma pequena cidade 201
4. Uma apostila para professores de um colégio. Os jovens diante
,-lpresentação à edição brasileira
da vocação e a função da escola de 2.0 grau 203
5. Programa de um seminário de habilitação em orientação
vocacional 207

Notas 211

Finalmente vem a público a edição brasileira do livro Orien-


lação vocacional~ A estratégia clínica, de Rodolfo Bohoslavsky.
Reconhecemos que talvez não fôssemos as pessoas mais indi-
rnda para a tarefa de apresentar Bohoslavsky aos leitores brasi-
ll'iros. Acabamos aceitando a responsabilidade desta apresenta-
\·110, assim como da revisão técnica da tradução, por várias razões
difíceis de explicitar e hierarquizar: satisfação enorme em ter
,11iresentado Bohoslavsky aos editores e ter acompanhado esta
,·dição em todos os seus momentos; o compromisso ou vínculo
1wssoal que o autor conosco estabeleceu e que não pode ser medi-
do pela sua duração temporal, mas sim pela profundidade do seu
\'{florprofissional e humano, e, além de outros, a saudade infinita,
11inconformismo, a perda irreparável ...
A gratificação decorrente da própria realização desta apre-
sentação foi mais uma razão que nos levou a aceitá-la. Além de ter
sido emocionante descobrir e reviver mil aspectos de Rodolfo, co-
nhecemos várias pessoas maravilhosas e dignas de serem chama-
das amigas ou, como diria Bohoslavsky, "hermanos ". Graças á
colaboração dessas pessoas, que aceitaram dividir com outros
suas emoções e experiências muito caras, foi possível elaborar esta
apresentação onde não nos cabe outro mérito que o de ter organi-
zado as informações que elas nos forneceram.
O significado, o alcance e os méritos deste livro já.fim1111n ·s
saltados por José Eleger, professor, colega e amigo do au/1 il: N, ·.1·.1,
·
X Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica \/
11,,-,·.1·,·11/a(:Cto
à ediçãobrasileira

sentido, nada mais haveria a acrescentar e o próprio leitor pode- Procurado pelos orientadores educacionais, que 11110 Jllld, ·
rá, agora, constatar o valor da contribuição de Bohoslavsky para n1111júzeresse curso, somente aberto a psicólogos, sensihilizo11 s,·
a orientação vocacional especificamente e para a Psicologia em , ·,1111 o interesse desses profissionais pela orientação vocacional<'
geral.
11, ·citou o convite para participar do curso de aperfeiçoamento
Desejamos apenas registrar alguns fatos que talvez possam
!''"º os orientadores educacionais das redes estadual e municipal
refletir pálida imagem do cientista, do terapeuta, do grande
, /, · ensino e professores de disciplinas especificas de cursos de for-
amigo, enfim, de um ser multifacetado, muito singular e especial.
11wcüo de orientadores educacionais, promovido pela Secretaria
Bohoslavskv nasceu em 1942, em Baía Bianca, bem ao Sul da
A1gc11li11a, onde 1wssou sua infancia e muito cedo aprendeu a ler e ,lil l\'ducação, de abril a junho de 1975.
a l'it·er nos litTos as emoções que não podia experimentar na vida Em 1975, como professor convidado, ministrou na USP três
real. Lia muito e de tudo. Aprendeu a interessar-se pelas coisas do , ursos e colaborou, também, no Curso de Orientação Profissional
mundo e a querer saber cada vez mais. do Instituto de Psicologia. Paralelamente desenvolvia o que cha-
Sentia necessidade de compreender os seres humanos e as 11111va de laboratório de relações humanas. Era uma experiência
relações das pessoas entre si e com o mundo. Daí, talvez, o seu 11111ito profunda que levava indivíduos a terem novas percepções
interesse pela Psicologia. Ingressou na Universidade Nacional de ,/1· si e do mundo e a sentirem-se mais próximos e acrescidos de mui-
Buenos Aires, tendo terminado o curso de Psicologia em 1966. 111scoisas. Integrava, na sua atuação, várias contribuições da Psi-

Enquanto cursava o último ano, foi convidado para lecionar na ' ·ologia. Insistia no termo laboratório ao invés de terapia, porque
Universidade. Iniciou um trabalho pioneiro na área de orientação s,· tratava de uma experiência didática e, no momento, suas preo-
vocacional, enfrentando sérias dificuldades na aceitação de seus ' 111wçõesestavam voltadas para a formação de profissionais que
pontos de vista por parte das alas mais conservadoras da psicolo- 1111dessem atuar nessa área.
gia argentina, mais afeitas às tendências psicométricas. Neste Supervisionou a equipe do Centro de Estudos Educacionais
sentido, deve-se ressaltar sua tenacidade e coragem para impor ··t'ERSONA "no diagnóstico e tratamento de distúrbios da apren-
suas novas idéias - a abordagem clínica. ,/i::agem, na área de orientação educacional e na realização de um
Este livro representa de alguma forma o produto de suas tmhalho de análise institucional.
lutas. Escreveu-o aos 27 anos. Em dezembro de 1975, decide morar no Brasil, mudando-se
Em sua abordagem da orientação vocacional, procurava 1•111/evereiro de 1976. Nesse período, passa três dias em São Paulo
rcdcscohrir os valores e sentimentos humanos numa área que pri- 1'1111atro no Rio. Em São Paulo, continua seus cursos,faz laborató-
vilegiava os ohjetivos econômicos em detrimento dos verdadeiros rio, supervisão, coordena grupos operativos, dá um curso de
objetivos humanos. Em sua perspectiva, procurava ver os indiví- Metodologia da Psicologia Clínica no Curso de Pós-graduação
duos como pessoas e não somente como profissionais. na PUC de São Paulo, e no GEPSA dirige grupos e ministra cursos.
O termo vocacional passou a indicar não só o que o indiví- No Rio,faz supervisão, orientação vocacional, terapia indivi-
duo faz quando trabalha, mas principalmente o que sente enquan- dual e em grupo, ministra cursos na APPIA, na PUC do Rio, e ini-
to trabalha. Considerava o indivíduo como pessoa e não como um 1·ia um grupo de técnica psicanalítica.
objeto passível de ser quantificado. O parecer desfavorável do laudo médico impediu que fosse
Em meados de 1974 surge a idéia de organizar um curso de 1 ·ontratado pela Universidade de São Paulo. Não é dificil imaginar
Rodolfo Bohoslavsky na USP. Graças à intervenção de Dante Mo- a sua mágoa e desapontamento com a instituição. Idealizava 11111a
reira Leite, recursos foram obtidos e o curso sobre a abordagem Universidade diferente e desiludiu-se ante uma estrutura i11/l<'1Í
clínica em orientação profissional pôde ser realizado em fevereiro 1 el, superburocratizada, competitiva e ambígua. Sentia mui/{/ 1·011
1

de 1975, com pleno êxito. !ade de aprender e impacientava-se com a estagnaçc7o1' aco111od,1
XII Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Apresentaçãoà ediçãobrasileira \ 111

ção, tendo encontrado nos alunos dentre os quais fez bons ami- trabalho demonstrava extrema segurança e seriedade. 'J'i11!,,1n11,1
gos - outra possibilidade de ligar-se à Instituição. Afastou-se for- consciência e honestidade profissionais.
malmente da Universidade de São Paulo, sentindo-se infeliz e con- Quanto ao "Bohoslavsky pessoa", haveria muito o que di:.ft
flitado por não poder dar continuidade ao trabalho iniciado e dei- Era dificil deixar de endeusá-lo dadas as suas características in
xar um grupo ao qual Já se afeiçoara, além da a6rz1daconsciência comuns e capacidade inusitada. E, ao mesmo tempo em que apre-
despertada para o seu problema físico. ciava o reconhecimento público, irritava-se com a mistificaçc7o
Resolveu, então, mudar-se para o Rio de Janeiro, onde estabe- que dele se fazia.
leceu um mundo de relações profissionais e de amizade. Entretan- Uma das coisas que mais impressionava em Rodolfo era a
to, neste sentido, havia um aspecto contraditório nele. Apesar do sua capacidade de observar e perceber os outros e a si próprio.
contato humano fácil, do trato afável e da capacidade de doar-se Talvez, por isso, conseguisse entender-se e modificar-se per-
nas relações, era uma pessoa só ... manentemente. Aliás, a idéia de mutação estava duplamente asso-
No Rio, morou na Lapa e em Ipanema. Era boêmio e adorava ciada à sua personalidade. Primeiro, pela sua disponibilidade de
viver a boêmia. Em pouco tempo conhecia melhor a Lapa e o cen- mudar e, segundo, por ser um agente transjórmador das pessoas,
tro da cidade do que qualquer carioca. Integrou-se completamen- do modo de elas se verem e verem o mundo, num nível bastante pro-
te no carnaval carioca, fez muitos amigos, era queridíssimo e, sem fimdo, às vezes até visceral. Era um elemento facilitador do cresci-
dúvida, uma figura muitopopulm: mento do outro e tinha maneira muito especial de fazê-lo - dosa-
Embora seja dificil separar o profissional do homem, é possí- da, oportuna, com máximo respeito pela individualidade da pes-
vel relembrar alguma coisa da imagem que jzcou do professor, do soa e evitando o estabelecimento de vínculos de dependência.
terapeuta e do cientista. Pessoalmente, mudou muito aqui no Brasil. Buscou posição,
Seus alunos admiravam sua cultura. Era conhecedor profun- estabilidade profissional e desiludiu-se da estrutura universitária,
do de psicanálise e de tudo o que ensinava. Possuía visão muito abdicando de tudo.
ampla e sincrética do mundo. Era capaz de dimensionar o univer- No Rio, mudou seu estilo de vida, procurando trabalhar o
so em todos os seus aspectos - filosóficos, políticos, sociais, cien- mínimo e viver o máximo. A Psicologia era o seu sonho, porém
tíficos, psicológicos, ideológicos, técnicos - e organizá-los de um não buscava mais realização profissional. Queria ser feliz e ter
,nodo maravilhosamente integrado. Não obstante, colocava as repouso afetivo.
coisas com simplicidade, desmist[ficando-as. Vivia intensamente, assumindo sua liberdade e incentivando
O que ensinava não era dissociado da vida. O plano teórico e os outros a serem livres, pois, para ele, as regras não existiam e
conceituai tinha sempre um correspondente imediato na vida. Os con- eram criadas, como qualquer coisa. Reservava-se o direito defa-
ceitos faziam parte dele. Acreditava que, tanto no campo profis- zer tudo o que tinha vontade e no que acreditava. Afostrava-se co-
sional como na vida pessoal, a teoria não poderia ser uma coisa e mo pessoa que tinha olhos para tudo e todos. Chegava a dizer:
a prática, outra. Daí a coerência de suas atitudes e o bom relacio- "Sinto-me cheio de vida, tudo renasce dentro de mim. Estoufi.,fiz. ··
namento com alunos com os quais se preocupava especialmente, Há outras dimensões características que seus amigos tum
levando-os a raciocinar, perceber e descobrir as relações existen- bém relembram. Por exemplo, sua sensibilidade artística. 811/,u,1
tes entre os fatos. lavsky era pessoa muito criativa e com grande sensibilidadi' !""'"
Profissionalmente era sério e exigente consigo próprio. Não teatro e poesia. Na Argentina, chegou a fi'eqüentar a fl1c11/dod,·d,·
fazia concessões e recusava sistematicamente qualquer trabalho Teatro e sempre esteve ligado ao teatro. Em Buenos Aires, j,,i 111,,,
que pudesse violar seus padrões profissionais. Enquanto pessoa, e diretor e, no Rio de Janeiro, participava de um gm110 il, · 1,·,111,,
era humano, sensível, emotivo, vulnerável, mas no ambiente de Pretendia escrever e encenar uma peça que se f"tss,1.1.1,· ,.,,, 11111
Apresentaçãoà ediçãobrasileira-- \1
_ _ _ _ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica

todos os minutos intensarilente e, talvez, a direciona!id(///1·d,, ,,11, ·


circo, reservando-se o papel de mágico. Era, naturalmente, um
foi e do que fez foram grandemente determinadas por esfl's du,s
grande ator. Sabia propor situações engraçadas e fazer persona-
espectros que erifrentou desde cedo. Na infância, contraiu a 111·1
gens incríveis, e qualquer situação poderia ser o melhor cenário
meira lesão cardíaca. Posteriormente, contraiu a segunda lcsúu.
para ele sobressair, em grande estilo.
quando teve endocardite. Era consciente da sua doença mas n:1·11
Amava a poesia. Escrevia poemas e gostava de declama,; o
sava-se a viver o papel de cardíaco ou fazer uso da situação pam
que fazia muito bem. Dizia com muita emoção os versos de Fer-
obter qualquer privilégio. Procurava viver e aproveitar a vida
nando Pessoa, especialmente a "Tabacaria":
como qualquer pessoa, e não manifestava grandes preocupações
Não sou nada com o seu coração, embora, às vezes, tivesse crises que chegavam
Nunca sereí nada a deixar seus amigos apreensivos.
Não posso querer ser nada Em abril, teve de ser internado com urgência, pois o que pen-
Á parte isso, tenho em mim todos sara ser uma gripe era a endocardite em processo avançado. Seu
os sonhos do mundo... estado não era bom. Aos amigos que o visitavam dizia estar bem e
não se importar pelo fato de estar internado. Aparentava calma e
Suas poesias traduzem de algum modo sua compreensão das tranqüilidade e transmitia certa aceitação quanto a seus limites,
pessoas, da vida e do mundo; o que era o seu ideal de ser: suas que bem conhecia.
buscas, angústias, esperanças e necessidade de amor. Devia ser-lhe extremamente penoso estar imóvel em uma ca-
Era ligado a tudo que acontecia à sua volta, sempre procu- ma, quando sua vida caracterizava-se pela atividade.
rando descobrir alguma coisa e acreditando que as coisas no Na carta a um amigo, chegou a externar seus sentimentos e
inundo não acontecem por acaso. Traduziu isto em versos: percepções da situação. Sentia que sua vida esvaía-se e que a
medicina ainda era apenas instrumentação aparente que pouco
( 'rea en lo casual requiera una enorme madurez.
poderia fazer por ele. Falava da situação absurda no hospital, que
()uien se apresura en explicar/o todo paraliza y suplanta con ideas
não conseguia compreender, e lamentava-se: "por que eu? por
ge11eralmentemuertas
aquello que recién va germinando. que agora? ..." Pensava até em escrever um conto sobre tudo isto.
Durante os quinze dias em que ficou no hospital tornou-se
Apesar dos amigos, era solitário e gostava de sua solidão e, amigo dos pacientes cardíacos da Santa Casa, dos médicos, dos
às vezes, dizia-lhes: residentes, das enfermeiras, etc. Estava preparando dois pacientes
para a cirurgia e pretendia formar grupos de estudo com os alu-
"Nestefim de semana não me telefonem porque voufazer exer- nos de Medicina.
cício de solidão. " Na madrugada do dia 14 de abril de 1977, teve um acidente
vascular cerebral, vindo a falecer às dezessete horas.
Esta solidão também estava presente em seus versos: Foi um ser estranho que ninguém chegou a conhecer inteira 1'
verdadeiramente, mas o importante não é o fato de que o Rodo/fii
"Digo que la soledad es la matriz de nuestra identidad porque de um tenha sido mais verdadeiro do que o de outro, e sim o 1111,·
se necesitan las condiciones propicias para identificarmos con noso- ele significou efoi realmente para cada um.
tros mismos. "
A morte deixou apenas, em todos, a sensação de terc111/h ·,di
do a possibilidade do contato real com uma grande f)(',1·.1·011./)('"!"'
Na sua vida, a morte e a doença estiveram sempre presentes e
o Rodo!fo continua vivo dentro de cada um e espalhado ,·111 1111111,n
muito próximas. Poder-se-ia até dizer que a sua urgência em viver
s, 1 Orientaçãovocacional~A estratégiaclínica

rnisos: nas lembranças, nas frases, nos gestos, nas cartas, nos Adenda à edição brasileira
desenhos, nos bilhetes, no riso, no carinho, no afago, na ternura,
nus poesias, nas coisas ainda não captadas, que vão continuar
num diálogo interiorizado, que a morte não interrompe.
São Paulo, setembro de 1977.

Wilma Millan Alves Penteado


Prof~ de Orientação Vocacional e Chefe do
Departamento Educacional das FMU

A quarta edição deste livro (primeira em língua portuguesa)


faz-nos sentir as mesmas reações que nos produziria o encontro
com um velho amigo, depois de seis anos de separação. O tempo e
a distância transcorridos e a releitura numa língua diferente permi-
tem perceber, atenuados, virtudes e defeitos que antigamente valo-
rávamos e criticávamos, e novas virtudes e defeitos aparecem à luz
do reencontro.
A releitura nos impôs a exigência de explicitar o processo
ocorrido desde então, assim como as revisões e autocríticas, a que
nos levou a prática, a teoria, a técnica, as discussões com colegas
argentinos e brasileiros e a tarefa docente, que dois livros publica-
dos nesse intervalo 1 não conseguiram conter.
A aceitação e a crescente demanda deste livro acrescentam o
compromisso de declarar em que aspectos concordamos ou não
com o escrito outrora, a fim de convidar o leitor a manter, diante
deste texto, uma atitude de "benevolente ceticismo". Por isso, se
depois da leitura deste livro você julgar que tem uma idéia acahu-
da do que seja o campo de problemas da orientação vocacional,
desconfie.
Esta obra não constitui mais do que uma introdução, uma pn) ·
posta inicial ou, na melhor das hipóteses, um marco rcfon:nci;tl
provisório para começar a pensar a problemática da cscolh;1 pm
fissional sob uma nova ótica. Constitui um momento de sí111\-::,·
Mas sabemos que o pensamento humano está (ou lkvni,1 1·::l.111
XVIII Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica \/\
Adendaà ediçãobrasileira

aberto a sucessivas antíteses e sínteses - diante do risco de se con- 2 - Quanto ao nível da problemática teórica, nosso 1wssual
verter em algo "instituído" negando-se a inovação que representou "retorno a Freud" tem contribuído para que ressalte hoje o car;'1tL·1
no passado, ou seja, morrendo. sintomático da decisão (ou seja, sua condição de saída de com p n,
As principais transformações na nossa maneira de pensar misso). Diante disso, se nos impõe uma leit~ra ínterpret~tiva, qu_L:
sobre o vocacional poderiam ser sintetizadas nas seguintes orien- permita compreender o caráter sobredetermmado e mult1determ1-
tações: nado da escolha. A estrutura do aparelho psíquico, por um lado, e a
1 - Diante do "vocacional" cabe diferenciar dois planos: o estrutura social, por outro, que se expressam através da dialética
dos problemas e o das problemáticas. O primeiro diz respeito às difi- de desejos, identificações e demandas sociais (que a família, a es-
culdades das pessoas em alcançar escolhas conscientes e autôno- cola e os meios de comunicação de massa veiculam), não poderão
mas quando existem condições para optar em relação a estudos deixar de ser objeto de nossa consideração. A pessoa que decide,
e/ou trabalho. Neste plano, as respostas serão de tipo técnico, e suporta e transporta ambas as classes de detenninações, f~zendo
operacionalizadas por profissionais competentes. Em compensa- com que o "individual" e o "social" se expressem sempre s1mult~-
ção, o plano das problemáticas nos conduz a um conjunto de ques- neamente, tanto nas dúvidas ou obstáculos das tomadas de deci-
tões teóricas que apenas podem ser resolvidas a partir de instru- são, como nas soluções a que finalmente se alcance.
mentos conceituais. A problemática teórica atinge uma variedade De todos os problemas que a articulação entre o individual e o
de setores do campo psicológico e extrapsicológico, pois não en- social implica, só nos refe1imos neste livro à dialética das identifi-
volve somente um simples problema de medir aptidões e interes- cações, e esta, sendo determinante da pessoa (e portanto da sua
ses e devolver resultados de testes, mas principalmente a escolha identidade vocacional-profissional), não é detenninante em última
mais livre possível, pelas pessoas, da sua vida futura. É fácil ima- instância.
ginar a complexidade das problemáticas que esta questão compro- O mesmo poderíamos afirmar sobre a importância dada aos
mete. Elas se estendem desde o estritamente psicológico até pro- processos de luto e reparação (resultado da in~uência da p~icanál~-
fundas questões ético-filosóficas e ideológicas, sem esquecer que se inglesa na formação dos psicólogos argentmos), que hoje relat_1-
o humano não pode ser lido somente no nível de análise psicológi- vizo, sem negar. Ou do peso atribuído aos conceitos de "autononna
ca, sendo necessário dispor-se teoricamente, para uma leitura con- egóica", "projeto" e "liberdade de escolha" (produtos da absorção
vergente, da Sociologia, da Economia, da Antropologia, da Pe- insuficientemente crítica do pensamento fenomenológico e psica-
dagogia ... nalítico americano).
Nesta dimensão, as coisas são tão complexas que muitas ve- Ignoramos até que ponto o modelo proposto suportaria o co~-
zes se tem a sensação de enfrentar uma encruzilhada, que por in- fronto com as seguintes perguntas: qual é o status do ego que deci-
trincada assusta, fazendo-nos recuar, condenando nosso pensa- de (autonomamente) diante da condição determinada do sujeito
mento a ser meramente psicológico (ou seja, parcial, falso) e a que "é escolhido", seja a partir da estrutur~ do in~o_nscient~,seja a
nossa ação meramente técnica (ou seja, ritualista, reprodutora). partir da estrutura econômico-político-social? Sujeito a obJetos ~ a
Neste sentido, hoje nos atrevemos a afirmar que nem sequer desejos vacantes, e convocado pela ideologia do seu contexto his-
somos psicólogos, se somos só bons psicólogos, e que nem se- tórico, que margem de liberdade possível poderia a pessoa rcsgat,r
quer somos bons técnicos, se só somos técnicos, evitando a refle-
na produção do seu projeto? . , . . .
xão teórica, metateórica (epistemológica) e parateórica (ideológi- Sobre a frase "quem escolhe" abre-se um mterrogatono dtl 1
ca), estando estas dimensões convenientemente discriminadas e cil de responder da maneira tão ingênua como foi tentada IIL''.;lt'
articuladas. Só então estaremos em condições de pensar e atuar livro. À medida que se avance no questionamento, vamos ah:111d 11

clinicamente. nando os restritos e confortáveis limites da orientação voL·:11 1 11.il


11
XX _ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Adendaà ediçãobrasileira_ _ _ \ \ I

Vastos setores do campus teórico da Psicologia devem ser pesqui- tadores educacionais e psicólogos poderiam juntos "lx1t:illi:11· 1H n
sados e até o valor da própria Psicologia, para tratar destes proble- condições de trabalho adequadas em instituições educativa.~ ('
mas, deve ser também questionado. legais-, pois o título obtido em um ou outro curso não é gara111i:1
3 - Quanto à prática da orientação vocacional, temos assisti- de que se saiba ou não trabalhar a problemática e os problemas da
do a prolongados debates sobre os limites que deveriam ser estabe- orientação vocacional.
lecidos para os campos das práticas pedagógica e psicoterapêutica. 4 - Gostaríamos de mencionar brevemente algumas inova-
Na maioria dos debates, os verdadeiros eixos da polêmica não fo- ções técnicas. A difusão da estratégia clínica (com esta ou outras
ram, no nosso entender, considerados, o que impediu que se che- denominações) parece ter estimulado a criação de novos instru-
gasse a conclusões fundamentadas. mentos, que facilitam a tarefa, tornando-a mais econômica e sem
Somente seria possível chegar a decisões se fossem conside- que disto se derive uma superficialização da prática de orientação
radas as diferenças entre os aspectos gremial-econômico, teóricos vocacional. A população que poderia beneficiar-se aumenta 2 e já é
e técnicos, na medida em que, o que muitas vezes está em questão, possível pensar em trabalhar com unidades maiores de operação.
é um campo de trabalho pelo qual competem psicólogos especia- Já faz tempo que o âmbito individual foi substituído pelo grupal,
listas em educação e orientadores educacionais. E isto se confunde por considerar este não só o mais econômico, como o mais perti-
com identificar a prática da orientação vocacional, feita por orien- nente. Existem experiências de trabalho com instituições inteiras e
tadores educacionais, com a negação dos aspectos psicodinâmicos talvez não esteja longe o dia em que a comunidade seja atingida
da escolha; e a prática dos psicoterapeutas, como sendo a única num verdadeiro projeto de prevenção.
que os reconheceria. Quanto aos aspectos técnicos, a orientação No redimensionamento exposto, tem contribuído de maneira
vocacional exercida pelos orientadores educacionais é identificada especial o conhecimento e a prática das técnicas grupais (grupos
rnrno "trabalho com grupos de uma: maneira psicométrica e não- operativos, de discussão, psicodramáticos, lúdicos, de laborató-
i11lnpretativa" e a dos psicól.ogos como "trabalho individual com rio); a invenção de recursos simultaneamente diagnósticos, mobi-
rnl1rvistas interpretativas". Os argumentos de cada nível se con- lizadores e esclarecedores, como o "teste do futuro"3, o "teste de-
lú11dt·11111111itasvezes com os dos outros. siderativo de identificações profissionais", a "autobiografia ima-
1>ikrc11ci:1das as dimensões do problema e as variáveis de ginária", uma modificação do M.A.PS. e outros, nos quais estamos
li11111aL;:10t' lcgislaL;:io, que determinam o que de fato realizam trabalhando, a fim de fundamentá-los teoricamente e validá-los
oril'lll:idmcs L'ducacionais e psicólogos clínicos, a discussão pode- casuisticamente.
1i:1elevar-se ak atingir níveis pertinentes à discussão de objetivos Assim mesmo, caberia citar algumas tentativas realizadas na
valiosos e formas eficazes de alcançá-los. Neste nível, identifica- Argentina, no sentido de se substituir exames de ingresso (vestibu-
mo-nos com aqueles que afirmam que cabe aos cientistas sociais lares) por práticas não limitadoras de orientação vocacional dos
uma prática de desvelamento; daí afirmar que, em tal sentido, candidatos.
deveriam os especialistas em educação esclarecer as característi- Mais uma vez gostaríamos de reiterar, quanto a técnicas, ins-
cas institucionais das faculdades e profissões e seu papel na deter- trumentos e enquadre de trabalho, que estes não têm valor por si
minação da vida futura da pessoa que escolhe; e aos psicólogos mesmos. O profissional é o responsável pelas decisões quanto :'1
clínicos a de esclarecer os condicionantes das representações que, pertinência e oportunidade, e é por isto que deve possuir urna st'.·ri:1
do mundo externo e do mundo interno, possuam os orientandos e formação e um treino adequado. Neste sentido, o ponto de p:1rlid:1
que obstaculizam o processo autônomo de escolha. continua sendo o postulado no capítulo 5.
Os campos práticos poderiam ser diferenciados a partir desse A prática docente e de supervisão, que tem ocup;1do t·:1da, ,· ·
nível, relativizando-se os aspectos gremiais-econômicos, pois orien- mais nossa atenção, leva-nos a confirmar a idéia da 11cn"~:.•;1,L1d,
___ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica

para quem se interesse pela prática da orientação vocacional de


Prólogo
submeter-se a uma espécie de "orientação vocacional didática", a
fim de que sua própria problemática profissional não o leve a
sérias distorções perceptuais e conceituais. A nosso ver, um auto-
conhecimento progressivo, quanto aos condicionantes da própria
identidade profissional, constitui um requisito básico para uma
prática clínica correta.
5 - Um quinto aspecto, que deve ser mencionado, conduz a
um problema que, com alarmante freqüência, é esquecido em cur-
sos, encontros científico-técnicos e práticas profissionais. Rela-
ciona-se com o sentido das nossas práticas e atinge, pelo seu con-
teúdo, a dimensão ética. Especialistas em questões de escolha, ca-
be-nos refletir não só sobre o que o homem é, mas sobre o que po-
deria vir a ser. E, defrontados, como já vimos, com a liberdade
Começaremos colocando situações e situando-nos. Ou justi-
enquanto problemática teórica, deveríamos nos perguntar em qual
ficando-nos. Este livro de Rodolfo Bohoslavsky merece comentá-
liberdade pensamos - numa liberdade metafísica, não referida, ou
rios e prólogo de alguém que - da mesma forma que ele - se dedi-
numa liberdade historicamente situada - e por qual liberdade lutar.
que aos problemas teóricos e práticos da orientação vocacional.
O que hoje está em jogo não é só o futuro do jovem que orien-
Com isto queremos dizer que não somos os mais indicados para
tamos. Seu amanhã depende do país do qual faz parte; e, por círcu-
esta tarefa e que, se a enfrentamos, é para responder, afetivamente,
los que se ampliam, atinge o próprio futuro da humanidade. Qual é
às razões afetivas que se nos impuseram. Não podemos dizer que o
o papel que nos cabe, enquanto cientistas e enquanto pessoas, na
tema e seu desenvolvimento sejam-nos totalmente alheios, pois
luta em favor da liberdade e em prol de um futuro mais humano
correspondem a uma orientação da Psicologia que nos tem ocupa-
para o Homem?
do e preocupado, especialmente durante os anos em que exerce-
mos a docência, na Universidade de Buenos Aires.
Rio de Janeiro,janeiro de 1977.
Rodolfo H. Bohoslavsky aceitou o desafio, que exige conhe-
R.B.
cimentos, inteligência e criatividade. Ele foi, e é, um dos poucos
(em proporção à quantidade de psicólogos) que entenderam a
insistente afirmação - mal-entendida e irritante para muitos - de
que psicólogos e Psicologia devem orientar-se por normas e objeti-
vos profissionais diferentes dos que regem o exercício, por exem-
plo, da medicina; que se subverterá o sentido das funções da
Psicologia, neste país e neste período histórico, se os psicólogos se
inclinarem, predominantemente, para o campo da psicoterapia, L'
não ao da psico-higiene e ao da prevenção primária, intervindo 11:i
atividade cotidiana e na vida corrente dos seres humanos co1111111•;
Esperar que as pessoas adoeçam, para "oferecer-lhes" psicoln;1
pia, é uma administração errônea (preferiríamos dizer pnv, -il 1,L1)
\\li' _Orientaçãovocacional~A estratégiaclínica \ \1
Prólogo

dos recursos psicológicos. O psicólogo deve atuar em todas as volver suas potencialidades próprias para que decida. l•:11tn·;1::
esferas onde intervêm seres humanos, antes que as pessoas adoe- ideologias, esta última é a não desumanizada.
çam, ou quando correm o risco de adoecer. Supôs-se, às vezes, que Em nossas pesquisas e atividades profissionais não podernw;
agíamos contra os psicólogos, aliando-nos aos que, afinal, conse- deixar de ser contraditórtos nos resultados que obtemos, ou nas
guiram proibi-los do exercício legal da psicoterapia. Por tudo isto, implicações sociais do que fazemos. Não há outra alternativa que
e por outras razões, este livro é fonte de múltiplas alegrias para não a de jogar o futuro no presente, em todos os campos. A não ser
nós. Não só se inclui num campo pouco explorado desta forma, que se apele para a utilização da renúncia a tudo, como protesto e
como - por seu conteúdo - também prossegue, implicitamente, na crítica; ou ao "terrorismo ideológico", que exige "ação" sem teo-
mesma prédica e no mesmo apelo aos jovens psicólogos inteligen- ria, sem conhecimento científico e sem análise das situações. A
tes, capazes e com sensibilidade social. ciência continua cumprindo um papel revolucionário na história.
O autor é mais otimista do que nós, ou está mais bem infor- Cumpri-lo-á, mais ainda, na história que está por vir. Necessitare-
mado, quando diz que a orientação vocacional constitui um dos mos mais e mais das assim chamadas ciências humanas. E não de
campos de trabalho preferido pelos psicólogos argentinos. Mas qualquer ciência do homem.
concordamos plenamente quando situa a orientação vocacional e Bohoslavsky reconhece, com gratidão, o que aprendeu de
assinala que sua prática corresponde a uma imperiosa necessidade seus mestres e alunos. Cremos que o mais importante que apren-
atual e requer o desenvolvimento de técnicas e recursos, com a deu (ou desenvolveu) é não censurar pelo que não recebeu e
"formulação de esquemas conceituais pertinentes à sua temática enfrentar os problemas com atitude de psicólogo clínico, atitude
específica"; que a prática e a teoria da orientação vocacional exi- que não só preconiza e formula corretamente em seu livro, como a
gem a condição de pesquisador, e não a de simples profissional. desdobra coerentemente, sendo ele mesmo a encarnação do que
Felizmente, não há modelos (geralmente existem modelos norte- diz. Aquilo que diz é a explicitação do que ele mesmo é, no campo
americanos para tudo) dignos de serem transplantados e, neste ter- da orientação vocacional. Defende para si o que ministra a quem o
reno, pode-se começar livre de uma mentalidade de colonizado, procura profissionalmente: o futuro, a tomada de consciência e a
que tanto prejuízo nos tem causado e continua causando, conside- autonomia de decisões. Formar sujeitos com identidade e não
rando que a condição de colonizado não é, para os argentinos, modelados pela adaptação a um sistema alienado - o que se faz
exclusivamente mental. A contraposição entre o que Bohoslavsky deve coincidir com o que se é. Estamos certos de que, com o livro
expõe como "modalidade estatística" versus "modalidade clínica" que "fez", "faz-se" ele próprio, e continuará "fazendo-se" a si
transcende a orientação vocacional, incluindo uma atitude e uma mesmo, com e através de outros, na medida em que outros (seus
atividade ideológica e política, que se exerce em um campo cientí- adolescentes e seus leitores) "fazem-se" com e através dele. Bo-
fico, com e na prática profissional e na investigação. Assim, a seus hoslavsk-y já passou, sem dúvida alguma, das identificações à
numerosos méritos, o livro de Bohoslavsky acrescenta o fato de identidade, tal como ele mesmo as define.
que há sempre uma tarefa ideológica e política implícita nas técni- Este livro é uma contribuição original e importante: possui
cas, nas teorias e nos "dados" de um campo científico. Este fato identidade e maturidade, conservando - como permanente~ parte
deve ser considerado e assumido explícita e lucidamente. da crise contestadora do adolescente, como um fator importante
Torna-se ideológico e poético - por exemplo - basear a orien- do que nunca chega a "ficar acabado" (petrificado). Este livro 1wr
tação vocacional sobre os princípios científicos e as técnicas utili- mite-nos esperar muito de sua influência e muito do seu autor. Ld
zadas segundo a fórmula "the right manjar the right place ". Tam- como ele o diz, o adolescente é uma pessoa em crise. O l)L\,q11Í:;:1
bém é ideológico e político tratar o ser humano como tal e desen- dor e o homem do nosso tempo devem ser, também "cro11ic:111w11

l IF
\.\J / _Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica

I,·", uma pessoa em crise. E esta crise contínua é a melhor adapta- Palavras iniciais
(;ao ao meio, que se quer modificar e transformar. A propósito do título do livro
Houve uma época não muito afastada em que se esperava
tudo da educação. Seguiu-a outra, em que a psicoterapia passou a
Caminanteson tus huellas
ser a "pedra filosofal". Agora, chegamos a uma situação que eli-
el caminoy nada máY.
mina os limites: a psicoterapia é desaprendizagem e nova aprendi- Caminanteno hay caminos
zagem, enquanto a educação é uma terapia implícita, na qual se se hace camino al andar.*
aprende e se retifica a relação interpessoal. Embora com tais osci-
A. Machado
lações, a orientação vocacional apresentada pelo autor salva-se de
um risco ou de um resultado muito freqüente - o de transformar
todo o campo da psicologia num consultório psicoterápico, ou
numa espécie de sanatório, ou hospital. O emprego da psicologia
clínica não significa - e Bohoslavsky o ressalta muito bem
"fazer psicoterapia". É fato que, na construção da Psicologia, con-
É quase impossível, ao autor de um livro, resistir à tentação
tribuiu muito a psicologia médica (como também a Psiquiatria) e
de escrever um prólogo, no qual procure explicar suas intenções,
isto impôs um rótulo à semântica, aos diagnósticos, às técnicas,
resumir suas idéias e, manifesta ou latentemente, defender-se de
etc. Devemos esperar que este campo da orientação vocacional, possíveis críticas. Lamentável é que os prólogos, quando lidos, não
além de outros, retifique a situação, que não só utilize a psicologia sejam compreendidos até que se termine a leitura do livro e o leitor
clínica, como também a modifique, que contribua para relacioná- possua, então, uma sólida imagem (inalterável) do conteúdo do
la mais à vida corrente do que à patologia. texto, das intenções do autor e de suas idéias principais.
Reveste-se de especial importância o capítulo em que Bohos- Resignamo-nos a esse fato.
lavsky apresenta um exame da personalidade do psicólogo e de sua Mas, apesar do que disse, queremos formular alguns esclare-
tarefa. Com isto, atinge um ponto crítico, mas que, somente ao ser cimentos que permitam entender o título deste livro. Sirvam, estas
resolvido, o psicólogo passa do ter um diploma ao ser psicólogo. palavras, assim, como um glossário básico que, por capricho pes-
Com este primeiro livro, é de se esperar, de Rodolfo Bohos- soal, colocamos no princípio, e não no final.
lavsky, novas e importantes contribuições. Para a psicologia. Para
os psicólogos. Para a orientação vocacional. Para a nova psicologia
de uma nova sociedade, que liberte o homem da escassez econô- "Que é orientação vocacional?"
mica, das ditaduras e das pressões psicológicas.
É um dos campos de atividade dos cientistas sociais. Como
tal, compreende uma série de dimensões ou ramos, que vão desde
Buenos Aires, outubro de 1970.
o aconselhamento na elaboração de planos de estudo até a seleção
José Eleger de bolsistas, quando o critério seletivo é a vocação. Portanto, cons-
titui uma ampla gama de tarefas, que inclui o pedagógico e o psi-
cológico, em nível de diagnóstico, de investigação, de prevenção,
e a solução da problemática vocacional.

* "Caminhante, tuas pegadas são o caminho, nada mais. Caminh:1111,-.


11;1"1,.,
caminhos; faz-se o caminho ao andar."

l
_ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Palavrasiniciais

1k acordo com esta colocação, os procedimentos que tendem a) Modalidade estatística*


;1prevenir e/ou resolver os fatores implicados no que se pode cha-
mar "processo de orientação frente à situação de escolha" não são Para os psicólogos situados nesta posição, o jovem que deve
da competência exclusiva do psicólogo, mas, em muitos casos, tra- escolher uma carreira ou um trabalho pode ser assistido por um
balhos de equipe em que o pedagogo, o sociólogo, o professor se- psicólogo, se este, uma vez conhecida as aptidões e interesses do
cundário, etc., são chamados a desempenhar um importante papel. cliente, puder encontrar, entre as oportunidades existentes, aque-
Entretanto, existe uma dimensão da tarefa que é campo priva- las que mais se ajustem às possibilidades e gostos do futuro pro-
tivo do psicólogo: o do diagnóstico e solução dos problemas que fissional. O teste é o instrumento fundamental para se conhecer
os indivíduos têm em relação a seu futuro, como estudantes e pro- essas aptidões e interesses. Parece descrever com rigor as quali-
fissionais, no sistema econômico da sociedade a que pertencem. dades pessoais do interessado e, uma vez feito isto, basta formu-
A orientação vocacional constitui um dos campos de trabalho lar um conselho que resuma o que, ao jovem, "lhe convém
preferidos pelos psicólogos argentinos. Sua prática, que atende a fazer". Esta modalidade está ligada à psicotécnica norte-ameri-
uma imperiosa necessidade atual, requer não só a explicitação de cana e à psicologia diferencial, de princípios do século. Influen-
técnicas e recursos para uma análise exaustiva dos mesmos, como ciada por posteriores progressos da psicometria, tem recebido
também a formulação de esquemas conceituais pertinentes à sua contribuições de autores fatorialistas, aperfeiçoando suas técni-
temática específica. cas quanto à validade e fidedignidade. Suas descrições quantita-
Neste livro, entendemos por orientação vocacional os proce- tivas são cada vez mais rigorosas (ou, pelo menos, podem chegar 1 1

dimentos dos psicólogos especializados, cujos clientes são as pes- a sê-lo). 1

soas que enfrentam, em determinado momento de sua vida - em


geral, a passagem de um ciclo educativo a outro-, a possibilidade 1

e a necessidade de tomar decisões. Isto faz da escolha um momen- b) Modalidade clínica


to crítico de mudança na vida dos indivíduos. De como as pessoas
enfrentam e elaboram essa mudança dependerá o desenvolvimento
Para os psicólogos situados nesta outra posição, a escolha de
posterior, a situar-se em algum ponto do continuum, que vai da
uma carreira e um trabalho podem ser auxiliados se o jovem con-
saúde à doença (como quer que elas sejam concebidas).
seguir assumir a situação que enfrenta e, ao compreendê-la, chegar
Iremos nos referir,exclusivamente,ao trabalho de orientaçãovo-
a uma decisão pessoal responsável. Para estes psicólogos, a entre-
cacional com adolescentes,não só porque é o âmbito em que se de-
senvolve o nosso trabalho, como também porque acreditamos que vista é o principal instrumento, pois nela se condensam os três
precisamentena adolescênciaemergem as dificuldades (e soluções) momentos do "acontecer" clínico (que descreveremos mais adian-
de naturezavocacional.Especificamente,entre os quinze e os dezeno- te). O psicólogo deixa de assumir um papel diretivo, não porque
ve anos, de modo aproximado,delineiam-.secom mais clareza os con- desconheça as possibilidades de um "bom ajustamento", mas por-
llitosrelativosao acesso ao mundo adulto,em termos ocupacionais. que considera que nenhuma adaptação à situação de aprendizagem
Entende-se,por orientaçãovocacional,em nosso meio, distintas ou trabalho é boa, se não supõe uma decisão autônoma. Esta
atividadesque correspondema quadros de referência,orientaçõesteó- modalidade acha-se mais vinculada às técnicas não-diretivas pre-
ricas,concepçõesfilosóficas e cientificas e diversastécnicas de traba- conizadas por Rogers, nos EUA. Na Argentina, foi particularmen-
1ho, embora nem sempre as diferençassejam bastanteexplícitas. te influenciada pelas contribuições psicanalíticas (basicamente,
Resumimos talvez capciosamente - as diferenças entre dois pela Escola Inglesa e pela "Psicologia do Ego"). Aparentemente, a
1ipm: extremos, aos quais chamaremos "modalidade estatística" e
"111nd:ilidade clínica". * Atuarial, no original.
I _ _ __ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Palavrasiniciais

Argentina foi pioneira, em certo sentido; nos EUA, só recentemen- 4) As profissões não mudam. A 4) A realidade sociocult111:d11111,l.1
te, em 1961, o Journal of Counseling Psychology começou a pu- realidade sociocultural, tampouco. Por incessantemente. Surgem novas c:1m·1
blicar trabalhos com enquadre psicanalítico. Entretanto, na Argen- isso, pode-se predizer, conhecendo a ras, especializações e campos de t rah:1
situação atual, o desempenho futuro de lho, continuamente.
tina, desde a fündação do Departamento de Orientação Vocacional quem hoje se ajusta, por suas aptidões, Conhecer a situação atual é i111por-
da UNBA *, tem havido psicólogos interessados em abordar os pro- ao que hoje é determinada carreira ou tante. Mais importante é antecipar a si-
blemas de orientação vocacional a partir de uma perspectiva que profissão. Se o jovem tem as aptidões tuação futura'. Ninguém pode predizer
Bleger 3 denominou "psicanálise clínica". suficientes, não terá que enfrentar o sucesso, a menos que seja entendido
obstáculos. Fará uma carreira bem-su- como a possibilidade de superar obstá-
Na Argentina, an1bas as modalidades têm adeptos e críticos e, cedida. culos com maturidade.
neste trabalho, pretendemos fundamentar por que acreditamos que 5) O psicólogo deve desempenhar 5) O adolescente deve desempenhar
a modalidade clínica é orientação vocacional. Ou seja, passar de um papel ativo, aconselhando o jovem. um papel ativo. A tarefa do psicólogo é
"quantas referências tem e o que escolhe" a "quem é e como esco- Deixar de fazê-lo aumenta indevida- esclarecer e informar. A ansiedade não
mente sua ansiedade, quando esta deve deve ser amenizada, mas resolvida; e
lhe". Resumidamente, gostaríamos de explicar algumas caracterís- ser diminuída. isto somente se o adolescente elabora
ticas subjacentes a cada modalidade. Para tanto, encaminhamos o os conflitos que lhe deram origem.
leitor ao seguinte quadro:
Como se pode ver, as hipóteses esboçadas rapidamente impli-
MODALIDADE ESTATÍSTICA MODALIDADE CLÍNICA cam, inevitavelmente, posições não só psicológicas como também
filosóficas, antropológicas, sociológicas e, ainda, ideológicas.
1) O adolescente, dados a dimensão 1) O adolescente pode chegar a uma
e o tipo de conflito que enfrenta, não decisão se conseguir elaborar os confli- Definimos - como padrão da segunda modalidade - a orien-
está em condições de chegar a uma tos e ansiedades que experimenta em tação vocacional como:
decisão por si mesmo. relação ao seu futuro. "Colaboração não diretiva com o cliente, no sentido de resti-
2) Cada carreira ou profissão requer 2) As carreiras e profissões reque- tuir-lhe uma identidade e/ou promover o estabelecimento de uma
apt idiks específicas. rem potencialidades, que não são espe-
l •:st;1ssão: cíficas. Portanto, estas não podem ser
imagem não conflitiva de sua identidade profissional."
a) dcliníveis a priori; definidas a priori, nem muito menos Portanto, assim definido o campo da orientação vocacional
1,) lllCllSLJr(tvcis; ser medidas. (clínica), quem se dedicar a ele deverá ser um psicólogo profissio-
e) 111:iisou 11wnos<:slávcísao longo Estas potencialidades não são está- nal, devidamente treinado no emprego da estratégia clínica. Será
da vid:1. ticas, mas modificam-se no transcurso
da vida, incluindo, por certo, o tempo
um psicólogo clínico.
de estudante e de profissional. A "estratégia" diz respeito ao conjunto de operações, através
3) J\ satistação no estudo e na profis- 3) O prazer no estudo e na profissão das quais o psicólogo ascende à compreensão da conduta do outro
são depende do interesse que se tenha depende do tipo de vínculo que se esta- e facilita, a este último, o acesso à sua própria compreensão.
por eles. O interesse é específico, men- belece com eles. O vínculo depende da
Dado o caráter polêmico do termo "clínica", são necessárias
surável e desconhecido pelo sujeito. personalidade, que não é um a priori,
mas que se define na ação (incluindo, explicações adicionais.
certamente, a ação de estudar e traba-
lhar em determinada disciplina).
O interesse não é desconhecido pe- Que é a estratégia clínica?
lo sujeito, mesmo que, possivelmente,
o sejam os motivos que determinaram
esse interesse específico'. Por psicologia clínica entendem-se diversas coisas. Para t111~:.
a psicologia clínica constitui um ramo da Psicologia, algo as.,i111
como um capítulo dessa disciplina, como o são a psicologia L'volt1
* Universidade Nacional de Buenos Aires. (N. do T.) tiva, a psicologia animal ou a psicobiologia.
6 Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Palavrasiniciais_

Para outros, ao contrário, a psicologia clínica está caracteriza- sem importar tanto o que se observa ou sobre o que se age. l •:stae:;
da como campo de trabalho do psicólogo, definindo-se em função tratégia pode ser empregada para se estudar qualquer tipo de c1>111
de um tipo de problema (como o dos doentes internados em uma portamento (sadio ou doente), em qualquer âmbito de trabalho
clínica geral ou psiquiátrica). (psicossocial, sociodinâmico, institucional ou comunitário), e111
Em outros casos, a psicologia clínica acha-se identificada qualquer campo de trabalho (familia!, penal, educacional, recreati-
com um lugar de trabalho - as clínicas - ou com um trabalho que vo, ocupacional, etc.) e de acordo com o propósito de quem em-
os psicólogos realizam ali, seja o diagnóstico psicológico ou a psi- pregue esta estratégia em relação a uma situação humana, quais-
coterapia. quer que sejam sua modificação, sua compreensão e sua explica-
Em alguns casos, o termo clínica é considerado sinônimo de ção ou, ainda, a prevenção de dificuldades. --
terapêutica. Finalmente, o termo clínica é usado em oposição a 0 termo estratégia se relaciona com um vocábulo de origem
experimental, enfatizando-se as diferenças - falsas, no meu enten- militar, que se refere às ações planejadas ou previstas, tendentes a
der - quanto à intenção: a psicologia clínica procura compreender atuar sobre uma situação, com a finalidade de modificá-la segun-
comportamentos, enquanto a psicologia experimental tenta expli- do determinados propósitos. Neste sentido, toda estratégia tem um
cá-los; ou quanto ao enfoque: totalista ou gestáltico no primeiro caráter intencional consciente, ou seja, quem a emprega sabe por
caso e atomista ou reducionista, no segundo. que e para que a utiliza.
A nosso ver, todas estas caracterizações podem induzir ao Face ao exposto, os momentos que configuram uma estraté-
erro. A psicologia clínica não é um ramo (por aludir, este termo, gia correspondem a critérios racionais que surgem do quadro de
melhor a um critério descritivo quanto à evolução de uma ciência referência daquele que a usa. Este quadro de referência se constrói
do que a uma sistematização racional da mesma); nem um campo tanto a partir das teorias e sistemas aceitos pelo psicólogo, como
de trabalho específico, o da doença (pois, como veremos, a psico- sobre a sua experiência, sistemas de valores, ideologia e estilo pes-
logia clínica relaciona-se com qualquer campo de atividade); nem soal, que deverão ser conscientes e explícitos. Isto elimina a opi-
um lugar de trabalho (pois a tarefa dos psicólogos clínicos excede nião de que a psicologia clínica é intuitiva (mesmo que as "intui-
os limites das instituições assistenciais); nem uma tarefa (como o ções" possam ser um ponto de partida para a compreensão ulterior
diagnóstico ou a terapia psicológicos - ainda que os compreenda); de uma situação).
Embora a manipulação de uma estratégia clínica guarde, em

!
nem um 11u\todo(pois, tal como a psicologia experimental, sujeita-
se aos requisitos de um método, o científico ou hipotético-deduti- parte, relação com o "estilo" pessoal do psicólogo e tenha, por isso,
vo ); nem uma intenção ou enfoque que a oponha à experimental, um caráter artesanal, é fundamentalmente uma atividade cientifi-
pois a intenção e o enfoque dependem mais do sistema psicológi- ca, pois se baseia em certas hipóteses ou predições a serem verifi-
co, que o psicólogo use para definir seu quadro de referência e cadas, restringindo-se ao imperativo do "controle", que caracteriza
enquadre, que do caráter experimental ou clínico que atribui à sua o método científico. Além disso, a estratégia é uma observação e
ocupação. .
Para nós, a psicologia clínica caracteriza-se por uma estraté-
1 uma atuação autoconscientes sobre a condição humana.
Por exemplo, o psicólogo considera que seu papel de observa-
gia de abordagem do objeto de estudo, que é o comportamento dos dor modifica, mesmo por sua simples presença, o campo de obser-
seres humanos. Possivelmente este ponto de vista não seja com- vação. Portanto, é um observador participante e consciente dess:1
partilhado por muitos autores. Entretanto, estamos quase certos de participação no fenômeno, sob sua observação. Portanto, ao ohsn
que assim o entende um grupo considerável de psicólogos argenti-
nos. Para nós, falar de "estratégia" implica ressaltar o tipo de
1 var uma situação, está observando-se a si próprio e ao vínculo q1ll'
estabeleceu com a mesma. Quer..dizer, molda um novo ca111po,do
"observação" e de "atuação" sobre o comportamento humano, qual, uma vez que toma parte, se distancia, efetuando o 1p1l'Sl' < <111
li _____ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Palavrasiniciais___ _ ______ _

vencionou chamar "dissociação instrumental": é objeto que parti- Em toda atividade experimental, deve-se estabdecer t11m 111
cipa da situação e, portanto, a condiciona e, ao mesmo tempo, su- municação com o objeto de investigação. Como Fraisse esd1rl·1·,·
jeito que se auto-observa, a fim de distinguir como e quanto sua com exatidão, um experimento é só um momento da estratégia ex
presença condiciona a situação que está estudando. perimental e constitui uma série de recursos técnicos para evitar
O caráter racional, científico e autoconsciente da estratégia que se distorça essa comunicação. Nesse caso, o ruído é a subjeti-
clínica, que acabamos de descrever, não nos permite, contudo, di- vidade do experimentador. A comunicação é, nitidamente, um veí-
ferenciá-la da estratégia experimental. Entretanto, contradiz a culo para conhecer o objeto, nunca para modificá-lo. Mesmo que
opinião dos que consideram a psicologia clínica como uma ocupa- as mensagens circulem em ambos os sentidos (sob a forma de
ção irreflexiva, intuitiva, artística e irracional, mais baseada em comportamentos observáveis do sujeito para o experimentador e
autênticos "pressentimentos" do que em rigorosos critérios meto- sob a forma de instruções e estímulos do experimentador para o
dológicos. sujeito), são estritamente estabelecidas e previsíveis, "bitoladas"
Duas são, primordialmente, as diferenças com a estratégia ex- no plano experimental e destinadas a conhecer o objeto.
perimental. A primeira está ligada à relação entre reflexão e ação, Na estratégia clínica, o veículo, a comunicação, não só busca
ou teoria e prática. um bom conhecimento do sujeito, mas ao mesmo tempo a promo-
No nosso entender, entre conhecimento e ação nunca há di- ção de beneficios para ele, sob a forma de modificações favoráveis
vórcio, como não o há (não deveria havê-lo) entre o conhecimento ou de prevenção de dificuldades. O vínculo torna-se imprescindi-
teórico e o trabalho prático de um cientista, embora possamos assi- velmente dinâmico, estabelecendo-se um diálogo com a situação.
nalar dois momentos: um predominantemente abstrato e outro E até a subjetividade do psicólogo - se é conscientizada - pode ser
predominantemente concreto. uma mensagem intrapessoal (do psicólogo), que contribui para
Toda verdade - como afirma Eleger (5)- será uma verdade maior compreensão da situação, para uma ulterior ação sobre ela.
assumida. Quer dizer que a "verdadeira" verdade é aquela que (Como nos ensinam os estudos sobre contratransferência.)
integra o conhecer e o fazer. Lewin disse certa vez: "Não há na- Holt (12) destaca outra diferença entre estratégia experimen-
da mais prático do que uma boa teoria", enfatizando, assim, a fi- tal e clínica, quando se refere à elaboração que o estudioso faz das
nalidade ativa de toda reflexão teórica, por mais abstrata que teorias ou sistemas psicológicos. Segundo este autor, a estratégia
parc1,'.acm dado momento. E já que estamos examinando a estra- clínica constitui excelente contexto para a "descoberta" de idéias
il·gia clínica, poderíamos afirmar, parafraseando-o, que "ne- ou concepções sobre o homem, mas é a estratégia experimental (re-
11IH1111
lrahalho prútico é efetivo se não se apóia em sólidos pos- petimos que a mesma excede a "experiência") que modela o con-
lulados teóricos". texto da "verificação" das hipóteses.
Na estratégia experimental, a aplicação prática dos descobri- Portanto, a psicologia clínica, a partir de uma perspectiva epis-
mentos verificados é diferente: põe-se - mas só aparentemente - temológica, proporciona dados a serem observados e hipóteses
ênfase na elaboração de boas teorias, mesmo quando não se perce- úteis para a elaboração de teorias, enquanto a estratégia experi-
bam seus efeitos práticos imediatos. Pensamento e ação acham-se mental, o "racionalismo" experimental, como a chama FraissL'
transitoriamente separados. Isto não ocorre na estratégia clínica. (11), é o meio ideal para sua verificação e validação.
Nela, reflexão e ação estão solidamente unidas, de modo que o Assim, se tomamos uma teoria construída eminente1m·11k
observar, o pensar e o agir ou mudar integram o que Ulloa (20) segundo uma estratégia clínica, como é a psicanálise, podem<,s , ,·1
denominou uma "unidade de atuação". que: a) não despreza a necessidade de uma validaçfio L'111pí11, .1

Para entender isto mais claramente, poderíamos ver como se (como ressaltaRapapport); e b) nem mesmo em Freud. li1)'_1· :'!·:,·\ 1
manifesta a comunicação, numa e noutra estratégias. gências de um raciocínio experimental que procura. l;111lll 111
,-., l1.,
10 .....
--- ______ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Palavrasiniciais __ __ _ li

mados "experimentos naturais" (acidentes idiossincrásicos na vida psicólogo e de que se utiliza para situar no contexto detern1i11:id11
dos sujeitos), como nas contribuições da antropologia e da arte, comportamento. O mesmo comportamento pode ser inserido 1111
dados para validar as hipóteses sugeridas no transcurso dos trata- contexto de qualquer âmbito e, portanto, a atuação do psicólogo
mentos. clínico pode se referir a qualquer âmbito definido por ele e nfio
somente ao estudo de "indivíduos".
Portanto, podemos admitir que a psicologia clínica seja "indi-
Psicologia clínica e psicologia individual vidual", se a entendemos em uma visão particularizante, que con-
sidere cada situação como singular, peculiar. Mas não podemos
A psicologia clínica surgiu num momento de evolução da Psi- admitir, se por "individual" entendemos que o psicólogo clínico
cologia, em que esta, preocupada em descobrir leis gerais para os somente trabalha com indivíduos isolados. Por outro lado, mesmo
processos psíquicos, havia esquecido o aspecto individual particu- quando o psicólogo clínico tçabalha com uma só pessoa, seu traba-
larizante do comportamento humano. Transcorreriam, pelo me- lho está centralizado no vínculo entre essapessoa e ele e é, portan-
nos, algumas décadas antes que surgisse a psicologia da personali- to, necessariamente bipessoal. Já é um grupo (formado por ele
dade, que tentaria estabelecer aquilo que é uma característica pe- mesmo e essa pessoa) o que está observando, compreendendo e
culiar nos seres humanos singularidade e unicidade, seu caráter modificando.
imanente, o modo absolutamente íntimo e "pessoal" de dar signi-
ficação ao mundo.
Até surgir a psicologia da personalidade, a abordagem que Psicologia clínica e psicoprofilaxia
destacava o que era idiossincrásico nas pessoas, seu "modo especí-
fico de ser", foi assumida pela psicologia diferencial, condiciona- O conceito de psicoprofilaxia nem sempre se encontra defini-
da pelas primeiras investigações psico-estatísticas e pelo apogeu do claramente. Para alguns, é sinônimo de higiene mental, ou seja, .
dos testes, no princípio do século. Tarefa similar coube à psicolo- um conjunto de recursos postos a serviço da prevenção, do diag-
gia clínica, entendida como a aplicação de conhecimentos psicoló- nóstico precoce e da reabilitação dos doentes "mentais".
gicos no diagnóstico de distúrbios do comportamento e na sua Embora a divisão entre doentes "mentais" e "físicos" seja
investigação. É por esse motivo além da etimologia do termo passível de crítica, não se tri;lta aqui de assinalá-la, mas de prefe-
"clínica"' que, para muitos, psicologia clínica é sinônimo de rência destacar que a psicoptofilaxia caracteriza-se por ser uma
estudo dos indivíduos como tais, isto é, de psicologia individual4. atitude delineada a partir da sanidade, ou do que se entenda por tal,
Embora a abordagem prevista pela psicologia da personalida- e não a partir da doença.
de seja válida, a psicologia clínica é "individual" por sua posição A psicoprofilaxia pode ser entendida como toda atividade
(particularizante), mas não necessariamente pelo fato de que estu- que, a partir de um plano de análise psicológica e mediante o em-
da ou trabalha somente com indivíduos. .prego de recursos e técnicas psicológicas, procure promover o de-
A estratégia clínica pode ser aplicada para se conhecer, inves- senvolvimento das potencialidades do ser humano, seu amadureci-
tigar, compreender, modificar o comportamento dos seres huma- mento como indivíduo e, finalmente, sua felicidade.
nos, agindo tanto num âmbito psicossocial (individual) como so- Considerada a psicoprofilaxia num sentido tão amplo, seu
ciodinâmico (grupal), institucional ou comunitário. alcance transcende os limites tradicionais da higiene mental e dos
O conceito de âmbito se relaciona, como nos ensina Bleger distúrbios do comportamento e sua prevenção, e alcançam tm\;is ;i,<;
(4), à "amplitude em que se considera o fenômeno humano". Isto situações da vida dos seres humanos, sejam ou não con 11it ív:1s,l'I 11
é, por âmbito entendemos determinado quadro estabelecido pelo dado momento.
12 ___ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Palavrasiniciais. / i

As situações das quais um psicólogo pode participar com fi- balho da psicóloga Martha Berlín (2). Por técnica, entcndc111oso:;
nalidade psicoprofilática foram resumidas por Bleger (3): "l) recursos práticos, como o questionário, o teste, a observação, os
Momentos ou períodos do desenvolvimento ou evolução normal: grupos de diagnóstico, etc.
gravidez, parto, lactação, infância, puberdade, juventude, maturi- O Dicionário de la Real Academia Espaíiola registra as se-
dade, idade crítica, velhice; 2) fases de mudança ou de crise: imi- guintes definições: Estratégia, arte de dirigir as operações milita-
gração, casamento, viuvez, serviço militar, etc.; 3) situações de res. Tática, arte de ensinar a pôr as coisas em ordem. Técnica, con-
tensão normal ou anormal nas relações humanas: família, escola, junto de procedimentos de que se serve uma ciência ou uma arte.
fábrica, etc.; 4) organização e dinâmica das instituições sociais: Um dos aspectos que gostaríamos de destacar é que a finali-
escolas, tribunais, clubes, etc.; 5) problemas que criam ansiedade dade primordial da atuação de um psicólogo clínico é a psicoprofi-
em momentos ou períodos específicos da vida: sexualidade, orien- laxia, entendida em amplo sentido, tal como a esboçamos anterior-
tação profissional, escolha de trabalho, etc.; 6) situações altamen- mente. Isto não implica que os psicólogos clínicos não possam
te significativas, que requerem informação, educação ou direção: fazer psicoterapia e devam "conformar-se" com tarefas psicopro-
criação de filhos, jogos, lazer para todas as idades, adoção de filáticas. Pelo contrário, seria conveniente que, além da função psi-
crianças ...". coterapêutica, os psicólogos compreendessem a enorme diversidade
Como se pode ver, a finalidade ou intenção psicoprofilática de campos que requerem nossos serviços profissionais, e que so-
está presente numa infinidade de tarefas que o psicólogo pode mente nós podemos atender.
assumir. Na verdade, rigorosamente em todas as tarefas, se assim o
quiser.
Se por psicoprofilaxia entendemos, basicamente, uma finali- Os psicólogos clínicos
dade, intenção ou atitude na ocupação do psicólogo, podemos con-
cluir que tal propósito demanda a utilização de uma estratégia, uma Em muitos países, os psicólogos clínicos são considerados
tática adequada e específica para cada caso. como classe de profissionais que trabalham em clínicas gerais ou
psiquiátricas, instituições de reeducação ou reabilitação, ou em
A estratégia clínica, tal como a estamos caracterizando, mos-
consultórios particulares, dedicados à tarefa de diagnosticar dis-
tra-se adequada à efetivação da sanidade, quaisquer que sejam os
túrbios de comportamento em seus diversos graus e - eventual-
casos, mesmo que as situações específicas requeiram tática e téc-
mente - à sua superação mediante o "conselho", o aconselhamen-
nica próprias.
to ou a psicoterapia.
Assim, por exemplo, um psicólogo que emprega uma estraté-
A nosso ver, e isto pode ser depreendido do que dissemos até
gia clínica para abordar os problemas de orientação profissional
aqui, tal imagem restringe o alcance do procedimento clínico. Para
delineará um enquadre (tática) diferente do que se abordasse um
muitos psicólogos, é-se um psicólogo clínico quando se dispõe de
âmbito psicossocial (o jovem que deve escolher seu futuro) ou ins-
conhecimentos e experiência suficientes para poder abordar uma
titucional (a instituição educativa que se preocupa com o estudo
situação humana - qualquer que seja - em nível de análise psico-
futuro de seus alunos). Da mesma forma, cada situação requererá lógica, com o propósito de investigá-la, compreendê-la, explicú-la
instrumentos (técnicas) diferentes. Por exemplo, a entrevista, no e, eventualmente, modificá-la mediante recursos psicológicos.
primeiro caso, e grupos de aconselhamento para professores, no Esta definição coincide com a de F.Ulloa (19):
segundo. Preferimos reservar o termo estratégia para o sentido in-
dicado neste trabalho. Por tática, entendemos o enquadre que o "O psicólogo clínico é alguém especificamente trci11:1dn1111
psicólogo faz da situação e para cuja análise recomendamos o tra- manejo da informação psicológica, através do método clí11irn. q1w"
li .. ___ Orientaçãovocacional~A estratégi,aclínica Palavrasiniciais.

capacita a envolver-se na condição de lima área de relações huma- Portanto, são necessárias não só uma sólida injórnwcú<1 u 1111•,
nas, de onde pode detectar os pontos de urgência de tal situação, que também uma formação eficaz. Mas é sobretudo indispensúvel wna
lhe permitem diagnosticar a ação crítica e resolvê-la ( ...) possibili- atitude especial que, à falta de outro nome, chamaremos atitude
tando a alteração mais adequada e prevenindo as dificuldades na
psicológica.
adequação à mudança obtida. Para tanto, trabalha a partir do grau de
Por atitude psicológica, entendemos:
autonomia e da informação do objeto, favorece neste, e em si mes-
mo, a aprendizagem de padrões de comportamento eficazes para en-
a) A daquele profissional para quem a situação que enfrenta
frentar futuras mudanças." pode ser considerada como uma situação humana específica, pe-
culiar, e não como um "caso" deste ou daquele tipo, ou de um
Em síntese, a psicologia clínica caracteriza-se por uma estra- "quadro" de "x" características.
tégia que inclui três momentos: VER, PENSAR e ATUAR psico- b) A atitude do profissional que tem capacidade de decisão,
logicamente. Estes termos condensam uma série de atividades que ou seja, que possui autonomia suficiente para ver, pensar e atuar
os psicólogos realizam e que se encontram amparadas por técnicas em uma determinada situação. Duas classes de fatores podem cer-
e recursos (como testes, questionários, etc.). cear a autonomia: 1. Os fatores institucionais: quando, por exem-
Estes três momentos foram descritos por muitos autores com plo, numa escola se exige, de um psicólogo, determinado compor-
outros termos com o mesmo sentido, como os mais ou menos equi- tamento independente do que seja o melhor - do ponto de vista
valentes "observação" ou "investigação"; "diagnóstico" e "trata- psicológico - para as pessoas às quais deve ajudar. 2. Os fatores
mento"; "aconselhamento" ou "conselho", respectivamente. individuais: quando, por exemplo, o psicólogo tem motivos pes-
Convém frisar que os três momentos constituem uma unidade soais que o impedem de compreender ou agir eficientemente em
e que só podem ser diferenciados para fins didáticos. Também é uma situação determinada.
possível que, no treinamento de um psicólogo clínico (cf. Ulloa), c) Também faz parte de uma atitude psicológica o respeito
os três momentos sejam desenvolvidos independentemente, um pelo outro, como pessoa. Isto é, mesmo quando o psicólogo clíni-
em continuação ao outro. Entretanto, o que caracteriza a estratégia co, como indivíduo, tem sua própria escala de valores, não deve
clínica é, como dissemos, a síntese entre investigação e ação; entre converter-se em propagandista de sua própria cosmovisão, mas
teoria e prática; entre conhecer e fazer. facilitar, àquele ou àqueles que solicitem seus serviços, o exercício
Para desenvolver a estratégia - que acabamos de esboçar -, da própria autonomia para decidir por si mesmos.
vários são os pressupostos implícitos. d) Também integra a atitude psicológica a capacidade de re-
Em primeiro lugar, supõe-se que um psicólogo clínico deve conhecer os próprios limites pessoais, admitindo a necessidade de
ter uma sólida base de conhecimentos de Psicologia, suas técnicas uma capacitação constante e a revisão sistemática dos próprios
e fundamentos teóricos, e uma informação específica sobre o cam- pontos de vista. Ninguém é onipotente, e convém que o psicólogo
po em que desenvolverá seu trabalho. clínico não procure ignorar esta condição, em si mesmo e na sua
Em segundo lugar, supõe-se que os conhecimentos do psicó- própria atuação.
logo clínico poderão ser utilizados no entendimento da situação e) À anterior, junta-se a possibilidade de pôr constantemenll'
que enfrenta e na promoção de mudanças favoráveis na mesma. à prova as hipóteses que formula sobre a situação. Isto requer ullla
Isto é, torna-se necessário que se estabeleça uma síntese entre seus enorme plasticidade e, ao mesmo tempo, a faculdade de ekl11:11
rnnhccimentos teóricos e seu treinamento prático, para que aque- uma contínua indagação e investigação das próprias predições.
lL·ssejam realmente atuantes e não permaneçam circunscritos a uma f) Finalmente, e ainda que pareça óbvio, o psicólogo cli111rn
si111plesformulação teórica. tem que ser capaz de compreender. E isto, indepe11drnlc111t·111!· cl,
/<, I .
Orientação vocacional -A estratégia clínica Palavras iniciais

qualquer consideração científica ou filosófica, requer ou supõe Referências bibliográficas


rnloear-se no lugar de outro sem deixar de ser a si mesmo, estar
preparado, humana e autenticamente, para os "encontros" com o ( 1) Alexander, Franz e outros - Psiquiatría dinâmica. Paidós, Buenos Ain.:s,
próximo, como diria Martin Buber. 1958, esp. cap. XIII.
(2) Berlín, Martha - E! concepto de encuadre en psicología. Publicação
mimeografada, OPFYL, UNBA, 1968.
(3) Eleger, José - Psicohigiene y psicología institucional. Paidós, Buenos
As fontes deste livro Aires, 1966.
(4) Eleger, José-Psicología de la conducta. EUDEBA, Buenos Aires, 1962,
Este livro não surgiu da mente de seu autor, nem tampouco da Paidós, 1973.
mente de vários outros, aos quais o autor se haja proposto integrar. (5) Eleger, José-Ética y vida humana. Conferência pronunciada no Depar-
tamento de Graduados da UNBA, 1960.
Surgiu do trabalho concreto de um grupo de colegas, cujas expe-
(6) Bohoslavsky, Rodolfo - La ética: e! tema olvidado. Inédito.
riências enriqueceram a nossa, em virtude de discussões e inter- (7) Bohoslavsky, Rodolfo - "Hacia un modelo de la problemática vocacio-
câmbio de opiniões, intuições e hipóteses. Portanto, é difícil dis- nal centrado en e! concepto de identidad", em Actas de las Primeras Jornadas
criminar o grau de originalidade das idéias aqui expostas. Cada Argentinas de Orientacion Vocacional. Departamento de Orientação V o-
uma delas emergiu de algum grupo de que participávamos, ou dos cacional, Buenos Aires, 1965.
adolescentes que requeriam nossos serviços profissionais: os gru- (8) Bohoslavsky, Rodolfo - Qué es la psicología clínica? Publicação mi-
pos de aprendizagem de estudantes de Psicologia e, principalmen- meografada, OPFYL, UNBA, 1968.
(9) Brammer e Shostrom - Psicología terapéutica. Herrero Hnos., México,
te, dos nossos colegas do Departamento de Orientação Vocacional
1961.
da UNBA, a que tivemos a honra de pertencer. Nossos colegas, (10) Favez-Boutonier, J. - "La Psychologie clinique". La Psychologie
alunos, clientes e nós mesmos somos, de certo modo, co-autores, (Revue de l'enseignement supérieur). Paris, Sevpen, n? 2, 1966.
ainda que nos tenha cabido a responsabilidade de expressar nossas ( 11) Fraisse, Paul - "En defensa dei método experimental" (prólogo), em
inquietações e convidar o leitor a participar das mesmas, iniciando Manual de psicologia experimental. Kapelusz, Buenos Aires, 1962.
uma nova volta na espiral do conhecimento, que nos conduzirá, (12) Holt, Robert- "A Clinicai-Experimental Strategy for Research in Perso-
talvez, a uma participação mais eficaz na promoção da saúde de nality".
(13) L' Abate, Luciano -Principias de psicología clínica. Paidós, Buenos Ai-
nossos semelhantes.
res, 1967.
O capítulo 2, sobre diagnóstico, foi redigido em 1968, por (14) Lemkau,P. V.-Higienemental. F.C.E.,México,4?ed., 1964.
solicitação da Cátedra de Orientação Vocacional da Faculdade de (15) Meehl, F. - Problemas de la caracterización actuarial de una persona.
Filosofia e Letras da UNBA, e logo publicado pela Revista Argen- Publicação do Departamento de Psicologia da UNBA.
tina de Psicologia, ano 1, n? 1, 1969. (16) Rapapport, D. e Gill, Merton-Aportaciones a la teoría y técnica psicoa-
O capítulo 5, "A identidade profissional do orientador voca- nalítica. Pax, México, 1967.
(17) Ruesch, J. - Comunicación terapéutica. Paidós, Buenos Aires, 1964.
cional", surgiu a partir de uma conferência que, com o mesmo títu-
(18) Super, D. - Psicología de los interesses y de las vocaciones. Kapelusz,
lo, pronunciamos na Associação de Psicólogos de Buenos Aires, Buenos Aires, 1967.
em 1969. (19) Ulloa, F. -Psicología clínica de adultos. Curso dado na UNBA, 1964.
A coordenação do Primeiro Seminário destinado ao treina- (20) Ulloa, F. - El método clínico en psicología. Publicação mimeografada,
mento de Psicólogos em Orientação Vocacional (APBA, 1970) OPFYL, UNBA, 1964.
ajudou-nos a esclarecer os conceitos que estão resumidos no ca-
pítulo 1.
1. O quadro de referência
Esboçopara a elaboraçãode um modelo
dosproblemas vocacionais1

"... que a cada sucessiva derrota há·uma aproxima-


ção à mutação final, e que o homem não é, mas pro-
cura ser, pretende ser, bracejando entre palavras e
atos e alegria salpicada de sangue e outras retóricas
como esta."
l Cortázar

Introdução

Nós, que nos dedicamos à tarefa de resolver os problemas de


orientação vocacional, temos tropeçado com o obstáculo criado
pela falta de um modelo teórico que permitisse: 1) ter uma visão
compreensiva, ampla, dos problemas; 2) estabelecer relações cau-
sais entre fenômenos; e 3) distinguir entre problemas vocacionais
e outros problemas de personalidade.
As páginas que se seguem não procuram formular uma teoria,
nem tampouco um modelo teórico. São mais um estímulo para a
reflexão sobre alguns problemas surgidos da prática clínica com
adolescentes, que buscavam aconselhamento para resolver proble-
mas de vocação 2 •
Às vezes, parecem sugerir algumas respostas ou algumas ex-
plicações. De qualquer maneira, não pretendemos dar umas nem
defender outras, mas de preferência comunicar nossas dúvidas e
ordenar, de algum modo, as perguntas. Quando surgiu alguma hi-
pótese admissível e útil, no contexto da "práxis" clínica, ativemo-
nos a ela. Mas não transmitimos aqui além daquelas a que um 1111-
mero considerável de casos contribui com certa evidência cmpíri
ca. Atenhamo-nos à advertência de Freud: "Creio que é lícilo d;11
livre curso a nossas hipóteses, sempre que conservemos u111.1 11"1
feita imparcialidade de juízo e não tomemos nossa ddiil t·.~11111111.1
!() .'/
___ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência----

por um edificio de absoluta solidez" (La interpretación de los sue- tarefas profissionais estejam muito mais diversificadas e que :1p:1
Fios,O. C., S. Rueda, p. 247). reçam novas atividades.
Apesar de todas essas diferenças, e mesmo na atualidade, :1
orientação vocacional permanece basicamente viciada nas mesmas
Do objeto ao sujeito, em orientação vocacional suposições contidas noExamen de los ingenios, no ano de 1575.
Por mais que se tenha substituído a ênfase de uma natureza
Quando, em 1575, Huarte de San Juan escreveu Examen de biológica por uma cultural, continua-se pensando que as pessoas
los ingenios, dedicou-o a Felipe II da Espanha, num prólogo em estão, por algum motivo, melhor preparadas para certas tarefas do
que dizia: que para outras.
Além disso, há uma suposição semelhante no fato de se julgar
"Ninguém chegou a dizer, distinta e claramente, que natureza que o ajustamento social pode ser estabelecido, quando se coloca o
é a que faz, ao homem, hábil para uma ciência e incapaz para outra e homem certo no lugar certo (the right man in the right place), o
quantas diferenças de engenho se encontram na espécie humana, e que constitui uma colocação psicologista e, portanto, parcial e
que artes e ciências correspondem a cada um em particular e com falaz, na análise dos ajustamentos e desajustamentos sociais.
que indícios poder-se-ia conhecer o que mais importava." Por outro lado, e isto constitui uma terceira suposição, se exis-
tem diferenças entre as pessoas, toma-se necessário aconselhá-las
O autor se propunha a estabelecer uma distinção entre os "en- a que se ocupem de tarefas diferentes.
genhos" humanos e, em função disto, dar uma contribuição signifi- O erro maior destas suposições, que às vezes impregnam a
cativa à atividade pedagógica. Sua teoria centralizava-se numa fim- orientação vocacional contemporânea, consiste em entender o ho-
damentação biológica- assim a chamaríamos agora-, pois entendia mem como um objeto de observação, diagnóstico, estudo e orien-
que os vários "engenhos" se herdavam, os pais estavam encarrega- tação para o especialista. Bastaria reavaliar este único pormenor
dos de detectar qual era a "natureza" de seus filhos e, em função para que toda a orientação vocacional mudasse de sentido. Quando
disto, contribuir para sua formação e prever desajustes sociais, pois se deixa de pensar no ser humano como objeto de observação,
entendia que, para alcançar um equilíbrio social, era necessário que diagnóstico e orientação (Reator) e se o entende como um sujeito
cada um realizasse a tarefa, segundo sua "natureza". (Proator) de comportamentos, ver-se-á, ao mesmo tempo, algo que
Isto se deu há 400 anos. O progresso científico introduziu é comum aos homens e deixaremos de nos preocupar com o que os
muitas modifieações nas teorias de Huarte de San Juan. Por exem- faz diferentes (o engenho, as faculdades, as aptidões ou os interes-
plo, ninguém poria agora em dúvida que, se existe algo chamado ses); perceber-se-á, nos homens, algo que, mesmo vago, poder-se-
"vocação", não seria, em absoluto, alguma coisa inata, mas certa- ia chamar, provisoriamente, de sua capacidade de decisão, sua
mente adquirida. Ninguém consideraria hoje que a natureza huma- possibilidade de escolha.
na seja de natureza exclusivamente constitucional. Atribui-se mais Nesta abordagem cabe toda uma mudança de ponto de vista,
importância à aprendizagem do que ao congênito. Ao mesmo principalmente porque incorpora à tarefa de orientação vocacion,il
tempo, o avanço da tecnologia exime os pais da responsabilidade uma dimensão ética. A ética surge do fato de que, ao considerar o
de estimar quais são os "engenhos" de seus filhos. Essa "tecnolo- homem sujeito de escolhas, consideraremos que a escolha do li1t11
gia" psicológica supõe que se possa observar as diferenças entre os ro é algo que lhe pertence e que nenhum profissional, por cap:ici
indivíduos de uma forma definitiva. Ao mesmo tempo, ninguém tado que esteja, tem o direito de expropriar.
vacilaria em afirmar que existe uma complexidade social maior, a Esta posição tem implicações filosóficas, ideológica.~t· c1c11
qual permite que as possibilidades, os campos de trabalho e as tíficas. Filosóficas porque supõe toda uma concepção do IH11111·111
!l __ _ __Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_ ________
__ ___ 'i

que vai além da ciência, uma valoração do homem e não somente implícita (e às vezes explícita) demonstra que busca alguma coisa
uma concepção científica dele. Ideológicas porque, ao dizer "pos- que o faça feliz. Talvez não chegue a dizer algo tão simples e c111
sibilidade de escolha", "direito de opção", estamos pensando na pregue outro tipo de formulação (por exemplo, "quero me reali-
vida real e concreta dos seres humanos, e a análise da liberdade, de zar" ou "quero fazer alguma coisa em que me sinta realizado").
suas condições e suas formas de conquista, excede os limites da Nunca, e nisto o adolescente é mais sagaz do que muitos psi-
ciência e não se esgota, nem de longe, no contexto da explicação cólogos, limita-se a procurar somente o nome de uma profissão. O
psicológica. É uma questão de ideologia. Científicas e técnicas que vai "buscar" é algo que se relaciona com a realização pessoal,
porque esta colocação modifica os conceitos básicos da orientação a felicidade, a alegria de viver, etc., como quer que isto seja enten-
vocacional em seus aspectos teóricos e técnicos, para satisfazer di- dido. Os psicólogos estão acostumados a ver o que o adolescente é.
ferentes pressupostos ou pontos de partida. O adolescente se preocupa mais com o que pode chegar a ser. Se
A omissão, intencional ou não, da análise dos pressupostos assumimos isto, veremos que a tarefa de orientação vocacional se
metateóricos (filosóficos, antropológicos e ideológicos) de toda relaciona, necessariamente, com alguma concepção do homem.
atividade científica gera a falsa idéia de que a tarefa, no campo da
orientação vocacional, é simplesmente uma questão de testes, me-
dições e prognósticos mais ou menos "objetivos". Isto se relaciona A pessoa não é senão o que procura ser
com o problema da medição em Psicologia.
Lord Kalvin dizia que, "quando não podemos medir, nosso Um jovem que busca a orientação vocacional demonstra estar
conhecimento tem um caráter pobre e pouco satisfatório". Esta é a preocupado com sua PESSOA, em relação a seu FUTURO. Recor-
posição de muitos cientistas sociais. Tem-se, às vezes, um comple- re a um orientador, buscando ajuda, o que indica que, nesse víncu-
xo de inferioridade que leva a realizar medições, como se isso tor- lo com o futuro, está comprometendo OUTRO.
nasse nossas colocações mais científicas. De acordo com o psicó-
logo G. Miller (38), seria uma boa defesa responder que:

"Se nosso conhecimento é pobre e pouco satisfatório, a última


coisa que devemos fazer é realizar medições ... a probabilidade de FUTURO
que, por casualidade, cheguemos a medir o que deve ser medido é
desprezível e, não obstante, muitos cientistas sociais e homens de
ciência dedicados ao estudo do comportamento acreditaram que a
medição é a pedra de toque da respeitabilidade científica e se preci-
pitaram em procurar números, antes de saber, em realidade, o que PESSOA _____
1 ◄◄..._ ._

OUTRO
esses números pudessem significar."

Se realmente tivéssemos idéia do quão pouco sabemos sobre os


diferentes tipos de inteligência e atitudes, as diferenças entre tipos de
interesses, etc., requeridos para determinada profissão, cairíamos O que suceder em seu processo de orientação vocacional tn:'1
menos vezes no erro de converter o número num fetiche e relação, basicamente, com a interação destes três fatores. "O q,w
poderíamos restituir-lhe seu simples e "humilde" valor instrumental. suceder" significará algo, estará expressando relações dircl:1.•;p11
Para corrigir esta distorção, bastaria pensar que, quando um indiretas a respeito do futuro do cliente, mas, além disso, sn:'1 11111
adolescente vai à entrevista de orientação vocacional, de forma emergente de um contexto social mais amplo.
24 _ _Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_ _ _

O contexto social pode ser analisado em termos de ordens e símbolos, a tecnologia e a educação. Embora seja certo <.jlll' l'111
esferas institucionais (Gerth e Mills, 18). Por ordens, estes autores qualquer ordem estejam previstos os recursos, mediante os quais
entendem o conjunto de instituições que buscam a mesma finali- se incorporará aos indivíduos que não tomam parte nessa ordelll
dade. Falam de cinco ordens institucionais: religiosa, polítíca, mi- (esfera educacional), ao mesmo tempo há instituições (organiza-
litar,familiar e da produção. Quanto à orientação vocacional, inte- ções) cuja finalidade fundamental é a incorporação do indivíduo
ressam de maneira mais direta as relações da pessoa que escolhe às diferentes ordens institucionais. Assim, consideraremos a edu-
com duas delas: a ordem institucional da produção e a ordem insti- cação como uma ordem institucional. Tudo o que ocorra na rela-
tucional familiar. ção Pessoa-Futuro-Outro é emergente de um contexto mais amplo
que os engloba (estrutura social) e, num s~ntido mais restrito, da
ordem institucional produção, família e educação.
Vejamos alguns tipos de relações: quanto à instituiçãofami-
t,111NS"'flTUCIONJ1t
liar, a pessoa mantém vínculos de especialíssima importância. En-
t,1S"TITUCION,4 contra-se, precisamente, num momento particular de sua vida, em
que pretende "dessatelizar-se" (Ausubel, 5), separando-se de um
t,1S"TITUCION,4
sistema do qual é um elemento periférico, para converter-se em um
núcleo de outro sistema. Quanto à ordem institucional educação,
as pessoas recorrem à orientação vocacional porque se preocupam
FUTURO comumente em definir seus estudos futuros. Tratando-se de um
adolescente, estará terminando o segundo grau e suas possibilida-
des de prever o futuro terão relação com o contato que teve com a
~ I instituição educacional de que provém. Se fala em ingressar na
PESSOA +-+ OUTRO
universidade, teremos que considerar as características dessa insti-
tuição que, supostamente, vai prepará-lo para vincular-se à ordem
institucional da produção.
(No esquema, as setas vão e vêm para sublinhar o fato de que
a pessoa não é somente "moldada" nessas instituições, mas que, ao
mesmo tempo, por sua própria presença, as molda. Ou seja, que o
comportamento é expressão do contexto mais amplo, mas em fun-
ção de uma relação dialética, e não linear. O adolescente não está
condicionado passivamente pela escola, nem pela família, nem
...._ ________ SOCIEDADE GLOBAL --------..1 pelo trabalho.)
O pólo Futuro também tem relação com a ordem institucional
da educação, na medida em que, muitas vezes, os indivíduos soli-
Com o termo esfera, referem-se a certas organizações de pro- citam aconselhamento sobre carreiras a seguir. Para o adoksccnll\
dutos e processos culturais que se relacionam com todas as ordens o futuro é uma carreira, uma universidade, professores, colega:,,
institucionais. Chamam, por exemplo, esfera do status à forma de etc. Não é um futuro abstrato, mas personificado e, ao mes,1111
organização hierárquica dos indivíduos, qualquer que seja a ordem tempo, desconhecido. O Futuro é também, para ele, uma}111úli,1,·
institucional à qual se aplique. O mesmo ocorre com o sistema de a sua inclusão no sistema produtivo da sociedade em que viw
26 ___ _________ Orientação vocacional -A estratégia clínica O quadro de referência_

O psicólogo, como profissional, também está, de fato, situado O conflito do primeiro caso e a dissociação do segundo s~o 1wn1
no sistema produtivo. Portanto, seu comportamento também está liares ao adolescente, mas não resta dúvida de que expressam u111;1
condicionado pela organização do sistema produtivo do qual faz dissociação existente no contexto dos valores sociais mais amplos.
parte. E, na medida em que é um técnico que recebeu uma forma- São muito poucos os afortunados que podem obter as gratifi-
ção especializada, também mantém vínculos com a ordem institu- cações que "depositam" no hobby e no trabalho, integrados numa
cional educação. mesma tarefa. Numa sociedade alienada, isto é praticamente
O Futuro tem uma importância atual-ativa enquanto projeto impossível. Concluímos daí - novamente - que um modelo dos
para o adolescente, e faz parte de sua estrutura de personalidade, problemas de orientação vocacional deve incluir variáveis socioló-
nesse momento. Não existe ninguém que esteja no futuro, mesmo gicas, econômicas e históricas. Como exemplo, basta assinalar a
que, na fantasia do adolescente, o psicólogo o esteja e represente a influência que tem a educação na determinação da classe social.
imagem dele próprio, dentro de um certo número de anos. Numa sociedade chamada de classes abertas, o exercício de uma
Seria necessário, também, incluir a dimensão temporal num profissão pode determinar a mobilidade social ascendente, e mui-
modelo dos problemas vocacionais. Não somente mudará o ado- tos adolescentes preocupam-se com a idéia de não seguir nenhum
lescente, como também e ao mesmo tempo seu contexto, numa estudo, pelo desprestígio que isso poderia implicar.
forma talvez impossível de se prever. Toma-se óbvio mencionar a incidência que tem no problema
da organização educacional. A educação nada mais é do que um
meio para aderir a um papel ocupacional adulto. Receber a instru-
As dimensões do problema ção, a formação e o enriquecimento necessários para exercer uma
ocupação produtiva dentro da comunidade, e deixar de ocupar um
Desta maneira estrutural, poder-se-ia vincular melhor muitos papel fundamentalmente receptivo, é a função primordial - nem
temas dispersos, que incidem na orientação vocacional. Por exem- sempre assumida - da educação sistemática.
plo, como o contexto social mais amplo influi nela. Freqüentemente se observa que o adolescente gostaria de es-
O sistema de valores, prevalecente em uma determinada co- tudar a carreira X e trabalhar na profissão Z. Notamos, aqui, adis-
munidade sobre o destino das pessoas e do peso que tem a educa- sociação entre duas coisas que deveriam estar unidas, mas a ruptu-
ção na posição social de seus membros, determinará o sentido e ra ou dissociação existe com freqüência, não só no adolescente co-
até a existência do campo da orientação vocacional. Basta pensar mo entre a universidade e a comunidade.
em quão pouco sentido teria a orientação vocacional numa estrutu- O mesmo tipo de consideração e problema aparece ao se exa-
ra de castas, na qual as atividades dos filhos estariam predetermi- minar a incidência do contexto familiar. Portanto, um modelo dos
nadas segundo a posição social de seus pais. Ou como pode variar problemas de orientação vocacional não poderá excluir a análise
a orientação vocacional, conforme seja aplicada numa sociedade destas dimensões. Um nível de análise pedagógica e sócio-familiar
de economia planejada ou não planejada. toma-se imprescindível para se compreender a situação de quem
O contexto social também influi em relação aos sistemas de escolhe, pois sua análise não se esgota nem se esclarece a partir de
gratificação. Em termos bastante gerais, estes se relacionam não uma perspectiva exclusivamente psicológica.
só com o nível de receita dos diferentes profissionais, mas também Será preciso analisar os vínculos com o "outro". Refcrilllo-
com outras formas de gratificação que as pessoas possam encon- nos não só ao psicólogo, mas ao fato de que a escolha scmpn· st·
trar em seu trabalho. Por exemplo, muitos adolescentes estabele- relaciona com os outros (reais e imaginados). O futuro 11111ll·:1,.
cem: "Gosto disso, mas não quero morrer de fome"; outros que- pensado abstratamente. Nunca se pensa numa carreira ou 1111111;1Li
rem escolher uma carreira como "trabalho" e, outros, como hobby. culdade despersonificadas. Será sempre essa carreira ou < .1·.111l:1rnl
0
____ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_-~- ___ ~ _

dadc ou esse trabalho que cristaliza relações interpessoais passa- Gostaríamos de introduzir uma diferenciação no que, gn:il
das, presentes e futuras. Devem-se yxaminar as relações com os mente, subentende-se pelo termo "vínculo".
outros com os quais se estabelecem relações primárias (membros No vínculo que o adolescente estabelece com o futuro, tere-
da família, do mesmo ou do outro sexo, como, por exemplo, o mos que diferenciar aspectos manifestos e não manifestos. Estes
casal) e aqueles outros com os quais se mantém uma relação de últimos não são necessariamente latentes, no sentido de incons-
natureza secundária (fundamentalmente professores, psicólogos cientes ou reprimidos. Entre vínculos manifestos e não manifestos
ou técnicos, desde o bedel que atende numa faculdade, a primeira poderá produzir-se correlação, oposição, contradição, dissociação,
pessoa que conhece desse mundo em que se quer ingressar, até o etc. Os vínculos não manifestos são tão "reais" como os manifes-
responsável pelas bo\sas de uma instituição, que pode determinar tos, e os manifestos também incluem fantasias (conscientes e in-
ou influir diretamente sobre o futuro de quem escolhe). conscientes).
1

O futuro implica'desempenhos adultos e se trata, novamente, Os vínculos podem ser atuais, passados e potenciais. Os pri-
meiros são sempre os aspectos manifestos e não manifestos da
1

de um futuro personificado. Não há nenhum adolescente que quei-


ra ser engenheiro "en:i geral" ou lanterninha de cinema "em geral" relação com o profissional. Condensam e expressam vínculos pas-
ou psicólogo "em geral". Quer ser como tal pessoa, real ou imagi- sados (da história do sujeito) e potenciais (com objetos do futuro,
em termos de projetos). O psicólogo concentrado nos vínculos
nada, que tem tais e quais possibilidades ou atributos e que supos-
atuais diagnostica os vínculos passados e atua sobre os potenciais.
tamente os possui em virtude da posição ocupacional que exerce.
(Veja-se o capítulo sobre entrevistas.)
Isto quer dizer que o "queria ser engenheiro" nunca é somente
"queria ser engenheiro", mas "quero ser como suponho que seja
Fulano de tal, que é engenheiro e tem tais 'poderes', que quisera
A pessoa que escolhe
fossem meus".
Na maioria dos casos, quem escolhe é um adolescente. Torna-
se, pois, redundante estabelecer que, por sê-lo, está em idade de
O que fazer, quem ser experimentar grandes mudanças. Estas são tão contínuas, tão am-
plas, tão características da idade adolescente, que fazem pensar
Para um adolescente, definir o futuro não é somente definir o num indivíduo submetido a uma crise contínua. Chega a surpreen-
que fazer, mas, fundamentalmente, definir quem ser e, ao mesmo der que, em meio a uma crise tão intensa, o adolescente consiga
tempo, definir quem não ser. Quando o adolescente se preocupa realizar tarefas tão importantes como as que tem que concluir:
somente com o que fazer, o psicólogo deve restituir-lhe a parte da definir-se ideológica, religiosa e eticamente, definir sua identida-
realidade que esteja escamoteada. Terá que lhe mostrar que forma de sexual e sua identidade ocupacional (conceito de Erikson).
de ser escolhe ou quer escolher. E, quando se preocupa somente Parece estranho que um sujeito afetado, tanto por tal volume
com que coisa ser, terá que lhe mostrar que relação tem a ocupa- de mobilidade interna, como por sua relação com os demais, possa
ção com concreta com esse modo de ser que se propõe a assumir. realizar todas estas tarefas. E a pergunta não deveria ser "por que
Os verdadeiros problemas da orientação vocacional relacio- este adolescente não consegue escolher?", mas "por que este ado-
nam-se com o "realizar-se", que o adolescente propõe na entrevis- lescente, num momento tal como aquele em que se encontra, pode,
la. Com um realizar-se realizando, ou seja, com um "chegar a ser", não obstante, tomar uma decisão?".
vinculando-se a objetos. Criando-se e criando, na relação com Corresponde ao senso comum a afirmativa de que a adok:;
11l-1L~1rninados
objetos da realidade externa e interna. É uma ques- cência é um período de crise, transição, adaptação e ai11s/11111,
·111,1
l:10 de vínculos. Nas mudanças implícitas na passagem da infância ú idade :ul1il1.111
{() {/
_ __ Orientaçãovocacional-Aestratégiaclínica O quadrode referência_ _

i11divíduodeve encontrar maneiras diferentes de se adaptar a áreas ao assumi-lo, manifesta possuir uma identidade ocupacional. <)u.111
e níveis diversos e encontrará, nesse processo, dificuldades cuja do a assunção do papel é inconsciente, essas ações adotadas, qlll'.
magnitude determinará uma adolescência mais ou menos confliti- se realizam segundo uma seqüência estabelecida e num contexto
va, mais ou menos tensa. Uma das áreas em que esse ajustamento de interação social, dizem mais respeito às identificações do que à
se realizará refere-se precisamente ao estudo e ao trabalho, enten- identidade de quem desempenha o papel.
didos como meio e forma de ascender a papéis sociais adultos. Muitas vezes podemos conhecer qual é a resultante de uma
Quando esse ajustamento se realiza no plano psicológico, dizemos identificação, mas não o que determina essa identificação. Sabe-
que o sujeito alcançou sua identidade ocupacional. mos que o adolescente que tem o mesmo andar de seu pai, fá-lo
Portanto, a identidade ocupacional será considerada não co- porque se identificou com ele. Se o pai de um adolescente é advo-
mo algo definido, mas como um momento de um processo subme- gado, e o filho quer estudar Direito, podemos supor, entre outras
tido às mesmas leis e dificuldades daquele que conduz à conquista coisas, que se identificou com o pai, mas tal suposição não basta
da identidade pessoal. Esta colocação elimina a idéia de que a vo- para compreender para que e por que se identificou com o pai e
cação é algo definido, um "chamado" ou destino preestabelecido, por que se identificou com esse aspecto do pai, que é a ocupação, e
que se deve descobrir. não com outros.
Como a identidade ocupacional é um aspecto da identidade do Pode ter escolhido a mesma profissão do pai, sem que isto se
sujeito, parte de um sistema mais amplo que a compreende, é de- deva, especificamente, a urna identificação. Assim como pode ter
terminada e determinante na relação com toda a personalidade. escolhido urna carreira completamente diferente e, isso sim, ser
Portanto, os problemas vocacionais terão que ser entendidos como devido a uma identificação com seu progenitor. Quando falamos
problemas de personalidade determinados por falhas, obstáculos de identificação, referimo-nos à sua função defensiva. Faz sentido,
ou erros das pessoas, no alcance da identidade ocupacional. se a situamos corno uma forma de superar um conflito ou uma
A identidade ocupacional é a autopercepção, ao longo do contradição. Por outro lado, falaremos de identidade quando as
tempo, em termos de papéis ocupacionais. Chamaremos ocupação identificações perdem o caráter defensivo original. Ou seja, para-
ao conjunto de expectativas do papel. Com isto, destacamos o fraseando Allport (3), quando existe uma autonomia funcional das
caráter estrutural, relacional, do nosso problema, porque a ocupa- identificações. Com isto, estamos antecipando que uma escolha
ção não é algo definido a partir "de dentro", nem "de fora", mas a base;da em identificações não é, necessariamente,uma escolha má.
sua interação. As "ocupações" são os nomes com os quais se de- Pode ser uma boa escolha, se realizada com autonomia dos moti-
signam expectativas, que têm os demais indivíduos, em relação ao vos originais que deram lugar à identificação com determinada
papel de um indivíduo. pessoa que desempenha um papel ocupacional.
Por exemplo, é necessário que se deixe de pensar no médico, A identidade ocupacional se desenvolve como um aspecto da
abstratamente. A ocupação de médico é definida num contexto de identidade pessoal. Suas raízes genéticas assentam-se, basicamen-
interação social. Não existe um médico "em geral", nem uma ocu- te, sobre o esquema corporal e estão sujeitas, desde o nascimento,
pação médica abstrata. O caráter concreto é dado pelo fato de que às influências do meio humano. Por isso, a identidade ocupacio-
a ocupação é o nome que recebe a síntese de expectativas do papel, nal, assim como a identidade pessoal, devem ser entendidas como
num contexto histórico-social determinado. a contínua interação entre fatores internos e externos à pessoa.
Por papel entendemos uma seqüência estabelecida de ações O conceito de ego involvements, elaborado por Sheriff e Ca11-
1t/>rendidas,executadas por uma pessoa em situação de interaçào •
3
trill, parece particulannente eficaz. O mundo de objetos, pessoa.~,
A assunção dos papéis pode se produzir de forma consciente valores e atividades que o ego "envolve", convertendo-o e1n al)'.11
<HI inconsciente. No primeiro caso (mesmo que nunca seja exclusi- próprio e pessoal, constitui um sedimento que, desde a mais lt·111;1
v;1111cntcconsciente), o papel é desempenhado por uma pessoa que, idade, construirá, pouco a pouco, a proto-identidadc onq1;1(·i( 111;il
32 -~- -~- ~- Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_ _______ _

A identidade ocupacional também se relaciona com o esque- tendem a pautar o tipo de relação com o mundo adulto, cm lcrn H)S
ma corporal (da mesma forma que a identidade pessoal), princi- de ocupações. As ocupações são consideradas sempre em rcl,H,::10
palmente porque o "espaço do id" (Schilder, 44) está presente em às pessoas que as exercem. Portanto, as ocupações que fazem parte
toda profissão. do espaço psicológico da pessoa jamais gozam de neutralidade
Em toda profissão há uma relação com objetos que estão afetiva. O "eu queria ser..." das crianças é sempre um "eu queria
"fora" do espaço próprio (pessoas, máquinas, ferramentas, edifí- ser como fulano, que possui estas ou aquelas virtudes e que estabe-
cios), que pertencem a um espaço distinto de nós, mas com os quais leceu esta ou aquela relação comigo". Assim como o ideal do ego
nos relacionamos a partir de nós. Nessas relações, o gesto, o movi- se estabelece sobre as bases de identificações com adultos signifi-
mento e a atitude corporal incluem componentes mágicos. Podemos cativos, o ideal do ego, em termos ocupacionais, se estabelecerá
percebê-lo facilmente em profissões antigas como a do feiticeiro, em termos de relações, carregadas afetivamente, com pessoas que
mas a prática clínica prova que o profissional moderno, maduro, não desempenham papéis ocupacionais.
está isento de atribuir qualidades mágicas a seus atos profissionais.
As características, ou qualidades mágicas, das ações instru-
mentais encontram-se presentes em todos os adolescentes que es- b) I dentiticações com o grupo familiar
colhem uma carreira universitária. Por mais racionais que sejam,
por mais sadios que sejam, sentem-se como o "aprendiz de feiti- Quanto aos problemas de orientação vocacional, deve-se con-
ceiro" quando crêem que, aprendendo determinadas ações ou mo- siderar dois aspectos:
vimentos, podem chegar a conseguir efeitos na realidade. a) a percepção valorativa que o grupo familiar tem a respeito
De certo modo, a onipotência mágica tem bastante relação das ocupações, em função dos sistemas peculiares de valor-atitude
com a idéia de que os homens "invertem as relações com a natureza do grupo;
e a põem a seu serviço, em lugar de adaptar-se à natureza". Nesta b) a própria problemática vocacional dos membros do grupo
relação, que é real, há bastante lugar para a onipotência. Não faltam familiar.
motivos para sentir-se "onipotente" se, trabalhando em um labora- A divisão entre ambos os problemas é arbitrária e tem somen-
tório, consegue-se produzir substâncias artificiais. Há bastante lu- te objetivos heurísticos.
gar para a magia se, utilizando-se determinadas técnicas instru- O grupo familiar constitui o grupo de participação e de refe-
mentais aprendidas, pode-se conseguir que uma pessoa "louca" rência fundamental, e é por isso que os valores desse grupo consti-
"recupere" o seu juízo. Toda técnica, principalmente pelo que tem tuem bases significativas na orientação do adolescente, quer a
de ritual, constitui um ótimo depositário de fantasias onipotentes, família atue como grupo positivo de referência, quer opere como
ligadas à magia do gesto, da palavra e da ação. grupo negativo de referência.
O sentimento de identidade ocupacional foi gerado na base O segundo dos aspectos considerados é talvez o mais impor-
das relações com os outros. Nessas relações, alguns aspectos tante. As satisfações ou insatisfações dos pais e de outros familia-
merecem uma atenção particular. res significativos, em função de seus respectivos ideais do ego e a
vivência das mesmas, exercem um papel importante quanto :'is
influências que, desde criança, recebe o adolescente, em seu lar.
a) A gênese do ideal do ego Os grupos de que o indivíduo faz parte podem ser, para ,·lc,
tanto de participação como de referência e influir em seu co111JH 11
As relações, gratificantes ou frustradoras, com pessoas que tamento, só num sentido ou em ambos. O grupo familiar i1ill111.
desempenham papéis sociais - parentes, amigos, outros -, com as com toda a segurança, em ambos os sentidos, ainda que 1·:dl1:1 .1
quais a criança se identifica, consciente ou inconscientemente, pena lembrar que os grupos "vinculam" o comporl:1111,·11111 :1 11111
3./ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência

padrão normativo, que pode agir de um modo positivo ou negativo. missão paralisante ao mesmo, que impede o acesso a uma profis
Entre os diferentes grupos a que pertence e/ou de referência po- são considerada, pela adolescente, como mais valiosa e enriquece-
dem existir coerência, integração, contradição, oposição, comple- dora? Tratar-se-ia, de acordo com o modo como a analisemos, d1.:
mentação, articulação, etc. Justamente por isso não basta conhecer uma escolha autônoma ou de uma escolha que depende do conflito
a que grupos pertence o adolescente para entender a gênese de sua como um sintoma que concorda com os termos dele, sem integrá-
identidade ocupacional. Esta expressa melhor a interiorização de los nem superá-los.
sua percepção da sua participação e/ou referência e o modo - coe-
rente, confuso, integrado, conflitivo, etc. - como as múltiplas par-
ticipações e/ou referências incidem sobre o ego. c) Identificações com o grupo de pares
Os processos de relação e interiorização dos grupos são me-
canismos de identificação, tanto auto como aloplásticos (Lagache, Atua da mesma forma que o grupo familiar, mas a diferença
31), com eles. A identificação se estabelece com o grupo como com aquele é que nunca é tomado como grupo de referência nega-
totalidade, seu status e papel dentro do mesmo, as pessoas que o tivo. Por outro lado, a participação no grupo de pares é algo adqui-
constituem, seu sistema de valores, etc. Trata-se de um fenômeno rido e que deve ser defendido. Neste sentido, a submissão às nor-
complexo. Por exemplo, não basta saber que um adolescente per- mas do grupo é maior e as transgressões são vividas como geradoras
tence a um grupo de escoteiros para explicar seu interesse pela de intensa culpa. Por outro lado, o "seguir juntos", que só ocasio-
Sociologia, mesmo que, "de algum modo", haja uma relação. A nalmente aparece em relação ao grupo familiar, é muito importan-
situação será completamente diversa se, neste grupo, o adolescen- te com referência ao grupo de pares e determinará, possivelmente,
te está identificado com um papel de subordinado ou de líder, se é imagens profissionais distorcidas.
um membro aceito, rejeitado ou isolado, etc. O que dissemos quanto ao grupo familiar vale também para o
O mesmo ocorre com o grupo familiar. O fato de que, numa grupo de pares, com a diferença de que a cultura dos pares ( a cultu-
família de médicos, o adolescente queira estudar medicina pode ra da sociedade adolescente) é mais próxima e imperativa, porque
implicar a existência de vínculos tão diversos com o grupo (mas, funciona principalmente por meio da sanção por exclusão. Desse
principalmente, com o grupo interiorizado) como a submissão, a modo, os valores do grupo de pares são, às vezes, muito mais impe-
cooperação, a rivalidade, a proteção, a reparação, etc. rativos para um adolescente do que os valores do grupo familiar.
A complexidade desta variável revela-se no seguinte exemplo: Novamente, deve-se examinar se há contradição, síntese ou oposi-
no curso de várias entrevistas, uma adolescente não chegava a falar ção entre o grupo familiar e o grupo de pares do adolescente.
de carreiras e limitava-se a criticar seus pais e a educação recebida Todo adolescente que expressa uma contradição entre os valo-
no lar -- péssima, segundo ela, em comparação a outras. Quando res do grupo familiar e os valores do grupo de pares fala-nos de uma
descobre num catálogo de cursos a profissão de orientadora educa- dissociação de sua própria identidade, de identificações com os dois
cional, pensa que talvez seja essa a profissão apropriada para si. grupos, que ele não pode integrar. Mas, ao mesmo tempo, está nos
Não obstante, persistem suas dúvidas entre seguir esta carreira "ou falando de contradições entre a sociedade mais ampla e a sociedade
outra melhor", "mais difícil e séria", da qual "eu gosto, mas com a adolescente, das quais aquelas identificações são um efeito.
qual meus pais não estariam de acordo, porque realmente acreditam
que uma menina não deve cursar estudos superiores".
Finalmente, se esta adolescente tivesse decidido pela carreira d) Identificações sexuais
de orientadora educacional, seu acesso à identidade ocupacional
estaria revelando uma tentativa reparadora de seu grupo familiar Se é certo que nossa sociedade se desenvolve em dirL~1;;'10
:1
interno, para ajudá-lo e ajudar-se a crescer, ou melhor, uma sub- igualdade de oportunidades ocupacionais para honwns e 11111IIH·

t
1'
Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência__ ___ _ _ __ ___

rcs, não é menos certo que as ocupações não são consideradas co- Expressam aspirações próprias, que conjugan1 o que o indivíd110
11w sexualmente neutras. Há ocupações mais ou menos "masculi- quer alcançar, com uma estimativa do que pode alcariçar.
11as"ou "femininas" e o adolescente integra esta valoração em sua No parâmetro temporal, destacamos também as €Dcpectati1 1

identidade ocupacional. Os padrões culturais quanto ao papel so- a respeito de si mesmo, do mundo, dos outros. São as aspirações
cial do homem e da mulher vão se interiorizando ao longo das eta- próprias ou modos de ser que se quer alcançar. Seguindo a tenni-
pas da gênese da identidade ocupacional do adolescente e desem- nologia freudiana, falaríamos do ideal do ego.
penham um papel importante como causas de gostos, interesses, De acordo com esta mesma linha, o modo como as pessoas se
atitudes e inclinações. aproximam do ideal do ego determinará o grau de auto-estima.
Pode-se distinguir entre ideal do ego e imagem de si. O primeiro é
um modelo, uma fonte de motivações axiológicas, enquanto a ima-
A crise de identidade na adolescência gem de si surge do confronto deste modelo com os status, papéis e
atividades que o sujeito realiza.
Por crise se entende, geralmente, algo assim como ruptura de Quanto ao ESPAÇO, o sentimento de "eu sou eu" surge, funda-
uma forma estabelecida de relação. Muitas vezes essa imagem mentalmente, sobre a base do esquema corporal, que discrimina en-
esconde o que a complementa a idéia de passagem, de reajusta- tre um espaço próprio (interior) e um espaço não próprio (exterior).
mento, de novaforma de adaptação. Crise diz respeito a algo que O esquema corporal não é sinônimo de corpo, mas de sua re-
morre e algo que nasce, isto é, crise relaciona-se com a idéia de presentação. Schilder fala de um espaço do ego e de um espaço do
desestruturação e reestruturação da personalidade. id; o primeiro regulado pelo processo secundário e o segundo, pelo
Todo adolescente é uma pessoa em crise, na medida em que primário. Há uma hipótese ele que as diferentes técnicas ligadas às
está desestmturando e reestruturando tanto seu mundo interior como ocupações implicam formas instrumentais, isto é, processos egói-
suas relações com o mundo exterior. Do resultado da tolerância a cos, mas "encharcados" de processos primários de relação com o
esta crise, e dos mecanismos empregados para superá-la, surgirão
espaço.
formas de relação com seu mundo interior e seu mundo exterior,
Um exemplo simples: uma adolescente de quinto ano preten-
qualitativamente distintas das relações mantidas anteriormente. A
de escolher Geografia. A escolha da carreira e a descrição do obje-
tarefa mais importante de um orientador educacional consistirá,
to - carreira com a qual deseja vincular-se-estavam determinadas
justamente, cm ser um moderador da crise do adolescente e não con-
pelo desejo de possuir instrumentos para conhecer, reconhecer e
tribuir para a urgência que o cliente tem em superá-la e que espera
modificar seu corpo, a respeito do qual tinha problemas especiais
do profissional.
O que se desestrutura e reestrutura é toda a personalidade (era uma garota muito gorda). Sua descrição da Geografia era sig-
adolescente. Por personalidade pode-se entender muitas coisas di- nificativa, pois distanciava-se do que a Geografia é realmente e ti-
ferentes: mas todos estarão de acordo em considerar que o que de- nha muito a ver com "saliências e profundidades", que constituíam
fine fundamentalmente a pessoa é o fato de poder ser um objeto sua preocupação inconsciente.
para si mesma, um objeto para si. A carreira era algo instrumental, que ela estudaria em função
Este fato se traduz na sensação de que "eu sou eu". Para que de seu projeto ''egóico", o qual se achava, porém, obscurecido por
isto ocorra (possivelmente nenhum adolescente sente claramente processos primários de natureza mágica, referentes ao controle do
que "ele é ele"), a experiência deve se organizar sobre três parâme- próprio corpo, do próprio espaço interior.
tros: TEMPO ESPAÇO-OUTROS. Quanto aos OUTROS, a sensação de que "eu sou eu" se rela-
Quanto ao TEMPO, por exemplo, alguém sente que ele é ele ciona com "minhas relações com os demais". As relações co111 os
IH>rquctem determinados projetos, que sente como se fossem seus. demais se expressam, fundamentalmente, num vínculo dl' duplo
/')
_ _ __ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_ __

aspecto que são os processos projetivos e introjetivos. A "exten- A terceira função do ego relaciona-se com o sentido da ,n,/1
são" da pessoa jamais coincide com o limite de sua pele, mas in- dade. Entende-se melhor esta função pela sua negação. A rcalíd:1-
clui todos os objetos aos quais pode chamar "meus". Seu guarda- de não tem sentido para um adolescente (ou para um adulto) q ua11-
pó, seu consultório, sua oficina, seu banco, seus instrumentos de do não consegue achar coerência em suas ações, situando-as nos
trabalho são parte da pessoa, tanto quanto sua família, seu grupo três parâmetros de tempo, espaço e outros. Nesses casos, perde-se
de amigos, sua escola, seu bairro, etc. o sentido da realidade e, portanto, simultaneamente, o sentido das
Os limites da pessoa surgirão da discriminação ou do equilí- próprias ações. Assim, desconhece-se a coerência dos comporta-
brio que se estabeleça entre os processos projetivos e introjetivos e mentos e a pertinência delas a si mesmo. De forma exagerada, isto
de seu caráter discriminado ou maciço. se manifesta como despersonalização. Sem chegar a esse extremo,
A estrutura da personalidade definir-se-á pela interação dos um indivíduo normal pode passar por momentos em que desco-
três parâmetros, esboçados superficialmente. Num adolescente está nheça o sentido de suas ações. Por exemplo, quando não consegue
caracterizada principalmente por urna aproximação a novos obje- situá-las dentro do processo "dar-receber", ou quando não integra
tos da realidade. Esta aproximação supõe a aplicação de processos seus comportamentos como "dentro" ou "fora" de seu próprio es-
de discriminação e hierarquização dos objetos da realidade. Estes paço ou corpo. Quando o sentido da realidade se mantém, o indiví-
se realizam somente se o conhecimento o permitir e, principal- duo sente a evidência de que ele é um ser vivo, de que é um ser
mente, se o exercício dasfunções egóicas é adequado. real, de que existe e coexiste. Quando alguns destes sentimentos
Consideraremos o ego como o nome de sete funções básicas desaparecem, defrontamo-nos com um fracasso do sentido de rea-
da personalidade, que são: em primeiro lugar, a adaptação à reali- lidade.
dade, entendida como uma adequação de meios a fins e como uma A quarta função do ego está constituída pelas defesas. Talvez
síntese entre originalidade pessoal e aceitação de padrões sociais conviesse falar de mecanismos protetores ao invés de mecanismos
ou de soluções pré-inventadas. de defesa, termo que tem conotações específicas, ligadas ao pato-
Vejamos, por exemplo, um fracasso nesta função do ego, num lógico. São mecanismos protetores da desestruturação da persona-
adolescente que se nega a ser "original" em sua escolha e a reco- lidade e atuam quando o ego antecipa os conflitos, mediante a per-
nhecer que sua escolha é sua escolha, e pede ao psicólogo que lhe cepção de sinais de alarme. No adolescente, esta função egóica de
diga "como geralmente se escolhe", não aceitando "inventar" sua antecipação e proteção diante dos perigos que antecipa não tem a
própria maneira de escolher. Ou uma inadequação meios-fins, se mesma plasticidade que na pessoa adulta e sã, seja porque não há
desconhece evidentes e sérias dificuldades pessoais, que o impe- correspondência entre o perigo antecipado e o perigo real, seja
dem de alcançar os fins a que pretende chegar, executando deter- porque as defesas são demasiado estereotipadas ou demasiado
minada tarefa (por exemplo, um adolescente de visão limitada, que rígidas. O fato de que o adolescente "tenha" mecanismos defensi-
quer ser neurocirurgião). vos não nos diz nada a respeito do seu ego, pelo menos até que
Outra função do ego é a interpretação da realidade: relacio- vejamos qual o grau dessas defesas e qual o seu grau de estereoti-
na-se, principalmente, com a discriminação entre ego e não-ego. pia e, principalmente, de que está se defendendo. Por exemplo,
Esta se altera se as identificações projetivas e introjetivas são ma- sabemos que se defende de algo quando quer escolher rapidamen-
ciças. Uma das características manifestas mais notáveis de um ado- te, mas, não obstante, cumpre indagar de que está se protegendo l'
lescente que vem para uma entrevista vocacional é a alteração des- quais são as fantasias ligadas a esse medo de deixar pa,1·sarn
ta função. tempo ou medo de dispor de pouquíssimo tempo.
A interpretação da realidade se relaciona também com a per- A quinta função do ego diz respeito às relaçôcs de ohi, ·to < )
cepção da realidade discriminada quanto à figura e fundo. ego estabelece o vínculo com os objetos e, quanto ;'i oril·11l:1<,.1"
/() li
___ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência

vocacional, esta função interessa quanto aos comportamentos nar- a todos os adolescentes certa disfunção do ego,, produto da crist·
cisistas, aos comportamentos simbióticos e àqueles ligados à ela- evolutiva que enfrentam.
boração do luto. Todos estes comportamentos relacionam-se com Outra característica da personalidade de um adolescente é a
o manejo especial e a mudança dos objetos, que examinaremos catetização do mundo exterior, favorecida pela saída da reedição
mais adiante. da situação edipiana, própria do início da adolescência.
A sexta função é constituída pelas funções autônomas. O ter- Do modo como se resolva esta reedição da situação edipiana,
mo "autônomo" é devido a Hartmann (23), que propõe a necessi- dependerão o tipo e a maneira pelos quais se possa catetizar novos
dade de destacar que o ego não surge de um conflito entre o id objetos do mundo exterior. Isto diz respeito às vicissitudes dos ins-
freudiano e a realidade, nem a defesa é sua única função. Tem uma
tintos, ligadas à elaboração do luto.
orientação positiva no sentido da realidade, que se realiza através
Para muitos autores, como, por exemplo, Arminda Aberastury
de mecanismos adaptativos, como o pensamento, a linguagem, a
(1), a dinâmica de toda a adolescência, normal ou em conflito, re-
vontade, etc.
laciona-se com a elaboração de três lutos básicos: o luto pelos pais,
Convém, sempre, examinar se estas funções do ego corres-
o luto pelo corpo infantil e o luto pelas formas infantis de relação
pondem à "zona livre de conflitos do ego" adolescente ou à zona
do ego não liberto de conflitos, comprometida na defesa. (papel e identidade).
Isto nos ensina a distinguir, por exemplo, se "a ordem" que Há lutos mais dificeis de serem percebidos, mas que se en-
um adolescente busca, através de determinada carreira, expressa contram mais claramente ligados à escolha de uma carreira. São os
um mecanismo defensivo do tipo obsessivo ou se, ao contrário, lutos pela perda da onipotência. A relação com novos objetos e o
reflete um comportamento adaptativo autônomo a respeito dos conhecimento mais claro da realidade e dos próprios limites impli-
conflitos, que poderiam, eventualmente, ter dado origem a esse cam um ataque severo à onipotência. Este ataque tem um aspecto
tiJ)( 1. de comportamento ou a esse traço de caráter no passado, mas bom e gratificante para o adolescente e, ao mesmo tempo, um
o qual jú se constituiu, secundariamente, como autônomo desses aspecto frustrante, porque lhe revela que não é onipotente, nem em
mesmos conflitos, contra os quais surgiu como defesa. suas possibilidades de destruir, nem em suas possibilidades de
Uma pessoa pode ter características que os profissiogramas reparar; se isto é bem percebido pelo cliente, ser-lhe-ão abertas
indiquem como convenientes para determinada profissão, mas que possibilidades de escolher bem, como veremos mais adiante.
podem corresponder à região do ego comprometida com os confli- Uma terceira característica do adolescente diz respeito à con-
tos, de modo que seguir aquela profissão (à qual pode ajustar-se quista da identidade. Erikson (13, 14) define-a como a confiança
perfeitamente) irá expô-la ao agravamento de sua doença. , em que a igualdade e a continuidade interiores coincidam com a
Por exemplo, uma pessoa obsessiva que quer ser bibliotecária igualdade e a continuidade do significado que tem para os outros c
e mostra-se rigorosamente organizada será considerada pelo pro- para si mesmo.
fissiograma perfeitamente apropriada para tal ocupação. Mas, se o O termo identidade pareceu-nos adequado na tentativa de criar
orientador preocupa-se não só com o que é escolhido como tam- um modelo dos problemas de orientação vocacional, porque, devi-
bém com quem escolhe, advertirá que essa é uma relação doentia, do à própria natureza do conceito, evidenciam-se as duas correntes
que deverá prevenir, assumindo um papel psicoprofilático. que intervêm na escolha de uma profissão ou ocupação: a coc1ú1
A sétima função do ego diz respeito à síntese, à integração, à eia da percepção social e a continuidade interior. Trata-se de 11111
homeostase, etc. conceito útil para integrar os fatores internos e externos, para ;11ti
Estas funções, que resumimos, poderão estar mais ou menos cular as expectativas dos outros a respeito dos indivíduos t· ::11:1
alteradas num adolescente, mas é uma característica quase comum coerência ou não com as expectativas, aspirações, i(kal do C!'"
42 __Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_ _
/ j

adequação do nível de aspirações às possibilidades, etc., que se re- tenham um caráter discriminado, são funcionalmen.te au/111101111 ,s , ·
lacionam com a continuidade interior. correspondem à região do ego livre de conflitos.
Como vimos, a identidade ocupacional relaciona-se com o Ao contrário, as identificações de uma criança ou de um ado-
desenvolvimento da identidade, entendida em amplo sentido, e só lescente têm um caráter defensivo, surgem da luta, do conflito
arbitrariamente podemos fragmentar a identidade ocupacional a entre opções e da necessidade de superá-los, mediante a colocação
propósito da identidade sexual, familiar, etc. de si mesmo no lugar de outro ou da colocação do outro no lugar de
Como vimos, a identidade é gerada sobre três pontos: grupos, si mesmo.
processos de identificação e esquema corporal, e se traduz numa Para conseguir elaborar esta situação, a sociedade concede
série de antíteses: o sentimento de quem se é e quem não se é; um prazo a seus membros, ao qual Erikson (cf. op. cit.) chama de
quem se quer ser e quem não se quer ser; quem se crê que deva ser moratória psicossocial. Nesta moratória, as tarefas fundamentais
e quem se crê que não deva ser; quem se pode ser e quem não se de um adolescente são a discriminação, a seleção e a escolha das
pode ser; quem se permite ser e quem não se permite ser, da totali- identificações.
dade das quais surgirá, ou não, uma síntese. Nestas tarefas, os objetos "antigos" pesam sobre os objetos
A identidade certamente não emergirá ao final de um proces- novos, interferem na relação com estes, dão-lhe um sentido pecu-
so de orientação vocacional, nem possivelmente antes que se liar. Por isso, escolher algo novo, decidir-se por alguma coisa, im-
plica sempre deixar de lado, dolorosamente, todo o resto. Talvez o
tenham passado muitos anos. Mas um orientador que está diante
problema de orientação vocacional do adolescente esteja mais
de um adolescente que não sabe se estudará Engenharia ou Arqui-
vinculado a tudo o que tem de deixar do que ao que tem que tomar.
tetura está se defrontando com uma luta entre estas contradições.
Mas não só ao que tem que deixar, mas também às fantasias rela-
Há contradição entre quem se quer ser e quem se sente que não se
cionadas ao que deixa e às conseqüências fantasiadas ante o aban-
quer ser; entre quem se quer ser e quem se permite ser, etc.
dono dos objetos, dos quais se desfaz. Conseqüências para ele e,
No adolescente, como em qualquer pessoa, reina uma enorme
naturalmente, para os demais.
confusão a respeito de todos estes problemas, mas naquele é segu- A identidade negativa é uma interferência na conquista da
ramente mais intensa, porque cada um deles está em relação com identidade ocupacional. É o produto das identificações com os
os vínculos manifestos e não manifestos que tenha com os outros. aspectos recusados, fundamentalmente, pelo grupo familiar. Cha-
Quem ele crê que é supõe uma identificação com outros, reais ou ma-se identidade negativa porque é o oposto do que o grupo familiar
no plano da fantasia; também quem ele quer ser ou não quer ser, espera que o adolescente seja. Assim, se o grupo familiar espera
quem se permite ser e quem não se permite ser, etc., se relaciona que ele siga a tradição familiar, que estude uma carreira "impor-
com identificações com os outros. Se existe confusão é porque há tante" de prestígio e rendosa, o adolescente com identidade negati-
confusão nas identificações introjetivas com os outros. va poderá fazer com que valham mais os motivos de evitação (Zy-
Todo conflito em relação à escolha de uma maneira de ser, towsky, 53); e, portanto, não querer estudar, manter esta oposição
através de algo que fazer (de uma ocupação), expressa uma não- ao grupo familiar, convertendo-se em péssimo aluno, e chegar ao
integração de identidades diversas. Todas as dúvidas do jovem a fracasso, para demonstrar, desse modo, que é o oposto do que os
respeito de "quem quer ser" obedecem a identificações que ainda pais querem que ele seja. A identidade negativa, surgida da identi-
não se integraram. Quando estas identificações se integram e per- ficação com os valores recusados pelo grupo familiar, serve para
dem o caráter defensivo ou protetor original, o adolescente alcan- cumprir a função de diminuir ansiedades persecutórias. (,: Ullla
çou sua identidade ocupacional. forma de submissão ao temido. Quando a identidade negativa s111
As identificações ocorrem durante toda a vida. Embora as ge da identificação com personagens ou com grupos "111:111s''.
identificações de uma pessoa que tenha atingido sua identidade segundo os valores desse adolescente, pode-se falar de 11111:1id,·1111
II O quadrode referência
Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica

f'icação com o agressor. Todo "agressor" externo representa, como realidade; e o de ensaio, que se estende dos 22 aos 24 anos. Ncsk.
depositário, uma característica interna temida pelo grupo e/ou o indivíduo localiza uma área da realidade, discriminada unlrL"
pelo indivíduo. Essa característica interna, o "que não se deve todas as demais, escolhe-a corno própria (sobre a qtlal pode agir) e
fazer", o que "não se permite fazer", "o que não se quer ser", é o se relaciona mais diretamente com ela.
que o adolescente revela como sua identidade. "Sou o que não de- Em geral, é fácil perceber que a extensão da carreira universi-
veria ser, o que não quero ser, o que não me permito ser." tária se inclui na etapa de exploração. Portanto, não é raro que
durante a mesma reapareçam crises vocacionais. Raro seria que
não aparecessem. Isto justifica que a conclusão da carreira univer-
Desenvolvimento da identidade ocupacional sitária suponha uma reedição da crise vocacional, nascida no mo-
mento inicial. Hipoteticamente, segundo o modo como se haja ela-
Segundo Ch. Bühler (1 O),a vinculação dos indivíduos às ocu- borado a escolha da carreira, o profissional graduado relacionar-
pações passa, evolutivamente, por cinco etapas e cada uma delas se-á com seu campo de trabalho.
oferece características e determinantes específicos. A terceira etapa é a do estabelecimento. Estende-se dos 25
A primeira é a do crescimento. O desenvolvimento da voca- aos 44 anos e tem dois momentos. O primeiro, de ensaio, que su-
ção estende-se até os 14 anos, segundo Super (47). Nesta etapa, põe uma mudança de áreas, implica todas as vicissitudes relacio-
predominam, sucessivamente, asjántasias, os interesses, as capa- nadas à escolha de campos de trabalho, dentro de uma mesma pro-
cidad~s. Entre os 4 e os 1O anos, a vocação está determinada pela fissão: em que, onde, corno trabalhar, com quem trabalhar, em que
fantasia, que expressa necessidades básicas da criança. O interesse tarefa, em que especialização, etc. O segundo momento, de estabi-
passa a primeiro plano entre os 11 e 12 anos. Aqui, já não se fala lização, é puramente criativo do ponto de vista pessoal e mais cla-
de necessidades, mas de gostos (em termos motivacionais falar-se- ramente reparatório. Seguem-se outras duas etapas, urna de manu-
ia de "necessidades", baseando-se em modelos de busca de estí- tenção e outra de declínio, na qual surge urna desaceleração, liga-
mulos ou de objetos). da a atividades menores, urna preparação para a aposentadoria e,
Os interesses cedem lugar às capacidades entre os 13 e os 14 logo, um período final de aposentadoria.
anos. Elas passam a predominar em função da aprendizagem do Um esquema reduzido mostraria três grandes etapas:
jovem, principalmente em seu período escolar. As habilidades que a) Escolha fantasista (até a média adolescência).
o jovem reconhece cm si mesmo são urna função do treinamento b) Tentativa de escolha (na qual conjugam-se interesses, capa-
L,srnlar. !\ escola primária lhe oferece a oportunidade de provar cidades, sistema de valores, etc., com algum projeto vocacional).
su,1 habilidade cm diferentes tipos de tarefas. Neste período de e) Escolha realista (que compreende: CI exploração de
crescimento, o autoconceito (auto-imagem, identidade) assenta-se uma área da realidade; C2 = cristalização de um vínculo com urna
sobre a base da identificação. área da realidade; e C3 especificação do vínculo com uma área
De acordo com Bühler, a segunda etapa é a exploração. Para da realidade. (Ver Super, 48.)
Super, estende-se dos 15 aos 24 anos. O autoconceito não está cen-
trado somente nas identificações, mas, predominantemente, no de-
sempenho de papéis. Há uma discriminação maior. Super divide a O explorador
etapa em três momentos: o das tentativas, entre os 15 e os 17 anos,
em que a escolha dos papéis vai ser exercitada sobre a base da fan- O momento em que o adolescente comparece à entrevista('. P
tasia; o de transição, entre os 18 e os 21 anos, em que há urna da exploração. De modo que nunca um processo de ori<.:nta<;au
maior consideração da realidade, que permite cotejar as necessida- vocacional terminará com a plena consolidação de uma idc11Iid:1111-
des, os gostos e os interesses com as oportunidades que oferece a profissional. Isto ocorrerá muitos anos depois.
.J(, I .
__ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência__ _ __ __ ____

O termo "exploração" é útil porque sugere a idéia de alguém situação dilemática, o adolescente começa a demonstrar situar.,,·
que penetra num lugar desconhecido. Há adolescentes que "se numa situação predilemática: "Não tenho problemas, os outros ljlll'
animam" a ser exploradores e adolescentes que "não se animam". se arranjem." 1

O explorador sabe o que vai explorar e com que equipamento de e) Na situação problemática, o adolescente parece realmente
exploração. Da síntese destes dois fatores surge o conceito de preocupado. Caracteriza-se pelo fato de que as ansiedades são mo-
situação. deradas, podendo ser persecutórias ou depressivas. Em geral, nesta
A situação designa a percepção que o adolescente tem daqui- situação, os adolescentes oscilam rapidamente entre ansiedades
lo que vai explorar e daquilo com que pode contar para a tarefa. persecutórias e depressivas, em momentos separados da entrevista.
As situações podem ser de quatro tipos, segundo o acúmulo São momentos de criação. Os conflitos são bivalentes, há mais dis-
de ansiedade, o tipo de conflitos e as defesas evidenciadas no com- criminação, menos confusão, mas não há, todavia, integração.
portamento do adolescente: predilemáticas, dilemáticas, proble- Diante desta situação, as posições que formulam são dicotômicas:
máticas ou de resolução. "Gostaria de tal coisa para me realizar, mas aquela outra me daria
a) Quando a situação é predilemática, o adolescente tem o as- dinheiro"; "Tal coisa agrada a meus pais, mas esta é que me agra-
pecto de alguém a quem "não acontece nada". É o adolescente que da"; "Sou hábil para tal coisa, mas ela não me interessa"; ou, tam-
não se dá conta de que deve explorar. Em geral é o adolescente que é bém, "Sei do que gosto, mas não sei o que fazer", ou "Sei o que
trazido à entrevista e não sabe para que veio, por que veio e que fazer, mas não sei do que gosto".
interesse tem nisso. Nem sequer parece perceber que deve esco- As defesas que surgem são a projeção, a negação e, às vezes,
lher. São adolescentes muito imaturos e que estabelecem uma re- o isolamento, quando um dos termos do conflito é o afeto: "As coi-
laçtíofilio-paterna com o psicólogo, o que nos revela defesas in- sas de que gosto são as que me preocupam." Então, os sentimentos
!cnsas e que consistem, principalmente, na delegação por identifi- pelo objeto a que está vinculado são isolados, e já não se sente tão
caç,1o projetiva. Os conflitos são ambíguos, há confusão entre ego preocupado: "desaparece meu problema, converto-me num técni-
e não-ego, que se evidencia, também, pelo fato de que são os pais co que escolhe, que julga com absoluta objetividade e sem ne-
que os trazem para a entrevista, o que quer dizer que eles se encar- nhum comprometimento emocional". É diferente o isolamento da
regam de uma função do ego, que é a antecipação. negação, que um adolescente faz quando sua situação é predilemá-
b) Situação dilemática é aquela em que o adolescente se aper- tica. Trata-se, por exemplo, de um isolamento e se expressa: "Sei
cebe de que alguma coisa acontece, que existe algo importante ao que gosto da Engenharia, mas não me sinto capaz em Matemática;
seu redor, algo importante que deve fazer. Até este ponto, pode então, a Engenharia não me agrada." Ao contrário, o adolescente
ver-se "invadido" pela urgência, de tal modo que a ansiedade terá que demonstra sua escolha em termos predilemáticos não sabe
características confusas, expressas, por exemplo, no medo de que, exatamente do que gosta, nem do que não gosta; não sabe nem o
se não escolher alguma coisa, nunca deixará de ser adolescente ou que pode, nem o que não pode fazer.
nunca se separará da escola de segundo grau. d) O quarto tipo de situação é de resolução. Os conflitos que
Quanto aos conflitos, são ambíguos e ambivalentes. Não há surgem são ambivalentes e combivalentes4. Já não há amor nem
uma clara discriminação entre a parte e o todo. Nesta situação, os ódio com relação ao objeto que se abandona, porque se elaborou a
adolescentes se confundem e, na realidade, quando falam de car- separação do projeto anterior, que se deixou de lado. O termo rcso
reiras, estão falando de matérias; quando falam de matérias, estão lução serve para sublinhar o fato de que se trata de encontrar 11111:1
falando de profissões; quando falam de professores, estão falando solução para o problema e que será encontrada, do mesmo 1nodo
dos pais, etc. As defesas mais salientes são: a dissociação, a identi- como se solucionaram problemas anteriores, que implil·:1v:1111
ficação projetiva maciça e a negação. Se aparece uma negação da escolhas e, portanto, a elaboração de lutos. (Ver Grinbcr,•., 1'l l
-IS
Orientação
vocacional
-A estratégiaclínica O quadrode referência
,.,
As defesas que aparecem podem revelar regressões esporádi- Este problema, na Psicologia moderna, é tema das kll11:1:: ,L1
cas, nas quais o psicólogo percebe que a escolha,já "cozinhada", é motivação, que, entretanto, se debatem diante_de grandes dilL-111;1::
momentaneamente abandonada pelo adolescente, que, por esse Por exemplo: assumem-se comportamentos para reduzir tcns< ►L·i;.
motivo,sente-sesumamenteindefeso.Isto expressaalgo que é muito ou melhor,para procurar estímulos?
importante -· o adolescente descobre sua solidão frente à escolha Até hoje, nenhuma das teorias encontrou suficiente evidência
de seu futuro. É natural que se sinta mal e que queira, a todo custo, empírica que a fizesse invalidar as demais6.Supõe que as pessoas
voltar a uma situação anterior de dependência,porque se deu conta fazem alguma coisa "por" alguma coisa e que a fazem "para" al-
de que seu destino é escolhido por ele mesmo. É ilustrativo que guma coisa, entretanto essa coisa não está claramentedefinida.
eles falem de "parto". Dão a impressão de que estão cansados, mas Pode-separtir do produto que, no caso da orientaçãovocacio-
contentes. Quando predomina o cansaço, apelam para comporta- nal, é a identidadeocupacional,produto de "alguma coisa" que se
mentos regressivos: "bem... não quero mais pensar"; " ...não quero deu na pessoa que escolhe. Esse algo, que determina a identidade
mais discutir"; " ...não quero mais voltar, diga-me o que tenho que ocupacional,se denomina identidadevocacional. ..
fazer; já lhe dei o prazer de vir a tantas entrevistas e pensar e me Uma pessoa tem identidade ocupacional, ou melhor, adqumu
desorientar". sua identidade ocupacional, quando integrou suas diferentes iden-
tificações e sabe o que querfazer, de que modo e em que contexto.
Outras defesas que surgem são: a esquiva, por exemplo, das
Portanto, a identidade ocupacional incluirá um quando, um à ma-
carreiras abandonadas, do colégio abandonado; a onipotência, li-
neirade quem, um com que, um como e um onde.
gada à idéia de escolher todas as carreiras; ou a identificaçãopro-
Ao contrário, a identidadevocacíonalé uma resposta ao para
jetiva, que se manifesta, por exemplo,quando diz que quer ser um
que e aopor que da assunção a essa identidade ocupacional.Dizer
"profissional como você"5•
por que uma pessoa assume, ou decide assumir, detern:inada iden-
tidade ocupacional leva, necessariamente, a uma teona da p~rso-
nalidade. Assim, por exemplo, dizer que a identidade ocupacwnal
Vocaçcio.Identidade vocacional.Identidade ocupacional é parte do "estilo de vida" de uma pessoa baseia-se nu1;1enquad~e
teleológicona análise de comportamentoe sustentar-se-aessa posi-
Durante muito tempo, o conceito "vocacional" foi considera- ção numa hipótese, implícita ou explícitamente,finalista (à manei-
do como explicativoda escolha de uma carreira ou trabalho. Tinha ra de A. Adler,por exemplo).
o valor de uma variável independente ou interveniente, pelo que No contexto das teorias psicanalíticas da personalidade,tor-
remetia a alguma teoria da motivação. Em geral, esta permanecia na-se tentador considerar as identidades ocupacionais como a ma-
indefinida, ainda que se falasse vagamente de "tendência", "dese- nifestação de processos de sublimaçãode instintos. Isto já aparece
jo", "inclinação", "predisposição,"dom" (set), etc. esboçado em alguns trabalhos de Freud e de outros psicanalistas,
Na análise do conceito de "vocação", percebe-se que, em lu- quando interpretam o porquê das profissões.
gar de ser um dado explicativo,é na realidade algo que deve ser ex-
plicado. Diz-se que alguém está contente com a carreira de licen-
ciado em Matemáticaporque "tem vocação para a Matemática". T1Jcação
e reparação
Mas, para se aprofundar um pouco, deve-se indagar por que tem
vrn::u,:fiopara a Matemática. Possivelmentemais útil do que o conceito de "sublimaçfio"
< > problema é bastante profundo, porque, em última análise, seja o de "reparação", surgido da escola inglesa de psicanálise. S11
, kw :;t: considerar por que as pessoas fazem alguma coisa, em gere-se entender a reparação como uma variável independcnk t· ;1
1111•;11d,· 11:'10 fazernada. identidadeocupacionalcomo uma variáveldependentedd:i.
50 O quadrode referência _ 'l
Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica

Entre nós, Wender ( 51) postula a hipótese de que as voca- Quanto à reparação, deve ficar claro que nunca é total, pois 11;1
ções expressam respostas do ego diante dos "chamados" interio- realidade tal coisa é impossível. Na fantasia pode sê-lo, mas rn10l'.·
res, chamados de objetos internos prejudicados, que pedem, isto o que, na teoria kleiniana, se entende por autêntica reparaçfü>,
reclamam, exigem, impõem, sugerem, etc., ser reparados pelo porque uma reparação total e absoluta, uma restituição integral do
ego. objeto que, na fantasia, considera-se danificado, corresponde a
A escolha da ,carreira mostraria a escolha de um objeto inte- uma fantasia onipotente. (Portanto, não se trata de uma reparação
rior a ser reparado. Isto significa que a carreira seria uma resposta autêntica, mas de uma pseudo-reparação.)
do ego (o invocado) a um objeto interior danificado (invocante). Finalmente, para que estes processos, derivados de desejos e
A reparação tem diversos sentidos. Alguns textos falam de re- da capacidade de recriar, se cumpram, deve-se supor um ego capaz
paração como "impulso", outros como "tendências" (no plural); de: a) aceitar a realidade; b) tolerar a dor; c)fazer-se responsável
por seu ódio a respeito do objeto que, simultaneamente, era ama-
noutros casos, fala-se de "comportamento reparador".
do; e d) desenvolver comportamentos, na fantasia e na realidade,
Por "tendências reparatórias" entendem-se, então, manifesta-
que procurem reconstruir esse objeto danificado.
ções de um instinto, possivelmente o da vida. Ao contrário, com-
O conceito de reparação, que parece explicar muitos compor-
portarnentos reparatórios indicam uma variável dependente, que
tamentos, também deve ser explicado, porque não se pode falar de
por sua vez deve ser explicada.
reparação se não se postula um ego capaz de realizá-la. Um ego
De um ponto de vista descritivo, este conceito refere-se a
"forte", capaz de assumir comportamentos reparadores e que, ao
"comportamentos que expressam o desejo e a capacidade do sujei- reparar, na fantasia e na realidade, torna-se ainda mais forte, por-
to de recriar um objeto bom, exterior e interior, destrnído" (IIanna que restaura o objeto interior bom, danificado na fantasia, que o
Segal, 45; M. Klein, 26, 28, 29). proteje de maus objetos interiores. E isto se dá, fundamentalmente,
Deve-se esclarecer que, quando se diz que expressa o desejo, porque o êxito das tentativas reparatórias mostra, ao ego, sua capa-
por desejo pode-se entender um impulso, um instinto, uma tendên- cidade de pôr fim, limites, à onipotência de seu ódio e de sua des-
cia ou a manifestação destes. truição.
Possivelmente a reparação seja uma manifestação do instinto Se o ego não é forte e não suporta a ansiedade depressiva ge-
de vida, segundo se depreende dos textos kleinianos. E é assim rada pela perda, a causa da própria agressão ao objeto bom, do
principalmente porque a reparação põe um fim à destruição, que, qual depende, empregará, basicamente, dois tipos de comporta-
explicitamente, é manifestação do instinto da morte. A dialética - mento defensivo. Diferente do ego forte, que percebe a realidade,
instinto de vida/instinto de morte - traduz-se em condutas polares aceita-a, tolera sua ambivalência e consegue realizar tentativas re-
de destruição-reparação (construção). paratórias, apelará a duas defesas lógicas: a dissociação e a nega-
Quando se fala de um objeto bom destruído, deve-se esclare- ção. Dissociará a relação entre ego e objeto, como forma de anular
cer como se produz essa destruição. Para Melanie Klein, a destrui- a dependência deste. Negam-se duas coisas, fundamentalmente: o:,
ção se produz "na fantasia" (S. Isaacs, 24), isto é, a destruição do limites da onipotência (toda onipotência supõe uma negação) e :1
objeto pode ou não ser real. O que destrói o objeto é o ódio, isto é, autonomia do objeto (visto que se sente danificado o objeto, obje-
um derivado do instinto de morte. to de ódio e agressão, quando não o está; e uma forma de se de k11
Quando se fala de um objeto bom destruído, deve-se esclare- der disto consistirá em negar a autonomia do objeto). Quando l;d
cer que, se o objeto bom é objeto de destruição, isto se deve a que, se realiza, poder-se-á falar de tentativas de controle do ohjl'lo.
além de ser amado, é odiado. Daí concluímos que o vínculo com o Estes são os dois mecanismos lógicos que dctcrllli11:1111 11111.1
111l·s1110
é ambivalente. tríade de comportamentos maníacos: desprezo, co11tn>I,· (' 1111111/, 1
52 ____ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica de referência_ __
<J ,111adro ___ _ ___

Cada um destes sentimentos implica alguma negação da relação Estas são as qualidades de reparação que se distinguc111 11;1
com o objeto. Por isso, quando o desprezo, o controle e o triunfo prútica e que impregnam os projetos vocacionais de muitos adoles-
estão presentes nas tentativas reparatórias, contaminando-as, falar- centes. Podem apresentar-se outras modalidades.
se-á de pseudo-reparações ou reparações maníacas. É possível, ainda, distinguir entre as modalidades e as formas
Para se reparar autenticamente, toma-se necessário reconhe- concretas de reparação.
cer a culpa e, numa reparação maníaca, a culpa é negada. Através Estas dizem respeito a com o que se repara e à maneira de
do desprezo, negam-se os aspectos bons do objeto; mediante o quem se repara. O "com o que" refere-se a objetos e instrumentos.
triunfo, nega-se a perda do objeto e os sentimentos de abandono Será qualquer objeto externo: os animais, o corpo, as pessoas, as
relativos a ele; e, finalmente, pelo controle, nega-se a autonomia idéias, o universo, as estrelas, os automóveis, as casas, etc. A
do objeto. expressão "à maneira de quem" refere-se a processos de identifi-
Em orientação vocacional, um adolescente que diz: "Não
cação e suas resultantes.
importa que meu pai não esteja de acordo com o que quero estu- Uma reparação de modalidade "x" pode ser realizada à manei-
dar, porque o conheço muito bem e sei que, dentro de dois meses,
ra de um bombeiro, de uma professora, de um químico, de um
vai me dar razão", é um exemplo deste tipo de comportamento.
arquiteto, de um desportista. Assim, por exemplo, uma reparação
Na fantasia, está se controlando a autonomia do objeto - o pai
compulsiva pode concretizar-se ao se trabalhar com crianças à
- capaz de aprovar ou desaprovar o comportamento de escolha.
maneira de um dentista. Uma reparação autêntica pode ser concre-
Outro exemplo se apresenta, em orientação vocacional, quan-
tizada com grupos, à maneira de um professor, etc. Significa, por
do, ao se aproximar o final do processo, o adolescente não apare-
exemplo, que a "vocação" de médico deverá ser definida por um
ce para a última entrevista e, dessa forma, consegue obter uma
com o que e um à maneira de quem, mas, além disso, segundo uma
entrevista a mais. Em sua fantasia, controla o objeto (psicólogo),
modalidade predominante da reparação implícita em sua ocupa-
que é autônomo, e, portanto, pode determinar quando terminará o
processo. ção. Somente assim entender-se-á sua identidade ocupacional.
Pode-se, então, distinguir duas qualidades básicas de repara- Tome-se o exemplo de um adolescente que diz querer ser as-
ção: uma reparação autêntica e uma reparação maníaca. trônomo. Vê-se que o "com o que" são os astros, mas sua "à manei-
Além dessas, pode-se acrescentar outros tipos ou modalida- ra de quem" pode ser como um investigador, ou um mago, ou à
des de reparação, segundo suas formas: uma reparação compulsi- maneira de quem, ele supõe, sejam os astrônomos (por exemplo,
va, quando a culpa persecutória, suscitada pela destruição do ob- alguém mais parecido a um físico do que a um astrônomo), ou à
jeto na fantasia, é tal que impõe, ao ego, atividades sumamente maneira de um biólogo (interessado em investigar se há vida, ou
exigentes. O ego funciona de um modo hipermoral, rígido, autori- não, em outros planetas), etc.
tário, realizando comportamentos que, em lugar de reparar os Para diagnosticar sua identidade profissional, porém, deve-se
objetos na fantasia, danificam-nos cada vez mais (ou podem ché- entender se sua reparação tem o sentido de uma reparação autênti-
gar a danificá-los cada vez mais) e que restringem a autonomia do ca, maníaca, compulsiva, melancólica, etc.
sujeito. Não existe uma relação mecânica entre o objeto que se csco
Outro tipo de reparação, melancólica, possui matizes auto- lhe e à maneira de quem se há de vincular com o objeto, nem c11ln·
destrutivos, como se a única maneira de reparar o objeto fosse des- este e o tipo de reparação implicada.
truindo-se a si mesmo. Neste caso, ao se atacar e eventualmente De acordo com este esquema, a carreira que se escolhe sL·11;1 ;1

destruir o ego, está se atacando o objeto com que~ ego se identifi~ depositária exterior do objeto interno, que pede para ser rq1;11;11I<>
cou, ao invés de repará-lo. E a relação - o vínculo - com a carreira (objeto cxll'rno) t·::l.11.1
54 _______ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência_ __ __ __

U)
determinada pela modalidade de reparação implícita na rela<,:i10
::s
r.Ll
l':i
(1.)
bJ)
com o objeto interno danificado.
o ro
.§ .;!:
Para fazer-se o diagnóstico da identidade ocupacional é ne-
CI CIÔ
o cessário ver o que o objeto interno está reclamando, uma vez que
r.Ll
Q
so '<1.l
o,
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pode estar reclamando cuidado, atenção, reconstrução, etc., e este
u o, "O
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U) (1.)
(1.) U) U)
"pedido" pode ser feito de modos diferentes: como exigência, sú-
r.Ll 'ºo- º8l':i º8l':i
ro plica, reclamação, etc.
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l;:1 U) ·e As modalidades de reparação assinalarão o tipo de vínculo
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8 com as carreiras e profissões e, considerados com que instrumen-
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o, o
..-l tos se repara, em relação a qual objeto externo se realiza a repara-
o
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ção e à maneira de quem será executada a reparação, mostrar-nos-
::s ão qual é a qualidade objetiva da carreira.
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Entre outras coisas, isto é útil para se entender como um ado-
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Filosofia, pois, na melhor das hipóteses, para ele significa exata-
......, mente o mesmo e justamente o que surpreende a seu ego conscien-
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p., ::s~ balha. Isto diz respeito tanto a objetos como a instrumentos.
r.Ll Do ponto de vista teórico sugerido, o objeto com que se traba-
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11.l ::su o entendendo-se reparação num sentido amplo, pode-se di1L'rqw·,,
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criar).
56
Orientaçãovocacional- A estratégiaclínica O quadrode referência

O trabalho supõe um como, um vínculo com os objetos, o que Está definindo quem vai ser, ou seja, está dscolhendo u111 11:i
se denomina "modalidade" de reparaçãoe que esclarece o vínculo pel adulto e, para fazê-lo, não pode se basear noutra coisa qul: rn1u
que o trabalhador tem com os objetos e instrumentos de trabalho o "quem" é.
( analisado em nível psicológico, exclusivamente). Embora confuso, esse quem é é produto de múltiplas identifi--
Como comportamento, o trabalho supõe um por que. O termo cações, que podem ser contraditórias, opostas, dissociadas ... Ao
reparação refere-se a uma saída de um conflito e é, portanto, um escolher, está fixando quem deixa de ser, está escolhendo deixar
conceito estritamente dinâmico, pois, quando se diz que esse como de ser adolescente, deixar de ser outro profissional, está optando
é uma modalidade de completar-se a reparação, o por que do com- por deixar outros objetos. Na medida em que escolhe, deixa, e este
portamento de trabalhar suporá (a partir da perspectiva do sujeito) é outro motivo para dizer que a escolha ocupacional, como qual-
conflitos que determinam seu comportamento. quer outro comportamento, supõe conflitos, e modos de enfrentá-
Como comportamento, o trabalho supõe um quem. No nosso los e resolvê-los.
caso, esse alguém é aquele que escolhe. Esse "quem" define-se Deixam-se objetos e formas de ser. Por isso, a escolha da car-
quanto à sua relação com os demais, isto é, sobre a base de identi- reira supõe, sempre, a elaboração de lutos.
ficações com os outros, que decantam numa identidade. Esse Segundo Lucy Wolf ( 52), os lutos se realizam principalmente
"quem" é histórico, isto é, um quem que tem um passado, a respei- em quatro situações: a) luto pela escolha secundária; b) luto pelo
to do qual pode ter maior ou menor autonomia e, também em ter- paraíso perdido da infância; e) luto pela imagem ideal dos pais; e
mos históricos, tem um projeto, que é a maneira antecipada de rea- d) luto pelas fantasias onipotentes.
lizar comportamentos. Em resumo, o adolescente deve elaborar lutospor objetos que
Além disso, o comportamento de trabalho supõe um quando deixa, que perde (por exemplo, a escola secundária, seus colegas,
e onde. Estes "quando" e "onde" são o contexto social ou, em professores), e lutos pelo selj: outros projetos, outras carreiras, sua
onipotência, etc.
outros termos, de forma mediata, a instituição trabalho e, de forma
Um luto bem elaborado (Grinberg, op. cit.) supõe que se
imediata, a instituição educacional, que vai prepará-lo para ingres-
sar naquela. possa tolerar os sentimentos de culpa face ao objeto e face a si
mesmo, experimentados em toda separação. Experimenta-se culpa
Deduz-se que o momento de escolha de ocupação ou de estu-
diante de si mesmo, porque quem deixa alguma coisa sente o ego
dos é o momento em que o adolescente deve elaborar,antecipada-
empobrecido pela separação desses objetos, pois, em relação a
mente, este comportamento.O momento da escolha é um momento
eles, ocorreram identificações projetivas, e separar-se desses obje-
de ensaio antecipado deste comportamentojitturo.
tos supõe o separar-se de partes do self.
Assim, o adolescente se compadece não só pelo colégio que
abandona, como também por partes de si mesmo que se identifica-
Escolha e luto ram projetivamente com esse colégio que deixa.
Experimenta-se, também, culpa pelo objeto, porque fantasia -
Portanto, quem escolhe não está escolhendo somente uma se que a separação, isto é, o abandono do objeto por parte do ego,
carreira. Está escolhendo "com o que" trabalhar, está definindo implicará atitudes retaliativas de parte do objeto, tal como o ah:111
"para que" fazê-lo, está pensando num sentido para a sua vida, está dono do ego por parte de outros objetos detenninou atitutks n·
escolhendo um "como", delimitando um "quando" e "onde", isto taliativas do ego diante deles (agressão).
0, está escolhendo o inserir-se numa área específica da realidade Se as fantasias predominantes são retaliativm; (dos ol11l"l11:.
ol:upacional. abandonados e do ego abandonado), fala-se de culpa 11,,,.s, ·,·111"1'"
__ Orientaçãovocacional~A estratégiaclínica O quadrode referência

<> sentimento que predomina é o ressentimento e as atitudes mais da conduta reparatória realizada sobre objetos, cqmo o estudo 1>11
manifestas são a crítica e a autocrítica. os livros, os pais, etc., mas desatende ao self. Portanto, o ohjL·lo
No caso concreto da orientação vocacional, o predomínio des- interno reclamante se mantém atuante e cada vez com maior inten-
te tipo de culpa pode ser responsável por vários comportamentos, sidade.
que aparecem em todo o processo. Por exemplo, o medo de esco- Assim como na culpa persecutória o sentimento que predomi-
lher o que gosta, por sentir que isto implica um abandono das ex- na é o ressentimento, na culpa depressiva o sentimento que predo-
pectativas que seus pais colocaram em relação a si ( simbolicamen- mina é a tristeza. Porém o ego não se entrega a ela, mas, ao contrá-
te, um ataque aos pais e o conseqüente medo de ser atacado por rio, tem um progressivo desejo de viver, de lutar, de reparar auten-
eles). Isto pode manifestar-se concretamente através de censuras ticamente o objeto danificado.
aos pais, que freiam e opõem obstáculos, quando, na realidade, tal Estes sentimentos de culpa e a maneira de manejá-los têm,
coisa não ocorre, ou através de autocensuras, por fazer o que se possivelmente, sua matriz em estados bem precoces do desenvol-
quer e não o que os outros querem. vimento, talvez no momento exato do nascimento. Mas, sem ir tão
Pode também determinar o abandono de projetos valiosos, longe, esta culpa relaciona-se a situações mais próximas, como,
acalentados durante muito tempo, porque se sente que o concreti- por exemplo, a rivalidade com os pais, acentuada, entre outras,
zá-los implica desatender outros aspectos do self, que reclamam pelo reativamento da situação edipiana durante a adolescência. A
atenção. rebeldia, a rivalidade e a hostilidade são fontes de culpas referen-
Por exemplo, um adolescente que quer estudar Biologia pode tes a situações mais recentes do que o nascimento ou o desmame.
sentir-se culpado e censurar-se por tal gosto, porque entende que, O jovem pode sentir culpa pelo fato de que os pais lhe dêem per-
ao concretizá-lo, desatende a outra vocação, que poderia ser a mú- missão para escolher ou de que o psicólogo lhe ofereça a oportu-
sica. Esta situação poderá levá-lo a se autocensurar, porque não é nidade de escolher, porque pode senti-lo não como algo natural,
capaz de seguir sua "autêntica" vocação. Sentir-se-á "perseguido"
mas como algo roubado, expropriado, obtido através de "travessu-
por essa parte de si mesmo, ligada à música como projeto.
ras", etc.
Podem-se determinar "patologias diante do êxito", por exem-
O adolescente que escolhe e que aceita crescer de certo modo
plo, bloqueios intelectuais diante da tarefa concreta de estudar ou
"destrói", desestrutura o grupo familiar, pois está dando o grande
diante dos testes. São formas de autoboicote, baseadas na culpa
salto, ou o primeiro grande salto, no sentido da separação do grupo
"por estar crescendo" que, ainda que aparentemente absurda, pode
familiar, o que supõe uma enorme reestruturação, não só de si
refletir a culpa persecutória diante dos pais de sua adolescência, do
self infantil, dos colegas, dos professores que são deixados, etc. mesmo, mas de todo o grupo familiar. Isto é motivo suficiente para
A esta forma, que é uma forma bivalente, paranóide, da culpa, , sentir-se culpado.
contrapõe-se outra, chamada, por suas qualidades, de culpa depres- Porém, se é certo que destrói, também é certo que, ao esco-
siva: o temor à retaliação e o medo do ataque por parte do objeto ou lher, converte-se em depositário do papel reparatório, presente cm
do self são substituídos por comportamentos reparatórios. toda estrutura (também na estrutura familiar). Este papel repara!ú-
A reparação, quando a culpa é depressiva, realiza-se sobre o rio é assumido pelos membros do grupo familiar, alternada 011
sclf e sobre o objeto. Grinberg esclarece que uma autêntica repara- estereotipadamente, segundo o tipo de grupo familiar. Mas é se111-
ção deve dar-se, previamente, sobre o self. Somente assim haverá pre o adolescente que o assume quando escolhe a carreira.
urna autêntica reparação de objetos. Isto permite entender o sentido que têm as expectativas p:11,·1
Por exemplo, um adolescente pode manifestar: "Vou estudar nas e fraternas a respeito da carreira que o adolescente escollw
muito, para convencer meus pais de que estou apto a seguir enge- Toda a família depende da escolha, porque inconsL-iL·11k111rn
11liaria."Essa forma de estudar revela uma qualidade compulsiva te transfere ao adolescente o encargo da reparação de lodo ,11•1111
)(•
(1()
Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência

Todos os "pressupostos básicos" dos grupos estudados por capacidade para perceber a realidade e suportar a ambivalê11ri:1
Hion podem ser detectados na situação familiar, quando o adoles- diante dos objetos.
cente escolhe: de dependência, diante do projeto do adolescente; Se estas possibilidades são detectadas num adolescente, o ca-
de acasalamento, a respeito do par adolescente-carreira, onde o so apresenta um bom prognóstico. Se algwna destas duas condi-
''messias" é a decisão ou o êxito; de ataque e fuga, com relação ao ções funcionais não está presente (capacidade para perceber a rea-
adolescente que tem a possibilidade de escolher, quando os pais já lidade e suportar a ambivalência diante do objeto) então, tratar-se-á
têm sua identidade ocupacional bem ou mal consolidada ( o que seguramente de um caso dificil.
pode provocar ataques invejosos por parte dos pais). Em orientação vocacional, o processo de elaboração passa por
O adolescente sente exigências, sempre, por parte de dois três etapas, que têm sinais característicos.
objetos reclamantes: um objeto interno e o objeto "família", o que A primeira etapa é de lamentação (uma lamentação raivosa).
toma a situação mais confusa. Por exemplo, o adolescente queixa-se de que, "se houvesse estuda-
Esta situação manifesta-se não só quando o adolescente quer do em outro colégio, então ..."; queixa-se de que, "se houvesse pres-
seguir uma carreira e os pais manifestam sua oposição, mas tam- tado mais atenção aos professores ..."; "se o tivessem ensinado
bém quando os pais lhe dizem: "Bem ... Segue o que quiser; saberá melhor e se houvessem se preocupado antes ..."; "se os pais fossem
o que há para fazer, mas faça alguma coisa ..." Neste caso, delegam milionários"; "se em casa houvesse uma boa biblioteca ...", então
a ele toda a responsabilidade, e o adolescente, então, sente-se mais não teria os conflitos que tem.
abandonado, mais sozinho, com maior raiva contra os familiares e, Neste momento de lamentação, a acusação se expressa como
portanto, com muito mais culpa. nota manifesta ( auto-acusação e alo-acusação).
A idéia do papel reparatório, sugerida por Pichon-Riviere Desta etapa passa-se a uma segunda, de decepção e desespe-
(42), torna-se útil para se entender o sentido do chamamento exte- ração. Desesperação no sentido de "des-esperar" que algo vai ser
rior do grupo familiar. Na realidade, trata-se de dois gruposfami- alcançado, de que "não pode fazer nada", de que "não pode resol-
liares: o grupo externo e o grupo interno; e as exigências de wn e ver", de que "esta sociedade é wna porcaria", de que "os valores
outro podem ser contraditórias, estar dissociadas ou integradas. que tinha não servem para nada".
O que dissemos aprofunda a idéia de que o adolescente que Este momento desempenha um papel funcional muito impor-
escolhe sente-se, sempre, frente a um conflito de dependência-in- tante porque nele o jovem rompe com os antigos padrões de com-
dependência. Este é, ao que parece, o cenário de sua insegurança. portamento. É um momento em que examina seus sistemas de
Mas o sentido profundo é dado pelos reclamos, aos quais respon- valores, sua ideologia e suas relações com os objetos.
derá com três formas básicas de separação: rebeldia, submissão, Do ponto de vista clínico, a maior dificuldade para o psicólo-
rivalidade. go, no processo de orientação vocacional, consiste em poder tole-
Se os sentimentos de culpa são tolerados, o luto pode ser ela- rar esse momento de desesperação e desesperança sem se afligir.
borado. Isto supõe que os aspectos do se(fligados a objetos e situa- Este momento faz renascer, no psicólogo, seus próprios sentimen-
1,:õcsperdidas possam ser discriminados. tos de desesperança quando escolheu sua carreira e é provável quL·,
O adolescente deve poder detectar, distinguir e separar as par- por isso, apele para comp01ian1entos suavizantes, como o com:ell11,
les de si mesmo e que depositou nos objetos que deixa ( ou que dei- ou a sugestão para que "creia em algwna coisa" ou "tcnlw li'.·l'III
), e reintrojectar estes aspectos. Isto supõe duas condições: do
:-,;:1111 algwna coisa".
po1110de vista histórico-genético,quer haja feito uma boa elabora- Se este momento é tolerado, o terceiro momento a s1111•.i1 ,· "
i;;1t,da posição depressiva e do ponto de vista funcional, quer tenha de separação. Separação do antigo, daquilo que dcix:1dl' si l\b111
fl.! _____________Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência

lesta-se através de um sentimento peculiar de que os objetos são às M. Klein relaciona este sentimento com a fantasia universal do
vezes distantes, às vezes próximos. gêmeo, que representa todos os aspectos "não presentes" no se'//
Por exemplo, um grupo de orientação vocacional atravessava Esta tentativa de "reencontro", que o adolescente procura no
este momento quando foi festejado, no colégio, o dia 9 de julho. momento da escolha, realiza-se, às vezes, numa esfera mágica,
Ao se abrir a reunião, o grupo estava sumamente triste, apesar de através da identificação com alguma outra pessoa, por exemplo
que se estavam iniciando as férias de inverno e de que, até uma ho- um professor que é idealizado pelo adolescente ou um profissional
ra antes, todos estavam muito contentes. Inicialmente, surgem co- que ele conhece e cuja imagem é o modelo do que ele gostaria de
mentários sobre "qual o sentido da orientação vocacional?"; que ser.
"não se pode conseguir nada porque o psicólogo não nos diz o que Esse "quem" representa sempre alguma coisa que gostaria de
devemos fazer para escolher" (etapa de decepção ou desesperan- ter e que não possui. Falta-lhe na fantasia, porque, tendo possuído
ça); que "há outros que não vêm à reunião do grupo, teríamos que esse atributo, perdeu-o em alguma ocasião. Esta é uma das coisas
chamá-los, mas quem vai chamá-los se isto não serve para nada?". que motiva identificações com os outros.
Continuam falando neste tom, até que uma adolescente diz que al- Se o "ideal do ego" descreve uma fonte de motivos axiológi-
guma coisa chama a sua atenção, que não sabe se tal coisa tem ou cos, para os quais se dirige o ego, pode-se entender a ânsia de se
não relação com orientação vocacional, mas que quer contá-la. completar como a busca de algo perdido que tem, mas não "total-
Relata que, durante a festa, ficou muito triste ao pensar que essa mente", que teve em outra época, que quis certa vez e que agora
era a última vez que assistia à festa do 9 de julho no colégio e que não mais possui.
"restam, entretanto, outras festas escolares, mas as férias não me b) Uma segunda alternativa do luto refere-se à onipotência
alegram porque são minhas últimas férias como estudante do perdida.
curso secundário". Quando, em orientação vocacional, a onipotência perdida é
Então, o grupo começou a recordar situações passadas de sua negada, aparece a fantasia de seguir "carreiras monstros". Por
história (era um grupo de formatura): como se conheceram, quan- exemplo, um adolescente dizia que, como o que ele queria saber
do ingressaram no primeiro ano (iam para um colégio onde cursa- não era ensinado em carreira alguma, "vou primeiro estudar Física
ram o primário e o secundário), o que havia acontecido a colegas e Astronomia, para entender como o universo está organizado;
que não iam mais ao colégio, etc. Recordam situações passadas, depois, Biologia, Veterinária e Medicina, para entender os fenô-
vêem-nas distantes no tempo, como algo que nunca mais farão, menos vivos da realidade, tanto nos animais como nos seres huma-
pois já pertencem, inevitavelmente, ao passado, mas ao mesmo nos; depois, Filosofia, para dar um sentido a tudo isso, e Psicologia
tempo falam delas como algo próprio, que lhes pertence como re- e Ciências da Educação, para poder transmitir tudo aos demais".
cordação e experiência. Se tal carreira fosse "inventada" por uma criança de cinco
Outro exemplo claro dos sentimentos despertados pela sepa- anos, não chamaria a atenção, porque nesse momento a escolha se
ração é que, às vezes, nas últimas entrevistas, surgem nos adoles- realiza na fantasia. Entretanto, causar-nos-ia espécie o fato de se
centes fantasias de morte ou sentimentos intensos de solidão. Sen- produzir no momento de escolher uma carreira de maneira realis-
tem, também, que não estão satisfeitos com a decisão tomada, mas ta, pois supõe a negação dos próprios limites e manifesta a incapa-
tristes e deprimidos, ainda que, ao mesmo tempo, sintam uma "ale- cidade desse jovem de renunciar a antigos projetos para adequar-sL·
gria responsável". à realidade.
a) Grinberg, ao referir-se aos lutos pelo self, menciona um c) O luto também se realiza pelo corpo adolescen!c q1w ~,t·
sentimento que expressa a "ânsia de se completar". Algo igual está perde. Isto determina fantasias de "eterna juventude", q1w podrn1
110 "quero me realizar", no "quero me encontrar" dos adolescentes. levar à escolha de certas carreiras.
______ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência____ _

Observa-se tal fato em estudantes de Medicina que tinham, Somente se a experiência de orientação v6cacional é vivid;1
evidentemente, a fantasia de "corrigir" e "curar" o próprio corpo, como "auto-reparação", o estudo - como "preparação para"
trabalhando sobre o corpo dos outros. Num adolescente, esta será experimentado, interiormente, como uma ocupação reparató-
situação era tão imperiosa que pensava em se especializar em ria. Surge daí o valor psicoprofilático da orientação vocacional
cirurgia estética mesmo antes de haver decidido estudar Me- face aos estudos superiores. Caso contrário, nos estudos universi-
dicina. tários haverá interferências de diversos tipos de problemas de
d) O luto também se realiza pelas identificações deixadas de aprendizagem, que incluem uma ampla variedade, desde leves
lado. Isto se manifesta, às vezes, na definição de escolhas em que dificuldades de compreensão até formas mais manifestas de neu-
se propõe uma atividade como profissão e outra como hobby. Esta roses. Para um universitário vale o fato de que "saber é poder" e
última recolhe as tentativas reparatórias, não absorvidas pela ocu- esse "poder" será vivido como possibilidade a serviço da repara-
pação principal. Além disso, expressa os aspectos da identidade ção ou como um instrumento a serviço da destruição, com as
(algumas identificações) não totalmente integrados. seqüelas clínicas correspondentes, que afetarão o rendimento nos
e) O processo de luto também se expressa no manejo do estudos.
tempo. A urgência, ligada ao medo de "perder tempo", revela o
medo de perder aquilo que, com o correr do tempo, perde de si
mesmo. Momentos da escolha
O caso oposto, de demora, expressa - no nosso modo de ver -
uma forma de controle: "se não faço nada, o tempo não passa, não Todo processo de escolha passa por momentos distintos, que
perco minha adolescência, etc.". incluem todas as considerações esboçadas até aqui. No quadro
f) Também há lutos diante dos êxitos. Em parte porque as seguinte estão resumidos somente dois tipos de dados: a interven-
conquistas podem ser vividas com culpa (quando se fantasia que ção do ego em cada momento do processo e os transtornos típicos
o que se obteve foi por usurpação, competência ou triunfo sobre observados em cada um deles.
os outros). Mas, principalmente, porque alcançar alguma coisa
supõe perder aquela parte do self que incluía o projeto. Isto se
observa às vezes quando, depois de resolver o conflito de esco-
Momentos Função egóica comprometida Patologia mais freqüente
lha, o adolescente quer prosseguir no processo de orientação vo-
cacional. Adaptação, interpretação e "Não ver" e "não se ver" por
Os lutos elaborados durante um processo de orientação voca- sentido da realidade. Discri- confusão no vínculo. Iden-
Seleção minação. Hierarquização dos tificações projetivas e m-
cional expressam-se através de sentimentos e manifestações clíni-
cas. Entre os primeiros, predominam a tristeza, a solidão, a ambi- objetos. trojetivas maciças.
valência, a culpa, a libertação do passado e um maior contato com
Relação de objeto. Tolerân- Rigidez e estereotipia ou ex-
o presente. Estes sentimentos são observados claramente na capa-
Escolha eia da ambigüidade e da am- cessiva labilidade de cargas.
cidade de recordar acontecimentos passados, na recuperação de bivalência. Bloqueios afetivos.
idéias e nos projetos ou conceitos abandonados, que são integra-
dos e revinculados a decisões atuais. Percebe-se também um as- Ação sobre a realidade. Pro- Transtornos na clahor:1,·;11,
Decisão
pecto geral de cansaço, reflexão, autonomia e vontade de fazer jetos. de lutos. Fracasso 110 ,·011
coisas. trole de impulsos.
1
r,,
66 ___ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O quadrode referência__ _

Escolha madura. Escolha ajustada A escolha da carreira, que implicava o estabelecimento de u 111
vínculo simbiótico com seu pai, era uma escolha imatura, patoló-
Uma escolha madura é uma escolha que depende da elabora- gica e patologizante. Teria sido madura se esta jovem houvesse
ção dos conflitos e não de sua negação. É uma escolha que seba- tomado consciência de tudo o que estava implícito nesse compor-
seia na possibilidade do adolescente de passar de um uso defensi- tamento. Era, porém, muito mais do que se poderia examinar nos
vo das identificações a um uso instrumental delas, ao conseguir limites de um contrato de orientação vocacional.
identificar-se com seus próprios gostos, interesses, aspirações, etc. Em síntese:
e identificar o mundo exterior, as profissões, as ocupações, etc., 1) Uma escolha ajustada é uma escolha que se faz com conhe-
Em síntese, uma escolha madura é uma escolha que depende da cimento do que se pode e do que não se pode, mas sem que se te-
identificação consigo mesmo. nha superado, contudo, o conflito que tal conhecimento supõe.
Uma escolha ajustada é uma escolha na qual o autocontrole 2) Uma escolha ajustada é uma escolha que proporciona ao
permite que o adolescente faça coincidir seus gostos e capacidades adolescente uma profissão ou estudos, nos quais coincidem seus
com as oportunidades exteriores, faça um balanço ou síntese, que interesses com o que a realidade dessa carreira lhe oferece, ao
pode ser defensivo. Nela, não só intervém sua capacidade de con- mesmo tempo em que suas condições pessoais o tomam apto (?)
trole, mas a síntese entre responsabilidade individual, consigo mes- para exercê-la. Há ajustamento, independente do fato de que o de-
mo, e responsabilidade social. cidir-se por determinada carreira não suponha revisar outras esco-
A diferença fundamental entre uma escolha ajustada e uma lhas, elaborar abandonos de outros projetos, etc.
escolha má é que aquela é uma escolha aconflitiva. Os conflitos 3) Uma escolha ajustada pode ser o desenlace de uma situa-
não são elaborados e resolvidos, mas controlados ou negados. Não ção problemática. Por exemplo, se o problema consiste em esco-
se examina o mundo interior, mas adia-se o seu exame. lher entre estudar Medicina ou estudar Odontologia, e o psicólogo,
Por exemplo, uma adolescente de 21 anos apresentava pro- ao avaliar os interesses do adolescente, considera que seus interes-
blemas bastante sérios de natureza familiar. Havia se separado, ses "combinam mais" com a carreira de médico, que está "apto"
rcccntcmcntc, de seu marido, com quem manteve, até então, uma para essa carreira e sugere-a ao adolescente.
relação de tipo simbiótico. Estava sob tratamento psicoterapêuti- Esta forma de escolha baseia-se no que o adolescente é, não
co e queria estudar. Para ela, o fato de estudar tinha o sentido de no que "pode ser".
curar-se. Como estava em tratamento, não era perigoso dar curso Por outro lado, escolher tendo em conta o que se pode ser é
a suas fantasias. Achava-se em dúvida sobre várias carreiras. próprio de uma escolha madura que é ajustada e, além disso, pros-
Uma se relacionava com a atividade desempenhada pelo pai. Es- pectiva, pessoal, autônoma, responsável e independente.
tava condicionada pela zona conflitiva do ego e pela tentativa de Num sujeito que alcançou maturidade suficiente, a indepen-
estabelecer uma nova dependência, agora que acabava de perder a dência caracteriza-se por um bom equilíbrio entre sua independên-
relação simbiótica com o marido. Pensava, também, em outra car- cia executiva e volitiva. Estes conceitos foram tomados de Ausu-
reira que poderia cursar em universidade oficial ou particular. bel (op. cit. ), que entende que a primeira se refere a uma atividade
Para ela, estudar numa universidade oficial equivalia a "ser a que permite satisfazer uma necessidade (escolher uma carreira,
maior", e não se animava a tanto. Seguir carreira numa universi- por exemplo). A segunda refere-se ao fato de desejar a satisfaçfío
dade particular significava não depender do pai, mas, ao mesmo da referida necessidade "à margem de qualquer consideração S()
tempo, não desconhecer que, entretanto, "não era a maior", "inde- bre como se alcançará essa satisfação". Em situações ótimas, :1111
pendente". Esta última opção seria a resultante de uma escolha bas as independências se integram e possibilitam a tomada 1lt-
ajustada. decisões. Quando aparece uma dissociação, pode-se observar t:11111,
<J 11uadro
de referência
_ _ _ _ _ _Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica
( 13) Erikson, E. -Infanciay sociedad. Hormé, Buenos Aires, 1959.
um predomínio da independência volitiva, mesmo faltando inde- ( 14) Erikson, E. "Identidad del yo y cambio histórico", em Psychologyrnl
pendência executiva ("quero escolher sozinho e não devo dar ouvi- Issues. Vol. l,n? l,pp.18,49.
dos a nenhum conselho"), quanto uma restrição da independência ( 15) Fraisse, P. e Piaget, J. - Traité de psychologie expérímentale. P.U.F.,
volitiva em áreas de exercício da independência executiva ("diga- Paris, 1963. (Fas. dedicado a "Motivación".)
me para que carreiras estou apto e escolherei entre elas"). ( 16) Freud, S. -Ajlicción y melancolía.
Esperamos que o desenvolvimento dos conceitos e a investi- (17) Freud, S. - Una teoría sexual. Cap. 3: "La metamorfosis de la pubertad",
gação das hipóteses que este capítulo sugere possam eonduzir a em Obras completas. Biblioteca Nueva, Madri, l 967.
( 18) Gerth, H. e Wright Mills, C. - Carácter y estructura social. Paidós, Bue-
certos fundamentos para a elaboração de um modelo dos proble-
nos Aires, 1963.
mas de orientação vocacional e dos caminhos possíveis para fazer
( 19) Grinberg, L. Culpa y depresión. Paidós, Buenos Aires, 1964.
face a seu tratamento e prevenção. (20) Grinberg, L. "El individuo frente a su identidad". Rev. de Psicoaná-
lísis. Buenos Aires, t. XVIII, n? 4.
(21) Grinberg, L. "Si yo fuera usted...". Rev. de Psicoanálisis. Buenos Ai-
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Mowrer, O. M. "Current Theory and Research in Motivation: a Orientación Vocacional de la UNE.A. D.O.V., 1965.
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(10) Bühler, Ch. -Citado por Super, D. (ver48). en la elección vocacional", ern Actas de las Primeras Jornadas Argenti-
(11) Canessa, Graciela "Evolución de la personalidad y elección de carre- nas de Orientación Vocacional. D.O.P., Buenos Aires, 1965.
ra", em Actas de las Primeras Jornadas Argentinas de Orientación Vo- (34) Leibovich de Duarte. A. - "El logro de la identidad ocupacional como 1111
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aspecto de la consolidación de la identidad", em Actas de las Pri11wr,1s
( 12) Cortada de Kohan, Nuria "Conceptos modernos de orientación voca- Jornadas Argentinas de Orientación Vocacional. D.O.P., Buenos i\in•,;.,
cional", em Actas de las Primeras Jornadas Argentinas de Oríentación
1965.
Vocacional. D.O .P., Buenos Aires, 1965.
1
7()
_ Orientação vocacional -A estratégia clínica

Cl:i) Lcibovich de Duarte, A. - "Evolución de los intereses vocacionales",


cm Actas de las Primeras Jornadas Argentinas de Orientación Vocacio-
nal. D.O.P., Buenos Aires, 1965.
(36) Madsen, K. -Teoría de la motivación. Paidós, Buenos Aires, 1967.
l 2. O diagnóstico em orientação vocacional
Contribuição para uma teoria
da estratégia diagnóstica
(37) Malz, P. -Psychotérapie de l'adolescent. P.U.F., Paris. 1964.
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Santiago do Chile, 1961. tas corretas. "
(41) Pichon-Riviêre, E. - "Introducción a una nueva problemática de la Psi-
quiatría", em Acta Psiquiátrica y Psicológica de América Latina. 1967, 1 G. Miller
t. XIII, n?4.
(42) Pichon-Riviêre, E. - Citado por Wender, L. (ver 51).
(43) Rocheblave-Spenlé, A. M. -La notion de rôle en psychologie sociale.
P.U.F., Paris.
(44) Schilder, P. - Imagen y apariencia de! cuerpo humano. Paidós, Buenos
Aires, 1958.
1
Este trabalho pretende ser uma contribuição à sistematização de
(45) Sega!, H. - Jntroducción a la obra de M Klein. Paidós, Buenos Aires,
1965. dados que, freqüentemente, são empregados na elaboração do diag-
(46) Sochudolski, Bugdan - "Rasgos psicosociales de la juventud contem- nóstico e prognóstico da problemática vocacional dos adolescentes.
poránea y las tendencias actuales de la pedagogía". Exposição introdutó-
ria à Conferência Internacional sobre a Juventude, Grenoble, França,
1
agosto-setembro de 1964. Venho submeter-me ao teste
(47) Super, D. -Psicología de la vida profesional. Rialp, Madri, 1962.
(48) Super, D. - VocationalDevelopment: a Frameworkfor Research. Teacher' s
Esta é a maneira pela qual muitos adolescentes respondem à
College, Columbia University, Nova York, 1967.
(49) Tavella, N. -La orientación vocacional en la escuela secundaria. EU-
1 pergunta "o que o traz aqui". Não é difícil entender que, quando o
DEBA, Buenos Aires, 1962. adolescente solicita uma entrevista de orientação vocacional, a ex-

l
(50) Tavella, N. - "Siete interrogantes sobre orientación vocacional", em pressão condensa _umautodiagnóstico prévio (fantasia de enfermi-
Actas de las Primeras Jornadas Argentinas de Orientación Vocacional. dade) e uma definição de como enfrentar sua dificuldade (fantasia
D.O.P., Buenos Aires, 1965. de cura).
(51) Wender, L. - "Psicoanálisis de la vocación". Rev. de Psicoanálisis.
Buenos Aires.
Quem lida com adolescentes não tardará em descobrir que,
(52) Wolf, L. - "La elección de carrera como processo de elaboración de un
neste caso, o teste é um instrumento dotado de poderes mágicos,
duelo", em Actas de las Primeras Jornadas Argentinas de Orientación capaz de resolver o problema da escolha do próprio futuro. O de-
Vocacional. D.O.P., Buenos Aires, 1965. positário maciço das próprias fantasias onipotentes no teste não é
(53) Zytowsky, D. - "Avoidance Behavior in Vocational Motivation". The
Personnel and Guidance Journal. Abril de 1965.
J um processo que afeta só ao adolescente, mas a muitos psicólogos,
os quais transferem a esse instrumento a tarefa assistencial, para a
,, qual seus serviços são requeridos.
No campo da orientação vocacional existem duas modalid:1
T des estratégicas, táticas e técnicas, que resumimos sob as dc110
minações de modalidade estatística e modalidade clínica ( vt·1 pp
3 ss.).
72 Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica <J diagnósticoemorientaçãovocacional.~·· ~·. _

Analisaremos, aqui, a tarefa diagnóstica em Orientação Voca- Como se pode ver, o primeiro diagnóstico assume uma i111
cional, no contexto da modalidade clínica. portância fundamental, e da eficácia de sua realização depende (]llL'
Esta modalidade define-se sobre a base de urna estratégia, o trabalho futuro não conduza a um procedimento arbitrário e caó-
uma tática e uma técnica. A estratégia refere-se a uma síntese inte- tico.
rativa entre o ver, o pensar e o atuar sobre as situações que são ob- Torna-se necessário salientar que o primeiro diagnóstico nada
jeto da entrevista. O segundo momento (pensar) é o que, em outros mais é que uma aproximação, uma tentativa sujeita a contínuas re-
termos, podemos chamar de momento diagnóstico. Desenvolve-se formulações.
durante todo o processo da entrevista. Por outro lado, o primeiro diagnóstico requer um enfoque ftm-
Não obstante, pode-se diferenciar entre o diagnóstico ou com- cional em que, mais que o rótulo, é importante o esclarecimento da
preensão, que ocorre durante todo o processo de orientação, e o dinâmica interna do entrevistado.
primeiro diagnóstico realizado pelo psicólogo, ao qual se atém para Evidentemente, a dinâmica interna compreende não só os con-
formular as hipóteses relativas ao caso e esboçar um planejamento flitos e dificuldades referentes à escolha de uma carreira ou traba-
operacional do processo. lho, mas à pessoa toda. Talvez por isso a maior dificuldade que um
Concentrar-nos-emos, principalmente, em considerações re- psicólogo enfrenta não seja a de fazer um diagnóstico de persona-
lativas à estratégia do primeiro diagnóstico, dando por conhecidas lidade, mas um diagnóstico relativo à problemática vocacional.
as características estruturais das diferentes técnicas diagnósticas Com isto estamos antecipando que duas pessoas com a mesma
(técnicas projetivas e psicométricas). estrutura de personalidade não têm, necessariamente, o mesmo
diagnóstico quanto a seus problemas vocacionais. Do mesmo mo-
do, o maior ou menor grau de "saúde" pessoal não se correlaciona,
O primeiro diagnóstico ponto por ponto, com um maior ou menor grau de conflito voca-
cional. Poder-se-ia inferir, do que ficou dito, que os problemas
Deste modo denomina-se a compreensão que o psicólogo po- vocacionais não se relacionam com os problemas de personalida-
de atingir a respeito da pessoa que se propõe assistir. O primeiro de, mas tal não é verdade. O que ocorre é que os problemas voca-
diagnóstico é uma resposta às seguintes perguntas: cionais são um tipo específico de problemas de personalidade e os
"Quem é esta pessoa?", "que acontece com ela?", "por que es- limites - embora não sejam rígidos - existem, e é necessário consi-
colher uma carreira, ou mn trabalho, traz-lhe dificuldades?" Da derá-los.
resposta a estas perguntas dependerá a decisão do psicólogo de aju- Problemas vocacionais são todos aqueles que envolvem pôr
dar ou não a quem lhe pede e, ao mesmo tempo, dar uma primeira em jogo mecanismos de decisão frente a opções ocupacionais e,
definição dos obstáculos que deverão ser eliminados antes de o por mais que consideremos que a decisão, a opção, a discrimina-
jovem poder chegar a uma decisão em relação ao seu futuro. ção e a escolha sejam componentes universais do comportamento
Portanto, do primeiro diagnóstico surge um prognóstico rela- humano, a escolha de um modo de vida relacionado a papéis ocu-
tivo à "orientabilidade" 1 do entrevistado e é através dele que o psi- pacionais é, pelo menos hipoteticamente, demarcável quanto ús
cólogo poderá formular uma estratégia relativa à tarefa que em- escolhas de modos de vida que não implicam papéis ocupacio
preenderão juntos. nais.
A explicitação do psicólogo sobre a estratégia ou projeto de Não negamos que a personalidade fm1ciona como um lodo i 11
trabalho em comum constitui o conjunto de instruções, e este,junto tegrado (quando é sadia). Mas o critério de totalidade nfio i111pli,11
com a fixação de extensão, horários, honorários e papéis nesse tra- o de homogeneidade das partes. E é precisamente a hclcro1•,rn,·1,L1
balho em comum, o contrato de trabalho. de que nos permite falar de problemas de estudo, fümili:11,·:: 1•111
7./ _ ~ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica () diagnósticoemorientaçãovocacional_

pais, vocacionais, ideológicos, etc., num adolescente. Evidente- propósito convertermo-nos em equilibristas, apoia~do-nps cm ulll
mente, são níveis diferentes de análise que, tais como quadros de só dado. Afümamos, tão-somente, que, quanto mais a fundo reali-
referência, permitem-nos situar a problemática pessoal (de uma zemos sua análise, tanto mais dados obteremos para formular o
personalidade integrada, estruturada, mutante, total, heterogênea, primeiro diagnóstico. (VerPittenger, Hockett e Da_neh~,34.) .
conflitiva) como problemas de orientação vocacional. Habitualmente, os entrevistados falam na pnmeira entrevista
de sua relação com os estudos, das matérias do secundário, prefe-
rências e antipatias, relações com os companheiros e professores,
A primeira entrevista opiniões da família sobre seus projetos para o futuro, op~niões_ so-
bre si mesmo que tenham ele próprio e os outros, expectativasdian-
O objetivo fundamental da primeira entrevista é a elaboração te da orientação vocacional como processo, dados vitais, pessoais,
do primeiro diagnóstico; eventualmente, a formulação do contrato familiares, etc. No caso de não falar espontaneamentedesses temas,
de trabalho e, também eventualmente, o encaminhamento do en- costumamos interrogá-los sobre os mesmos, sob formas que variam
trevistado para outro tipo de atendimento. de acordo com cada entrevista, quanto à oportunidade, quantidade
Não é este o momento de examinar a técnica de manejo da pri- e qualidade das perguntas. Em geral, são breves, claras, concisas e
meira entrevista. Considerados os seus fins (primordialmentediag- não direcionais (do tipo "Qual a opinião de sua família sobre seus
nósticos), essa entrevista facilitaráum tal nível de comunicação que projetos" ou "Como você se saiu na escola secundária").
permita, ao psicólogo, compreender o cliente, e a este, compreender Ao final da primeira entrevista, estabelece-se o contrato. Este
o modo peto qual trabalharãojuntos no futuro. Evidentemente,a pri- só pode ser feito se já se tem certa clareza quanto ao primeiro diag-
meira entrevistaé uma entrevista, não um interrogatório,daí assumir nóstico. Se tal ainda não se deu, convém contratar um pequeno
um caráter aberto. Portanto, deve-seevitar que as perguntas formula- número de entrevistas, a fim de se completar esse primeiro diag-
das pelo psicólogo impeçam (por sua quantidade,qualidadee oportu- nóstico.
nidade) a visão de como se configura a situação do entrevistado. Nessas entrevistas pode-se aplicar testes psicométricos e/ou
Partimos do pressuposto, sustentado pela teoria da informa- projetivos, que adquirem, neste contexto, o ~alor instrumen~alque
ção, de que o modo como o entrevistado configure a primeira en- realmente têm. São, e assim deve ser explicado ao entrevistado,
trevista depende de decisões que, consciente ou inconscientemen- instrumentos para o psicólogo, não agentes mágicos na solução
te, tome no decurso da mesma. Uma análise profunda da primeira dos problemas. Utilizamos, às vezes, a seguinte analogia: "Assim
entrevista permite-nos identificar o tipo de decisões tomado pelo como o médico pode necessitar de uma radiografia para melhor
entrevistado para configurar uma situação ambígua. Além disso, saber o que se passa com o paciente, sem pretender que a radiogra-
como a situação é nova e integrada por um profissional universitá- fia lhe cure a dor de estômago, também o psicólogo usa os testes
rio, não é absurdo supor que seja possível identificar (interpretar), que, por si mesmos, nada resolvem. Somente ajudam o psicólogo a
na análise da primeira entrevista, como o entrevistado configura saber bem mais o que se passa com um adolescente."
uma situação nova, na qual está implicado outro, como profissio-
nal, sobre a base de uma série de decisões. Isto é o que converte a
primeira entrevista na viga mestra do primeiro diagnóstico voca- A elaboração do primeiro diagnóstico
cional do entrevistado.
F,de primordial importância a análise da primeira proposição Corno já antecipamos, a elaboração do primeiro di:1i•,11ú.',I
1m
formulada pelo entrevistado. Condensa-se, aí, toda a sua proble- efetua-se sobre os dados colhidos na primeira cntrcvisl:1011, ,·111
111:'1tica
vocacional. Sua interpretação não é fácil, como não é nosso casos especiais, nas primeiras entrevistas. Caberia, 11:1
n•;il1d;1d,
76 . _ Orientaçãovocacional~A estratégiaclinica O diagnósticoem orientaçãovocacional_ _

dizer "sobre os emergentes" em lugar de "sobre os dados", uma identificações com, para identificar-se e identificar(Lagachc, 27).
vez que o que interessa não é fazer um perfil do cliente e de sua Isto supõe um grau de integração interior que só se consegue
vida passada, que possibilite incluí-lo num quadro nosográfico, mediante a elaboração ou reelaboração de relações objetivas pas-
mas compreender a dinâmica predominante na situação atual que sadas, que possibilitem ao adolescente identificar-se com (seus
o mesmo atravessa, seus pontos de urgência e configurações con- gostos, aspirações, estilo pessoal, possibilidades) e, ao mesmo
flitivas. Ou seja, interessa tanto, ou mais, o contexto e subtexto da tempo, identificar (profissões, estudos, trabalhos).
entrevista que seu texto 2 •
A elaboração do primeiro diagnóstico vai se estabelecendo à
medida que transcorre a primeira entrevista. Só assim será possí- Critérios para a elaboração do diagnóstico
vel estabelecer o contrato, ao final da mesma. (Reiteramos que o
primeiro diagnóstico é só uma tentativa.) O fato de que o primeiro Os critérios para o diagnóstico, que propomos, procuram fa-
diagnóstico se efetue durante o transcurso da entrevista implica cilitar a compreensão da identidade vocacional do entrevistado.
que o psicólogo deve ter o treinamento suficiente para "ir lendo" o São eles:
que possa estar sucedendo ao entrevistado no âmbito vocacional. a) Manejo do tempo.
Deste modo, o esquema para a elaboração do primeiro diagnóstico b) Momento em que o jovem se situa quanto ao processo de
que propomos deve ser entendido, tão-somente, como: decisão.
a) uma tentativa de sistematizar nossa experiência pessoal; e) Ansiedades predominantes.
b) um padrão de referência amplo ou enquadre interno do psi- d) Carreiras como objeto e suas características.
cólogo, mais do que um padrão teórico definitivo; e) Identificações predominantes.
e) itens que assinalam parâmetros de interpretação do contex- f) Situações que o adolescente atravessa.
to e do subtexto, a que nos referimos. g) Fantasias de resolução.
Num trabalho anterior (8), ressaltamos que o conceito de h) Deuteroescolha.
identidade era suficientemente inclusivo para permitir-nos melhor
compreender os problemas em torno da escolha de uma carreira ou
de um trabalho. Destacamos, então, que a identidade vocacional a) Manejo do tempo
era "a autopercepção, elaborada ao longo da vida do sujeito, em
termos de trabalho ou de estudos" (donde os "problemas" de orien- A escolha não é um momento estático no desenvolvimento de
tação vocacional refletirem obstáculos não superados durante seu uma pessoa. Ao contrário, é um comportamento que se inclui num
desenvolvimento) e que sua gênese, interativa com o desenvolvi- processo contínuo de mudança da personalidade. Embora, como
mento da identidade pessoal, compreendia processos que a Psico- observadores externos, possamos analisar a dimensão temporal
logia havia analisado sob os conceitos de gênese do ideal do ego, em três momentos (passado, presente e futuro), do ponto de vista
identificações com ele nos grupos familiar e de pares, identifica- do sujeito o tempo não é uma sucessão ordenada, mas uma dimen-
ções sexuais, estilo de vida, nível de aspiração, implicações do ego são de certo modo "construída" a partir de cada presente. Conhe-
(Sheriff e Cantrill), etc. cemos as implicações não só psicológicas, mas filosóficas, desta
Dissemos, também, que, na medida em que o caráter do adoles- proposição. Entretanto, após a análise dos processos transkrL·11
cente era tetradimensional, integrava aspectos do seu passado, pre- ciais e das proposições de Lewin quanto à "a-historicid;ak" do
sente e futuro e que, quanto à maior ou menor acessibilidade a uma comportamento (para não citar além de duas fontes de dados), 11:11,
boa escolha, era importante considerar a passagem, do sujeito, de nos devemos surpreender diante do fato de que o tempo 1·"í11::1111
78 O diagnósticoemorientaçãovocacional 79
__ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica

mentalizado" pelas pessoas, que podem atualizar o passado, pos- Do ponto de vista dinâmico, o momento de seleção coloca em
tergar o presente, fazer do futuro o passado e qualquer outra modi- jogo a função (do ego) de discriminação. Discriminam-se tanto
ficação. O psicólogo clínico está habituado a considerar estas objetos externos como internos e a discriminação se realiza en-
"construções" em qualquer entrevista, bem como as "destruições" tre objetos externos e internos. O fracasso da função de discrimi-
e "reconstruções" temporais. nação pode conduzir tanto a projeções como a introjeções maci-
No caso da problemática vocacional, toma-se significativo o ças, que se traduzem num "não poder ver" e "não poder se ver".
tipo de manejo do tempo feito pelos adolescentes. Suas colocações Se a patologia da escolha se dá no momento de seleção, pos-
podem centrar-se no presente, no passado ou no futuro, ou em sivelmente o adolescente manifestará algum destes comportamen-
vários sentidos. Além disso, a dimensão temporal pode ser "estira- tos: indiferença (as carreiras, as profissões são equivalentes e in-
da" ou "encolhida", para dizê-lo de algum modo. Em ambos os tercambiáveis) e confusão quase absoluta quanto a classificações
casos, pode se dar uma maior ou menor adequação ao tempo real e
afetivas (Bruner, I O)que faz das carreiras e profissões.
é importante detectar este fato, pois toda escolha implica um pro-
O momento de escolha implica não só um reconhecimento
jeto, e um projeto nada mais é do que uma estratégia no tempo.
seletivo, como no anterior, mas também o estabelecimento de vín-
Por outro lado, o tempo é valorizado e desperta, no entrevista-
do, relações de tipo ambivalente ou divalente, convertendo-se ou culos diferenciais com os objetos. Neste momento, acha-se com-
não, segundo o tipo de relação implícita, num obstáculo para a es- prometida a função do ego quanto à capacidade de estabelecer
colha. relações satisfatórias e relativamente estáveis com os objetos.
Por sua vez, o tempo "convencional" (passado, presente e fu- As alterações deste momento caracterizam-se, fundamental-
turo) pode se converter em depositário de aspectos da pessoa, que mente, por bloqueios afetivos ou, pelo contrário, por "namoros"
cert~mente o adolescente introjetará antes de formular um projeto maníacos com uma ou outra porção da realidade ocupacional. Co-
reahsta. mo se vê, o fracasso reside na possibilidade de estabelecer rela-
Frases do tipo "Antigamente era melhor", "Não há mal que ções afetivas estáveis com algtms objetos previamente seleciona-
sempre dure", "Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje", dos. Este fracasso revela rupturas mais ou menos permanentes nas
"Vamos dar tempo ao tempo", "O tempo é dinheiro" da linguagem relações objetais do sujeito.
corrente revelam-nos, ainda que numa análise superficial, que a O momento de decisão compromete um projeto de prazo rela-
dimensão psicológica do tempo transcende, pelo contexto afetivo tivamente extenso e, portanto, componentes de ação ligados à fun-
implícito, o nível convencional em termos de dias, meses e anos. ção (do ego) de regulagem e controle dos impulsos. A possibilidade
Por seu turno, para o adolescente, o passado é o colégio se- do decidir está estritamente ligada à possibilidade de suportar a
cundário, os colegas, seus aspectos infantis, as relações familiares, ambigüidade (todo futuro o é, de certa forma), de resolver confli-
etc. Numa palavra, seu "mundo conhecido". O futuro é a universi-
tos, de postergar ou graduar a ação, de tolerar a frustração, etc.
dade, a "responsabilidade" social, o esforço pessoal, a indepen-
Mas, de acordo com nossa experiência, o fundamental quanto
dência familiar, etc. Numa palavra, o mundo adulto.
à possibilidade de tomar uma decisão caracteriza-se pela elabora-
ção de luto. Neste caso, luto pela adolescência, pelos antigos proje-
b) Momento em que o jovem se situa tos, pelas escolhas fantasistas, por tudo o que não se decide quando
o adolescente se decide por alguma coisa 3• Concordamos com
Entendemos, por momento, as operações que caracterizam a Grinberg (19), quando afirma que "a ânsia de se completar através
elaboração do comportamento numa situação de mudança. Há três da recuperação dos afetos que se sente perdidos constitui uma das
o de seleção, o de escolha e o de decisão.
111ome111os: expressões mais definitivas dentro do quadro da elaboração do luto
80 __Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica ( J diagnósticoem orientaçãovocacional

pelo ego". A escolha da carreira seria - a nosso ver - um caso espe- c) referentes à vida universitária (ser superexigido;não co11
cial desta "ânsia" de complementação. Uma análise dinâmica da seguir submeter-se ao trote, considerado como rito de iniciaçúo,
escolha não pode contornar a análise do tipo da perda do ego impli- etc.); e
cada e as modalidades pelas quais o sujeito tenta sua elaboração. d) referentes à escola secundária (desvalorização;não poder
Um sujeito pode escolher a mesma carreira em dois momentos discriminar matéria-professor, matéria-faculdade, matéria-profis-
diferentes e sua decisão ser "boa" num deles e "má" no outro, de são, etc.).
acordo com a concomitanteelaboração de luto implicada.

d) Carreiras como objeto


e) Ansiedades predominantes
Comumente,na primeira entrevista de orientação vocacional,
Toda primeira entrevista, predominante na medida em que o entrevistado concentra-se no tema das carreiras. Menciona as
constitui uma situação nova, desencadeia, no entrevistado, ansie- que prefere e as que repele. Acerta ou confunde a nomenclatura,
dades do tipo persecutório. Não obstante, esta predominância não denominando, às vezes, a carreira com o nome de uma matéria ou
elimina o fato de que, no transcurso da mesma entrevista, o entre- da faculdade em que se encontra. Fala das carreiras numa certa
vistado passe muitas vezes por estados em que predomina outro
ordem, agrupando-as segundo critérios mais ou menos conscien-
tipo de ansiedade, mais ou menos transitoriamente.
tes; liga-as a situações de êxito ou de fracasso, facilidade ou difi-
Para a elaboração do diagnóstico vocacional talvez interesse,
culdade, prestígio ou desprestígio, possibilidade de diferenciar-se
mais que o tipo de ansiedade, o grau, o objeto ao qual está ligada, a
persistência ou mobilidade e o tipo de mecanismo defensivo que ou não, etc.
desencadeia. As carreiras constituem o que de seu comportamento de op-
A classificação dos tipos de ansiedade, derivada da psicanáli- ção. Neste sentido, as carreiras podem ser analisadas como objetos
se argentina, em confusa, persecutória e depressiva nos parece útil do comportamento do adolescente, tanto no presente como no
com a ressalva de que, em muitos casos, o que aparentemente sur- futuro. Estes objetos podem acompanhar,proteger, perseguir, des-
ge como ansiedade confusa diante da carreira, da escolha ou do fu- truir, reparar, esvaziar, frustrar, confundir, superexigir,reter, agre-
turo constitui, na realidade, um derivado de uma ansiedade básica dir, etc., na fantasia do sujeito, independentemente do que a carrei-
persecutória que - por assim dizer - faz "estourar" os limites do ra ou profissão seja "na realidade". Por isso, na primeira entrevis-
ego, destruindo toda capacidade discriminativa.E é este processo ta, interessa-nos mais compreender o tipo de vínculo estabelecido
que faz aparecer a confusão, tal como se manifesta nas entrevistas com o objeto-carreira (ou eom os objetos-carreiras)do que a coin-
de orientação vocacional, como um modo peculiar de defesa. cidência na escolha de três carreiras técnicas ou de duas humanís-
Baseando-se no objeto implicado nos vínculos persecutórios, ticas, por exemplo, ou a relação entre as matérias que lhe agrada-
depressivo ou confuso, Leibovich de Duarte (30) propõe a seguin- ram no secundário com a carreira mencionada. Ainda que tudo
te classificação de "fantasias e temores", segundo suas manifesta- isto seja útil, interessa mais, em qualquer caso, o vínculo subjac<.;11-
ções clínicas: te que determinou a "coincidência", a "correlação" ou a "contradi
a) Referentes à auto-imagem (impotência, onipotência, de- ção" aparente entre as carreiras e qualquer outro fator.
pendência, etc.); Veremos, aqui, um dado isolado do "emergente" carrcirn: a
b) referentes ao futuro (medo do fracasso, aborrecimento, quantidadede carreiras que menciona na primeira proposição.Nl•.•;
mediocridade, rivalidade e inveja, erros no exercício da profis- ta, o adolescente pode não falar de carreira alguma, ou l:d:1r(it- lo
são, etc.); das, ou de duas, ou de várias carreiras como as prcl'crid:1:,1\ ,,··.
82 _Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica Si
O diagnósticoem orientaçãovocacional

peito delas expressa seus gostos e antipatias, e a análise de sua men- e) Identificações predominantes
sagem permite-nos ver a fantasia dominante, as ansiedades e,
eventualmente - já na primeira proposição -, os mecanismos de- Neste momento, referimo-nos aos comportamentos predomi-
fensivos com que encarará a opção. nantemente cognitivos do adolescente referentes ao "identificar".
O fato de não mencionar nenhuma carreira ou de colocar que Trata-se de comportamentos de conhecimento e reconhecimento
nenhuma carreira lhe interessa em especial revela um mundo ex- (nas duas acepções do termo) da situação de oportunidade que estú
terno confuso, não catetizado, no qual o ego imaturo fracassa nas vivendo.
suas tentativas de discriminação. A ansiedade que aparece é muito Neste ponto, incluímos a análise dos gostos pelas carreiras,
alta ou muito baixa (produto de um bloqueio intenso). Parece que dos interesses e das tentativas reparatórias que, da perspectiva ado-
o próprio ego é o objeto perigoso, que deve limitar negando seus lescente, serão satisfeitos ao decidir-se em favor de uma delas.
Afinal, uma boa escolha depende de identificações não dis-
gostos, interesses, motivações e objetivos.
torcidas nas quais surja, da análise dos sistemas de atitudes, um
A menção de uma idêntica inclinação por todas as carreiras
confronto entre a fantasia e a realidade: o confronto do ego com o
revela-nos um mundo exterior tão confuso como no tipo anterior,
mundo exterior, do conhecido com o desconhecido, do mundo ado-
com a diferença de que neste se está catetizado. O ego é igualmen- lescente com o mundo adulto, dos estudos do 2? grau com os uni-
te imaturo, mas possivelmente a deficiência não se dá tanto no versitários, etc., que o adolescente pode ou não ter realizado por si
momento de seleção (função discriminativa) mas no de escolha mesmo. Isto depende de funções do ego, tais como a adaptação à
(relação mais ou menos permanente com os objetos). A ansiedade realidade (diferenciando figura e fundo, integrando espontaneida-
manifestada nestes casos é baixa, o que é determinado por um ele- de e criação com aceitação de significados culturais, integrando
vado grau de onipotência. Os adolescentes falam de projetos para aspectos regressivos e progressivos a serviço do ego )4, a interpre-
seguirem, em alguma ordem, todas as carreiras que existem. tação da realidade (quanto a uma boa percepção e orientação tem-
Quando as preferências enunciadas se referem a duas carrei- po-espacial) e o sentido da realidade (quanto a uma boa delimita-
ras, o mundo exterior aparece relativamente claro e diferenciado ção entre o ego e o não-ego).
para o adolescente. Podemos supor que seu ego tem suficiente grau A identidade vocacional não se reduz a um ajustamento satis-
de maturidade para selecionar e escolher. A dificuldade costuma fatório dessas identificações, mas estas constituem uma condição
se apresentar no momento de decisão. necessária. Por isso, devem ser diagnosticadas pelo psicólogo o
A ansiedade predominante é persecutória (conflito divalente) mais cedo possível, a fim de prevenir más identificações (pseudo-
e intensa. De sua resolução dependerá a possibilidade de ser toma- identificações ou identificações parciais) ou de resolvê-las através
da informação ou do esclarecimento, segundo uma estratégia deri-
da uma decisão.
vada deste primeiro diagnóstico. (Ver Brea, M., 9 .)
Quando o adolescente menciona várias carreiras, o mundo
externo já não aparece em forma divalente, mas polivalente, e os
objetos valiosos para o ego estão dispersos em vários setores do
f) Situações que o adolescente atravessa
mundo ocupacional. Nestes casos observamos que a ansiedade
manifesta é baixa, correlacionando-se, possivelmente, com esta Como qualquer situação de mudança, a escolha do l'ulurn
"distribuição" de objetos bons e maus e mostrando certa estereoti- implica sempre um aumento de conflitos. O conflito ma11ilí:sl:1
pia nas defesas. se, em toda opção, como uma dúvida que é ncccssúrio rL·.•,oh ,·1
Diante dessa dúvida, os adolescentes passam por qualro :;1111.1
____ Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica O diagnósticoem orientaçãovocacional

ções, descritas como predilemática, dilemática, problemática ou Do ponto de vista dinâmico, sustentamos a hipótese de que <•~;
de resolução. processos de dissociação são intensos e que a confusão aparenk t'.·
Atualmente, julgamos conveniente mudar o termo "tomada uma defesa a mais para manter dissociado o objeto ambivale11IL'
de decisão", usado num trabalho anterior (8), pelo de resolução. original.
Este tem a vantagem de não empregar o termo decisão em dois Para poder falar de situações problemáticas é necessário supor
contextos distintos (o dos "momentos ..." e o das "situações") e que os mecanismos postos a serviço da dissociação original assu-
agregar o tom conotativo de "tomar a solucionar" (re-solução ), miram um caráter mais instrumental, perdendo sua estereotipia. A
que é como do ponto de vista dinâmico - o sujeito realmente atua situação problemática caracteriza-se por um grau elevado de con-
nesta situação. flito, capaz de determinar no adolescente uma dinâmica tal que
Cada situação caracteriza-se por um tipo de relação objetiva, possa superá-lo, integrando seus termos nm11asíntese superior.
ansiedades predominantes, comportamentos manifestos específi- Na situação problemática, o adolescente está realmente pre-
cos e mecanismos defensivos característicos. ocupado. Suas funções (do ego) encontram-se a serviço de uma
A situação predilemática é aquela por que passa o adolescen- análise exaustiva da situação. O aspecto manifesto de sua conduta
te que "não se dá conta" de que deve escolher. Estes são os casos no-lo revela como um indivíduo "disponível", que pode usar sua
em que o adolescente é trazido à entrevista e, uma vez nela, não capacidade para olhar, pensar e agir no que diz respeito a seu mun-
entende o que se espera dele, qual é a dificuldade que "os outros" do futuro.
supõem que ele tem. Trata-se de uma imaturidade tal que o caso A situação de resolução está caracterizada pela qualidade e
terá que ser encaminhado para um tratamento psicoterapêutico, a pelo grau de ansiedades vinculadas à elaboração normal de mn
menos que na primeira entrevista o adolescente consiga passar des- luto (Grinberg, 17, 19).
ta situação à seguinte (dilemática). Nesta situação, o adolescente vê reativados seus antigos me-
A ansiedade é confusa, baixa; a conduta manifestada é de ex- canismos postos a serviço da elaboração de situações de perda. É
trema dependência. Durante a entrevista, os adolescentes falam capaz de reconhecer seu medo e sua tristeza e, inclusive, alheações
pouco, geralmente respondem às perguntas de forma concisa e de ambos os tipos de afeto. Raramente, na primeira entrevista, o
seca, sem compromissos afetivos. O problema da orientação voca- adolescente revela que está passando por esta situação. Ao contrá-
cional parece não preocupá-los, nem remotamente. rio, tal reconhecimento é mais próprio da última entrevista. Seu
Em qualquer caso, seguindo um padrão de enonne dependên- comportamento exterior é de uma pessoa "cansada, mas contente"
cia, dizem que aceitariam "submeter-se a um teste", mas só para quando o seu luto ("o parto", como não poucas vezes o chamam os
agradar "à minha família", sem obter nada para si mesmos. adolescentes) foi elaborado. Se este ainda não foi concluído, cos-
A situação dilemática caracteriza-se pela presença de afetos tumam aparecer fantasias ligadas ao fracasso nos estudos ou dis-
confusos numa pessoa que se dá conta de que enfrenta uma dúvi- posições que acalentam a idéia nostálgica de seguir todas as car-
da, uma dificuldade num momento de mudança. Os adolescentes reiras. Freqüentemente, emergem defesas (momentâneas), como u
que passam por esta situação costumam exibir um comportamento regressão (o adolescente, após ter revelado comportamentos ma-
exterior com um elevado grau de ansiedade. As fantasias predomi- duros e adaptados à realidade, toma a pedir que escolham por ele),
nantes são agoráfobas ou claustrófobas ("ficar preso entre os pólos a repressão, a negação (de sua própria capacidade de decisão), :i
do dilema"). Os adolescentes que não conseguem superar esta idealização. O caráter momentâneo destas defesas surgidas no "r'il
situação revelam um fracasso bastante profundo em suas funções timo instante" as diferencia daquelas do mesmo tipo, que podrn 1
de discriminação, razão pela qual dificilmente poderão efetuar uma aparecer na situação predilemática, dilemática ou problernúl ir: 1.
boa seleção, para uma posterior decisão.
86 ____________ _ __
Orientaçãovocacional-A estratégiaclínica () diagnósticoem orientaçãovocacional__ ___ _ ___ 87

g) Fantasias de resolução Nas fantasias de resolução, a repulsa pode estar colocada tan-
to nos aspectos infantis como nos adultos. Esta repulsa, que não
Denominamos fantasias de resolução àquilo que, num con- deve ser analisada somente em termos de identificações, mas tam-
texto terapêutico, designa-se como "fantasias de cura" (Ulloa, op. bém quanto à relação transferencial, serve para elaborar o prog-
cit. ). Correspondem às expectativas conscientes ou inconscientes nóstico desta relação. O adolescente pode fantasiar o fato de que
frente ao processo de orientação vocacional. Ou melhor, diante da só pode escolher bem se deixa de lado "as bobagens" de sua ado-
definição da situação futura imediata, da qual toma parte o psicó- lescência e se converte, de um dia para o outro, num "homem sério";
logo. Esta definição da situação de orientação integra, é óbvio di- ou também se se comporta como um bom "cliente", deixando de
zê-lo, componentes transferenciais e estrutura-se, basicamente, lado suas rebeldias e sua vontade de "fazer o que lhe aprouver".
em torno de duas ancoragens: uma de busca e outra de repulsa. Is- Quanto ao vínculo transferencial, as modalidades que podem 1
1

to quer dizer que o adolescente sente, de maneira consciente ou ser detectadas na primeira entrevista e que servem para elaborar
não, que para poder chegar a escolher e decidir necessita alcançar um prognóstico são quatro: mágica,filio-paterna, autoconfiada e
objetivos intermediários e eliminar, ou superar, obstáculos inter- de aspiração (segundo Franz Heigl, 23).
mediários. No primeiro tipo de relação fantasiada, o psicólogo é inves-
Para poder escolher e decidir, o adolescente pode buscar uma tido das características de um ser onipotente, que faz tudo pelo
ou mais das seguintes situações: a) liberdade de; b) apoio; e e) per- adolescente. No que Heigl chama de relação filio-paterna, o ado-
missão. lescente fantasia que, se ele, por sua vez, "se comporta bem", o
A liberdade de que o adolescente necessita em sua fantasia (o psicólogo deve colocar-se a seu favor, apoiá-lo e aconsclhú-lo, ali-
que necessita realmente) é a dos vínculos de dependência que viando suas dúvidas, conflitos e desconfianças. Neste caso, o ado-
caracterizam o momento evolutivo que vive. No diagnóstico, o im- lescente aceita de bom grado a instrução, mas esta aceitação ba-
portante é pesquisar como o adolescente acredita que alcançará seia-se num pseudo-insight dela.
sua emancipação. Ela assume a forma de competência, rebelião ou A relação autoconfiada caracteriza-se por certa dose de oni-
submissão às figuras de autoridade que são transferidas ao orienta- potência que faz o adolescente acreditar que lhe bastarão duas ou
dor vocacional. três "idéias" ou "sugestões" do psicólogo para que possa "compô-
O apoio que o adolescente procura pode manifestar-se de mo- las sozinho". Neste caso, é possível que o adolescente não chegue
do direto ou indireto. O primeiro caso aparece com toda a clareza a aceitar um contrato que lhe pareça prolongado e, no caso de acei-
nas proposições do tipo "vim aqui para que o senhor me diga qual tá-lo, é possível que tente abandonar o processo assim que haja al-
a carreira mais conveniente para mim". As colocações indiretas cançado o momento de escolha e antes de chegar ao de decisão.
caracterizam-se pelo pedido de informação sobre a própria pessoa: Uma relação transferencial de aspiração caracteriza-se pelo
"O senhor crê que estou apto para tal carreira?", "Será a engenha- senso de oportunidade que o adolescente atribui ao processo de
ria realmente minha vocação?" orientação. Aceitará o contrato de boa vontade, com o que este im-
No caso de procurarem uma permissão, os adolescentes acei- plica de momentânea ambigüidade entre seus aspectos dependentes
tarão melhor um contrato cooperativo com o psicólogo, pois o que e independentes (na realidade, no contrato pede-se-lhe que aceite
esperam é uma situação socialmente determinada, na qual possam ser ajudado e ajudar-se a si mesmo). O vínculo será de cooperação
re-atualizar, numa síntese, as escolhas efetuadas em sua fantasia. É com quem lhe ofereça a oportunidade de aprender a escolher.
um prolongamento de sua "moratória psicossocial" (Erikson, 15), O que se torna necessário distinguir neste aspecto do diagnós-
na qual solicitam a participação de um sócio de papel permissivo tico é o que o adolescente "necessita" e o que "procura". Este últ i-
(o psicólogo). mo é a fantasia consciente de resolução. É o que pede aberta111L'11
88 ____Orientaçãovocacional-Aestratégiaclínica O diagnósticoemorientaçãovocacional

te, o que responde à pergunta: "Que espera você da Orientação Vo- los transferenciaís que analisamos, a definição da situação que
cacional?" atravessam formulada por eles mesmos e suas expectativas
O que ele realmente necessita pode ser algo bem diferente. quanto a "buscas" ou "recusas" não são outra coisa que descrições
Como foi exposto no começo deste trabalho, a demanda mais fre- parciais da deuteroescolha do entrevistado.
qüente é pelo "teste de orientação vocacional". Entretanto, o que é Por outro lado, embora para nós este seja um dos temas mais
necessitado - como também vimos - é outra coisa. O psicólogo, a obscuros dos delineados até aqui, não há dúvida de que é a medula
partir da demanda, deve reconhecer as necessidades, diagnosticá- da atividade clínica, enquanto se refere à orientação vocacional,
las e, eventualmente, fazer com que o adolescente as reconheça pois o que é a orientação vocacional senão a oportunidade de
como tais. aprender a escolher, a decidir? E onde se assenta, senão ali, seu
papel psicoprofilático fundamental?
Não podemos oferecer, nesta altura, mais que um conceito
h) Deuteroescolha (demasiadamente geral, é certo) sobre o qual valha a pena centrali-
zar os objetivos diagnósticos.
Define-se, com este tenno, o processo de como o adolescente
escolheu escolher. Foi criado por analogia ao de deuteroaprendiza-
gem (aprender a aprender). A deuteroescolha evidencia-se na pri- O prognóstico em orientaçãovocacional
meira manifestação do sujeito, que ao formulá-la nos revela, como
metamensagem, o que escolheu dizer e o que omitir. Mostra-nos Dissemos que a característica primordial do primeiro diag-
como escolheu enfrentar uma nova situação a entrevista com o nóstico é o seu caráter funcional. A funcionalidade de um diagnós-
psicólogo. tico é a possibilidade de traçar, sobre a base do referido diagnósti-
Pode mostrar-se perigoso diagnosticar a partir da primeira co, um prognóstico a respeito do comportamento do entrevistado.
manifestação, como é típico da escolha diante de situações novas, Para o prognóstico, consideramos os seguintes itens, alguns
à qual se liga seu comportamento de entrevistado. Entretanto, é dos quais já vimos anteriormente:
lícito supor que haverá certa regularidade no modo em que cada a) Estrutura da personalidade que segundo Bleger (3) de-
individuo defina uma estratégia de opções diante de situações que finimos como "um esquema ou modelo típico de relações do indi-
lhe permitam tomar decisões ou lhe indiquem a necessidade de víduo com o ambiente, que se expressa segundo o objeto c o vín-
tomá-las. Admitindo-se a possibilidade de que haja mais de uma culo, as defesas e a área fenomenológica predominantes".
estratégia de opção "disponível", defrontamo-nos, pelo menos, Interessam-nos tanto os aspectos genéticos como os dinâmi-
com três problemas, que a psicologia geral e a psicologia da perso- cos e estruturais, não por entender que a cada tipo de personalida-
nalidade terão que esclarecer: 1) quantas e quais são as estratégias de corresponde esta ou aquela carreira, mas porque a personali-
de opção?; 2) como as pessoas meta-aprendem as estratégias de dade é o contexto mais amplo em que se insere o comportamento
opção que caracterizam seu comportamento e - dada a hipótese de escolha. Usamos a terminologia e o padrão fornecidos por Btc-
como as pessoas podem empregar diferentes estratégias de opção gcr, em sua Psicologia do comportamento, mas não nos interessa
em diferentes situações?; e 3) pode-se admitir que as pessoas tanto a nosologia como o grau de saúde ou enfermidade que dder-
"escolham" escolher de um outro modo? minarú a decisão de considerar ou não um processo de oricnta1;;10
Embora estas proposições ainda não tenham sido elucidadas, vocacional.
temos observado adolescentes que "escolhem escolher" de uma ou h) Manejo d(/ crise ado/c.,n'lli<'. Na medida c111q11,·a 01irnt:1
de outra forma, em entrevistas de orientação vocacional. Os víncu- ,·:íP vor:wioi1al COllllffL'L'IHlc tk d,·,·is,w:-;a 1,·~.·pcito d:1
a to111:1d:1
90 9/
_ _ _ _ _ ______ Orientaçãovocacional- A estratégiaclínica <J diagnósticoem orientaçãovocacional __

assunção de papéis ocupacionais adultos, a análise da crise adoles- ( mágico, paterno-filial, autoconfiado ou de aspiração), que deter-
cente, tal e qual se produz no entrevistado, permitirá prognosticar minam ou descrevem sua atitude diante do processo de orientação
a possibilidade, que ele tenha, de adaptar-se tanto ao processo de vocacional.
orientação vocacional (incluindo as probabilidades de êxito deste), Tendo-se em conta estes seis itens, elabora-se o prognóstico
como às exigências do mundo adulto, em termos de estudo ou de com respeito à "orientabilidade" do cliente. Entendemos, por orien-
trabalho. tabilidade, a possibilidade de adequar-se ao quadro de trabalho que
Fundamentalmente, devemos considerar o diagnóstico das re- definimos como modalidade clínica e que tende a prevenir más
lações familiares e das situações de aprendizagem, embora elas identificações vocacionais e ocupacionais, ou resolver os conflitos
não esgotem os parâmetros de definição da situação evolutiva que entre identidades ocupacionais contraditórias.
o adolescente atravessa. O prognóstico permitirá, ao psicólogo, decidir não só qual se-
e) Histórico escolar. Esclarece o tipo de vínculos com as si- rá a estratégia de seu trabalho, mas também se irá enfrentar ou não
tuações de aprendizagem, tanto no que se refere ao rendimento a orientação vocacional desse adolescente.
como às relações interpessoais. Permite prognosticar como será o Além disso, esta última decisão depende do primeiro diag-
desempenho do adolescente na universidade; prognóstico que não nóstico e do prognóstico derivado deste e de outros dois fatores:
se baseará em que, "se no secundário saiu-se bem em determinadas ambientais eprofissionais.
matérias, então dar-se-á bem em tal e tal carreira", como costu- Entre os fatores ambientais incluímos, fundamcntalmcn!c: a)
rn,arn fantasiar os adolescentes (e os psicólogos), mas no fato pro- os fatores familiares (a família apóia, repele ou é indifcrcn(c ao
vavel de que o adolescente considerará a situação universitária processo de orientação, tal como é proposto pelo psicólogo); e b)
obedecendo a padrões identificativos adquiridos em sua passagem os fatores institucionais (se o profissional trabalha de modo inde-
pelo secundário. Fá-lo-á, discriminadamente ou não, segundo 0 pendente, numa instituição particular ou pública, gratuita ou paga,
êxi!o do processo de orientação vocacional. etc.).
d) / fist!Íria familiar. Permite prognosticar tanto os sistemas Por fatores profissionais entendemos a capacidade e a expe-
valorativos diante das carreiras e profissões derivadas da classe so- riência do psicólogo para atender um caso específico. Mas o fator
cial a qu~ pertence como os tipos de identificações familiares que, fundamental é a sua própria identidade profissional, pois ela será
no que diz respeito à escolha de carreiras, havíamos assinalado em posta em jogo a cada entrevista, configurando os componentes
outro trabalho (Bohoslavsky, 8). É esta uma das dimensões mais contratransferenciais das situações do processo. O tema é exami-
importantes para o diagnóstico da identidade vocacional (Erikson, nado no capítulo 5.
13, 14). A decisão de enfrentar ou não um processo de orientação vo-
e) Identidade vocacional e ocupacional. Foram definidas no cacional com o cliente baseia-se, especificamente, nas respostas
capítulo 1. Sua descrição e diagnóstico são o melhor meio para se que o psicólogo dê às seguintes perguntas:
traçar uma estratégia, uma tática e uma técnica no processo de 1) Tem, o adolescente, possibilidade de adquirir sua identida-
orientação vocacional. de ocupacional sem uma modificação substancial da estrutura de
f) Maturidade para escolher. Este é um conceito difícil de sua personalidade (o que requereria superar um excessivo acúmulo
definir. Apesar de tudo, sobre as bases do que expressamos anterior- de resistência de sua parte)?
mente, a maturidade pode ser pesquisada a partir do momento que 2) Tem maturidade para tomar uma decisão quanto a seu futu-
atravessa (seleção, escolha, decisão); da situação (predilemática ro profissional?
dilemática, problemática ou de resolução); da deuteroescolha e da~ 3) Tem possibilidade de empregar sua percepção, pensamen-
fántasias de resolução, especialmente de vínculo transferencial tos e ação a serviço do princípio de realidade; de prever difieuld:1-
92
Orientaçãovocacional- A estratégiaclínica O diagnósticoem orientaçãovocacional_

des, alcançar sínteses, tolerar frustrações, ter insight, isto é, tem cos". Entretanto, o fato de que os testes "proporcionam uma infor
um ego basicamente são? 5 mação objetiva e comparável de um conjunto de aspectos da per-
4) Sou a pessoa mais indicada para ajudá-lo? sonalidade do examinado" não justifica que seja "a partir daí (da
5) É este o momento mais adequado para que se inicie seu informação mais rica) que comece o processo de orientação voca-
processo de orientação vocacional? cional propriamente dito". O processo de orientação vocacional
começa na primeira entrevista e a aplicação de testes psicológicos
integra-se a ela, se o psicólogo os considera necessários e com a
Os testes em orientação vocacional finalidade de que o psicólogo tenha uma "informação mais rica".
Como assinala Tavella, a "tomada de consciência", que é im-
A proposição diagnóstica que esboçamos e a ênfase que atri- prescindível para uma boa escolha, não dependerá da informação
buímos à importância da análise da primeira entrevista poderiam obtida pelos testes, mas da validade, aceitação e elaboração das in-
conduzir a um erro quanto à desvalorização dos testes mentais terpretações que o psicólogo formule ao entrevistado sobre seu
como fonte de informação. comportamento, durante o processo de orientação.
Consideramos ilusória a suposição de que sempre se pode Portanto, os testes são instrumentos que servem ao psicólogo,
prescindir de instrumentos psicornétricos ou projetivos na elabora- mas não a quem consulta ("como uma radiografia a um médico ...").
ção do diagnóstico em orientação vocacional. Do ponto de vista clínico, também devemos prestar atenção
Não obstante, é preciso advertü~ mais uma vez, que os testes ao significado dado pelo entrevistado à aplicação de testes psico-
têm um papel instrumental na tarefa clínica e que, corno tais, su- lógicos, pois o comportamento do sujeito, numa situação de teste,
bordinam-se aos fins do psicólogo, convertendo-se em valiosos também tem seu "texto", "contexto" e "subtexto".
instrumentos, quando este tem consciência do seu emprego, ou em Dada a amplitude do tema, que ultrapassa os limites deste tra-
empecilhos no exercício de seu papel, quando transfere aos testes a balho, limitamo-nos a assinalar, tão-somente, alguns significados
tarefa reparadora ou preventiva. que o teste pode assumir para o sujeito.
A boa utilização dos testes supõe não só que se conheça seus Em primeiro lugar, o teste pode ser um objeto idealizado -
fundamentos teóricos e sua característica de validade e fidedigni- portanto esperado e, no momento de sua aplicação, converter-se
dade, mas também que se saiba para que são aplicados. num objeto persecutório que invade e "rouba" o sujeito. Denomi-
No campo da orientação vocacional clínica, os testes podem namos estas fantasias, respectivamente, de "a bola de cristal" e de
desempenhar urna função valiosa, mas nunca poderão substituir a "o detector de mentiras".
função do psicólogo. Por outro lado, é conveniente destacar que Em outros sujeitos, as fantasias persecutórias que o teste des-
não existem testes de orientação vocacional. Existem, sim, testes perta podem estar acompanhadas de leves sentimentos de desper-
que, por suas características, permitem ao psicólogo proporcionar sonalízação, nos quais o teste é considerado como "uma caixa-for-
dados sobre aspectos mais ou menos específicos da personalidade te, onde o psicólogo tem guardadas coisas minhas".
do sujeito. O teste pode ser visualizado, também, como um acompanha-
Em qualquer caso, a seleção da bateria a ser empregada pres- mento contráfobo, desde que o objeto fobígeno seja o futuro ("se o
supõe um pré-diagnóstico, pois, quanto mais claras forem as per- teste diz que posso seguir o que me agrada, quer dizer que escolhi
guntas, mais ajustada será a avaliação deste e tanto mais o teste se bem") ou o psicólogo ("estou de acordo com o que diz das entrl'
[~justaráa seu papel instrumental. Concordamos com Tavella (40), vistas, mas não vai me fazer um teste para as dúvidas?"). ( 'h;1111;1
quando afirma que "é um erro grosseiro identificá-la (a orientação mos a primeira fantasia de o teste "fantasia da pitonisa" e a Sl'J•.1111
vocacional) com a aplicação de uma bateria de testes psicológi- da, de "fantasia do andarilho".
94
_ _ _ _ _ Orientaçãovocacional~A estratégiaclínica
(J diagnósticoem orientaçãovocacional____ _
Também para o psicólogo o teste pode ser depositário de dife-
rentes tipos de fantasia. Basicamente, para ele, o teste é: a) um 6) Escolher sempre me fez ...................................................................... .
7) Quando era criança queria ................................................................... .
acompanhante contráfobo, que lhe permite tomar distância do
8) Os ra~a~es da minha id~de ?referem ................................................... .
adolescente (geralmente o que mais se teme é a confusão e a racio- 9) O mais importante na vida e ................................................................ .
nalização típica é: "quero ser objetivo"); e b) uma "ponte" que lhe 1O)Comecei a pensar no futuro ................................................................. .
permite estabelecer um vínculo com o adolescente, para "poder 11) Nesta sociedade vale mais a pena ...... do que ...................................... .
entender". 12) Os professores acham que eu .............................................................. .
Tanto nestes como noutros casos em que a aplicação da bate- 13) No curso secundário sempre ............................................................... .
ria se converte num verdadeiro ritual, tratar-se-ia das deficiências 14) Quanto às profissões, a diferença entre moças e rapazes é .................. .
na identidade profissional e do mecanismo defensivo, tendentes à 15) Minha capacidade ............................................................................... .
sua recuperação. Examinaremos este ponto no capítulo 5. 16) As garotas da minha idade preferem ................................................... .
17) Quando fico em dúvida entre duas coisas ............................................ .
Não nos parece necessário apresentar, neste trabalho, uma lis-
18) A maior mudança na minha vida foi ................................................... .
ta dos testes que podem ser usados em orientação vocacional, se o 19) Quando penso na Universidade ........................................................... .
psicólogo entender conveniente. 20) Sempre quis ...... mas nunca poderei fazê-lo ....................................... .
De acordo com nossa experiência, quando surgem dúvidas 21) Se eu fosse ...... poderia ....................................................................... .
diagnósticas, usamos os seguintes testes: Weschler; Phillipson ou 22) Minha família ....................................................... •••.••.••.••••••••••••••••••••••
TAT; Desiderativo; Par, Trio ou Família (segundo o caso); Minhas 23) Meus colegas pensam que eu .............................................................. .
Mãos; Kuder; DAT. 24) Estou certo de que .................................................................. •••••••••••••.
Quando a tarefa se realiza no âmbito escolar, recorremos ao 25)Eu ........................................................................................................ .
sociograma, que não só proporciona informação diagnóstica sobre
as relações interpessoais do adolescente, como também informa-
ção prognóstica quanto à constituição dos grupos para a tarefa fu-
Uma palavra final sobre a orientação vocacional clínica
tura.
O que dissemos até aqui a respeito do diagnóstico em orienta-
Ultimamente, julgamos de fundamental importância avaliar
ção vocacional só tem sentido a partir da perspectiva esboçada no
especialmente as respostas dadas às lâminas em branco do TAT e
começo deste livro.
do Phillipson, que parecem se correlacionar estreitamente com as
A ênfase na estratégia clínica e muitas das proposições for-
respostas ao Desiderativo. Além disso, elaboramos um teste de
muladas induziram muitos a pensar que este modo de entender a
frases incompletas, adequadas à situação de escolha, cuja confia-
orientação vocacional confundia seus limites com a psicoterapia.
bilidade e validade estavam sendo investigadas numa população
Talvez a delimitação que se pretende estabelecer hoje não seja tão
de cem sujeitos.
clara como seria desejável e, possivelmente, tal situação derive de
Teste de frases incompletas para exploração da identidade vo- muitos fatores, entre outros, e não o menos importante, a falta de
cacional:
uma tradição em psicologia de campo na Argentina. Esta falta
de tradição pode ter conduzido muitos profissionais à necessúria
1) Sempre gostei de ................................................................................. .
opção entre uma "numerografia" desumanizada e as contribui<;ôl's
2) Acho que, quando for maior, poderei .................................................. .
de uma psicologia mais "psicanalítica".
3) Não consigo me ver fazendo ............................................................... .
Embora a diferença entre orientação vocacional e rsicotn;1
4) Meus pais gostariam que eu ................................................................ .
5 ) Se estudasse ........................................................................................ . pia não possa ser nitidamente traçada, pelo menos existe u111sn,·11
eia dos objetivos perseguidos pela primeira.
1)6 ') ,

_ _ __ Orientação vocacional -A estratégia clinica O diagnóstico em orientação vocacional. - _

Talvez mais importante do que levar a termo a escolha de uma b) que o comportamento sempre implica conflito ou amhil'II
carreira seja levar a bom termo a escolha de um futuro (seja estudo lência, o que vale dizer que o conflito é inerente à vida humana,
ou trabalho). A diferença acha-se na aprendizagem de como esco- mas não necessariamente como patologia, e sim, possivelmenk,
lher, que é o objetivo fundamental da orientação vocacional. · como a expressão em nível humano da contradição que exist<.:
Um cartaz do D.O.V da Universidade de Buenos Aires popu- na natureza;
larizou esta frase: ''A carreira depende da largada." Acreditamos c) que o comportamento só pode ser entendido em relação ao
mais que a "carreira", que excede os limites do estudo universitá- contexto no qual se produz, ou melhor, que sua significação trans-
rio, depende da possibilidade de o indivíduo adotar decisões auto- cende os limites da pessoa e inclui os contextos situacionais, entre
nomamente (na mais ampla acepção do termo). os quais tem primazia hierárquica a relação inter-humana; e
Neste sentido, talvez a tarefa seja mais psicoprofilática do d) que o ser humano orienta seu comportamento no sentido
que psicoterapêutica, embora a remoção de obstáculos para se che- de uma integração ou harmonia interna progressiva, que está sub-
gar a uma "boa" escolha implique, possivelmente e em certo senti- metida a vicissitudes vitais, das quais a escolha do futuro - a esco-
lha de carreira não é a mais irnpo1iante.
do, uma atividade "terapêutica".
Este capítulo não é mais do que uma tentativa de concretizar
Em síntese, a orientação vocacional perseguiria dois tipos de
elementos para uma sistematização da técnica de .diagnóstico em
objetivos: um observável, que consistiria na definição de uma car-
orientação vocacional. Neste sentido, pretendemos somente pro-
reira ou um trabalho, e outro não observável diretamente, que se
porcionar algumas aberturas, na convicção de que, para os psicó-
refere, por um lado, à deuteroescolha, considerando-se que a orien-
logos como também para o adolescente que escolhe -, são váli-
tação vocacional permite ao adolescente aprender a escolher e, por
dos aqueles versos de Machado:
outro lado, à promoção da identidade vocacional, portanto, de sua
identidade pessoal. Caminhante, não há caminhos;
Em função dos objetivos que delineamos, a estratégia, a tática faz-se o caminho ao andar.
e a técnica a empregar caracterizam-se por: uma modalidade clíni-
ca, no sentido esboçado anteriormente; uma intenção "não direti-
va", no sentido rogeriano, e, além disso, comprometida compres- Referências bibliográficas
supostos filosóficos a respeito da liberdade hwnana; objetivos fun-
damentalmente prospectivos e, em tal medida, psicoprofiláticos, (1) Ackennan, Nathan - Diagnóstico y tratamiento de las relaciones fami-
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quadros de referência, consideramos oportuno explicitar a orienta- Entrevista y grupos. Nueva Visión, Buenos Aires, 1972.
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Por orientação dinâmica entendemos, concordando com Mowrer
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a) que o comportamento humano é funcional e que, portanto, ción Vocacional", em Actas de las Primeras Jornadas IÍl:t:,·111í11,11,/,
a análise do comportamento humano deve incluir sua finalidade; Orientación Vocacional. UNBA, 1965.
')')
1)8 O diagnóstico em orientação vocacional
_ . Orientação vocacional -A estratégia clínica

(8) Bohoslavsky, Rodolfo "Bacia un modelo de la orientación vocacional (29) Leibovich de Duarte, Adela- "Evolueión de los intereses vocacion,11<-s·
centrado en el concepto de identidad vocacional". Ibidem. Ibidem.
(9) Brea, M., Sturm, N. e López, S. "La información ocupacional como (30) Leibovich de Duarte, Adela "Fantasías y temores frente a la elccciú11
etapa dei proceso de elección vocacional". Ibidem. vocacional". Ibidem.
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