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Opinião

A Agroecologia na
região Nordeste
do Brasil
Amaury da Silva dos Santos
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Embrapa Tabuleiros Costeiros.
E-mail: amaury.santos@embrapa.br

O
processo de modernização econômica e ambiental. Assim, presume-se
da agricultura brasileira a elevação do uso de tecnologias e insumos
tem se pautado na inten- sustentáveis que contribuam não só para o
sificação tecnológica dos aumento da rentabilidade, mas também para
sistemas de produção, a qual tem se ma- a superação de problemas sociais, ambien-
nifestado no aumento da produtividade e tais e ecológicos.
renda de uma parte dos agricultores, prin- Observa-se assim a necessidade de se
cipalmente aqueles ligados ao agronegó- criar alternativas para que os atuais agroe-
cio. No entanto, agricultoras e agricultores cossistemas baseados em pacotes tecnoló-
familiares (em número quantitativo bem gicos possam migrar para modelos sustentá-
maior) apresentam grande diversidade no veis de produção e, em algumas situações,
uso de tecnologias e na sua geração de que sistemas de produção já consolidados

Foto: Cícero Gomes dos Santos e Ricardo Luiz


renda, a qual deriva de diferentes fatores. por agricultores familiares sejam potenciali-
Na região Nordeste esse quadro se zados e reproduzidos por outros agricultores.
reproduz. No entanto, o número de famí- Assim, surge a Agroecologia como uma ci-
lias agricultoras em vulnerabilidade pro- ência capaz de produzir as respostas neces-
dutiva, social e ambiental é muito grande, sárias a partir do diálogo de saberes envol-
Rocha Ramalho Cavalcanti. agravando-se ainda mais na região semi- vendo a academia e os saberes das famílias
árida, onde a limitação de água compro- agricultoras.
mete muito seus agroecossistemas. Neste Dentro desse contexto, essa publicação
contexto, existe um consenso da necessi- tem por objetivo retratar como a Agroecolo-
dade de desenvolvimento fundamentado gia tem evoluído na região Nordeste, tendo
em condições de sustentabilidade social, como base as experiências nos estados de

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Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí, Rio Gran-
de do Norte e Sergipe.
A região Nordeste do Brasil apresenta
Institutos Federais, como em instituições
de pesquisa e de extensão. Em muitos
desses Núcleos houve uma grande apro-
Agroecologia em Alagoas:
grande variabilidade de ecossistemas, desde
a sua região litorânea até a Caatinga, com co-
nhecimentos populares igualmente diversos em
ximação com movimentos sociais, insti-
tuições representativas de agricultoras e
agricultores, organizações governamen-
cenário atual e
magnitude. Nos textos apresentados a seguir é
possível observar as diferenças na construção do
conhecimento agroecológico na região Nordeste,
tais, além da integração do tripé ensino-
-pesquisa-extensão. Ainda com aporte do
CNPq, foi formada a Rede de Núcleos de
perspectivas futura
no entanto, de maneira geral, destaca-se o papel Agroecologia da região Nordeste, carinho-
fundamental da educação nesse processo. samente chamado de RENDA. Essa rede
Cícero Gomes dos Santos¹
Observa-se que a partir da década de 1980 promovia intercâmbios entre os diferentes
ocorreram movimentos que questionavam o mo- Núcleos favorecendo grande integração Ricardo Luiz Rocha Ramalho Cavalcanti²
delo tecnológico promovido pela chamada “Re- entre a academia e setor produtivo, tendo _________________________________________
volução Verde”. Foram organizados grupos e contribuído significativamente na realiza- ¹Universidade Federal de Alagoas.
a participação em eventos, como os Encontros ção de diversos eventos, destacando-se o E-mail: cgomes@arapiraca.ufal.br
Brasileiros de Agricultura Alternativa, cujo último último Congresso Brasileiro de Agroecolo- ²Instituto Terraviva – Alagoas.
ocorreu em Porto Alegre em 1989. As discussões gia (CBA) realizado em 2019 em Sergipe.
ocorridas naqueles espaços com especialistas, O CBA foi um momento de muita re-
como a professora Ana Maria Primavesi, foram presentatividade da Agroecologia da re-
reproduzidas nas Universidades nos seus dife- gião Nordeste. Um número expressivo de
rentes rincões, espalhando essa “nova” agricul- participantes e de trabalhos acadêmicos,
tura que surgia. além das manifestações artístico-culturais
Com o passar dos anos, a criação de no- que mostraram todo o potencial da região.
vas Universidades e Institutos Federais na área Tudo em aproximação com o preconizado
rural tem provocado uma revolução, nem sem- nos Núcleos de Agroecologia e os diálogos Histórico seu cultivo. Esse impedimento climático,

A
pre silenciosa. Houve uma expansão de cursos da academia e conhecimento popular, tão lagoas é um dos nove esta- por exemplo, proporcionou o apogeu da
de ciências agrárias, muitos deles com grande fortemente expostos nos textos a seguir. dos que compõem a região fumicultura no Agreste, a evolução da
participação de jovens filhas e filhos da agricultu- Na construção de uma ciência com o Nordeste, ocupando uma pecuária leiteira e o ciclo de ouro do al-
ra familiar, de indígenas e comunidades tradicio- protagonismo do diálogo do conhecimen- área territorial de 27.933 km² (IBGE, godão mocó no semíárido, bem como o
nais. No início, a Agroecologia era oferecida na to acadêmico com o saber popular dos 2010). Sua economia é, fortemente, in- predomínio das culturas de subsistência,
forma de disciplina, obrigatória ou optativa. Mas camponeses, no final do mês de abril de fluenciada pela atividade agrossilvipas- altamente dependente das chuvas e da
logo em seguida, foram criados cursos de nível 2021, a Agroecologia perdeu uma de suas toril, vocação que vem sendo registra- mão de obra familiar.
médio, tecnólogos, bacharelados em Agroecolo- principais influências teóricas e práticas, da desde os primórdios da colonização O modelo de exploração agropecu-
gia em praticamente todos os estados da região, o professor Francisco Roberto Caporal. do Brasil, quando, ainda, fazia parte da ária em Alagoas, era centrado nas matri-
além de pós-graduação com a temática. Foi presidente da Associação Brasileira capitania de Pernambuco. Tem partici- zes tecnológicas, que permitiam explorar
A formação de redes foi outro processo que de Agroecologia e exercia o cargo de pro- pado do ciclo da cana-de-açúcar, que grandes áreas, induzindo à concentração
ganhou impulso, como destacado nos textos. An- fessor na Universidade Federal Rural de marcou sua história até os dias atuais, da terra e o cultivo limitado de poucas
tes com grande protagonismo de instituições liga- Pernambuco, junto ao Departamento de contribuindo para a elevada concentra- explorações, levando a agricultura fa-
dos às famílias agricultores, mas nos últimos tem- Educação, onde coordenava a área de Ex- ção de terras e um baixo IDH (Índice de miliar de base agroecológica, a se fixar
pos há a participação cada vez mais frequente de tensão Rural. Apesar de sua partida preco- Desenvolvimento Humano). em áreas marginais ou periféricas. Assim
órgãos públicos de ensino, pesquisa e extensão, ce, deixou expressivo legado que, quase A cana-de-açúcar predominou na sendo, a agricultura praticada com es-
como na Rede Sergipana de Agroecologia e a que obrigatoriamente, é referencial para região mais úmida, sendo intercalada sas características, pouco se desenvol-
Rede Mutum de Agroecologia, em Alagoas. cada um dos textos aqui publicados. por culturas de subsistência e pecu- veu, mesmo considerando a definição de
Com o suporte do CNPq, Núcleos de Agro- Caporal Presente! ária, nos ambientes não propícios ao Mendonça et al. (2014), como a ciência e
ecologia foram criados tanto em Universidades e

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