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2000 737
ISSN 0103-8478
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -
1
Aluno do Curso de Pós-Graduação em Zootecnia, Universidade federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Av.: Bento Gonçalves, 7712,
91540-000, Porto Alegre – RS. E-mail: kozloski@mousenet.com.br. Autor para correspondência.
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Professor Adjunto, Departamento de Zootecnia, UFRGS.
Recebido para publicação em 24.02.99. Aprovado em 17.11.99
738 Kozloski & Ciocca
expensive and exhaustíble. and to the food dependence and ecológicos e pressões socio-econômicas de longo
insecurity in Brcail, it is possible to consider Brazilian prazo" (ALTIERE, 1987 apud ALMEIDA, 1997).
agroecosystems as fragile and unsustainable, needing a short Desse modo, a sua sustentabilidade não depende
temi revaluation as to public policies for this sector as well as to somente de um, mas sim, de um conjunto de fatores
research objectives. ecológicos e sócio-econômicos aluando
interativamente, entre os quais aqueles associados ao
Key words: agroecosystems, energy, sustainability uso da energia.
Sob esse ponto de vista, é de interesse a
análise da origem e da eficiência do uso da energia
INTRODUÇÃO
nos sistemas de produção animal e vegetal e, sob
uma perspectiva mais ampla, da distribuição do uso
Após a segunda grande guerra, a da energia nas diferentes regiões do mundo. O
agricultura mundial sofreu profundas objetivo desta revisão é fazer essa análise e
transformações, que foram caracterizadas pela relacioná-la com a sustentabilidade dos sistemas de
intensificação, especialização, padronização e produção agrícola predominantes no mundo e no
internacionalização dos produtos e do processo Brasil.
produtivo, e que constituíram a base da chamada
Revolução Verde. A Revolução Verde foi baseada AGROECOSSISTEMAS
no paradigma tecnológico fundamentado pela
modificação das condições naturais para favorecer o Em biologia, um conjunto de organismos
potencial genético de plantas e animais (FAO, vivos associados ao seu ambiente físico e químico é
1995a). denominado ecossistema (HEITSCHMIDT et al.,
O desenvolvimento da agricultura durante 1996). Agroecossistemas são ecossistemas agrícolas
a Revolução Verde foi desigual nas diferentes que têm como objetivo básico a manipulação dos
regiões do mundo, favorecendo o aumento da recursos naturais com vistas a otimizar a captura da
concentração da renda e da produção de alimentos energia solar e transferi-la para as pessoas na forma
nos países desenvolvidos e um aumento da pobreza de alimentos ou fibras. Além disso, nos
e da dependência por alimentos nos agroecossistemas, o homem é um componente ativo,
que organiza e gestiona os recursos do sistema
subdesenvolvidos (B RUM, 1988). Além disso, os
(HECHT, 1991). Desse modo, é apropriado salientar
sistemas intensivos de produção agrícola têm que é incorporado ao objetivo inicial básico, aqueles
causado sérios danos ambientais caracterizados, por de natureza sócio-econômicos, como por exemplo, a
um lado, pelo rápido esgotamento de recursos obtenção do lucro, na agricultura empresarial
naturais e, por outro, pela poluição e/ou capitalista, ou, na agricultura familiar, a
contaminação devido à excessiva liberação de sobrevivência e estabilidade da unidade familiar de
componentes residuais no meio ambiente. produção. Um outro aspecto importante é que a
Desse modo, em virtude de crescentes definição dos limites de um agroecossistema vai
críticas que vem recebendo, abordagens alternativas depender da amplitude do objeto de estudo. Nesse
têm surgido e se difundido ao longo dos últimos caso, um agroecossistema pode ser considerado uma
anos, as quais parecem convergir na avaliação de cultura ou uma criação dentro de uma unidade de
que o atual modelo agrícola é insustentável, e de que produção, pode ser a unidade de produção em si,
os parâmetros a serem avaliados para considerar pode ser o conjunto das unidades de produção de
algum aceitável deve ser mais amplo que aqueles uma região, de um país, ou mesmo, do mundo todo.
monetários, devendo incluir o custo e/ou impacto Num agroecossistema, podem estar envolvidos
ambiental ou, até mesmo, o impacto sócio- também os elementos e/ou fatores externos às
econômico e cultural. unidades de produção, que de uma forma ou de outra
A Comissão Mundial para o Meio influenciam e/ou determinam a sua dinâmica, como
os setores de apoio técnico ou creditício, o mercado,
Ambiente e Desenvolvimento, ligada à FAO
as indústrias de insumos e de transformação, entre
(Organização das Nações Unidas para a Agricultura outros (ALTIERI & YURJEVIC, 1991).
e Alimentação), conceitua desenvolvimento
sustentável como sendo um "processo dinâmico FONTE DE ENERGIA
destinado a satisfazer as necessidades atuais sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de As fontes de energia utilizadas nos
atenderem suas próprias necessidades". Agricultura agroecossistemas podem ser limitantes a sua
sustentável, especificamente, é considerado aqui sustentabilidade devido a pelo menos dois aspectos:
como sendo a "habilidade de um sistema agrícola em se são renováveis ou não, e se são poluidoras do
manter a produção através do tempo, face distúrbios meio ambiente ou não.
parte desses grãos seja consumida por aves e suínos na produção animal que tem custo energético de
(59%) e a menor pêlos ruminantes (37%), a produção mais alto que pastagens cultivadas e,
produção de energia pelas criações, na forma de principalmente, que nativas, como pode ser
alimentos para o homem, no entanto, tem sido, em observado na tabela l. Também, dentre as espécies
sua maior parte, derivada dos ruminantes (61 vs de animais domésticos, os bovinos de corte estão
39%). entre os menos eficientes quanto à transformação da
Os sistemas de produção animal têm um energia do alimento no produto carne (FARIA &
balanço energético com valores quase sempre CORSI, 1988; CHURCH, 1980). Somente em tomo
negativos, destacando-se os de produção avícola de 4% da energia consumida por essa espécie é
como os mais ineficientes, com uma relação convertida em carcaça para o consumo humano, que
output/input em tomo de 0,1 (BOWMAN, 1980). é uma eficiência em tomo de quatro vezes menor
Adicionalmente, WATHES (1981) comparou que a apresentada por suínos e seis vezes menor que
diferentes sistemas de produção de ovos da a de bovinos de leite e de aves.
Inglaterra, em gaiolas, semiconfinados e livres, Outro aspecto a ser considerado na
verificando que todos eles eram igualmente avaliação do uso da energia em sistemas de
ineficientes em relação ao uso de combustíveis produção animal é a eficiência com que eles
fósseis (apresentando em média uma relação transformam a energia da ração, potencialmente
utilizável pelo homem, em energia na forma de
output/input de energia de 0,15). Os sistemas de produto final, ou seja, o nível de competição pelo
criação livres tinham menor gasto de energia cultural alimento entre uma criação animal e o homem. Essa
associado à infra-estrutura, mas as aves consumiam relação é quantificada através do índice de retorno
maior quantidade de ração para compensar o gasto humano, que representa a proporção da energia das
de energia com atividade e regulação da temperatura matérias primas comumente fornecidas aos animais
corporal. que é transformada em produto animal utilizável
HEITSCHMIDT et al. (1996), por sua pelo homem, comparada com a energia que ele
utilizaria se consumisse a matéria prima diretamente.
vez, avaliaram diferentes sistemas de produção de Entre as espécies domésticas, os bovinos de leite são
bovinos de corte prevalentes nos EUA, nos quais os que têm a mais alta e as aves de corte a mais
eram usados alimentos concentrados e conservados baixa eficiência potencial de transformação de seu
em diferentes. fases da criação. Observaram que alimento em produto humano (CHURCH, 1980). No
todos eles têm um balanço de energia entanto, nos ruminantes essa eficiência varia com o
consideravelmente negativo, apresentando valores tipo de alimento utilizado no sistema. OLTJEN &
da relação output/input de 0,18 a 0,40. Esses BECKETT (1996) estudaram alguns sistemas de
produção de bovinos existentes nos EUA e
resultados podem ser explicados pelo fato de que observaram que, nos de produção de leite, o retomo
grãos e forragens conservadas constituem insumos humano de energia na forma de leite era positivo
(128 %) quando os animais
recebiam subprodutos industriais
em sua dieta e, negativo (57 %),
quando as dietas eram a base de
grãos de cereais. Nos de bovino de
corte, que usavam altas
quantidades de grãos nas dietas, o
retomo era sempre negativo (28 a
37 %).
Com base nos dados da
tabela l e nos estudos apresentados
acima e, considerando-se somente
a eficiência energética como
critério para avaliar a
sustentabilidade dos
agroecossistemas, parece evidente
que o sistema de produção animal
mais eficiente é o de produção de
ruminantes sobre campos naturais,
cujo input de energia cultural é
praticamente nulo (Tabela l).
Analisando da mesma forma,
torna-se evidente também que, em
geral, a produção intensiva de suínos e aves é consumo de energia, não refletem as reais condições
energeticamente ineficiente, caracterizados por um dos sistemas produtivos ou os contrastes existentes
balanço energético do sistema negativo e, entre as diferentes regiões do mundo e/ou numa
inevitavelmente, com um retorno humano também mesma região. Esses contrastes são responsáveis, em
grande parte, pela quebra da homeostase ambiental,
negativo, por concorrerem diretamente com o
pela geração de tensão social e, conseqüentemente,
homem pelo alimento (grãos). No entanto, se, por pela instabilidade dos agroecossistemas em várias
um lado, nos sistemas tradicionais de produção de regiões do mundo.
bovinos sobre campos naturais, o balanço de energia Sem dúvida, grande parte da crise social e
cultural é significativamente positivo, por outro, tem ambiental estabelecida no mundo, atualmente, é
sido demonstrado que eles têm degradado a consequência do fato que 25% da população
biodiversidade e o solo dessas áreas (GONÇALVES mundial presente nos países industrializados
et al., 1990, VAVRA, 1997) e apresentam uma consomem 75% dos recursos naturais e/ou
produtividade muito baixa. No Rio Grande do Sul, a produzidos na Terra (AMIGOS DE LA TIERRA-
produtividade da pecuária de corte sobre campos PAÍSES BAJOS, 1994).
naturais situa-se entre 25 - 85Kg de peso Embora tenham somente 16,7% da
vivo/ha/ano (MARASCHIN, 1981, ZIMMER & população, os países da Europa Ocidental e da
EUCLIDES FILHO, 1997), o que não permite o América do Norte consomem 50% da energia,
suprimento nem da demanda atual e muito menos, produzem 33,1% dos cereais, 40,7% da carne e
da demanda potencial futura por carne (JACQUES, 46,5% do leite do mundo (FAO, 1980, FAO, 1995b).
1990). De qualquer maneira, considerando os Menos de 10% da população ativa desses países é
resultados da pesquisa de balanço energético ligada à atividade agrícola, enquanto que, nos
apresentados anteriormente, seria mais racional e subdesenvolvidos, quase 50% está envolvida nessa
mais aceitável energeticamente que a base alimentar atividade (FAO, 1995b). Definitivamente, a maior
da produção de bovinos fosse alterada de uma com parte dos alimentos do mundo são produzidos nos
grãos para outra com pastagem e/ou subprodutos países industrializados em sistemas que exigem um
industriais. No caso da produção de aves e suínos, alto input de insumos e/ou energia cultural. Embora
assim como para os ruminantes, do ponto de vista os agroecossistemas sejam significativamente mais
agroecológico, a aceitabilidade desses sistemas produtivos, consomem muito mais energia por área
dependem, também, de outros fatores além da cultivada (doze vezes) e por trabalhador (cinquenta
eficiência energética. O mercado pode ser vezes) do que nos países subdesenvolvidos (FAO,
considerado um dos elementos dos agroecossistemas 1980).
e, dessa forma, também é um determinante de sua No Brasil, assim como em vários outros
sustentabilidade. Embora ele seja conjuntural e países subdesenvolvidos, o padrão de
diverso, se considerarmos que todos os indivíduos desenvolvimento do setor primário idealizado pela
das sociedades tivessem real acesso aos alimentos e Revolução Verde foi adotado mais tarde que nos
que a capacidade de produção de alimentos numa países do Primeiro Mundo, ou seja, em meados da
base agroecologicamente aceitável não tivesse sido década de 60. Entre os indicadores dessa mudança
esgotada, as sociedades poderiam optar, em estão a transferência de um grande contingente da
determinado momento, entre consumir uma maior população ativa do setor primário para os setores
quantidade de energia e outros nutrientes secundário e terciário ou, de outra forma, de
diretamente na forma de grãos, ou uma menor população do setor rural para o urbano a partir,
quantidade destes, mas na forma de produto animal, principalmente, da década de 60 (IBGE, 1996).
como carne, ovos e seus subprodutos. O processo de "modernização" ou de
intensificação da produção agropecuária no Brasil
DISTRIBUIÇÃO DO USO DA ENERGIA não se deu de maneira uniforme nas diferentes
A distribuição do uso da energia também regiões e nem tampouco abrangeu as várias culturas
é um importante fator a ser considerado na avaliação e criações. A partir do final da década de 60, houve
da sustentabilidade dos agroecossistemas, porque ela uma significativa expansão da área cultivada e um
está associada ao fluxo de matéria e de renda dentro aumento na produtividade de cultivos como o milho,
e entre os sistemas. Isso implica que o a soja e a cana de açúcar, e uma estagnação ou
fortalecimento relativo de um sistema produtivo mesmo redução da área e da produtividade de
resulta na fragilidade de outros, em função das cultivos, como o trigo e o feijão. Logicamente, a
relações de troca e/ou transferência que se dinâmica evolutiva dessas diferentes culturas está
estabelecem entre eles. Dados totais ou médias de diretamente associada à evolução do input de
produção e consumo de alimentos e, no caso, de
energia em cada uma delas. O aumento da
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