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Agroecologia 45

Ecologia e biodiversidade do solo


no contexto da agroecologia
Heitor Luiz da Costa Coutinho 1
Mariella C. Uzêda 2
Aluísio Granato de Andrade 3
Sílvio Roberto de Lucena Tavares 4

Resumo - Os aspectos da ecologia e da biodiversidade do solo no contexto da agroecologia


são vários. Um modelo conceitual que explica os fatores determinantes da sustentabilidade,
do ponto de vista ecológico e de produtividade, de sistemas de produção que se baseiam
nos preceitos da agroecologia, é aqui descrito, assim como a influência e as relações existentes
entre a biodiversidade do solo e esses fatores. Uma revisão dos componentes e funções da
biodiversidade do solo é apresentada, preparando o leitor para uma análise dos impactos
que o manejo agrícola das terras pode acarretar aos processos ecológicos do solo e, por outro
lado, das possibilidades de manejo daquela biodiversidade e/ou de suas funções, visando
otimizar os fatores determinantes da sustentabilidade de sistemas de produção agroecológicos.
Por fim, é importante considerar o conhecimento tradicional do homem do campo no
desenvolvimento de estratégias de manejo da biodiversidade do solo e analisar os cenários
futuros e os desafios para lograr êxito na busca pela agricultura ecológica sustentável.
Palavras-chave: Agroecossistema; Ecossistema; Agricultura sustentável.

INTRODUÇÃO Este artigo analisa, sob a ótica da agro- vimento sustentável: aquele “que satisfaz
Em muitos anos de esforços voltados ecologia, as possibilidades que os conheci- as necessidades presentes, sem compro-
para o aumento da produtividade agrícola, mentos acumulados sobre o solo, sua bio- meter a capacidade das gerações futuras
inúmeros sucessos foram alcançados, con- diversidade e funcionamento nos apontam, de suprir suas próprias necessidades”. O
ferindo maior competitividade aos países direcionando-os para o desenvolvimento Relatório Bruntland, também conhecido
produtores em um mercado globalizado e de sistemas de produção que valorizam os como “Nosso Futuro Comum”, reafirma
obtenção de relativa capitalização. Entre- processos biológicos fundamentais à pro- uma visão crítica do modelo de desenvol-
tanto, junto com os ganhos produtivos dutividade agrícola sustentável. vimento adotado pelos países industria-
vieram os problemas associados à degra- lizados e reproduzido pelas nações em
dação ambiental, principalmente devido à AGRICULTURA SUSTENTÁVEL desenvolvimento, e ressalta os riscos do
redução da qualidade do solo e disponibi- Em 1987, a Comissão Mundial sobre o uso excessivo dos recursos naturais sem
lidade de nutrientes, erosão e contamina- Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada considerar a capacidade de suporte dos
ção por metais pesados e pesticidas, le- pelas Nações Unidas, publicou o Relatório ecossistemas.
vando ao comprometimento de aqüíferos e Bruntland, no qual foi apresentada a defi- Este conceito foi então aplicado aos
dos índices produtivos conquistados. nição mais aceita e adotada para o desenvol- variados setores da economia global,

1
Engo Agro, Ph.D., Pesq. Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico, 1024, CEP 22041-070 Rio de Janeiro-RJ. Correio eletrônico: heitor@cnps.embrapa.br
2
Enga Agra, D.Sc., Profa Instituto de Educação Superior UNYAHNA, Rua Bicuíba, Patamares, CEP 41680-440 Salvador-BA. Correio eletrônico:
mariellauzeda@uol.com.br
3
Engo Agro, D.Sc., Pesq. Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico, 1024, CEP 22041-070 Rio de Janeiro-RJ. Correio eletrônico: aluísio@cnps.embrapa.br
4
Engo Agro, M.Sc., Pesq. Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, CEP 22041-070 Rio de Janeiro-RJ. Correio eletrônico: stavares@cnps.em-
brapa.br

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sendo inevitavelmente adotado pela agri- aplicada e o esforço humano, por outro da produção de alimentos orgânicos, que
cultura. A sustentabilidade da agricultura (GLIESSMAN, 2000). Tem como principal vem crescendo no mundo a taxas de 20% a
tem sido definida, segundo a FAO (1989), objetivo desenvolver formas de manejo 30% anualmente. No Brasil, a agroecologia
como a capacidade de um sistema de pro- agrícola que harmonizem a produção de ocupa uma área de 275 mil/ha, represen-
dução de fibras, bioenergia ou alimento em: alimentos com as estratégias vitais dos tando 2% da produção agrícola do país,
a) manter, no longo prazo, a qualidade componentes bióticos do sistema, incluin- e cresce a taxas de 50% ao ano (EPAGRI,
e quantidade dos recursos naturais do aí a espécie humana. 2003). O movimento agroecológico também
e a produtividade das culturas; A agroecologia utiliza ferramentas e tem influenciado a agricultura industrial,
estratégias da ecologia de ecossistemas que vem adotando de maneira crescente o
b) minimizar os impactos adversos ao
para estudar sistemas agrícolas, passan- sistema de plantio direto (SPD), caracteri-
meio ambiente;
do, então, a chamá-los agroecossistemas. zado pela eliminação das arações e grada-
c) prover retornos econômicos adequa- Estes, segundo Odum (1984), diferem dos gens e pela manutenção da cobertura do
dos aos produtores; ecossistemas naturais por: solo. Hoje, algo em torno de 12 milhões
d) otimizar a produção com um mínimo a) necessitar de energia auxiliar, além de hectares de terras brasileiras estão sob
de insumos externos; da energia solar, para seu funciona- SPD, o que resultou em reduções significa-
mento (trabalho humano e animal, tivas de perda de solo por erosão e o aporte
e) satisfazer as necessidades humanas
pesticidas, fertilizantes, maquiná- de sedimentos aos nossos rios (LANDERS,
de alimentos e renda;
rio); 2001).
f) atender às necessidades sociais das A produtividade e a manutenção da
famílias e comunidades rurais. b) ter, na maioria dos casos, sua diver-
qualidade dos sistemas agroecológicos
sidade biológica reduzida, visando
O desenvolvimento da agricultura nos vão depender das interações entre quatro
à maximização da produção;
ambientes tropicais evoluiu às custas da fatores básicos (Fig. 1):
deterioração progressiva dos recursos na- c) resultar de uma seleção artificial de
a) potencial genético das culturas;
turais, em função da perda da biodiversi- espécies, que produz, via seleção na-
tural subseqüente, organismos do- b) características pedoclimáticas;
dade associada à remoção da vegetação
original e conseqüente degradação do so- minantes no sistema (ex. monocul- c) sincronia no tempo e no espaço entre
lo, em função da redução da fertilidade e turas, pragas e doenças); a disponibilidade e a demanda nu-
aumento da erosão. A definição de um d) ter um maior controle externo do que tricional das culturas;
manejo sustentável requer o entendimen- interno. d) o equilíbrio ecológico entre os fato-
to do funcionamento do ecossistema em A agroecologia vem ganhando força res bióticos e abióticos do agroecos-
resposta às práticas agrícolas utilizadas, nos últimos anos em virtude da evolução sistema (Fig. 1).
tanto no que diz respeito à produção, quan-
to no que envolve o ambiente.

AGROECOLOGIA
A consolidação do conceito de agricul-
tura sustentável fortaleceu o movimento
favorável à agricultura ecológica, como
aquela em condições de atender aos crité-
rios de sustentabilidade na produção de
alimentos. O novo paradigma incorpora a
preocupação com a “saúde” das interações
solo-água-planta e busca maximizar as con-
tribuições biológicas, minimizando as entra-
das energéticas no sistema, principalmente
de pesticidas e adubos minerais solúveis.
A agroecologia é uma ciência híbrida,
fruto da união da ecologia com a agrono- Figura 1 - Modelagem conceitual dos fatores intervenientes na produtividade sustentável
mia. Representa a fusão entre a ciência pu- de sistemas de produção agroecológicos e suas relações com a biodiversidade
ra e a natureza, por um lado, e a ciência do solo

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É importante lembrar que a maior parte Características pedoclimáticas seu retorno ao solo, via decomposição da
das trocas de energia, entradas e saídas de A adequação de sistemas de produção matéria orgânica e estoque nutricional na
matéria de um ecossistema, seja ele natural à aptidão agrícola das terras é condição biomassa microbiana. Nos sistemas agrí-
ou agrícola, ocorre através do solo. A sua fundamental para o sucesso de sistemas colas convencionais, o aporte de matéria
biodiversidade é um dos primeiros compo- agroecológicos. A aptidão agrícola é deter- orgânica é reduzido, e a simplificação do
nentes a afetar e a ser afetado pelos fatores minada por uma conjugação de fatores sistema prejudica as associações simbióti-
mencionados. A biodiversidade do solo ambientais – solo, clima, topografia – que cas, aumentando a dependência por insu-
tem, portanto, fundamental importância indicam se determinada área deve ser ocupa- mos químicos. Esta linha de pesquisa ainda
para o estabelecimento de uma produtivi- da por lavouras anuais, pastagens, lavou- está em fase de aquisição dos conhecimen-
dade sustentável nos sistemas agroeco- ras perenes, atividades florestais, ou sim- tos básicos necessários para modelar, no
lógicos. plesmente deixada sem ocupação. Este espaço e no tempo, a dinâmica dos proces-
Potencial genético das fator também é influenciado pela ação de sos ecológicos no solo e realizar estudos
culturas organismos do solo, uma vez que estes são de cenários, para então poder testar tecno-
As variedades de culturas agrícolas determinantes para o processo de formação logias de manejo cultural.
desenvolvidas pelas empresas e institui- de solos (pedogênese). A biodiversidade
Equilíbrio ecológico
ções de pesquisa agropecuárias têm um do solo também interfere no clima, devido
Ambientes naturais não têm problemas
potencial produtivo definido por suas ca- às suas atuações na produção de gases
de pragas ou doenças que comprometam
racterísticas genéticas e condições do meio associados às mudanças climáticas globais,
significativamente o ecossistema. Uma flo-
onde são cultivadas. Na maior parte dos como o metano e óxidos nitrosos, e no se-
resta em estado de equilíbrio não deixa
casos, este potencial é determinado em en- qüestro de carbono.
de existir em função de um ataque de uma
saios controlados, realizados em campos
Nutrição das plantas espécie de lagarta ou algum fungo parasita.
experimentais, e não é alcançado nas fazen-
Este fator talvez seja o mais relevante Este equilíbrio resulta das cadeias tróficas
das e outras unidades produtivas. Isto por-
para a sustentabilidade de sistemas de pro- e interações que regulam os ecossistemas.
que, em condições reais de campo, é muito
dução agroecológicos. Para que a necessi- Microrganismos fitopatogênicos costu-
difícil garantir a uniformidade genética das
dade de adubação química seja minimizada, mam ter especificidade hospedeira, ou seja,
sementes, a homogeneidade da aplicação
as culturas devem contar, o máximo possí- não infectam todas as espécies. Esta espe-
de adubos e da disponibilidade de água e
vel, com nutrientes provenientes da decom- cificidade pode ser bastante alta, a ponto
nutrientes às plantas, e a ação de organis-
mos do solo que interfiram no desempenho posição de resíduos de tecidos vegetais de de apenas algumas subespécies de plantas
dessas plantas melhoradas. Estes podem culturas anteriormente plantadas ou con- serem hospedeiras de determinada estirpe
ter efeito positivo ou negativo sobre o po- sorciadas, e com simbioses, que permitam o de fitopatógeno. Da mesma forma, a maioria
tencial produtivo das culturas. Por exemplo, alcance de fontes de nutrientes antes inaces- dos insetos fitófagos tem preferência ali-
as variedades de soja brasileiras são desen- síveis. O ideal é que a maior disponibiliza- mentar, e não consomem todas as espécies
volvidas levando-se em consideração sua ção de nutrientes se dê nos momentos de de plantas. Ademais, ocupam posição in-
capacidade de associar-se simbioticamente maior exigência nutricional das plantas, termediária nas cadeias tróficas, isto é, têm
com bactérias fixadoras de nitrogênio do normalmente nas fases inicial de crescimen- inimigos naturais que tratam de manter suas
grupo dos rizóbios. Se estas não se encon- to e de frutificação e/ou amadurecimen- populações em níveis controlados. Já no
tram no solo e não são inoculadas no plan- to de grãos. Esta sincronia dependerá da ambiente agrícola, a destruição do habitat
tio, o potencial genético de produção difi- quantidade e qualidade dos resíduos vege- original resulta no desaparecimento de gran-
cilmente será alcançado. Fatores abióticos tais em decomposição, da estrutura e da de número de espécies, o que compromete
também podem afetar a nodulação e a fixa- atividade das comunidades de organismos interações ecológicas, além de causar ruptu-
ção biológica de nitrogênio na soja, como de solo decompositores, das condições pe- ra do equilíbrio das cadeias tróficas. Isto,
temperatura, umidade, presença de nitrato doclimáticas e das características fisioló- aliado à oferta de grandes quantidades de
no solo, e assim comprometer o potencial gicas e morfológicas das plantas. A con- alimento preferencial para determinados
produtivo da variedade melhorada. Um solidação do paradigma agroecológico na organismos, fato agravado nas monocultu-
exemplo de efeito negativo à produção cau- agricultura e da busca pela sustentabilida- ras, leva ao surgimento das pragas e doen-
sado por organismos de solo, ainda refe- de abriu novas frentes para a pesquisa, ças. Quanto maior o equilíbrio ecológico
rente à cultura da soja, é o aparecimento de sendo uma delas o desenvolvimento de de um agroecossistema, ou seja, cadeias
nematóides fitófagos em sistemas de mono- tecnologia de manejo da biodiversidade do tróficas estruturalmente íntegras, com gran-
cultura sem rotação, impedindo a cultura solo visando otimizar o aporte de nutrientes de quantidade de indivíduos representan-
de alcançar seu potencial genético. da biomassa para as culturas agrícolas, e o tes de diferentes categorias funcionais
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garantindo as interações, e fisiologicamente do, havendo a disponibilidade de água, camente por bactérias do solo, que redu-
ativas, menor será a necessidade de aplica- permitirá o crescimento de plantas que, ao zem a forma gasosa presente na atmosfera
ções de pesticidas. Evidentemente que este serem decompostas, gerarão matéria orgâ- para amônio, íon assimilável pelas plantas.
equilíbrio só poderá ser alcançado com o nica. Esta reterá nutrientes, liberando-os O fósforo está normalmente presente nos
aumento da agrobiodiversidade, ou seja, lentamente para os próximos colonizadores. solos tropicais em formas químicas indis-
da riqueza e abundância de espécies pre- Esta maneira simplificada de apreender o poníveis. Microrganismos podem solubi-
sentes no sistema de produção. processo de pedogênese, do ponto de vis- lizar fosfatos (bactérias) ou transportá-los
ta biológico, ilustra a importância da bio- para a planta (fungos micorrízicos). Prati-
BIODIVERSIDADE DO SOLO diversidade para a formação dos solos. camente todos o nutrientes necessitam da
ação de microrganismos em alguma fase
O solo, por apresentar formas muito Estrutura de solos e de seus ciclos.
sutis de vida que desenvolvem processos bioturbação
de maneiras pouco evidentes, freqüente- O grau de porosidade e agregação de Biodegradação de
mente é visto como uma base físico/química solos é determinado fortemente pela diver- xenobióticos
para o que seria a parte verdadeiramente sidade de sua macrofauna. A atividade de A ação heterotrófica dos microrganis-
viva do sistema. Entretanto, essa “caixa- raízes, formigas, cupins e minhocas geram mos nos fornece serviços de extrema impor-
preta” vem sendo gradativamente desven- canais, poros e agregados que terão forte tância, como a degradação de compostos
dada e, atualmente, o solo já passa a ser influência no transporte de gases e água tóxicos à natureza e ao homem. Agrotóxi-
entendido como um complexo de seres vi- no solo. A estabilidade dos agregados cos, resíduos industriais, compostos aromá-
vos e materiais minerais e orgânicos, cujas também é influenciada pela produção de ticos e combustíveis podem ser degradados
interações resultam em suas propriedades açúcares, gomas e outras moléculas por mi- no solo por espécies capazes de quebrar
específicas (estrutura, fertilidade, matéria crorganismos do solo. as ligações químicas destes compostos.
orgânica, capacidade de troca iônica etc.). Em alguns casos, os compostos resultan-
Os organismos do solo não são apenas seus Matéria orgânica, tes da degradação microbiana são mais
habitantes, mas também seus componentes capacidade de retenção e tóxicos que a molécula original. Em outras
e construtores. A biodiversidade e a ativi- estoque de nutrientes
situações, os microrganismos são capa-
dade biológica estão estreita e diretamente Os organismos formam a chamada ma- zes de mineralizar totalmente o composto
relacionadas com as funções e caracterís- téria orgânica viva do solo. Quanto maior a tóxico.
ticas essenciais para a manutenção da ca- biomassa de um solo, maior o seu potencial
pacidade produtiva e da qualidade dos so- de estoque de nutrientes através do acúmu- Controle biológico
los e ecossistemas a eles relacionados. lo destes nas células microbianas. Os nutri- O controle de pragas e doenças é decor-
A seguir serão descritas algumas destas entes são liberados conforme degradação rência da atividade agrícola e só é aplicável
funções essenciais. das células, devido à morte ou predação em ecossistemas manejados pelo homem.
por outros organismos. Tais sistemas têm, por via de regra, biodi-
Gênese dos solos versidade consideravelmente reduzida em
(pedogênese) Ciclagem de nutrientes
relação aos sistemas naturais, donde se
Sem os organismos, os solos não se- A decomposição da matéria orgânica conclui que o controle natural dos proble-
riam formados. A intemperização físico- resulta na quebra dos compostos orgâni- mas fitossanitários é feito pela biodiver-
química das rochas matrizes por si só resul- cos e liberação de elementos essenciais que sidade e seu equilíbrio ecológico.
taria em terrenos sem nenhuma fertilidade, estão presentes nas moléculas dos tecidos
visto que há necessidade de nitrogênio e vegetais e animais. Antes da ação dos mi- COMPOSIÇÃO DA
esqueletos de carbono para que a vida se crorganismos, a matéria orgânica é atacada BIODIVERSIDADE DO SOLO
estabeleça. As algas são tidas como colo- por ácaros, minhocas e cupins que trituram A biodiversidade de solos é compos-
nizadores primários do solo, pela sua capa- os resíduos e dispersam propágulos micro- ta por organismos com variadas funções,
cidade de fixar carbono e nitrogênio da bianos, facilitando a ação destes na minera- tamanhos e preferências de habitat. No
atmosfera através dos processos de fotos- lização do carbono. Pequenos predadores, entanto, todos estão interligados por ca-
síntese e fixação biológica de nitrogênio, como os protozoários e nematóides, regu- deias tróficas e relações de dependência
respectivamente. A partir daí, fungos e lam a atividade dos microrganismos. O funcional.
bactérias terão recursos para se desenvol- ataque predatório mantém as populações O Quadro 1 relaciona os principais gru-
ver e liberar nutrientes dos minerais do solo, microbianas jovens e com atividade meta- pos de organismos do solo e suas respec-
como o fósforo, cálcio e ferro. O solo forma- bólica alta. O nitrogênio é fixado biologi- tivas funções. Note-se que muitos pro-
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QUADRO 1 - Principais grupos de organismos do solo e suas funções

Grupos de organismos Funções

Bactérias de vida livre Imobilização e mineralização de elementos; associações mutualísticas intestinais; alimento para predadores; gênese de
biofilmes; promoção de crescimento de plantas; auxiliares de associações micorrízicas; patógenos de plantas; parasitas e
patógenos de animais do solo; síntese de material húmico; agregação do solo; decomposição de agroquímicos e xenobió-
ticos.

Rizóbios Oferecem vantagem competitiva às plantas através da fixação biológica de nitrogênio; alimento para nematóides e
outros animais rizófagos.

Fungos não-micorrízicos Imobilização e mineralização de elementos; associações mutualísticas e comensais; alimento para artrópodos, protozoá-
rios e nematóides predadores, além de alguns fungos; redistribuição de nutrientes; condicionamento de detritos; parasitas
de artrópodos e nematóides; síntese de material húmico; agregação do solo; decomposição de agroquímicos e xenobió-
ticos.

Fungos micorrízicos Oferecem vantagem competitiva às plantas através dos seguintes mecanismos: intermediação do transporte de elementos
essenciais e água do solo para as raízes; intermediação do movimento entre plantas de elementos essenciais e carboidratos;
sequestro de elementos essenciais indisponíveis para as plantas; regulação do processo de fotossíntese das plantas.

Protozoários Predadores de bactérias e fungos; estimulam o crescimento microbiano; aumentam a disponibilidade de C e N aos níveis
tróficos superiores; alimento para nematóides e mesofauna; hospedeiros de patógenos bacterianos; parasitas de organismos
superiores.

Nematóides Predadores de bactérias e fungos; aumentam a disponibilidade de C e N aos níveis tróficos superiores; dispersão de
bactérias e fungos; herbívoros de raízes e parasitas de plantas; parasitas e predadores de microfauna, mesofauna e insetos;
alimento para meso e macrofauna.

Ácaros Predadores de bactérias, fungos, nematóides e insetos; consomem resíduos de plantas e carcassas de animais; herbívoros
de raízes, dispersão de microrganismos; dispersão e vetores de parasitas helmínticos; hospedeiros de protozoários
parasitas; parasitas e parasitóides de insetos e outros artrópodes; alimento para macrofauna; construção de micro-
ecossistemas.

Insetos em geral Predadores de microrganismos da rizosfera e de outros organismos do solo; dispersão de microrganismos; decompositores
de materiais vegetal e animal.

Insetos rizófagos Modificação da performance das plantas

Insetos (Collembola) Predadores de microflora e microfauna, principalmente na rizosfera; consumo de resíduos de planta e carcassas de ani-
mais; micropredadores de nematóides, tardígrades e rotíferos; dispersão de microrganismos; dispersão de parasitas
helmínticos e cestódicos; hospedeiros de parasitas; alimento para macrofauna; construção de microecossistemas.

Insetos (formigas e cupins) Bioturbadores; estimulam o crescimento microbiano; espécies-chave para fauna e plantas associadas a formigueiros e
cupinzeiros.

Enquitraídeos Fragmentação de resíduos de plantas; estimulam o crescimento microbiano; bioturbadores; dispersão de microrganis-
mos.

Minhocas Bioturbadores; estimulam o crescimento microbiano; dispersão de microrganismos e algas; hospedeiros de protozoários
e outros parasitas.

FONTE: Brussaard et al. (1997).

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cessos dependem de organismos taxono- nantes para a diversidade de minhocas do ser descritas. Estes animais são muito im-
micamente bastante distintos, da mesma que para a diversidade de plantas. portantes para as cadeias tróficas de todos
maneira que um mesmo grupo de organis- os solos. As espécies mais conhecidas de
mos pode desempenhar uma gama variada Mesofauna nematóides são as de parasitas de plantas
de funções. O entendimento desta biodi- Ácaros de interesse agrícola, uma vez que causam
versidade, suas inter-relações intrínsecas Os ácaros são o grupo de artrópodos redução da produtividade das culturas. Um
e o grau de ameaça derivada das atividades de maior diversidade, sendo conhecidas em maior esforço e incentivo deveria ser dado
antrópicas são desafios para a Ciência. torno de 45 mil espécies no mundo, o que a pesquisas que visam à descrição e co-
Os principais grupos taxonômicos do reflete nos hábitos alimentares. Estes nhecimento das espécies de nematóides de
solo apresentam uma alta diversidade de animais consomem desde tecidos vegetais vida livre no solo.
espécies, que variam conforme o tipo de até bactérias, dependendo da espécie.
solo, o regime hídrico e climático, e a for- Microrganismos
ma de uso e manejo do solo. Por via de re- Collembola Bactérias
gra, o número de espécies conhecidas e Collembola são pequenos insetos sem As bactérias são muito importantes nos
descritas na literatura é significativamen- asas, diferenciados em grupos ecomorfo- processos de ciclagem de nutrientes. Os
te menor do que o real, em virtude das lógicos de ocorrência específica em dife- elementos químicos mais importantes, cuja
dificuldades inerentes à identificação de rentes horizontes do solo. A maior parte é circulação na natureza depende da ação
espécies, principalmente dos microrga- altamente especializada na predação de de bactérias dos solos, e os grupos funcio-
nismos, cuja maioria não é cultivável em fungos, bactérias, actinomicetos e algas do nais que atuam nestas transformações são
laboratório e tampouco pode ser diferen- solo. (BRUSSAARD et al., 1997):
ciada morfologicamente.
Enquitreídeos a) carbono: autótrofos, heterótrofos,
A biodiversidade do solo pode ser clas-
Ainda pouco conhecidos, os enquitreí- metanótrofos, metilótrofos, metano-
sificada de acordo com seu tamanho médio,
deos (Oligocheta, Anelida) são parentes gênicos;
em macro, meso e microfauna.
das minhocas. Por seu tamanho reduzi- b) hidrogênio: oxidantes de H2, produ-
Macrofauna do, distribuem-se nos microporos do solo, tores de H2, oxidantes de butirato,
Insetos revolvendo-o. Influenciam na estruturação oxidantes de propionato;
e ciclagem de nutrientes, atuam na tritu-
Os insetos de solos em ecossistemas c) nitrogênio: fixadores de N2, deni-
ração da matéria orgânica do solo e são
naturais têm sido muito pouco estudados. trificadores, nitrificadores, reduto-
predadores de fungos e bactérias.
Os cupins são os principais decomposi- res dissimilatórios de nitrato para
tores na maioria dos ecossistemas terres- Microfauna amônia, mineralizadores, imobiliza-
tres tropicais, sendo responsáveis por até dores;
Protozoários
30% da produção primária líquida e de até d) enxofre: oxidantes de enxofre, redu-
60% da digestão de liteiras. As formigas Juntamente com os nematóides, os pro-
tores de sulfato;
podem ser predadoras, herbívoras ou gra- tozoários são os principais predadores de
nívoras e bioturbadoras (revolvimento e microrganismos dos ecossistemas terres- e) ferro: oxidantes de Fe2+, redutores
produção de canais), acarretando em alte- tres. Os protozoários poderiam ser classifi- de Fe3+;
rações nas propriedades física e química cados de acordo com sua preferência ali- f) fósforo: solubilizadores de fosfatos.
dos solos. mentar (bactérias ou fungos), preferência
de habitat (acidófilo ou neutrófilo) ou Um grande número de espécies de bac-
A ação dos cupins e formigas resul-
importância ecológica. Alterações na diver- térias vive na rizosfera, ambiente produzi-
ta num aumento da macroporosidade e da
sidade de protozoários poderiam ser rela- do pela interação solo-raízes. Sobrevivem
capacidade de infiltração dos solos, que
cionadas com as mudanças nos processos decompondo resíduos de compostos orgâ-
traz benefícios tanto para a retenção de água
ecológicos do ecossistema. nicos exsudados pelas raízes. Algumas
quanto para a produtividade dos solos.
espécies de bactérias de rizosfera produzem
Minhocas Nematóides substâncias que estimulam o crescimento
A diversidade de espécies de minhocas Os nematóides do solo são seres mi- das plantas, enquanto outras induzem a
é determinada pelo tipo de solo e pela qua- croscópicos que vivem nas películas de uma maior absorção de nutrientes. Estas
lidade da matéria orgânica, teor de nutrien- água formadas ao redor de partículas do espécies são chamadas bactérias promo-
tes e pelo grau de distúrbio causado pelo solo. Estima-se que mais de 100 mil espécies toras de crescimento. Outras têm uma rela-
homem. Estes fatores são mais determi- de nematóides do solo ainda estão para ção de alta especificidade com a planta
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hospedeira, como os rizóbios, que coloni- ecológico, para terra agrícola, onde predo- de esforços de pesquisa para avaliar qual
zam nódulos produzidos pelas raízes de minam menos espécies e em desequilíbrio. o impacto das diferentes práticas agrícolas
leguminosas, onde promovem a fixação bio- Muito provavelmente ocorre também uma na biodiversidade do solo, particularmente
lógica de nitrogênio e possibilitam o cresci- redução da biodiversidade do solo, resul- da pedobiota envolvida em processos vi-
mento das plantas em solos degradados e tante da: tais, como a fixação de nitrogênio, degra-
inférteis. dação de compostos lignocelulolíticos,
a) perda de espécies vegetais cujas raí-
solubilização de fosfatos, estruturação e
Fungos zes representam fonte de energia pa-
revolvimento do solo, e distribuição da ma-
Os fungos envolvem-se em inúmeras ra microrganismos específicos da
téria orgânica entre os diferentes horizon-
relações mutualistas, amensais, comensais rizosfera que, por sua vez, seriam
tes. Consideramos que sistemas agroecoló-
e competitivas com outros organismos do decompostos por outros organis-
gicos, que produzam menor impacto na
solo. Os fungos micorrízicos são comuns mos, formando a cadeia trófica;
biodiversidade do solo, oferecem um maior
em todo o mundo, porém apenas as espé- b) degradação física do solo, com per- grau de sustentabilidade à produção agrí-
cies associadas a plantas de interesse agrí- da dos microambientes associados cola que sistemas convencionais de produ-
cola foram estudadas de maneira adequada. aos espaços intra e interagregados; ção, fortemente dependentes de pesticidas
Estes organismos deveriam receber uma e fertilizantes solúveis.
c) aplicação de agroquímicos.
prioridade dos micologistas, uma vez que
a perda de espécies de plantas, devido à Este processo pode ser bastante acen-
MANEJO DA BIODIVERSIDADE
destruição de habitats, pode resultar em tuado em sistemas de monocultura com uso DO SOLO NA AGROECOLOGIA
perdas de espécies fúngicas ainda não co- intenso de pesticidas, principalmente inse-
ticidas de solo (nematicidas) e fungicidas. Os processos ecológicos do solo po-
nhecidas e com potencial tecnológico a ser
Processos vitais como a decomposição de dem ser otimizados através de manejo
explorado.
matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes, agroecológico dos sistemas de produção.
entre outros, podem sofrer impactos ele- A pesquisa agropecuária e, principalmen-
O USO DA TERRA
E SEUS IMPACTOS SOBRE vados, levando à maior dependência por te, os produtores brasileiros vêm desen-
OS PROCESSOS ECOLÓGICOS E fertilizantes. volvendo, com base científica ou empírica,
A BIODIVERSIDADE DO SOLO Nos ecossistemas naturais e agrícolas tecnologias alternativas visando à susten-
é comum a redundância de espécies no tabilidade da agricultura.
Os solos e seus organismos podem ser
afetados pela maneira como o homem cuida cumprimento de uma única função. Entre- Decomposição
deste recurso natural. A atividade agríco- tanto, é pouco provável encontrar duas da matéria orgânica e
la predatória, o desmatamento exacerbado, espécies que cumpram o mesmo conjun- mineralização de nutrientes
a poluição e as mudanças globais podem to de funções a elas atribuído. Devemos O manejo da decomposição da maté-
acarretar conseqüências nefastas para o também levar em consideração que orga- ria orgânica do solo visando à regulação,
solo e sua biodiversidade, tais como: nismos de mesma função podem possuir no espaço e no tempo, da liberação de nu-
diferentes tolerâncias ambientais, necessi- trientes requer ainda substanciais avanços
a) perda do potencial de produção agrí-
dades fisiológicas e habitats preferenciais. no conhecimento científico. Esta tem sido
cola;
Portanto, organismos que possuem uma ou uma das principais demandas de pesquisa
b) redução das taxas de aporte e de- mais funções em comum podem desem- identificadas por produtores que adotam o
composição da matéria orgânica; penhar papéis diferentes, e uma maior di- sistema de plantio direto para o cultivo de
c) ruptura ou alterações nos ciclos glo- versidade concederia ao ecossistema maior grãos (milho, soja e trigo).
bais de nutrientes; capacidade de absorver ou recuperar de Experiências realizadas de forma empí-
d) aumento das emissões de gases impactos. Neste caso, uma vez que os prin- rica por produtores vêm dando resulta-
causadores do efeito estufa; cípios de funcionamento de um ecossis- dos promissores. Um exemplo é o Sistema
tema agrícola são muito semelhantes aos Agroflorestal Regenerativo e Análogo
e) degradação de terras, erosão e de-
de um ecossistema natural, seria bastante (Safra), desenvolvido na Mata Atlântica do
sertificação.
fácil concluir que quanto mais diversifi- Sul da Bahia, pelo produtor rural Ernst
A atividade agrícola, principalmente a cado for um agroecossistema, maior será Gosch (SCHULZ et al., 1994). Este sistema
agricultura pós-industrial, tem levado a sua capacidade de superar situações de baseia-se em policultivo manejado com
uma redução da biodiversidade, a começar estresse (falta d’água, falta de nutrientes podas, sem remoção de material vegetal do
pela transição de terra nativa, com muitas etc.). sistema, e no consórcio de espécies flores-
espécies de plantas e animais em equilíbrio Os agroecossistemas devem ser palco tais, arbustivas, lavouras anuais e culturas
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52 Agroecologia

perenes. A seleção das espécies que com- para as águas superficiais e subterrâneas. b) reduzir as aplicações de adubos so-
põem o sistema resulta da observação dos A FBN também já foi verificada em diversas lúveis ao mínimo necessário;
processos sucessionais em fragmentos de espécies isoladas de raízes e caules de gra- c) priorizar fontes não solúveis de fós-
florestas e capoeiras na região. Assim, atra- míneas (milho, cana-de-açúcar, arroz etc.), foro (a micorrização é inibida por fos-
vés de manejo da matéria-prima do proces- da superfície de raízes (rizoplano) e da fato na solução do solo);
so de decomposição de matéria orgânica, rizosfera. Para otimizar o processo de FBN,
ou seja, das plantas, procura-se manter o adubos nitrogenados solúveis devem ser d) reduzir ao mínimo a aplicação de pes-
equilíbrio ecológico, as características pedo- evitados, pois inibem a nodulação e a fixa- ticidas, principalmente os fungici-
ambientais e a sincronia na liberação de ção de nitrogênio. A maximização das con- das.
nutrientes existentes no ecossistema na- tribuições da FBN nos agroecossistemas
Seqüestro de carbono
tural. tornou-se parte integrante dos esforços de e conservação da matéria
A adição de microrganismos, visando pesquisa que visam à sustentabilidade das orgânica
otimizar o processo de decomposição de produções agrícolas e, particularmente, da A necessidade da humanidade em redu-
matéria orgânica e liberação de nutrientes, agroecologia. A adubação verde com legu- zir os níveis de CO2 na atmosfera fez surgir
é uma alternativa de manejo e já vem sendo minosas é uma prática com base em FBN o Protocolo de Kyoto, que estabelece me-
aplicada com sucesso por alguns produ- que visa à melhoria da fertilidade do solo tas para redução das emissões de gases por
tores. Os effective microorganisms (EM) para as culturas posteriores. parte dos países industrializados. O Meca-
são um coquetel de microrganismos con-
nismo de Desenvolvimento Limpo foi pro-
dicionadores do solo contendo espécies Associações micorrízicas
posto pelo governo brasileiro como forma
originadas da fermentação de alimentos Micorrizas são definidas como asso- de as indústrias poluidoras reduzirem seus
(cerveja, iogurtes e pasta de soja), incluin- ciações entre fungos e raízes de plantas. passivos ambientais através do financia-
do populações de bactérias ácido lácticas, A colonização das raízes pelos fungos re- mento de projetos, conduzidos nos países
fotossintéticas, actinomicetos e leveduras, sulta num aumento da superfície de absor- em desenvolvimento, que comprovada-
que aceleram a decomposição de matéria ção de nutrientes, principalmente o fósforo mente resultem em fixação de carbono na
orgânica e a mineralização de nutrientes e a água pelas plantas. Nos solos brasilei- biomassa viva (vegetação e microrganis-
(VALARINI et al., 2002). ros, deficientes em fósforo, as micorrizas mos do solo) ou morta (matéria orgânica
Espera-se um grande desenvolvimento têm um papel fundamental a desempenhar, do solo). O último Painel Intergovernamen-
desta área de pesquisa nos próximos anos tanto em ambientes agrícolas quanto em tal sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
e o aprimoramento da tecnologia de ino- ecossistemas naturais. São várias as cul- realizado em abril de 2002, já considerava
culações biológicas aos solos agrícolas. turas agrícolas que se beneficiam das asso- o solo como potencial sequestrador de car-
ciações micorrízicas, com destaque para as bono e previa que solos e florestas pode-
Fixação biológica de
frutíferas como banana e coco. A otimização riam vir a sequestrar até 40% do carbono
nitrogênio
do benefício desta associação pode-se dar oriundo da atividade humana. Com isso,
A fixação biológica de nitrogênio (FBN)
de duas formas: inoculação e manejo das abre-se uma frente de pesquisas promisso-
talvez seja o processo microbiano relacio-
populações presentes no solo. O maior em- ras para o desenvolvimento de tecnologia
nado com a agricultura mais bem estudado
pecilho para a inoculação em larga escala de manejo da biodiversidade do solo em
e explorado tecnologicamente. A FBN é me-
de fungos micorrízicos é a falta de produtos sistemas agroecológicos que resultem em
diada por uma ampla gama de microrganis-
comerciais. Já para a produção de mudas maiores quantidades de carbono fixado
mos procarióticos, incluindo cianobactérias
de culturas perenes em viveiros, como café, no solo, estabilizado na forma de matéria
e bactérias gram-positivas e gram-negativas.
citros e leguminosas arbóreas utilizadas em orgânica.
A inoculação de sementes de leguminosas
projetos de recuperação de áreas degrada-
com bactérias diazotróficas é prática co- Bioturbação
das, a inoculação tem-se mostrado viável.
mum em vários países. No Brasil, a inocula- (estrutura do solo e
Práticas de manejo que devem ser seguidas formação de agregados)
ção da soja com estirpes de Bradyrhizobium
em sistemas de produção agroecológicos
japonicum ou B. elkanii propicia uma eco- Elementos da fauna do solo são exímios
para maximizar a contribuição das asso- engenheiros do ecossistema, atuando na
nomia da ordem de US$2 bilhões anuais
em fertilizantes nitrogenados (ALVES et al, ciações micorrízicas segundo Moreira e formação de canais, favorecendo a estru-
no prelo). Além dos benefícios econômi- Siqueira (2002) incluem: tura do solo e redistribuindo matéria orgâ-
cos, a redução nas aplicações destes ferti- a) fazer rotação de culturas e consór- nica ao longo do seu perfil. Alguns tra-
lizantes leva a uma melhoria da qualidade cios que incluam espécies de plantas balhos relatam a introdução de minhocas
ambiental, com menor aporte de nitratos multiplicadoras de propágulos; nos sistemas de produção, resultando em
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Agroecologia 53

aumento da produtividade e manutenção amazônico para o estabelecimento de suas ma de plantio direto, agroflorestais e agros-
da qualidade do solo (PASHANASI et al., roças, respeitando as estruturas espacial e silvipastoris, são apenas algumas das mui-
1996). Entretanto, estes organismos atuam temporal do ecossistema e algumas vezes tas vertentes a serem beneficiadas dentro
em equipe, com diferentes espécies atuan- ampliando a diversidade. Estes princípios deste cenário de descobertas que a asso-
do de forma complementar, ocupando di- de aproveitamento otimizado dos microcli- ciação entre a agroecologia e a ecologia do
ferentes nichos e permitindo o equilíbrio mas e nichos existentes são hoje os princi- solo faz surgir.
do ecossistema. Recentes trabalhos em so- pais fundamentos dos Sistemas Agroflo- Entretanto, é importante lembrar que
los da Amazônia relataram aumento na restais (SAFs), cujas bases foram herdadas para superar os problemas ambientais cau-
compactação de solos ocupados por pasta- de uma concepção de ambiente bastante sados pela agricultura convencional, faz-
gens, associado à ocorrência de uma só distinta da ocidental. se necessária uma mudança na relação
espécie de minhoca. Estudos posteriores Ainda hoje, em todo o Brasil, são en- entre o homem e a natureza e sua vertente
mostraram que, quando monólitos deste contradas formas muito particulares de historicamente produtivista. Será determi-
solo compactado eram introduzidos na cultivo e convívio com a natureza, fruto de nante também que a relação sociocultural
floresta, algumas espécies de cupins atua- um aprendizado aprofundado, que têm entre os homens permita que o saber popu-
vam revertendo o processo de compacta- permitido a sobrevivência de muitas comu- lar ocupe seu espaço no ambiente acadê-
ção (BARROS et al., 2002). Estes resultados nidades e a manutenção da qualidade do mico, e que esta valorosa fonte de conheci-
causam um certo alento, pois demonstram solo. Silveira et al. (2002) descrevem inúme- mento seja agregada aos protocolos de
a capacidade de regeneração da qualida- ras experiências de recriação tecnológica a pesquisa, ampliando o potencial ambien-
de do solo pela ação da pedobiota, e ressal- partir do conhecimento do sertanejo e suas tal do conhecimento das comunidades lo-
tam a necessidade de pesquisas sobre o estratégias de resistência à seca, apontan- cais.
seu manejo em diferentes agroecossiste- do para o enorme potencial, ainda pouco
considerado, do “saber ambiental” das co- REFERÊNCIAS
mas.
munidades agrícolas. ALVES, B.J.F.; BODDEY, R.M.; URQUIAGA, S.
A DIMENSÃO HUMANA The success of BNF in soybean in Brazil. Plant
DOS AGROECOSSISTEMAS CENÁRIOS FUTUROS and Soil, The Hague. No prelo.
E SUA INTERFERÊNCIA SOBRE E DESAFIOS
BARROS, E.; PASHANASI, B.; CONSTANTINO,
A BIODIVERSIDADE DO SOLO O desvendar da “caixa-preta” que era o
R. Effects of land use system on the soil macro-
solo, aliado à abordagem agroecológica,
Um dos principais elementos que dife- fauna in Western Brazilian Amazonia. Biology
aponta para oportunidades de delineamen-
rencia agroecossistemas de ecossistemas and Fertility of Soils, Berlin, v.35, p.338-347,
to de sistemas de produção mais susten-
naturais é o fato de serem criados pelos 2002.
táveis. Os princípios da agroecologia, fun-
homens para atender prioritariamente às
damentados na ecologia e biodiversidade BRUSSAARD, L.; BEHAN-PELLETIER, V.M.;
suas necessidades. Portanto, sua constru-
do solo, que poderão gerar grandes avan- BIGNELL, D.E. Biodiversity and ecosystem
ção e condução são reflexos da cultura de
ços tecnológicos são: functioning in soil. Ambio, Stockholm, v.26,
quem os criou e conduz. A simplificação
p.563-570, 1997.
cultural é característica dos sistemas agrí- a) conservação de alta diversidade fun-
colas europeus. Durante o colonialismo, cional dos organismos do solo; EPAGRI. A Agroecologia no mundo, Brasil
este modelo foi exportado para todo o mun- b) priorização de sistemas que possibi- e Santa Catarina. Florianópolis, 2003. Dis-
do, de maneira que a maior parte dos agro- litem maior acúmulo de biomassa, ponível em: <http://www.epagri.rct-sc.br/agro-
ecossistemas estão restritos ao cultivo de aporte de matéria orgânica e retenção ecologia/agroecologia_sc.html>. Acesso em
poucas espécies, e cada sistema produtivo de nutrientes no solo; 2003.
é dominado por apenas uma só variedade
c) diversificação dos usos do solo (agro- FAO. Sustainable agriculture production:
de planta cultivada. Apesar de existir cerca
biodiversidade e agricultura multi- implications of international agricultural research.
de 7 mil variedades de plantas cultiváveis
funcional). Rome, 1989. 131p. (FAO Research and Techno-
disponíveis, 90% dos alimentos do mundo
logy Paper, 4).
vêm de apenas 30% delas. Mais da metade A gestão participativa dos recursos hí-
de todas as áreas cultivadas no planeta são dricos, as práticas orgânicas de cultivo e GERVÁSIO, P.; SCHLINDWEIN, S.L. Agricultura
plantadas com arroz, milho e trigo. sua associação a programas de certifica- sustentável ou (re)construção do significado de
Uma pesquisa relatada por Gervásio e ções de qualidade ambiental, práticas vege- agricultura. Agroecologia e Desenvolvimento
Schlindwein (2001) descreve a maestria dos tativas de baixo custo para a recuperação Rural Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.3, p.44-
índios caiapós ao manejarem o ecossistema de áreas degradadas, e a expansão do siste- 52, jul./set. 2001.

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