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MANEJO DA BIODIVERSIDADE AGRÍCOLA

Por: Mariella Camardelli Uzêda**

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Pesquisador A, Embrapa Agrobiologia
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ÍNDICE

1. Agroecossistemas: Definição e Importância.............................................. 1

2. A Sustentabilidade em Agroecossistemas................................................ 6 3.

Principais Processos dos Agroecossistemas............................................. 8 4.

Biodiversidade............................................................................................ 15

4.1. Conceitos de Biodiversidade........................................................ 15

4.2. Escalas da Biodiversidade............................................................ 18

4.3. Causas da Biodiversidade............................................................ 23

5. Manejo da Biodiversidade nos Agroecossistemas..................................... 24

5.1. Eliminação de Insumos Inibidores................................................ 26

5.2. A Matéria Orgânica e a Biota do Solo....................................... 28

5.3. Manejando a Biota Através dos Engenheiros do Ecossistema 29

5.4. Manejando a Biota Produtiva Não Perene................................ 34

5.5. Manejando a Paisagem (A Criação de Recurso Usando a

Paisagem)............................................................................................ 35
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MANEJO DA BIODIVERSIDADE AGRÍCOLA


Por: Mariella Camardelli Uzêda

1. Agroecossistemas: Definição e Importância

As áreas de habitações humanas ocupam menos de 2% da superfície terrestre;


entretanto, as atividades humanas influenciam cerca de 40% da produtividade
terrestre global. As áreas agrícolas somam 20% da produtividade primária
terrestre e ocupam 30% das terras do globo, sendo 10% de áreas com culturas e
20% com pastagens (VITOUSEK et al., 1986). Os agroecossistemas exercem,
portanto, grande influência sobre os ciclos biogeoquímicos globais.

Agroecossistemas são ecossistemas que são usados para a agricultura possuindo


os mesmos processos, componentes interações que o ecossistema natural.
Entretanto, além das funções ecológicas junto a processos como ciclagem de
nutrientes, ciclo hidrológico e clima, possui a função de produção excedente
àquela necessária a manutenção do próprio ecossistema, voltada ao atendimento
das necessidades humanas (PARK & COUSINS, 1995) (figura 1).

Figura 1. Fluxo de produção humana através dos ecossistemas terrestres.


Adaptado de PARK & COUSINS (1995).
ALTIERI (1989) define agroecossistemas como sistemas abertos que recebem
insumos de fora e exportam produtos. Ressalta ainda que os agroecossistemas
diferem dos ecossistemas naturais, pois estes reinvestem grande parte da sua
produtividade para manter a estrutura física e biológica necessária para sustentar
a fertilidade do solo e a estabilidade biótica. A exportação de alimentos e colheitas
limita esse reinvestimento nos agroecossistemas, fazendo-os altamente
dependentes de insumos externos para completar a ciclagem de nutrientes e o
equilíbrio das populações (fauna e flora) que nele habitam.
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ODUM (1984) reconhece como principais diferenças entre os agroecossistemas e


os ecossistemas naturais: 1) energia auxiliar, além da energia solar, como trabalho
humano e animal, pesticidas, fertilizantes, maquinário, que são adicionados para o
funcionamento do agroecossistema; 2) a diversidade biótica dos
agroecossistemas é reduzida visando à maximização da produção; 3) a seleção
artificial de espécies, tanto quanto a seleção natural atuam juntas, produzindo
animais e plantas dominantes; 4) os agroecossistemas estão mais sob controle
externo, do que sob controle interno.

De acordo com a FAO (1989), historicamente os agricultores utilizavam cerca de


10.000 espécies de plantas com propósitos agrícolas. Atualmente, se estima que
90% da produção agrícola depende de apenas 120 espécies. Este fato tem
incrementado de forma significativa a vulnerabilidade dos agricultores a flutuações
do mercado, propiciado a aparição de pragas e doenças, alterações climáticas
locais e globais, intensificado a erosão e o acelerado o declínio da produtividade.

A manipulação do agroecossistema tende a dissociar os componentes das


interações e os processos aí ocorrentes (COLEMAN & HENDRIX,1988). Essas
dissociações aumentam a dependência do agroecossistema dos fatores de
regulação externa, como os fertilizantes e os pesticidas, uma vez que o processo
de sucessão é constantemente interrompido.
Quadro 1. Nivelamento conceitual em ecologia
Os Ecossistemas consistem em um complexo dinâmico formado por plantas, animais,
microorganismos e componentes abióticos que interagem e funcionam como uma unidade. As
plantas e animais se diferenciam em espécies (indivíduos com uma certa gama de
características genéticas comuns), que no meio onde vivem se organizam em populações
(indivíduos de mesma espécie que se agrupam em uma área) e os organismos interagem entre
si e também com outras populações presentes na mesma área se relacionam, formando assim
as comunidades.

As Interações Ecológicas dentro ou entre populações podem se dar diretamente entre


organismos (interações organismo/organismos) ou indiretamente através de alterações no
ambiente (interações organismo/ambiente/organismo, chamadas também de metabioses). Estas
interações podem ser positivas para ambas as partes envolvidas, positivas para apenas uma das
partes envolvidas, negativas para ambas ou apenas para uma das partes. Na tabela a seguir são
apresentadas as relações organismo/ organismo e seus efeitos para as partes envolvidas.

As interações via ambiente ocorrem principalmente na presença dos organismos chamados de


engenheiros do ecossistema, que controlam a disponibilidade de recursos para outras espécies
e modificam as características físicas, químicas e biológicas do ambiente onde vivem, sendo
responsáveis pela criação e manutenção de hábitats.

Um bom exemplo são as árvore que nascem em um ambiente, modificando-o através do


crescimento de suas raízes, ramos e folhas, produzindo espaços vazios no solo e, portanto,
aumentando a possibilidade de oxigenação, reduzindo o impacto da chuva e produzindo resíduos
orgânicos com a queda das folhas e ramos. No solo também são encontrados engenheiros do
ecossistemas, como as minhocas, cupins, formigas além de outros invertebrados, que atuam na
sua formação e manutenção da sua integridade.

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Tipos de Espécies Reunidas Espécies Separadas
Interação

Espécie Espécie Espécie Espécie


A B A B

Competição _ _ O O
Mutualismo + + _ _
Cooperação + + O O
Comensalis + O _ O
mo (B
hospeda A)

Amensalismo* _ O O O
Parasitismo + _ _ O
Predação + _ _ O
onde, O: As espécies não são afetadas; +: o desenvolvimento da espécie
torna se possível ou é beneficiado; - : o desenvolvimento da espécie é
reduzido ou torna-se impossível.
*B inibe crescimento/ reprodução de A

As interações entre as diferentes espécies e entre estas e o meio atuam como fatores que
controlam o crescimento das populações, atendendo ao limite de recursos que o ecossistema
possui para sua manutenção (capacidade de carga).

As diferentes espécies ocupam locais característicos na cadeia alimentar (produtores,


consumidores de primeira ordem _ herbívoros, consumidores de segunda ordem _ carnívoros,
consumidores de terceira ordem _ predadores ou decompositores), possuem hábitos alimentares
característicos (tipo de alimento e forma de consumo), possuem local preferencial para habitarem e
desempenham funções próprias no ambiente, o que traduz o nicho ecológico ocupado por cada
uma delas.

Os ecossistemas possuem sempre nichos que se complementam, sendo que em alguns casos
estes nichos possuem algum grau de sombreamento o que provoca a competição entre as
espécies, fazendo com que estas se adaptem para minimizar a competição. Interações benéficas
como o mutualismo também levam a adaptação e evolução das espécies.

Normalmente os ecossistemas possuem um maior número de nichos ocupados a medida que


evoluem. Sendo que a sua evolução implica no desenvolvimento de um processo sucessional
(Sucessão) que acarreta a modificação do ambiente e na adaptação e seleção de espécies até
que o ecossistema chegue em seu Clímax, onde se costuma dizer que o ecossistema está em
equilíbrio dinâmico.

Nos estágios iniciais de evolução de uma comunidade existem poucas espécies e, portanto, um
número importante de nichos vagos. As espécies presentes nestes ambientes atuam em funções
que são desempenhadas por outras espécies em ecossistemas mais evoluídos e com maior
número de espécies. Pode-se dizer que estas espécies estão ocupando um nicho mais largo
nessas situações (nicho potencial).

Nestes estágios iniciais a comunidade é predominantemente de espécies que geralmente têm vida
curta, se reproduzem abundantemente e possuem a habilidade de colonizar hábitats perturbados
(estrategistas r), em seguida a colonização efetuada pelos estrategistas r, viriam espécies mais
adaptados a ambientes mais estáveis (estrategistas k). Estes alocam maior energia na produção
de biomassa do que na reprodução.
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A teoria da Biogeografia de Ilhas aborda a colonização fundamentada na análise que as ilhas
por serem isoladas possuiriam um menor número de espécies, o que dá ao organismo que a
alcança a oportunidade de ocupar seu nicho potencial. Esta teoria aborda ainda alguns princípios
de colonização pelas espécies, tais como: 1)quanto menor e mais recente for a ilha mais
depauperada é sua fauna e mais difícil de ela ser encontrada por possíveis colonizadores; 2)os
primeiros colonizadores são geralmente estrategistas r; 3) a chegada dos colonizadores seria
mais rápida quanto mais próxima a ilha está do seu local de origem; 4) posterior a chegada dos
primeiros colonizadores, viriam seus predadores e parasitas.

Em caso de perturbações eventuais, naturais ou antrópicas, em ecossistemas pobres em


espécies, que resulte no desaparecimento de um componente da comunidade, estes ambientes
custarão a se recuperar por não possuírem diferentes espécies ocupando nichos com alguma
sobreposição, prejudicando a execução de funções vitais à manutenção do ecossistema.

Ecossistemas em fase inicial de desenvolvimento possuem uma menor biomassa a ser mantida o
que permite que a energia produzida seja alocada na manutenção da biomassa existente e haja
investimento no crescimento de nova biomassa (produção primária líquida). A medida que se
aproximam do clímax e a biomassa aumenta, a energia que é alocada para a geração de mais
biomassa diminui, implicando em uma menor produtividade primária líquida. Entretanto, por
possuir um maior numero de espécies ocupando nichos mais estreitos e com algum
sombreamento, os ecossistemas próximos ao clímax poderão resistir melhor a impactos ou
mesmo se recuperar deles com mais facilidade (resiliência).

Os agroecossistemas, portanto, podem ser vistos como ecossistemas recentes, nos primeiros
estágios de sucessão, onde a produtividade primária líquida é máxima e a diversidade é mínima.
Ou, conforme propõem alguns pesquisadores, uma ilha onde a curta durabilidade do ciclo dos
cultivos não permite que os predadores (estrategistas k) cheguem a colonizar a área.

Como é possível notar o ecossistema é mais que um somatório de diferentes espécies, pois a
cada nível de interações emergem propriedades que são o resultado das interações entre as
partes componentes do referido nível (propriedades emergentes). Uma população, por
exemplo, é muito mais do que uma coleção de indivíduos de mesma espécie e possui
características que não podem ser estudadas ou compreendidas quando analisamos os
organismos individualmente.

Neste sentido o respeito a capacidade de carga, a resistência e a resiliência são propriedades


emergentes que vão ser produto das interações entre as espécies e entre estas e o ecossistema.

2. A Sustentabilidade em agroecossistemas

Agricultura sustentável tem sido definida como uma prática que envolve o manejo
adequado dos recursos, visando à satisfação das necessidades do homem,
mantendo ou realçando a qualidade do ambiente e conservando os recursos
naturais (FAO, 1989). Portanto, a agricultura passa a ser vista mediante uma
perspectiva sistêmica, na qual o agroecossistema interage com outros
ecossistemas e com sistemas econômicos e sociais.

Em geral, as ciências agrícolas vêm se desenvolvendo separadamente da


ecologia, tendo como objetivo o aumento da produção de alimentos, fibras e
madeira. Para as ciências deste ramo os princípios de sustentabilidade
fundamentam-se apenas na estabilidade da produção e na viabilidade econômica
(SPENCER & SWIFT, 1992). Em contraste, o enfoque ecológico tem abordado o
funcionamento de ecossistemas naturais, onde a sustentabilidade é vista em
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termos da manutenção e estabilidade da produção e da minimização das perdas


nos ciclos de nutrientes.

CONWAY (1985) definiu como ecossistema sustentável aquele que mantém a


produtividade mediante situações de estresse e distúrbios, incluindo aqueles
causados por perturbações intensas ou de larga escala. SPENCER & SWIFT
(1992) sugerem que verificar a probabilidade com que acontecem estes distúrbios
é aconselhável para uma melhor avaliação da sustentabilidade dos ecossistemas.
Não obstante, independentemente de pequenas discordâncias, os conceitos de
sustentabilidade presumem produção contínua, evitando a degradação ambiental
e, além disso, o bem estar social.

Existe atualmente um consenso na miscigenação das abordagens descritas


anteriormente, conferindo uma perspectiva ecossistêmica à agricultura, que passa
a abrigar simultaneamente aspectos de produção e conservação. Dentro desse
contexto, os países do chamado terceiro mundo estão em face de dois problemas
inter-relacionados: maximização da produção de alimentos com as tecnologias
disponíveis e deterioração progressiva do ambiente.

Os ecossistemas naturais têm se deteriorado progressivamente nos últimos vinte


anos, com o aumento da remoção da vegetação original, perda da biodiversidade
e degradação do solo, com redução da fertilidade e aumento da erosão. A
definição de um manejo adequado requer o melhor entendimento do
funcionamento do ecossistema em resposta às práticas utilizadas, não apenas no
que diz respeito à produção, mas também no que envolve o ambiente (SCHOLES
et al. 1992).

De acordo com VITOUSEK & HOOPER (1994), o desenvolvimento de uma


agricultura sustentável deve estar fundamentado no uso dos recursos dentro de
limites renováveis e em mecanismos de controle da eficiência do uso desses
recursos. Porém, deve se ter em mente que os limites renováveis dos recursos
são características inerentes a cada ecossistema em particular. HOLE. (1981)
afirmam haver uma forte ligação entre a complexidade interna de um ecossistema
e a eficiência do uso dos recursos, principalmente quando se trata da ciclagem de
nutrientes.

No caso dos agroecossistemas além da dimensão ambiental é importante


perceber as dimensões econômica e social da biodiversidade, uma vez que ela
permite aos agricultores alternativas às flutuações de mercado, além de
contemplar aspectos como a segurança alimentar para períodos climáticos ou
comerciais críticos.

3. Principais Processos dos Agroecossistemas


Como todo ecossistema terrestre, os agroecossistemas podem ser divididos em
dois sistemas interdependentes, o sistema autótrofo e o sistema heterótrofo. O
primeiro possui maior biomassa, onde se encontram as espécies vegetais,
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capazes de sintetizar o próprio alimento, portanto responsáveis, entre outros


aspectos, pela entrada de biomassa no ecossistema e abriga fauna de porte
variado, por vezes oriunda de ecossistemas naturais próximos.

O sistema heterótrofo, o solo, é responsável pelo processo de decomposição,


parte importante da ciclagem de matéria no ecossistema, e desde a sua origem
esta relacionado aos organismos que nele habitam.

Nos agroecossistemas convencionais a biota de superfície é bastante pobre em


virtude das práticas de manejo (capina, herbicidas etc), que atuam como
perturbações que impedem a sucessão natural, que levaria o ecossistema a um
estado de maior estabilidade. Em virtude dessa freqüentes perturbações as
interações interespecíficas ficam prejudicadas, havendo a drástica redução ou
mesmo desaparecimento da maioria das espécies visando favorecimento da
espécie cultivada.

Entretanto, ao estimular dominância de uma ou poucas espécies estimula-se


também a presença de espécies que possuem maior capacidade adaptativa aos
ambientes alterados e que têm a espécie cultivada como fonte de alimento ou
hospedeira.

Muitos pesquisadores estabelecem um paralelo entre áreas agrícolas e as ilhas


(ver teoria da biogeografia de ilhas, quadro 1), onde alguns organismos chegam a
uma área onde existem muitos nichos vagos e se aproximam do seu nicho
potencial, especialmente se este organismo for uma praga já adaptada as
condições ambientais do cultivo.

Devido a pobreza das interações entre populações e da simplicidade da cadeia


alimentar existentes nos agroecossistemas, é desenvolvida uma estrutura de
comunidade pouco estável e dependente de entradas externas ao ecossistema
para que o objetivo de alta produtividade seja alcançado. Sendo assim, caberá ao
agricultor o controle de populações praga que, por não receberem pressão de
competição e não possuírem inimigos naturais no sistema, alcançarão grande
densidade, causando danos a planta cultivada.

Em virtude da simplificação ambiental outros “serviços” prestados pela biota


nativa, que tornam os ecossistemas naturais auto-suficientes, também são
perdidos, a exemplo da polinização, fundamental na produção de frutos, e a
geração de biomassa que alimenta o sistema heterótrofo, permite a ciclagem de
nutrientes e a manutenção dos componentes estruturais do solo.
Quanto ao sistema heterótrofo, COLEMAN & HENDRIX (1988) apontam a
importância em considerar os fatores envolvidos no desenvolvimento e
manutenção do solo. Estes fatores caminham para vários sistemas de
propriedades, que são o resultado de processos-chave, como decomposição da
matéria orgânica, mineralização, imobilização e lixiviação dos nutrientes (Ver
quadro 2).
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Quadro 2. Nivelamento Conceitual em Solos


De acordo com ODUM (1983), algumas vezes é conveniente pensarmos na biosfera como
constituída pela atmosfera, hidrosfera e a pedosfera, esta última sendo o solo.

O autor salienta que em cada uma das divisões anteriormente citadas grande parte de suas
características se devem às interações entre as espécies e entre estas e o ecossistema e a
interligação entre os diferentes ecossistemas e os ciclos fundamentais que ultrapassam suas
fronteira, destacadamente na pedosfera onde os componentes bióticos e o abióticos encontram-se
intimamente ligados.

O solo tem origem no processo de intemperização (desgaste) das Rochas, através da ação do
clima _ chuva, temperatura _ através de reações químicas e físicas e da ação dos organismos
(fauna de invertebrados e microorganismos). O intemperismo (químico, físico e biológico) a
princípio fraciona a rocha em partículas de diferentes tamanhos que através da ação dos
microorganismos, da fauna e das raízes das plantas se agrupam. Estes agrupamentos
(agregados) são estabilizados através da matéria orgânica e da argila presentes no meio que
atuam cimentando as diferentes partículas agrupadas (agentes cimentantes).

A reunião dos agregados produz a estrutura do solo, que assim como eles, possuem uma matriz
composta de cheios e vazios (poros), através dos quais a água infiltra e migra no solo e por onde
ocorrem as trocas gasosas, permitindo a saída do CO2, produzido pela respiração dos organismos
e raízes, e a entrada do O2.

Os nutrientes presentes no solo são oriundos da sua Rocha de origem e são de grande importância
para a nutrição dos vegetais, auxiliando na síntese de biomassa. Uma vez utilizados pelas plantas
estes nutrientes só retornam ao solo depois da morte dos vegetais que o consumiram ou da morte
dos animais que consumiram os vegetais, quando seus corpos são decompostos. Este processo se
chama ciclagem de nutrientes.

A Mineralização (transformação de nutrientes na forma orgânica, contidos nos corpos animais e


vegetais, para uma forma mineral) é parte importante do processo de ciclagem de nutrientes pois
permite que uma vez mais os nutrientes sejam utilizados por vegetais e microorganismos ainda
vivos. Os nutrientes usados por vegetais e microorganismo é chamado de imobilizado, por estar
temporariamente indisponível. Portanto, a imobilização (processo de transformação do nutriente
mineral para nutriente orgânico) tem a função de atuar como “fundo de reservas”.

Este fundo de reservas é de grande utilidade para o ecossistema terrestre já que as chuvas,
intensas, principalmente nos nossos climas tropicais, podem lavar os nutrientes do solo
(lixiviação).

A entrada freqüente de matéria orgânica no solo permite não só a reposição dos nutrientes como a
reposição da matéria orgânica que atua como agente cimentante, auxiliando as raízes,
invertebrados e microorganismos na estabilização dos agregados, evitando um processo acelerado
de erosão (desgaste e carreamento do solo através das chuvas e ventos).
É importante salientar que a erosão e a lixiviação são processos naturais que atuam na evolução
do solo. Entretanto, nos ecossistemas naturais em virtude do funcionamento de mecanismos
biológicos de manutenção e reconstrução do sistema seu efeito só é visível em uma escala de
milhares de anos.

Nos agroecossistemas, por sua vez, a exposição do solo a forte variações de temperatura e ao
impacto direto da chuva, devido a ausência de vegetação, provoca a ruptura dos agregados e o uso
insistente de maquinário pesado reduz o espaço poroso do solo (compactação) dificultando a
infiltração da água da chuva e as trocas gasosas, favorecendo a formação de enxurrada. Estes
fenômenos comprometem a vida no solo e tornam a erosão um problema emergencial e grave.
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(figura A)

Figura A. Ilustração das conseqüências do impacto da agricultura sobre a macrofauna e


a estrutura do solo

Os diferentes processos que regem a ciclagem de nutrientes (mineralização,


imobilização, lixiviação), influenciam também outros componentes do sistema que
são intensamente danificados nos agroecossistemas convencionais. A exposição
do solo as intempéries climáticas, como variação de temperatura e chuva,
aceleram a degradação da matéria orgânica, sem que esta seja reintroduzida no
sistema, compromete a vida no solo e portanto a manutenção da sua estrutura e
da ciclagem de nutrientes, agravando o processo erosivo (ver quadro 2).

Estes são exemplos de distúrbios que reduzem a fertilidade e prejudicam o


desenvolvimento das raízes das plantas, limitando sua área de exploração do
solo. Tais distúrbios acentuam-se na agricultura convencional devido às práticas
de preparo de solo, cultivo e remoção dos resíduos da cultura (ANDERSON et
al.,1985). Essas práticas tornam o agroecossistema ainda mais vulnerável a
impactos e aumentam a sua dependência de insumos externos (fertilizantes
químicos e pesticidas), que apesar de restaurarem temporariamente o nível dos
nutrientes no solo e controlarem momentaneamente as pragas e doenças, tornam
o ambiente pouco adequado à biota nativa e reduzem acentuadamente sua
sustentabilidade.

Sustentabilidade, então, é determinada em função persistência ou durabilidade da


produtividade do sistema sob condições conhecidas, sem a produção de danos
ambientais. Em virtude da retirada da produção do agroecossistema, a ciclagem
de matéria/nutrientes não se dá de forma completa sendo necessários insumos
que têm a finalidade de conter os distúrbios anteriormente mencionados
(CONWAY & BARBIER, 1988). Entretanto, atenuantes, como as aplicações de
fertilizantes, que são utilizados para equilibrar o estresse das repetidas colheitas,
findam por ocasionar novos impactos ao sistema heterótrofo em virtude de suas
características químicas.

A fertilidade do solo é central para a sustentabilidade de sistemas naturais e


manejados, visto que é o meio pelo qual é provida a produção terrestre.
COLLEMAN et al. (1983) acreditam que os principais fatores que regem a
fertilidade nos ecossistemas terrestres são os organismos, os nutrientes e os
vários compostos orgânicos, visto que, dentre as principais atividades biológicas,
estão a mineralização e a imobilização dos nutrientes.

Nos agroecossistemas, a reciclagem de nutrientes é mínima, e consideráveis


quantidades são perdidas com a colheita, ou como resultado da lixiviação e
erosão, devido à grande redução nos níveis de biomassa contida no sistema
(GLIESSMAN & AMADOR, 1980), sendo necessárias aplicações muito freqüentes
de fertilizantes para a manutenção da produtividade.
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BRUSSAARD et al. (1997) inserem o papel da biota do solo na forma de serviços


prestados ao ecossistema dentro de processos de grande importância, tais como:
decomposição da matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, manutenção da
estrutura do solo, controle de pragas e doenças. Concordam com LAVELLE et al.
(1993), no que se refere ao processo de decomposição, que é facilitado pela fauna
do solo, principalmente minhocas, formigas, centopéias e cupins, que trituram os
resíduos e dispersam propágulos dos microorganismos.

A ciclagem de nutrientes, fortemente associada com a decomposição da matéria


orgânica, é regida pelos microorganismos (fungos e bactérias) e pela microfauna
(protozoários e nematóides). Ainda as raízes das plantas, formigas, minhocas e
térmitas e outras espécies da macrofauna do solo1, engenheiros do ecossistema,
criam canais, poros e agregados, modificando a sua estrutura (bioturbação),
criando microhábitats adequados à vida de organismos menores e permitindo
ainda o transporte de gases e nutrientes das camadas mais profundas para as
mais superficiais do solo.

As raízes superficiais, sempre associadas com a serrapilheira (manto de folhas


que recobre o solo), atuam absorvendo os nutrientes liberados na decomposição
da matéria orgânica e também estimulando os macroorganismos e os
decompositores (ANDERSON et al., 1985); atuam ainda por associações com
fungos micorrízicos, que, em alguns ambientes, agem sobre a decomposição
(TROJANOWISKI et al., 1984); esta associação simbiótica aumenta ainda o
volume de solo explorado pelas raízes e disponibiliza nutrientes que estão
quimicamente indisponíveis às plantas (COLEMAN et al., 1983).2

LAVELLE et al. (1995) afirmam que os principais processos que ocorrem no solo
(decomposição, ciclagem de nutrientes e conservação da sua estrutura) são
determinados pela eficiência e natureza dessas associações mutualísticas.
Portanto, a alteração da composição da comunidade do solo, ou mesmo a
supressão de algumas espécies, ou ainda sua substituição, podem comprometer a
eficiência encontrada em ecossistemas naturais.

Estes sistemas biológicos de regulação são removidos nos agroecossistemas


convencionais devido à simplificação adotada como forma de maximizar a
produção, provocando o desaparecimento dos organismos que compunham o
sistema por inabilidade destes em se adaptarem às novas condições ambientais.
Essas mudanças provocam um aumento na amplitude de variação da temperatura
e da disponibilidade de água, que afetam a atividade da fauna e dos
microorganismos (BOTTNER, 1985). Conseqüentemente, a mineralização provoca
perda rápida da matéria orgânica e perda da estrutura do solo.

1
Invertebrados maiores que 2 mm
2
Associação entre fungos de solo e raízes de plantas, onde as plantas fornecem carboidratos para os fungos e estes
facilitam a obtenção de alguns nutrientes, como fósforo, e água pelas plantas. Para maiores informações sobre interações
no solo ler COUTINHO et al. (2003).
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A imobilização tem papel bastante relevante no processo de regulação da


ciclagem de nutrientes, e a biomassa de organismos do solo e raízes atuam como
"pool" de reserva, armazenando “provisoriamente” os nutrientes mineralizados
evitando sua perda imediata, que permanecem na sua biomassa até a morte
destes organismos e raízes, quando são decompostos e o processo de
mineralização da matéria morta passa a fornecer nutrientes para o ambiente
autótrofo.

O funcionamento do ecossistema, quando se consideram os seus processos


fundamentais (interações entre espécies, decomposição da matéria orgânica,
ciclagem de nutrientes e conservação da estrutura do solo) que integram os
sistemas autótrofo e heterótrofo, está intimamente ligado à composição das
espécies que nele habita e as funções por elas desempenhadas (figura 2). A
recuperação dessas interações e processos nos agroecossistemas, através das
práticas que induzem a diversificação, pode indicar o caminho de uma agricultura
mais sustentável.
Figura
2. Interação entre sistema autótrofo e heterótrofo através dos
processos do ecossistema

4. Biodiversidade

4.1. Conceitos de Biodiversidade


De acordo com LEWINSOHN (2000), com o surgimento da ciência moderna na
Europa, entre os séculos 16 e 17, a classificação de organismos vivos foi um tema
de grande interesse para os cientistas que pesquisavam a História Natural (uma
mescla do que hoje chamamos de Biologia com Geologia, entre outras áreas).
11

Diversas teorias e novos estudos - por exemplo, a anatomia microscópica -


permitiram o aperfeiçoamento de sistemas de classificação.

Finalmente, no século 18, Lineu propôs um sistema de classificação que é uma


das bases da classificação atual dos organismos. LEWINSOHN aponta dois
outros acontecimentos deram um grande impulso à atividade de reconhecer e
classificar a variedade de seres vivos. Em primeiro lugar, a descoberta e
exploração do Novo Mundo e outros continentes, onde os naturalistas
encontraram muitas formas de vida desconhecidas e estranhas, que desafiavam
continuamente seus esquemas de classificação. Em segundo, a invenção do
microscópio no século 17, cujas lentes revelaram um novo universo de
organismos invisíveis a olho nu - os microorganismos.

O estudo, descrição e classificação de novas espécies (Taxonomia) ocupou


muitos naturalistas e biólogos nos séculos 19 e 20. Este trabalho tornou-se uma
profissão durante o século 19, mas sempre houve muitos naturalistas amadores
que se especializaram em algum grupo de plantas ou animais e participaram do
esforço de classificar e descrever novas espécies. Em 1758, o Systema Naturae
de Lineu incluía 5.897 espécies de plantas e animais, os dois reinos em que ele
dividia os organismos vivos. Este número cresceu explosivamente e mais
rapidamente nos animais vertebrados e nas plantas terrestres. Em 1850 já haviam
sido descritas cerca de 4.500 espécies de aves, a metade do que conhecemos
atualmente. Estima-se hoje em cerca de 1,7 milhões o total de espécies
conhecidas, incluindo microorganismos, mas este número é bastante aproximado
porque não há um catálogo geral. Cerca de 13.000 espécies novas são descritas a
cada ano.

Ao mesmo tempo em que se estendia o conhecimento e a classificação de


espécies, os naturalistas reconheciam que em cada região do mundo havia
espécies diferentes, muitas delas existindo em um só continente ou até numa
pequena região. Também notaram que muitas espécies ocorriam em certos tipos
de ambientes ou locais característicos. A Biogeografia, ciência que se
desenvolveu no século 19, buscava descrever a distribuição geográfica das
espécies; ao mesmo tempo, buscava caracterizar quais as espécies que existiam
em cada tipo de ambiente natural e em cada região geográfica do planeta. Da
reunião destas duas ciências, a Taxonomia e a Biogeografia, surgiu a idéia de
diversidade de espécies.

De acordo com LEWINSOHN (2000) a palavra biodiversidade apareceu há não


muito tempo. Certamente, tornou-se conhecida a partir de uma reunião realizada
nos Estados Unidos, cujos trabalhos foram publicados em 1988, num livro
organizado pelo ecólogo Edward O. Wilson, da Universidade de Harvard, nos
Estados Unidos. O conceito de biodiversidade procura referir e integrar toda a
variedade que encontramos em organismos vivos, nos mais diferentes níveis. É
difícil expressar este conceito com precisão, e existem várias enunciados
diferentes, por exemplo:
12

"A soma de todos os diferentes tipos de organismos que habitam uma região tal
como o planeta inteiro, o continente africano, a Bacia Amazônica, ou nossos
quintais" (Andy Dobson).

"A totalidade de gens, espécies e ecossistemas de uma região e do mundo"


(Estratégia Global de Biodiversidade)

"A variedade total de vida na Terra. Inclui todos os genes, espécies, e


ecossistemas, e os processos ecológicos de que são parte" (ICBP - Conselho
Internacional para a Proteção das Aves)

Todas as definições - estas, e muitas outras - enfatizam que a biodiversidade


abrange diferentes níveis de organização da vida. Tais níveis formam uma certa
hierarquia, embora geralmente só sejam mencionadas algumas partes de toda a
seqüência: genes > que pertencem a organismos > que compõem populações >
que pertencem a espécies > cujos conjuntos formam comunidades > que fazem
parte dos ecossistemas.

Além disto, várias definições ressaltam que a biodiversidade não é apenas uma
coleção de componentes, em vários níveis. Tão importante quanto estes
componentes é a maneira como eles estão organizados e como interagem: quer
dizer, as interações e processos que fazem os organismos, as populações e os
ecossistemas preservarem sua estrutura e funcionarem em conjunto.

A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), apresentada na reunião das


Nações Unidas do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente (Eco-92), é o principal
instrumento do compromisso firmado pela maioria das nações do mundo desde
então, visando buscar "...a conservação da diversidade biológica, a utilização
sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios
derivados da utilização dos recursos genéticos" (CDB, artigo1 in: LEWINSOHN,
2000).

Este documento é um acordo formal entre nações, e define cuidadosamente cada


um dos termos. Biodiversidade é definida assim:
"Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as
origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e
outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte;
compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de
ecossistemas." (CDB, Artigo 2 in: LEWINSOHN, 2000).

Como se vê, esta definição chama atenção sobre os diversos níveis e a variedade
de ambientes da vida, referindo-se também aos processos ("complexos
ecológicos") que os mantêm organizados. Infelizmente, a redação que foi adotada
é difícil de entender e até confusa. Esta definição tem valor legal, pois foi
incorporada no Decreto 2.519 de 1998, que promulgou em definitivo a plena
13

execução da Convenção no Brasil. Apesar disto, preferimos usar outras, mais


simples e mais claras, como as anteriormente citadas.

4.2.Escalas da Biodiversidade
De acordo com LEWINSOHN (2000), apesar da necessidade de abranger a
diversidade da vida em todos seus níveis, a diversidade de espécies é
certamente o seu componente mais estudado e usado. Normalmente, para
expressar a diversidade de espécies empregamos a riqueza de espécies ou outras
medidas de diversidade. Quando contamos simplesmente as espécies, todas elas
têm o mesmo valor e peso. Muitos cientistas pensam, porém, que a diversidade
não deve apenas contar espécies, mas levar em conta sua variedade ou mesmo
seu valor. A seguir o autor apresenta outras maneiras de análise da diversidade:

Diversidade taxonômica: é uma medida da variedade dos táxons3superiores (ou


grupos taxonômicos) a que pertencem as espécies da área estudada . Uma
espécie de mosca, uma mariposa e um gafanhoto têm maior diversidade
taxonômica do que três espécies de gafanhoto. Pode-se, além disto, dar peso às
espécies que pertencem a um grupo pequeno, ou que seja considerado especial
por outras razões.

Diversidade filogenética: é parecida com a diversidade taxonômica. Se tivermos


conhecimento do parentesco evolutivo entre diferentes espécies da região que
estudamos - ou seja, se existe um esboço da árvore evolutiva do táxon superior a
que as espécies pertencem - podemos medir a variedade evolutiva de um grupo
de espécies. Quanto mais distantes evolutivamente as espécies, maior a
diversidade filogenética do conjunto. Pode-se, ainda, atribuir valor maior a
espécies que são evolutivamente isoladas, ou seja, "especiais". Por exemplo, o
Peripatus acacioi é uma espécie de artrópode4que tem alto valor filogenético, por
pertencer a um táxon muito pequeno - os Onicóforos - e que, do ponto de vista
evolutivo, é bastante especial. Como ele está na lista brasileira das espécies
ameaçadas de extinção, sua presença em certas áreas de Minas Gerais é
considerada mais importante do que a de outros artrópodes, pertencentes a
táxons maiores e mais comuns.

Diversidade funcional: pesquisadores preocupados com o funcionamento de


ecossistemas têm questionado se, deste ponto de vista, todas as espécies têm a
mesma importância. Para manter a integridade e o funcionamento dos
ecossistemas, é necessário que haja organismos que cubram todos os processos
envolvidos neste funcionamento. A diversidade funcional pretende avaliar se, em
um dado ecossistema, há espécies cujo conjunto de atividades e interações
garante os processos essenciais para a existência continuada do ecossistema.

1
Unidade de classificação em que enquadramos indivíduos, ou espécies. Táxons têm sempre um nome formal, em latim, e
um nível dentro de uma hierarquia de classificação que vai da espécie até o reino. "Táxons superiores" são aqueles acima
do nível de espécie (gênero, família, ordem, classe etc.). Plural: táxons ou taxa.
2
Ramo de animais que inclui os insetos, aranhas, crustáceos, centopéias, e alguns grupos menores.
14

Esta preocupação é importante para o conceito de sustentabilidade, mas ainda é


bastante controversa e necessita muita pesquisa adicional.

Diversidade genética: A diversidade genética geralmente tem sido estudada


dentro de espécies, medindo tanto as diferenças entre indivíduos, quanto as
diferenças entre populações naturais, que hoje muitas vezes estão separadas
entre si pela perda e fragmentação dos hábitats naturais.

A diversidade genética é cada vez mais avaliada por métodos moleculares, em


que se examina diferenças na constituição do DNA, RNA ou de determinadas
proteínas entre os organismos ou populações. Este estudo é essencial para a
conservação biológica, porque a perda de diversidade genética de uma espécie
aumenta muito o risco de que ela venha a se extinguir, sendo perdida para
sempre. Perder diversidade genética também significa desperdiçar as
possibilidades de novos aproveitamentos de espécies, especialmente aquelas em
que foram selecionadas e melhoradas algumas poucas variedades para
aproveitamento econômico, sem a preocupação equivalente com as variedades
mais antigas ou "selvagens".

Em microorganismos, a diversidade genética vem sendo pesquisada e avaliada


diretamente em amostras de ambientes naturais, mesmo não podendo atribuí-la a
espécies já conhecidas.

Diversidade de ecossistemas: Embora mencionada na maioria das definições


atuais, a diversidade de ecossistemas é a mais difícil de caracterizar. Isto porque
ecossistemas são definidos pelo seu modo de funcionamento e seu tamanho pode
variar desde uma pequena poça de poucos metros de tamanho, até um tipo de
floresta que se estende por muitos quilômetros, sem limites claros. Embora toda
região geográfica contenha uma mistura de ecossistemas, é difícil, na prática,
medir a sua diversidade.

A diversidade de ecossistemas tem sido entendida, geralmente, como a


diversidade de tipos de ambiente, ou hábitats, que existem numa região. Os
hábitats aquáticos são freqüentemente caracterizados por características físicas
(por exemplo, água corrente ou parada; leito ou substrato de pedra, areia ou
argila). Nos hábitats terrestres, costuma-se dar maior importância à vegetação e
sua fisionomia para caracterizá-los. Assim, é possível avaliar e comparar a
estrutura de hábitats e sua diversidade em uma região.

Para comparações mais extensas, que vão além do estudo de uma região feito
por um só pesquisador, é necessário ter um esquema unificado de classificação
de fisionomias que seja fácil de usar por diferentes pesquisadores e técnicos.
Várias propostas e tentativas têm sido feitas, tanto no exterior como no Brasil, de
produzir uma classificação prática de hábitats, fisionomias e eco-regiões que
cumpram estas expectativas. No entanto, este alvo ainda não foi atingido e, por
isto, a diversidade de ecossistemas é o componente que representa o maior
15

desafio para avançarmos no conhecimento da biodiversidade. (LEWINSOHN,


2000).

É de grande importância esclarecer que a biodiversidade não é apenas composta


pelo número de espécies encontradas, mas, também pela abundância relativa5 que
cada espécie apresenta no ecossistema onde esta inserida. Este elemento da
medida da diversidade é chamado de uniformidade.

Portanto, se compararmos dois ecossistemas, onde o ecossistema “A” apresenta


10 espécies distintas, com uma distribuição bastante eqüitativa das espécies, com
cada uma delas possuindo cerca de 10% dos indivíduos do total da comunidade, e
o ecossistema “B” com o mesmo número de espécies sendo que apenas uma
delas possui 70% dos indivíduos da comunidade, este ecossistema será dito mais
uniforme que o primeiro.

Outro aspecto da biodiversidade que deve ser esclarecido é o fato de esta medida
possuir variação temporal, não sendo uma medida constante durante todo o
tempo em um ecossistema. Estas flutuações ocorrem em ecossistemas naturais
como conseqüência das alterações climáticas e de abundância e escassez de
recursos, representando modificações em muitos dos níveis de diversidade
anteriormente apresentados.

De acordo com o modelo hierárquico proposto por LAVELLE et al. (1993), as


diferentes escalas de análise da biodiversidade anteriormente mencionadas
possuem interação, sendo que os componentes que atuam em larga escala
controlam aqueles que atuam em escala menor, portanto, fatores climáticos atuam
sobre a determinação de características abióticas do solo que determinam a
composição e estrutura da vegetação, que define a qualidade da serrapilheira que
por sua vez age sobre a atividade e composição da comunidade microbiana e de
invertebrados do solo.

Os autores salientam que dentro deste modelo hierárquico cabem inúmeros


processos de resposta das escalas menores que também influenciam as escalas
maiores e que distúrbios nos ecossistemas terrestres podem criar novos fatores
reguladores de maior expressão em escala local.

No caso específico dos agroecossistemas, são de maior interesse a diversidade


de espécies, a diversidade funcional e a diversidade de ecossistemas.

4
Percentual representativo do número de indivíduos em relação ao número total de indivíduos da comunidade
16
Figura 3. Modelo hierárquico de escalas de interferência no
agroecossistema. Adaptado de LAVELLE et al. (1993).

4.3. Causas da Diversidade


A causa da maior diversidade em alguns ecossistema se deve a fatores como:
1)aspectos históricos; 2) fatores climáticos; 3)heterogeneidade espacial; 4)
competição; 5) produtividade. Vamos observar que as 2 últimas são
conseqüências das primeiras (DAJOZ,1983).

Segundo DAJOZ (1983) todo ecossistema tende a se diversificar com o tempo,


sendo, portanto, mais diversos os ecossistemas mais antigos. Salienta ainda que
quando o ecossistema esta submetido a um clima estável _ que não apresenta
geadas, variações bruscas de temperatura e pluviosidade favorece o
aparecimento de adaptações mais avançadas que nas regiões de clima variável,
levando a ocupação de nichos específicos e, portanto, um maior número de
nichos, permitindo que um maior número de espécies coabitem no mesmo meio.
(ver quadro 1)

Complementarmente, um clima constante durante permite que as espécies se


reproduzam todo o ano, reduzindo a competição com outras espécies de nichos
17

próximos. O maior número de espécies em nichos próximos significa a ampliação


das ligações na teia trófica e das possibilidades de interações.

O clima estável permite ainda maior produtividade durante todo o ano, gerando
maior abundância de alimentos fazendo com que as populações tenham maior
número de indivíduos e possam se sub-dividir em populações semi-isoladas que
tendem a se reespecializar.

Também a heterogeneidade espacial permite a geração de um maior número de


nichos. A topografia, a fisionomia e a diversidade da flora são fatores
determinantes na existência de hábitats diferenciados, permitindo a
heterogeneidade do meio, tanto no sistema autótrofo quanto no heterótrofo.

Manejo da Biodiversidade nos Agroecossistemas

Conforme visto anteriormente, o estudo da ecologia esta relacionado ao estudo


das populações e suas interações dentro da cadeia alimentar, desenvolvendo o
conceito de estrutura de comunidade integrado ao fluxo de energia e matéria. Este
fluxos, por sua vez, encontram-se associados à produção primária e envolvem os
sistemas autótrofos e heterótrofos. Esta abordagem quando simplificada permite a
divisão da comunidade dentro do ecossistema em compartimentos funcionais.

SWIFT & ANDERSON (1994), fundamentados neste princípio funcional, dividem a


biota que compõe o agroecossistema em três categorias básicas:

Biota produtiva: são as plantas cultivadas, deliberadamente escolhidas pelo


homem, determinante para a diversidade e complexidade do sistema; Biota
geradora de recursos: são os organismos que contribuem positivamente para a
produtividade do sistema, porém que não geram um produto utilizado
diretamente pelo homem. Estão neste grupo plantas utilizadas como cobertura,
fauna e flora de decompositores, microflora de simbiontes e predadores de
insetos e parasitas;
Biota destrutiva: são as plantas invasoras, pragas e patógenos;

Portanto, com esta classificação pode-se avaliar o número de espécies


(diversidade de espécies), número de grupos funcionais (diversidade funcional) e
natureza dos grupos funcionais (composição funcional), além da diversidade do
ecossistema e a temporalidade em cada uma dessas escalas.

Muitos autores chamam a atenção para a pouca contribuição conferida pela


medida de riqueza de espécies para se entender o funcionamento dos
ecossistemas, devido principalmente ao papel das diferentes funções e à
redundância funcional6existente (Di CASTRI & YOUNES, 1990). Este fato poderia
levar à conclusão de que agroecossistemas com maior número de espécies são
6
Entende-se por redundância funcional a existência de mais de uma espécie desempenhando o mesmo papel dentro do
sistema
18

mais sustentáveis, sem levar em consideração a possibilidade de a maioria delas


poder ser parte da biota destrutiva.

A atribuição de importância a simples medida de diversidade específica pode levar


também a errônea idéia de que a perda de espécies não seria necessariamente
refletida em uma mudança nos processos mediados biologicamente ou nas
transformações biogeoquímicas. Embora seja possível a redundância de uma
única função entre espécies, é pouco provável a redundância do conjunto de
funções atribuídas a uma espécie.

Deve ser levado também em consideração que organismos de mesma função


possuem diferentes tolerâncias ambientais, necessidades fisiológicas e hábitats
preferenciais (PERRY et al., 1989). Portanto, organismos que possuem uma ou
mais funções em comum podem desempenhar papéis diferentes, e uma maior
diversidade concederia ao ecossistema maior capacidade de absorver impactos
(resistência) ou se recuperar deles (resiliência).

Portanto, o manejo da biodiversidade nos agroecossistemas deve, observando as


diferentes escalas de análise, atuar no agroecossistema favorecendo a biota
produtiva e geradora de recursos e através delas regular a presença da biota
destrutiva.

5.1. Eliminação de Insumos Inibidores (Manejo da diversidade de


espécies e funcional)
Muitos são os insumos químicos (adubos e agrotóxicos) que comprovadamente
reduzem a diversidade dos agroecossistemas. KURLE & PFLEGER (1994)
constataram que áreas que recebem poucos insumos ou apenas insumos
orgânicos apresentam maior população de esporos de fungos micorrízicos e maior
infecção de raízes. FRASER et al. (1988) confirmam que práticas orgânicas e
aplicação de poucos insumos produzem microflora mais diversa e abundante,
quando comparada ao cultivo tradicional.

O impacto a diversidade se dá tanto através da ação direta dos insumos (ação


tóxica ou alteração fisiológica) como indiretamente, através de alterações no meio.

A maioria dos pesticidas, praguicidas e herbicidas elimina o alvo junto com ele,
muitas vezes, são exterminadas espécies componentes da fauna geradora de
recursos como polinizadores e inimigos naturais, controladores de insetos, pragas
potenciais que, na ausência da pressão de predação exercida por seus inimigos,
assume o papel da praga anterior. Havendo, portanto, a dependência da
interferência humana para a obtenção da produtividade desejada.
A polinização tem papel de grande importância não só no processo de
diversificação das plantas, uma vez que permite um intercruzamento, como
também na obtenção da produção. Metade das plantas, incluindo espécies
cultivadas, é polinizada por animais vertebrados ou invertebrados. O serviço
prestado por polinizadores nos Estados Unidos é calculado na ordem de milhões
19

de dólares, uma vez que contabiliza a produção de frutas e sementes além da


manutenção da variabilidade genética.

De acordo com a teoria da trofobiose (CHABOUSSOU, 1987), plantas expostas a


insumos químicos possuem desequilíbrios fisiológicos tais que a levam a estarem
mais sujeitas a pragas e doenças.

Outros pesquisadores (ALTIERI, 1992; UZÊDA, 1999) constataram ainda que com
a utilização de insumos químicos o estabelecimento de associações simbióticas
entre fungos Micorrízicos e bactérias do gênero Rizóbio é reduzida. Esta redução
ocorre em virtude de mudanças fisiológicas nos vegetais, que por receberem a
altas doses dos nutrientes demandados para o seu desenvolvimento já não
depende da interação com os microorganismos para a sua nutrição. Esta
independência, entretanto, é irreal uma vez que sem a presença do insumo
adicionado no ambiente pelo agricultor seria impossível a sua sobrevivência.

Os insumos químicos muitas vezes provocam algumas alterações no meio físico


como alteração do pH, ruptura dos agregados em virtude da aceleração da
mineralização da matéria orgânica e concentração de sais, inviabilizando a
presença das comunidades anteriormente presentes.

Algumas práticas agrícolas como o uso de maquinário inadequado para preparo


do solo e o fogo, também comprometem a diversidade dos agroecossistemas.

É importante salientar que, a simples substituição de insumos de origem química


por insumos de origem orgânica, ainda que possibilite a ampliação da diversidade
no agroecossistema, não é suficiente para o alcance de todos os benefícios
gerados sendo necessária a adoção de práticas de manejo que permitam a
ampliação da biodiversidade em todas as suas escalas e dimensões. Trataremos
dessas práticas nos itens a seguir.

5.6. A Matéria Orgânica e a Biota do Solo


Desde o século XVIII alguns cientistas já falavam da “força vital” da matéria
orgânica, embora não soubessem explicar muito bem a relação entre ela e a vida.

No solo a matéria orgânica se encontra em diversos distintos estágios de


decomposição indo desde o resíduo orgânico não decomposto (corpos de animais
e resíduos vegetais sem vida em estágio insipiente de decomposição), passando
pela matéria orgânica em decomposição chegando até o húmus, estágio máximo
de decomposição que chega o resíduo orgânico.

É bastante comum os microorganismos do solo serem considerados “matéria


orgânica viva” uma vez que seu curto ciclo de vida faz com que a sua biomassa
esteja sendo reciclada com freqüência e, por isso, são como uma reserva viva de
nutrientes para as plantas.
20

A entrada de matéria orgânica em seus diversos estágios de decomposição no


sistema pode ocorrer através do uso de insumos orgânicos (composto,
vermicomposto etc.), através do uso de cobertura morta (mulch) ou indiretamente
através de consórcios com leguminosas ou com outras plantas cultivadas (ver item
5.4.).

A matéria orgânica quando mineralizada é fonte de nutrientes para os


microorganismos (ver quadro 2), e plantas e como subproduto da decomposição
são gerados géis e mucilagens (polissacarídeos) que cimentam os agregados do
solo, permitindo melhor fluxo hídrico e de gases que também favorece a vida dos
organismos e o crescimento de raízes.

A presença de matéria orgânica estimula ainda interações simbióticas com fungos


micorrízicos que ampliam a possibilidade da planta em obter nutrientes e água do
solo.

Entretanto, deve-se escolher o tipo de cobertura morta (mulch), a depender das


características do solo, do clima e do tipo de insumos utilizados, visando evitar
imobilização intensa de nutrientes do solo por parte dos microorganismos e
também efeitos alelopáticos7, uma vez que os resíduos orgânicos utilizados
podem liberar compostos tóxicos às plantas cultivadas.

5.7. Manejando a Biota Através dos Engenheiros do Ecossistema As


árvores, conforme já mencionado anteriormente, são grandes transformadores do
ecossistema e podem gerar inúmeros benefícios para o agroecossistemas, sendo
a sustentabilidade dos sistemas agroflorestais em muito devido a sua presença.

No ambiente autótrofo as árvores alteram o ambiente luminoso em virtude do


sombreamento, alterando por conseqüência a umidade e a evapotranspiração.
Sua copa abriga muitas espécies da vida animal, alguns inimigos naturais de
insetos praga, e modificam a os efeitos locais do vento.

No ambiente heterótrofo, o solo, suas raízes penetram mais profundamente que


as raízes das culturas anuais, afetando as relações da estrutura do solo, ciclagem
de água e nutrientes. As árvores, são ainda excelente proteção contra a erosão,
visto que impedem o impacto direto da gota de chuva sobre o solo e as folhas
caídas formam uma camada que, além da proteção, modificam o ambiente da
superfície do solo e fornecem nutrientes as demais culturas presentes.
Por serem responsáveis por tais efeitos as árvores quando inseridas nos
agroecossistemas se tornam excelente base para o desenvolvimento de
qualidades emergentes. Ao proporcionar microlocais e recursos permanentes
7
Uma interação de interferência na qual uma planta libera um composto no ambiente que inibe ou estimula o
desenvolvimento de outras plantas. A liberação deste composto pode ocorrer através das raízes ou no processo de
decomposição das folhas mortas no ambiente.
21

tornam possível uma população mais estável e controlada de pragas em virtude


da presença de seus predadores.

Estas interações manejadas em consonância com os objetivos produtivos do


agricultor geram agroecossistemas menos dependentes de insumos externos.
Para tanto é importante atentar a disposição das árvores no agroecossistemas e
as espécies escolhidas quanto a sua utilidade econômico-produtiva: lenha,
madeira, forragem para animais, frutas, nozes, produtos medicinais e de beleza.

De acordo com GLIESSMAN (2000), se a ênfase principal do produtor forem


sistemas Silvopastoris, com árvores destinadas a cercas-vivas, quebra-ventos,
forragem ocasional oriunda das podas e produtos que podem ser colhidos (lenha,
frutas etc.), então o modelo a ser adotado pode ser o proposto na figura 4A.
Entretanto, se o vento é um problema mas a ênfase do agricultor esta no cultivo, o
modelo mais adequado é o descrito na figura 4B.

Quando o componente árvore é destinado a proporcionar cobertura morta de


folhas caídas ou por meio de podas, visando o favorecimento de culturas, os
cinturões criados podem seguir a sugestão do desenho 4C. Entretanto, se as
árvores também têm valor agrícola, podem estar distribuídas de forma homogênea
ou aleatória por todo o sistema. Porém, GLIESSMAN (2000) sugere que se o solo
é extremamente pobre, tornando o pastoreio ou cultivo continuo inviável, pode-se
adotar o pousio, utilizando uma sucessão de espécies que imite o processo de
sucessão natural (ver quadro 1), com plantas que auxiliem na recuperação do solo
e adicionalmente possuam valor comercial.

Figura 4. Modelos de arranjos de árvores em sistemas agroflorestais.


Adaptado de GLIESSMAN (2000).

É comum em muitos sistemas agroflorestais o uso de mais de uma espécie


arbórea com finalidade produtiva, onde os cultivos anuais são estabelecidos
quando as espécies de porte arbóreo ainda estão em fase de crescimento ou
mesmo em locais onde houve a queda natural ou retirada de árvores para o uso
da madeira. Neste caso o processo de sucessão natural (quadro 1) é copiado.

Este tipo de arranjo cria muitos micro-ambientes uma vez que produz um
gradiente vertical de diferentes estratos vegetais, com distintos ambientes
luminosos, variada temperatura e umidade (figura 5). Permitem uma grande
diversidade temporal uma vez que podem ser iniciados com a adoção e
revezamento de diferentes culturas anuais, dando seguimento a esta diversidade
temporal no sistema maduro, quando da retirada de espécies arbóreas.

É importante salientar que a introdução de árvores pode ocasionar efeitos


negativos como interferências alelopáticas negativas ou competição com as
plantas anuais, gerando o favorecimento de doenças, afetando a qualidade da
produção ou mesmo a produtividade do ecossistema. Em geral a competição
22

ocorre quando as espécies, arbórea e anual, apresentam uma sobreposição


parcial de nichos, possuindo demandas nutricionais semelhantes, retirando do
ambiente, ao mesmo tempo, os mesmos nutrientes, ou o espaçamento utilizado
entre as duas espécies leva a um sombreamento excessivo e a competição por
espaço ou por água. Normalmente, estes efeitos negativos são contornados a
partir da seleção do arranjo espacial e espécies arbóreas e anuais adequadas,
escolhidas em função das demandas de luz, água, nutrientes e arquitetura das
raízes e da parte aérea, ou mesmo através de adequação do período de plantio e
da adoção de poda.

Algumas plantas, ainda que possuam demandas nutricionais semelhantes,


exploram camadas do solo distintas em virtude da profundidade das raízes,
evitando assim a competição.

O manejo adequado das árvores nos agroecossistemas permite a otimização dos


recursos introduzidos pelo agricultor bem como dos recursos naturais presentes
no meio e gera novos recursos benéficos para um funcionamento mais autônomo
do agroecossistema.

5.2. Manejando a Biota Produtiva Não Perene (Rotação de culturas,


Consórcios)
Muitos sistemas cultivo, ainda que não utilizem árvores para ampliar a diversidade
do agroecossistema, adotam outras estratégias de diversificação fundamentadas
no manejo do cultivo ou na diversificação dos cultivos anuais.

Os consórcios entre culturas anuais já são amplamente aceitos e trazem a grande


vantagem de além de diversificarem espacialmente o agroecossistema, permitem
a otimização do uso dos insumos aplicados. Entretanto, conforme já mencionado
no item anterior, é importante saber as demandas nutricionais, de água, espaço,
luz e arquitetura da parte aérea e raízes das espécies a serem consorciadas.

Estudos apontam para o fato de que indivíduos de espécies praga tendem a


permanecer menos tempo nos agroecossistemas ao pousarem em uma planta
que não é do seu interesse (ALTIERI, 1995). Portanto, o consórcio reduz o efeito
das pragas sobre as culturas, minimizando os danos às plantas e sobre a
produção final.
A rotação de culturas é outra forma de manejo de agroecossistemas que é
amplamente adotada e permite a diversificação do sistema ao longo do tempo.
Esta prática possibilita a ruptura do ciclo das pragas que afetam a cultura e
dependem da sua presença para se reproduzir.
23

Cacao - Inga

Cacao - Laurel -Inga


30

Laurel 20 10 0
20 10 0

Inga
Inga

Cacao
Cacao 30
3 0 Ficus spp
2 03 0 Sistema rústico
20 Hura crepitans

Cacao - Laurel - Banano 30 Multiestrato Diversificado 30

Laurel Laurel
10
20
10
Cacao Banano Cacao - especies nativas 10 0

Cacao 10 0
Inga Aguacate
Pejibaye Naranja
20
Mamón

0
Banano
Cacao

Banano
Cacao

Figura 5. Estratos verticais em sistemas agroflorestais com diferentes


espécies e níveis de diversificação (Fonte: SOMARRIBA et al. 2002)
24

Algumas vezes tanto os consórcios quanto a rotação de culturas são realizados


utilizando-se espécies leguminosas sem valor comercial, mas que fazem parte da
biota geradora de recursos, uma vez que através da simbiose com bactérias do
gênero Rizóbio fixam nitrogênio e protegem o solo além de minimizarem o efeito
das pragas, através do estímulo a diversificação da biota do solo possibilitando
uma economia importante em insumos químicos.
Os consórcios, seja com leguminosas ou com outras espécies de valor
econômico, induzem a uma maior biomassa viva no sistema e também a maior
entrada de resíduos orgânicos (parte aérea das plantas e raízes) que estimulam a
presença de organismos do solo responsáveis pela estruturação do solo e
ciclagem de nutrientes, como visto no item 5.2..

Uma das mais antiga formas de cultivo, ainda hoje praticada principalmente na
região norte do Brasil, é a agricultura migratória, onde uma sucessão de espécies
é cultivada _ milho seguido de arroz e mandioca_ e, posterior a colheita, a área é
abandonada por um longo período (4 a 10 anos), denominado de pousio, quando
a sucessão vegetal natural é a vegetação que ocupa a área. Apesar dessa técnica
se mostrar pouco produtiva, uma vez que são necessários longos anos de pousio
para que o solo recupere a sua fertilidade, ela diversifica a unidade produtiva
como um todo uma vez que existirão lotes em diferentes estágios de regeneração
e o revezamento das culturas permite uma diversificação na escala temporal.

Estudos vêm sendo realizados no sentido de haver um enriquecimento das áreas


de pousio com espécies que sejam economicamente produtivas (madeira, plantas
medicinais etc.) e/ou gerem benefícios no sentido de acelerar a fertilidade do solo,
conforme visto no item 5.3..

5.3. Manejando a Paisagem (A Criação de Recurso Usando a


Paisagem)

A primeira tentativa de inserir o agroecossistema na paisagem foi a utilização da


teoria da biogeografia de ilhas (ver quadro 1) para o melhor entendimento do
processo de recolonização das áreas modificadas para a agricultura.

Muitos são os princípios da referida teoria que podem auxiliar no planejamento


dos agroecossistemas, retardando a chegada de pragas e permitindo a chegada
de espécies benéficas, auxiliando nos seguintes aspectos: 1) melhor
dimensionamento das áreas cultivadas; 2) sua proximidade_ distância e facilidade
de acesso _ tanto com relação a locais que são fontes de pragas (outros
agroecossistemas) quanto a áreas que são fonte de espécies benéficas
(ecossistemas naturais que atuam como pequenos reservatórios).

Conforme mencionado no quadro 1, quanto maiores as ilhas mais facilmente elas


são localizadas por seus colonizadores (estrategistas r). Portanto,
agroecossistemas de grande porte inseridos em áreas onde existem
25

predominantemente outros sistemas agrícolas com espécies cultivadas


semelhantes serão rapidamente colonizado por pragas.

Ao contrário, pequenos cultivos isolados dos demais por áreas de vegetação


nativa estarão por mais tempo protegidos das pragas e terão o auxílio das áreas
naturais no fornecimento de predadores das futuras pragas, no caso de estas
surgirem, e também de polinizadores.

É importante atentar, que por ser um sistema aberto, o agroecossistema recebe


influências de ecossistemas vizinhos e também os influencia, sendo grande a
responsabilidade de conduzir uma unidade produtiva.

Referências Bibliográficas
ALTIERI, M. 1989 Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa; tradução
Patrícia Vaz. Rio de Janeiro: PTA/FASE. 240 p.
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