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Fotos: Centro Ecológico

Motivações
para a transição
agroecológica
no litoral norte o trabalho em educação ambiental
junto a escolas de ensino fundamen-

do Rio Grande tal são expressões das mudanças


ocorridas nessa década e meia de
promoção da agroecologia. Este ar-
do Sul tigo apresenta as várias razões que
levaram os agricultores a ingressar
em trajetórias de transição agro-
André Luiz Rodrigues Gonçalves e ecológica.
Antônio Borges Model*
O contexto
o longo dos últi-
A
O litoral norte do Rio Grande do Sul, mais co-
mos quinze anos, nhecido como a região de Torres, congrega os municípios
centenas de famí- de Torres, Três Cachoeiras, Morrinhos do Sul, Mampituba
lias agricultoras no litoral norte do e Dom Pedro de Alcântara. À exceção de Torres, forte
Rio Grande do Sul vêm transforman- pólo turístico, os municípios da região têm como principal
atividade econômica a agricultura de base familiar, res-
do seus sistemas produtivos com a
ponsável pela ocupação da maior parcela de suas popula-
adoção de práticas agroecológicas.
ções. São milhares de famílias agricultoras que cultivam
Apoiadas pelo Centro Ecológico, ONG banana e arroz, as principais fontes de renda desses muni-
que atua na região em parceria com cípios.
a Pastoral Rural da Igreja Católica, O Centro Ecológico passou a atuar na região
essas famílias vêm introduzindo mu- em 1991, implementando trabalhos de assessoria simila-
danças não só em seus métodos de res aos que já desenvolvia na serra gaúcha há mais de uma
cultivo de frutas, verduras e legu- década. Inicialmente, realizou ações de sensibilização junto
mes, mas também nas formas de se às famílias agricultoras, estimulando-as a estabelecerem
organizar e comercializar. Atual- experiências de agricultura ecológica. O grupo assessora-
do era constituído por jovens lideranças de várias comuni-
mente, existem na região doze As-
dades rurais que deram início a processos de conversão
sociações de Agricultores Ecologis-
produtiva em suas propriedades e que buscavam, simulta-
tas, reunindo mais de uma centena neamente, melhores alternativas para a comercialização
de famílias produtoras. Além disso, de seus produtos. Como resultado dessas iniciativas, em
as diversas iniciativas inovadoras de pouco tempo o grupo fundou a primeira organização de
comercialização, como a criação de agricultores ecologistas da região, a Associação dos Colo-
feiras e cooperativas de consumo, e nos Ecologistas da Região de Torres (Acert).

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Da esquerda
para direita:
Sistema agroflorestal
na propriedade de
Antônio Model, Dom
Pedro de Alcântara - RS;
Reunião da Associação
Acert
Visita de intercâmbio a
bananal em sistema
agroflorestal

A crise generalizada da agricultura familiar, gicas, as cooperativas de consumo, a


provocada pela combinação da queda dos preços dos pro- venda para a merenda de escolas mu-
dutos, com os crescentes custos de produção e a dificul- nicipais e, mais recentemente, o Pro-
dade de venda da banana, motivou um grande número de
grama de Aquisição de Alimentos
famílias a experimentar os caminhos que vinham sendo
(PAA), coordenado pela Companhia
trilhados com sucesso pelos agricultores ecologistas pio-
Nacional de Abastecimento (Conab),
neiros. O papel da Igreja, representada por alguns padres
progressistas, foi decisivo na divulgação dessas iniciativas têm sido os canais de venda mais em-
bem-sucedidas de agricultura ecológica da região, indi- pregados para escoar a produção das
cando-as como referências a serem seguidas para que as famílias ecologistas. A redução dos
condições de vida no meio rural melhorassem. custos de produção também contribui
para a melhoria do desempenho eco-
Diferentes motivações nômico dos sistemas manejados eco-
As razões alegadas pelos agricultores para as logicamente, que não dependem da
mudanças que introduziram nas suas formas de produzir aquisição de adubos químicos, agro-
são de caráter objetivo e subjetivo (ver quadro ). O melhor tóxicos e sacos plásticos para proteção
desempenho econômico dos sistemas de produção ecoló- dos cachos de banana.
gicos é, sem dúvida, a principal motivação concreta apre-
sentada para a adoção dos métodos de manejo agro- Ainda no campo das razões objetivas, as famíli-
ecológicos. Um estudo recente do Departamento de Es- as ecologistas destacam a venda direta nas feiras como
tudos Socioeconômicos Rurais1 confirmou essa percep- elemento decisivo para a diversificação de suas fontes de
ção dos agricultores, ao demonstrar que um sistema eco- renda, que antes estava praticamente restrita à bana-
lógico de produção de banana na região de Torres chega a nicultura.
gerar um valor agregado de R$ 8,6 mil por hectare, en-
quanto um sistema convencional, mesmo quando bem
manejado, não rende mais que R$ 7 mil. Bananal em sistema agroflorestal

Vários fatores concorrem para justifi-


car essa superioridade econômica do
sistema agroecológico. Em primeiro
lugar, cabe destacar as oportunidades
de comercialização direta proporciona-
das pelo fato de o produto ser diferen-
ciado como ecológico. As feiras ecoló-
1
Os dados se referem ao ano de 2004. Para maiores detalhes, veja o boletim do Deser
– Conjuntura Agrícola, n. 137, junho/2004.

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Quadro-síntese das razões apontadas pelos agricultores para mudarem a forma de produzir.

Motivo Explicação

Objetivos Melhor preço pago pelo produto ecológico (“prêmio”)


Oportunidade de comercializar o produto diretamente
Oportunidade de comercializar outros produtos da unidade de produção
Economia de insumos: menor custo de produção
Qualidade superior do produto ecológico
Saúde: não se expor mais a agrotóxicos
Subjetivos Auto-estima: valorização de seu trabalho
Cuidado com o próximo: não envenenar seus semelhantes
Cuidado com o ambiente: não destruir o meio ambiente
Trabalho em grupo

A busca por meios de vida mais saudáveis e a nos processos de tomada de decisão que levam as famílias
necessidade de produzir alimentos livres de contaminantes a transformarem seus sistemas produtivos segundo o
também são freqüentemente mencionadas como impor- enfoque agroecológico. No entanto, ao longo desses quase
tantes fatores nas tomadas de decisão que levam aos ca- vinte anos de trabalho, foi possível perceber que aqueles
minhos da transição agroecológica. Vários agricultores agricultores que permanecem na atividade e que atuam
assessorados pelo Centro Ecológico, seja no litoral norte como verdadeiros catalisadores de mudanças em suas co-
ou em outras regiões nas quais a entidade atua, já não munidades são os que também se motivam pelas razões de
admitem mais se expor aos efeitos dos agrotóxicos. caráter subjetivo. Percebem a agricultura ecológica como
Já as razões subjetivas para a transição estão um modo de vida e não apenas como uma atividade mais
relacionadas fundamentalmente à “consciência socioam- lucrativa. Muitos chegam a afirmar que o aspecto econô-
biental” adquirida pelas famílias agricultoras. É comum mico já não pesa tanto nas suas escolhas e que continua-
ouvir agricultores alegarem que não usam métodos de riam adotando métodos agroecológicos mesmo na even-
manejo convencional para não contaminarem o meio am- tualidade de eles se tornarem menos lucrativos que os con-
biente. Enfatizam também que não desejam ao próximo vencionais.
aquilo que não querem para si. “Como posso passar vene- A conclusão que pode ser tirada desses depoi-
no em um alimento sabendo que uma criança vai consumi- mentos é de que a disseminação da agricultura ecológica
lo?”. Essa é a questão ética que permeia o debate das não se processará sem a construção de novos valores de
famílias envolvidas nos processos de transição agroeco- convivência social e ambiental, que devem ser integrados
lógica na região. às mudanças nas práticas de manejo implementadas pelas
A criação desse ambiente social que vem levan- famílias agricultoras. Processos de transição agroecológica
do à transformação de práticas produtivas e de consciên- orientados exclusivamente por motivações materiais ten-
cias tem exercido um papel decisivo na elevação da auto- dem a ser mais vulneráveis às mudanças de conjuntura,
estima das famílias. É recorrente a afirmação de pessoas podendo ser interrompidos com o surgimento de novas
que se orgulham de ser agricultores ecologistas, mas que oportunidades de realização econômica baseadas em mé-
antes sentiam vergonha de ser colonos, pois se auto-iden- todos convencionais.
tificavam como pessoas rudes, ignorantes e sem valor para
a sociedade. André Luiz Rodrigues Gonçalves:
coordenador técnico do Centro Ecológico
Conclusão alg47@cornell.edu
Antônio Borges Model:
Para nós, está claro que as razões aqui apresen- agricultor ecologista da Associação dos
tadas não são as únicas e nem operam de forma isolada Colonos Ecologistas da Região de Torres (Acert)

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