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DOI: 10.

55905/cuadv15n12-061

Recebimento dos originais: 17/11/2023


Aceitação para publicação: 18/12/2023

Formação docente, criatividade e engajamento na construção


do conhecimento coletivo: repensando o espaço universitário

Teacher education, creativity and engagement in building


collective knowledge: rethinking the university space
Regiane Sedenho de Morais
Doutoranda pelo Programa de Enfermagem Psiquiátrica
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto - SP, CEP: 14040-902
E-mail: regiane.sedenho@usp.br

Gilberto da Cruz Leal


Doutorando no programa de Enfermagem em Saúde Pública
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto, São Paulo, CEP: 14040-902
E-mail: gilbertoleal@usp.br

Camila Luchese Miluzzi


Mestranda pelo Programa de Enfermagem em Saúde Pública
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto - SP, CEP: 14040-902
E-mail: clmiluzzi@usp.br

Luan Victor Resque Ramos


Mestrando em Ciências Biológicas
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto - SP, CEP: 14040-902
E-mail: luanresque@usp.br

Glória Vitória Ferreira Livinhale


Mestranda pelo Programa de Enfermagem em Saúde Pública
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto - SP, CEP: 14040-902
E-mail: vitorialivinhale@usp.br

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Pedro Fredemir Palha
Doutor em Enfermagem e Saúde Pública
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto - SP, CEP: 14040-902
E-mail: palha@eerp.usp.br

Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves


Doutora em Educação
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto – SP, CEP: 14040-902
E-mail: mgoncalves@eerp.usp.br

Cinira Magali Fortuna


Doutora em Enfermagem e Saúde Pública
Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP- USP)
Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte
Alegre, Ribeirão Preto -SP, CEP: 14040-902
E-mail: fortuna@eerp.usp.br

RESUMO
Este estudo parte da necessidade de se (re)pensar o espaço da universidade no
tocante à formação e à atuação de profissionais docentes, para que esses sejam
criativos e engajados, e para que sintam prazer na construção de conhecimentos
e na realização do trabalho no (e para o) coletivo, assumindo responsabilidades
com o meio social. Nesse sentido, é enfatizada a discussão acerca do papel das
universidades em estabelecer uma relação dialógica com a cultura e os saberes
dos grupos populares. Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de
experiência, que tem como objetivo apresentar a experiência de estudantes de
pós-graduação em uma disciplina que tem como tema central a formação
docente. O acesso às disciplinas orientadas para a docência é imprescindível,
pois além de oferecerem subsídios essenciais à prática docente, permitem o
desenvolvimento crítico e favorecem reflexões sobre os desafios e dificuldades
da atuação como professor.

Palavras-chaves: ensino, educação de pós-graduação, educação em saúde.

ABSTRACT
This study stems from the need to (re)think about the university space regarding
the training and performance of teaching professionals, so that they can be
creative and engaged, and so that they find pleasure in constructing knowledge
and carrying out their work within and for the collective, assuming responsibilities
within the social environment. In this sense, the discussion about the role of

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universities in establishing a dialogic relationship with the culture and knowledge
of popular groups is emphasized. This is a descriptive study of the experience
report type, aimed at presenting the experience of graduate students in a course
that focuses on teacher education. Access to courses oriented towards teaching
is essential, as they not only provide essential support for teaching practice but
also enable critical development and facilitate reflections on the challenges and
difficulties of the role of a teacher.

Keywords: teaching, education, graduate, health education.

1 INTRODUÇÃO
Em um primeiro momento consideramos relevante contextualizar a
formação docente em saúde no Brasil, uma vez que entender o seu percurso
nos permitirá compreender melhor quais foram os desafios e os avanços
alcançados, bem como quais são os pontos que ainda necessitam de
aprimoramento. É discutido também o compromisso histórico e social das
universidades em relação à legitimação do seu desenvolvimento e o da
sociedade como um todo.
Sabe-se que a vinda da família real portuguesa para o Brasil é
considerada o marco histórico da formação das profissões de saúde no país.
Essa chegada resultou na fundação de duas Escolas de Anatomia, Medicina e
Cirurgia: uma em Salvador e outra no Rio de Janeiro, ambas criadas em 1808
(OLIVEIRA, 2012). Contudo, é preciso destacar que tal movimento se
apresentava de forma bastante restrita e não universalizante, uma vez que a
instituição dessas escolas tinham como interesse primordial o atendimento à
corte real que estava se instalando no Brasil (CARVALHO; ANDRADE, 2019).
Em se tratando das formas de aprendizado, mudanças foram ocorrendo
ao longo dos anos. Até a instituição do Brasil República em 1889, por exemplo,
elas se davam majoritariamente de forma prática, uma vez que educandos
aprendiam seu ofício dentro de laboratórios práticos, observando os mais
experientes e executando tarefas ditadas (CARVALHO; CECCIM, 2012).
Com a criação da Diretoria Geral de Saúde Pública, no ano de 1904, e do
Departamento Nacional de Saúde Pública, no ano de 1923, influentes

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sanitaristas discutiram a urgência e o carecimento de se formar profissionais
ajustados às necessidades da população e que estivessem alinhados com a
relevância pública da sua formação (CARVALHO; CECCIM, 2012).
Entre os anos de 1930 e 1950 houve uma expansão significativa do ensino
em saúde no Brasil. Tanto a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública,
em 1930 (CARVALHO; ANDRADE, 2019), quanto a implantação do ensino
universitário no país contribuíram para esse processo. Adicionalmente, tornou-
se uma prioridade a formação de recursos humanos na área da saúde, e novos
cursos e escolas foram estabelecidos em várias regiões do país.
A década de 1960, nesse mesmo rumo, marcou um momento de
transformação no ensino de saúde no Brasil. Com a Reforma Universitária de
1968 foram implementadas mudanças importantes no ensino superior, incluindo
desde a criação de departamentos de saúde em várias universidades, até a
maior representação estudantil e de docentes em espaços internos de decisão,
dentre outras medidas propostas (CARVALHO; ANDRADE, 2019).
Nas décadas de 1970 e 1980, mudanças de ordem política e social,
impulsionadas significativamente pela Reforma Sanitária Brasileira, resultaram
no aumento de demandas por serviços de saúde no país, o que culminou mais
uma vez, dentre outros aspectos, na expansão do número de escolas de saúde
e, consequentemente, na diversificação dos cursos oferecidos (DURHAM,
2005).
Com a criação do Sistema Único de Saúde em 1990, foi promovida uma
reorganização dos serviços de saúde, e a atenção primária ganhou destaque em
diversas frentes. Tais mudanças trouxeram impactos significativos na formação
dos profissionais da área, o que culminou no aumento da integração entre a
academia e os respectivos serviços (NALOM et al., 2019).
A partir do estabelecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
da área da saúde, em 2001 e 2004, os cursos de graduação em saúde em sua
quase totalidade (houve exceções em um primeiro momento) redicionaram a
formação com perspectivas humanísticas, generalistas, críticas e reflexivas,
pautadas em valores éticos e morais, e que aprimorassem habilidades e

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desenvolvessem competências para lidar com as necessidades de uma
sociedade substancialmente heterogênea (COSTA et al., 2018).
No ano de 2004 foi criado pelo Ministério da Saúde e aprovado pelo
Conselho Nacional de Saúde, o AprenderSUS, que é uma política com estreito
vínculo com o Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de promover um
diálogo deste com do ensino de graduação na área da saúde, com afinalidade
de auxiliar na orientação dos currículos dos cursos de graduações em saúde,
para a integralidade, um dos principais princípios do SUS (BRASIL, 2004).
Em 2005, o Departamento de Gestão da Educação na Saúde, vinculado
à Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, em colaboração
com a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e a Rede Unida,
concebeu como parte das iniciativas do AprenderSUS, o Curso de
Especialização em Facilitação de Processos de Mudança na Formação
Avançada de Profissionais de Saúde. Esse curso tinha como propósito a
disseminação das experiências adquiridas no campo da transformação da
educação em saúde e buscava aprimorar as modificações na educação dos
futuros profissionais de saúde guiadas pelo princípio da abrangência e
abordagem integral das intervenções de saúde (GONZÁLEZ; ALMEIDA, 2010).
Para Treviso e Costa (2017), a formação de professores na área da saúde
tem sido foco de diversas discussões, e estas envolvem aspectos como a prática
pedagógica, o currículo, a formação didática, entre outras. A atuação na
Educação Superior, nesse contexto, exige um significativo preparo dos docentes
e dos futuros docentes, permeado tanto pela formação pedagógica quanto
técnico-filosófica, considerando-se, assim, o contexto de mudanças sociais,
políticas, econômicas e culturais a que estes profissionais estão expostos.
Ainda, segundo as autoras, o ensino de graduação no Brasil apresenta
um percurso histórico tradicional e verticalizado, marcado pela fragmentação dos
eixos temáticos, cujos resquícios ainda perduram em muitas instituições de
ensino. Embora não seja objeto de discussão, neste artigo, defendemos e
apostamos em outro caminho: o horizontal e o dialógico.

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De acordo com Libâneo (2004) os meios de comunicação, as tecnologias
e os crescentes processos de diversificação cultural têm afetado os modos de
pensar e as práticas sociais, e em razão dessas demandas, a prática didática
precisa incorporar novas investigações sobre os modos de aprender e ensinar,
e sobre o papel do educador. Segundo o autor, , a principal tarefa do professor
é possibilitar as condições e os meios de aprendizagem, ou seja, as mediações
cognitivas através das quais os alunos internalizam conceitos, competências e
habilidades do pensar, e também as estratégias para o enfrentamento e
resolução de problemas,dilemas, aspectos que podem facilitar a tomada de
decisões.
Para Nietsche et al. (2012) o desenvolvimento da educação está
intimamente ligado à tecnologia educacional, que não apenas utiliza meios mas
também instrumentos facilitadores entre o homem, o mundo e a educação, que
possibilita tanto ao educando quanto ao educador habilidades para construção
e reconstrução do conhecimento. Logo, o profissional pode desenvolver, de
maneira mais eficaz e inovadora, seu papel de orientador e facilitador, com
produção de materiais, cujas propostas de ensino eliminem a reprodução das
fórmulas prontas, e que permitam a elaboração de desafios cognitivos para os
aprendizes.
Em se tratando especificamente da função de docente, Treviso e Costa
(2017) apontam que diferentemente de outras profissões, a docência possui as
suas singularidades e requer uma preparação especial, uma vez que a função
do professor não se restringe ao domínio de conteúdos (comum nas mais
variadas profissões), mas ela engloba também a utilização e mobilização desses
saberes, de modo que esse conteúdo possa ser mobilizado para o aprendizado.
Com base nessas reflexões, é evidente a importância de se enxergar a
universidade a partir do seu potencial para rever processos. No nosso caso, será
dado enfoque à formação e à atuação dos professores, a fim de se cultivar sua
criatividade, engajamento e satisfação na construção de conhecimento e no
trabalho em prol do coletivo. Além disso, é fundamental que os professores (tanto

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os atuais quanto os futuros docentes) passem a assumir responsabilidades em
relação ao meio social (Carvalho; Ceccim, 2012).
Assim, é enfatizada a discussão acerca do papel das universidades em
estabelecer uma relação dialógica com a cultura e os saberes dos grupos
populares, um dos legados do saudoso educador Paulo Freire (VAZ; CHACON;
ZARAHI, 2021).

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA


Docência no Ensino da Saúde: Saberes e Práticas é uma disciplina
oferecida pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP-USP). São previstos oito encontros semanais presenciais, com
duração de 3 horas cada. Além disso, está preconizada a realização prévia de
leituras indicadas no Plano de Ensino e Aprendizado (PEA), bem como o
planejamento de aulas que serão ministradas pelos próprios alunos, de acordo
com as normativas estabelecidas pela Universidade de São Paulo (USP).
Podem participar da disciplina alunos de diversas unidades da USP,
campus Ribeirão Preto, que estão regularmente matriculados em programas de
pós-graduação stricto sensu. É oportuno destacar que esta é uma das disciplinas
requisito para os alunos que desejam se matricular no Programa de
Aperfeiçoamento para o Ensino (PAE), cujo objetivo do é aprimorar a formação
do pós-graduando para atividade didática de graduação, marcada por duas
etapas: a preparação pedagógica e o estágio supervisionado em docência.
Com relação ao PEA, a disciplina “Docência no Ensino da Saúde: Saberes
e Práticas” tem dois grandes objetivos: 1) propiciar que os participantes, a partir
da leitura e discussões de textos sobre relatos de experiências, das propostas
de ideias inovadoras e dos conceitos relacionados à docência, façam reflexões
acerca do ensino na educação superior, especialmente na área da saúde; e 2)
possibilitar que os participantes se apropriem de formas de organização do
ensino que os instrumentalizem a promover ativamente a aprendizagem de seus
futuros alunos, tanto no nível de graduação, quanto nos de especialização ou de
pós-graduação.

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É mister destacar que a disciplina se justifica pela necessidade da
qualificação para a prática docente na educação superior dos cursos da saúde.
Conforme apontado por Treviso e Costa (2017), docentes da área da saúde
possuem formação específica para a prática profissional das suas respectivas
áreas. Contudo, em grande parte das instituições de ensino ocorrem poucas
apropriações no que se refere aos aspectos relacionados à formação
pedagógica dos estudantes, o que inclui conteúdos como currículo, interação
professor e alunos, estratégias de ensino, avaliação, entre outros.
Foi acordado que, como parte da proposta da disciplina, os alunos seriam
organizados em duplas ou trios, e a partir dessa formação, eles deveriam
desenvolver um plano de aula com base em um tema previamente selecionado
pelos professores, mas escolhido pelos próprios alunos. Essas aulas teriam a
duração de uma hora e trinta minutos e seriam baseadas em metodologias ativas
de ensino. Quanto aos temas em si, estes serão abordados durante a sessão de
relato de experiência.
Assim, nosso objetivo é apresentar a experiência de estudantes de pós-
graduação em uma disciplina que tem como tema central a formação docente.
Os relatos partem das vivências dos envolvidos e têm como base a elaboração
de materiais constituídos a partir do olhar crítico, analítico e reflexivo de suas
práticas (MUSSI; FLORES; ALMEIDA, 2021).
Tal relato foi estruturado a partir do PEA da disciplina. Contudo, ele não
focará neste, mas nas atividades realizadas e nos aprendizados alcançados a
partir do que foi programado pelas docentes responsáveis. Salienta-se que
devido a natureza deste estudo, dispensa-se a necessidade de submissão a um
Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) com seres humanos.

2 RELATO DE EXPERIÊNCIA
No processo de planejamento e execução das aulas, os alunos
exploraram uma ampla gama de estratégias e recursos. No que diz respeito às
estratégias, foram adotadas representações teatrais, gamificações, mapas
conceituais, aulas invertidas, entre outras abordagens. Em termos de recursos,

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foram empregados lousas tradicionais, projetores de slides e aplicativos para
apresentações, além de diversos softwares como Power Point, Keynote, Kahoot,
Canvas e lousa interativa.
Na segunda parte de cada aula ministrada, ou seja, após os 90 minutos
dos de dinâmicas dos estudantes, havia um momento para discussão e para o
compartilhamento de experiências, o que segundo os pós-graduandos
envolvidos representou um espaço aberto e seguro. A todo momento, e de forma
oportuna, os estudantes faziam conexões com situações vivenciadas ao longo
de suas trajetórias acadêmicas e profissionais.
Tendo em vista a abrangência e grandeza das atividades realizadas e
suas especificidades, compreendemos que é válido criar um espaço para a
discussão de cada uma delas em separado. Por essas razões, segmentamos
esta seção do texto nos seguintes itens: planejamento das aulas; o PPP e o PEA;
as estratégias de ensino (foco nas metodologias ativas); as relações interativas
e o processo de mediação; a organização da aula; e a avaliação do ensino.

2.1 PLANEJAMENTO DAS AULAS


O planejamento consiste em antecipar mentalmente as ações que serão
realizadas em um futuro pré-determinado, seja ele a curto, médio ou longo prazo
(VASCONCELLOS, 2019). Nesse contexto, o planejamento pode ser
interpretado como uma demonstração de respeito aos estudantes, uma vez que
evidencia o compromisso e a dedicação dos educadores para com os seus
alunos. Quanto mais aligeirado e banalizado for o plano de ensino, mais difícil
será a sua concretização.
Planejar adequadamente é um ato fundamental pois permite maximizar o
alcance dos objetivos propostos; explorar a abordagem do conteúdo; definir as
estratégias de ensino mais adequadas para um determinado tema, bem como
os recursos necessários; realizar a avaliação diagnóstica das dificuldades do
aluno e dos seus avanços. E mais do que isso, permite que o docente reflita
constantemente acerca das suas práticas (LEAL, 2005).

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Em se tratando das estratégias da disciplina, cada dupla ou trio de
estudantes precisou planejar a sua aula de acordo com o tempo de cada aula,
estratégias que seriam utilizadas e quais os possíveis caminhos. Foi também
discutido com os docentes responsáveis o que deveria constar nos planos de
aula.
Para os estudantes ficou nítido que o ato de planejar é uma tarefa dee
grande responsabilidade, uma vez que envolve diversos processos e, ao mesmo
tempo, com as devidas conexões. Assim, é preciso ter em mente que o
planejamento é necessário, e que não se trata de colocar no papel um roteiro
exigido pela coordenação do curso. Ele precisa ser entendido como uma bússola
para a prática docente.
Todavia, fazê-lo de forma coerente com a realidade e prever os possíveis
contratempos é relevante, dado que na maioria das vezes não é possível colocar
em prática tudo o que foi planejado. Por essa razão, surge a importância de se
realizar adaptações em função das condições inerentes ao momento da aula.

2.2 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP) E PLANO DE ENSINO E


APRENDIZADO (PEA)
As universidades desempenham um papel fundamental no processo de
transformação, uma vez que devem ter como um dos objetivos proporcionar a
formação profissional dos estudantes, em consonância com as demandas da
sociedade, visando à promoção da transformação social (VAZ et al., 2021).
Mas para que isso ocorra, o projeto político pedagógico (PPP) das
universidades deve ser discutido pelos docentes e universidades; ou seja, é
preciso realizar gestão pedagógica analisando-se o que foi proposto e planejado
e o que realmente ocorreu na prática, assim como o que deve ser mudado ou
mantido. O professor precisa se sentir corresponsável com a formação de um
profissional e não somente ministrar disciplinas (MASSETO, 2009).
O PPP pode ser visto como um balizador para a instituição de ensino. Ele,
ao expressar as práticas pedagógicas, serve como um norte à gestão e às
respectivas atividades institucionais. É comum que cada curso de graduação

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tenha o seu próprio projeto, e que este esteja alinhado com a instituição, com os
seus princípios e valores, e com os conselhos de classe de cada categoria
profissional.
Em se tratando do PEA, o docente precisa considerar que para formulá-
lo de forma adequada e condizente será necessário conhecer bem o PPP do seu
local de trabalho.
Em nossa experiência, estava previsto que os pós-graduandos
elaborassem um plano de suas aulas, porém não havia um modelo. A elaboração
de um plano de aula permitiu que os estudantes desenvolvessem e/ou
aprimorassem o seu potencial criativo. Depois de finalizar o plano, os alunos
faziam o seu envio por e-mail às docentes que, por sua vez, faziam as suas
considerações e o reencaminhavam aos estudantes. Após os ajustes, estes o
enviavam mais uma vez às responsáveis.
Como grande parte dos estudantes não teve um contato prévio com esse
tipo de experiência, foi possível identificar algumas dificuldades para a sua
produção. Contudo, ressalta-se que a diversidade e a qualidade dos materiais
desenvolvidos foi surpreendente. Para nós, isso pode estar relacionado com a
heterogeneidade do grupo (formação profissional, histórias de vidas, referências
prévias, etc), dado que os estudantes eram oriundos de diversas Instituições de
Ensino Superior (IES), localizadas em diferentes regiões do país.

2.3 AS ESTRATÉGIAS DE ENSINO (FOCO NAS METODOLOGIAS ATIVAS)


Para que haja aprendizado é necessária a criação de uma representação
pessoal do conteúdo de aprendizagem, sua internalização, apropriação e, por
fim, a integração ao repertório de conhecimento. Alcançar tudo isso não é tarefa
simples, pois diversos fatores estão envolvidos nesse processo, como o
ambiente, a interação entre alunos e professor, e as metodologias utilizadas.
Nesse contexto, o professor tem a responsabilidade de estabelecer um ambiente
propício, que estimule o aluno e promova uma interação favorável, receptiva e
acolhedora, permitindo que o aluno assimile o conteúdo e se aproprie do
conhecimento da maneira mais adequada (ZABALA, 2008).

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Aquino e Boto (2019), ao analisarem o processo de inovação pedagógica
no começo dos séculos XX e XXI, mostram que a necessidade de inovação
pedagógica tornou-se um consenso entre os teóricos do campo educacional a
partir das ideias trazidas pela Escola Nova. De acordo com esses autores, tanto
os conteúdos quanto a forma de ensiná-los precisam ser reconfigurados em
função da atual dinâmica do aprendizado, na qual os interesses e as
necessidades do aluno são valorizados, bem como a interação horizontal entre
alunos e professores.
As metodologias ativas surgiram com o advento da Escola Nova e estão
associadas à promoção da autonomia e ao papel ativo dos alunos no processo
de aprendizagem. Várias teorias do movimento da Educação Nova exerceram
influência na educação brasileira, sendo mais atuante a teoria de John Dewey,
que considera que a educação autêntica se dá através da experiência. Dessa
forma, a instituição de ensino deve estar vinculada à vida e não ser um lugar
dedicado ao aprendizado de conteúdos abstratos (CUNHA, 2017).
As metodologias ativas vêm ganhando destaque nas salas de aula.
Fazem parte das estratégias que impulsionam e incrementam o processo de
ensino- aprendizagem, e muitas vezes, ocorrem com a utilização de ferramentas
digitais na elaboração e na execução das aulas e demais atividades
pedagógicas. Assim como evidenciado no próprio nome da estratégia, elas
tornam o aluno ativo no seu processo de aprendizagem dos conteúdos, de forma
a valorizar a criatividade, solução de problemas, autoformação, intercâmbio de
ideias e opiniões, contemplando o aprendizado reflexivo, autêntico e autônomo
(LIBÂNEO, 2004). Neste mesmo trabalho, o autor analisa a crescente difusão de
uma determinada concepção de metodologias ativas presente em documentos
oficiais de orientação neoliberal, e em várias instituições privadas de ensino,
como um recurso para tornar os estudantes sujeitos autônomos, enquanto o
professor atua de forma unilateral, típico do ensino tradicional.
Ainda de acordo com Libâneo (2004), as metodologias ativas mais
difundidas e recomendadas são: a sala de aula invertida, em que o professor
indica o conteúdo, os alunos o pesquisam e na aula tiram suas dúvidas; o ensino

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híbrido, que promove a integração entre o ensino online e o ensino presencial; a
aprendizagem baseada em problemas, na qual são propostos problemas de
caráter prático e os alunos buscam solucioná-los individualmente ou em grupo
com o auxílio do professor; seminários e/ou debates, que possibilitam
discussões nas quais os estudantes aprendem a argumentar, a confrontar
opiniões e a interagir com os colegas; e a gamificação e outras atividades lúdicas
em que são utilizados jogos interativos no celular e brincadeiras referentes ao
conteúdo.
De acordo com a proposta das aulas, o uso das metodologias ativas foi
indispensável, e foram usados os mais diversos métodos. A grande preocupação
dos alunos foi adaptar essas metodologias ao tema da aula sem fugir do objetivo
da mesma e sem perder de vista os conteúdos pretendidos. Ou seja, evitar que
o único objetivo da metodologia ativa fosse tornar a aula divertida, mas sim obter
maior envolvimento dos colegas nas atividades propostas, além de proporcionar
o desenvolvimento de habilidades relacionais e atitudinais.
Ao contar com a colaboração e a dedicação dos envolvidos, conseguimos
atingir um dos principais objetivos das abordagens pedagógicas interativas: o
estabelecimento de um ensino baseado no diálogo e na horizontalidade. Durante
as aulas ocorreram debates produtivos uma vez que tanto os alunos quanto as
professoras, se sentiram à vontade para expressar suas perspectivas e
apresentar reflexões pertinentes aos temas abordados.
É oportuno ressaltar que na experiência em questão, os alunos tiveram a
autonomia de definir suas próprias estratégias de ensino juntamente dos seus
colegas de grupo em suas aulas ministradas.

2.4 AS RELAÇÕES INTERATIVAS E O PROCESSO DE MEDIAÇÃO


As práticas sociais e culturais são internalizadas pelo indivíduo ao longo
do seu desenvolvimento, constituindo a base para a realização das operações
com sistemas simbólicos. Dessa forma, instrumentos e signos representam os
principais mediadores entre o sujeito e o objeto de conhecimento (VYGOTSKY,
2009).

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Para Vygotsky, 2009, as funções mentais superiores compartilham a
característica fundamental de se desenvolverem como processos mediados, ou
seja, integrando em sua essência, como elemento central de todo o
procedimento, a utilização de sinais como um meio essencial para guiar e
controlar os processos psíquicos.
De acordo com Berbel (2011), as situações educacionais promotoras de
autonomia dos estudantes são associadas a comportamentos intrinsecamente
motivados, que se refletem na capacidade de planejar ações necessárias para o
alcance de objetivos e de avaliar e refletir sobre o próprio processo de
aprendizagem. Neste sentido, a disciplina nos permitiu o exercício da autonomia
na escolha dos temas (conteúdos), das estratégias e recursos didáticos e na
avaliação de cada aula, nos motivando a atingir os objetivos propostos por ela.
Em uma das aulas, por exemplo, os alunos aplicaram a estratégia de
gamificação para abordar o tema relações interativas e mediação. Foi realizada
uma adaptação do jogo "batata quente" ou "passa a bola". Assim, toda a vez que
uma música era iniciada, os estudantes, que estavam dispostos em uma grande
elipse, começavam a passar uma caixa contendo fichas com perguntas entre
eles. Quando a música era interrompida, o aluno que estava segurando a caixa
deveria retirar uma ficha de seu interior, ler a questão em voz alta e fornecer a
resposta (as questões foram baseadas em um texto de referência prévio e nos
tópicos das aulas anteriores). Se o aluno não soubesse a resposta, ele tinha a
opção de solicitar ajuda aos colegas. A assistência dos alunos responsáveis pela
atividade era contingente, isto é, retirada aos poucos.
Mineiro e D'Ávila (2020) evidenciam, em sua análise sobre o processo de
mediação didática lúdica no ensino superior, que os alunos reconhecem a sua
importância. A mediação didática lúdica é caracterizada como uma forma de
mediação externa realizada pelo docente, utilizando uma linguagem lúdica com
propósitos educacionais e sensíveis. No contexto do ensino superior, essa
abordagem pode ser definida como aquela que busca facilitar a formação de
indivíduos criativos, inventivos, curiosos e críticos, que constroem conhecimento
por meio da ludicidade.

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Assim, percebe-se que as estratégias planejadas para cada aula, que
envolviam desde a organização do espaço até a seleção dos recursos materiais
e tecnológicos, além da potencialização das interações sociais entre os
estudantes e entre eles e as docentes, foram fundamentais para o alcance dos
objetivos pedagógicos propostos em cada aula e ao longo da disciplina.

2.5 A ORGANIZAÇÃO DA AULA


No que diz respeito à estruturação da aula, destaca-se que ela é resultado
de um processo histórico e adquire diferentes significados dependendo do
contexto (SILVA, 2016). Por ser uma construção histórica, é importante analisá-
la e organizá-la de forma didática.
É necessário deixar claro que quando abordamos o tema "didática de
aula", não estamos apenas nos referindo ao espaço físico, mas também às
situações, aos momentos, às experiências e aos estímulos envolvidos. A
transformação da realidade exige, dentre outras coisas, a mediação simbólica
qualificada (VASCONCELLOS, 2019). O professor, indubitavelmente, deve ser
um verdadeiro estrategista, promovendo ações que desafiem as operações
mentais dos estudantes e que despertem o seu pensamento crítico-reflexivo,
levando-os dessa forma à evolução (ANASTASIOU; ALVES, 2005).
Para que isso ocorra, o processo de aprendizagem deve ser dinâmico,
com escolha da estratégia que melhor se enquadre para aquele determinado
público. Existem inúmeras estratégias disponíveis tais como aula expositiva
dialogada, estudo de texto, portfólio, tempestade de ideias, seminário,
dramatização, mapa conceitual, estudo de caso, estudo dirigido, dentre outras.
Os docentes, nessa direção, precisam selecionar a melhor estratégia para cada
turma (ANASTASIOU; ALVES, 2005).
Ao longo das discussões, os pós-graduandos puderam compreender que
é necessário organizar a aula a partir da realidade dos estudantes, fazendo as
devidas aproximações. Dessa forma, é possível haver a potencialização do
processo de ensino e aprendizado.

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2.6 A AVALIAÇÃO DO ENSINO
A discussão acerca da avaliação de ensino na formação acadêmica
superior não se acaba (SORDI; SANTOS, 2021). Há sempre novos aspectos a
discutir e considerar diante da constância de novas tecnologias e métodos de
ensino que pretendem ser eficientes. Quando falamos acerca da avaliação,
pensamos em uma prova escrita que visa avaliar o conteúdo em um momento
específico do aluno, sem considerar sua trajetória nem tampouco sua formação.
Freitas (2015) discorre sobre a necessidade de reinvenção e
ressignificação da avaliação como método eficiente e sua busca por um lugar
onde onde as facetas do processo avaliativo podem ser vistas em seu micro,
meso e macro.
A necessidade de imposição de uma nota por parte do corpo pedagógico
ou regimento interno da instituição impossibilita o professor de agir livremente no
que se refere à aplicação de conceitos avaliativos e na busca de novos ou
melhores métodos de mensuração do conhecimento obtido pelo aluno, além de
contribuir para a evasão estudantil do ensino (SORDI; SANTOS, 2021).
Avaliações abertas à negociação do prazo de entrega e às propostas dos
alunos, pautadas no feedback após a entrega de exercícios e na definição
coletiva dos critérios de avaliação podem ser fatores determinantes para a
mudança do modelo formal de avaliação, o que tende a levar ao fenômeno da
participação compartimentalizada e da responsabilidade compartilhada (SILVA,
2016).
Assim como não houve um método tradicional para a elaboração das
aulas, também não houve um método definido e engessado para as avaliações.
Os discentes se empenharam em propor meios que valorizassem seus pares em
sua singularidade, seus saberes e sua forma de participação, visto que alguns
alunos são mais abertos e comunicativos, enquanto outros são mais reservados.
No geral, a participação dos discentes foi expressivamente considerada como
forma de avaliação e de acordo com as discussões em grupo, o método de
aplicação de provas foi completamente desconsiderado para a ocasião.

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3 DISCUSSÃO
A educação superior na área da saúde no Brasil tem passado por
mudanças no que se refere às práticas pedagógicas, e isso tende a levar, se
bem direcionado, à formação crítica e reflexiva do profissional e do docente
(PRADO et al., 2012). Entende-se que os modelos tradicionais de ensino tendem
a colocar o estudante em uma postura mais passiva, majoritariamente receptiva,
com poucas chances de expor sua opinião, seus interesses e, além de tudo, sem
transmitir seu conhecimento ao docente (FREITAS et al., 2015).
Durante a disciplina, os pós-graduandos compreenderam que é possível
explorar as mais diversas estratégicas com vistas ao alcance de uma aula
participativa e colaborativa. Mais do que entregar o conteúdo, houve a
preocupação de permitir que todos os envolvidos participassem ativamente e de
forma igualitária, sem hierarquias ou distinções. Ficou evidente que o
aprendizado é alcançado e potencializado a partir de trocas.
Um estudo realizado por Bustamante e Mccallum (2014) que teve como
objetivo realizar uma reflexão sobre o conceito de cuidado e a sua importância
na construção social do sujeito, mostrou a importância de se compreender as
práticas cotidianas de cuidado construídas em diferentes contextos, envolvendo
uma diversidade de maneiras de exercê-lo. Desta forma, a sabedoria prática
seria valorizada e incluída nas práticas de saúde, o que pode aproximar os
profissionais (incluindo os pesquisadores) dos usuários dos serviços de saúde.
Os cursos de graduação, de forma geral, permitem ao sujeito a atuação
na profissão na qual ele se especializou (TREVISTO; COSTA, 2017). Entretanto,
eles não necessariamente capacitam o indivíduo ao ensinamento dessa
profissão. Trevisto e Costa (2017) refletem que a experiência e a habilidade
técnica referentes à profissão tendem a capacitar ainda mais o professor a
contribuir na construção do conhecimento, influenciando também na segurança
em ensinar o que se sabe, porém elas tendem a não ser suficientes para o
exercício da profissão de docente.
Roman et al. (2017) corroboram com a afirmativa ao inferir que a formação
dos profissionais da área da saúde está distante das reais necessidades de

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atuação prática destes profissionais. Para eles, as metodologias ativas de ensino
e aprendizagem possibilitam aos estudantes se apropriarem do conhecimento
de uma forma crítica e reflexiva, conforme salientado pelas últimas reformas
curriculares dos cursos da área da saúde.
Os pós-graduandos envolvidos com este relato compreenderam, a partir
da discussão entre campo e núcleo de conhecimento, por exemplo, que é
possível ensinar e aprender a partir de um olhar voltado à interdisciplinaridade e
à interprofissionalidade, sem abrir mão dos conhecimentos específicos de cada
profissão. Como a referida disciplina se debruça especificamente na docência
em saúde, a formação de um grupo tão heterogêneo (quanto à formação e
origens) se apresentou como um fator de extrema importância. Segundo os
estudantes, a pluralidade de ideias e a troca de experiências são entendidos
como ganhos pontos chave do processo de formação e crescimento pessoal e
profissional.
Vygotsky (2009), fundamentado no método dialético, discute que a
relação do homem com o mundo (e com o objeto de conhecimento) acontece de
forma mediada pelos instrumentos culturais, pelo outro e pela linguagem. Essa
formulação enfatiza a atividade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos nos
processos de aprendizagem e desenvolvimento humano, sendo a experiência
educacional vivenciada em contextos escolares significativa neste processo,
através do qual o indivíduo se apropria da experiência sociocultural como ser
ativo. As vivências em contextos educacionais levam à construção e à
internalização de novos conceitos e significados, gerando uma qualidade auto-
reguladora às ações e ao comportamento dos indivíduos, o que irá contribuir de
forma ímpar para a formação docente no ensino superior na área da saúde.
As práticas pedagógicas com caráter inovador tendem a envolver
características como: ambientes pedagógicos colaborativos, de modo a
favorecer o desenvolvimento da autonomia e da autoestima; flexibilização e
personalização dos processos de ensino-aprendizagem, por meio de
metodologias ativas e de projetos curriculares inter e transdisciplinar;
investimento em abordagens didáticas reflexivas e orientadas pela busca de

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soluções criativas a problemas concretos; e adesão aos mais variados recursos
tecnológicos (AQUINO; BOTO, 2019).
Tomando por base essa premissa, os pós-graduandos envolvidos com a
presente disciplina não apenas priorizam o conteúdo das aulas, mas também
levaram em conta o "como ensinar", para que assim fosse possível alcançar o
resultado almejado, que é a transformação da realidade e o verdadeiro
aprendizado.
Um estudo realizado por Marin et al. (2010), que investiga as fortalezas e
fragilidades dos métodos ativos de aprendizagem na área da saúde, indica que
embora o uso de tais metodologias possa ser entendido como um caminho viável
no contexto atual, existe consequentemente a necessidade de um constante
empenho na revisão dos processos utilizados, buscando assim explorar as
potencialidades do processo e reduzir exponencialmente suas fragilidades, ou
seja, buscar o devido aperfeiçoamento (MARIN et al., 2010).
A implementação das metodologias ativas promove o fortalecimento da
percepção do aluno de ser origem da própria ação ao realizar a problematização
e a escolha de aspectos dos conteúdos de estudo e de caminhos possíveis para
as soluções aos problemas apresentados. De acordo com Berbel e Gamboa: “O
papel do professor, nessa perspectiva, ganha um status de relevância, ao
mesmo tempo em que se lhe acrescentam responsabilidades quando
comparadas a estilos de trabalho convencionais" (BERBEL; GAMBOA, 2011)
As metodologias ativas proporcionam integração de teoria e prática,
serviço e ensino, promovendo a formação do profissional de saúde com visão
ampliada, integrada e fortalecida para sua prática profissional (FREITAS et al.,
2015).
Em se tratando do planejamento das aulas, o docente precisa planejar e
refletir sobre suas ações antes, durante e depois das atividades; o planejar deve
ser flexível e adaptado às necessidades do estudante, isto é, uma vez
planejadas, as aulas não devem ser aplicadas da mesma forma às diversas
turmas. Estudantes de escolas, salas e períodos diferentes possuem perfis

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diferentes (SILVA; SILVA, 2020). Uma estratégia pode funcionar muito bem com
uma turma e não ser tão efetiva com outra.
Segundo os pós-graduandos, e de forma unânime, foi preciso adaptar o
que foi programado. A participação dos demais envolvidos nos momentos de
discussão, por exemplo, foi substancialmente levada em consideração durante
todas as aulas e todos os processos.
Nesse rumo, ficou claro para os pós-graduandos que incluir os estudantes
no processo de desenvolvimento, de preparação e de realização das atividades
acadêmicas é necessário e fundamental (ZABALA, 2008). Mais do que saber
qual conteúdo será trabalhado, o estudante precisa entender o porquê desse
conteúdo, quais as suas aplicações e implicações, ou seja, se o docente fizer as
devidas conexões e aproximações, aquilo passa a fazer sentido e, dessa forma,
o ensino tende a ser potencializado.
Os pós-graduandos sempre ao início de cada aula apresentavam o
conteúdo a ser trabalho, qual a sua relevância e quais as estratégias adotadas
(para a dinâmica da aula e para a avaliação). Em um segundo momento, o grupo
discutia se os objetivos foram alcançados e se as estratégias foram adequadas.
Ao mesmo passo, sugestões eram apresentadas e discutidas.
Sobre a avaliação, Sordi e Santos (2021) apontam que uma vez que a
estratégia de ensino é modificada, como por exemplo com o uso de metodologias
ativas, não faz sentido manter as formas tradicionais de avaliação (seletivas e/ou
classificatórias). Ao mesmo tempo, os autores trazem as avaliações formativas
como ferramentas/estratégias contínuas de aprendizado (sim, é possível
aprender também com as avaliações).
Panúncio-Pinto e Trocon (2014) afirmam que a avaliação deve ter como
propósito o aperfeiçoamento do estudante. Para os autores, ao se definir a forma
e o conteúdo das avaliações é importante refletirmos sobre os seguintes
questionamentos: “Que profissional eu quero formar?”; “Quais as habilidades e
competências este profissional deve desenvolver ou adquirir?”; “Em quais etapas
do curso?”. Por essas razões, destacamos que os alunos precisam ser avaliados

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de acordo com as suas potencialidades e habilidades. Uma avaliação formal não
consegue, via de regra, avaliar completamente os conhecimentos dos discentes.
Ainda sobre a avaliação, um trabalho conduzido por Fernandes (2016)
com a intenção de examinar as abordagens educacionais e os métodos de
avaliação em quatro instituições universitárias em Portugal revelou que as
abordagens instrutivas em que os alunos desempenhavam um papel central no
processo educativo estavam centradas na avaliação voltada para o aprendizado
e a promoção de reflexão, contrastando com a avaliação classificatória típica do
paradigma tradicional de ensino.
Buscou-se, na presente disciplina, possibilitar que os pós-graduandos
compreendessem que a avaliação, se bem direcionada, pode potencializar o
processo de aprendizagem. Segundo os envolvidos, certamente foi um desafio
adequar a avaliação ao conteúdo e as estratégias adotadas. Alguns estudantes,
inclusive, afirmaram que essa era a parte mais complexa de se elaborar e colocar
no plano de aula.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração o objetivo deste trabalho, ficou evidente para
os pós-graduandos que o papel da universidade é formar profissionais
qualificados, e que o acesso às disciplinas orientadas para a docência
imprescindível, pois ele oferece subsídios essenciais à prática docente, como os
temas aqui abordados e que foram trabalhados em sala de aula, e favorece
reflexões sobre os desafios e dificuldades da atuação como professor. De forma
complementar, entendeu-se que a prática docente deve ser estabelecida a partir
de uma espécie de rede de apoio, em que se é indispensável nos colocarmos
tanto na posição de sujeitos ensinantes quanto na de aprendentes. A
universidade, nessa direção, apresenta um potencial ímpar para aprimorar ou
até mesmo romper processos pedagógicos.
O grupo acredita que a proposta da disciplina está em sintonia com as
tendências didáticas que trazem o aluno para o papel de protagonista do
processo de aprendizagem, com a mediação ativa das docentes ao promoverem

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a criação e a apropriação do conhecimento por meio de atividade colaborativa,
dialógica e interativa.
Ressalta-se que é imprescindível pensar em uma formação profissional
em saúde comprometida com a melhoria da qualidade da saúde da população
brasileira. Os cursos de Graduação e Pós-Graduação devem formar professores
engajados, críticos e coerentes, independentemente da sua área de atuação, e
que considerem os alunos protagonistas de seu aprendizado.

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