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2029

Graduação em Saúde Coletiva: limites e possibilidades

ARTIGO ARTICLE
como estratégia de formação profissional

Undergraduate on Public Health: limits and possibilities


as a professional education strategy

Maria Lúcia Magalhães Bosi ¹


Jairnilson Silva Paim2

Abstract This article aims to call into question Resumo O presente artigo problematiza a Saúde
Public Health as a field for professionalization by Coletiva como âmbito de profissionalização, sis-
systematizing theoretical, social and ethical-politi- tematizando alguns fundamentos teóricos, soci-
cal bases for undergraduate education. We also ais e ético-políticos de uma formação em nível de
attempt to record the trajectory in formulating graduação. Para tanto, recupera a trajetória em
undergraduate courses in that field and, more re- que se vem dando a formulação desses cursos e,
cently, the emergence of these projects in Brazilian mais recentemente, sua emergência nas institui-
Universities. In Brazil, the current projects are a ções de ensino superior brasileiras. No Brasil, tais
result of institutional experience gained in Public projetos resultam do acúmulo no ensino da Saúde
Health teaching in different undergraduate courses Coletiva em diferentes cursos de graduação na área
in the field of health. Additionally, there is also a da saúde, acrescido da tradição na pós- gradua-
teaching tradition in non-degree and master’s and ção lato e stricto sensu, tendo dentre os seus des-
PhD graduate courses. International experiences dobramentos o reconhecimento da pertinência de
from similar courses, as well as orientation from fomentar novas estratégias de formação. Mais re-
international agencies represent important centemente, políticas voltadas à inclusão social e
information for such initiatives. Furthermore, pol- à expansão do ensino superior vêm impulsionan-
icies targeting social inclusion and the expansion do o movimento, ao que se soma a constatação de
in the number of student places in higher education que o Sistema Único de Saúde demanda novos
have been propelling the movement. There is also atores, com capacidade de dar respostas diferenci-
the realization that the Brazilian Public Health adas e complementares àquelas possibilitadas pe-
System demands new actors able to provide an- las graduações tradicionais. No momento em que
swers which are both different and complementary diversas instituições se encontram em fase de oferta
to those offered by traditional undergraduate cours- dessa formação à sociedade, este artigo apresenta
¹ Departamento de Saúde
Comunitária, Faculdade de es. While several institutions are in the stage of um conjunto de elementos derivados da reflexão
Medicina, Universidade offering this education to society, this article pre- nos planos epistemológico, sociológico e político-
Federal do Ceará. Rua Prof.
sents a set of elements which are derived from re- sanitário, visando a contribuir para um diálogo
Costa Mendes 1.608/5º
andar, Rodolfo Teófilo. flection in the epistemological, sociological and po- acerca da emergência desse projeto no contexto
21943-570 Fortaleza CE. litical-sanitary spheres. brasileiro.
malubosi@ufc.br
2
Key words Undergraduate courses in public health, Palavras-chave Graduação em saúde coletiva,
Instituto de Saúde
Coletiva, Universidade Degree in public health, Health professionals, Profissionais de saúde, Recursos humanos, Saúde
Federal da Bahia. Human resources, Public health pública, Saúde coletiva
2030
Bosi MLM, Paim JS

Introdução Ainda que, para os propósitos deste artigo, à


primeira vista não pareça fazer sentido a distin-
Embora se possa afirmar que, no contexto bra- ção entre Saúde Coletiva (SC) e Saúde Pública
sileiro, o movimento de criação de cursos de gra- (SP), a proposta de criação de cursos de gradua-
duação em Saúde Coletiva é bastante recente, a ção com a primeira denominação é tributária da
ideia de uma graduação em Saúde Pública não é construção do campo da Saúde Coletiva no país
nova e nem deve ser creditada aos autores brasi- e da sua vinculação ao projeto da Reforma Sani-
leiros que vêm refletindo sobre o tema no Brasil tária Brasileira (RSB). Nesse particular, a delimi-
ou aos protagonistas da implantação de cursos tação teórico-conceitual e epistemológica desse
no momento atual. A criação de uma graduação campo e a análise da conjuntura que apontam
em Saúde Coletiva já vem sendo proposta há certos desafios para a RSB e o Sistema Único de
quase duas décadas e discutida no meio acadê- Saúde (SUS)3,4 compõem a base argumentativa
mico de forma mais sistemática, desde 2002, ain- para a implantação dos referidos cursos. Nesse
da que distintas iniciativas relacionadas ao ensi- sentido, o presente artigo visa a problematizar a
no da Saúde Pública em nível de graduação já se Saúde Coletiva como espaço de profissionaliza-
encontrem efetivadas em muitos países. ção, sistematizando alguns fundamentos teóri-
Usando a Internet como ferramenta de bus- cos, sociais e ético-políticos de uma formação
ca de informações, um levantamento realizado em nível de graduação.
em 20021 buscou identificar experiências de cur-
sos no cenário internacional. A despeito da di-
versidade, dos limites que se impõem a compa- Antecedentes
rações entre os distintos cursos e transposições
de características da formação nesses países com Ainda que se reconheça certa arbitrariedade ao
o que se pretende no Brasil, o documento apre- se demarcar a gênese de processos sociais, pode-
senta um quadro bastante ilustrativo da difusão se, no que se refere à criação dos cursos de gra-
e das especificidades desses cursos. Não obstante duação em SC, recuperar um percurso pontua-
tais limitações que ficam a exigir novas análises, do por alguns marcos. Dentre os movimentos
ao que se soma a escassez de informações verifi- que se julga de importância nessa trajetória sem,
cada em certos momentos da busca, foram loca- contudo, pretendermos lhes atribuir a “autoria”,
lizados cursos de graduação em Saúde Pública cabe mencionar uma série de reuniões, no início
em vários continentes, em especial, nos países do da década de oitenta, no âmbito do movimento
chamado “primeiro mundo”. crítico em saúde, com o propósito de discutir os
Seguindo o mesmo caminho de busca, em centros formadores na graduação, voltados ao
maio de 2009, constatamos um crescimento de ensino da epidemiologia, das ciências humanas e
cerca de 30 % no número de cursos informados, sociais e do planejamento, isto é, cuidar do ensi-
em relação a 2002, o que aponta uma tendência no da SC na graduação das profissões de saúde.
de expansão e acreditação dessa formação. Nos Nessa perspectiva, uma das primeiras inicia-
Estados Unidos, há uma associação de escolas de tivas da Abrasco (Associação Brasileira de Pós-
saúde pública (http://www.asph.org) à qual se graduação em Saúde Coletiva), ao lado da defe-
afiliam, no momento atual, quarenta escolas cre- sa das residências em medicina preventiva e soci-
denciadas e oito escolas associadas, além de nove al, foi a realização de uma reunião nacional, em
programas. 1983, para discutir o ensino da SC na graduação.
No que concerne ao Brasil, enquanto em 2002 Àquela época, embora a intenção de uma gradu-
não havia nenhum curso dessa natureza, exis- ação em SC não se explicitasse, já prevalecia a
tem atualmente quinze de cursos de graduação ideia de que um investimento nessa formação
plena em Saúde Coletiva, com previsão de vários profissional constituía estratégia importante para
outros a serem ofertados para o próximo ano, a proposta da RSB, ao ponto de os participantes
em um movimento que parece se expandir por recomendarem a organização de um “Núcleo de
todas as regiões do país, a maioria deles adotan- Graduação” na Abrasco, além de uma articula-
do a denominação desse campo. Nas experiênci- ção dessa entidade com a Associação Brasileira
as levantadas, pode-se perceber que a formação de Educação Médica (ABEM) e com os departa-
mais precoce de profissionais habilitados em Saú- mentos de medicina preventiva e social5.
de Pública parece ser hoje uma preocupação e Com o desenvolvimento da Abrasco, a apos-
uma tendência mundial2. ta na construção de uma rede nacional de pós-
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graduação em Saúde Coletiva ampliou a massa são, protelada até agora, acerca da formação profis-
crítica para formação na área, com a dissemina- sional em Saúde Coletiva. O repórter dessa coluna,
ção de conteúdos específicos nas diversas gradu- Fontes Fidedignas, informa que não passa desse fó-
ações em saúde e a formação de profissionais rum o ‘racha’ entre os partidários da criação do
para assumir liderança na gestão dos sistemas curso de graduação em Saúde Coletiva e os partidá-
de saúde. rios do deixa-como-está [...] É esperar pra ver”.
Pode-se afirmar que ambas as estratégias fo- Independentemente da caracterização simpli-
ram exitosas. Em qualquer região/estado do Bra- ficada dos oponentes na nota acima, os debates
sil, identifica-se a presença de profissionais de SC destacaram a “pertinência e possibilidades” de
e, ao longo dos últimos trinta anos, o movimen- uma graduação na área. No caso do painel refe-
to foi bem sucedido6, sendo hoje a área conside- rido, contou com a manifestação de entidades de
rada madura e internacionalmente reconhecida. classe, estudantes, pesquisadores, coordenado-
A rede de programas de pós-graduação se ex- res de cursos e outros coletivos, a exemplo da
pandiu e se consolidou, saltando dos seis cursos Rede Unida. Conforme se antecipava, verificou-
existentes no momento da criação da Abrasco se um acirrado debate entre os que defendiam a
(UERJ, ENSP, DMP-USP, FSP-USP, Ribeirão Pre- Saúde Coletiva como parte da formação das pro-
to e UFBA ) para 57 em 2009. O conjunto de fissões existentes e aqueles que argumentavam
programas vem adotando estratégias inovado- em torno da oportunidade da “nova graduação”,
ras – ressaltando-se dentre elas a criação do Fó- sem que isso implicasse prejuízo na formação
rum Nacional de Coordenadores de Pós-gradu- dos demais profissionais de saúde que, também,
ação em Saúde Coletiva, com o apoio da Abras- contribuem para o campo da Saúde Coletiva.
co, aspecto que se expressa em documentos pro- Desse modo, o cerne do embate parecia se referir
duzidos nos últimos anos7,8 . à pertinência dessa formação específica na gra-
Contudo, quando se examinava o campo, duação. Entretanto, boa parte dos atores enten-
constatava-se a falta da carreira de sanitarista, dia haver uma disputa de monopólio entre as
sugerindo a necessidade de se graduar profissio- profissões existentes diante da “nova graduação”
nais de SC. Tal constatação deu origem a distin- proposta, conforme sugere a seguinte opinião:
tos eventos, nos quais o tema tem sido o objeto Penso que o SUS não precisa de mais uma catego-
de reflexão e de debate. Nesse particular, duas ria profissional, mas de médicos, enfermeiras e de-
oficinas representam marcos fundamentais no mais profissionais com novo perfil, novas compe-
percurso e julgamos oportuno mencioná-las. tências e novos compromissos técnicos e políticos
Em setembro de 2002, com o apoio do Mi- [...] Criar uma graduação em Saúde Coletiva é
nistério da Saúde (MS) e contando com a parti- dizer que o trabalho que propomos aos demais pro-
cipação de representantes da Abrasco, OPAS, Fi- fissionais de saúde é, em verdade, privativo de um
ocruz, universidades, entre outros, foi realizado I novo profissional11".
Seminário e Oficina de Trabalho “Graduação em Embora tal interpretação não se apoiasse no
Saúde Coletiva: pertinência e possibilidades”, or- desenvolvimento teórico- conceitual do campo,
ganizado pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/ muito menos em evidências, sinalizava para pos-
UFBa). Naquela oportunidade, diversos partici- síveis disputas corporativas. Lembrando que a
pantes reconheceram a viabilidade, a pertinência definição de uma profissão supõe a configura-
e a necessidade de um curso de Saúde Coletiva ção de um corpo de conhecimentos e um elenco
em nível de graduação9. de valores que fornecem identidade para ação
Em julho de 2003, tem lugar uma segunda dos sujeitos, ressaltava-se naquele debate que a
oficina, como atividade prévia ao VII Congresso Saúde Coletiva já dispunha de um conjunto de
Brasileiro de Saúde Coletiva, em Brasília, ao que habilidades e competências, bem como de um
se soma a inclusão na programação oficial do “ideal de serviços” em defesa da vida e da saúde
referido congresso o painel intitulado “É tempo do público: Não se justifica, portanto, esperar o
de termos uma graduação em Saúde Coletiva?”, tempo requerido para a graduação nos diversos
cuja audiência ganhou destaque dada sua diver- cursos da área da saúde, para depois capacitar os
sidade e magnitude, atraindo cerca de oitocentos profissionais em Saúde Coletiva. Por melhor que
participantes. tenha sido o ensino das disciplinas dessa área nos
Antecipando-se às controvérsias explicitadas cursos de graduação, as competências adquiridas
do decorrer congresso, a revista Radis10, anuncia- são limitadas e subalternas ao modelo médico he-
va um “debate bom”: Vai estourar no Abrascão (7º gemônico [...] O SUS tem pressa para reorientar o
Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva) a discus- modelo assistencial dominante12.
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Bosi MLM, Paim JS

Não obstante as recomendações da Oficina OPAS14, reconfiguradas no trabalho desenvolvi-


do VII Congresso no sentido de ampliar o debate, do pelo CONASS, ao qual se associam as diretri-
nem a Abrasco nem o Ministério da Saúde viabi- zes curriculares para cursos de graduação, enfa-
lizaram tais desdobramentos naquele momento. tizando princípios e valores centrais na forma-
Algumas universidades, no entanto, deram conti- ção do graduado em Saúde Coletiva.
nuidade aos esforços para a institucionalização da Ao se defender a figura do bacharel em Saúde
proposta de cursos pelas instâncias e colegiados Coletiva, um elemento importante é que já não
superiores, visando à sua formalização. mais se coloca a clássica questão: quem formará
os formadores? No caso em tela, a expansão e
consolidação da pós-graduação deram conta des-
Desenvolvimento recente sa complexa etapa. Nesse sentido, como já antes
aludido, papel decisivo foi desempenhado pela
Cerca de cinco anos decorreriam até que se pro- Rede Nacional de Pós-Graduação strictu senso e,
cessasse um deslocamento de ênfase no debate antes disso, pelas especializações e residências15.
que não mais recairia na pertinência, ou seja, no Contudo, há que considerar as especificidades
porquê, mas no como implementar essa forma- dessas formações que, a despeito da sua impor-
ção. Para a compreensão desse movimento, tância, não se confundem com o que se espera de
emerge como contexto político decisivo o Pro- um graduado em Saúde Coletiva. Neste momen-
grama de Apoio a Planos de Reestruturação e to, é preciso avançar e ousar estratégias, visuali-
Expansão das Universidades Federais (REUNI), zando que a RSB e o SUS necessitam de mais este
instituído pelo decreto nº 6096 de 24 de abril de perfil profissional – o graduado. O grifo aqui
2007, com o objetivo de “criar condições para a importa, haja vista a presença, nas discussões tra-
ampliação do acesso e permanência na educação vadas sobre esta proposta, de posicionamentos
superior, no nível de graduação, pelo melhor que consideram ser a referida graduação uma al-
aproveitamento da estrutura física e de recursos ternativa às outras formações na Saúde, em lugar
humanos existentes nas universidades federais”13. de tomá-la como uma estratégia a mais, que vem
Nesse contexto, adeptos da graduação em Saúde se associar à formação da equipe de trabalhado-
Coletiva encontraram um solo favorável à sua res em saúde, com identidade específica que não
criação, embora, reitere-se, não tenha sido o se confunde com a dos demais.
REUNI a inspiração da proposta que, conforme Quanto a isso, é preciso ressaltar que, em
vimos, a antecede historicamente, mas, certamen- nenhum plano ou aspecto, se justificaria o “esva-
te, foi o catalisador de suas bases institucional e ziamento” dos conteúdos atualmente presentes
material de implantação. nas demais formações na saúde. Ao contrário,
Algumas iniciativas de articulação de insti- defende-se a radicalização dessa “inoculação” –
tuições proponentes da graduação em Saúde para tomar uma metáfora da biomedicina – a
Coletiva foram empreendidas via rede, inclusive exemplo das proposições mais recentes nas quais
com a realização de uma reunião em Belo Hori- não apenas se reconhece a importância desses
zonte, seguida do Encontro Nacional sobre a conteúdos e saberes para as graduações em saú-
Implantação do Curso de Graduação em Saúde de, mas se afirma: “[...] all undergraduates should
Coletiva, em Salvador em agosto de 2008, pro- have access to education in public health”16 .
movido pela UFBa com o apoio do MS e OPAS, Considerando-se essa posição, postula-se, no
já coincidindo com os primeiros processos de caso brasileiro, a continuidade e, inclusive, o apro-
seleção no vestibular. fundamento, das inserções existentes nas estru-
A despeito de ser hoje essa graduação um turas curriculares das demais formações, bem
projeto já institucionalizado em universidades e como sua expansão para outras áreas de forma-
bem recebido pela gestão nacional do SUS, isto ção. Tal posicionamento, a exemplo do que ocorre
não significa que haja um consenso estabelecido, em relação aos núcleos de saberes que moldam
pois ainda persistem distintas leituras e concep- muitas outras formações, não conflita e nem eli-
ções. Contudo, não obstante os diferentes posi- mina a demanda por uma formação específica
cionamentos, tal modalidade de formação ine- para o sanitarista, na qual a complexidade dos
gavelmente adere à consolidação do SUS, cuja desafios que se colocam na dimensão coletiva da
estabilidade requer profissionais com perfis não saúde poderá ser estudada, investigada e abor-
visíveis em quantidade e qualidade requerida pelo dada com a profundidade e amplitude necessá-
sistema. Tais perfis têm proximidade mas vão rias. Reconhece-se, portanto, a Saúde Coletiva
além das funções essenciais propostas pela como um campo científico e âmbito de práticas
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que justificam um processo de profissionaliza- Desde 1991, o diretor da OPS questionava a
ção em novas bases. subordinação da Saúde Pública ao campo da
Evidentemente, já se formam sanitaristas des- medicina17. Esta posição foi reiterada pela I Con-
de os tempos de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, ferencia Pan-americana de Educación en Salud
Geraldo de Paula Souza e Belisário Pena, mas o Pública/XVI Conferencia de ALAESP18.
que está em pauta é se a estratégia tem sido a No caso da Saúde Coletiva, trata-se de um
mais adequada. Será que, para atuar, competen- campo científico e um âmbito de práticas que
temente, em Saúde Coletiva, precisamos, neces- visa a superar dialeticamente a Saúde Pública
sariamente, de um pós-graduado? convencional19. Este campo científico em cons-
Considerando não apenas aspectos relacio- trução encontra-se na interseção das ciências da
nados ao custo/benefício, adiante comentados, saúde e das ciências sociais, com uma natureza
mas aqueles vinculados à natureza da formação epistemológica diferenciada e uma prática políti-
necessária para o enfrentamento das questões de ca distinta. Os conhecimentos nele produzidos
saúde no plano coletivo, acreditamos que não. podem (tal como se observa em relação a todas
São necessários jovens profissionais em início de as profissões estabelecidas no setor saúde) ser
carreira, que demarcarão suas trajetórias deline- aplicados por distintos sujeitos, mas sustenta-
ando sua identidade na experiência de ser um mos que, da mesma forma como nas demais,
sujeito-agente da Saúde Coletiva, sem se subme- existe um corpo básico que dá identidade ao “pen-
ter a uma “regraduação” ou “desconstrução” ao sar” e ao “fazer” em Saúde Coletiva, inspirado
ingressar com suas formações de origem no cam- em um conjunto de valores (“ser”). Este saber-
po da Saúde Coletiva, em nível da pós-gradua- fazer-ser se produziu e reproduziu até recente-
ção. Talvez a isso se vincule a nebulosidade ob- mente na pós-graduação, mas isso não impede,
servada no que concerne à identidade do campo do ponto de vista pedagógico e técnico, que ele se
e dos próprios atores, pós-graduandos, advin- estruture em uma graduação específica.
dos das mais diversas formações da saúde, gros- Em termos de identidade, ser pós–graduado
so modo pautadas em núcleos de saberes dis- é um estatuto distinto de graduado. Não obs-
tantes ou mesmo conflitantes com aqueles que tante se reconheça a “reconfiguração identitária”
norteiam a identidade profissional da Saúde Co- oportunizada pela pós-graduação em Saúde
letiva. Coloca-se, portanto, a questão: qual a iden- Coletiva, o curso de graduação deverá ajudar na
tidade? Por que uma profissionalização? demarcação mais clara dos contornos dessa iden-
tidade. Cabe ressaltar que a identidade não é algo
que se concede. Ao contrário, deve ser tomada
Acerca da identidade como construção (e reconstrução social), em
e do processo de profissionalização contextos de incerteza, mais ou menos intensos,
no campo da Saúde Coletiva mais ou menos duráveis20,21, o que implica, evi-
dentemente, relações de poder em um dado mo-
De início, é preciso reafirmar que a Saúde Coleti- mento histórico. Basta revisitar a história das
va ou mesmo a Saúde Pública, ao contrário do profissões estabelecidas para se concluir o quan-
que se supõe em certos círculos, não são especia- to suas identidades se reconstruíram ao longo
lidades médicas, nem de outras profissões da do tempo, para que se tornassem o que hoje se
saúde. As origens da Saúde Pública estão relacio- apresenta sob os rótulos atuais. Assim, é previsí-
nadas aos desafios postos pelas condições sani- vel e promissor que se interrogue essa nova iden-
tárias produzidas pela emergência do capitalis- tidade, ou seja, esse fenômeno inaugural da gra-
mo na Europa, com industrialização, urbaniza- duação em Saúde Coletiva no Brasil e seus efei-
ção desordenada e aumento da miséria relativa. tos identitários sobre o campo.
A “saúde pública” atrelada às escolas médicas Para além desses interrogantes no que con-
foi produto de uma decisão política de uma fun- cerne à(s) nova(s) identidade(s), é possível ante-
dação americana atuando como agente financia- cipar uma reconfiguração na pós-graduação a
dor, não uma questão técnico-científica ou mes- partir da existência da graduação, passando por
mo da sociologia das profissões. uma espécie de upgrade, uma vez que conteúdos
Esta mesma fundação influenciou a London básicos já estarão assegurados, não sendo neces-
School of Hygiene and Tropical Medicine no iní- sário desenvolver nesse nível fundamentos que
cio do século XX, a criação de Ministérios da Saúde já deveriam ser de domínio de quem ingressa em
nos países latino-americanos, as campanhas sa- uma formação de pós-graduação. Evidentemen-
nitárias e as escolas de Saúde Pública do Brasil e te, essa reconfiguração imporá novos desafios,
do México, entre outras3. haja vista a necessidade de harmonizar a forma-
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Bosi MLM, Paim JS

ção de egressos de cursos de graduação com aque- No que concerne à carreira, consoante pos-
la oportunizada pelas demais graduações em saú- tulados da sociologia das profissões, grosso modo
de e áreas afins à Saúde Coletiva. Assim, há que se constata a criação de cursos antes de a carreira
se considerar a formação prévia do primeiro seg- ser regulamentada. A literatura sociológica sobre
mento, sem “fechar portas” a corporações que o tema aponta ser este um fator indutor na polí-
queiram se pós-graduar nessa área2. Tais obstá- tica de “recursos humanos”, embora, no caso em
culos pedem superações que, acredita-se, a con- questão, se antecipe um acesso à carreira aos
solidação da pós-graduação na área já é capaz de egressos de formações stricto sensu e lato sensu.
realizar. Contudo, a despeito dos elementos elucida-
Pode-se ainda contra-argumentar: não deve- tivos apontados por autores clássicos nesse do-
ria ser o especialista esse ator, conforme em mui- mínio23-26, não parece prudente antecipar previ-
tos casos vem se dando? Considera-se que não. sões sobre obstáculos ou prováveis “degraus da
Isto por que “especialista”, no campo da forma- profissionalização”, com que irão se deparar os
ção, se reveste de outra conotação e como tal egressos dessa nova formação. Tampouco se os
deve ser compreendido. Ao lado disso, a experi- mesmos seguirão as etapas comuns aos percur-
ência e a literatura ensinam: o elemento que con- sos de outros segmentos profissionais no Brasil.
fere identidade própria ao profissional, essencial Reiteram-se as assertivas de Dubar21 quanto ao
na constituição de uma carreira, em especial no caráter processual e incerto, portanto, contradi-
âmbito da profissionalização em saúde, não é tório e dialético, que caracteriza a construção das
dado pela especialização. Constrói-se no longo e identidades profissionais e, por conseguinte, sua
complexo processo de socialização de saberes – autonomia técnica e socioeconômica, marca on-
formais e tácitos – sintetizados na experiência de tológica de uma profissão25. É difícil trabalhar
se graduar em uma dada área e fazer parte de um com o que é inédito; só a experiência pode desve-
segmento profissional, seja profissão sociologi- lar o caminho. Ou, pensando estrategicamente,
camente estabelecida ou ainda em processo. Não o fundamental é desencadear processos27.
por acaso as graduações (e não as pós-gradua- Finalmente, no que concerne à conquista de
ções) vem sendo sistematicamente examinadas espaço próprio, expresso no conceito de autono-
como base de constituição do que a sociologia mia, aos que questionam a existência de “um
das profissões considera “profissão”, referencial mercado”, parece prudente não negligenciar a
que se julga de interesse para a discussão em tela própria participação do corpo discente e dos fu-
e que, dados os limites da discussão, será tão turos egressos, como atores centrais e protago-
somente sumarizado. nistas na criação da carreira e no avanço do pro-
Consoante esse marco teórico, a proposição cesso de profissionalização, bem como a demar-
de uma profissão, no sentido sociológico do ter- cação dos seus espaços ante as profissões exis-
mo, deve considerar dois aspectos fundamen- tentes, com base no perfil construído ao longo
tais: o saber específico – que lhe confere identida- do curso. Trata-se de introduzir a dimensão sub-
de e autonomia técnica – e a necessidade social a jetiva, a marca do vivido e da intersubjetividade
responder, sem o que não se pode justificá-la22. no âmago da análise sociológica20,22, recuperan-
Ambos os aspectos não se apresentam como do o sujeito no processo de profissionalização, o
obstáculos para uma graduação em Saúde Cole- que substitui profecias pela ação histórica, que é
tiva: há saberes que lhe são específicos e a neces- sempre um devir.
sidade social a que visa responder é evidente e
reiterada por distintos atores.
Importa ainda refletir se o fenômeno diz res- Graduação em Saúde Coletiva:
peito à criação de uma “nova corporação”, uma considerações sobre o perfil
vez que, de longa data, diversas instituições têm e modelo de formação
se ocupado da formação de sanitaristas no país e
no mundo. Conforme já aludido, tal projeto re- Para além das considerações relativas ao campo
sultou na formação de muitos sanitaristas sem, e à profissionalização, a concretização do proje-
contudo, convencer se o mesmo vem represen- to de graduação na área sustenta-se em justifica-
tando a melhor estratégia que deva ser mantida tivas tanto de ordem técnica quanto social. Do
no atual estágio de desenvolvimento do campo. ponto de vista da relevância social, não há dúvi-
Sendo assim, a criação dessa graduação, mais das de que o processo de implantação do SUS
que uma nova profissão, versa sobre uma nova resulta em uma demanda cada vez maior de pro-
estratégia de profissionalização em saúde. fissionais de Saúde Coletiva por parte das orga-
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nizações de saúde conquanto as instituições for- à constatação da ausência ou insuficiência de um
madoras até o momento não tenham consegui- conjunto de conhecimentos em sua formação -
do constituir sujeitos adequados e suficientes a políticas de saúde, epidemiologia, planejamento e
esta nova realidade. gestão, métodos qualitativos de investigação em
Para suprir esse déficit de profissionais, as saúde, saúde ambiental, demografia, bioestatísti-
instituições componentes do SUS nos seus diver- ca, dentre muitos outros exemplos.
sos níveis – municipal, estadual e federal – e até Para atender às demandas desse complexo
mesmo as organizações do subsistema privado,, campo, é imprescindível a formação de profissi-
vêm investindo cada vez mais na educação conti- onais orientados por uma concepção interdisci-
nuada de pessoal, através de cursos e treinamen- plinar que conjugue elementos do modelo bio-
tos em serviço das mais diferentes modalidades, médico com conhecimentos oriundos do domí-
a despeito de não ser esta sua função precípua. nio das ciências humanas e sociais, deslocando-
Em síntese, do ponto de vista técnico,, a res- se de uma preocupação eminentemente indivi-
posta à questão “por que uma graduação em dual para uma atuação na esfera coletivo/popu-
Saúde Coletiva?” é clara e imediata: porque os lacional. Perante tais “marcas de origem”, os cur-
nossos cursos de graduação não formam plena- sos de pós-graduação se vêem forçados a ofere-
mente para a Saúde Coletiva. A isso se acrescente cer uma formação em Saúde Coletiva, procu-
o fato de que a formação desses e de outros pro- rando, antes de tudo, equacionar essas lacunas28.
fissionais em áreas tradicionais ou mais recentes Além disso, a formação requerida implica outro
de conhecimento e intervenção da Saúde Coleti- posicionamento não apenas no plano epistemo-
va – promoção da saúde, planejamento e gestão, lógico mas, igualmente, no plano ético-político.
avaliação em saúde, vigilância epidemiológica, Ainda que muito se tenha avançado na con-
saúde ambiental, bioestatística, vigilância sanitá- cepção de saúde para além da ausência de doença,
ria, etc. – no âmbito restrito da pós-graduação, é grande a dificuldade de se colocar em prática
resulta em um investimento de recursos e de tem- propostas como a de promoção da saúde, em sua
po muito superior ao que se verificaria com a versão ampliada. Tal dificuldade transcende a saú-
oferta de formação em nível de graduação, sem de como área de conhecimento, na sua visão tra-
ser capaz de construir uma identidade profissio- dicional e restrita, pois sua superação requer uma
nal clara. Argumenta-se que, na atual estrutura compreensão abrangente do conceito de saúde e
formadora em saúde, quem pretender seguir uma dos processos envolvidos na sua determinação ou
carreira em Saúde Coletiva tem que enfrentar uma deterioração, bem como uma abordagem essen-
formação que se inicia com um curso de gradu- cialmente intersetorial. Por intersetorial, além dos
ação, geralmente na área biomédica e, apenas mais aspectos interdisciplinares das áreas de conheci-
tarde, mediante cursos stricto ou lato sensu, al- mento associadas à Saúde Coletiva, entende-se
cançar a sua conclusão28 . também um compromisso ético diante do modo
Dessa forma, o tempo exigido para a titula- de vida das pessoas, envolvendo aspectos diver-
ção de um sanitarista se prolonga, o que dificulta sos, tais como transporte, lazer, segurança, traba-
a preparação de novos quadros para a área. Tal lho, alimentação, renda, vida afetiva.
trajetória, na verdade, caracteriza uma reprofis- Nesse sentido, postula-se que a graduação
sionalização28, processo que acaba implicando irá favorecer a qualificação dos futuros sanita-
aumento dos custos sociais dessa formação, so- ristas de forma dupla. De um lado, possibilitan-
bretudo quando se considera que ela se dá, fun- do que esse processo, desde o seu início, se orien-
damentalmente, em instituições públicas, ao que te por outra perspectiva paradigmática, calcada
se associa o adiamento do ingresso no mercado na interdisciplinaridade, modelo que se apresen-
de trabalho. ta mais adequado aos desafios da saúde em nível
Esse processo de (re) profissionalização em coletivo. De outra parte, a presença do curso de
dois tempos se impõe, tendo em vista as distânci- graduação em Saúde Coletiva poderá proporci-
as paradigmáticas entre a formação de quem chega onar novas condições e oportunidades para um
à Saúde Coletiva e aquela pretendida como desfe- aprofundamento de conhecimentos e aprimo-
cho dessa formação. Um rápido exame da grade ramento de habilidades e atitudes nos cursos de
curricular das principais especialidades em saúde, pós-graduação, possibilitando que esses recupe-
origem da maioria dos alunos que acorrem aos rem sua natureza que muitas vezes se empobrece
cursos de pós-graduação em Saúde Coletiva, leva com versões minimalistas.
2036
Bosi MLM, Paim JS

Controvérsias e desafios de conferir um grau de autonomia técnica em um


campo específico25,26. Dessa forma, advoga-se
A despeito do reconhecimento, por parte de mui- uma composição curricular densa, mas não cen-
tos atores, da relevância dessa formação que ora trada no conhecimento anátomo-clínico ou bio-
se institucionaliza no contexto brasileiro, persis- lógico, uma vez que, conforme já ressaltado, a
tem muitas dúvidas e, mais que isso, desafios, sua finalidade é formar profissionais capazes de
aos quais, em parte, procurou-se responder nos atuar no planejamento, gestão, execução e avalia-
tópicos anteriores. Dentre as discussões trava- ção de ações de âmbito coletivo e não no atendi-
das, uma das mais centrais é o quanto uma for- mento individual. O desafio maior desse profissi-
mação de base estritamente biológica este curso onal será responder às novas necessidades decor-
deve conter. Freidson25, autor já citado, repre- rentes das mudanças nos distintos espaços de
sentante da vertente historicista da sociologia das prática, considerando as transformações no mer-
profissões, argumenta sobre a centralidade do cado de trabalho e na organização dos sistemas
saber na garantia da identidade e autonomia pro- de saúde. Quanto a isso, impõe-se outro desafio -
fissional, sobretudo na área da saúde, na qual a o da articulação teoria–prática.
configuração do processo de trabalho em torno Em Saúde Coletiva, práticas integradas cons-
da profissão médica confere singularidade à di- tituem componente essencial da formação. Des-
nâmica da profissionalização, não encontrando se modo, o currículo deve atender o objetivo de
paralelo em outros domínios. Assim, interroga- desenvolver as competências profissionais gerais
se: sendo o sanitarista , um profissional da saú- e específicas na área de Saúde Coletiva, prevendo
de, o quanto ele deve saber de biologia, do co- situações que levem os alunos a aprender a pen-
nhecimento do corpo humano ou do reconheci- sar, ou seja, recriar o conhecimento problemati-
mento de algumas patologias? Quanto inserir zando-o; aprender a aprender, realizando a tão
acerca das bases biológicas da saúde humana, propalada articulação pesquisa-ensino; aprender
ou seja, como ancorá-lo à área da saúde forte- a ser, comprometendo-se com valores e princí-
mente apoiada nas ciências biológicas, sem re- pios vinculados à democracia, autonomia das
produzir o modelo da biomedicina? pessoas, solidariedade, justiça, emancipação,
Com base na produção sociológica, além de equidade, dignidade humana, respeito à diferen-
importante, seria tático fornecer essa sustentação ça, entre outros; mobilizar e articular conheci-
mas não confundindo formação em saúde com mentos, habilidades e valores conduzindo a uma
fundamentação em biologia ou biomedicina, já posição ético-política comprometida com a de-
que, conforme aludido, não é este o paradigma fesa da vida e da saúde enquanto direito, conso-
que se coaduna com a formação pretendida. Evi- ante o ideário da Reforma Sanitária, uma vez que
dentemente, determinar essa “dosagem” ideal não Saúde Coletiva, enquanto campo de saberes e
constitui tarefa isenta de dificuldades, haja vista a práxis, não pode ser compreendida em separado
necessidade de dialogar com as demais profissões desse projeto de reforma social4.
e, mais que isso, de se relacionar com as distintas Neste sentido, os conteúdos do programa
corporações no processo de trabalho em saúde. deverão privilegiar o estudo contextualizado, para
Não se deve esquecer, no entanto, que a pós-gra- o que estratégias como seminários interdiscipli-
duação strictu senso tem fornecido títulos de mes- nares e o currículo flexível permitam ao aluno
tre e de doutor em Saúde Coletiva a advogados, migrar para outros domínios e núcleos de sabe-
arquitetos, cientistas sociais, físicos, assistentes res. A integração com experiências extra-acadê-
sociais e outros tantos, sem que se tenha questio- micas, ou seja, com o “mundo da vida”, de modo
nado o quanto de ciências biológicas eles trazem a visualizar não apenas a interdisciplinaridade
de suas formações pregressas. mas a transculturalidade como possibilidade e
Em termos pragmáticos, um possível cami- valor, poderá produzir novas tecnologias, sobre-
nho para contemplar conteúdos biológicos seria tudo, relacionais. Na impossibilidade de, nos li-
analisar as chamadas “funções essenciais” e esta- mites deste texto, especificar a vastidão do espa-
belecer redefinições no desenho curricular, tarefa ço potencial para esse novo graduando, assina-
que, contudo, escapa aos propósitos deste artigo. la-se, contudo, que há que favorecer o processo
Por ora, cabe valorizar as “marcas de origem” das de construção-desconstrução-reconstrução dos
profissões reconhecidas, consideradas paradigmá- saberes e enunciados científicos, de tal forma que
ticas em termos de profissionalização na saúde, represente uma prática de constituição de novos
lembrando que iniciaram com um saber valori- sujeitos. Sendo assim, conforme já aludido, o
zado, ou seja, com base ampla e específica24 capaz “mercado de trabalho” se definirá no processo;
2037

Ciência & Saúde Coletiva, 15(4):2029-2038, 2010


os desdobramentos para as políticas públicas tiva na América Latina3. Ela aposta na formação
apontarão os limites e as possibilidades29. de novos sujeitos e numa práxis contra-hegemô-
nica que produz conhecimentos, critica movimen-
tos ideológicos, elabora concepções, forja “ligas”
Comentários finais para mudanças e realiza práticas que tomam a
saúde, qualidade de vida, direitos humanos, li-
Presentemente, mais que aprofundar aspectos berdade, emancipação e felicidade como referen-
históricos, conceituais, teóricos, epistemológicos, tes centrais. A conjunção desses elementos na
metodológicos, técnicos e operacionais, importa construção da RSB ilustra a especificidade e as
reiterar um convite para a concretização de uma potencialidades desse campo científico e âmbito
iniciativa ousada e inovadora: constituir novos de práticas, capaz de contribuir na consolidação
sujeitos no campo da Saúde Coletiva. Assim, ca- de um SUS, universal, público, equânime, ético,
beria desenvolver projetos solidários com a Re- culturalmente sensível e solidário.
forma Sanitária, assegurando o envolvimento Portanto, a Saúde Coletiva encontra-se, na
das pessoas – gente com afeto, projetos, interes- atualidade, em condições de maturidade teórica,
ses, valores e vontades. metodológica, tecnológica e operativa suficientes
Lutas, contradições, produção de conheci- para definir competências e articular valores que
mentos, sonhos, subjetividades, engenho, traba- permitam a configuração de novas modalidades
lho e arte compõem a construção da Saúde Cole- de profissionalização em saúde.

Colaboradores

MLM Bosi e JS Paim participaram de todas as


etapas da elaboração do artigo.
2038
Bosi MLM, Paim JS

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