Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARTIGO ARTICLE
como estratégia de formação profissional
Abstract This article aims to call into question Resumo O presente artigo problematiza a Saúde
Public Health as a field for professionalization by Coletiva como âmbito de profissionalização, sis-
systematizing theoretical, social and ethical-politi- tematizando alguns fundamentos teóricos, soci-
cal bases for undergraduate education. We also ais e ético-políticos de uma formação em nível de
attempt to record the trajectory in formulating graduação. Para tanto, recupera a trajetória em
undergraduate courses in that field and, more re- que se vem dando a formulação desses cursos e,
cently, the emergence of these projects in Brazilian mais recentemente, sua emergência nas institui-
Universities. In Brazil, the current projects are a ções de ensino superior brasileiras. No Brasil, tais
result of institutional experience gained in Public projetos resultam do acúmulo no ensino da Saúde
Health teaching in different undergraduate courses Coletiva em diferentes cursos de graduação na área
in the field of health. Additionally, there is also a da saúde, acrescido da tradição na pós- gradua-
teaching tradition in non-degree and master’s and ção lato e stricto sensu, tendo dentre os seus des-
PhD graduate courses. International experiences dobramentos o reconhecimento da pertinência de
from similar courses, as well as orientation from fomentar novas estratégias de formação. Mais re-
international agencies represent important centemente, políticas voltadas à inclusão social e
information for such initiatives. Furthermore, pol- à expansão do ensino superior vêm impulsionan-
icies targeting social inclusion and the expansion do o movimento, ao que se soma a constatação de
in the number of student places in higher education que o Sistema Único de Saúde demanda novos
have been propelling the movement. There is also atores, com capacidade de dar respostas diferenci-
the realization that the Brazilian Public Health adas e complementares àquelas possibilitadas pe-
System demands new actors able to provide an- las graduações tradicionais. No momento em que
swers which are both different and complementary diversas instituições se encontram em fase de oferta
to those offered by traditional undergraduate cours- dessa formação à sociedade, este artigo apresenta
¹ Departamento de Saúde
Comunitária, Faculdade de es. While several institutions are in the stage of um conjunto de elementos derivados da reflexão
Medicina, Universidade offering this education to society, this article pre- nos planos epistemológico, sociológico e político-
Federal do Ceará. Rua Prof.
sents a set of elements which are derived from re- sanitário, visando a contribuir para um diálogo
Costa Mendes 1.608/5º
andar, Rodolfo Teófilo. flection in the epistemological, sociological and po- acerca da emergência desse projeto no contexto
21943-570 Fortaleza CE. litical-sanitary spheres. brasileiro.
malubosi@ufc.br
2
Key words Undergraduate courses in public health, Palavras-chave Graduação em saúde coletiva,
Instituto de Saúde
Coletiva, Universidade Degree in public health, Health professionals, Profissionais de saúde, Recursos humanos, Saúde
Federal da Bahia. Human resources, Public health pública, Saúde coletiva
2030
Bosi MLM, Paim JS
ção de egressos de cursos de graduação com aque- No que concerne à carreira, consoante pos-
la oportunizada pelas demais graduações em saú- tulados da sociologia das profissões, grosso modo
de e áreas afins à Saúde Coletiva. Assim, há que se constata a criação de cursos antes de a carreira
se considerar a formação prévia do primeiro seg- ser regulamentada. A literatura sociológica sobre
mento, sem “fechar portas” a corporações que o tema aponta ser este um fator indutor na polí-
queiram se pós-graduar nessa área2. Tais obstá- tica de “recursos humanos”, embora, no caso em
culos pedem superações que, acredita-se, a con- questão, se antecipe um acesso à carreira aos
solidação da pós-graduação na área já é capaz de egressos de formações stricto sensu e lato sensu.
realizar. Contudo, a despeito dos elementos elucida-
Pode-se ainda contra-argumentar: não deve- tivos apontados por autores clássicos nesse do-
ria ser o especialista esse ator, conforme em mui- mínio23-26, não parece prudente antecipar previ-
tos casos vem se dando? Considera-se que não. sões sobre obstáculos ou prováveis “degraus da
Isto por que “especialista”, no campo da forma- profissionalização”, com que irão se deparar os
ção, se reveste de outra conotação e como tal egressos dessa nova formação. Tampouco se os
deve ser compreendido. Ao lado disso, a experi- mesmos seguirão as etapas comuns aos percur-
ência e a literatura ensinam: o elemento que con- sos de outros segmentos profissionais no Brasil.
fere identidade própria ao profissional, essencial Reiteram-se as assertivas de Dubar21 quanto ao
na constituição de uma carreira, em especial no caráter processual e incerto, portanto, contradi-
âmbito da profissionalização em saúde, não é tório e dialético, que caracteriza a construção das
dado pela especialização. Constrói-se no longo e identidades profissionais e, por conseguinte, sua
complexo processo de socialização de saberes – autonomia técnica e socioeconômica, marca on-
formais e tácitos – sintetizados na experiência de tológica de uma profissão25. É difícil trabalhar
se graduar em uma dada área e fazer parte de um com o que é inédito; só a experiência pode desve-
segmento profissional, seja profissão sociologi- lar o caminho. Ou, pensando estrategicamente,
camente estabelecida ou ainda em processo. Não o fundamental é desencadear processos27.
por acaso as graduações (e não as pós-gradua- Finalmente, no que concerne à conquista de
ções) vem sendo sistematicamente examinadas espaço próprio, expresso no conceito de autono-
como base de constituição do que a sociologia mia, aos que questionam a existência de “um
das profissões considera “profissão”, referencial mercado”, parece prudente não negligenciar a
que se julga de interesse para a discussão em tela própria participação do corpo discente e dos fu-
e que, dados os limites da discussão, será tão turos egressos, como atores centrais e protago-
somente sumarizado. nistas na criação da carreira e no avanço do pro-
Consoante esse marco teórico, a proposição cesso de profissionalização, bem como a demar-
de uma profissão, no sentido sociológico do ter- cação dos seus espaços ante as profissões exis-
mo, deve considerar dois aspectos fundamen- tentes, com base no perfil construído ao longo
tais: o saber específico – que lhe confere identida- do curso. Trata-se de introduzir a dimensão sub-
de e autonomia técnica – e a necessidade social a jetiva, a marca do vivido e da intersubjetividade
responder, sem o que não se pode justificá-la22. no âmago da análise sociológica20,22, recuperan-
Ambos os aspectos não se apresentam como do o sujeito no processo de profissionalização, o
obstáculos para uma graduação em Saúde Cole- que substitui profecias pela ação histórica, que é
tiva: há saberes que lhe são específicos e a neces- sempre um devir.
sidade social a que visa responder é evidente e
reiterada por distintos atores.
Importa ainda refletir se o fenômeno diz res- Graduação em Saúde Coletiva:
peito à criação de uma “nova corporação”, uma considerações sobre o perfil
vez que, de longa data, diversas instituições têm e modelo de formação
se ocupado da formação de sanitaristas no país e
no mundo. Conforme já aludido, tal projeto re- Para além das considerações relativas ao campo
sultou na formação de muitos sanitaristas sem, e à profissionalização, a concretização do proje-
contudo, convencer se o mesmo vem represen- to de graduação na área sustenta-se em justifica-
tando a melhor estratégia que deva ser mantida tivas tanto de ordem técnica quanto social. Do
no atual estágio de desenvolvimento do campo. ponto de vista da relevância social, não há dúvi-
Sendo assim, a criação dessa graduação, mais das de que o processo de implantação do SUS
que uma nova profissão, versa sobre uma nova resulta em uma demanda cada vez maior de pro-
estratégia de profissionalização em saúde. fissionais de Saúde Coletiva por parte das orga-
2035
Colaboradores
Referências
1. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Projeto 16. Gebbie KM, Rosenstock L, Hernandez LM, edi-
detalhado de Curso de Graduação em Saúde Coletiva. tors. Who Will Keep the Public Healthy? Educating
Rio de Janeiro: UFRJ; 2003. Public Health professionals for the 21 st century. Wa-
2. Lee JM. Articulation of undergraduate and gradua- shington, D.C.: National Academies Press; 2006.
te education in public health. Public Health Reports 17. Macedo CG. El contexto. In: OPS. La crisis de la
2008; 128(suppl. 2):12-17. salud pública: Reflexiones para el debate. Publicación
3. Paim JS. Desafios para a Saúde Coletiva no século científica no 540. Washington, D.C.: OPS; 1992. p.
XXI. Salvador: EDUFBA; 2006. 237-243.
4. Paim JS. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição 18. Informe Final. I Conferencia Panamericana de Edu-
para a compreensão crítica. Rio de Janeiro: Fiocruz; cación en Salud Pública. XVI Conferencia de ALA-
Salvador: EDUFBA; 2008. ESP; 1994; Rio de Janeiro.
5. Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde 19. Paim JS, Almeida Filho N. A Crise da Saúde Pública
Coletiva. III Reunião Nacional de Docentes de e a Utopia da Saúde Coletiva. Salvador: Casa da Qua-
Medicina Preventiva e Social. Relatório Final. In: lidade Editora; 2000.
Abrasco. Ensino da Saúde Pública, Medicina Preven- 20. Schaffel SL. A identidade Profissional em questão.
tiva e Social no Brasil. Vol. 3. Rio de Janeiro: Abras- In: Candau VM. Reinventar a escola. Petrópolis:
co; 1984. p.171-187. Vozes; 2000.
6. Lima NT, Santana JP, organizadores. Saúde Coletiva 21. Dubar CA. Socialização: construção das identidades
como Compromisso. A trajetória da Abrasco. Rio de sociais e profissionais. Porto: Porto Editora; 1997.
Janeiro: Fiocruz/Abrasco; 2006. 22. Bosi MLM. Profissionalização e conhecimento: a nu-
7. Kerr LRS, Pontes RJS, Bosi MLM, Magalhães R, trição em questão. São Paulo: Hucitec; 1996.
Rigotto R. Reflexões acerca da avaliação das pós- 23. Wilensky HL. The Professionalization of everyone.
graduações brasileiras com ênfase na área de Saúde In: Grusky O, Miller G, editors. The Sociology of
Coletiva. Physis 2005; 15(1):83-94. organizations: Basic studies. New York: The Free
8. Fórum Nacional de Coordenadores de Pós-gradua- Press; 1970.
ção em Saúde Coletiva. Nota do sobre o novo Qualis 24. Goode W. The theoretical Limits of professional-
periódicos. [acessado 2009 abr 08]. Disponível em: ization. In: Etizioni A. The semi-professions and their
http://www.abrasco.org.br/forumsaudecoletiva/ organization. London: The Free Press; 1969.
index.php 25. Freidson E. La professión médica: Un estudio de socio-
9. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Saúde logía del conocimiento aplicada. Barcelona: Penínsu-
Coletiva. Graduação em Saúde Coletiva: pertinên- la; 1978.
cia e possibilidades. I Seminário e Oficina de Traba- 26. Freidson E. Medical work in America: Essays on
lho; 2002; Salvador. Health. New Haven: Yale University Press; 1989.
10. Toques da Redação. Debate bom. Radis 2003; 11:6. 27. Testa M. Pensamento estratégico e lógica de progra-
11. Almeida M. A área é multiprofissional e interdisci- mação: o caso da saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de
plinar. In: Graduação em Saúde Coletiva: sim ou Janeiro: Abrasco; 1995.
não? Radis 2003; 13:22. 28. Bosi MLM, Raggio R, Medronho RA. Reflexões em
12. Paim JS. O SUS tem pressa para reorientar modelo. torno de uma profissionalização em Saúde Pública
Radis 2003; 13:23. (Lilacs). Cad Saude Colet 2001; 9(1):5-8.
13. Brasil. Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007. 29. Bosi MLM, Paim JS. Graduação em Saúde Coleti-
Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestru- va: Subsídios para um debate necessário. Cad Saude
turação e Expansão das Universidades Federais – Publica 2009; 25(2):236-237.
REUNI. Diário Oficial da União 2007; 25 abr.
14. Organização Pan-Americana da Saúde. Funções es-
senciais em Saúde Pública. [site da Internet] [acessa-
do 2009 jun 02]. Disponível em: http://www.
opas.org.br/servico/temas.cfm?CodSubTema=69&
Area=Conceito
15. Nunes TCM. Democracia no ensino e nas institui- Artigo apresentado em 10/06/2009
ções: A face pedagógica do SUS. Rio de Janeiro: Fio- Aprovado em 08/11/2009
cruz; 2007. Versão final apresentada em 30/11/2009