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XII Colóquio Técnico Científico de Saúde Única,

Ciências Agrárias e Meio Ambiente

MIOCARDITE CAUSADA POR PARVOVÍRUS CANINO TIPO 2 (CPV-2)


Emanuelle Moreira Antunes1*, Clara Del Rio Santos1, Luiz Flávio Telles2.
1
Discente no Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário UNA – Contagem/MG – Brasil – *Contato: emanuellemoreira.a@gmail.com
2
Docente do Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário UNA – Contagem/MG – Brasil
INTRODUÇÃO (12/40) dos animais com problemas cardíacos e em 5% (2/41) dos casos
A parvovirose canina é causada pelo Parvovírus canino, que é reconhecido controle. Com base nesses resultados, os pesquisadores sugerem que pode
como o agente responsável pelas duas principais formas da doença: a haver uma janela de susceptibilidade cardíaca mais ampla do que a
enterite necrótica, caracterizada por altas taxas de morbidade e considerada anteriormente. Consequentemente, o estudo concluiu que o
mortalidade, e a miocardite não supurativa12,18. CPV-2 continua sendo uma causa significativa de danos cardíacos em
cães6.
As manifestações clínicas e patológicas das infecções pelo Parvovírus
canino estão fortemente ligadas à idade do animal no momento da A miocardite manifesta-se como não supurativa, podendo levar à morte
infecção14,18, sendo que pode surgir devido à infecção intrauterina ou em súbita devido a insuficiência cardíaca e arritmias1. Em casos de
filhotes com até oito semanas de idade3,12,14. parvovirose, animais que desenvolvem sepse podem também desenvolver
miocardite devido à enterite e bacteremia associadas à doença. Os sinais
Nos casos em que ocorre a miocardite, os animais podem falecer
de insuficiência cardíaca podem se manifestar imediatamente, mas em
subitamente ou após um breve episódio de dispneia, vocalização,
algumas situações, só se tornam evidentes durante a necropsia19. Animais
inquietação e ânsia de vômito3. Em alguns casos, podem exibir lesões
afetados por miocardite podem apresentar arritmias cardíacas, além de
generalizadas devido a uma insuficiência cardíaca congestiva aguda11.
edema pulmonar, dificuldade respiratória, tosse, acúmulo de líquido na
Cães que superam a fase aguda da doença podem desenvolver problemas cavidade abdominal, gemidos e desmaios8.
cardíacos e evoluir para uma insuficiência cardíaca congestiva crônica3, 18.
Alguns animais conseguem sobreviver à fase aguda da doença, mas
posteriormente podem desenvolver insuficiência cardíaca crônica,
MATERIAL tornando-se cardiopatas ao longo de suas vidas7.
Para a realização deste resumo, utilizou-se como fontes de pesquisa artigos Macroscopicamente, a miocardite se manifesta como faixas pálidas no
científicos, revisões de literatura, trabalhos de conclusão de curso (TCC) e nível do miocárdio8 (Fig.1).
livros publicados de 1980 a 2019, nas bases de dados Scopus, Web of
Science, SciELO e Google Acadêmico. Os critérios de seleção dos
materiais foram a relevância e a qualidade deles, bem como a adequação
ao objetivo e à abordagem deste estudo. A partir da análise dos materiais
selecionados, foi elaborada uma síntese dos principais aspectos teóricos e
práticos relacionados ao tema.

RESUMO DE TEMA
O vírus da parvovirose canina pertence ao gênero Parvovirus e à família
Parvoviridae. Os vírus dessa família são caracterizados por serem
pequenos, com diâmetro de aproximadamente 18 a 26 nm, terem forma
esférica, não possuírem envelope e apresentarem um capsídeo
icosaédrico10,13. O genoma do vírus consiste em uma molécula de DNA
linear de fita simples, contendo aproximadamente 500 bases10,16.
Uma característica fundamental dos parvovírus é que sua replicação requer
a presença de células na fase S do ciclo celular13. Essa exigência ocorre
devido à necessidade da maquinaria celular para a síntese de DNA e Figura 1: Coração marcadamente globoso e difusamente pálido (Fonte:
replicação viral5,13. SOUTO, E.P.F. et al.).
Após o processo de infecção, o CPV-2 é predominantemente encontrado
no trato gastrointestinal (incluindo língua, esôfago e intestino delgado), A lesão primária envolve necrose multifocal dos cardiomiócitos, com
nos tecidos linfoides (como timo, nódulos linfáticos e placas de Peyer) e infiltrado inflamatório de intensidade variável. Os corpúsculos de
na medula óssea. No caso de fetos dentro do útero materno ou em cães com inclusões virais intranucleares basofílicos em cardiomiócitos são
menos de 8 semanas de vida, o vírus demonstra uma afinidade maior pelo características marcantes14 e são observados com mais frequência na fase
miocárdio, levando à ocorrência de miocardite e, por conseguinte, à aguda da doença (Fig. 2). À medida que o processo patológico se torna
falência cardíaca8,17. crônico, a fibrose predomina7 (Fig. 3).
A vacinação das cadelas ou sua exposição natural ao agente patogênico
permite o desenvolvimento de níveis elevados de anticorpos. Esses
anticorpos podem ser transferidos aos filhotes, seja através da placenta
durante a gestação ou pelo colostro após o nascimento, o que confere
proteção durante o período neonatal, quando estes são mais suscetíveis à
infecção9.
Portanto, essa forma da doença é relatada como ocorrendo apenas
esporadicamente, geralmente em neonatos ou filhotes que não receberam
imunidade passiva, ou que nasceram de cadelas que não foram
vacinadas3,9. Contudo, quando ocorre miocardite necrosante em filhotes, a
consequência é uma alta taxa de mortalidade ou a progressão para lesões
cardíacas graves2,6. A variante miocárdica dessa doença pode levar à perda
total da ninhada, pois é comum que todos os filhotes sejam infectados3,7.
Alguns pesquisadores sugerem que o CPV-2 pode ser uma causa
subestimada de miocardite, lesões cardíacas e fibrose em cães jovens. Em
um estudo retrospectivo, o DNA foi extraído de tecidos cardíacos
preservados em parafina e fixados em formol de 40 casos de necrose, Figura 2: Corpúsculo de inclusão viral intranuclear basofílico em
inflamação ou necrose miocárdica, e de 41 casos controle, todos com cardiomiócito (seta). In set, observa-se inclusão intranuclear (Fonte:
menos de dois anos de idade. O DNA do CPV-2 foi detectado em 30% SOUTO, E.P.F. et al.).
XII Colóquio Técnico Científico de Saúde Única,
Ciências Agrárias e Meio Ambiente
5 FLORES, Eduardo Furtado. Virologia Veterinária. Santa Maria: Editora

UFSM, 2007.
6FORD, J. et al. Parvovirus infection is associated with myocarditis
and myocardial fibrosis in young dogs. Vet Pathol, v. 54, n. 6, p. 964–
971, 2017.
7 LENGHAUS C.; STUDDERT M.J. 1984. Acute and chronic viral
myocarditis. Acute diffuse nonsuppurative myocarditis and residual
myocardial scarring following infection with canine parvovirus. Am.
J. Pathol. 115(2): 316-319.
8MCCAW, D.L.; HOSKINS, J.D. (2006). Canine Viral Enteritis. In:
C.E. Greene (Ed.) Infectious Diseases of the Dog and Cat. 3 a ed.
Philadelphia, PA, U.S.A.: Saunders Elsevier, 2006. p. 63-70.
Figura 3: Tecido conjuntivo fibroso substituindo as fibras cardíacas.
(Fonte: SOUTO, E.P.F. et al.). 9 MEUNIER P.C. et al. 1984. Experimental viral myocarditis: parvoviral

infection of neonatal pups. Vet. Pathol. 21(5):509-15.


Uma consequência da miocardite aguda é o desenvolvimento de
10
cardiomiopatia dilatada4. A transição da miocardite para a cardiomiopatia MELO, Maria Luiza Rodrigues. Enterite canina parvoviral: revisão
dilatada ocorre em três fases, havendo provável sobreposição entre elas: de literatura. 2019. 26f. Monografia (Curso de Medicina Veterinária) –
lesão miocárdica e ativação da imunidade inata, inflamação miocárdica Centro Universitário Cesmac, Maceió, 2019.
aguda com ativação da imunidade inata e adaptativa, e fibrose com
11
subsequente remodelação cardíaca4,18. MILLER L.M. et al. 2013. Sistema cardiovascular e vasos linfáticos,
Alterações circulatórias e degenerativas nos pulmões e no fígado são p.542-591. In: McGavin M.D. & Zachary J.F. (Eds), Bases da Patologia
achados comuns em casos de insuficiência cardíaca congestiva esquerda Veterinária. 5th ed. Elsevier, Rio de Janeiro.
ou mista, que podem ocorrer secundariamente a diferentes doenças 12
cardíacas15. A literatura científica sugere que na forma miocárdica da OCARINO N.M. et al. 2014. Sistema cardiovascular, p.51-88. In:
doença, geralmente, não são observadas lesões nos intestinos11. Santos R.L. & Alessi A.C. (Eds), Patologia Veterinária. Roca, São Paulo.
A cardiomiopatia dilatada resultante da infecção pelo Parvovírus canino 13PAVAN, Tatiana Rohde. Parvovirose Canina – Revisão de literatura.
deve ser diferenciada de outras formas de cardiomiopatias dilatadas
2009. f. 28. Monografia (Especialização em Análises Clínicas
observadas em cães. Embora as causas permaneçam desconhecidas,
Veterinárias). Curso de Medicina Veterinária – Universidade Federal do
fatores genéticos, predisposição familiar em cães de grande porte,
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
deficiência nutricional de taurina e carnitina, e hipotireoidismo têm sido
reconhecidos como possíveis causas15. 14 ROBINSON W.F. et al. 1980. Canine parvoviral disease: experimental
reproduction of the enteric form with a parvovirus isolated from a case of
CONSIDERAÇÕES FINAIS myocarditis. Vet. Pathol. 17(5):589-599.
Em suma, a parvovirose canina é uma doença grave e de grande relevância
15
na clínica de pequenos, que afeta especialmente filhotes não protegidos ROBINSON W.F.; ROBINSON N.A. 2016. Cardiovascular system,
pela imunidade passiva. O vírus tem uma afinidade notável pelo miocárdio, p.1-101. In: Maxie M.G. (Ed.), Jubb, Kennedy and Palmer´s Pathology of
levando à miocardite e, em casos graves, à insuficiência cardíaca. A Domestic Animals. Vol.3. 6th ed. Elsevier, Saunders, Philadelphia.
imunização adequada das cadelas e o cuidado com os filhotes recém-
16
nascidos são cruciais para evitar essa condição devastadora. A miocardite SAVIGNY, M.R.; MACINTIRE, D.K. Use of oseltamivir in the
resultante pode levar à cardiomiopatia dilatada, uma condição debilitante treatment of canine parvoviral enteritis. Journal of Veterinary
que pode persistir ao longo da vida do animal. A compreensão aprofundada Emergency and Critical Care, n. 20, p. 132- 142, 2010.
desses processos patológicos é essencial para um diagnóstico precoce e
17
intervenções eficazes, visando reduzir a morbidade e a mortalidade SELLON, K.S. Canine Viral Diseases: Canine Parvovirus. In: S.J.
associadas a essa doença grave. ETTINGER & E.C. FELDMAN (Eds), Textbook of Veterinary Internal
Medicine. 5 ed. Philapdelphia, U.S.A.: W.B. Saunders Company, 2005, p.
646-647.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
18SIME T.A. et al. 2015. Parvoviral myocarditis in a 5-week-old
1 ABREU, Claudine Botelho. Disfunção miocárdica sistólica pela Dachshund. J. Vet. Emerg. Crit. Care 25(6):765-769.
ecocardiografia feature tracking bidimensional em cães naturalmente
infectados por parvovírus. 2017. 67f. Dissertação (Mestrado em Clínica, 19SOUTO, E.P.F. et al. Surto de parvovirose cardíaca em filhotes de
Cirurgia e Patologia Veterinária) – Universidade Federal de Lavras, cães no Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 38, p. 94-98, 2018.
Lavras, 2017.
20VIEIRA, Maria João Nobre de Matos Pereira. Parvovirose canina.
2 BASTAN, I., et al. Serum Cardiac Troponin-I in dogs with CPV-2 2012. f. 266. Tese (doutorado). Curso de Ciências Veterinárias -
infection. Ankara Üniversitesi Veteriner Fakültesi Dergisi, Ankara, v.60, Universidade do Porto, Porto, 2012.
p. 251-255, 2013.
3 DECARO N.; GREENE C.E. 2012. Canine viral enteritis, p.67-75. In:
Greene C.E. (Ed.), Infectious Diseases of the Dog and Cat. 4th ed.
Saunders, Elsevier, St Louis, MO.
4ELAMM C. et al. 2012. Pathogenesis and diagnosis of myocarditis.
Heart 98(11):835-40.

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