O termo Fordismo é usado pela Escola Regulacionista para identificar um conjunto de
conceitos gerais que servem para analisar as sociedades num dado contexto histórico. Dentro da Escola Regulacionista, o termo tem dois significados. Cândido FERREIRA et al. (1991) salienta que existe uma visão mais global do Fordismo, ou seja, um modo de acumulação que marca uma determinada fase do desenvolvimento do capitalismo nos países centrais – a “era do ouro”. Outro significado do termo Fordismo (de caráter menos global) é também apresentado por esse autor como um conjunto de princípios gerais de organização da produção (paradigma tecnológico, organização do trabalho e modelo de gestão) Considera-se que, embora a Escola Regulacionista registre a existência de discussões sobre as possibilidades do Fordismo ter se generalizado como padrão de organização industrial e ainda apresente concepções distintas do termo Fordismo, essas podem ser articuladas no plano analítico. Independente dessas distinções, pode-se afirmar que Uma das principais características do Fordismo é de fato a racionalização do trabalho, tanto no sentido horizontal (parcelamento de tarefas) como no sentido vertical (separação entre concepção e execução), conforme já preconizava Taylor. Outra característica é a mecanização da produção através de equipamentos altamente especializados. Porém, é particularmente peculiar ao Fordismo a produção em massa. Essa produção atendeu a uma demanda crescente do mercado consumidor. A compreensão da produção em massa vai muito além da idéia de linha contínua, da esteira rolante, da produção padronizada e em larga escala, pois envolve uma intercambialidade de partes, uma simplicidade e racionalidade na montagem dos produtos, de forma a reduzir o esforço humano, aumentar a produtividade e diminuir custos em função do volume produzido. O funcionamento da produção em massa depende da existência de uma estrutura de controle de caráter vertical e altamente burocratizada. O sistema de produção implantado por Ford cuidava desde da produção da matéria-prima inicial até o produto final, envolvendo inclusive a sua distribuição comercial por meios de agências próprias. Somente após a Segunda Guerra Mundial, o Fordismo conseguiu se impor de forma mais universal, tornando-se dominante nos países centrais da economia capitalista. A acumulação capitalista foi espantosa nesse período. A uniformidade pregada pelo Fordismo ultrapassou os muros da fábrica e atingiu a sociedade marcando o modo de viver das pessoas. O fordismo, enquanto modo de regulação, só alcançou seus méritos em função da visão macro-social preconizada pelo próprio Ford, onde o Estado, a classe trabalhadora e o capital se interagiram para criar e manter a estrutura fordista que alcançou a glória por um período de no mínimo trinta anos. Inicialmente, o fordismo investiu na formação de um trabalhador familiarizado com o sistema de produçãoe subordinado ao capital. CARVALHO & SCHMITZ (1990) nos fornecem um bom relato deste processo: istoricamente, a socialização do assalariado às exigências da produção em massa foi um processo demorado e não envolveu sua “preparação” apenas no local de trabalho, mas também na sociedade como um todo. Além da educação ética e profissional para o trabalho (familiaridade com o trabalho prescrito e rotinizado, sem exigência de habilidades e de conhecimentos técnicos), exigiu-se do trabalhador hábitos de consumo, pois era preciso que o assalariado soubesse gastar seu dinheiro adequadamente . Tais fatores deram sustentação ao modelo fordista. Logo após a Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores que antes se organizavam em sindicatos com livres poderes de negociação no mercado garantidos por lei, se viram submetidos a novas bases para as relações estabelecidas entre as classes sociais. Estas novas relações por certo atendiam aos interesses do capital, embora variassem muito de país para país, ou até de região para região. Nasceu, assim, o enlace entre o grande capital corporativo, o Estado-nação, e os grandes sindicatos. Se houvesse aumento de produtividade e crescimento dos lucros, o padrão de vida dos trabalhadores se elevaria. Essa era a base deste pacto fordista. Tal pacto garantiu aos sindicatos um poder de controle sobre a classe trabalhadora no período pós-guerra. Combinando a nova relação entre capital e trabalho com as políticas de bem-estar social implementadas pelo Estado, surgiu a democracia de massas nas nações capitalistas centrais. Durante todo período fordista, o capital cuidou de garantir um ambiente favorável à sua acumulação: um Estado de caráter intervencionista (que tinha como propósito regular o mercado e compensar suas falhas) e trabalhadores concentrados, autodisciplinados, socializados e adaptados às máquinas e instrumentos da produção estandardizada. Políticas de controle de salários, divulgação de ideologias que incentivavam o individualismo e o consumismo e a adoção de um estilo de vida favorável ao capitalismo, associadas, de um lado, à negociação com os grandes sindicatos existentes nas economias centrais e, de outro lado, às estratégias da produção racional da economia de larga escala, garantiram ao capital o segredo para o crescimento. Porém, em torno dos anos 60, o regime de acumulação fordista pareceu dar sinais de fadiga. Com a recuperação da Europa e do Japão, a lucratividade do capital americano se viu ameaçada. Apesar da Guerra do Vietnã e das ações internas de combate à pobreza, o dólar perdeu sua estabilidade e a economia interna estadunidense deparou-se com a inflação. Uma onda de industrialização fordista em novos ambientes (América Latina e Ásia) comandada pelas multinacionais foi apontada como saída para o capitalismo, embora o esforço do capital corporativo não tenha conseguido conter a crise do modelo de economia de escala implementado pelo fordismo. Segundo HARVEY (1994), diante da instabilidade do capitalismo, o terceiro mundo começou a questionar a centralidade dos Estados Unidos e a desigualdade capitalista, provocando o aparecimento de movimentos de libertação nacional nas nações periféricas. Apesar desses pequenos abalos, o Estado-nação conseguiu se manter forte até meados dos anos 70. Nessa fase, outras turbulências ameaçaram a hegemonia do Estado americano, que enfrentou o desequilíbrio dos mercados internacionais, o fim do acordo de Bretton Wood, a restrição de sua base fiscal e a necessidade de emitir moedas para estabilizar a economia. Daí surgiu uma crise de superacumulação e o modelo de acumulação fordista-keynesiano foi colocado em xeque.
A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL
Diante do esgotamento do modelo de acumulação fordista, surgiu então um novo modelo
cuja principal característica é a flexibilidade do capital, dos produtos, dos mercados e do processo de trabalho. É interessante ressaltar que muitos estudiosos da área acreditam que, na verdade, não existe um novo modo de acumulação oriundo da crise dos anos 70, e sim novos arranjos que deveriam ser chamados de neo-fordismo. LEITE (1994), ao discutir o caráter paradigmático ou não da acumulação flexível, aponta que WOOD, HUMPHERY e HIRATA são autores que não aceitam a idéia de um novo paradigma. Já os teóricos regulacionistas, como BOYER, DOSI, FREEMAN, KAPLINSKY, PIORE & SABEL e RATTNER, segundo LEITE, associam a crise do capitalismo ao esgotamento do paradigma fordista- taylorista. Adotando para fins analíticos a visão dos regulacionistas, pode-se dizer que o novo modo de acumulação, chamado de “acumulação flexível” (não negando a existência de algumas continuidades), se caracteriza pela: “...crescente capacidade de manufatura de uma variedade de bens e preços baixos em pequenos lotes. [...] Estes sistemas de produção flexível permitiram uma aceleração do ritmo da inovação do produto, ao lado da exploração de nichos de mercado altamente especializados e de pequena escala. [...] O tempo de giro - que sempre é a chave da lucratividade capitalista - foi reduzido de modo dramático pelo uso de novas tecnologias produtivas (automação, robôs) e de novas formas organizacionais. Mas a aceleração do tempo de giro na produção teria sido inútil sem a redução do tempo de giro no consumo.“ (HARVEY, 1994: 148) Partindo das proposições de LEITE (1994), tornase importante destacar que todo este leque de mudanças assumiu não um caráter paradigmático e totalizante, mas uma série de situações diferenciadas em cada país ou em cada região, ou seja, uma diversidade de experimentações e trajetórias, como por exemplo, o modelo japonês, o sueco e o italiano. HIRATA (1994) destaca que o caso japonês (Toyotismo, segundo STEPHEN WOOD, ou OHNISMO, segundo CORIAT ) parece ter assumido a condição de representante do modelo de acumulação flexível na visão de CORIAT, BOYER e PIORE & SABEL. Sobre o modelo japonês de organização do trabalho e da empresa pode-se afirmar que “...trata-se, em primeiro lugar, de uma determinada modalidade de divisão social do trabalho na empresa: não-alocação do trabalhador a um posto de trabalho específico, o que significa um funcionamento baseado na polivalência e rotação de tarefas [...] predomínio do grupo de trabalho sobre os indivíduos; divisão do trabalho menos nítida entre operários da manutenção e fabricação, entre as diferentes categorias hierárquicas (contramestres, engenheiros, chefes de fábrica, trabalhadores).”. (HIRATA,, 1993: 13). Quanto ao modelo italiano, FERREIRA et al. (1991) salienta que esse se baseou nas inovações implantadas na chamada “Terceira Itália”, localizada na região centro-norte-oriental denominada Emília Romana, que possui elevado número de pequenas e médias empresas no ramo metal-mecânico, têxtil, couro e mobiliário. O modelo italiano foi fruto de um processo histórico de formação de movimentos cooperativos , de políticas de apoio às pequenas empresas implantadas pelos comunistas e da presença de uma classe trabalhadora altamente especializada e fortemente organizada em sindicatos ativos. Por fim, o modelo sueco (Volvismo) ganhou notoriedade pelas plantas da Volvo e da Scania que adotavam um modelo de produção industrial caracterizado pelo abandono da linha de montagem. São principalmente citadas por LEITE (1991) as plantas de Kalmar e Uddevala da Volvo que utilizavam trabalho em equipes semi-autônomas e conseguiam aliar um bem-estar para os trabalhadores com elevados índices de aproveitamento da capacidade intelectual dos mesmos. Em suma, tanto o modelo japonês, quanto o sueco e o italiano caracterizaram-se por grandes inovações tecnológicas na produção, pela presença do capital flexível e principalmente por novas relações entre o capital e a força de trabalho e por fusões de empresas para intercâmbio de tecnologias, produtos e recursos humanos. A lucratividade do capital passou então a depender das novas tecnologias e das novas formas de organização da produção e do trabalho (just-in-time, por exemplo). As informações, precisas e atualizadas, passaram a ser uma mercadoria muito valorizada. Ao invés da simples automação, surgiu uma sistematização da produção. Tudo isso valorizou o empreendimento dinâmico e inovador. Porém, isso não significou, como afirma HARVEY (1994), que o capitalismo tenha se desorganizado, mas pelo contrário, que ele se tornou cada vez mais organizado e capaz de dar respostas flexíveis a um mercado que exigia constantes mutações. Nas organizações, os interesses comerciais, industriais e financeiros se mesclam. O capital financeiro age como um coordenador dos interesses cumulativos e tem como espaço um mercado sem nenhum controle dos governos nacionais. Assim, partindo das proposições de HARVEY (1994), pode-se considerar que, se o fordismo se caracterizava pelo equilíbrio de força entre o capital e o Estado-nação de caráter keynesiano, a acumulação flexível deixou claramente assegurado o domínio do capital sobre o Estado. Este último tornou-se, em tese, minimalista, embora muitas vezes ainda faça intervenções se for do desejo do capital. Todas as nações-estado passaram a depender do ordenamento financeiro dado pelo capital volátil e transnacional. Com relação aos impactos da produção flexível sobre a classe trabalhadora, pode-se dizer que surgiram novas formas de gestão da força de trabalho, nas quais a gestão participativa, o trabalho em equipe, a polivalência, a competência e a qualidade total tornaram-se expressões muito comuns. Recorrendo à análise dos experimentos suecos, japoneses ou italianos de produção flexível, pode-se observar que todos se caracterizavam por elevada participação do trabalhador e pelas negociações sindicais, embora com caraterísticas bem distintas do período fordista. O efeito da acumulação flexível sobre o trabalho humano é bastante polêmico. ANTUNES (1995) destaca que Piore e Sabel acreditam que a especialização flexível recupera a concepção de trabalho na medida em que rompe com a alienação do trabalhador; e outros, como CLARKE, por exemplo, já defendem que a especialização flexível acarretou a intensificação do trabalho, a sua desqualificação e desorganização. HARVEY (1994) é ainda mais contundente ao afirmar que a acumulação flexível se apóia na exploração do trabalho vivo e no solapamento do trabalho organizado. Para ele, direitos e conquistas dos trabalhadores foram eliminados no mundo da produção, em função dos modestos salários reais, do retrocesso sindical, da redução dos empregos regulares, do surgimento do trabalho parcial, temporário e subcontratado. Os trabalhadores perderam benefícios anteriormente garantidos como seguro, garantias de níveis salariais , além de terem que enfrentar o desemprego e a retração do mercado de trabalho com características cada vez mais competitivas. Acima destas polêmicas, destaca-se o fim do trabalho prescrito. O trabalho moderno, sem dúvida, é coletivo e variável. Na especialização flexível, o trabalho vivo passou a ser incorporado ao próprio modelo de produção. Se no fordismo a eficiência era garantida individualmente, na produção flexibilizada, exige-se uma interação entre os trabalhadores, uma cooperação dinâmica que não pode ser simplesmente prevista. Em suma, se as organizações, os processos, os produtos foram e são constantemente renovados no regime flexível, as relações de trabalho também se modificaram. A qualidade, a produtividade e a flexibilidade do trabalho e a qualificação dos trabalhadores tornaram-se os elementoschave para a competitividade e sobrevivência capitalista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Visto como a fase moderna do capitalismo, como período de consolidação do modelo de
acumulação capitalista, o Fordismo estabeleceu mecanismos de acumulação capitalista e de controle sobre o trabalhador que extrapolaram os muros das fábricas . Assim, a análise do papel de cada um dos atores sociais relevantes proposta neste trabalho, ou seja, do Estado, do capital e dos trabalhadores e de suas ações inter-relacionadas, tornou-se fundamental para a compreensão da natureza paradigmática assumida pelo Fordismo. O Estado assumiu novas funções (keynesianas) e construiu novos poderes institucionais; o capital corporativo se ajustou para obter lucratividade segura; e o trabalhador organizado incorporou novos papéis relativos ao mercado de trabalho e aos processos de produção. Já na chamada fase pós- moderna do capitalismo, o período da acumulação flexível, do capital transnacional, da divisão internacional do trabalho, o Estado deixou de lado seu papel interventor e assumiu o de empreendedor, na medida em que as novas relações entre o capital volátil e o trabalho assim exigiam. Nessa fase, o capital estabeleceu novas formas de controle sobre o trabalho, levando o trabalhador a enfrentrar as exigências das multitarefas, dos contínuos processos de qualificação profissional, das responsabilidades assumidas em função dos modelos de competências e das constantes mutações existentes na economia capitalista flexível. Nas suas relações com o Estado, o novo capital abriu mão da regulamentação, da centralização, da rigidez e das políticas paliativas existentes no fordismo e passou a defender não mais o Estado- nação, mas sim um novo Estado, que assumiu também novas funções: garantir o terreno ideal e a estabilidade econômica, social e política para o crescimento do capital . Em suma, a compreensão da dinâmica do capitalismo em cada um dos modelos de organização do trabalho conduz às análises que evidenciam o caráter revolucionário do capitalismo, a sua capacidade de mudança à medida que estabelece relações com o Estado, com a classe trabalhadora e com as outras instituições da sociedade. Assim, considera-se que, se for do interesse do capital e se as relações entre este e os outros sujeitos históricos (Estado e a classe dos trabalhadores, por exemplo) permitirem, pode-se tanto falar do fim do fordismo, como da sua continuidade sob o nome de acumulação flexível, onde as velhas estruturas taylorista- fordistas são em parte “flexibilizadas”; mas, sobretudo, pode-se enfatizar a verdadeira dinâmica do capitalismo e seu caráter mutante que aparentemente desaparece nas análises estruturalistas que enclausuram a totalidade concreta e contraditória em categorias analíticas estanques.