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Lacunas da Lei: Estudo sobre decisão que aplicou a Lei Maria da Penha para
homem.
LONDRINA
2010
Regiane de Cássia Souza Silva
Lacunas da Lei: Estudo sobre decisão que aplicou a Lei Maria da Penha para
homem.
LONDRINA
2010
2
REGIANE DE CÁSSIA SOUZA SILVA
Lacunas da Lei: Estudo sobre decisão que aplicou a Lei Maria da Penha para
homem.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
Prof.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
_____________________________________
Prof.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
_____________________________________
Prof.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador pela paciência, auxilio, pelos e-mails respondidos e por ter
aceitado minha tese.
4
SILVA, Regiane de Cássia Souza.Estudo sobre decisão que aplicou a Lei Maria da
Penha para homem. 2009. 48. Trabalho de Conclusão de Curso de Direito – Pontífica
Universidade Católica do Paraná, Londrina, 2010.
RESUMO
Este trabalho tem por objeto a análise da decisão que aplicou a Lei Maria da
Penha, criada para a tutela especifica das mulheres vitimas de agressão doméstica e
familiar, para a proteção de um homem. Para tanto será estudado o conceito de lacuna
da lei, segundo o entendimento de Norberto Bobbio; sendo exposta a definição e
requisitos da analogia, meio de integração utilizado pelo magistrado na citada decisão;
abordando os aspectos pontuais da Lei como: finalidade, contexto de sua criação,
inovações.
5
ABSTRACT
This work has for object the analysis of the decision that applied the Law Maria
of the Penha, created for the guardianship specifies of the women victims of domestic
and familiar aggression, for the protection of a man. For in such a way the concept of
gap of the law will be studied, according to agreement of Norberto Bobbio; being
displayed the definition and of requisite the analogy, way of integration used for the
cited magistrate decision; approaching the aspects prompt of the Law as purpose,
context of its creation, innovations.
Word-keys: Gap of the law - analogy - Law Maria of the Penha- application for
men.
6
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o escopo de analisar a decisão proferida pelo juiz titular
do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, Mário Roberto Kono de Oliveira,
em outubro de 2008, por meio da qual o magistrado autorizou a aplicação da Lei Maria
da Penha, por analogia, em caso de agressão doméstica contra um homem,
determinando medidas protetivas de urgência em favor do autor, entendendo estar
devidamente instruída a ação, comprovando as agressões física, psicológica e financeira
praticadas pela ré.
7
o homem é vítima de violência doméstica por parte de suas companheiras, que em
momentos de fúria agridem física, moral, financeira, e psicologicamente seus parceiros.
Para a realização de tal análise partiremos do estudo sobre lacunas da lei, sob a
perspectiva da doutrina de Norberto Bobbio, o qual se utiliza do conceito de completude
do ordenamento para definir lacuna, sendo esta a conseqüência de um ordenamento
incompleto, circunstância em que não se pode encontrar dentro do mesmo ordenamento
uma solução para todos os casos que se mostre no ambiente social, havendo eventuais
comportamentos humanos, que não estejam por ele regulados.
8
costumes, os princípios gerais do direito (art.4º, LICC), como instrumentos de
integração, não permitindo que o caso concreto, não previsto especificamente na lei,
fique sem solução jurisdicional.
9
2) LACUNAS DA LEI
2.1)Conceito de lacunas
Nosso primeiro capítulo tratará sobre o conceito de lacunas, o qual será exposto
conforme estudos do jurista italiano Noberto Bobbio, que em seu clássico livro Teoria
do Ordenamento Jurídico, ao conceituar lacunas, utiliza-se do conceito da completude
do ordenamento jurídico, no sentido de que a explicação sistêmica do Direito, sua
organização como sistema, confere-lhe dois predicados: coerência e completude,
vejamos: “por “completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento
jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma
norma se chama geralmente de “lacuna” (num dos sentidos do termo “lacuna”),
“completude” significa “falta de lacunas”. Em outras palavras um ordenamento
jurídico é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular
qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado
com uma norma tirada do sistema”1(sem grifo no original).
1
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.115
10
da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá a
analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito”(Código de Processo Civil, Lei nº5.869/1973).
11
completude, como por exemplo, o ordenamento inglês, tendo em vista que a cada nova
situação seria, então, completável.
5
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.119
6
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.120
12
pelo Estado, sentimento este chamado por Bobbio de “fetichismo da lei” 7, uma
admiração incondicional pela lei, acreditando-se que qualquer lide que se apresentasse
ao magistrado poderia ser solucionada com uma norma expressa. Derivando desse
momento a escola da exegese, a qual exprime justamente esse sentimento de supremacia
e onipotência dos códigos, segundo a qual não haveria lacunas no ordenamento, o qual é
completo.
“1) a proposição maior de cada raciocínio jurídico deve ser uma norma
jurídica;
2) essa norma deve ser sempre uma lei do Estado;
3) todas as normas devem formar no seu conjunto uma unidade”8.
7
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.121
8
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.122
9
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.122
13
Para o primeiro movimento (do fetichismo legislativo) não existem lacunas no
ordenamento, ao contrário, o movimento do Direito livre afirma que o ordenamento está
cheio de lacunas, cabendo ao magistrado, valendo-se de sua capacidade criadora,
preenchê-las, segundo Bobbio, o movimento do Direito livre motiva-se,
fundamentalmente, pelas seguintes razões:
Parece ser esse o principal motivo da existência das lacunas, a dinâmica das
relações sociais, ao passo que a sociedade evolui, novas questões, ainda que não
previstas pelo legislador, posto que impossível a previsão de todo e qualquer
comportamento humano futuro, são apresentadas ao magistrado que, por meios outros
como equidade, analogia, costume, princípios gerais do direito, deve decidir a lide.
10
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.123/124
11
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.125
14
aceitar a livre pesquisa implicaria em ferir o princípio da legalidade, dando lugar a
insegurança jurídica, sendo que a completude, segundo os positivistas, constitui
característica essencial do ordenamento jurídico. Porém para a articulação de tal critica
mostrava-se necessária, a formulação de uma argumentação satisfatória, dessa
necessidade nasceram duas teorias para a justificação da completude do ordenamento,
as quais foram analisadas por Bobbio, vejamos:
Desta forma, não haveria que se falar em lacuna do Direito, posto que o não
regulamentado é juridicamente irrelevante, ou seja, o que não está no ordenamento, não
faz parte do espaço jurídico pleno, mas sim do espaço jurídico vazio, sendo algo
indiferente ao ordenamento. Deve se observar que esta defesa, este argumento, está
presente também na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen.
Em síntese pode se afirmar que segundo esta teoria não existe lacunas porque
onde falta o ordenamento jurídico, falta o próprio Direito.13
12
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.129
13
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.132
15
Porém Bobbio faz a seguinte crítica à teoria acima exposta:
14
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.130
15
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.132
16
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.133
16
comportamento humano se enquadraria ou na norma particular inclusiva ou na norma
geral exclusiva.
O ponto fraco desta teoria, na visão de Bobbio, consiste em que, a mesma deixa
de dizer que : “num ordenamento jurídico não existe somente um conjunto de normas
particulares inclusivas e uma norma geral exclusiva que as acompanha, mas também
um terceiro tipo de norma, que é inclusiva como a primeira e geral como a segunda, e
podemos chamar de norma geral inclusiva...” trazendo como exemplo a norma que
prescreve o seguinte: “no caso de lacuna, o juiz deve recorrer às normas que regulam
casos parecidos ou matérias análogas”17.
Desta feita, fará toda a diferença em aplicar a norma geral exclusiva ou a geral
inclusiva, sendo que na primeira situação o caso será solucionado de forma oposta ao
caso com previsão (utilização do argumentum a contrario), já na segunda situação,
porém, o caso será resolvido de forma idêntica ao caso regulamentado (argumentum a
smili)18.
Para Bobbio, diante de uma lacuna, duas soluções se mostram possíveis, quais
sejam:
17
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.135
18
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.136
17
2) a consideração do caso não-regulamentado como semelhante ao regulamentado, e a
conseqüente aplicação da norma geral inclusiva”19.
19
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.136/137
20
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.137
21
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.140
18
O autor as distinguem em lacunas ideológicas (também chamadas de impróprias)
como de “iure condendo (de direito a ser estabelecido) e lacunas reais (também
chamadas de próprias) de iure condito (do direito já estabelecido)” 22, ainda podem ser
diferenciadas pela forma de eliminação, sendo que na lacuna imprópria a supressão se
dará por meio da criação de novas normas e a própria valendo-se de leis vigentes 23,
quem também se preocupou com essa distinção foi Brunetti, para o qual, segundo
Bobbio, a questão da completude ou não de algo só pode ser analisada se comparado
determinado objeto com outro, exemplificando dois casos em que se pode falar de
completude, vejamos:
1) Comparação de algo com o seu tipo ideal, ou seja, só terá sentido dizer se um
objeto é completo se comparado com um outro, o qual deveria ser perfeito;
22
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.140
23
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.144
24
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.141
19
3)o problema de ser completo ou incompleto o ordenamento legislativo,
concedido como parte de um todo: esse problema tem sentido e é o único caso em que
se pode falar de lacunas no sentido próprio da palavra” 25, porém, ainda neste caso,
estaria se referindo as lacunas ideológicas, por isso para Brunetti, a discussão acerca da
completude ou não de um sistema jurídico, mostra-se desnecessária.
Bobbio ainda faz outra distinção, agora utilizando como critério os motivos que
a provocaram, podendo ser:
2.7) Subjetivas ou objetivas: as primeiras são “aquelas que dependem de algum motivo
imputável ao legislador” enquanto que as segundas “dependem do desenvolvimento
das relações sociais, das novas invenções, de todas aquelas causas que provocam o
envelhecimento dos textos legislativos e que, portanto, são independentes da vontade do
legislador”26
25
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.142/143
26
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.144
27
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.144
20
questão, neste caso não seria correto falar em lacunas, posto que o próprio sistema
oferece meios de solução, por isso a cada circunstância completável 28. O autor ainda faz
mais uma distinção entre os tipos de lacunas, vejamos:
2.7.2) Praeter legem e intra legem: aquelas “existem quando as regras expressas, para
serem muito particulares, não compreendem todos os casos que podem ser apresentar-
se a nível dessa particularidade”, e estas “têm lugar ao contrário, quando as normas
são muitos gerais e revelam, no interior das disposições dadas, vazios ou buracos que
caberá ao intérprete preencher”29, no primeiro caso, para solucionar o problema se fará
necessário a formulação de novas regras ao lado das expressas, no segundo deverá ser
formular regras dentro das já expressas.
28
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.145
29
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.Trad. Maria Celeste C.J. Santos; ver. Téc. Claudio
de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Junior- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 10ª edição,
1999, p.145
21
se falar em lacunas ideológicas, estas derivam da comparação entre o direito como é
com o direito desejado, como ideal de justiça.
3) O INSTITUTO DA ANALOGIA
22
questão, e a segunda baseada em juízo de valor, na qual se preponderará às semelhanças
e diferenças entre o caso previsto e o não previsto legalmente, visando solucionar
juridicamente o fato.
A analogia segue o princípio lógico ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio
esse debet, ou seja, onde houver a mesma razão, deve ser aplicada a mesma disposição
legal.Assim, para que a norma prevista a um caso especifico incida em outro não-
previsto, ambos os casos deverão ter a mesma razão, estando identificados em sua
essência.
Limongi França traz o conceito dado por Ferrara, o qual estabelece ser a
analogia: “... a aplicação de um principio jurídico que a lei estabelece, para um certo fato, a um outro
não regulado mas juridicamente semelhante” 34. Afirma o autor que a analogia seria a harmônica
igualdade, proporção e paralelo entre os casos semelhantes.
31
NADER, Paulo. Intrdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed.rev. atual. -Rio de Janeiro: Forense, 2003.p.188
32
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 27ª Ed.rev. atual – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais,2008. p.431.
33
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.18ª Ed. Rio de Janeiro.- Forense,
2000.p.206
34
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. 7ª Ed.- São Paulo; Saraiva,1999. p.43.
23
A analogia, segundo Paulo Nader está fundamentada na necessidade que tem o
legislado de harmonizar e trazer coerência ao ordenamento jurídico, evitando até
eventuais contradições, excluindo a possibilidade de se dar tratamento diferenciado a
situações semelhantes, para o citado autor a analogia encontra fundamento também no
direito natural, em seus princípios basilares, os quais preconizam tratamento igualitário
para casos em que haja identidade de razões35.
Para Rizzatto Nunes a utilização da analogia não é tarefa tão simples, havendo
dificuldades na fixação do que vem a ser “caso semelhante”, questionando quais seriam
os critérios para determinação da semelhança e conseqüentemente da aplicação da
analogia.37
Alguns doutrinadores fazem uma distinção entre analogia legal (legis) e analogia
jurídica (iuris), vejamos:
aplicabilidade ao caso concreto não contemplado, mas similar ” 39, a autora ainda faz menção ao
35
NADER, Paulo. Intrdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed.rev. atual. -Rio de Janeiro: Forense, 2003.p.189
36
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito.19ª Ed.- São Paulo : Saraiva,
2008.p.460.
37
NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito.6ª Ed. ver.atual. e amp. – São Paulo:
Saraiva,2005.p.278.
38
ATIENZA, Manuel. Algunas tesis sobre analogia em El Derecho.p.223.
39
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito.19ª Ed.- São Paulo : Saraiva,
2008.p.461
24
jurista Machado Neto, para o qual toda analogia seria a iuris, sendo esta distinção
apenas didática, por não haver analogia pura das disposições legislativas, e sim
conceituação genérica de casos possíveis. Assim, a autora afirma que, na prática, o que
ocorre é a analogia jurídica.
Paulo Nader faz distinção semelhante, para o qual, no caso da analogia legal: “ o
paradigma se localiza em um determinado ato legislativo, enquanto que a analogia jurídica se configuraria
quando o paradigma fosse o próprio ordenamento jurídico” 40, porém para ele, ao contrário do que
diz Maria Helena, existe apenas a analogia legal, sendo que a aplicação da analogia
jurídica, não mais que aplicação dos princípios gerais do Direito, ainda segundo o autor,
este é um instrumento sério, devendo ser utilizado com cautela, a fim de evitar falsas
conclusões.
Para Gusmão: “ na analogia legal tomamos por base um caso similar , enquanto que na
jurídica , matéria análoga” 41
, segundo o mesmo entendimento de Nader, o autor traz a idéia
de Ferrara, no sentido de que analogia jurídica é sinônimo de princípios gerais do
Direito, conclui afirmando que: “a analogia é uma só. Não se confunde com os princípios gerais do
Direito, porque o próprio legislador os indica como distintos e porque a aplicação dos princípios
pressupõe haver norma que preveja hipótese semelhante ao caso não previsto”42.
40
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed.rev. atual. -Rio de Janeiro: Forense,
2003.p.190
41
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 40ª Ed.- Rio de Janeiro:
Forense,2008.p.241
42
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 40ª Ed.- Rio de Janeiro:
Forense,2008.p.241
25
Analogia legis: ausência de dispositivo legal, assim esse tipo de analogia apóia-
se a uma regra existente, aplicável a hipótese semelhante na essência, encontra as
soluções nos preceitos legais;
3.2) Requisitos
3.2.1)Hipótese não prevista em lei: o caso sub judice, em questão, não pode estar
previsto em norma jurídica, caso contrário estaria se diante de interpretação extensiva,
sendo que a previsão legal é o que diferencia a analogia da interpretação extensiva,
invadindo, neste caso, segundo Limiongi, o campo da equidade e da criação jurídica;
43
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.18ª Ed. Rio de Janeiro.- Forense,
2000.p.210
26
3.2.3)O elemento de identidade entre os casos deve ser fundamental, levando-se em
conta a razão da norma, a intenção do legislador ao criar a regra, assim a razão da
aplicação ao caso não previsto não pode ser diversa daquela para qual a lei foi criada,
Maximiliano fala em mesma razão de decidir.
Paulo Nader explica: “para que torne possível a aplicação da analogia, não basta que entre
os casos comparados haja muitas características semelhantes. Normalmente, quanto maior o número de
semelhanças, maior a possibilidade de aplicação. Pode ocorrer que dois casos comparados, o previsto e o
não- previsto pelo legislador, tenham quatro características idênticas e se desassemelham em apenas uma;
ainda assim a analogia não está garantida, porque a razão que determinou a norma jurídica pode estar
localizada nessa característica impar. Por outro lado, em relação ao que mantém apenas uma característica
igual, pode ser possível a aplicação da analogia, desde que a ratio legis esteja convergida para essa
característica do paradigma” 44.
Neste sentido, Maria Helena, afirma: “ meras semelhanças aparentes, afinidades formais
ou identidades relativas a pontos secundários não justificam o emprego da argumentação analógica” 45.
Conclui-se assim, que a identidade entre os casos deve ser essencial, primordial ,
sendo que a razão da aplicação da norma para o caso não previsto deve coincidir com a
do caso previsto, para o qual a norma foi criada, mesmo porque, bem como assinala
Atienza, o processo analógico, é composto, não só pela lógica, mas também por
elemento axiológico, valorativo: “en la analogia entra siempre um componente axiológico que es
impossible reducir a un sistema de lógica...” 46. Bem como todo o ordenamento jurídico, o qual é
pautado, em valores.
44
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed.rev. atual. -Rio de Janeiro: Forense,
2003.p.190
45
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito.19ª Ed.- São Paulo : Saraiva,
2008.p.461
46
ATIENZA, Manuel. Algunas tesis sobre analogia em El Derecho.p.224
27
entre os casos; ou (iii) não sendo essencial o elemento de identidade entre os casos, não
há que se falar em aplicação da analogia.
47
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.18ª Ed. Rio de Janeiro.- Forense,
2000.p.216
28
essencial e haja identidade de motivos, a solução do paradigma será aplicada ao
caso não previsto.
Na interpretação extensiva, amplia-se a significação das palavras até fazê-las
coincidir com o espírito da lei; com a analogia não ocorre esse fato, pois o aplicador
não luta contra a insuficiência de um dispositivo, mas com a ausência de
dispositivos. ”48
generalização.”50
48
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed.rev. atual. -Rio de Janeiro: Forense,
2003.p.191
49
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. 7ª Ed.- São Paulo; Saraiva,1999. p.44
50
NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito.6ª Ed. ver.atual. e amp. – São Paulo:
Saraiva,2005.p.278
29
4) DA LEI MARIA DA PENHA Nº11.340/2006
4.1) Criação
Tamanha foi a repercussão desta história, que o caso chegou até a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, a qual
solicitou informações ao Brasil, mas nunca foi atendida, diante do que condenou ao
Brasil, além do pagamento de indenização em favor da vítima, responsabilizando o país
por negligência e omissão, a adotar medidas processuais para simplificação dos
processos que envolvessem violência contra a mulher no âmbito familiar52.
4.2) Objetivos
51
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. Editora Revista dos Tribunais. São
Paulo,2008, p.13
52
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. Editora Revista dos Tribunais. São
Paulo,2008, p.13
30
A lei foi criada com objetivos específicos, como ela mesma prevê no art.1º de
coibição e prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, visa a proteção
efetiva das mulheres que vivem em uma realidade de violência no âmbito familiar, com
medidas protetivas de urgência e procedimentos judiciais favoráveis a celeridade da
condenação do agressor. A realidade enfrentada por milhares de brasileiras vitimadas
pela violência doméstica, ainda que notória, foi a muito deixada de lado, crescendo a
cada dia o número de mulheres agredidas e até assassinadas por seus próprios
companheiros. Diante de tal realidade não era possível ignorar a situação de violência,
na qual viviam e ainda vivem muitas mulheres.
Os motivos para tal violência são muitos, porém, por não ser este o tema central
do trabalho não aprofundaremos no assunto, mas é crucial dizer que a imagem de
fragilidade dada à mulher e de força dada ao homem dentro da sociedade, por motivos
culturais corroboraram muito para esse ciclo de violência.
Em sentido restrito pode se afirmar que a lei foi criada com o escopo de proteção
as mulheres que no âmbito doméstico, familiar e/ou em suas relações afetivas (art.5º,
incs I e ss.), sofrem qualquer tipo de violência baseada no gênero, tendo em vista que,
pela realidade social ainda vigorante, é no seio familiar, que as mulheres têm sido
53
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. Editora Revista dos Tribunais. São
Paulo,2008, p.27
31
vitimas de todo tipo de agressão (física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial) em
decorrência de sua peculiar condição de mulher.
32
Outro avanço relevante foi a proibição da aplicação de penas pecuniárias,
como pagamento de cestas básicas, costumeiramente realizados
anteriormente a nova lei.
A pena mínima para desse tipo de crime foi reduzida para 3 meses e a
máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de
portadoras de deficiência. Parece que neste caso a diminuição da pena
mínima foi um tanto inócua, agindo o legislador corretamente ao
aumentar a pena máxima.
33
O Juiz pode, segundo a nova Lei, fixar o limite mínimo de distância entre
o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também
proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e
testemunhas.54
54
http://www.leimariadapenha.com/group/pesquisas/forum/topics/aspectos-fundamentais-da-lei Fonte:
Observatório para Implementação da Lei Maria da Penha - NEIM/UFBA
28/01/2010
55
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. Editora Revista dos Tribunais. São
Paulo,2008, p.41
56
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. Editora Revista dos Tribunais. São
Paulo,2008, p.41
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Neste capítulo nos incumbe a tarefa de refutar, segundo os estudos realizados
neste trabalho, a sentença em análise, onde o magistrado, entendendo estar diante de
uma lacuna legislativa, aplicou, analogicamente, a Lei Maria para a proteção de um
homem, sob a fundamentação de que assim como as mulheres, ainda que em percentual
menor, os homens também são vítimas de agressão por parte de suas companheiras e
que quando se trata de norma incriminadora a lei penal não pode ser aplicada por
analogia porque fere o princípio da reserva legal, prevista no Código Penal em seu
artigo 1º: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal”.
Por outro lado, o juiz Mário Kono assinalou, citando vários doutrinadores, que
se não se pode aplicar a analogia in malam partem (contra o réu), não quer dizer que
não poderia aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de
norma incriminadora. Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio
que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um
crime57.
35
particularidade, ou seja, a aplicação da Lei pressupõe, que a violência além de ocorrer
no âmbito doméstico seja praticada contra a mulher, não prevendo o legislador, a
aplicação em caso de ser o homem a vítima. Para Bobbio neste caso a solução dada
seria a formulação de novas regras ao lado das expressas.
Assim, a defesa dos homens que porventura sofram violência por parte de suas
parceiras, deve ser disciplinada por uma norma especifica elaborada para esse fim ou
mesmo a utilização das leis infraconstitucionais já existentes (código penal para o caso
de agressão e código civil para o caso de reparação de eventuais danos), tendo em vista
que, a Lei Maria da Penha foi criada com objetivos específicos, qual seja a defesa da
mulher agredida, nos casos acima discorridos.
Assim, mesmo que a aplicação da citada lei cumpra um dos seus pressupostos,
qual seja violência em âmbito doméstico, não cumpre o segundo, que a meu ver deve
ser cumulativo e não alternativo com o primeiro, de que a violência seja direcionada à
mulher, em razão do gênero.
Desta forma, a aplicação por analogia, da Lei Maria da Penha, criada para
especial proteção da mulher, em suas relações domésticas, familiares e/ou afetivas, não
deveria ser aplicada ao caso em discussão, considerando os argumentos já expostos e
ainda a disposição do art.4º da Lei, o qual prescreve: “ Na interpretação desta Lei, serão
considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres
em situação de violência doméstica e familiar”. Grifo nosso.
6) CONCLUSÃO
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diante da mutabilidade das relações sociais torna impossível a previsão de toda e
qualquer conduta humana; (ii) analogia, um dos meios de integração utilizado no
preenchimento de eventual lacuna, consistente na aplicação de uma norma a um caso
não previsto legalmente, em razão da similitude entre ambos os casos, circunstância em
que deverão estar presentes alguns requisitos apresentados pela doutrina; (iii) lei Maria
da Penha, com os seus objetivos pontuais de criação, pode se concluir pela crítica da
decisão em análise, haja vista que a citada lei não deveria ter sido aplicada ao caso em
questão, pelos argumentos que passa a expor:
37
utilização só tende dar precedente a aplicação da lei de forma diversa da intencionada
pelo legislador, ferindo desta forma entendimentos doutrinários consolidados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito.19ª Ed.- São
Paulo : Saraiva, 2008.
NADER, Paulo. Intrdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed.rev. atual. -Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 27ª Ed.rev. atual – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2008.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 40ª Ed.- Rio de Janeiro:
Forense, 2008.
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