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Produção com custos de estocagem:

uma aplicação de cálculo de variações

Rodrigo Peñaloza
Departamento de Economia, UnB

21/12/2021

Nestas notas consideramos o problema de determinação da produção ao longo de um


horizonte de tempo para atender à encomenda de um volume dado do bem e com custos
de estocagem (inventory) do volume já produzido em cada instante.
Sabemos que qualquer quantidade em Economia é uma taxa por unidade de tempo.
Suponha que o tempo é contínuo. Particularmente, a …rma recebe a encomenda de um
volume de V > 0 unidades de produto para entrega no instante T > 0, de modo que
a produção ocorre no intervalo de tempo [0; T ]. Se denotamos q(t) como a quantidade
dq(t)
produzida até o instante t 2 [0; T ], então a quantidade é a taxa dt
= q 0 (t). A função
x2
custo é c(x) = 2
. A estocagem do volume já produzido possui custo marginal constante
> 0.
O problema da …rma é minimizar o custo total de produção ao longo do horizonte de
produção [0; T ], sendo que o custo total possui duas componentes: o custo operacional
propriamente dito e o custo de estocagem do volume já produzido. Em cada instante t,
(q 0 (t))2 , e ainda incorre em
a …rma produz a quantidade q 0 (t), cujo custo operacional é 1
2
Rt
um custo de manutenção de estoque da quantidade já produzida q(t) = 0 q 0 ( )d dado
por q(t). Portanto: 8
< min RT
0
[ 21 (q 0 (t))2 + q(t)]dt
: s.a q(0) = 0 e q(T ) = V

1
Claramente temos um problema elementar de cálculo de variações.
De…na f (t; q; q 0 ) = 1
2
(q 0 )2 + q. Então @f
@q
= , @f
@q 0
= q0 e d
dt
@f
@q 0
= q 00 . A condição
@f d @f
de primeira ordem é dada pela equação de Euler-Lagrange, @q
= dt @q 0
, de forma que
q 00 = . A solução geral dessa equação diferencial é q(t) = 2
t2 + C1 t + C2 , em que C1
e C2 são constantes de integração. Pelas condições de fronteira, q(0) = 0 e q(T ) = V ,
V
aplicadas à solução geral, encontramos C2 = 0 e 2 T 2 + C1 T = V , de onde C1 = T 2
T.
Logo:
V
q(t) = T t+ t2
T 2 2
A produção acumulada ao longo do tempo evolui linearmente, ou seja, a uma taxa de
produção constante, mas a isso se acresce um termo quadrático derivado dos custos de
estocagem. A taxa de produção é:

V
q 0 (t) = T + t
T 2

isto é, ela é constante (em razão da estrutura de custo operacional), mas possui um
elemento linear, t, no tempo. Esse termo linear aditivo corresponde ao custo marginal
de estocagem dividido pelo tempo.
A matriz hesseana de f (t; q; q 0 ) relativamente a q e q 0 é:
2 3
0 0
Hq;q0 = 4 5
0 1

que é semide…nida positiva. Portanto a solução é de mínimo fraco.


Como q 0 (t) deve satisfazer q 0 (t) > 0, devemos ter V
T 2
T + t > 0; ou seja, t >
1 V
T 2
T . Como t 2 [0; T ], então 0 6 1 V
T 2
T 6 T , que equivale a duas
condições simultâneas. Primeiramente, 0 6 1 V
T 2
T , de onde V
T 2
T 6 0, ou
seja, V 6 2
T 2 . Por outro lado, 1 V
T 2
T 6 T , de onde V
T
+ 21 T 6 T , isto é,
V 6 2
T 2 ou, ainda, V > 2
T 2 . Esta última desigualdade é inócua, pois é sempre
verdade. Em suma, devemos ter V 6 2
T 2 . Dado um horizonte de planejamento T , o
volume encomendado V não pode ser muito grande: V 6 2 T 2 . Alternativamente, dado
um volume de produção V , o horizonte de tempo tem que ser su…cientemente grande para
q
atender à encomenda: T > 2V .

2
Se não existe custo de estocagem, isto é, se = 0, então a solução é:

V
q o (t) = t
T

É interessante observar como se comporta o custo marginal operacional como função dos
parâmetros T e V . Ora, se CM g(V; T ) denota o custo marginal como função de T e V ,
@CM g(V;T ) @CM g(V;T )
então @V
>0e @T
< 0. Isso é compatível com a teoria generalizada de custos
de Armen Alchian, que considera o custo não apenas como função da quantidade (ou da
taxa de produção), mas também como função do volume programado e do horizonte de
produção. Fruto de seu trabalho na RAND Corporation em Santa Monica, CA, o insight
de Alchian culminou no artigo “Reliability of progress curves in airframe production”,
publicado na Econometrica, 81 (1963): 679-693). Como reportou Kenneth Arrow numa
entrevista publicada em ISNIE Newsletter (Fall 2001, p. 6): “I was very early impressed
by Armen’s careful and yet imaginative analysis of progress curves in explaining the costs
of airplanes. You all know what progress curves are, don’t you? That is, as you keep
producing something, the costs go down”.1 Os sinais das derivadas acima não dependem
da hipótese de custo de estocagem nulo.
Considere agora o caso geral:
8 RT
< min [c (q 0 (t)) + q(t)]dt
0
: s.a q(0) = 0 e q(T ) = V

em que c(x) é uma função custo com as propriedades usuais: c0 ; c00 > 0: Como, neste caso,
@f @f d @f
f (t; q; q 0 ) = c (q 0 ) + q, então @q
= , @q 0
= c0 (q 0 ) e dt @q 0
= c00 (q 0 )q 00 . A equação de
Euler-Lagrange é, assim:
= c0 (q 0 )q 00

em que c0 ( ) é o custo marginal operacional. Entretanto, é mais útil considerar a expressão


d @f @f @f
da equação de Euler-Lagrange em sua forma inicial: dt @q 0
= @q
com @q
= . Isso
d @f @f
implica que dt @q 0
= , isto é, como função do tempo, a derivada parcial @q 0
é linear.
@f
Mais precisamente, @q 0
= t + C1 , em que C1 é uma constante de integração. Logo,
1
A teoria elucida também o absurdo de ideias como a da sociedade do custo marginal zero, uma ideia
que ostenta o patente desconhecimento dos conceitos mais elementares da teoria econômica.

3
c0 (q 0 (t)) = t + C1 . Como c00 > 0, então, pelo teorema da função inversa, existe a inversa
1
(x) = (c0 ) (x). Assim, q 0 (t) = ( t + C1 ). Também pelo teorema da função inversa,
0
sabemos que (x) > 0. Finalmente:
Z t
q(t) = ( + C1 )d + C2
0

em que C2 é outra constante de integração.


RT
De q(0) = 0 temos C2 = 0. De q(T ) = V temos 0
( +C1 )d = V . Seja C1 ( ; T; V )
a solução para a constante C1 , que sabemos existir porque, sendo 0 ( ) > 0, a integral
Rt
0
( + C1 )d , considerada como função do parâmetro C1 , é estritamente crescente.
Então a solução é: Z t
q (t) = ( + C1 ( ; T; V ))d
0

ou ainda: Z t
1
q (t) = (c0 ) ( + C1 ( ; T; V ))d
0

Suponha, em particular, que c(x) = 21 x2 , que é a função custo inicialmente postulada.


Então c0 (x) = x, que é a função identidade, de forma que a inversa é (x) = x. Assim,
RT
( t + C1 ) = t + C1 . Portanto, a condição de fronteira terminal 0 ( + C1 )d = V
implica:
Z T
V = ( + C1 )d
0
Z T Z T
= d + C1 d
0 0

= T 2 + C1 T
2
T2 V T
Da equação V = 2
+ C1 T temos C1 ( ; T; V ) = T 2
: Assim:
Z t
q (t) = ( + C1 ( ; T; V ))d
0
Z t
V T
= ( + )d
0 T 2
V T
= t2 + t
2 T 2

a mesma solução já encontrada.

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