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Depreciação como um preço-sombra

(Notas de aula, Microeconomia, UnB)

Rodrigo Peñaloza, UnB

01/01/2022

Seja pt o preço do produto qt no período t, Qt a capacidade dos ativos adquiridos


em t. Seja ainda c(q0 ; q1 ; :::; qT ) o custo operacional total pelo horizonte de tempo desde
o período inicial t = 0 até o período …nal t = T . Seja g(Q0 ; Q1 ; :::; QT ) o custo total
de manutenção das capacidades máximas dos ativos adquiridos pelo mesmo horizonte de
tempo.
Se C(q) é o custo operacional instantâneo, então podemos supor, para simpli…car,
que c(q0 ; q1 ; :::; qT ) = C(q0 ) + C(q1 ) + + C(qT ). Mais rigorosamente, podemos supor
T
que c(q0 ; q1 ; :::; qT ) = C(q0 ) + C(q1 ) + + C(qT ), em que 2 (0; 1) é um fator
de desconto intertemporal. Neste caso, o preço pt do produto no período t pode ser
interpretado como o valor presente do preço nominal Pt antecipado do período t, ou seja,
t @c
pt = Pt e, similarmente, o custo marginal operacional @qt
pode ser interpretado como o
@c t @C
valor presente do custo marginal operacional, isto é, @qt
= @q
avaliado em qt . Qualquer
que seja o caso, o problema de maximização de lucro, em sua formulação geral, é:
8 PT
>
> max
>
> t=0 pt qt c(q0 ; q1 ; :::; qT ) g(Q0 ; Q1 ; :::; QT )
>
>
>
> s:a q0 6 Q0
>
>
>
>
< q1 6 Q0 + Q1
> ..
>
> .
>
>
>
>
>
> qT 6 Q0 + Q1 + + QT
>
>
>
: qt ; QT > 0, t = 0; 1; :::; T

1
Seja dt o multiplicador de Lagrange da restrição qt 6 Q0 +Q1 + +Qt . O lagrangeano
é:
X
T
L = p t qt c(q0 ; q1 ; :::; qT ) g(Q0 ; Q1 ; :::; QT )
t=0
d0 (q0 Q0 ) d1 (q1 Q0 Q1 ) dT (qT Q0 Q1 QT )

@L @c
Se, na solução, qt > 0, então @qt
= 0, de onde pt @qt
dt = 0, de modo que:
@c
pt = + dt
@qt
No período t, caso a capacidade seja atingida, o preço é igual ao custo marginal
operacional mais uma componente que pode ser interpretada como a depreciação por
unidade de produto comercializada no período.
As condições de Karush-Kuhn-Tucker requerem que dt (qt Q0 Q1 Qt t) =
0. No período t, se o produto não atinge a capacidade, isto é, se qt < Q0 +Q1 + +Qt + t ,
então dt = 0, ou seja, a carga de depreciação é zero.
@L @g
É razoável supor que Q0 > 0. Assim, @Q0
= 0, isto é, @Q0
+ d0 + d1 + + dT = 0:
Portanto:
@g
d0 + d1 + + dT =
@Q0
Isso signi…ca que a soma das cargas de depreciação por unidade de produto e, portanto,
por unidade de capacidade, ao longo do tempo de vida de Q0 , que é o ativo adquirido no
período t = 0, deve igualar o custo marginal de uma unidade de capacidade, ou seja, o
@L
preço-sombra da capacidade no período inicial. Em geral, se Qt > 0, então @Qt
= 0, de
@g @g
onde @Qt
+ dt + dt+1 + + dT = 0, isto é, dt + dt+1 + + dT = @Qt
. Vale a regra,
portanto, mutatis mutandis: em qualquer período, a depreciação total a partir de t deve
cobrir o custo marginal de uma unidade de capacidade naquele período.
Em suma, podemos derivar as seguintes regras. Primeiro, durante os períodos de
capacidade ociosa do ativo, o preço deve cobrir apenas o custo marginal operacional,
sem quaisquer contribuições para a depreciação. Segundo, nos períodos em que o ativo é
utilizado ao máximo, o preço deve cobrir o custo marginal operacional mais uma carga
de depreciação. Por …m, a depreciação total deve cobrir o custo marginal da unidade de
capacidade do ativo instalado no período inicial.

2
Claramente, a carga de depreciação é o preço-sombra da capacidade do ativo. Como
bem esclarece William Baumol (1971, “Optimal depreciation policy: pricing the prod-
ucts of durable assets”, Bell Journal of Economics, 2: 638-656, p. 643), é útil pensar
no problema da depreciação como um problema de peak-load pricing intertemporal. As-
sim, a interpretação econômica da carga de depreciação é análoga à que …zemos no caso
do preço-sombra da capacidade limitada. A carga de depreciação é a valoração que o
consumidor supramarginal atribui à unidade do ativo subtraída do custo marginal op-
eracional de produção da unidade marginal. Em outras palavras, é o quanto a …rma
sacri…caria, no período, para incrementar a capacidade do ativo o su…ciente para atender
à unidade demandada do consumidor supramarginal. De modo a excluir esse consumidor
supramarginal (porque é ótimo fazê-lo), a …rma deve incluir a carga de depreciação no
preço cobrado do consumidor marginal o su…ciente para …car indiferente entre os dois. No
modelo em que as unidades variam continuamente, esse mínimo requerido é exatamente
a disposição a pagar do consumidor marginal, isto é, o preço pt . Entretanto, sabemos
que o preço pode incluir também outras quase-rendas (designadas por t) e rendas puras
(designadas por t ):
@c
pt = + dt + t + t
@qt
Quando compramos um veículo num período para revendê-lo no seguinte, então temos
a mesma unidade, de forma que, ceteris paribus, o custo marginal é o mesmo. Assim,
pt pt+1 = dt dt+1 , ou seja, a diferença de preços livres de mercado entre períodos
consecutivos é uma boa medida da taxa de depreciação = dt dt+1 entre os perídos.
Pequenas mudanças podem surgir se o custo marginal futuro da unidade diferir do custo
marginal corrente da mesma unidade. Essa diferença pode ser ocasionada pelo apareci-
mento de um ativo alternativo substituto e que torne o ativo inicial obsoleto, isto é, pelo
qual se esteja disposto a sacri…car menos de outros ativos em troca da unidade do ativo
@c @c
dado: @qt
> @qt+1
: Neste caso, se pt pt+1 = pt > 0 é a magnitude da queda de preço
@c @c
entre dois períodos, então pt = @qt @qt+1
+ . Eis a razão porque a obsolescência
@c @c
é a perda de valor adicional à depreciação. Denote a obsolescência por = @qt @qt+1
.
A obsolescência pode ser encarada com um efeito de segunda ordem no padrão de com-

3
portamento dos preços de mercado do ativo ao longo do tempo. Ela mensura a variação
@2c
de sacrifício que o agente está usualmente disposto a incorrer. Marginalmente, = @qt2
.
Seja como for, pt = + .
No caso em que a …rma possui poder de mercado, como no monopólio, então o preço
@c
pt na equação pt = @qt
+ dt deve ser substituído pela receita marginal, isto é:

1 @c
pt (1 )= + dt
t @qt
1
em que t é a elasticidade-preço da demanda no perído t. O termo pm
t = pt (1 )
t

é o preço de monopólio. Observe que, embora isso afete o preço relativamente ao que
seria cobrado sob competição, se a elasticidade-preço da demanda é constante, ao menos
no curto-prazo (digamos, períodos consecutivos), então os preços relativos permanecem
pm
t+1 pt+1
inalterados, porquanto pm
= pt
.
t

Comparando o problema da depreciação com o do recurso exaurível, vê-se que um é


o reverso do outro. Quando um recurso exaurível se esgota, deve-se adicionar ao custo
marginal operacional o preço-sombra do recurso exaurível residual no período. Se o re-
curso, porém, deve ser reposto devido ao desgaste causado por sua utilização, deve-se
adicionar ao custo marginal operacional o preço-sombra do sacrifício incorrido para essa
reposição, que é justamente a carga de depreciação. Novamente veri…ca-se o princípio da
decomposição do preço em uma soma de preços-sombra (e rendas puras). Na formação
dos preços, os preços de mercado re‡etem todos os sacrifícios marginais incorrido ao longo
da cadeia de produção até chegar ao consumo …nal, aquilo que Menger denominava de
bem de última ordem.
Vejamos agora o caso linear. Seja p = (p0 ; p1 ; :::; pT ) o vetor de preços, q = (q0 ; q1 ; :::; qT )
o vetor de quantidades e = (Q0 ; Q1 ; :::; QT ) o vetor de capacidades. Por simplicidade,
suponha que o custo marginal operacional é constante igual a c > 0 e denote o vetor de
custos marginais operacionais por c = (c; c; :::; c) 2 RT +1 . Então, c(q) = c0 q. De…na
g( ) = b0 . Então a função-objetivo é = p0 q c0 q b0 , isto é, = (p c)0 q b0 .

4
As restrições primais podem ser escritas como:
8
>
> q0 Q0 6 0
>
>
>
>
< q Q Q 60
1 0 1
> ..
>
> .
>
>
>
: q
T Q0 Q1 QT 6 0

além da condição de não-negatividade. Note que as restrições, em termos matriciais, são


descritas pelo sistema:
2 3
q0
6 7
6 7
6 q1 7
2 36 7 2 3
6 .. 7
1 0 0 1 0 0 6 . 7 0
6 76 7 6 7
6 76 7 6 7
6 0 1 0 1 1 0 76 qT 7 6 0 7
6 76 756 7
6 .. .. . . .. .. .. .. .. 76 7 6 .. 7
6 . . . . . . . . 76 Q0 7 6 . 7
4 56 7 4 5
6 7
0 0 1 1 1 1 6 Q1 7 0
6 7
6 .. 7
6 . 7
4 5
QT

Seja I a matriz identidade de ordem T +1 e U a matriz triangular inferior (T +1) (T +1):


2 3
1 0 0
6 7
6 7
6 1 1 0 7
6
U=6 . . . 7
. . . .. 7
6 . . . . 7
4 5
1 1 1

O problema de maximização de lucro é:


8
>
> max (p c)0 q b0
>
> 2 3
>
>
< h i q
s:a I U 4 550
>
>
>
>
>
>
: (q; ) = (0; 0)

em que 0 2 RT +1 é o vetor-nulo. Denote por d = (d0 ; d1 ; :::; dT ) o vetor de multiplicadores

5
de Lagrange. Então aprogramação dual é:
8
>
> min 00 d
>
> 2 3 2 3
>
>
< I p c
s:a 4 5d = 4 5
>
> U 0
b
>
>
>
>
: d=0

Pelo Teorema Fundamental da Programação Linear, sob condições bem razoáveis, o


valor primal é igual ao valor dual, de modo que o lucro ótimo é zero: = 0. O que nos
interessa são as restrições duais, pois lá é que reside a economia do problema. Ora, o
conjunto factível dual diz que: 8
>
> d=p c
>
<
U0 d = b
>
>
>
: d=0
ou ainda: 8
>
> d=p c
>
<
U0 d 5 b
>
>
>
: d=0

Como o dual é uma minimização, cada dt deve atingir seu menor valor possível. Se
a restrição do período t é ativa, então dt = pt c, isto é, pt = c + dt . Por outro lado,
U0 d 5 b signi…ca que:
2 32 3 2 3
1 1 1 d0 b0
6 76 7 6 7
6 76 7 6 7
6 0 1 1 76 d1 7 6 b1 7
6 76 756 7
6 .. .. . . .. 76 .. 7 6 .. 7
6 . . . . 76 . 7 6 . 7
4 54 5 4 5
0 0 1 dT bT

ou seja, d0 + d1 + + dT 6 b0 . Isso implica p0 + p1 + + pT 6 b0 + (T + 1)c. O lado


esquerdo é a receita total, no horizonte de tempo, de uma unidade por período; o lado
esquerdo é o custo operacional total de uma unidade por período ao longo do horizonte
de tempo mais o custo marginal de capacidade b0 > 0 do ativo no período inicial. Se
em cada período as restrições são ativas, então, dado que o lucro ótimo é zero, temos
d0 + d1 + + dT = b0 . As interpretações são as mesmas de antes.

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