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– LEVEL DESIGN –

[PARTE 2 – criando fase]

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Maurício B. Gehling

mbg3dmind@gmail.com
– LEVEL DESIGN –
CRIANDO A FASE:
• Para construir, precisa ter o planejamento básico feito. Alguns formatos:
• Desenho em papel quadriculado;
• Prototipagem rápida em software 3D;
• Outra forma qualquer. (ex: foram usados peças LEGO para ajudar na
criação das fases do Metal Gear original)
• Primeira etapa: monte o “nível de caixas” (blockmesh ou blockout), com
formas básicas e sem textura. Deve cuidar a escala (importante colocar um
objeto de referência do tamanho do jogador). Ande pelo nível para ver quanto
tempo leva até o fim (está curto ou longo?), crie o gameplay e seu ritmo. Faça
testes com outras pessoas para encontrar áreas confusas e problemas.
Ajuste tudo enquanto é fácil fazer grandes mudanças (ex: faça testes como
cortar uma seção inteira e costurar o que sobra, e veja se fica melhor).
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– LEVEL DESIGN –

<= Blockmesh
(level designer)

Fase com textura


sem refinamento =>
(environment artist)
– LEVEL DESIGN –

<= Pintura sobre


screenshot: sugestões
detalhes, cores...
(concept artist)

Versão final =>


(environment artist)
Etapas:
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1.Protótipo (block mesh)
(+testando gameplay)
2.Arte ambiente
3.Luz, ajustes materiais
4.Polimento, som

Blockmesh criado
dentro da engine:
*Unity – ProBuilder
*Unreal – BSP brush
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CRIANDO A FASE:
• Como parâmetro do tamanho da fase, considere que caminhar do início ao
fim do nível (sem perigos e combates), é aproximadamente a metade do que
levará no jogo final.
• Procure alterar a emoção do jogador (pacing), podendo ir do mistério para
medo, pânico, espanto, alívio, e retornar, usando somente geometria, sons,
enfim, ambientação (de acordo com a história que quer contar, obviamente).
• Divida o gameplay entre grandes momentos e pequenos momentos. Alterne
entre eles para não cansar (pacing). Lembre de Shadow Of The Colossus.

• Crie um playground, um nível de caixa que não será usado no jogo final. É
um campo de testes separado para mecânicas e perigos. Tudo deve ser
testado e ajustado no playground até que funcione bem; só então use no
nível. Algumas coisas para testar no playground:
• Construa caixas de várias elevações e ângulos para testar se a
escala do jogador está funcionando bem com os elementos do
mundo, testando saltos, caminhada, corrida, saltos duplos e de
parede, demais mecânicas. Coloque alavancas, carros, etc.
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CRIANDO A FASE:
• A irmã do playground é a arena de combate, usada para testar sistemas de
combate, cobertura e inimigos. Permite criar rapidamente combinações de
inimigos para gerar as melhores experiências de combate.
• Se for criar um nível de treinamento (tutorial), deixe por último, assim o
designer aprende quais as lições de gameplay precisam ser passadas, e no
final da produção a equipe de arte terá mais experiência para criar o melhor
visual possível (gerando boa primeira impressão no jogador). Nota: pode ser
necessário ter um protótipo de tutorial antes para playtest.

PACING E COMO ENSINAR O JOGADOR:

• Procure criar situações interessantes, com um bom ritmo de fase (variação


entre tipos de desafios, etc).
• Misture mecânicas, inimigos, puzzles, para criar uma boa experiência de jogo.
• O ideal é ir passo a passo, treinando o jogador aos poucos, enquanto cria
variação. Exemplo:
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1. Comece com desafios simples de movimento: caminhar, pular, coletar itens...


2. Adicione uma mecânica. Repita esta mecânica algumas vezes, assim o
jogador entenderá como ela funciona.
3. Adicione uma segunda mecânica e deixe o jogador aprender esta também.
Então combine a primeira com a segunda.
4. Coloque outros perigos. Deixe o jogador repetir algumas ações (como coletar
itens, interagir com mecânicas....) mas agora misturado com o perigo.
5. Então inimigos. Dê uma chance de aprender como lutar com eles.
6. Combine os inimigos com os demais perigos.
7. Assim que o jogador se acostumou com tudo, pode fazer algo aparecer de
repente para testar seus reflexos (variar ritmo). E por ai vai.
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Procure complementar perigos com inimigos, misturando de diversas formas,


para criar situações interessantes. Exemplos:

•Jogador deve pular um buraco perigoso com inimigo do outro lado. Dê uma
margem para conseguir pular. Para ficar mais intenso, coloque elementos de
timing: buraco abre e fecha, fogo que cresce, etc.

•Inimigo atira através de um perigo móvel. O jogador poderia usar o bloqueio


para se aproximar ou atirar nele na hora certa.
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• Lâmina de serra girando no meio da sala: o jogador morre se colidir com ela,
aumentando o desafio de lutar com vários inimigos ao mesmo tempo (precisa
alternar entre lutar e evitar o perigo). Mas também pode usar esta situação a
seu favor... Dê oportunidades de aplicar armadilhas contra os inimigos.

Buraco com fogo, obstáculo que se move, lâmina giratória: existem muitas outras
combinações que podem ser feitas só com essas 3 mecânicas. Estes exemplos
mostram que são necessárias poucas mecânicas e inimigos para criar uma rica
experiência de jogo.

Nota: Os jogadores podem ficar entediados se as mecânicas forem repetidas


demais, então pense com cuidado onde são usadas, além da sua frequência.
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• CONVEYANCE (significa condução, transmissão)

A forma que o jogo ensina ao jogador como jogar (desde controles básicos até
mecânicas mais complexas).
O melhor é ensinar através do próprio gameplay (pelo level design), ao invés de
utilizar tutoriais “explícitos” ou outras formas de “manuais de instrução”. O jogo
não diz como jogar nos mínimos detalhes, você descobre as regras do mundo
simplesmente vivendo nele e fazendo ações.

Veja os jogos clássicos do Mario e você perceberá que criar um jogo é como
contar uma piada: se precisa explicar, provavelmente já estragou tudo...

Jogos dependem fortemente da interação do jogador, ou seja, o jogador precisa


contribuir com algo seu para a experiência. Ele precisa ter alguma instrução,
orientação, mas deve lidar sozinho com as situações que o jogo cria.

Ninguém quer só seguir ordens, com janelas de texto dizendo o que fazer, como
fazer, quando fazer. Isso tira o prazer da descoberta, experimentação.
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• CONVEYANCE
Mas claro que às vezes algum tipo de tutorial básico é necessário. A questão é
como conseguir minimizar textos e conseguir ensinar de forma mais “orgânica”.

Podemos ter várias categorias de conveyance:


• Ruim: o jogo dá pouca ou nenhuma orientação. O jogador fica perdido.
• Básica: o jogo diz tudo que deve ser feito. (o mais comum hoje em dia...)
• Boa: o jogo mostra como jogar através do gameplay. Ele mostra, não diz.

Exemplo: Super Mario Bros (1985)


O jogo precisa ensinar muitas coisas: pode quebrar blocos com a cabeça, blocos
com “?” soltam itens ou moedas, mata inimigos pulando na cabeça deles, o
cogumelo faz Mario crescer, pode entrar em canos, etc.

Tudo isso sem usar uma janela de texto (desta forma até uma criança que ainda
não aprendeu a ler poderia jogar...)
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• CONVEYANCE - Super Mario Bros (1985)
No início o jogador só sabe pular (único botão que funciona no controle). Quando
vê o primeiro inimigo tentará pular por cima dele. Porém há um bloco com “?”
posicionado onde provavelmente Mario baterá com a cabeça ao pular...

Lição ensinada: pode quebrar blocos com a cabeça e “?” dão itens...
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• CONVEYANCE - Super Mario Bros (1985)
Ao quebrar um bloco “?” o cogumelo é liberado - é um item e não um inimigo
(apesar de ser parecido). Para ter certeza que o jogador irá pegá-lo, a fase foi
feita de forma que o cogumelo bate no cano verde e vem ao encontro de Mario.
Se pular tentando desviar, baterá com a cabeça nos blocos, impedindo que perca
o item.

Lição ensinada: cogumelos são coisas boas!


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• CONVEYANCE - Super Mario Bros (1985)
Logo após, uma sequência de canos com altura crescente. Assim o jogador
aprende que pode pular mais alto se pressionar o botão por mais tempo. E os
inimigos entre os canos permitem que o jogador caia sobre eles, percebendo que
esta é a forma de ataque.

Lição ensinada: é possível pular mais alto que o normal e cair na cabeça dos
inimigos acaba com eles!
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• CONVEYANCE - Super Mario Bros (1985)
No início da segunda fase há uma curta cutscene mostrando Mario entrando no
cano (toda fase 1-2 é subterrânea).

Lição ensinada: é possível entrar em alguns canos e acessar áreas secretas!


Inclusive voltando na primeira fase, dá para descer em um dos canos.

Todos mapas do jogo: http://ian-albert.com/games/super_mario_bros_maps/


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• CONVEYANCE – Bastion (2011)

Em Bastion, o narrador ajuda a ensinar muitas coisas para o jogador, além de


atraí-lo para certas partes do cenário, de forma não intrusiva.

Ex: Quando surge a primeira fonte de saúde, o narrador diz “O menino estava
com sede”, atraindo para a fonte onde aprende que pode recuperar vida.

Ex: Quando encontra o arco o narrador diz que “O menino sabia que precisava
puxar com toda força para ter o melhor tiro”, indicando que o arco pode ser
usado com vários níveis de força.

E o jogo treina com um bom ritmo: quando encontra a primeira arma, está em
uma área sem inimigos mas com vários objetos quebráveis, deixando o jogador
se acostumar com seu uso. Só depois vem o inimigo. O processo se repete com
novas armas...
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• CONVEYANCE – Alien Escape (2019)

O personagem precisa chegar na saída, mas não pula, somente gira o cenário.
Os objetos são afetados pela troca de direção da gravidade.

Educando o jogador: se só girar o cenário, vai morrer.


Importante mover o personagem também,
e a área com grama conduz o jogador.
(chama atenção)
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• CONVEYANCE – Alien Escape (2019)
• CONVEYANCE – Alien Escape (2019)
Ensinando novas mecânicas: com nova fase para jogador entender como funciona.

• Caixa de madeira: canto sem saída, ao girar caixa esmaga personagem.

Então gira para outro lado, mas agora os


espinhos estão na sua frente...

Então gira de volta, e percebe que o


personagem fica no topo da caixa...
O jogador aprendeu a desviar de caixas e usar
a seu favor.
• CONVEYANCE – Alien Escape (2019)
Ensinando novas mecânicas: com nova fase para jogador entender como funciona.

• Fogo: fase inicial deixa claro que o bloco bloqueia o fogo.

Sem esta fase o jogador teria mais dificuldade em encontrar a solução da fase
seguinte, onde o fogo deve ser bloqueado com uma caixa de metal.
Dica de design: fases mais complexas foram criadas começando de trás para
frente: começa pelo movimento final (solução) que o jogador deve fazer, e depois
pensando em como esta situação poderia ser atingida.

• Ex: caixa de madeira flutua sendo usada como elevador.

Pra isso é só girar deste ponto...

E então ver quais outras rotações serão


necessárias até chegar no ponto de início.
Dica de design – formato das fases: ao invés de quadrados simples, tente criar
formas mais interessantes, que também podem ajudar em guiar o jogador na
direção certa.
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O Kishōtenketsu de Koichi Hayashida

Hayashida trabalhou em vários jogos da série Mario, e é codiretor de Super


Mario 3D World (WiiU).

Ele desenvolveu uma filosofia de level design, que permite apresentar ao


jogador novas mecânicas em 4 partes. Em poucos minutos uma mecânica pode
ser ensinada com sucesso, desenvolvida, revirada e descartada (talvez
reutilizada no futuro).

É baseado em uma estrutura narrativa usada em poemas chineses de 4 linhas e


gibis japoneses de 4 quadros , conhecida como “Kishōtenketsu”.

Cada história introduz um conceito, o desenvolve, joga uma reviravolta e então


oferece uma conclusão.
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O Kishōtenketsu de Koichi Hayashida

Como essa estrutura funciona em um jogo?

• Ensinando 1 - Introduz uma nova mecânica em um ambiente seguro (não há


como morrer, pode experimentar a vontade até aprender como funciona).

• Ensinando 2 - Tira a “rede de segurança” (para provar que realmente


aprendeu a dominar a mecânica).

• Desenvolvendo - Usa novamente a mecânica de uma forma mais


desenvolvida (deixa ela amadurecer).

• Reviravolta - Mistura essa mecânica com outra (ou modifica), obrigando o


jogador a pensar sob a nova perspectiva, alterando a experiência (+ desafio).

• Conclusão – Uma última demonstração de habilidade fechando a fase usando


a mecânica.
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Ex: estágio “Cakewalk Flip” de SM3DWorld: introduz e depois modifica
mecânicas simples em quatro passos distintos dentro de uma única fase.

• No início, apresenta plataformas que viram. Estão em um local seguro – pode


cair sem perder uma vida. (ensinando 1)
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Ex: estágio “Cakewalk Flip” de SM3DWorld:

• Então para confirmar o aprendizado e adicionar um pouco de desafio, remove


a “rede de segurança”. (ensinando 2)
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Ex: estágio “Cakewalk Flip” de SM3DWorld:

• Em seguida uma escalada com várias destas plataformas giratórias.


(desenvolvendo, amadurecendo a mecânica)
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Ex: estágio “Cakewalk Flip” de SM3DWorld:

• Então a mudança: adicionando ondas de choque que precisam ser desviadas.


(reviravolta)
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Ex: estágio “Cakewalk Flip” de SM3DWorld:

• E por fim, pegando a bandeira no mastro demonstrando a habilidade com a


mecânica. (conclusão)
– LEVEL DESIGN –
Ex: estágio “Cakewalk Flip” de SM3DWorld:
E ainda colecionáveis opcionais como estrelas verdes oferecem mais reviravoltas
e desafios mais difíceis.
A conclusão do mastro de bandeira pode ser substituída por um boss. Como uma
fase que introduz bolas de futebol explosivas antes da batalha do boss que usa
esta mecânica para derrotá-lo.

E também mecânicas anteriores podem ser reintroduzidas a qualquer momento,


confiante que o jogador já sabe como usá-las.

Super Mario 3D World introduz mecânicas de forma que o jogo constantemente


ensina como solucionar diversos problemas ao sutilmente (e simultaneamente)
mudar todos esses problemas. O jogo consegue ser cheio de mecânicas sem ser
cheio de tutoriais.
(Vídeo explicando esta filosofia de design: https://www.youtube.com/watch?v=dBmIkEvEBtA)

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