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Gustavo Cardoso
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A SOCIEDADE EM REDE EM PORTUGAL
Autores: Gustavo Cardoso, António Firmino da Costa,
Cristina Palma Conceição, Maria do Carmo Gomes
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Gustavo Cardoso
António Firmino da Costa
Cristina Palma Conceição
Maria do Carmo Gomes
A SOCIEDADE EM REDE
EM PORTUGAL
Prefácio de
João Caraça
Capítulo inicial de
Manuel Castells
Apoio metodológico de
Patrícia Ávila
Colaboração de
Rita Espanha
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A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Prefácio
Trabalhar em rede, ou sem rede?
«A
nossa sociedade é também uma sociedade em rede em tran-
sição» afirmam os autores no final do texto deste importante
estudo sobre a realidade portuguesa, que a Fundação Calo-
uste Gulbenkian em boa hora apoiou.
Com a transição para um novo século, viram-se as sociedades euro-
peias igualmente enredadas numa transição cujas consequências mal po-
demos vislumbrar. Muito menos prever. Por este motivo, é fundamental
o estudo das condições, das referências e das práticas associadas a esta
transformação.
Mas o século XXI começou da pior maneira. Ou talvez tivesse que
ser assim: sem o horror e a tragédia que todos presenciámos não nos
teríamos porventura apercebido da sua entrada em cena, julgando ainda
que continuávamos sob a ordem do século passado.
De facto, o conjunto das mudanças experimentadas a todos os
níveis, do económico ao político, do social ao cultural – e a que se foi
chamando de «globalização» por uns, de «sociedade da informação» por
outros, de «novo paradigma da comunicação» por outros ainda – foi de
tal maneira poderoso que provocou uma alteração do contexto em que
se desenvolvem as actividades humanas. A esta alteração associou-se a
noção da finitude da Terra e da capacidade limitada de regeneração da
natureza. Ou seja, percebemos que somos inerentemente um sistema
complexo, isto é, um sistema cujo desempenho depende da evolução do
contexto que lhe serve de suporte – e não sabemos onde termina o nosso
sistema e começa o contexto, e vice-versa.
Naturalmente, este problema é sentido de modo particularmente
agudo na área da teoria do conhecimento e dos saberes que o consti-
tuem. Não havendo uma referência absoluta, nem uma visão divina
directora, as várias disciplinas terão que se redefinir, reinterpretando as
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noções de objecto, de vizinhança e de limites no que toca aos respectivos
domínios de aplicação.
A importância dos investimentos de natureza intangível tornou-se
tão central que impeliu, inclusivamente, a emergência de um novo regi-
me dos saberes, em rede. A nova organização afirma uma situação em
que se não aceita qualquer tipo de hierarquia entre campos cognitivos.
O regime reticular traduz de modo mais adequado a fragmentação da
ordem e a multipolaridade dos poderes que regem os tempos presentes.
Na realidade, cada época cria os seus modelos e organiza os saberes de
acordo com o contexto societal que lhes serve de suporte.
Com a emergência de novos sectores na indústria e nos serviços, ba-
seados em modernas tecnologias da informação, e com o peso crescente
do investimento imaterial ou intangível na economia (I&D, software,
educação e formação, marketing, design), tornou-se claro que a própria
natureza dos processos reguladores societais se modificou, e profunda-
mente. De facto, o processo básico comunicacional não é uma «troca»,
mas sim uma «partilha». Depois de uma «transacção de informação»,
ambas as partes detêm a informação que foi objecto da transacção, des-
de que, naturalmente, a capacidade do receptor seja adequada. O que
implica que o valor económico associado a tal transacção deva, agora, ser
equacionado de um modo totalmente diferente.
Não que as sociedades avançadas se estejam a «desmaterializar»
– muito pelo contrário: a utilização e o consumo de recursos ener-
géticos e materiais intensifica-se cada vez mais. Mas, para que essa
materialização se mantenha e amplifique num espaço muito alargado
de operação, para que continue esse império da «acção», torna-se agora
necessário que surja uma forte actividade imaterial, uma intensificação
da «comunicação», que venha criar condições de coesão institucional a
nível global para permitir o acréscimo da acumulação material. Sem este
incremento da comunicação, a materialização das sociedades avançadas
encontrar-se-ia seriamente limitada. Isto é, o paradigma do progresso é
agora reinterpretado em termos de uma nova visão do mundo, onde
impera a complexidade, ela própria indiciadora da emergência de uma
nova situação.
Uma nova situação caracterizada por palavras-chave, sistemáticas e om-
nipresentes, que importa entender. Não são palavras novas, mas todas elas
assumem, agora, um sentido novo, que as torna dignas de apreciação.
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São elas: o “global”, o “conhecimento”, a “governação” (em inglês,
governance). Estas três palavras, tão inofensivas se colocadas entre aspas,
tornam-se contudo verdadeiros instrumentos de mudança se colocadas
em oposição às três palavras que vieram substituir. Respectivamente:
“universal”, “ciência”, “governo”.
De facto, o que nos interessa perceber é a essência dos conflitos
que nos trazem as oposições: global/universal; conhecimento/ciência;
governança/governo.
É por este motivo que a época presente é uma transição. De um
mundo onde, durante mais de dois séculos, imperaram os conceitos de
universal, de ciência e de governo (do estado-nação), passámos quase
sem dar por isso ao mundo global, das economias do conhecimento e
da sua governança.
Mas não há mudanças inocentes. O global opõe-se ao universal, o
conhecimento à ciência, a governança à governação através de governos
nacionais. Para o bem, e para o mal.
Durante dois séculos gozámos o reino do universal. Possuíamos di-
reitos imutáveis, eternos, sagrados, pelo simples facto de termos nascido.
Todos «os homens [e mulheres] nascem e permanecem livres e iguais em
direitos» proclama uma das maiores conquistas da história da humani-
dade – a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789. Esses
direitos, liberdades e garantias são anteriores e superiores ao Estado; são
adquiridos, permanentes e invioláveis. Para, inclusivamente, proteger
os cidadãos dos abusos do Estado, viu este os seus poderes limitados e
divididos em executivo, legislativo e judicial. A soberania reside, desde
então, no povo.
Vejamos o que o global veio introduzir. No império do global não
há direitos adquiridos, há contratos, ou seja, há direitos negociados.
O lugar do indivíduo (do consumidor, ou do produtor) tem que ser
conquistado, a pulso, no mercado, o seu desempenho tem que ser renta-
bilizado, a sua utilidade demonstrada. Há necessidade de uma contínua
negociação, rentabilização, competição. As pessoas são dispensáveis, só
interessam como função – de consumir, ou de produzir –, isto é, tornam-
-se verdadeiramente recursos: os recursos humanos!
E até se inventou uma expressão “bonita” para denominar a necessi-
dade de reciclagem dos recursos humanos (sem a qual esses recursos não
têm valor para o mercado): a educação ao longo da vida. Quem não é
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rentável não existe, não conta para o mundo global. Pode ser eliminado,
pois não tem qualquer utilidade económica. Torna-se um peso para a
sociedade globalizada e eficiente que, no limite, o despreza.
Durante três séculos a ciência foi considerada como uma maneira
essencial de gerar uma mais correcta visão do mundo. A ciência mo-
derna chegou, inclusivamente, no auge da crença no progresso e no
positivismo, a ser considerada como o critério de verdade para o conhe-
cimento. Ou seja, todo o conhecimento verdadeiro era, ou tenderia a
ser, científico.
O sucesso da ciência foi tal que originou o desenvolvimento de po-
derosas e eficientes tecnologias que estiveram na base do crescimento
económico dos países avançados nos últimos cinquenta anos. A ciência
está na base da criação dos sectores industriais do aeroespacial, dos
computadores, das telecomunicações, das biotecnologias. Que foram
instrumentais na globalização das finanças, dos seguros, do imobiliário,
dos transportes, dos media.
Mas o êxito da globalização dos novos serviços suplantou tudo e
todos – e requereu todo um conjunto de saberes (jurídicos, organiza-
cionais, de marketing, de software, de design, de formação) – que não são
propriamente científicos ou tecnológicos. E, assim, a década de 1990 foi
invadida, nos documentos programáticos, pela palavra conhecimento
(knowledge), palavra com um novo sentido específico, que foi destronan-
do e substituindo a palavra ciência, até então reinante.
Passou-se a falar de economia do conhecimento, ou de economias
baseadas no conhecimento, de sociedade do conhecimento (ou da in-
formação), de gestão do conhecimento e mesmo da necessidade de po-
líticas do conhecimento. Ou seja, a nova palavra conhecimento e o seu
império vieram destronar a ciência, a partir de então uma mera vassala
do imperador global, fiel apenas na medida em que gera filhos rentáveis,
tecnológicos.
Igualmente, durante três séculos, o estado-nação (e o equilíbrio entre
Estados soberanos) constituiu a pedra angular da ordem estabelecida em
Vestefália, que estabilizou a Europa, e depois foi por esta exportado para
os diversos cantos do mundo. Os governos eram os seus representantes
legítimos e os responsáveis morais pela segurança e bem-estar internos e
pela condução dos negócios estrangeiros.
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Mas a realização crescente de negócios em mercados externos – a
criação de mercados globais – bem como a propaganda no sentido de
liberalizar os mercados nacionais, de os desregulamentar e de privatizar
as empresas públicas rentáveis, levaram a uma retirada progressiva dos
governos nacionais da esfera da economia. E veio privilegiar, na esfera
do político, as acções de governança, isto é, a influência política de acto-
res (económicos ou políticos) externos.
A governança é a imagem (política) da globalização (económica). O
estatuto dos governos, de garantes e responsáveis pela soberania, foi sen-
do progressivamente erodido com o espraiar da governança.
Todos estes factos mostram como o mundo, e a nossa sociedade com
ele, estão em transição. E, do mesmo modo, como se torna imprescindível
compreender o sentido profundo destas mudanças, para podermos garantir
que o caminho que percorremos é aquele que nos leva onde queremos ir.
A emergência da sociedade em rede implica a definição de novos
comportamentos consequentes.
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que, assim como os hábitos
de leitura e de referenciação se alteraram com a aproximação do século das
Luzes, é muito natural que a introdução dos media electrónicos, combi-
nando texto e imagem, vá transformando nos tempos que correm o modo
como se acedem, como se consultam, como se pesquisam os registos do
conhecimento existente. O sistema de busca electrónica da informação,
que por enquanto ainda não se encontra completamente desenvolvido e
acabado, poderá tornar-se, afinal, tão “natural” como o alfabético!
Só que vai ser preciso, nos sistemas de educação, transformá-los para
que se aprenda também eficazmente a ler e a escrever na internet. A
sociedade que o não fizer, que não acompanhar e transformar o sentido
do que é educar no século XXI, acolhendo e assumindo esta mudança,
fica irremediavelmente no século passado, envolta nos seus extremos e
nas suas angústias existenciais.
Segundo, temos que redescobrir que o bem-estar e a dignidade em
sociedade passam impreterivelmente pelo pleno exercício da cidadania,
pela afirmação do valor do outro, sem dúvida, mas também pelo seu
papel insubstituível de produtor e transmissor de conhecimento.
Não há soluções globais que não sejam colectivas, partilhadas, acei-
tes e operacionalizadas por todos. O direito à diferença não pode levar
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a que se criem diversos tipos de cidadania, do mais educado ao menos
educado, sugerindo uma nova estratificação social. O acesso de todos à
educação e à informação tem que ser uma arma da solidariedade e da
tolerância ou, de outro modo, esconde uma tentativa de regresso a um
passado de arbítrio dos poderes constituídos sobre (alguns) cidadãos: os
que são menos iguais do que os outros.
Finalmente, vamos ter que pensar um regime de serviço público, de
certificação do conhecimento disponível, para a informação. A primei-
ra Enciclopédia, mais tarde as bibliotecas públicas, mais recentemente
ainda o serviço público de radiodifusão e das televisões, foram tentativas
conseguidas, na sua época, de resguardar o espírito do interesse público
geral.
Hoje, pelas razões apontadas, urge complementar esse regime com
um equivalente dedicado à informação que circula pelos computadores
que comunicam via internet. De outro modo, veremos a identidade
cultural diluir-se no consumo, e não haverá representação do interesse
público para além do Estado (através dos governos, das autarquias e dos
tribunais). Ou seja, os cidadãos e os seus direitos serão progressivamente
fragilizados face aos novos deveres ditados pelas necessidades “informa-
cionais”.
O século XXI será o que os cidadãos fizerem dele.
Um primeiro passo é, com certeza, apercebermo-nos dos ventos que
passam. Este livro é um excelente contributo para que os possamos usar
de modo favorável.
João Caraça
DIRECTOR DO SERVIÇO DE CIÊNCIA
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
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A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Introdução
O nosso mundo, as nossas vidas
O
nosso mundo e as nossas vidas estão a experimentar uma
mudança profunda no âmbito da tecnologia, economia,
cultura, comunicação, política e da relação entre as pessoas.
A sociedade em rede, resultado dessa mudança, deixou de ser um
futuro mais ou menos distante para se transformar no presente. Mas
um presente que assume diferentes características segundo a cultura e
as particularidades de cada região. Como sugere Manuel Castells no
primeiro capítulo desta obra, a sociedade em rede é, simplesmente, a
sociedade em que estamos a entrar, desde há algum tempo, depois de
termos transitado na sociedade industrial durante mais de um século.
Da mesma forma que a sociedade industrial coexistiu durante várias
décadas com a sociedade agrária que a precedeu, a sociedade em rede
mistura-se, nas suas formas, nas suas instituições e nas suas vivências,
com os tipos de sociedade de onde ela própria emergiu. Essa é a socie-
dade em que diariamente acordamos, trabalhamos, aprendemos e cria-
mos riqueza. Onde os conflitos surgem e terminam, onde a inovação
científica nas áreas da saúde e da alimentação vive a par da doença e
da pobreza extrema. Não é uma sociedade composta por cibernautas
solitários e robôs. Nem é um admirável mundo novo, uma nova terra
prometida, onde a simples introdução das novas tecnologias resolverá
todos os problemas.
O trabalho aqui apresentado tem uma múltipla génese. Vários
estudos prévios permitiram estruturar esta análise, que sabemos ser
ambiciosa quer no âmbito, quer na sua comparabilidade com outras
realidades nacionais. O CIES (Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia) na sua linha de investigação sobre a “sociedade do conhe-
cimento e padrões de competências”, o ISCTE (Instituto Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa), nomeadamente, no quadro do
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Mestrado em “Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação”1,
mas também a participação em diversas redes de investigação europeias
COST através do Departamento de Ciências e Tecnologias de Informa-
ção do ISCTE, possibilitaram as bases necessárias para o lançamento
deste estudo. No entanto, a sua concretização só se tornou possível
porque no ano de 2002 se deu início a uma intensa colaboração com
a Universitat Oberta de Catalunya, nas pessoas de Manuel Castells e
Imma Tubella e porque a Fundação Calouste Gulbenkian apostou no
seu interesse para o conhecimento e desenvolvimento de Portugal.
O estudo desenvolvido na Catalunha, intitulado PIC (Project Inter-
net a Catalunya), sobre a sociedade catalã constitui a nossa matriz de
partida, necessariamente adaptada ao contexto nacional, para o estudo
da sociedade em rede em Portugal e para as comparações que aqui se
apresentam entre as duas sociedades ibéricas e outros países da Europa,
América do Norte e do Sul e Ásia.
Neste livro analisa-se, assim, a sociedade em rede em Portugal a partir
de um conjunto de dados estatísticos, obtidos através de um inquérito
por questionário a uma amostra de duas mil quatrocentas e cinquenta
pessoas, representativa da população portuguesa, incidindo sobre o
que fazem hoje os portugueses, em que trabalham, como vivem, com quem se
relacionam, o que pensam, com quem comunicam, como participam politica-
mente, como constroem a sua identidade e a que dedicam o seu tempo. É nesse
contexto, de caracterização das práticas e valores presentes na sociedade
portuguesa, que se torna fundamental a análise dos usos da internet.
Embora não seja a sua fonte, a internet, é um elemento fundamental
para o desenvolvimento da sociedade em rede, pois constitui o meio de
comunicação através do qual se constituem as novas redes de relações
para as pessoas e as actividades. Este é pois, em grande medida, também
um estudo de compreensão do real papel do uso da internet na socieda-
de portuguesa através da observação das diferenças entre quem está conectado
e quem não está e para quê se utiliza a internet, na tentativa de entender a
sociedade em rede que se está a construir em Portugal.
1
Cujos resultados podem ser encontrados na colectânea com o mesmo nome
(Oliveira, Cardoso e Barreiros, 2004) e na investigação Ciberfaces (em http://
ciberfaces.iscte.pt).
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Portugal e a sociedade em rede
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apresentar os principais traços sociais distintivos dos cibernautas por-
tugueses e discutir alguns dos obstáculos mais decisivos à expansão do
uso da internet no nosso país, este capítulo dá ainda conta de aspectos
como a frequência do uso da internet, os locais de acesso e as actividades
desenvolvidas na rede, cruzando, sempre que pertinente, as informações
sobre tais práticas com dados de caracterização dos seus protagonistas.
O quinto capítulo centra-se na análise das relações de sociabilidade e
actividades quotidianas desenvolvidas na sociedade em rede. Identificar
e compreender as implicações do uso da internet na amplitude, densida-
de e intensidade das redes de sociabilidade dos portugueses, e perceber
se essa utilização tem impactos na sua qualidade de vida, é um dos ob-
jectivos deste capítulo. Para tal, analisam-se indicadores como os que se
referem ao volume das redes de relacionamento familiar e social (amigos
e vizinhos), ao modo como se contacta com essas pessoas e à utilização
da internet como meio de comunicação potenciador de contactos à dis-
tância. Discutem-se também algumas das questões levantadas sobre os
designados perigos potenciais associados do uso da internet, tais como, os
do isolamento social, da depressão individual e da indiferença familiar.
O sexto capítulo incide sobre as práticas comunicacionais e acesso à
informação por parte dos portugueses. O aparecimento da internet e o
seu uso acarretou, indiscutivelmente, mudanças profundas nas práticas
comunicacionais, nos meios de comunicação, nos conteúdos disponibi-
lizados, nos modos de interactividade e, ainda, nas representações que se
vão construindo sobre essas diferentes plataformas comunicativas. São
algumas dessas transformações que se analisarão ao longo do capítulo
seis procurando responder às seguintes questões. Qual o lugar que a
internet ocupa como actividade de comunicação na sociedade em rede?
Qual o seu papel no universo das práticas comunicativas em Portugal?
Que confiança se tem nos seus conteúdos comparativamente a outros
meios de comunicação? Que opiniões emergem sobre esta nova tecnolo-
gia de informação e comunicação? Que diferenças existem a este respeito
entre utilizadores e não utilizadores de internet? Afinal, quais são as prá-
ticas comunicacionais dos portugueses?
O capítulo sete incide sobre dois temas distintos mas interligados
– processos de construção de identidade e referências identitárias na so-
ciedade portuguesa e acção colectiva e práticas de cidadania. Assume-se
nas conceptualizações teóricas da sociedade em rede que estas são duas
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dimensões centrais para a análise desta nova forma de organização socie-
tal. Para além de se pretender compreender os processos de referência
identitária (principais, territoriais e históricas) e as implicações que o uso
da internet tem nestas questões, é também objectivo deste capítulo ana-
lisar as práticas e alterações ocorridas na participação social e política.
Na sociedade em rede, os modos de participação e os meios disponíveis
alteraram-se significativamente. As tecnologias de informação e comuni-
cação permitem aos cidadãos uma maior proximidade às estruturas do
poder democrático, associativo, etc., bem como uma maior facilidade de
contacto e interacção. Mas, será que em Portugal a utilização da internet
como meio de participação social e política é assim tão recorrente? Mo-
bilizar-se-ão mais os portugueses para questões políticas, cívicas, culturais
no espaço virtual do que o faziam antes do aparecimento da internet?
O trabalho e a pertença associativa tornaram-se mais apelativas? Que
práticas desenvolvem?
Numa abordagem transversal, incorporando algumas das temáticas
analisadas nos capítulos anteriores, procura-se no capítulo oito especi-
ficar a transição em curso em Portugal para uma sociedade em rede.
A leitura de um extenso conjunto de dados organizados em diferentes
dimensões posiciona-nos perante uma dimensão de transição, em que
convivem simultaneamente debilidades estruturais e potencialidades
adquiridas. A caracterização da sociedade portuguesa que se procura
realizar reflecte a transição de uma população com escassos níveis de
educação para uma sociedade onde as gerações mais novas atingiram já
competências educacionais mais aprofundadas. Ao mesmo tempo que
se depara com múltiplos processos de transição, a sociedade portuguesa
conserva uma forte coesão social sobre uma densa rede de relações so-
ciais e territoriais. É uma sociedade que “muda e se mantém coesa ao
mesmo tempo. Evolui na sua dimensão global, mas mantém o controlo
local e pessoal sobre aquilo que dá sentido à vida” (Castells, 2004b). É
nesse contexto que se produz uma transição fundamental: a transição
tecnológica expressa por meio da difusão da internet e a emergência da
sociedade em rede na estrutura e na prática social. Como detectar essas
mudanças na estrutura e na prática social? É a essa pergunta que procura
responder o capítulo oito.
Partindo da conceptualização elaborada a este respeito por Castells
(2003) na investigação análoga desenvolvida na Catalunha, bem como
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dos desenvolvimentos teóricos de Giddens (1991) e Beck (1992), entre
outros, o capítulo nove parte do princípio de que a sociedade em rede se
caracteriza, em todos os contextos culturais, por um incremento substan-
cial do nível de autonomia e reflexividade dos indivíduos e da sociedade
civil. Tal decorrerá, fundamentalmente, não tanto da evolução tecnoló-
gica em si mesma, mas, antes de mais, de processos sociais como a crise
de legitimidade das instituições políticas e do mundo dos negócios, a
afirmação da individualidade pessoal como valor chave de referência no
estabelecimento de normas sociais, e a expressão de identidades colecti-
vas a diferentes níveis. É neste sentido que, neste capítulo, se analisam
– com base nos dados recolhidos através do inquérito – práticas sociais
centrais à construção de alguns destes projectos de autonomia emergen-
tes, nos diversos âmbitos da vida social, relacionando-as, por um lado,
com o perfil social dos seus protagonistas e, por outro, com a questão
da utilização da internet. Um dos objectivos é precisamente discutir a
articulação entre o uso deste meio de comunicação e a emergência de
(novas) formas de reflexividade e autonomia.
Quando em 1969 se deram os primeiros passos na constituição da
Arpanet, o antepassado tecnológico da nossa actual internet, estava-se
longe de pensar que esta poderia vir a transformar tão radicalmente o
mundo. Iniciou-se então uma revolução tecnológica ao mesmo tempo
que importantes mudanças sociais ocorriam. Esta combinação teve, sem
dúvida, implicações sociológicas vastíssimas. A configuração da sociedade
em rede, tal como Manuel Castells a tem vindo a propor e a analisar, é
uma delas.
Por agora, este livro procura dar a conhecer a situação de Portugal
relativamente a este processo. Certamente que para muitos a sociedade
aqui analisada parecer-lhes-á familiar, pois é esta a sociedade em rede em
que vivemos.
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A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 1
A sociedade em rede
Manuel Castells
A
sociedade em rede é a sociedade em que nós vivemos. Não é
uma sociedade composta por cibernautas solitários e robôs em
telecomunicação. Nem sequer é a terra prometida das novas
tecnologias que resolvem os problemas do mundo com a sua magia. É,
simplesmente, a sociedade em que estamos a entrar, desde há algum
tempo, depois de termos transitado na sociedade industrial durante
mais de um século. Mas, da mesma forma que a sociedade industrial
coexistiu durante várias décadas com a sociedade agrária que a precedeu,
a sociedade em rede mistura-se, nas suas formas, nas suas instituições
e nas suas vivências, com os tipos de sociedade de onde surgiu. Mais
ainda, como veremos, um traço essencial da sociedade em rede é que
se organiza globalmente e os seus níveis de desenvolvimento são muito
diferentes em cada país. Nem todas as pessoas, nem todas as actividades,
nem todos os territórios estão organizados segundo a estrutura e a lógica
da sociedade em rede. De facto, as pessoas plenamente integradas nessa
sociedade constituem uma minoria da população do planeta, como tam-
bém aconteceu durante o processo de industrialização que transformou
o mundo desde meados do século XIX. Mas toda a humanidade, esteja
onde estiver e quem quer que seja, está condicionada, nos aspectos fun-
damentais da sua existência por aquilo que acontece nas redes globais e
locais que configuram a sociedade em rede. Porque essas redes incluem
e organizam o essencial da riqueza, o conhecimento, o poder, a comuni-
cação e a tecnologia que existe no mundo. Assim, a sociedade em rede é
a estrutura social dominante do planeta, a que vai absorvendo a pouco
e pouco as outras formas de ser e de existir. Isso, em si mesmo, não é
bom nem mau: é. E as suas consequências, como no caso de outras
sociedades que existiram historicamente, dependem do que as pessoas
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fazem, incluindo nós, nessa sociedade e com os instrumentos que essa
sociedade oferece.
Mas, o que é afinal de contas, essa sociedade em rede? E em que se
diferencia das outras? E como sabemos que existe? E como nos afecta em
concreto, para além do debate académico sobre a diversidade histórica
da estrutura social? Mais do que uma definição teórica, o que precisamos
para identificar essa sociedade é uma descrição dos seus principais ele-
mentos, por contraste com a sociedade industrial.
Podemos começar por dizer que a sociedade em rede só se pode de-
senvolver a partir de um novo sistema tecnológico, o das tecnologias de
informação e de comunicação de base microelectrónica e comunicação
digitalizada (Mitchell, 2003). Não foi a tecnologia que determinou o nas-
cimento e o desenvolvimento da sociedade em rede, mas sem este tipo
de tecnologias aquela não teria existido; da mesma maneira, não foi a
electricidade que originou a sociedade industrial mas sem a electricidade
e o motor eléctrico a sociedade industrial, tal como a conhecemos, não
teria existido.
Apesar das tecnologias electrónicas de informação e comunicação te-
rem antecedentes históricos que remontam a finais do séc. XIX, pode ar-
gumentar-se que foi apenas na década de 70 que apareceu no mundo um
paradigma tecnológico dominante em torno da microelectrónica, a in-
formática, as telecomunicações e os novos materiais sintéticos (Castells,
2002, 2003a, 2003b, 2004a). Desde então esse paradigma expandiu-se
e aprofundou-se de forma extraordinária, tanto em termos de inovação
tecnológica e aplicações como na sua penetração em todos os âmbitos
da actividade humana (Mitchell, 2003). A internet é simultaneamente o
instrumento chave e o símbolo deste novo sistema tecnológico, tal como
o foi o motor eléctrico na difusão da capacidade energética da electrici-
dade. A internet é, simplesmente, uma rede de redes de computadores
interligados por uma linguagem informática comum que permite comu-
nicar, em tempo real ou diferido, a partir de qualquer ponto do planeta
para qualquer outro (incluindo a casa ao lado) e aceder a qualquer tipo
de informação que esteja digitalizada (o que é o caso, actualmente, de
93% da informação do planeta), sem maior custo de telecomunicações
que o de uma chamada local (já outra coisa são as tarifas arbitrariamente
impostas pelas empresas). A internet é um meio de comunicação livre e
interactivo, baseado em programas informáticos que também são livres
20
porque os seus criadores assim o quiseram e os publicaram na internet
sem direitos de autor ou de propriedade. Na realidade, se se tivessem
aplicado as regras tradicionais dos direitos de propriedade intelectual, a
internet não existiria. Apesar de a internet ter surgido, na sua primeira
versão, nos EUA em 1969, foi realmente nos anos 90 que teve, como ve-
remos, a sua extraordinária expansão, tornando-se, juntamente com ou-
tras redes informáticas telecomunicadas, o sistema nervoso da sociedade
em rede (Abbate, 1999; Naughton, 1999; Castells, 2002). A expansão
da capacidade comunicativa digital aumenta com o desenvolvimento
dos telemóveis, das redes wireless, e com a convergência da internet
com as ditas redes (Rheingold, 2003). Assim, o futuro está aqui não
como afirmavam os futurólogos, mas sim tal como o vamos conhecendo
através dos estudos dos investigadores, isto é, construído pelas pessoas e
pelas grandes forças sociais e económicas. Vejamos pois, a partir desses
trabalhos, em que consiste esse mundo (Castells, 2002, 2003a, 2003b,
2004a; Cardoso, 1998, 2003; Wellman e Haythornwaite, 2002; Katz e
Rice, 2002; Mitchell, 1999; Mitchell, 2003; Stiglitz, 2002; Clark, 2003;
Held e outros, 1999; Nye e Donahue, 2000; Price, 2002; Hutoon e Gid-
dens, 2000; Schiller, 1999; Benner, 2002; Servon, 2002; Levy, 1997; Hi-
manen, 2001; Juris, 2004; Banegas 2003; Zook, 2004; Castells, 2004b).
Espero que o que a seguir se descreve lhe pareça familiar.
O sistema tecnológico centrado nas tecnologias de informação per-
mitiu a formação de uma nova economia, um novo sistema de meios de
comunicação, uma nova forma de gestão, tanto nas empresas como nos
serviços públicos, uma nova cultura e, de forma incipiente, a emergên-
cia de novas formas de instituições políticas e administrativas. Também
surgiram novos problemas sociais e novas formas de reivindicação e
mobilização da cidadania, uma vez que nem só de tecnologia vivem as
pessoas: a modernidade informática não elimina os problemas sociais e
políticos, e nalguns casos e em determinadas condições até os acentua. E
essas mobilizações também utilizam novas tecnologias de comunicação
e, consequentemente, adoptam novas formas de organização, debate e
acção (Ugarte, 2004; Cue, 2004).
Vejamos então. Uma nova economia, dizemos. Mas não a das dot-
com e da bolha financeira da internet, mas sim aquela economia em
que a produtividade e a competitividade das empresas, regiões e países
dependem, fundamentalmente, da capacidade de gerar conhecimento e
21
processar informação de forma eficiente. O que quer dizer, em primeiro
lugar, educação e recursos humanos que se possam adaptar a formas de
gestão e produção em constante mudança, a partir da sua utilização de
tecnologias de informação e comunicação. Que saibam o que procurar
na internet e o que fazer com o que encontram em função das tarefas e
projectos a que se destina a informação. A riqueza e o poder na socieda-
de em rede dependem, antes de mais nada, da qualidade da educação,
da plena integração do conjunto da população no sistema educativo e de
uma relação fluida entre as organizações e as instituições da sociedade
com o sistema universitário e a investigação científica. O conhecimento
e a inovação são as fontes de riqueza, de poder e de qualidade de vida. É
daí que vem o dinheiro. Com conhecimento, acaba por se realizar inves-
timento e ganhar dinheiro. Sem conhecimento, mesmo tendo dinheiro,
acaba-se por perdê-lo.
Esta economia do conhecimento e da informação está organizada
globalmente. A globalização da economia é um traço fundamental da
nossa sociedade. Mas não quer dizer que tudo esteja globalizado. De
facto, a maioria das pessoas trabalham em empresas de âmbito local e
regional. Mas as actividades fundamentais, aquelas das quais depende
tudo o resto em cada país, estão globalizadas. É o caso dos mercados
financeiros nos quais se investe todo o dinheiro – incluindo todas as
nossas poupanças, sem que possamos controlar o seu destino e a sua
aplicação uma vez que as confiamos às instituições financeiras. Inclu-
sivamente as próprias instituições financeiras só as controlam até certo
ponto, pois dependem dos fluxos globais, em grande parte aleatórios e
imprevisíveis. Os mercados financeiros globais são uma rede de fluxos
financeiros e de informação organizados por uma rede de computadores
telecomunicados. Essa é uma dimensão básica da sociedade em rede.
Também a produção de bens e serviços está globalmente articulada,
em torno de um núcleo de 65 000 empresas multinacionais que, apesar de
apenas empregar uns 200 milhões de trabalhadores (há 3 000 milhões de
trabalhadores no mundo), representam 40% do valor do produto bruto
mundial e 75% do comércio internacional. O comércio externo é pois a
vida ou a morte das economias, mas representa sobretudo a internaciona-
lização da produção. E esta produção também se baseia em redes, redes de
maquinaria, de gestão, de bens, de serviços, de pessoas, de informações,
que utilizam as tecnologias de informação e comunicação e um sistema
22
de transporte global de pessoas e mercadorias que também dependem, no
seu funcionamento, de computadores e de telecomunicações.
A ciência e a tecnologia, forças produtivas essenciais da nossa socieda-
de, estão organizadas em redes de centros de investigação e de investiga-
dores, sobretudo a partir de universidades, nas quais o importante é estar
em rede, onde se gera o conhecimento e circula a informação essencial.
A força de trabalho só está globalizada num pequeno segmento da
mesma, entre os trabalhadores de mais elevadas qualificações no seu
ramo de actividade (como analistas financeiros, engenheiros informáti-
cos ou biólogos, publicitários de imagem ou estrelas desportivas). Mas a
maioria da força de trabalho é local ou regional. E aí reside a dificuldade
de controlar os movimentos das empresas por parte dos trabalhadores.
O capital é global, o trabalho é local: nessa separação cria-se um vazio
que torna ineficazes os processos de regulação e controlo que se criaram
na sociedade industrial. Por isso a sociedade em rede não é apenas for-
mada por nós ligados, mas, simultaneamente, por conexão e descone-
xão. Conexão daquilo que interessa ligar e desconexão daquilo que, do
ponto de vista dos interesses dominantes, não interessa ligar. Isto não
obsta que quem queira ligar-se segundo os seus próprios critérios não
o possa fazer. Por exemplo, as redes de sindicatos de trabalhadores de
diferentes países para poderem negociar com uma multinacional a partir
das suas diferentes empresas filiadas. É assim que se vai tecendo a rede
da nossa sociedade, não apenas a partir das empresas ou dos mercados
financeiros, mas também a partir de todos os actores da sociedade que se
adaptam a essa globalização, globalizando-se também na sua acção, a par-
tir da sua própria proposta de sociedade, fundada em valores distintos
e utilizando também a internet e outras redes informáticas para unir o
local ao global. Assim se vão gerando novas formas de controlo político
e diversidade cultural. Através deste processo, o chamado movimento
anti-globalização é na realidade um movimento global que propõe for-
mas distintas de globalização baseadas nos interesses e valores das pes-
soas mais do que dos poderes económicos e mediáticos.
Redes operadas electronicamente estão também na base das novas
formas de gestão de empresas que se reconhecem, precisamente, como
empresas rede. É uma gestão simultaneamente coordenada e descentrali-
zada, fundada na unidade de projecto da empresa e na flexibilidade e na
autonomia de cada uma das suas unidades. É uma forma de organização
23
económica baseada em acordos limitados e concretos entre empresas,
na subcontratação de produção e serviços, e na mudança constante de
estruturas organizativas e de pessoal segundo os mercados, as tecnologias
e as estratégias da empresa em cada momento. A empresa rede não é
uma empresa organizada em rede interna nem uma rede de empresas,
ainda que ambos os aspectos façam parte da empresa rede. A empresa
rede é aquela que se baseia num projecto de negócio em que participam
empresas distintas com os seus recursos e estratégias próprias. É uma rede
que se desfaz no final de cada projecto e que se volta a tecer, com outros
componentes, com cada novo negócio que surge. Assim, na economia da
sociedade em rede, se bem que a empresa continue a ser a unidade jurídi-
ca de gestão do capital e do trabalho, a actividade económica depende de
projectos de negócios executados por uma rede de recursos, rede mutável
em função das circunstâncias. Portanto, a flexibilidade laboral é essencial
nessa forma organizativa. E como é uma forma muito mais ágil e eficien-
te, a empresa rede como forma de gestão vai-se difundindo por concor-
rência, ou seja, eliminando os concorrentes cujas formas de organização
são hierárquicas e verticais, segundo as rotinas herdadas da sociedade
industrial. Naturalmente, sem a internet e sem a informática não seria
possível gerir a complexidade que representa a empresa rede, sobretudo
quando se relaciona globalmente tanto com os mercados como com os
recursos. As consequências desta forma de gestão, produção e trabalho,
fazem-se sentir directamente na vida das pessoas, desde a flexibilidade
laboral voluntária ou imposta à necessidade constante de reciclagem pro-
fissional e abertura à inovação como valor essencial. A sociedade em rede
é também, como analisou Ulrich Beck (1992), uma sociedade de risco.
Os meios de comunicação, que contribuem decisivamente para a for-
mação das nossas representações colectivas, e portanto, da nossa cultura,
também se caracterizam pela sua interdependência global, pelo seu fun-
cionamento em rede e pela sua crescente interligação, entre diferentes
meios, através da sua relação com a internet. Vivemos em comunicação
e ligados de forma constante, mas as formas e os conteúdos dessa cone-
xão dependem das relações entre diferentes grupos de comunicação e
das suas relações com as sociedades e as políticas das quais dependem.
Também aqui observamos a formação de uma rede de comunicação,
mas uma rede interrompida e cruzada segundo as relações de poder em
mudança (Norris, 2000; Volkmer, 1999; Campo, 2003).
24
O território em que vivemos tem vindo a sofrer uma profunda trans-
formação no novo contexto globalizado, telecomunicado e informati-
zado. Mas não aconteceu o desaparecimento das cidades como tinham
previsto os futurólogos, que anunciavam a possibilidade de tudo se poder
fazer à distância, sem necessidade de nos deslocarmos. Pelo contrário, te-
mos assistido à maior vaga de urbanização da história: actualmente, mais
de metade da população do planeta vive em zonas urbanas e estima-se
que em cerca de 25 anos a população urbana chegará aos dois terços. Na
Europa Ocidental a proporção ultrapassa os 75%. Mas as novas tecnolo-
gias de comunicação e de transportes contribuíram poderosamente para
o aparecimento de uma nova forma territorial, as regiões metropolita-
nas, nas quais se concentra uma grande parte da população e o essencial
das actividades económicas e de geração de conhecimento. Estas regiões
caracterizam-se internamente por serem territórios descentralizados, que
englobam cidades e vilas, espaço rural e urbano, numa grande extensão
que funciona como unidade da vida quotidiana graças às ligações de
transportes rápidos e de telecomunicações (Graham e Simon, 1996;
Wheeler e outros, 2000). Porém, por outro lado, estas regiões metropo-
litanas estão relacionadas umas com as outras através de redes globais
de comunicação e das telecomunicações. A arquitectura territorial do
planeta é formada por grandes núcleos urbanizados que concentram
população, tecnologia, riqueza e poder e que se relacionam uns com
os outros, enquanto simultaneamente a maior parte do território do
planeta está a despovoar-se e a marginalizar-se, numa perspectiva global.
O espaço da sociedade em rede está a construir-se, assim, em torno de
redes de comunicação que vinculam territórios, as regiões metropolita-
nas, enquanto que desvinculam outros, sem capacidade de oferecer mais
valias aos circuitos globais que constituem a infraestrutura deste tipo de
sociedade (Graham e Simon, 2001; Graham, 2003). Neste contexto, a
dimensão territorial da sociedade em rede em Portugal reside, por um
lado, na formação de duas grandes regiões metropolitanas integradas
que correspondem à maior parte do país (no caso do Porto com uma ten-
dência para se articular com a Galiza) e que funcionam como unidade,
mas também como um sistema descentralizado facilitado por comuni-
cações internas, tanto de transportes como de comunicações. Por outro
lado, estas regiões metropolitanas fazem parte de uma rede mundial de
territórios metropolitanos. O posicionamento das metrópoles portugue-
25
sas nessa rede global de valor condiciona o nível de vida e a qualidade
de vida dos seus habitantes. E esse posicionamento depende do grau de
conectividade de Portugal e da capacidade cultural, educativa e pessoal
dos portugueses para actuar e funcionar nas referidas redes globais.
Também assistimos a uma mudança substancial nas instituições da
sociedade. O sistema político, os estados e as administrações têm vindo
a modificar-se no seu funcionamento pela globalização e por um novo
enquadramento tecnológico. Os partidos políticos praticam uma políti-
ca mediática, baseada na informação e no manuseamento da comunica-
ção de imagem. Frequentemente, a política mediática deriva para uma
política de escândalos como forma de eliminar o adversário através da
difusão de imagens negativas, muito mais eficazes do que as próprias
mensagens positivas. E como em todo o mundo acontece o mesmo, o
resultado é uma crise crescente da legitimidade democrática em todos
os países (Thompson, 2000; Castells e Olle, 2003). Pelo seu lado, os
Estados vêm-se cada vez mais superados por fluxos globais de capital,
de produção, de comunicação, de informação e de tecnologia, sobre os
quais têm escasso controlo, fechados nos seus âmbitos nacionais. Sem
dúvida, os estados têm reagido para restabelecer a sua legitimidade e a
sua eficiência. Tentando renovar a sua legitimidade, cederam às pressões
da sociedade local, regional e de nações supeditadas (como a Catalunha
ou a Escócia) através de um processo de descentralização administrativa.
Também têm dado uma crescente atenção às organizações não governa-
mentais, expressão da sociedade civil. E para aumentar o seu poder de
gestão sobre os fluxos globais têm vindo a organizar-se em instituições
co-nacionais e supra-nacionais, tais como a União Europeia, tentando
dar uma maior relevância a instituições de gestão global como o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial
do Comércio e, ainda que com profundas contradições, as Nações
Unidas. Formou-se assim um novo sistema de gestão política no qual os
estados-nação do passado, sem deixarem de existir, se converteram em
nós (essenciais) de uma rede institucional em que partilham soberania e
decisões com instituições co-nacionais, supra-nacionais, internacionais,
quase-nacionais (como a Catalunha), regionais, locais e organizações não
governamentais (ONG). Formou-se, pois, um estado em rede, em que
os intercâmbios entre todos estes níveis e formas de governo constituem
o processo de governação de que em grande parte dependem as nossas
26
vidas. Essa rede está, parcialmente, apoiada num sistema de informação
e comunicação electrónica, se bem que haja um desfasamento conside-
rável entre a capacidade operacional da administração para funcionar
em rede electrónica e a formação de facto de um estado em rede como o
que acabámos de descrever.
Enfim, é neste novo contexto que se desenvolve a vida quotidiana
das pessoas. Que, em parte, assume a existência das novas tecnologias de
comunicação como a internet e a adapta às suas necessidades, aos seus
interesses, aos seus valores, aos seus projectos (Cardoso, 1998; Haythor-
nwaite e Wellman, 2002; Katz e Rice, 2002; Woolgar, 2002; Dutton,
2001). E como a internet é uma tecnologia muito maleável, onde his-
toricamente os utilizadores têm sido os inventores de muitas das suas
aplicações (desde o correio electrónico, às listas de difusão e aos chats) a
vida real de cada sociedade tem vindo a operar as mudanças na internet.
Mas a existência da internet também tem permitido que as pessoas se
vão situando num novo contexto, percebendo, por exemplo a necessida-
de de se auto-informar e de se auto-educar num mundo de flexibilidade
laboral e de valorização da inovação. Utilizando a internet também para
estabelecer redes de comunicação horizontal independentes dos meios
de comunicação de massas dos quais desconfiam. E construindo a auto-
nomia da sociedade civil global como contrapeso à crise de legitimidade
das instituições políticas nas quais acreditam cada vez menos.
Em resumo, as fases iniciais da formação da sociedade em rede,
baseada na plataforma das tecnologias de informação e comunicação,
afectaram essencialmente a economia, as empresas, o território, o
mundo da comunicação e as esferas de poder. Curiosamente, nessa
primeira fase de criação de redes instrumentais, a internet esteve po-
voada fundamentalmente por cientistas, universitários e contraculturas
virtuais. Mas quando a sociedade em rede se manifestou em toda a sua
importância e milhões de pessoas perceberam que viviam num mundo
de redes, a partir da década de 90, então as pessoas apropriaram-se da
internet para construir as suas próprias redes, a partir das suas próprias
vidas e projectos. E assim surgiu a sociedade em rede que temos agora,
em termos gerais, uma sociedade em rede feita da formação de redes de
poder, riqueza, gestão e comunicação na trama da estrutura social. Mas
também uma sociedade em rede construída, a partir de baixo, por pesso-
as que, individual ou colectivamente, se têm vindo a apropriar do poder
27
comunicador da internet para gerar novas formas de vida, sociabilidade
e alternativas políticas. Quais são essas formas? O que é a sociedade em
rede vista a partir da vida quotidiana? Para responder a esta questão, es-
sencial para o entendimento das nossas vidas, é necessário, em primeiro
lugar, afirmar a diversidade cultural e institucional da sociedade em rede
(Castells e outros, 2003).
De facto, não existe uma sociedade em rede única, que seria a re-
produção em todo o mundo dos processos de organização gerados em
Silicon Valley a partir das tecnologias de informação. Da mesma forma
que a sociedade industrial não foi a cópia de Inglaterra do séc. XIX e
foi muito diferente no Japão e nos EUA, em França ou na Suécia, a
sociedade em rede desenvolve-se em cada país consoante a cultura, a
história, a identidade e o modo de vida desse país. Por exemplo, segun-
do os dados das organizações internacionais, a Finlândia é a sociedade
mais avançada do mundo na utilização e difusão de tecnologias de co-
municação e informação e um dos grandes centros de inovação tecno-
lógica do planeta, sobretudo no campo essencial dos telemóveis. Mas,
ao mesmo tempo, o modelo finlandês de sociedade em rede contrasta
fortemente com o californiano, na medida em que se apoia fortemente
num estado providência desenvolvido e numa política activa do estado
finlandês legitimado como defensor da identidade nacional de um
país secularmente oprimido pelos seus vizinhos. Assim, duas socieda-
des tão distintas como a da Califórnia e a da Finlândia constituíram-se
como sociedades em rede, em termos tecnológicos igualmente avan-
çadas, mas por vias diferentes e com modalidades próprias (Castells
e Himanen, 2002). Mas, simultaneamente, existe algo de comum à
sociedade em rede nas diferentes culturas e contextos em que se de-
senvolve, pois se não, não teria sentido manter a mesma designação
para realidades diferentes. Estudos comparados do desenvolvimento
da sociedade em rede em vários países (Castells, 2004b) mostram que
a organização das actividades económicas, políticas, culturais, da vida
quotidiana, em torno de redes de relações baseadas em tecnologias
electrónicas constituem o denominador comum que tem importantes
consequências sobre a forma de viver e de fazer em todos os âmbitos
da prática social.
É essa dupla tendência que este livro capta através do estudo da
sociedade portuguesa. Por um lado, tenta identificar em que medida
28
existe em Portugal um processo de transformação social e tecnológica
a partir da emergência de redes de relações baseadas nas tecnologias de
comunicação electrónica, em correspondência com a tendência que se
observa no mundo. Por outro lado, pretende definir o que é próprio da
sociedade portuguesa, aqueles traços que são específicos do país, da sua
cultura e da sua forma de organização social.
A análise da sociedade em rede em Portugal parte de estudo das uti-
lizações da internet, porque a internet é o meio de comunicação através
do qual se constituem as redes de relações de novo tipo para as pessoas
e as actividades. Não é que a internet seja a fonte da sociedade em rede,
mas sim o instrumento através do qual as pessoas, as empresas, as organi-
zações e as instituições formam as suas redes de interacção. Recorrendo
de novo ao nosso exemplo histórico, para estudar o processo de criação
da sociedade industrial utilizou-se a observação das novas formas de
trabalho em fábricas possibilitadas pelo motor eléctrico, as novas formas
de urbanização baseadas no transporte eléctrico ou no automóvel e os
novos meios de comunicação que surgiram a partir da rádio e da televi-
são. Hoje em dia, a análise dos usos da internet e das redes informáticas
telecomunicadas em geral constituem um bom ponto de entrada para
observar a transformação da organização social em Portugal em torno do
modelo que se detecta no mundo sob o conceito de sociedade em rede.
A análise apresentada neste livro constitui um estudo em profundi-
dade da transformação da sociedade portuguesa realizado a partir de um
inquérito aplicado a uma amostra representativa da população. Nesta
análise utilizou-se uma problemática e uma metodologia que a tornam
comparável, em termos gerais, com outras investigações realizadas a ou-
tras sociedades. Daí o seu interesse, porque permite perceber o processo
específico de mudança social e tecnológica em Portugal num contexto
mais amplo da transformação que se está a produzir no mundo. Só a
partir desse conhecimento poderão os cidadãos portugueses construir a
sociedade em rede dos seus projectos, valores e aspirações, em vez de se
adaptarem a formas derivadas das novas tecnologias. Porque a sociedade
em rede, como todas as sociedades que a precederam na história, se es-
trutura a partir da acção humana, das suas paixões, dos seus conflitos e
dos seus sonhos. E também da consciência informada pelo conhecimen-
to do tempo em que vivemos.
29
30
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 2
Processo de mudança estrutural na sociedade portuguesa
A
sociedade portuguesa tem vindo a conhecer um significativo
processo de modernização, traduzido em domínios tão di-
versos como a transformação das estruturas económicas e o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a escolarização das novas
gerações e a recomposição socioprofissional, a feminização e progressiva
terciarização do trabalho, a urbanização da população e dos espaços, a
alteração dos padrões demográficos e de vida familiar, a democratização
das estruturas políticas e a mediatização do espaço público.
As mudanças verificadas são, sem dúvida, assinaláveis, e o ritmo da
mudança não terá tido paralelo em muitos países, pelo menos nos tem-
pos mais recentes. Todavia, tal processo de modernização está longe de
ter sido linear, isento de obstáculos e contradições; e, acima de tudo, está
longe de ter terminado.
Portugal encontra-se assim numa encruzilhada, associando traços
e dinâmicas de modernidade, comuns a muitas das nações europeias
(em relação às quais a comparação se torna inevitável), a vestígios de
uma sociedade mais arcaica, que tendem a persistir e a obstruir algumas
das transformações em curso. Enfrenta, por um lado, muitos dos novos
desafios e paradoxos das sociedades actuais – veja-se o envelhecimento
populacional, a emergência de novas formas de pobreza, a crise das es-
truturas democráticas ou a mediatização da sociedade. Mas, por outro,
suporta os atrasos induzidos pela manutenção de antigas estruturas e
disposições sociais, obstáculos ao necessário, e tão comentado, processo
de convergência. Exemplos desses atrasos são a especialização económi-
ca em sectores de fraca intensidade tecnológica, a manutenção de defi-
cientes níveis de qualificação da população, a insuficiência dos apoios
sociais ou o ainda limitado desenvolvimento das novas classes médias. É,
neste sentido, que se torna pertinente falar de Portugal como cenário de
“processos de uma modernidade inacabada” (Machado e Costa, 1998),
31
como um “país dual” (Conceição e Heitor, 2003), onde inovação e ape-
go a antigos modos de estar e fazer se cruzam e se sobrepõem, ou como
palco de um desenvolvimento intermédio, numa condição híbrida de
“semiperiferia” (Santos, 1993). Epítetos como estes resultam de análises
teórica e substantivamente diversas, mas convergem na identificação do
carácter complexo e, não raras vezes, contraditório da sociedade portu-
guesa do final do século XX e início do século XXI.
Parte-se, pois, do pressuposto de que compreender a transição por-
tuguesa para o que Manuel Castells (2002, 2003) conceptualiza como
sociedade em rede, na sua dupla dimensão social e tecnológica, implica
conhecer a posição particular em que o país se encontra, na viragem
para o terceiro milénio, as evoluções a que tem sido sujeito e que ele
próprio protagoniza. É esse o sentido deste capítulo. Nele se cruzam
dados de fontes secundárias – nomeadamente publicações estatísticas,
mas também diversos estudos sobre a realidade portuguesa – com infor-
mações directamente recolhidas através da pesquisa agora apresentada.
Sempre que possível, o cenário e os processos descritos e analisados são
comparados com outros países, designadamente da Europa.
32
A adesão à Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), no início
da década de 60, marcou uma importante abertura económica e o fim
da política de substituição das importações. O aumento da concorrência
e dos contactos com o exterior favoreceram uma gradual reestruturação
e modernização do tecido empresarial, nomeadamente com a perda de
protagonismo da agricultura e pesca – que no final da década de 50
representavam ainda 27% do PIB – e com uma maior importação de tec-
nologias de produção (Mateus, 1998; DGEP, 2002). Paralelamente, os
anos 60 foram marcados pela emigração de um importante contingente
da população, que passa assim a contribuir para a economia nacional
com significativas remessas e que reforça o grau de abertura da sociedade
ao exterior. A taxa de crescimento médio anual do PIB per capita atinge,
no período de 1953 a 1973, os 5,6% (Mateus, 1998).
A revolução desencadeada a 25 de Abril de 1974, ditando o fim
da ditadura vigente, conduziu por seu turno, a uma progressiva demo-
cratização das estruturas políticas e a uma significativa modernização
da sociedade – manifesta entre outros, no aumento dos níveis de es-
colaridade, no reforço da protecção social, no acréscimo do poder de
compra ou no acesso a um maior e mais diversificado leque de bens de
consumo (Viegas e Costa, 1998). É um período marcado pelo impacto
da nacionalização de parte significativa das estruturas empresariais – em
áreas chave como a banca, os transportes ou a comunicação social, entre
outras – fruto da política de forte intervenção do Estado na economia
então concretizada (Viegas, 1996). A instabilidade social, política e eco-
nómica vivida a nível interno nesse período, o desequilíbrio dos indica-
dores macroeconómicos e ainda a conjuntura internacional desfavorável
(decorrente, em especial, dos choques petrolíferos), ditaram contudo um
abrandamento do crescimento económico – para valores em torno dos
3% anuais, entre 1975 e 1985 (OCDE, 2002a).
A adesão em 1986 à União Europeia – à data Comunidade Econó-
mica Europeia – voltou a assinalar o início de um período de grande
progresso económico e convergência para os níveis de rendimento eu-
ropeus, pese embora os abrandamentos conhecidos aquando da crise
económica internacional do início da década de 90 e nos primeiros anos
do século XXI (Mateus, 1992, Mateus, 1998; Murteira e outros, 2001).
A inflexão das tendências de crescimento económico e de expansão do
consumo vividas neste último período, e a dificuldade de retoma, geram
33
uma situação de alguma indeterminação quanto ao futuro próximo. É
para já difícil assegurar se se trata de um mero acontecimento pontual
ou do início de um novo ciclo.
Tal como nos anos 60, a crescente abertura comercial e financeira
ditada pela adesão veio exigir às empresas e ao Estado um reforço da
competitividade, conduzindo ao investimento na requalificação das
unidades produtivas, na modernização das infraestruturas de apoio e
no desenvolvimento dos sistemas de ensino e formação. Este esforço foi
benificiado, a nível finaceiro, quer pelos fundos comunitários destina-
dos ao desenvolvimento da economia portuguesa, quer pelo crescente
investimento estrangeiro, quer ainda, mais recentemente, pela baixa das
taxas de juro resultante do equilíbrio macroeconómico suscitado pelos
compromissos da moeda única europeia. O papel dos fundos estruturais
terá estado longe de se restringir ao plano quantitativo (as transferências
comunitárias, aliás, mantiveram-se aquém das remessas dos emigrantes).
O seu principal efeito terá sido qualitativo, ao dinamizar um largo con-
junto de investimentos estruturantes do processo de modernização da
economia nacional e induzir a renovação das estruturas produtivas e dos
serviços do Estado (Mateus, 1992).
Data também da década de 80 a progressiva mudança, entre as elites
políticas dominantes, da orientação face ao papel de regulação económi-
ca e social do Estado, num processo que culmina com a privatização de
boa parte das empresas públicas (Viegas, 1996).
Este período registou, por outro lado, um importante acréscimo
dos níveis de consumo, bem como de endividamento das famílias e das
empresas, dinamizando o mercado interno e a economia portuguesa
em geral, mas colocando simultaneamente algumas questões quanto às
perspectivas de manutenção futura dos ritmos de crescimento por essa
via até então alcançados (Mateus, 1998).
Portugal assume-se pois, na viragem para o terceiro milénio, como
uma economia pequena, com um reduzido mercado interno, mas aberta
e plenamente integrada no espaço europeu. O seu forte grau de abertura
ao exterior traduz-se quer no crescimento tendencial do comércio exter-
no, em particular após 1986, quer também nos fluxos de investimento
externo – em ambos os casos tendo como origem/destino principal a
União Europeia (Mateus, 1992; Mateus, 1998).
34
O peso relativo do comércio externo português no seio da OCDE, ou
mesmo da União Europeia, mantém-se extremamente reduzido, reflexo
da própria dimensão da economia nacional. Mas a taxa de exportação
– rondando os 38% no final da década de 90 – aproxima-se já bastante
da média europeia, indiciando o dinamismo que a economia portuguesa
veio a alcançar nos últimos anos do século XX. Neste âmbito, terá sido
decisivo, entre outros, o crescimento do sector dos produtos metálicos,
nomeadamente da fileira automóvel, fortemente suscitado pelo investi-
mento estrangeiro, e em particular pela instalação do complexo Ford-
-Volkswagen (Lança, 2000; OCDE, 2002a; GEPE, 2003).
Aumento semelhante verificou-se no que toca às importações – quer
por via do crescimento do consumo privado, quer também pela impor-
tação de bens de equipamento. A balança comercial permanece assim
deficitária, flutuando a taxa de cobertura em torno de um valor médio
de cerca de 70%. Mas o aspecto porventura mais inquietante prende-se,
não com este défice – comum a outras economias desenvolvidas – mas
com o facto das exportações portuguesas se manterem centradas em pro-
dutos de baixa intensidade tecnológica e reduzido valor acrescentado,
resultado directo da manutenção do tradicional padrão de especializa-
ção da economia nacional (Mateus, 1992, Mateus, 1998; Godinho e
Mamede, 2004).
O investimento estrangeiro em Portugal manteve, por seu turno,
níveis bastante reduzidos até ao período de adesão à União Europeia,
momento a partir do qual o país começa a suscitar um maior interesse
por parte dos investidores estrangeiros, regra geral grandes companhias
europeias ou empresas norte-americanas e japonesas a operar a partir de
filiais na Europa. O impacto destes investimentos está longe de atingir
os níveis registados noutros países, mas é ainda assim bastante significa-
tivo, em particular nos sectores mais dinâmicos da economia. E não é de
menosprezar o efeito de demonstração que muitas empresas de capital
estrangeiro terão na difusão de novos modelos de inovação e gestão
organizacional (Mateus, 1992). Já o investimento português no exterior
– canalizado essencialmente para a vizinha Espanha e para o Brasil – é
bastante mais circunscrito e recente, reflectindo a reduzida dimensão da
generalidade das empresas portuguesas. Tem vindo contudo a crescer,
fruto do empreendorismo e dos recursos patentes entre alguns grupos
empresariais (Mateus, 1998).
35
A progressiva convergência dos indicadores económicos nacionais
para os níveis europeus permite, em termos gerais, a sua inclusão no gru-
po dos países desenvolvidos. Vários são os aspectos em que importantes
melhorias foram registadas: na capacidade de adaptação das empresas
aos novos desafios económicos, na captação de investimentos, no alar-
gamento da procura externa, nos consumos das famílias, etc. Contudo,
o país mantém ainda muitas das debilidades económicas e sociais que
há décadas atrás constrangiam o seu desenvolvimento. Tal reflecte-se
na persistência de níveis de rendimento per capita comparativamente
bastante reduzidos – cerca de 70% da média comunitária durante os
anos 90 (quadro 2.1) – e dos piores índices de pobreza da União Euro-
peia (DEPP, 2000; Eurostat, 2003). Apesar do crescimento económico
verificado, não só novos tipos de pobreza e exclusão social têm vindo
a aumentar – como são os casos associados aos desempregados de lon-
ga duração, aos sem abrigo, aos jovens em risco e aos grupos étnicos
minoritários, também problemáticos em muitos países desenvolvidos
– como também formas mais tradicionais tendem a persistir, ligadas,
entre outros, ao campesinato, à velhice sem apoio social significativo e às
inserções profissionais menos qualificadas (Capucha, 1998).
Um dos principais problemas enfrentados pela economia portuguesa
prende-se com a relativamente reduzida taxa de produtividade nacional
(Mateus, 1998; DGEP, 2002, Godinho e Mamede, 2004). Na verdade,
os índices de produtividade aumentaram de forma bastante considerá-
vel – e a um ritmo superior ao registado na generalidade dos países da
OCDE – muito em particular graças aos aumentos assinalados no que
respeita à produtividade do trabalho (OCDE, 2002a). Tal aumento – em
geral explicado pela situação anterior particularmente desfavorável e pe-
los esforços de modernização entretanto efectuados – esteve contudo
longe de ser suficiente para garantir uma convergência satisfatória face
aos valores europeus (quadro 2.1). A situação é especialmente crítica no
que toca à produção por hora trabalhada. Na verdade, o número médio
de horas de trabalho dos portugueses tem sido superior ao da média dos
cidadãos europeus, sem que isso implique ganhos significativos de pro-
dutividade (DGEP, 2002). O PIB por hora trabalhada representa ainda,
em 2001, 59% da média comunitária.
36
Quadro 2.1 Comparação internacional de indicadores de rendimento e produtivida-
de 2001 (% da média da União Europeia)
Produtividade do trabalho
País PIB per capita1 PIB1 por PIB1 por
empregado hora trabalhada
União Europeia 100,0 100,0 100,0
37
contextos produtivos ou o escasso investimento em I&D. Mas um aspec-
to igualmente decisivo é a própria estrutura do tecido empresarial.
O panorama económico português mantém-se esmagadoramente
dominado por micro, pequenas e médias empresas, frequentemente de
natureza familiar, muitas delas com uma gestão pouco profissionalizada
(Mateus, 1992, Guerreiro, 1996; Lança, 2000). Verificou-se um progres-
sivo crescimento dos serviços e de alguns sectores industriais de maior
intensidade tecnológica – em termos gerais entendidos como tendo
melhores prestações no domínio da produtividade. É disso exemplo a
dinamização do sector financeiro, fortemente estimulado pelos processos
de privatização, ou da indústria automóvel e de produtos eléctricos, cujo
crescimento resulta, em larga medida, do investimento estrangeiro (Ma-
teus, 1998; Murteira e outros, 2001). No entanto, a economia portuguesa
conserva-se fortemente especializada em sectores tradicionais, como os
têxteis, confecções, calçado, a alimentação, bebidas e conservas, os artigos
de madeira e cortiça, a cerâmica e os produtos minerais não metálicos.
Em geral utilizando intensivamente mão-de-obra pouco qualificada, estes
sectores tendem a produzir bens de reduzido valor acrescentado, não
conseguindo aumentar significativamente os níveis de produtividade e
estando sujeitos a uma forte concorrência internacional (Lança, 2000).
Ainda assim, alguns dados apontam para o facto do sucesso relativo
da indústria transformadora portuguesa no processo de convergência
com as economias mais avançadas da União Europeia poder dever-se,
em larga medida, à forte modernização registada precisamente entre
algumas destas indústrias de baixa intensidade tecnológica, com grande
protagonismo no contexto nacional (Godinho e Mamede, 2004).
As áreas de actividade de maior intensidade tecnológica, embora
cada vez mais significativas, têm ainda em Portugal uma expressão
relativamente reduzida. Veja-se o caso das indústrias de média ou alta
tecnologia, cujo valor acrescentado representava, em 1999, 4% do PIB
português – cerca de metade da média europeia, não obstante o facto
do país registar, entre 1995 e 1999, a segunda maior taxa de crescimento
anual neste indicador. Ou mesmo o exemplo dos serviços de conheci-
mento intensivo, cuja contribuição era de 26% quando a média euro-
peia rondava já os 33% (EC, 2002). Os ganhos de produtividade por
esta via alcançados têm sido assim insuficientes.
38
A distribuição do emprego por sectores de actividade confirma
precisamente este cenário. Portugal tem acompanhado a tendência
generalizada para o aumento das inserções profissionais no âmbito dos
serviços, em detrimento dos sectores extractivo e, mais recentemente, da
transformação (quadros 2.2 e 2.3).
Quadro 2.2 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsectores,
Portugal, 1955-2001 (%)
SECTORES 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2001
I Extractivo 48,6 43,9 35,9 28,1 23,8 19,7 17,5 13,5 12,8 5,4
Agricultura 47,7 43,1 35,3 27,6 23,3 19,2 17,1 13,1 12,5 5,0
Mineração 0,9 0,8 0,5 0,5 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,4
II Transformação 23,7 27,4 32,0 33,4 35,0 37,2 36,7 36,9 33,3 34,7
Construção 4,6 6,4 7,0 7,5 8,9 10,5 10,1 10,0 10,2 12,3
Electricidade, gás e água 0,4 0,5 0,5 0,5 0,5 0,7 0,8 0,7 0,6 0,7
Indústria 18,8 20,6 24,5 25,3 25,6 26,0 25,8 26,2 22,6 21,7
Alimentar 2,5 2,5 2,8 3,0 2,7 2,8 3,0 2,9 2,6 2,1
Têxtil 6,7 6,3 8,0 8,2 8,1 8,0 9,0 10,4 8,5 5,7
Metalúrgica 0,4 0,3 0,5 0,6 0,5 0,7 0,8 0,6 0,4 2,4
Máquinas e equipamentos 2,5 3,4 4,0 5,0 5,8 5,6 5,1 5,0 4,7 3,2
Produtos Químicos 1,7 2,4 2,2 2,0 1,9 2,1 1,8 1,5 1,2 1,2
Diversos 1 5,0 5,7 7,0 6,6 6,5 6,7 6,0 5,8 5,1 7,1
III Serviços de distribuição 9,5 10,7 13,1 15,7 16,8 16,7 16,0 17,0 19,0 21,0
Transportes 3,0 3,0 3,0 3,5 3,6 3,9 3,7 3,7 3,3 4,5
Comunicações 2 0,5 0,7 0,8 0,9 1,1 1,1 1,2 1,1 1,1 --
Comércio 6,0 7,1 9,4 11,3 12,1 11,7 11,1 12,2 14,6 16,5
IV Serviços relativos à produção 0,8 0,9 1,1 1,7 2,2 2,5 3,2 3,8 4,6 7,9
Actividades financeiras 0,4 0,4 0,5 0,8 1,0 1,3 1,6 1,6 1,7 2,1
Seguros 3 0,2 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 --
Actividades imobiliárias 0,2 0,2 0,3 0,7 0,8 0,8 1,2 1,8 2,5 5,8
V Serviços sociais 4 7,1 7,6 8,6 12,0 13,1 14,8 16,9 18,5 19,3 20,6
IV Serviços pessoais 5 10,3 9,5 9,3 9,2 9,1 9,0 9,6 10,3 11,0 10,5
TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1
Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e
outras indústrias transformadoras.
2
No ano de 2001 os valores relativos às comunicações estão incluídos na categoria dos transportes.
3
No ano de 2001 os valores relativos aos seguros estão incluídos na categoria das actividades financeiras.
4
Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares; servi-
ços recreativos e culturais; e organismos internacionais e outros.
5
Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis.
Fonte: Banco de Portugal (s.d.) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o
apresentado em Castells (2002).
39
Boa parte dos jovens integrados no mercado de trabalho concentra-
-se aliás, segundo os dados recolhidos directamente nesta pesquisa, no
sector terciário – nomeadamente no comércio, nas comunicações, nas
actividades financeiras e imobiliárias ou nos serviços sociais – sendo
muito raras as inserções no sector extractivo. O país viveu, contudo,
um processo de industrialização comparativamente bastante tardio.
Manteve durante largas décadas um enorme contingente agrícola, ainda
hoje significativo em termos internacionais; e a pressão em prol do de-
senvolvimento dos serviços foi mais fraca do que noutros países desen-
volvidos, pelo que o peso relativo do emprego neste tipo de actividades
se apresenta ainda relativamente baixo, em particular entre a população
mais velha.
Tipo de sector produtivo 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2001
Indústria 1 72,0 70,8 67,4 60,9 58,2 56,2 53,4 49,7 45,6 39,3
Serviços 1 28,0 29,2 32,6 39,1 41,8 43,8 46,6 50,3 54,4 60,7
Serviços / indústria 0,4 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,2 1,5
Gestão de produtos 2 81,0 80,9 79,8 75,8 74,0 71,8 68,2 65,6 63,4 60,3
Gestão de informação 2 19,0 19,1 20,2 24,2 26,0 28,2 31,8 34,4 36,6 39,7
Gestão de informação/
0,2 0,2 0,3 0,3 0,4 0,4 0,5 0,5 0,6 0,7
gestão de produtos
1
A indústria soma os sectores extractivo, da construção e da transformação; os serviços incluem os restantes
sectores.
2
A gestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos transportes (no ano
de 2001 é também incluído o sector das comunicações) e do comércio; a gestão de informação integra os
serviços públicos, as comunicações (excepto para 2001), serviços relativos à produção, serviços sociais e
serviços pessoais.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o
apresentado em Castells (2002).
40
O sector dos serviços representava, em 2001, cerca de 60% do total do
emprego; valor que, apesar da evolução positiva, se mantém significativa-
mente abaixo do registado noutras economias desenvolvidas. A título de
exemplo, em 1991, este correspondia já a 75% do emprego nos Estados
Unidos da América, e a cerca de 70% no Reino Unido e em França. Aliás,
em Portugal, o rácio do volume de emprego nos serviços por comparação
ao da indústria só recentemente se inverteu a favor do primeiro (quadro
2.2), verificando-se assim um desfasamento de duas a três décadas em re-
lação aos países do centro europeu e de ainda mais face, por exemplo, aos
EUA ou à Inglaterra (Castells, 2002). Tal dever-se-á, em particular, à re-
duzida expressão dos serviços relativos à produção, reflexo precisamente
das ainda fracas exigências do tecido económico nacional. Não obstante
o recente dinamismo dos sectores da banca, seguradoras e comunicações,
o aumento do emprego nos serviços ao longo das últimas décadas ter-se-
-á ficado a dever principalmente ao impulso inerente à implementação
pelo Estado de um conjunto de políticas de educação, saúde e segurança
social, claramente deficitárias no período anterior à democracia.
41
Quadro 2.4 Evolução da despesa e dos recursos humanos em actividades de I&D,
Portugal, 1982-2001
Taxa média de
crescimento anual
da despesa em
5,5 9,5 10,9 17,9 12,2 -1,3 8,3 14,8 8,5
I&D 1
Taxa média de
crescimento anual
do total de investi-
6,0 13,3 7,1 8,6 10,5 7,1 8,5 7,5 6,1
gadores (ETI)
Investigadores
(ETI) / população 1,0 1,3 1,4 1,6 2,0 2,4 2,8 3,1 3,4
activa (‰) 2
1
A preços constantes (base 1995).
2
Valor correspondente ao último ano do período em referência.
Fonte: OCES (2003).
42
Quadro 2.5 Comparação internacional de alguns indicadores de despesa e recursos
humanos em actividade de I&D (último ano disponível)
Estados Unidos
243 548,0 2,65 28,8 66,8 4,5 8,1
da América
1
Em paridade de poder de compra.
Fonte: OCES (2003) e OCDE (2000a).
43
Não obstante o progresso verificado, os valores envolvidos mantêm-
-se bastante aquém dos registados noutros países desenvolvidos, quer
em termos absolutos, quer relativos (quadro 2.5). Na compreensão desta
situação um factor emerge com grande preponderância: a fraca partici-
pação do sector empresarial neste tipo de investimentos. Cerca de 70%
do investimento é oriundo de fontes governamentais, rondando pouco
mais de 20% o esforço financeiro protagonizado pelo sector privado (o
valor mais baixo de toda a UE, apesar do crescimento recentemente
verificado). A grande maioria dos investigadores a trabalhar no país
concentram-se assim no sector público e no ensino superior. A maioria
das unidades de I&D é de pequena ou média dimensão, e os seus graus
de internacionalização, embora em dinâmica de rápido crescimento, são
ainda bastante desiguais (EC, 2002; Conceição e Heitor, 2003).
No entanto, se a situação registada no domínio do desenvolvimento
científico, não obstante os fortes progressos, se apresenta ainda compa-
rativamente desfavorável, maiores défices são conhecidos no que toca
à produção tecnológica ou, em geral, à capacidade de inovação das
empresas. O reduzido número de patentes registadas por entidades por-
tuguesas é disso exemplo. Pese embora o forte crescimento verificado na
década de 90, os níveis de patenteamento mantêm-se quase inexpressi-
vos, muito em particular no que toca a produtos ou processos de elevada
intensidade tecnológica (EC, 2002). E, ao contrário do que se passa na
generalidade dos países desenvolvidos, em Portugal são as unidades de
investigação, e não as empresas, o tipo de instituições que mais paten-
teiam, indiciando a fraca incorporação de actividades de inovação nas
estruturas produtivas (Godinho, Mendonça e Pereira, 2003).
Também a este respeito Portugal pode ser caracterizado como um
“país dual”, onde um pequeno grupo de empresas fortemente inovado-
ras, dispondo de recursos humanos altamente qualificados, apostando
em novos produtos e em múltiplas parcerias, co-existe a par de uma clara
maioria de estruturas empresariais não inovadoras, regra geral de baixo
perfil tecnológico, pouco cooperativas e com mão-de-obra pouco qualifi-
cada (Conceição e Heitor, 2003).
44
Quadro 2.6 Comparação europeia de alguns indicadores de inovação nas empresas,
1995-1997
45
O desfasamento face aos padrões europeus de inovação é aliás mais
significativo na indústria do que nos serviços. Por outro lado, alguns
estudos têm salientado o facto de as maiores fragilidades das empresas
portuguesas (e da própria administração pública) não se encontra-
rem ao nível da capacidade de inovação tecnológica, mas antes na
resistência à mudança organizacional. É de considerar, no entanto, a
emergência nos últimos anos de sectores muito mais propensos à mu-
dança, nas suas várias vertentes, num processo que abre perspectivas
mais positivas quanto à difusão da inovação em Portugal (Freire, 1998,
Salavisa, 2000).
46
ensino português é, ainda hoje, bastante questionada quando compa-
rada com a de outros países. O esforço de investimento em educação
aproximou-se bastante da média europeia (quadro 2.9), mas os índices
de abandono e insucesso escolar mantém-se superiores aos dos outros
países europeus (Sebastião, 1998).
1
O sistema de ensino português sofreu fortes alterações, pelo que a análise desta série temporal exige alguns
esclarecimentos adicionais. Em 1960 era considerado ensino secundário o período do 5º ao 11ºano de
escolaridade. Em 1970, o ensino preparatório (5º e 6º anos) está já autonomizado, traduzindo-se o ensino
secundário em 5 anos de escolaridade (do 7º ao 11º). Em 1981, uma vez que os dados disponíveis já o permi-
tiam, optou-se por considerar exclusivamente como ensino secundário o na época designado por secundário
complementar (10º e 11º ano), modelo mais próximo do actual. Em 1991 e 2001 foi já integrado o 12º ano
de escolaridade, consistindo o ensino secundário em 3 anos (10º, 11º e 12º).
2
Os valores apresentados revelam uma ligeira subavaliação em relação aos divulgados nas Estatísticas da
Educação do INE. Esta diferença, relativamente constante ao longo da série considerada, pode dever-se ao
facto de os valores dos Censos remeterem para declarações espontâneas dos indivíduos e os das Estatísticas
da Educação se referirem ao número de inscrições formais em estabelecimentos de ensino superior.
Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE.
47
mais de 22% dos residentes com 20 anos e mais tinham já completado,
pelo menos, o ensino secundário. Este valor, embora bastante abaixo do
registado noutros países, significa um enorme progresso face à situação
vivida nas décadas anteriores. Basta referir que, em 1991, tal percentagem
não chegava ainda, em termos médios, a 14%, mesmo assim quase o do-
bro do registado dez anos antes (Machado e Costa, 1998; INE, 2003).
Expansão ainda mais significativa foi a registada no que toca ao en-
sino superior. Em 1970, não chegava a 2% o peso relativo da população
que tinha frequentado um nível médio ou superior de ensino, manten-
do-se o acesso às universidades circunscrito a uma pequena elite. Em
2001, tal percentagem ascendia já a 11,5%, fruto da forte adesão por
parte da população jovem, muito em particular do sexo feminino. O
progresso dos níveis de escolaridade das mulheres é aliás, em Portugal,
bastante significativo. Embora nas faixas etárias mais elevadas estas man-
tenham níveis de qualificação académica mais baixos, nas mais jovens
a situação inverte-se, sendo já maioritárias entre os estudantes e recém-
-diplomados do ensino secundário e superior. Portugal é assim um dos
primeiros países europeus a inverter a tradicional hegemonia masculina
nos níveis superiores de escolaridade (Machado e Costa, 1998).
Os dados recolhidos directamente no âmbito do presente estudo
confirmam este panorama, ilustrando de forma bastante evidente as
diferenças geracionais no que respeita aos níveis de qualificação acadé-
mica de homens e mulheres em Portugal (quadro 2.8). Considerando os
indivíduos nascidos antes de 1974 – cujo percurso escolar se desenvol-
veu, na maioria dos casos, ainda no período ditatorial – verifica-se que
parte bastante significativa (38%) não concluiu mais do que o 1º ciclo
do ensino básico (ou seja, 4 anos de escolaridade). Quase 14% não ob-
teve inclusivamente qualquer tipo de qualificação académica, valor que
ascende a 18% no caso específico das mulheres.
Entre os jovens com mais de 15 anos já nascidos no regime demo-
crático a situação é bem diferente. Os casos de indivíduos com qualifi-
cações abaixo do 2º ciclo do ensino básico tornam-se raros, sendo, por
outro lado, muito mais frequentes aqueles que se referem a diplomados
do ensino secundário ou superior. De destacar, em particular, a elevada
percentagem de jovens mulheres licenciadas – mais de 30% do total das
mulheres com menos de 30 anos, quando entre os homens no mesmo
escalão etário tal valor vai pouco além dos 20%.
48
Quadro 2.8 Qualificação académica segundo idade e sexo, Portugal, 2003 (%)
Nascidos
Mulheres 17,7 36,8 15,5 11,6 8,7 9,8 100,0 n=905
até 1974
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todas as categorias).
49
portuguesa mantém-se incomparavelmente elevada entre a população
mais velha, não obstante o contínuo decréscimo – induzido mais pela
evolução demográfica do que por qualquer estratégia de alfabetização de
adultos. No que respeita à formação superior, nomeadamente em áreas
ligadas à ciência e tecnologia, a situação é relativamente melhor, embora
o país se mantenha entre o grupo dos mais atrasados no processo de
convergência europeia – bem longe, por exemplo, do caso irlandês ou
do espanhol, que até há pouco se aproximavam de Portugal em muitos
destes indicadores.
Na tentativa de suprir alguns dos défices educativos de boa parte da
população activa, bem como de acompanhar os próprios desafios da
reestruturação das actividades económicas, alguns esforços têm vindo
a ser desenvolvidos, nomeadamente pelo sector público, no sentido de
promover a formação ao longo da vida. Desde a integração europeia,
os cursos de formação profissional conheceram um forte crescimento.
Mas os maiores níveis de adesão registam-se entre os jovens (especial-
mente mulheres), sendo mais problemático atingir a população mais
velha e com níveis de qualificação bastante mais baixos (OIC, 2003).
E, em termos comparativos, a taxa de participação em processos de
aprendizagem formal ao longo da vida persiste entre as mais baixas da
Europa (quadro 2.9).
Os resultados do inquérito lançado confirmam precisamente tanto
a fraca incidência de actividades formativas entre a generalidade da po-
pulação portuguesa, como também a considerável diferença geracional
no que toca ao interesse pelo aprofundamento de conhecimentos, no-
meadamente no que respeita à profissão. Entre os jovens com mais de
15 anos nascidos a partir de 1974, cerca de 16% realizaram nos últimos
dois anos algum tipo de acção de formação e igual percentagem parti-
ciparam em encontros técnico-científicos relacionados com a profissão.
Entre os mais velhos estes valores não vão além dos 10%. Também de
destacar é o facto de 33% destes jovens terem consultado, em igual pe-
ríodo, livros, revistas especializadas ou outra documentação visando o
aprofundamento dos conhecimentos quanto à profissão ou à área de
estudos, percentagem que representa mais do dobro da registada entre
os nascidos antes de 1974.
50
Quadro 2.9 Comparação internacional de alguns indicadores de educação, 1998
Investimento em
instituições educativas Jovens Jovens Participantes
População diplomados doutorados em formação
com ensino em ciência / em ciência / ao longo da
País superior tecnologia tecnologia vida
25-65 anos 20-29 anos 25-35 anos 25-64 anos
% do PIB € per capita % ‰ ‰ %
1998 1998 2001 2000 2000 2001
Estados Unidos
6,4 1 493 -- -- -- --
da América
51
Embora ainda minoritário, assiste-se assim à emergência de um
sector da população – caracterizado pela sua juventude e pelos seus
elevados níveis de qualificação académica – bastante mais dinâmico no
que toca ao desenvolvimento profissional e ao acesso à informação. Tal é
particularmente evidente entre as jovens do sexo feminino, que contra-
riam assim o afastamento deste tipo de actividades ainda patente entre
as mulheres mais velhas.
Níveis
País
I II III IV / V
Alemanha 14,4 34,2 38,0 13,4
Austrália 17,0 27,1 36,9 18,9
Bélgica 18,4 28,2 39,0 14,3
Canadá 16,6 25,6 35,1 22,7
Chile 50,1 35,0 13,3 1,6
Dinamarca 9,6 36,4 47,5 6,5
Eslovénia 42,2 34,5 20,1 3,2
Estados Unidos da América 20,7 25,9 32,4 21,1
Finlândia 10,4 26,3 40,9 22,4
Holanda 10,5 30,1 44,1 15,3
Hungria 33,8 42,7 20,8 2,6
Irlanda 22,6 29,8 34,1 13,5
Noruega 8,5 24,7 49,2 17,6
Nova Zelândia 18,4 27,3 35,0 19,2
Polónia 42,6 34,5 19,8 3,1
Portugal 48,0 29,0 18,5 4,4
Reino Unido 21,8 30,3 31,3 16,6
República Checa 15,7 38,1 37,8 8,4
Suécia 7,5 20,3 39,7 32,4
Suíça (alemã) 19,3 35,7 36,1 8,9
Suíça (francesa) 17,6 33,7 38,6 10,0
Suíça (italiana) 19,6 34,7 37,5 8,3
52
Um outro problema tem vindo contudo a ser cada vez mais reco-
nhecido em Portugal: os baixos níveis de literacia (OCDE, 2000b). Os
portugueses apresentam índices bastante críticos quanto à capacidade
de utilização na vida quotidiana de competências de leitura, escrita
e cálculo, colocando o país numa das piores posições entre os países
da OCDE (quadro 2.10). A título de exemplo, basta referir que quase
metade da população se enquadra no nível mais baixo da escala de com-
petências no que diz respeito à leitura e escrita de textos (prosa), sendo
a posição semelhante no que respeita ao processamento de informação
escrita, em formulários e tabelas (documentos) e envolvendo quadros e
gráficos (quantitativo).
Paradigmático da situação vivida no país é o facto de, apesar dos
resultados claramente negativos, quase 3⁄4 dos inquiridos no estudo na-
cional de literacia, realizado em meados dos anos 90, terem considerado
que as competências por si detidas eram plenamente satisfatórias para o
desempenho das suas actividades profissionais. O panorama encontrado
aponta assim para uma dinâmica de qualificação no tecido económico
ainda mais lenta do que a da aquisição de competências por parte das
populações (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996).
53
Para tal tem contribuído decisivamente a elevada e crescente partici-
pação de mão-de-obra feminina na força de trabalho. Esta atinge níveis
bastante superiores aos de outros países tradicionalmente mais próxi-
mos de Portugal em termos culturais (como a Espanha, a Itália, a Irlanda
ou a Grécia), facto que se pode explicar não só pelas recentes dinâmicas
de autonomia e emancipação das mulheres portuguesas, mas também
pelos processos de emigração e mobilização militar dos homens nas dé-
cadas de 60 e 70, ou ainda pelos próprios constrangimentos financeiros
vividos por muitas das famílias portuguesas.
Taxa de emprego
Taxa de emprego Taxa de emprego Taxa de emprego
feminino
global sénior a tempo parcial
%
País % % %
mulheres de 15-
15-64 anos 55-64 anos nos empregados
64 anos
1990 2001 1990 2001 1990 2001 1990 2001
União Europeia 61,4 64,1 48,2 54,9 38,1 39,2 13,3 13,8
Alemanha 64,1 65,9 52,2 58,6 36,8 36,8 13,4 17,6
Áustria --- 67,8 --- 59,8 --- 27,4 --- 12,4
Bélgica 54,4 59,7 40,8 50,7 21,4 25,2 14,2 17,6
Dinamarca 75,4 75,9 70,6 71,4 53,6 56,6 19,2 14,5
Espanha 51,1 58,8 31,6 43,8 36,8 39,2 4,6 7,9
Finlândia 74,1 67,7 71,5 65,4 42,5 45,9 7,5 10,5
França 59,9 62,0 50,3 55,2 35,6 36,5 12,2 13,8
Grécia 54,8 55,6 37,5 41,2 40,8 38,0 6,7 4,8
Holanda 61,1 74,1 46,7 65,3 29,7 39,3 28,2 33,0
Irlanda 52,1 65,0 36,6 54,0 38,6 46,6 9,8 18,4
Itália 52,6 54,9 36,2 41,1 21,9 18,6 8,8 12,2
Luxemburgo 59,1 63,0 41,4 50,8 28,2 24,8 7,6 13,1
Portugal 67,5 68,7 55,4 61,1 47,0 50,3 6,8 9,2
Reino Unido 72,5 71,3 62,8 64,7 49,2 52,2 20,1 23,0
Suécia 83,1 75,3 81,0 73,5 69,4 67,0 14,5 17,8
EUA 72,2 73,1 64,0 67,1 54,0 58,4 13,8 13,0
Japão 68,6 68,8 55,8 57,0 62,9 62,0 19,2 24,9
54
Os dados recolhidos através do inquérito desenvolvido no âmbito da
presente investigação confirmam precisamente este forte envolvimento
feminino no mundo laboral, dando contudo também a conhecer im-
portantes diferenças geracionais. Entre as mulheres nascidas antes de
1974 a presença no mercado de trabalho, embora relativamente elevada
(na ordem dos 55%), mantém-se bastante aquém da registada entre os
homens da mesma idade (67%). De referir que, entre essas, quase 18%
ocupam-se exclusivamente das tarefas do lar. Tal categoria, fortemente
representativa entre as mulheres com 50 e mais anos, é praticamente
inexpressiva nos escalões etários mais jovens. Entre os maiores de 15
anos já nascidos após o regresso à democracia, uma parte significativa
(30%) encontram-se ainda na condição de estudantes (reflexo do pro-
longamento dos processos de escolarização). Mas entre os restantes, a
presença das mulheres na esfera profissional tende já a aproximar-se da
dos homens (a taxa de actividade masculina neste grupo ronda os 69%
e a feminina os 64%), mais um indicador da importante alteração do
papel da mulher na sociedade portuguesa.
Outra questão interessante na caracterização do mercado de trabalho
em Portugal diz respeito ao prolongamento da vida activa (que tem aca-
bado por compensar a crescente tendência para entradas mais tardias).
Parte significativa dos homens ou das mulheres permanecem profissio-
nalmente activos para lá dos 55 anos de idade, quando muitos dos seus
congéneres europeus deixaram de o ser (quadro 2.11).
Há neste ponto a considerar a coexistência de situações diferenciadas
e, até certo ponto, contraditórias. É conhecido o elevado número de
processos de reforma antecipada, decorrentes nomeadamente das estra-
tégias de reestruturação empresarial nas últimas décadas. Mas, sabe-se
também que muitos destes trabalhadores acabam por desenvolver outras
actividades, frequentemente de carácter independente, como forma de
reforçar os orçamentos familiares ou de manter uma ocupação por parte
daqueles que se sentem aptos para tal. Por outro lado, os mais velhos, e
designadamente os menos qualificados, estão limitados ainda, em mui-
tos casos, a pensões de reforma bastante baixas, o que acaba por induzir
a manutenção de algum tipo de actividade económica. E também entre
os mais qualificados – que em geral enfrentam a idade avançada em me-
lhores condições económicas para usufruir da situação de reforma – se
verifica alguma tendência para o prolongamento da vida activa, processo
55
em que se combinam razões de diversa ordem, desde as de recusa pessoal
à inactividade profissional até às oportunidades económicas decorrentes
da procura das suas qualificações.
Nos últimos anos, tem vindo também a aumentar (à semelhança do
registado noutros países ocidentais), a importância dos contingentes de
imigração, constituídos na sua esmagadora maioria por população em
idade activa, que assim contribui igualmente para o crescimento das
taxas de actividade profissional.
Os níveis de desemprego, embora tenham sofrido nos anos mais
recentes (início do século XXI) uma súbita inflexão crescente e sejam
sempre preocupantes pelo significativo impacto que têm na vida das pes-
soas e famílias, em especial nas de recursos mais escassos, têm-se mantido
regra geral abaixo dos verificados na União Europeia, ou mesmo na gene-
ralidade dos países da OCDE. Importa contudo salientar que este indi-
cador deve sempre ser tomado com alguma cautela, não só pela sua forte
variabilidade conjuntural, como também pela sua permeabilidade face a
problemas metodológicos relacionados com os critérios de medida.
De qualquer forma, é conhecido ser entre os jovens e os trabalhado-
res menos qualificados e com maiores dificuldades de adaptação às novas
exigências da economia actual que se verificam as maiores incidências de
desemprego. De salientar também alguma dificuldade de absorção ime-
diata dos jovens recém-licenciados, decorrente em larga medida da fraca
modernização de parte do tecido empresarial português.
Segundo os dados apurados directamente através do inquérito lança-
do a propósito deste estudo, cerca de 12% dos activos com menos de 30
anos de idade declaram encontrar-se em situação de desemprego (4 pontos
percentuais acima dos valores registados entre os mais velhos). O impacto
social de tal situação é agravado ainda pelo facto de ser também nestas
faixas etárias que é mais frequente a ausência de qualquer subsídio. Cerca
de metade dos desempregados em Portugal não usufruem de subsídio
de desemprego, sintoma da fragilidade das políticas sociais no país. Mas
entre os mais novos essa percentagem sobe para mais de 83% dos casos,
reflectindo a grande instabilidade por muitos destes vivida no que toca à
inserção profissional e as insuficiências dos sistemas de segurança social.
Entre os empregados por conta de outrem (que correspondem, grosso
modo a 3/4 da população activa), o vínculo laboral mais comum continua
a ser o contrato permanente. Segundo os dados apurados directamente
56
pela presente pesquisa, este representa na globalidade quase 70% dos casos,
sendo contudo bastante mais frequente entre as gerações mais velhas.
Outras modalidades contratuais, como o “contrato a termo certo”,
têm vindo a conhecer um forte crescimento na última década, fruto do
declínio do modelo anterior baseado em inserções profissionais estáveis e
duradouras. Os vínculos contratuais mais precários atingem em particu-
lar os recém-chegados ao mercado de trabalho, em especial as mulheres.
Quase 35% dos nascidos a partir de 1974 já inseridos profissionalmente
têm contratos a prazo, percentagem que sobe ainda cinco casas percen-
tuais no caso das jovens do sexo feminino (entre os mais velhos, tal valor
vai pouco além dos 10%). De salientar também que, em Portugal, quase
10% dos trabalhadores por conta de outrem não dispõem de qualquer
tipo de vínculo laboral formal, situação que atinge em particular os traba-
lhadores pouco qualificados, independentemente do género ou da idade.
A instabilidade laboral dominante entre as camadas mais jovens da
população é igualmente patente quando se observa o número de entida-
des para as quais estes prestaram já serviços. Entre os activos com menos
de 30 anos de idade, perto de 40% trabalharam já para duas ou mais
organizações, não obstante terem entrado para o mercado de trabalho
recentemente. Tal afigura-se bastante ilustrativo das transformações
do emprego, tanto mais quando, comparativamente, quase 85% dos
trabalhadores mais velhos trabalharam apenas numa única empresa ou
organização ao longo da sua vida activa.
O alargamento de modelos menos tradicionais de prestação de traba-
lho, como o emprego a tempo parcial ou o tele-trabalho, tende a ter no
entanto uma expressão bem mais reduzida do que noutros países ociden-
tais (quadro 2.10), verificando-se nestes casos, e à semelhança do padrão
internacional, uma maior incidência entre as mulheres. Neste contexto, é
importante notar que, em Portugal, o trabalho a tempo parcial, muito em
particular o feminino, remete frequentemente para ocupações pouco qua-
lificadas, sendo ainda relativamente raro entre as profissionais com melho-
res níveis de qualificação. Segundo os dados recolhidos junto dos inqui-
ridos no âmbito do estudo agora apresentado, quase 55% das mulheres
inseridas no mercado de trabalho a tempo parcial são trabalhadoras não
qualificadas (no caso dos homens tal percentagem é de cerca de 25%).
O trabalho por conta própria (que compreende quer os trabalha-
dores independentes quer a classe patronal) tem conhecido, por seu
57
turno, alguma estabilidade nas últimas décadas, representando segundo
os dados oficiais perto de 1⁄4 da população activa (Banco de Portugal,
2002; GEPE, 2003). Os resultados obtidos directamente confirmam
este cenário, permitindo ainda concluir que estes empreendedores
são, na maioria dos casos, trabalhadores independentes ou pequenos
empresários na área do comércio ou serviços, com poucas qualificações
académicas – longe da figura do empreendedor altamente qualificado
emergente em regiões de grande desenvolvimento económico (veja-se o
caso da Califórnia, Castells, 2002). Cerca de metade trabalham sós e os
restantes detêm pequenas empresas com um número muito reduzido
de trabalhadores, o que vem mais uma vez corroborar o carácter frágil e
disperso da estrutura empresarial portuguesa.
Quanto à evolução da estrutura ocupacional em Portugal (quadro
2.12), são também bastante expressivas as alterações verificadas nas
últimas décadas, acompanhando as dinâmicas vividas quer a nível da
distribuição sectorial do emprego, quer da qualificação da população
activa (Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000).
Um aspecto desde logo a salientar prende-se com a confirmação do
forte declínio do sector agrícola enquanto fonte de trabalho, aliás já
anteriormente referido. São bastante escassos os jovens com este tipo de
inserção profissional, pelo que esta população conhece assim um inten-
so processo de envelhecimento, mantendo níveis de qualificação escolar
bastante baixos, bem como escassos rendimentos.
Pelo contrário, as ocupações mais exigentes do ponto de vista do pro-
cessamento da informação e da mobilização de conhecimentos de natu-
reza complexa registam uma importante expansão, reflexo da crescente
incorporação de tecnicidade nas actividades económicas ou nos serviços
públicos. Veja-se o exemplo paradigmático dos profissionais intelectuais
e científicos que, embora ainda longe dos valores alcançados noutros
países europeus ou norte-americanos, conhecem um crescimento mui-
to significativo (Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000;
Castells, 2002). Em 2001, representavam perto de 10% da população
activa portuguesa. O aparente decréscimo apontado em 1991 deve-se à
introdução de uma nova categoria estatística – a dos técnicos de nível
intermédio – devendo as duas ler-se em conjunto para comparações
retrospectivas. Ambas registam desde então um considerável aumento,
confirmando a crescente qualificação do emprego em Portugal.
58
Quadro 2.12 Distribuição do emprego por profissões, Portugal, 1960-2001 (%)
Nota: As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período, pelo que a comparabi-
lidade dos dados apresentados, embora em termos gerais possível, tem de ter em conta algumas ressalvas.
A categoria “dirigentes” apresenta, nos anos de 1960 a 1981 alguma sub-representação, na medida em que
alguns dirigentes de unidades empresariais se encontravam incluídos noutras categorias (ex. directores de
restauração e hotelaria, de unidades comerciais ou de explorações agrícolas). A categoria “técnicos intermé-
dios” é impossível de construir até 1991, estando estes trabalhadores incluídos até então nos “profissionais”,
nos “empregados administrativos” e nos “vendedores e empregados dos serviços”. Os “trabalhadores não
qualificados” estão incluídos, até 1981, nos grupos dos “operários, artífices e operadores”, dos “vendedores
e empregados dos serviços” ou dos “agricultores ou trabalhadores agrícolas”.
Fonte: INE, Recenseamentos Gerais da População.
59
Os jovens com qualificações baixas ou médias tendem a optar prefe-
rencialmente por ocupações ligadas aos serviços e vendas ou, em especial
no caso das mulheres, às tarefas administrativas. A título de exemplo,
mais de 20% dos activos nascidos a partir de 1974 desenvolvem profis-
sionalmente actividades de prestação de serviços e de empregados do
comércio, quando entre os mais velhos tal percentagem vai pouco além
dos 13%. Este é assim o grupo profissional mais jovem do panorama
português.
Tal está contudo longe de indicar uma ausência de jovens nas fileiras
do operariado industrial. Pelo contrário, esta é ainda hoje uma saída
profissional para muitos dos jovens portugueses, em particular do sexo
masculino e com mais curtos percursos de escolarização. De acordo com
os dados apurados directamente, cerca de 38% dos homens já nascidos
no período democrático, e que actualmente integram a população activa,
enquadram-se entre os trabalhadores da indústria (percentagem próxima
da registada nas gerações mais velhas). Destes, cerca de 14% são ainda
considerados mão-de-obra industrial não qualificada. Confirma-se pois,
mesmo entre a juventude, a manutenção de uma faixa não negligenciá-
vel da população caracterizada por uma manifesta escassez de recursos
face ao mercado de trabalho e, consequentemente, face a muitas outras
esferas da vida social.
Os profissionais intelectuais e científicos e, em larga medida,
também os técnicos intermédios, são os grupos ocupacionais em que
a presença de ambos os sexos é actualmente mais equilibrada, confir-
mando – à semelhança do que se passa noutros países desenvolvidos
– a crescente feminização destas profissões registada nas últimas décadas
(Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000; Castells, 2002).
Os dados directamente recolhidos nesta pesquisa revelam também que
o peso relativo deste tipo de ocupações se mantém aproximadamente
constante nos vários escalões etários compreendidos entre os 25 e os 50
anos, sendo acentuadamente menor entre os mais velhos. Se este baixo
valor entre a população de maior idade é facilmente interpretado como
tradução directa dos fracos índices de modernização das estruturas so-
ciais e económicas portuguesas durante boa parte do século XX, já o
equilíbrio registado entre os restantes grupos etários é mais curioso se se
atender ao facto dos mais jovens demonstrarem níveis mais elevados de
educação formal, um dos critérios de acesso a este tipo de profissão.
60
Esta situação é, em larga medida, explicada pelo facto dos jovens,
mesmo que frequentemente com elevadas formações académicas, ten-
derem a iniciar a sua vida activa em profissões com menores exigências
de qualificação e mais baixas posições hierárquicas. Entre os licenciados
nascidos antes de 1974 quase 60% desenvolvem ou desenvolveram acti-
vidades enquanto profissionais intelectuais e científicos; entre os mais
jovens com igual estatuto académico essa percentagem desce para pouco
mais de 33%, ocupando-se os restantes preferencialmente de actividades
administrativas ou técnicas de nível intermédio.
Parece assim verificar-se em Portugal alguma resistência à penetração
dos jovens nas carreiras profissionais melhor posicionadas na estrutura
social – dotadas de níveis mais significativos de qualificações, e de maior
poder e status. Para além dos factores relativos aos tempos sociais habi-
tuais de progressão nas carreiras profissionais, tal como na acumulação
de capitais económicos, acresce na sociedade portuguesa actual alguma
dificuldade em expandir a oferta deste tipo de inserções profissionais de
modo a absorver estes recém-chegados ao mercado de trabalho, mesmo
que estes demonstrem frequentemente melhores níveis de formação
formal do que muitos daqueles que já o integram. Tal é particularmente
evidente ao analisar a distribuição da população segundo a categoria
socioprofissional – um indicador compósito que integra como variáveis
não só a profissão e a situação na profissão mas também a qualificação
profissional e a posição hierárquica (quadro 2.13).
Os jovens, tal como boa parte dos mais velhos, concentram-se maio-
ritariamente nas categorias referentes aos assalariados de base, nomeada-
mente, aquelas que integram os empregados executantes (que se ocupam
de actividades administrativas, comerciais, de segurança e serviços) e os
operários industriais (que desempenham tarefas de produção fabril/
oficinal e de transporte). Embora com diferenças significativas entre
si – pela especificação técnica das funções que executam, pelos contex-
tos relacionais em que se integram ou ainda pela valorização social do
trabalho que desenvolvem – trata-se em ambos os casos de posições na
estrutura socioprofissional caracterizadas pela ausência de poderes hie-
rárquicos significativos, fracos graus de autonomia no trabalho e níveis
de rendimentos tendencialmente mais baixos. De registar é também o
afastamento dos activos com menos de 30 anos das categorias relativas
ao trabalho independente, modalidade bastante mais comum entre os
mais velhos (e nestes, em geral, de perfil não muito qualificado).
61
Quadro 2.13 Categorias socioprofissionais segundo idade e sexo, Portugal, 2003 (%)
Categorias Empresários,
Profissionais
socioprofissionais dirigentes e Trabalhadores Agricultores Empregados Operários Assalariados
técnicos e de Total
segundo idade profissionais independentes independentes executantes industriais agrícolas
enquadramento
e sexo liberais
100,0
Homens 15,7 13,3 11,5 3,1 12,8 40,9 2,7 n=775
Nascidos 100,0
até 1974
Mulheres 7,3 11,0 12,4 2,6 26,9 34,7 5,2 n=784
100,0
Total 11,5 12,1 11,9 2,8 19,9 37,8 4,0 n=1559
100,0
Homens 7,6 11,6 2,4 0,0 24,7 52,6 1,2 n=251
Nascidos
em 100,0
1974 ou
Mulheres 4,5 15,8 3,2 0,4 44,5 29,6 2,0 N=247
depois
100,0
Total 6,0 13,7 2,8 0,2 34,5 41,2 1,6 n=498
100,0
Total 10,2 12,5 9,7 2,2 23,4 38,6 3,4 n=2058
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todas as categorias).
62
mais elevada do que a registada pelas mulheres mais velhas. A progressiva
feminização dos grupos melhor situados na estrutura social é assim um
dos traços mais marcantes da evolução recente do país e um dos indicado-
res em que a convergência face à Europa se faz claramente notar.
A estrutura socioprofissional portuguesa mantém ainda fortes traços
característicos das sociedades industriais de meados do século XX, tal
como acontece em muitos outros países (Castells, 2002). Permanece,
inclusive entre os jovens e não obstante o desenvolvimento sócio-edu-
cativo recente, uma proporção significativa da população com inserções
profissionais relativamente pouco qualificadas e pautadas pela fraca mo-
bilização de conhecimentos codificados. E parecem manter-se, em muitos
casos, estruturas laborais que tendem a privilegiar a antiguidade sobre a
formação. Mas, a evolução recente revela o geminar de novas formas de
organização socioeconómica, nas quais os jovens e os indivíduos mais es-
colarizados terão um papel bastante relevante. Começam a assumir maior
protagonismo o empresariado e as novas classes médias assalariadas,
caracterizadas por elevados índices de qualificação, melhores níveis de
rendimento, novas modalidades de consumo e práticas culturais e, ainda,
por uma crescente paridade entre os sexos. São precisamente estes grupos
que demonstram um maior dinamismo profissional, traduzido, entre
outros, num maior investimento na formação contínua, em promoções
mais frequentes ou na crescente complexificação dos conhecimentos mo-
bilizados no trabalho. Estas são, aliás, características presentes entre boa
parte dos jovens, mesmo que estes não beneficiem de igual estabilidade
laboral ou que se integrem em categorias profissionais de nível inferior.
A título de exemplo, segundo o apurado directamente por esta
pesquisa, mais de 1/3 dos profissionais técnicos e de enquadramento
e perto de 1/5 dos activos menores de 30 anos de idade foram promo-
vidos nos últimos dois anos, quando a média global não foi além dos
15%. Num contexto pautado pela crescente tecnicidade das actividades
produtivas e dos serviços prestados, cerca de metade da população activa
portuguesa terá, em igual período, passado a mobilizar no seu trabalho
um maior volume de conhecimentos técnicos. Mas no caso específico
daqueles dois grupos, tal incidência é ainda maior – respectivamente
75% e 57% – o que indicia bem os processos de desenvolvimento profis-
sional em que estes estão actualmente envolvidos.
63
Evolução demográfica e transformações
nas estruturas familiares: modernidade e tradição
64
Os fenómenos de migração interna manifestam um significado
importante na história recente do país. De acordo com os dados directa-
mente recolhidos pela presente investigação, cerca de 1/3 da população
nascida em Portugal não é originária do concelho onde reside actual-
mente. Entre os mais novos a situação mais frequente é terem nascido
noutro concelho do mesmo distrito, mas entre os restantes são patentes
migrações mais distantes, reflexo porventura do mais forte êxodo das
regiões do interior do país registado há algumas décadas atrás. É tam-
bém interessante verificar que, se entre os nascidos antes de 1974 não
chegam a 10% aqueles que referem ter mudado de local de residência
nos últimos anos, já entre os mais novos os casos mobilidade residencial
recente duplicam. Tal pode ser atribuído a factores como eventuais des-
locações sazonais com intuitos académicos, mudança de residência por
motivos profissionais ou a provável saída recente do lar paterno, entre
outros. Uma parte significativa da população, em especial a mais jovem,
manifesta pois alguma mobilidade geográfica, que se traduz não só em
migrações internas mas também, nalguns casos, pela residência noutros
países.
Aliás, é de salientar a emigração como um dos traços estruturais da
história da sociedade portuguesa, nomeadamente no século XIX e no
século XX, em especial, neste último, nos anos 70/60.
No que toca ao crescimento demográfico, do início ao fim do século
XX assiste-se a uma duplicação da população residente, ultrapassando-
-se na última década a mítica barreira dos 10 milhões de habitantes.
Tal crescimento esteve contudo longe de ser contínuo. Olhando em
particular para a segunda metade do século, terá sido particularmente
favorecido, na década de 70, pelo regresso de um vasto contingente de
residentes nas ex-colónias, e, desde a de 90, pelo aumento significativo
do número de imigrantes. Tal permitiu superar os efeitos demográficos
da emigração, particularmente fortes nas décadas de 60/70. A popula-
ção estrangeira representava em 2001, cerca de 2,2% do total de habitan-
tes; valor que, embora bastante abaixo dos registados noutros países com
forte tradição de imigração (Castells, 2002) e ainda pouco representativo
na população portuguesa, remete para uma duplicação de efectivos es-
trangeiros no espaço de uma década (Machado, 1999; Pires, 1999). A
abertura de Portugal aos fluxos migratórios – quer por via da emigração,
que mantém ainda hoje níveis elevados, por vezes subavaliados (Baganha
65
e Peixoto, 1997), quer actualmente também da imigração – é assim um
importante dado a considerar na caracterização social, económica e
cultural do país.
66
registadas no estatuto da mulher no quadro social, económico e jurídico
português, bem como da própria criança. Veja-se, a título de exemplo, a
evolução recente da idade média das mulheres à data de nascimento do
primeiro filho: 24,7 anos de idade em 1990, 27 em 2001 (INE, 2002b).
Paralelamente, decorrendo do progressivo desenvolvimento dos
cuidados de saúde no país, é evidente a queda das taxas de mortalidade
infantil – que tinha permanecido bastante elevadas durante boa parte
do século XX – bem como o gradual aumento da esperança média de
vida à nascença. Esta atinge, em 2001, 73,5 anos no caso dos homens e
80,3 das mulheres (já relativamente perto dos valores médios europeus),
o que significa em termos gerais um aumento de quase 3 anos no espaço
de uma década.
Este panorama acaba por se reflectir num progressivo envelheci-
mento da população, patente tanto na diminuição do peso relativo da
população jovem, como no aumento da mais idosa (quadro 2.14). Esta
tendência, comum à generalidade dos países europeus, foi iniciada em
Portugal de forma mais tardia, mas também mais intensa, pelo que a
estrutura etária nacional se aproxima hoje bastante da registada no resto
da Europa. Tal facto – traduzido no aumento da população dependente
(crianças, jovens e idosos) – vem colocar novos desafios à manutenção
do modelo europeu de protecção social, ainda mais preocupantes num
país como Portugal, onde o Estado-Providência nunca teve a extensão
alcançada noutros países (Mozzicafreddo, 1998).
Intimamente associadas a estas alterações, encontram-se por seu tur-
no as transformações vividas, em especial na última década, no seio das
estruturas familiares (quadro 2.15). Alguns indicadores demográficos
são particularmente sugestivos destas intensas mudanças, que aproxi-
mam rapidamente Portugal dos padrões europeus e que o tornam in-
clusivamente pioneiro no conjunto dos países da Europa mediterrânica
(tradicionalmente com quadros culturais mais próximos do português).
Veja-se a taxa da nupcialidade que, depois de subir continuamente até
meados dos anos 70, conhece desde então um importante declínio,
rondando em 2001 os 5,4 ‰; ou o peso relativo dos casamentos civis
que, em 1960, representavam menos de 10% dos casamentos e que ac-
tualmente significam perto de 36%; ou ainda a crescente importância
relativa dos filhos fora do casamento, que em 2001 ascendiam a 23% do
total de nascimentos.
67
Quadro 2.15 Evolução das estruturas familiares, Portugal, 1960-2001
68
acaba por se reflectir também na expansão das famílias monoparentais
– constituídas cada vez mais por divorciados com filhos a cargo, na maio-
ria mulheres, e não por viúvos(as) – bem como no aumento da impor-
tância relativa dos recasamentos e das famílias reconstituídas.
Por todos estes factores, a dimensão média dos agregados familiares
conhece uma progressiva diminuição. São cada vez menos frequentes as
famílias alargadas e os agregados constituídos por vários núcleos fami-
liares. E, pelo contrário, tende a ser mais expressivo o número de indi-
víduos que vivem sós, não só entre os grupos etários mais velhos – que
tradicionalmente se encontravam nesta situação na sequência de uma
viuvez – mas também entre os mais jovens – que assim vivenciam uma
outra forma de emancipação familiar, não necessariamente associada à
conjugalidade.
Os valores inerentes à família e ao casamento têm vindo assim a
mudar consideravelmente entre a maioria dos portugueses, ainda que as
práticas efectivas nem sempre o reflictam de forma tão imediata e expres-
siva. E, noutros casos, é de considerar que as práticas se alteram, mesmo
sem uma correspondente mudança ao nível das representações. Vários es-
tudos extensivos mostram que a conjugalidade é cada vez mais entendida
como um compromisso afectivo e privado, laico e não necessariamente
institucionalizado (Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall, 1998; INE,
2003). A família surge como um espaço de afectos e realização pessoal, e
as diferenças de estatuto entre homens e mulheres tendem a ser minimi-
zadas, privilegiando-se concepções baseadas no princípio da igualdade.
Contudo, e apesar dos processos de emancipação feminina anun-
ciados, muitas das práticas no seio familiar (e fora dele), mantêm os
contornos do modelo tradicional de relação entre os sexos. Veja-se o
caso da divisão das tarefas domésticas que, não obstante a participação
da mulher no mundo do trabalho, continua a ser claramente desfavo-
rável para esta; as desigualdades salariais ainda persistentes; ou ainda a
fraca taxa de participação feminina na vida social e política (Ferreira,
1999). A conciliação entre o trabalho e a vida familiar, particularmente
cara às mulheres, é cada vez mais entendida como uma questão central
no desenvolvimento do país, em relação à qual muito tem ainda de ser
feito na aproximação aos padrões de alguns países europeus, como os
escandinavos.
69
Estado e cidadania: novos desafios
70
Saúde que (apesar da crescente abrangência), está longe de garantir uma
assistência de qualidade a toda a população; ou ainda dos subsídios de
doença e desemprego dos quais são frequentemente excluídos os traba-
lhadores com inserções mais precárias no mercado de trabalho.
Em termos comparativos, pese embora o aumento crescente das
despesas públicas ou o elevado peso relativo dos funcionários públi-
cos – cerca de 20% da população empregada por conta de outrem
– o Estado-Providência português nunca alcançou a expressão atingida
noutros países (Mozzicafreddo, 1992; Santos, 1993; Viegas, 2000). Tal
não invalida que importantes desenvolvimentos tenham vindo a ser al-
cançados, nomeadamente no âmbito da protecção social e da regulação
económica, esta última particularmente beneficiada pelas transferências
financeiras da União Europeia. Enquadram-se neste âmbito uma mul-
tiplicidade de medidas visando, entre outros, o apoio à requalificação
dos trabalhadores e das estruturas produtivas, o incentivo à inovação
ou a concessão de benefícios à localização de actividades nas zonas do
interior (Mozzicafreddo, 1992, 1998).
Em curso está também, nos últimos anos, um processo de moderni-
zação da própria administração pública, cujas estruturas são ainda ava-
liadas como excessivamente burocráticas e centralizadas (Mozzicafreddo,
2002). Tendo como objectivo aumentar a eficiência dos serviços, bem
como a sua equidade e transparência, procedeu-se à informatização da
grande maioria das unidades. Criaram-se sítios na internet que facilitam
o acesso à informação por parte da população e que, nalguns casos par-
ticulares (acompanhando a evolução registada noutros países europeus),
permitem já a prestação de alguns serviços – como é o caso da entrega
on-line das declarações de impostos, na área das finanças, ou do pedido
de certidões, na área da justiça. Pontualmente estas páginas na internet
contemplam ainda espaços para que a sociedade civil se manifeste sobre
processos em consulta pública, começando assim a abrir novas modali-
dades de participação social e política. Disso são exemplo as experiências
desenvolvidas no âmbito do parlamento (Cardoso, Cunha e Nascimen-
to, 2003; Cheta, 2004).
A utilização destes recursos por parte dos portugueses é ainda, to-
davia, relativamente escassa: em 2002, apenas 39% dos utilizadores da
internet visitaram este tipo de sites, quando a média europeia era já de
mais 10 pontos percentuais (OIC, 2003).
71
Em termos gerais, é aliás consensual afirmar que, em Portugal, as
relações entre a população e o Estado são pautadas por uma conside-
rável distância (Viegas, 2000; Cruz, 1995; Freire, 2000; Cabral, 2000).
Passado o período de grande reivindicação social e política verificado
entre 1974 e 1976 na consequência do fim da ditadura, e uma vez con-
solidada a democracia representativa, os indicadores de participação
dos cidadãos portugueses na vida pública nacional retomam valores
bastante fracos (entre os mais baixos da União Europeia). Tal situação,
manifesta entre outras nas crescentes taxas de abstencionismo eleitoral,
vem colocar novos desafios à qualidade do próprio regime democrático,
instaurando – tal como tem acontecido noutros países – o debate sobre
a reforma das instituições de participação e sobre a necessidade de credi-
bilizar a actividade política (Viegas, 2000).
Vários factores podem ajudar a explicar a fraca cultura de partici-
pação política dos portugueses e o seu actual alheamento em relação a
muitos dos debates em curso (Cruz, 1995; Viegas, 2000; Freire, 2000).
Alguns estudos extensivos demonstram que, embora a democracia seja
considerada um valor decisivo entre a generalidade dos cidadãos, a nor-
malização do regime, a diminuição da conflitualidade entre propostas
e a pragmatização da política (nomeadamente a percepção dos limites
impostos pelas estruturas político-financeiras supra-nacionais) podem
constituir factores inibidores de um maior envolvimento. Também a
considerar são os fracos índices de literacia, que tornam mais difícil
uma participação activa e informada na vida política. Muitos cidadãos
demonstram, paralelamente, um claro desinteresse pela vida colectiva e
uma crescente desconfiança em relação aos outros e às instituições. Os
autores que se debruçam sobre este tema têm associado tais tendências,
por um lado, ao desenvolvimento de uma cultura individualista e hedo-
nista e, por outro, à crescente partidocracia e à multiplicação de escân-
dalos políticos com forte cobertura mediática (desafios em larga medida
também presentes noutras nações democráticas) (Sousa, 2003).
Pode apontar-se ainda a presença em Portugal, como noutros países
do sul da Europa, de importantes traços de uma cultura de autoritarismo
e subordinação, fruto da história e da lenta mudança das estruturas men-
tais mais profundas (Cruz, 1995). Esta terá dificultado o pleno desenvol-
vimento da cidadania e tornado mais permeável a sociedade portuguesa à
adesão a figuras políticas de imagem carismática e paternalista (frequente-
mente encontradas, entre outras, nas estruturas do poder local).
72
Neste contexto, não serão surpreendentes os fracos índices de
associativismo registados no país ou os baixos níveis de activismo em
organizações não governamentais, bastante inferiores à média europeia
(Cruz, 1995). Embora o número de associações sem fins lucrativos tenha
vindo a aumentar, alguns estudos desenvolvidos em meados dos anos 90
revelam que cerca de 2/3 da população portuguesa não tinha qualquer
pertença associativa (quando a média comunitária rondaria os 50%) e
que apenas 15% desenvolveria efectivamente algum tipo de actividade
em associações (Cabral, 2000; Martins, 2002). Os valores recolhidos
directamente no âmbito da presente investigação, em 2003, apontam
para percentagens ainda mais baixas, revelando também a ausência de
diferenças geracionais significativas neste domínio.
Entre as associações mais representativas encontram-se, à semelhan-
ça do que tende a acontecer na generalidade dos países europeus, as
associações de natureza cultural e recreativa e as estruturas com incidên-
cia sindical, patronal ou profissional – sendo neste ponto de destacar a
decrescente taxa de sindicalização dos trabalhadores portugueses (pelo
menos até ao final do século XX), bastante baixa em particular entre os
mais novos. Ao contrário do que se verifica noutras regiões, nomeada-
mente do norte da Europa, em Portugal tem ainda pouca expressão o
associativismo ligado, por exemplo, à defesa do ambiente ou dos direitos
cívicos (Cabral, 2000). Mesmo entre a população mais jovem e qualifica-
da, que noutros países tende a manifestar um maior interesse por estas
questões, o envolvimento associativo é muito pouco significativo.
Pontualmente, têm surgido nos últimos anos novas formas de parti-
cipação social e política, de que são exemplo a assinatura de petições ou
a organização de manifestações públicas não directamente decorrentes
do trabalho partidário. Em muitos casos, tal como no estrangeiro, estas
iniciativas utilizam como forma de mobilização os novos meios de comu-
nicação – nomeadamente a internet (Cruz, 1995; Viegas, 2000; Cabral,
2000; Cardoso e Neto, 2003). Entre os exemplos mais paradigmáticos
deste tipo de iniciativas encontram-se as acções de protesto e solidarieda-
de com o povo de Timor-Leste. Segundo os dados directamente apurados
nesta pesquisa, estas terão mobilizado, nas suas várias formas, quase 15%
da população portuguesa. A adesão ao movimento não distinguiu géne-
ros ou idades, mas revelou serem os mais qualificados do ponto de vista
académico aqueles que mais intensamente se envolveram nesta causa.
73
Não obstante estas manifestações, é consensual entre os diversos
analistas a relativa fragilidade da sociedade civil portuguesa ou, noutras
palavras, a sua dificuldade em se afirmar como actor chave das transfor-
mações do país. Em alguns domínios, o Estado tem assumido um papel
central na dinamização da mudança (Mozzicafreddo, 1992). Veja-se, por
exemplo, os incentivos à inovação, nas suas várias vertentes, ou o envol-
vimento directo nos investimentos em ciência e tecnologia.
Nesse sentido, poder-se-ia considerar tratar-se o Estado português de
um Estado forte, com grande prevalência sobre os cidadãos. Contudo,
mesmo não negando a debilidade e relativa ineficácia das estruturas
da sociedade civil, dificilmente se pode afirmar tal preponderância do
Estado na vida económica, social ou cultural do país. Não só porque se
registam diversas manifestações de mudança desencadeadas à margem
de qualquer intervenção estatal – de que são exemplos a feminização do
trabalho, as alterações dos estilos de vida ou as migrações. Mas também,
precisamente, porque é grande a distância dos cidadãos face às estruturas
do Estado, ou mesmo, nalguns casos, face à lei. São, entre outros, conhe-
cidos os problemas da evasão fiscal e da economia paralela, ou ainda uma
multiplicidade de outras questões em que se regista um claro desfasamen-
to entre a legislação existente e as práticas correntes desenvolvidas pela
generalidade dos portugueses. Quer porque o quadro legal nem sempre
acompanha as fortes transformações sociais e culturais entretanto desen-
cadeadas, quer, pelo contrário, porque não raras vezes as práticas não se
alteram por proposta legislativa (veja-se, entre muitos outros, a persistên-
cia de casos de discriminação salarial). Assim sendo, não só a sociedade
civil apresenta fragilidades mas também o próprio Estado português
anuncia alguns traços de debilidade na sua relação com os cidadãos,
sobretudo no que diz respeito a certos grupos de interesse específicos
(económicos, religiosos, desportivos, corporativos, mediáticos, etc.).
74
2002). As importantes transformações registadas neste domínio nas últi-
mas décadas assumem assim, à semelhança de outras já enunciadas, um
impacto decisivo no panorama cultural, político, social e económico do
país. Num espaço de tempo relativamente curto, a comunicação social
portuguesa abandonou um contexto pautado pela censura e por uma
forte regulação estatal para, após uma breve experiência de estatização
dos principais núcleos empresariais, enfrentar, como muitos outros paí-
ses desenvolvidos, os novos desafios da liberalização e da globalização do
sector (Oliveira, 1992, 1995; Mesquita, 1994).
Durante as largas décadas do período ditatorial, os media portugueses
permaneceram sujeitos a um apertado sistema de controlo ideológico,
não conhecendo, em termos gerais, grande impacto numa população ca-
racterizada pelos seus fracos índices culturais e pelo seu reduzido poder
de compra. Os jornais resultavam de pequenas estruturas empresariais,
pouco modernizadas, com baixos níveis de profissionalismo e com
uma situação financeira bastante débil. As rádios, embora com maior
audiência, permaneciam essencialmente sob o domínio do Estado e da
Igreja Católica, servindo directamente os seus interesses. E a televisão,
numa situação de monopólio, iniciou sob o controlo directo do poder
político emissões regulares em 1957, mantendo contudo por vários anos
uma fraca cobertura do território nacional. O protagonismo dos meios
de comunicação social em Portugal, embora crescente, manteve-se assim
limitado neste vasto período, afirmando-se os media, em boa medida,
como veículos propagandísticos do Estado junto da população que a
eles tinha acesso.
A revolução de Abril de 1974 consagrou a liberdade de expressão
como direito fundamental, ditando assim o fim da censura; mas condu-
ziu igualmente à nacionalização dos principais meios de comunicação
social e, nesse sentido, à manutenção dum regime de dependência face
ao Estado ou aos principais grupos políticos então emergentes (Mesquita,
1994). Os anos que se seguiram foram marcados pela profunda crise fi-
nanceira de muitas das empresas do sector – nomeadamente da imprensa
escrita, pública ou privada – não obstante a crescente importância dos
media na vida política, social e cultural do país. Data também desse perío-
do a proliferação, por todo o território nacional, das chamadas “rádios
piratas”, iniciativas de base local que, aproveitando a ausência de regula-
mentação e controlo efectivo do sector, se propuseram como alternativas
75
face à hegemonia até então vigente das duas principais emissoras, a de
propriedade estatal e a da igreja católica. Na maioria dos casos, aqueles
projectos tiveram uma curta duração, resultado quer do seu amadorismo,
quer também da saturação do espaço radiofónico e da sua posterior regu-
lamentação segundo as directivas comunitárias. Apesar disso, constituí-
ram-se em alguns casos como um importante espaço de dinamização de
debates e iniciativas de carácter local, bem como de formação para uma
nova geração de profissionais da comunicação social.
O contexto subjacente à adesão europeia criou novas condições para
o desenvolvimento dos media em Portugal. O clima de confiança econó-
mica então dominante favoreceu a estruturação do sector, suscitando a
criação de novos projectos empresariais e a modernização das estruturas
já existentes. Tais investimentos foram ainda beneficiados pelo dina-
mismo então conhecido no mercado da publicidade, fruto da abertura
económica aos produtos estrangeiros e das inovações introduzidas no
domínio do marketing. Inicia-se também neste período uma profunda
alteração da composição social dos produtores de informação mediática,
designadamente dos jornalistas, processo ao qual não é alheia a emer-
gência de novas ofertas de formação nestes domínios.
Fortemente associado a estas transformações encontra-se o processo
de reordenação legal do sector que, à semelhança do registado noutros
países, acabou por se traduzir na liberalização dos meios de comunica-
ção de massa em Portugal. Tal processo teve início com a privatização, a
partir de 1986, da imprensa escrita anteriormente nacionalizada; passou
pelo reordenamento do espectro radiofónico, em 1988; e culminou
com a revisão constitucional de 1989, que veio permitir a possibilidade
de exploração de emissões televisivas por parte de privados. Assistiu-se
assim, em 1992, ao nascimento de dois projectos de televisão privada e,
consequentemente, ao fim dos 35 anos de monopólio televisivo estatal.
Portugal entra então, embora com ligeiro atraso, na nova era da
comunicação social, marcada pela concentração e internacionalização
dos capitais, pela integração empresarial multimédia e multisectorial,
pelo desenvolvimento de novos modos de fabricação dos produtos infor-
macionais e de entretenimento e pela crescente tecnicidade dos meios
de produção, entre outros. Parte significativa dos programas emitidos
passam a resultar da importação de produtos ou modelos do estrangeiro,
nomeadamente das grandes redes de audiovisual a operar no território
76
mundial. Os meios de comunicação social afirmam-se claramente como
um dos mais importantes veículos de incorporação, na cultura portu-
guesa, de referências simbólicas de origem estrangeira, designadamente
anglo-saxónica, mas também brasileira, graças ao forte impacto socio-
cultural das telenovelas importadas desse país. Esta abertura ao exterior
raramente se traduz no fluxo inverso, ou seja, na exportação de produtos
nacionais.
A liberalização criou condições para um maior pluralismo dos pro-
dutos, debates e ideias veiculados pelos vários meios de comunicação
social. Mas as crescentes exigências financeiras e a necessidade de so-
breviver num mercado livre tornaram as empresas mais dependentes do
mercado publicitário e, logo, da conquista de audiências.
Os novos desafios do sector são, em Portugal, agravados pela reduzida
dimensão do mercado. As audiências televisivas são, em volume absolu-
to, bastante mais reduzidas do que noutros países europeus, embora em
termos relativos sejam já consideravelmente elevadas e portanto mais di-
ficilmente expansíveis. Segundo os dados directamente apurados, prati-
camente toda a população vê televisão diariamente, ocupando em média
2 horas e 45 minutos por dia nesta actividade. Embora a rádio manifeste
também níveis de audiência relativamente significativos, nenhum outro
media atinge importância comparável à da televisão.
Pelo contrário, a imprensa escrita continua a enfrentar os fracos
índices de leitura da população portuguesa, em particular das gerações
mais velhas, com menores níveis de literacia (Freitas, Casanova e Alves,
1997). A título de exemplo, segundo os dados recolhidos directamente
nesta pesquisa, pouco mais de 35% dos indivíduos maiores de 30 anos de
idade afirmam ler habitual ou ocasionalmente qualquer tipo de livro, per-
centagem que sobe para perto do dobro entre os mais jovens. A situação
tende a ser um pouco melhor no que toca especificamente à leitura de
jornais e revistas, mas ainda assim consideravelmente longe dos níveis al-
cançados noutros países europeus mais desenvolvidos (Obercom, 2003).
Assim sendo, e tal como acontece no mercado livreiro, o número
de títulos de jornais e revistas aumentou nos últimos anos, mas as
tiragens são comparativamente bastante pequenas. Segundo dados do
Observatório da Comunicação, em 1999, circulavam em Portugal 73
jornais diários por cada mil habitantes, o segundo valor mais baixo da
União Europeia, bem longe dos 234 da média comunitária (Obercom,
77
2003). Não obstante o preço de capa destas publicações – dos mais altos
do espaço europeu, o que também não contribuirá para a expansão dos
índices de leitura – a reduzida expressão das tiragens tem tornado a si-
tuação financeira destes meios de comunicação ainda mais dependente
das receitas da publicidade, receitas que estão longe de alcançar os níveis
registados noutros países mais desenvolvidos.
Comparando com o registado noutras regiões da Europa, apenas os
jornais desportivos e as revistas (de vários formatos e públicos alvo) assu-
mem audiências relativamente maiores, sendo esta em geral considerada
como uma das especificidades da imprensa portuguesa. Na tentativa de
responder de forma mais directa ao mercado e de assim garantir níveis
mais satisfatórios de circulação, muitos grupos têm vindo a adoptar es-
tratégias de especialização dos seus títulos. A mortalidade precoce destes
projectos editoriais é, contudo, salvo algumas excepções, bastante eleva-
da. E também a imprensa regional conhece dificuldades, estando longe
de alcançar tiragens comparáveis com as verificadas no estrangeiro. Pese
embora a tradição de vários títulos e os processos de modernização a que
alguns foram recentemente sujeitos, a generalidade dos jornais regionais
mantém estruturas pouco profissionalizadas, enfrentando fortes debili-
dades financeiras e alcançando um impacto relativamente reduzido na
população.
No final da década de 90, muitas das publicações impressas, como
aliás dos restantes media, ganharam uma nova dimensão com a entrada
no domínio das edições electrónicas (Cardoso, 2004a). Poder-se-á con-
siderar que a notoriedade pública dos títulos se tornou profundamente
associada à sua presença na internet e que os grupos empresariais apro-
veitaram as potencialidades desta nova tecnologia na tentativa de alargar
as suas audiências. Nalguns casos, passaram mesmo a prestar novos servi-
ços (ex. acesso aos arquivos para pesquisa), dedicando em geral bastante
atenção às suas edições on-line. A adesão dos cibernautas portugueses a
este novo formato foi bastante significativa. Mas a relativamente fraca
difusão da internet em Portugal tem limitado esta área de negócio, não
constituindo nem um estímulo nem uma ameaça relevante às publica-
ções tradicionais.
A televisão assume-se assim como o principal meio de informação
e entretenimento da população portuguesa, muito em particular das
gerações mais velhas e menos escolarizadas, caracterizadas não só por
78
mais baixos índices de leitura mas, também, por uma mais fraca adesão
a práticas culturais outdoor e por um maior afastamento face a meios
de comunicação baseados em novos suportes tecnológicos – de que são
exemplo, a internet ou mesmo o vídeo/DVD.
Sujeitos à “guerra das audiências” e acompanhando a própria evolu-
ção dos estilos de comunicação audiovisual a nível global, os canais te-
levisivos portugueses têm vindo a proceder a uma significativa alteração
dos seus produtos, nomeadamente com uma maior aposta na interacção
directa com o público e na correspondência face às expectativas de um
maior número de telespectadores. Esta homogeneização e populariza-
ção dos seus produtos tem conduzido segundo alguns analistas a uma
redução significativa da qualidade da oferta prestada, suscitando assim
a discussão pública sobre a natureza do serviço público fornecido pelos
meios de comunicação de massas. É precisamente neste contexto – agra-
vado pela persistência de importantes défices financeiros da empresa
pública de televisão – que se assiste nos primeiros anos do século XXI à
reestruturação da oferta dos canais estatais e, inclusivamente, à abertura
da emissão do segundo canal à iniciativa da sociedade civil. Não obstan-
te todas as críticas, em 2003, ou seja, ainda antes desta última operação,
parte importante da população (cerca de 60%) manifestava, no inquéri-
to lançado especificamente para esta pesquisa, a opinião de que a oferta
televisiva era, naquela data, melhor do que seria há alguns anos atrás.
Nos últimos anos, seguindo as tendências registadas na maioria dos
países ocidentais, multiplicaram-se os debates televisivos sobre temas
de actualidade, os chamados “directos” nos serviços informativos e os
talk-shows ou outros produtos em que é, de algum modo, estimulada a
intervenção do cidadão comum (Cardoso, 2004a). Terá sido assim aber-
ta uma maior possibilidade de acesso à informação e de participação
no espaço de debate público por parte da população. No entanto, e
tal como parece verificar-se noutras regiões do globo, esta participação
tende a ser bastante circunscrita e efémera, não tendo, como se viu,
repercussões significativas nas práticas de cidadania dos portugueses. Os
dados recolhidos directamente revelam ser inexpressiva a percentagem
da população que alguma vez entrou, por qualquer meio, em contacto
com algum órgão de comunicação social.
A própria interacção entre os domínios da política e dos media tem
vindo a sofrer importantes alterações, na linha do registado na maioria
79
dos países ocidentais. Os políticos adoptam frequentemente os timings
e técnicas da comunicação audiovisual e os meios de comunicação
afirmam-se como um dos principais espaços de combate político. Ao
promoverem debates, divulgarem sondagens, darem frequentemente
forte cobertura a escândalos de corrupção ou outros, os media assumem
um papel determinante na vida política do país e no posicionamento
dos cidadãos face a esta esfera. A presença na televisão, nos jornais
ou nas rádios de figuras públicas com conexões político-partidárias
tornou-se comum, frequentemente sob a figura de comentadores sobre
os acontecimentos mais marcantes da vida pública nacional. Embora já
com contornos bastante diferentes daqueles vividos há algumas décadas
atrás, a relação entre os media e a esfera política mantém-se assim bastan-
te próxima.
Finalmente, importa frisar que, não obstante a eventual tendência
homogenizante da oferta de alguns dos meios de comunicação social
nacionais, a variedade de produtos de informação e entretenimento
hoje ao dispor dos portugueses através dos media terá necessariamente
aumentado. Basta referir que – pese embora os canais mais vistos conti-
nuem a ser os mesmo quatro disponíveis por via hertziana – pelo menos
cerca de 40% da população tem acesso diário, no seu espaço doméstico,
a uma multiplicidade de canais televisivos estrangeiros através da TV por
cabo; e que um número crescente de cidadãos tem vindo, como se verá
nos próximos capítulos, a familiarizar-se com a utilização da internet,
acedendo assim a um gigantesco manancial de recursos de informação e
lazer de natureza global (Cardoso, 2003).
80
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 3
Portugal no mundo: a internet no contexto global
A
utilização da internet espalhou-se por todo o mundo a uma
velocidade muito superior à de qualquer outro meio de comu-
nicação ao longo da história.1 Em 1995, o primeiro ano de
existência de um browser comercial (Netscape Navigator), havia cerca de
16 milhões de utilizadores2 e, em Março de 2003, estima-se que seriam
649 milhões3.
A ideia, na génese do que futuramente viria a ser conhecido por
internet4, ocorreu na primeira metade da década de 60 quando Paul
Baran, trabalhando na altura na Rand Corporation – uma entidade de
investigação dos EUA – propôs-se criar um sistema de comunicações
que resistisse a um ataque nuclear. Essa proposta tecnológica baseava-se
na denominada tecnologia da comunicação de comutação de pacotes.
Isto é, a comunicação idealizada de som, texto ou imagem, ocorreria
através da divisão da informação num conjunto numerado de pacotes
que seriam enviados e reagrupados no destino, mantendo portanto a
integridade da informação.
O antepassado directo da internet, a ARPANET, iniciou a sua ac-
tividade em Setembro de 19695 ligando a Universidade da Califórnia,
1
No presente capítulo participou na sua elaboração Rita Espanha, docente
do INP e investigadora participante na acção COST-ESF A20, ver http://cost-
a20.iscte.pt.
2
IDC, www.idcresearch.com.
3
Global Reach, global-reach.biz/globstas.
4
Os dados aqui apresentados sobre a história da internet são produto de uma re-
colha de várias fontes existentes em bibliografia, nomeadamente as obras de Manuel
Castells (2004a), Jane Abbate (1999) e nas páginas da Internet Society e ICANN na
World Wide Web.
5
Para uma cronologia alargada dos eventos e intervenientes da história da inter-
net, ver Abbate (1999).
81
Los Angeles, o Instituto de Investigação de Stanford, a Universidade da
Califórnia em Santa Bárbara e a Universidade do Utah. Tratava-se de
uma rede destinada à investigação no quadro dos programas de pesquisa
do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Mas tal como tantas
vezes na história das tecnologias de comunicação e informação, o fim
imaginado nem sempre se concretiza nas utilizações correntes.
Durante muitos anos, a utilização da internet era exclusiva, por um
lado, de cientistas e universitários de alguns dos centros de investigação
mais avançados do mundo, e por outro, das redes de internautas que,
originários das universidades, vão construir uma cultura alternativa de
comunidades virtuais. Entretanto, dá-se a explosão do uso da internet,
primeiro nos EUA e progressivamente em redes globais de comunicação
em todo o planeta. As razões para essa disseminação do uso vão tanto no
sentido da evolução legal e tecnológica como na transformação organiza-
cional da sociedade e da economia. As razões legais que se podem apon-
tar são, concretamente, a privatização da internet pelo governo dos EUA
e a liberalização das telecomunicações em muitos países; as razões tecno-
lógicas, são o desenvolvimento de programas como o World Wide Web6, as
interfaces gráficas e os browsers que permitem que a internet seja utilizada
por pessoas sem conhecimentos técnicos (Abbate, 1999; Berners-Lee e
Fischetti, 1999). Quanto às razões relacionadas com as transformações or-
ganizacionais da sociedade e da economia, a organização flexível em rede
revelou-se uma maneira mais eficaz e produtiva de relacionamento num
mundo marcado pela globalização e pela importância estratégica da infor-
mação e do conhecimento (Castells, 2004a). A internet está a converter-se
na plataforma tecnológica por excelência da sociedade em rede.
6
A invenção da World Wide Web ocorreu na Europa em 1990, no Centre Eu-
ropéen pour la Recherche Nucleaire (CERN) em Genebra. Um grupo coordenado
por Tim Berners-Lee – trabalhando com base no trabalho visionário de Ted Nelson,
de 1974, sobre a noção do que ele designou hipertexto, ou seja, a possibilidade de
estabelecer a ligação entre palavras, texto, som e imagem de uma forma não linear
– criou um formato para os documentos em hipertexto que denominou de hiper-
text markup language (HTML). Também criaram um protocolo de transferência de
hipertexto (http: Hypertext Transfer Protocol) para conduzir a informação entre os
programas de navegação – os web browsers de entre os quais o Netscape e o Internet
Explorer são os mais divulgados – e os servidores, e criaram um formato de endereço
standard, o uniform resource locator (URL).
82
Assim, a difusão da internet em cada sociedade, medida pelo núme-
ro de utilizadores e pelo número de ligações, é um indicador apropriado
de desenvolvimento da sociedade em rede, tal como era – e continua
a ser – o número de kilowatts produzidos e consumidos em relação ao
crescimento da sociedade industrial desde o final do séc. XIX.
Para poder analisar os processos característicos da sociedade em rede
em Portugal é necessário quantificar a extensão e a dinâmica da sua di-
fusão ao longo do tempo, tentando avaliar estatisticamente o número de
utilizadores e o número de lares ligados à internet, e, simultaneamente a
proporção destes lares que possuem ligação em banda larga. Para enten-
der o significado destes dados, é fundamental situá-los em contextos que
permitam a comparação: a Europa, os países desenvolvidos, os países de
língua oficial portuguesa, ou seja, as áreas geográficas historicamente
relacionadas com Portugal e o mundo, no seu conjunto. Importa recor-
dar que a importância dessa comparação não é tanto a percentagem de
utilizadores – até porque a tendência é a generalização da utilização da
internet, pelo menos nos países desenvolvidos, como aconteceu com o
telefone e o telemóvel – mas sim quais os ritmos dessa difusão e os níveis
em que se situa cada sociedade num determinado momento. Essa com-
paração é importante, e feita desta maneira, porque quem usa a internet
adapta-a aos seus usos e à própria tecnologia: quem faz a história da
internet são os utilizadores que inventam e desenvolvem aplicações de
todos os tipos, desde o correio electrónico, às listas de correio ou chats
(grupos de conversação em tempo real), por exemplo.
Assim, a quantidade e tipologia das pessoas que utilizam a internet
quando começa a difundir-se numa determinada sociedade condicio-
nam a contribuição de cada cultura e de cada país para a configuração
da rede global que se constitui independentemente dos usos que cada
um faça dela. Por outras palavras, ter noção das estatísticas relacionadas
com os usos da internet em cada sociedade é uma maneira de entender o
nível de desenvolvimento da sociedade em rede de cada país e, portanto,
de saber a capacidade que tem de gerar riqueza, cultura e autonomia
num mundo construído em torno de redes globais de comunicação, das
quais a internet é o núcleo principal – um núcleo feito de uma rede de
redes de computadores.
A avaliação estatística da expansão da internet, em Portugal e no
mundo, apresenta problemas metodológicos consideráveis que é ne-
83
cessário perceber para se poder analisar os dados existentes de forma
correcta. Sem entrar em questões de pormenor (que deixamos para a
análise dos especialistas que pretendam aprofundar esta matéria), ten-
taremos explicar genericamente porque é que existem tantas diferenças
nos resultados dos inquéritos que tentam medir o fenómeno e quais as
consequências práticas que daí decorrem para a leitura dos mesmos.
84
especificamente relacionadas com o número de utilizadores e os tipos de
usos da internet (INE, 2003).
A ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) é a autorida-
de reguladora do sector das comunicações (telecomunicações e correios)
em Portugal e é a nova designação do anterior ICP (Instituto de Comu-
nicações de Portugal). Este organismo também acumula funções de reco-
lha, tratamento e divulgação de informação específica sobre o mercado
internet, ou seja, dados relativos aos prestadores de serviços internet,
por um lado, e dados relativos aos chamados “clientes”, por outro7.
Quando a ANACOM apresenta os seus dados, são frequentemente res-
salvados aspectos de não coincidência entre dados de diferentes fontes,
nomeadamente os que sobre questões similares são disponibilizados pe-
los ISP (Internet Service Providers) e os que são divulgados pela FCCN
(Fundação para a Computação Científica Nacional), entidade oficial de
registo de domínios internet (.pt).
Paralelamente, e num esforço de sistematização de informação, foi
criado no final da década de noventa pelo Ministério da Ciência e da
Tecnologia o Observatório das Ciências e das Tecnologias, tendo sido
um dos seus principais objectivos precisamente a recolha, tratamento e
divulgação de dados na área das ciências e tecnologias (como por exem-
plo a publicação de um relatório sobre a sociedade de informação, com
dados relativos ao período 1995-2001 – OCT, 2002).
Posteriormente, em 2003, e com a transformação do MCT em Minis-
tério da Ciência e do Ensino Superior, as competências sobre matéria rela-
tiva à sociedade de informação passaram a ser atribuição da UMIC – Uni-
dade de Missão Inovação e Conhecimento, organismo com atribuições
específicas na área da “Sociedade de Informação”, que se constituiu como
uma unidade transversal, de carácter inter-ministerial, com o objectivo de
fazer a articulação política e operacional entre organismos e membros do
governo. A UMIC desenvolveu ela própria um esforço de recolha, trata-
mento e divulgação de dados sobre a Sociedade de Informação, do qual
resultaram diversos relatórios de diagnóstico sobre este assunto8.
7
Em http://www.icp.pt/template12.jsp?categoryId=102779.
8
Em http://umic.gov.pt/UMIC/CentrodeRecursos/Publicacoes/relatorio
_diagnostico.htm.
85
Quanto ao sector empresarial de consultadoria, a Marktest (empresa
de estudos de mercado, audiências e sondagens de opinião), tem vindo
a desenvolver estudos periódicos nesta área, nomeadamente sobre a
“Evolução da internet em Portugal”, sobre os quais são divulgados perio-
dicamente alguns dados9.
À escala global existem diversas fontes que publicam dados sobre
a internet: desde os centros nacionais de estatística de cada país até às
medidas de audiência de iniciativa privada.
Na União Europeia uma das formas de dar a conhecer os usos da
internet pelos cidadãos é através dos estudos regulares realizados pela
Comissão Europeia e publicados segundo as regras habituais do Euro-
barómetro10.
Outra fonte global são os estudos de audiências da Nielsen/
NetRatings sobre os usos da internet nos lares e que fornece painéis de
lares e locais de trabalho, distribuídos por vários países. Basicamente, os
seus clientes são os media e as empresas de publicidade e comércio elec-
trónico que a partir desta informação tomam decisões sobre questões
relacionadas com a internet11.
A fonte que on-line proporciona mais informação sobre a internet à
escala mundial de uma forma pública e gratuita é a Nua Surveys, pro-
priedade do grupo irlandês Scope Communications Group. Este grupo
faz estimativas da população utilizadora de internet à escala global (em
particular através do seu How many on-line?) realizando uma avaliação
exaustiva de dados e informações em todo o mundo12.
Esta lista de nomes é uma amostra significativa das múltiplas fontes
disponíveis em rede que têm um elevado grau de fiabilidade e que são
de acesso livre.
Uma análise das origens e objectivos de algumas das diferentes fontes
que proporcionam dados sobre a internet, permite verificar a metodolo-
gia utilizada e que repercussões tem na sua posterior interpretação.
9
Em http://www.marktest.pt/produtos_servicos/Netpanel/default.asp?c=129
2&n=767.
10
Em http://europa.eu.int/comm/public_opinion/index_en.htm.
11
Em http://www.nielsen-netratings.com/.
12
Em http://www.nua.ie/surveys/how_many_online/europe.html.
86
No caso português vale a pena assinalar e comentar algumas diferenças
que se constatam entre as diversas fontes. Por exemplo, num estudo realiza-
do pelo INE em Junho de 2003 para a UMIC refere-se que 36,2% da popu-
lação já usou alguma vez o computador e 25,7% já utilizaram a internet13.
Os dados recolhidos no âmbito do presente estudo, permitem con-
cluir que em 2003 se podem contabilizar 29% de utilizadores de internet
em Portugal, se entendermos exclusivamente os utilizadores directos.
A UMIC, nos resultados do inquérito à utilização de Tecnologias de
Comunicação e Informação pela População Portuguesa14 refere que 39%
dos portugueses utilizam a internet (com uma taxa média de crescimento
anual de 25% entre 2000 e 2003). Estes dados foram recolhidos através
de questionários por entrevista directa, tal como os do presente estudo.
No quadro 3.1, apresenta-se a maneira como foram organizados os
dados relativos ao número de utilizadores no nosso estudo.
n % % acumulada
13
INE/UMIC, Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Co-
municação pelas Famílias – 2003.
14
Em http://www.umic.gov.pt/UMIC/Media/SaladeImprensa/inquerito_in-
ternet_2003.htm.
87
uma opção conceptual de abordagem da realidade. Parece-nos contudo,
ser esta uma distinção com relevância bastante para ser ressalvada. Utili-
zadores directos – direct users – foi a categoria realmente considerada por
nós relevante para o estudo da utilização da internet, distinguindo-se
pela percepção do próprio entrevistado em termos de utilização da in-
ternet, ou seja, foram considerados utilizadores directos aqueles que se
consideram a si próprios utilizadores da internet.
A questão que se coloca em primeiro lugar quando se apresentam
dados sobre utilizadores da internet está, aparentemente, naquilo que se
entende por ser um utilizador da internet, factor que pode ser preponde-
rante na explicação das razões pelas quais podemos encontrar valores tão
distintos para aquilo que aparentemente seria a mesma categoria.
Outro dos aspectos a considerar é a forma como os dados são obti-
dos, ou a maneira como são realizadas as entrevistas – nomeadamente
se a entrevista se realiza telefónica ou presencialmente. É um aspecto a
considerar nos estudos por exemplo do Eurobarómetro ou em alguns
casos do INE que combinam entrevistas telefónicas com entrevistas
presenciais, ou da Marktest, cujos dados são muitas vezes recolhidos
utilizando painéis pré-definidos.
No caso da Marktest, os dados disponibilizados sobre sociedade de
informação estão a ser recolhidos e tratados no âmbito do projecto Ne-
tpanel, painel de acompanhamento da evolução da utilização da internet
em Portugal. A amostra é de mil lares, o que corresponde a cerca de três
mil indivíduos. A informação é registada através de um programa previa-
mente colocado nos computadores pessoais dos indivíduos pertencentes
à amostra e é registada de forma automática. No caso da Marktest é
utilizada a categoria de utilizador único (em 2002, segundo a Marktest,
existiam em Portugal no primeiro trimestre desse ano 23% de indiví-
duos que costumavam utilizar a internet).
Também a população seleccionada para efectuar os estudos pode
ser determinante para explicar as diferenças de resultados. No caso do
presente estudo, a população tem 15 ou mais anos e vive em território
nacional. No caso dos estudos da Marktest, o Netpanel representa indiví-
duos com mais de 4 anos, residentes em lares do continente.
Existe um aspecto que determina o resultado final de qualquer estudo
e que depende, sobretudo, dos seus objectivos: o próprio questionário.
Cada fonte, em função da informação que procura obter, determina o tipo
de perguntas que inclui no questionário e, consequentemente, o conjunto
88
de variáveis que define a partir desta base será necessariamente diferente.
Por exemplo, as perguntas realizadas para saber o número de utilizadores
de uma determinada população podem ser muito diferentes:
– uma pergunta sobre a frequência de utilização da internet e o correio
electrónico pode ter uma formulação geral e abstracta ou, pelo contrário,
muito particular e definida. Por exemplo, quanto ao local de utilização, em
alguns casos a pergunta específica inclui locais e tempos (ex.: quem utiliza
em casa, no centro de emprego ou de formação ou em casa de amigos, quan-
tas horas, etc.) e noutras situações a mesma é colocada apenas em termos de
frequências temporais: “uma vez por mês”, “uma vez por ano”, etc.;
– uma pergunta como “usa a internet?”, podendo ser a resposta sim
ou não, é uma pergunta substancialmente diferente de “já utilizou a
internet alguma vez?”. Ou seja, se as variáveis não seguirem exactamente
a mesma matriz, dificilmente se podem conseguir dados que permitam
um estudo comparativo directo.
Nota: No cálculo da ANACOM o número de clientes leva em conta todas as possíveis ligações à internet
comercializadas desde o início da oferta comercial de internet até hoje. Isto é, baseia-se nos dados dos dife-
rentes fornecedores de internet. Por exemplo, se alguém em casa tiver um acesso via cabo e várias ligações por
telefone (Clix, SAPO, IOL, etc.) todas elas serão contabilizadas neste indicador.
89
Convém ainda referir um aspecto realmente importante que é o mo-
mento em que se realiza a entrevista, já que pode também dificultar a com-
paração de dados, pois são normalmente diferentes em cada tipo de fonte.
Por exemplo, não é conveniente recolher informação na altura das férias de
Verão ou na época do Natal, pela distribuição das amostras poder resultar
da ausência de um grande número de pessoas da sua residência habitual.
Para situar Portugal no mundo, em termos de utilização e outros
indicadores referentes à internet, utilizaremos, fundamentalmente, os
dados obtidos no nosso estudo, fazendo uso dos dados recolhidos pela
UMIC, INE e das estatísticas europeias e mundiais, sempre que o objec-
tivo for a comparação de tendências temporais.
Utilizadores da internet 20 29 30 39
90
Quadro 3.4 Evolução da posse de computador e ligação à internet
por parte dos agregados domésticos, 1995-2003 (%)
Fontes: 1995, 1997 – INE, Indicadores de Conforto; 1999 – INE, Inquérito à Ocupação do Tem-
po; 2000 – INE, Inquérito aos Orçamentos Familiares; 2001, 2002, 2003 – INE/UMIC, Inquérito
à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias.
91
Desde esse ano que a quantidade de novos lares com ligação à inter-
net tem vindo a decrescer percentualmente. Se bem que as causas desta
desaceleração do crescimento se possam encontrar nos custos e proble-
mas de acesso, é necessário salientar que em 2000 os adoptantes iniciais,
caracterizados por serem maiores de 18 anos, possuírem formação acadé-
mica elevada e conhecimentos técnicos na área da informática, necessida-
de profissional e espírito inovador já tinham acesso à internet em casa ou
já estavam ligados noutros locais. A partir desse momento, vão aderindo
de maneira progressiva outros estratos etários. Entra-se assim numa fase
de maturidade e consolidação. Não se pode passar ao lado, contudo, do
facto de que nesta etapa do processo várias pessoas acabaram por ficar
excluídas e, se não se desenvolvem políticas específicas que favoreçam a
sua inclusão, acabarão por ficar definitivamente à margem.
Quanto à distribuição regional, podemos referenciar os dados do in-
quérito à sociedade em rede em Portugal. Como se verifica no quadro 3.6,
em termos regionais, o maior número de utilizadores directos encontra-se
no Algarve, seguidos dos residentes em Lisboa, Centro e Norte. O Alente-
jo tem uma representação menor em termos de utilizadores directos.
92
Por outro lado, a difusão da internet em Portugal coloca-nos (em
conjunto com a Catalunha, Espanha no seu conjunto e Itália) a meio da
tabela, distanciando-nos de países menos desenvolvidos como a Turquia
(3,7%) e o México (3,4%), e acima dos países da antiga Europa de Leste
– Polónia (16,6%) e Hungria (15,1%) (quadro 3.7).
No conjunto dos países da OCDE é interessante realçar as carac-
terísticas de penetração da internet no Japão, que, em geral, não tem
evoluído na ligação à internet através de computadores ligados em casa
(com uma infra-estrutura fixa) mas sim através dos telemóveis.
93
A popularidade, no Japão, dos computadores portáteis com acesso
à internet, sobretudo entre os mais jovens (aproximadamente 80% dos
jovens), tem sido, assim, um factor particularmente importante no cres-
cimento e expansão da internet, possibilitando, por outro lado, uma
tipologia de usos determinada, especialmente ao nível dos negócios,
gestão e administração (Gottlieb e McLelland, 2002).
Analisemos agora os países que integram a União Europeia. Durante
todo o ano de 2002 o número de utilizadores europeus revelou algum
crescimento excepto, segundo os dados do Flash Eurobarómetro, nos
casos do Luxemburgo e do Reino Unido que sofreram um decréscimo
de 6 e 1 pontos percentuais, respectivamente.
Países como a Dinamarca (77%), a Holanda (73%), a Suécia (70%) e
a Finlândia (69%), mantêm o crescimento e os países do sul da Europa,
na sua maioria, estabilizaram.
94
Se compararmos com os dados de que actualmente dispomos relati-
vamente a Portugal em 2003 (CIES – 29% e UMIC – 39%,), teremos
de aceitar que os dados do Eurobarómetro estão relativamente inflac-
cionados para o ano de 2002 (provavelmente pela própria categorização
do “utilizador”). Essa leitura deverá fazer-nos igualmente pensar que o
mesmo terá também provavelmente acontecido no que respeita aos da-
dos sobre penetração da internet no caso dos outros países. Daí que esta
comparação tenha essencialmente um valor de detecção de tendências
de crescimento relativas entre países.
Assim, segundo os dados do Eurobarómetro, Portugal apenas tem
uma taxa de penetração da internet maior do que a Itália (40%) e a Gré-
cia (22%), sendo neste caso a diferença mais significativa, apesar de a taxa
de crescimento desse último país, por outro lado, ter sido mais elevada.
95
Quadro 3.10 Utilizadores da internet por 1000 habitantes em alguns territórios
lusófonos (%)
Fonte: UNDP, Human Development Report 2002 e ITU World Development Report 2002.
Percentagem de utilizadores
Milhões de
País (data) Fonte sobre o total de utilizadores
utilizadores
no mundo
Portugal (6/2002) NUA 4,4 0,7
96
Quanto à penetração da internet no mundo é importante realçar que
em 1996 os EUA já detinham cerca de 83% dos utilizadores mundiais,
a Europa cerca de 6%, a Oceânia 3% e o resto do mundo 8% (NUA
Surveys). A percentagem dos EUA relativamente ao total teve um decrés-
cimo para os 62% em 1997 até chegar aos actuais 30,2% (quadro 3.12).
97
Os países mais avançados quanto à ligação à internet a partir de casa
em 2002 são a Holanda (68%), a Dinamarca (67%) e a Suécia (66%).
Coerentemente com a percentagem de utilizadores, os países com me-
nos presença de internet em casa são Portugal (31%), Espanha (31%) e a
Grécia (14%) (quadro 3.13).
98
Ligação de banda larga:
rumo à virtualidade real
Fonte: ANACOM.
15
Entende-se por banda larga a técnica de comunicações que proporciona
diversos canais de transmissão de dados numa única linha de comunicação.
99
Quadro 3.15 Lares com ligação de banda larga (% sobre o total de lares ligados à
internet)
1
Standard internacional de telecomunicações para a transmissão digital de voz, vídeo e dados sobre linhas
de 64Kbps através de uma única ligação física.
2
Método de comunicação de dados numa linha telefónica convencional.
3
Meio físico de transmissão formado por cabos metálicos condutores ou fibras ópticas.
Fonte: Flash Eurobarómetro 125 (Maio/Junho 2002).
100
Quadro 3.16 Lares ligados à internet em banda larga (%)
Taxa de crescimento
Maio/Junho Novembro
País entre Maio e Novembro
2002 2002
de 2002
Reino Unido 9 16 77,8
Portugal 19 27 42,1
Suécia 26 35 34,6
Bélgica 47 61 29,8
Espanha 21 27 28,6
Itália 15 19 26,7
Grécia 21 24 14,3
Alemanha 71 81 14,1
Dinamarca 43 49 14,0
Finlândia 27 29 7,4
França 15 16 6,7
Luxemburgo 54 57 5,6
Áustria 45 46 2,2
Holanda 47 47 0,0
Irlanda 7 7 0,0
16
Termo genérico que engloba todos os serviços DSL, sendo o x substituído pela
letra correspondente ao serviço.
101
A partir de dados nacionais a ITU apresentou um quadro com as quinze
economias que em 2002 tinham uma penetração da banda larga mais elevada.
* Dados de 2001.
Fonte: International Telecommunication Union (ITU), adaptada dos relatórios nacionais.
102
É certo que o inglês se impôs como a língua habitual em diversos âm-
bitos, sobretudo a nível profissional, na maioria das regiões mundiais:
a língua de intervenção no mundo científico e, por exemplo, a língua
oficial do Banco Central Europeu. Simultaneamente à hegemonia do
inglês em muitos sectores, observa-se, porém, um crescimento especta-
cular, em países de língua fundamentalmente inglesa, das comunidades
bilingues. Por exemplo, segundo o US Bureau of the Census, nos anos
noventa, uma em cada sete pessoas nos EUA falava, em casa, uma língua
diferente do inglês. Por outro lado, é necessário ter presente que quando
se fala de pessoas que utilizam o chinês como primeira língua18 – native
speakers de chinês –, por exemplo, estamos a falar de pessoas que utilizam
uma família de línguas e dialectos de origem mandarim e uma mesma
forma de escrever que lhes permite entenderem-se quando falam. Da
mesma maneira, quando nos referimos ao inglês falamos de uma família
de línguas e dialectos, como é o caso do inglês da América.
Ao tentarmos estabelecer qual é a língua dos utilizadores de internet
estamos a falar de qual a relação entre a língua habitualmente utilizada
pelos utilizadores (procura potencial) e a língua dos conteúdos na rede
(oferta disponível). Ainda existe um terceiro elemento básico que é a
língua de comunicação na internet, sobre o qual é possível aventar
algumas hipóteses sobre a língua de expressão em âmbitos privados e
em ambiente profissional, mas que não é possível de determinar com
exactidão.
Segundo a Global Reach, em Março de 2003 já existiam cerca de 649
milhões de utilizadores a integrarem diversas comunidades linguísticas
na rede. Antes de avançar para dados concretos, vale a pena referir, por
um lado, que é complicado estabelecer qual é a primeira língua e, por
outro, que existem algumas sobreposições, por exemplo, entre o inglês e
o não-inglês nos EUA. Dos 45 milhões de pessoas que vivem nos EUA
para as quais o inglês não é a primeira língua, a Global Reach estima
que 30 milhões podem aceder a conteúdos na web tanto na sua primei-
ra língua como em inglês. Tendo em conta, ainda, a dificuldade que
representa o multilinguismo para definir o número de pessoas que têm
determinada língua como a primeira, estima-se em todo o caso que a lín-
18
Chama-se primeira língua à língua de utilização habitual na maior parte das
actividades da vida quotidiana.
103
gua mais comum entre os utilizadores da internet é o inglês, com 238,5
milhões de native-speakers, o que representa 35,2% do total. Por outro
lado, temos 238,1 milhões de pessoas que têm como primeira língua
outra língua europeia sem ser o inglês.
É importante realçar que 26,4 % dos utilizadores têm o chinês, o ja-
ponês ou o coreano como primeira língua e que o espanhol representa,
nomeadamente, a primeira língua de cerca de 8,1% do total dos utiliza-
dores. E o português 2,8%.
Língua %
Inglês 35,2
Chinês 11,9
Japonês 10,3
Espanhol 8,1
Alemão 6,5
Coreano 4,2 Nota: Cada percentagem faz referência aos utilizadores
3,6 que têm uma determinada primeira língua, que é a
Italiano
que utilizam habitualmente nos diferentes âmbitos
Francês 3,3 da sua vida.
19
http://glreach.com/gbc/pt/portuguese.php3.
104
Quais são então as línguas que dominam a web? Realizaram-se alguns
estudos sobre a presença das línguas faladas em todo o mundo nas pági-
nas web, com o objectivo de determinar qual a relação que se estabelece
com a língua dos utilizadores. Comentaremos três que consideramos
particularmente interessantes.
20
Considera-se que cada um dos termos com as variantes ortográficas, sinó-
nimos, dialectos ou morfosintácticos. Por exemplo: tuesday, tuesdays; martes; mardi,
mardis; martedì, martedi; terça-feira, terca-feira, terças-feiras, terças-feiras; marti, matea;
dienstag, dienstages, dienstags, dienstage, dienstagen.
21
Por exemplo, se a percentagem de páginas em inglês fosse 70% por relação ao
total das páginas e uma das línguas estudadas tivesse um índice relativo de 10, então
a sua presença seria de 7%.
105
Quadro 3.19 Presença das línguas latinas em relação ao inglês
Percentagem da presença
Língua
de cada língua em relação ao inglês
Português 5,40
Espanhol 10,50
Francês 8,86
Italiano 5,88
Romeno 0,32
Fonte: Funredes.
106
Os dados que a Global Reach apresentou a 31 de Março permitem
afirmar que 215,6 milhões de utilizadores, naquele momento, tinham
o inglês como primeira língua e 63,3 milhões tinham como primeira
língua uma das cinco línguas latinas estudadas.
É possível estabelecer uma relação entre a quantidade de páginas pro-
duzidas numa determinada língua e o número de utilizadores que a têm
como a sua a partir do quociente entre a proporção da língua do texto
das páginas e a proporção da língua dos utilizadores (quadro 3.21).
107
Quadro 3.22 Língua dos conteúdos por relação à língua dos utilizadores
1
Índice que serviu para estabelecer, de maneira relativa, o grau de penetração das diversas línguas na internet.
Fonte: Vilaweb, Global-Reach, Março 2003.
22
Dados publicados pela Global Reach em Março de 2003.
108
Em Junho de 2000, Vilaweb23 publicou um estudo sobre as línguas
na rede, a partir de uma pesquisa sistemática no motor Altheweb. O
quadro 3.22 representa o número de páginas escritas em cada língua em
relação ao número de pessoas que a têm como primeira língua.
Segundo estes dados, mais de dois terços dos 313 biliões de páginas
web são em inglês. O japonês, com 5,85% do total de páginas, ocupa o
segundo lugar. A presença do português na rede é de 4.291.237 páginas,
o que nos coloca ao mesmo nível, em termos de relação com o número
de pessoas que habitualmente utiliza o português, do chinês, do catalão,
do holandês, do checo ou do italiano.
No quadro 3.23, obtido através da recolha de dados do presente es-
tudo, pode-se verificar qual a língua mais utilizada em função do tipo de
utilização que se faz da web. Verifica-se uma preferência clara, em Portugal,
pela língua nativa, mas logo e quase exclusivamente seguida pelo inglês.
109
que permita caracterizar a grandeza, a estrutura e os conteúdos da inter-
net pública.24 De acordo com os resultados do inquérito mais recente da
Web Organization Project, em Junho de 2002, a internet pública integrava
3 080 000 sites, ou seja, 35% do total de sites na web.
Em 2002, segundo uma amostra de sites públicos de 76 países dife-
rentes, para além dos EUA, nomeadamente a Alemanha era a origem de
mais de 5% dos sites públicos, e mais de seis países ultrapassavam os 1%.
Estes dados não eram muito diferentes dos obtidos por inquérito pela
mesma fonte em 1999, quando os EUA representavam 49% e o Reino
Unido 5% (quadro 3.24).
Quadro 3.24 País de origem dos sites públicos na web, 2002 (%)
País %
EUA 55,0
Alemanha 6,0
Japão 5,0
Reino Unido 3,0
Canadá 3,0
Itália 2,0
França 2,0
Holanda 2,0
Outros 18,0
Origem desconhecida 4,0
Fonte: OCLC.
Se bem que conhecer o país de origem das páginas seja muito im-
portante, é fundamental ter em conta a língua do conteúdo do texto.
No ano 1999 identificaram-se 29 línguas diferentes entre a amostra em
24
Chama-se internet pública ao conjunto de todos os sites indexáveis, ou seja, o
conjunto de sites que se oferecem a todos os utilizadores em livre acesso uma parte
significativa dos seus conteúdos. Tendo Portugal, em 2001, cerca de 180 000 hosts,
estimava-se que o número de servidores indexáveis – acessíveis aos motores de pes-
quisa e consequentemente aos utilizadores – se aproximasse das 12 mil máquinas
com endereços IP e que o número total de páginas HTML fosse ligeiramente inferior
aos três milhões e meio de unidades (Cardoso, 2003).
110
estudo e, com base na origem geográfica dos sites, verificou-se que o grau
de diversificação internacional afinal é escasso: três quartos dos sites de
internet pública têm uma parte significativa do texto em inglês25, o ale-
mão representa 7% e o francês, o japonês e o espanhol 3%.
Em 2002 a percentagem de sites públicos basicamente em inglês26
constituía cerca de três quartos do total. O dado mais significativo tal-
vez seja o aumento dos sites públicos em japonês (de 3% para 6%), em
simultâneo com um aumento significativo dos sites a partir do Japão.
Recordemos que neste país o uso massivo do telemóvel e do acesso à
internet fez disparar o número de utilizadores e, portanto, a procura de
informação na internet.
Segundo os resultados desse estudo, e de forma resumida, pode dizer-
-se que os conteúdos da internet pública são produzidos pelas entidades
originárias dos EUA e que grande parte do seu texto é em inglês. A
observação da evolução entre 1999 e 2002 não sugere uma grande alte-
ração na internet dominada pelo inglês.
25
Em 1999, 7% dos sites da internet pública da amostra representavam os con-
teúdos em mais de uma língua. Neste caso, sem excepção, o Inglês era uma delas.
26
Em 2002 a percentagem de sites multilingues era de 5%.
111
Finalmente, dada a oferta de conteúdos em cada língua, é interessan-
te verificar quem é a procura, ou seja, qual é o número de utilizadores,
em cada uma (quadro 3.26).
Tal como no estudo efectuado pela Funredes, é clarificador ver o
quociente entre o número de sites internet públicos e o número de utili-
zadores em cada língua.
Estes dados permitem-nos distinguir três blocos: o mundo anglo-ger-
mânico, que inclui o inglês, o alemão e o holandês, com um quociente
superior ou igual a 1; o mundo latino, que inclui o italiano, o espanhol
e o português, com um quociente igual ou inferior a 0.5 e os países das
economias emergentes do sudoeste asiático, integrando o chinês e o co-
reano, com um quociente de 0,2. O francês com um quociente de 0,8
encontra-se muito perto dos primeiros.
Enquanto os produtores de conteúdos das línguas anglo-germânicas
demonstram confiança em colocar informação de acesso livre na rede,
os das línguas latinas são mais reticentes em fazê-lo. Nos países não
ocidentais, a presença pública na internet nas suas próprias línguas é
praticamente inexistente.
Quadro 3.26 Língua dos conteúdos na internet pública em relação à língua dos
utilizadores, 2002
112
Esta visão dos estudos realizados sobre a língua do conteúdo em
texto na internet e a primeira língua do utilizador que acede, permite
afirmar que, sem dúvida, a proporção do inglês na internet continua a
ser claramente maioritária.
113
Quadro 3.27 Composição das categorias profissionais em países seleccionados (%)
Profissionais
13,7 17,6 21,8 6,0 13,9 11,1 5,6 8,6
qualificados
Sub total 29,7 30,6 32,8 25,9 26,7 14,9 17,4 25,2
Profissionais de
11,9 9,9 6,6 3,8 7,8 15,1 13,6 14,3
vendas
Funcionários
15,7 16,0 17,3 24,2 13,7 18,6 10,7 11,1
administrativos
Sub total 27,6 25,9 23,9 28,0 21,5 33,7 24,3 25,4
Artífices e operadores 21,8 21,1 22,4 28,1 27,9 31,8 32,8 30,3
Sub total 21,8 21,1 22,4 28,1 27,9 31,8 32,8 30,3
Mão-de-obra semi-
qualificada do sector 13,7 13,7 12,8 7,2 12,3 8,6 -- --
de serviços
Mão-de-obra semi-
qualificada do sector 4,2 3,5 5,6 4,2 5,5 3,7 -- --
dos transportes
Sub total 17,9 17,2 18,4 11,4 17,3 12,3 16,8 15,1
Dirigentes e
3,0 5,1 1,6 6,6 3,1 7,2 8,7 4,1
trabalhadores rurais
Sub total 3,0 5,1 2,6 6,6 6,1 7,2 8,7 4,1
Nota: As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período, pelo que a comparabili-
dade dos dados apresentados, embora em termos gerais possível, tem de ter em conta algumas ressalvas. A
soma dos números acima pode não corresponder exactamente a 100% uma vez que as percentagens foram
arredondadas.
Fonte Portugal: INE, Recenseamentos Gerais da População. Restantes países adaptado de Castells, 2002,
p.395.
114
O quadro 3.27, onde se apresenta a composição das categorias pro-
fissionais em países seleccionados da América do Norte, Europa e Ásia,
permite percepcionar melhor as debilidades da sociedade portuguesa na
sua actual fase de proto-informacionalismo27.
Verifica-se que, embora com uma evolução positiva, Portugal apre-
senta ainda, nas categorias profissionais mais qualificadas (Administra-
dores e Profissionais qualificados), valores abaixo dos apresentados pelos
países mais desenvolvidos no início da década de noventa (à excepção da
França). Isto é, Portugal possui ainda um número reduzido de técnicos
e profissionais altamente qualificados e um excesso relativo de mão-de-
-obra semi-qualificada e artífices e operadores.
Portugal, em termos da sua estrutura de emprego, na relação entre
indústria e serviços, bem como na relação entre gestão de informação/
gestão de bens encontra-se mais próximo dos modelos alemão e italiano.
A leitura que se pode tirar do quadro anterior é que o actual momento
de transição, entre um proto-industrialismo e um estádio de informacio-
nalismo ainda relativamente incipiente, está por um lado próximo do
modelo de produção industrial28, pois mantêm em níveis relativamente ele-
vados (bastante mais de um quarto da força de trabalho) o seu emprego
27
Cada modo de desenvolvimento estrutura-se em torno de um modelo de perfor-
mance em torno do qual se organizam as actividades económicas. O industrialismo
é orientado para o crescimento económico e a maximização do output. O informacio-
nalismo é orientado para o desenvolvimento tecnológico (ex., para a acumulação de
conhecimento e maiores níveis de complexidade no processamento de informação)
(Castells, 2002).
28
O modelo de produção industrial é claramente representado pelo Japão e, considera-
velmente, pela Alemanha, os quais, embora reduzindo também o emprego industrial,
continuam a mantê-lo em níveis relativamente elevados (cerca de um quarto da força
de trabalho), enveredando por um movimento muito mais gradual que permite a re-
estruturação das actividades industriais no novo paradigma sociotécnico. Com efeito,
este modelo reduz o emprego industrial ao mesmo tempo que reforça a actividade
industrial. Em parte como reflexo desta orientação, os serviços relacionados com a produção são
muito mais importantes que os serviços financeiros, e acabam por estar em estreita ligação com
as empresas industriais. Isto não significa que as actividades financeiras sejam menos im-
portantes no Japão e na Alemanha: afinal, oito dos dez maiores bancos do mundo são
japoneses. No entanto, embora os serviços financeiros sejam importantes e tenham
aumentado a sua cota de participação nos dois países, a maior parte do crescimento
em termos de serviços ocorre nos serviços empresariais e sociais (Castells, 2002).
115
industrial, mas ao mesmo tempo incorpora dimensões próximas de um
modelo económico de serviços29, em que se enfatiza uma nova estrutura de
emprego na qual a diferenciação entre as várias actividades de serviços se
torna o elemento chave para a análise da estrutura social.
Reino
Tipo de sector EUA Japão Alemanha França Itália Canadá Portugal Portugal
Unido
produtivo 1991 1990 1987 1989 1990 1992 1990 2001
1990
Indústria1 24,9 35,8 41,5 30,6 31,9 29,6 23,5 49,7 39,3
Serviços1 75,1 64,2 58,5 69,4 68,1 70,4 79,5 50,3 60,7
Serviços / indústria 3,0 1,8 1,4 2,3 2,1 2,4 3,3 1,0 1,5
Gestão de
51,7 65,9 60,8 54,9 62,2 54,2 54,3 65,6 60,3
produtos2
Gestão de
48,3 33,4 39,2 45,1 37,8 45,8 45,7 34,4 39,7
informação2
Gestão de
informação/gestão 0,9 0,5 0,6 0,8 0,6 0,8 0,8 0,5 0,7
de bens
1
Para Portugal a indústria soma os sectores extractivos, da construção e da transformação; os serviços in-
cluem os restantes sectores.
2
Para Portugal a gestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos transpor-
tes (no ano de 2001 é também incluído o sector das comunicações) e do comércio; a gestão de informação
integra os serviços públicos, as comunicações (excepto para 2001), serviços relativos à produção, serviços
sociais e serviços pessoais.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, restantes países adaptado de
acordo com o apresentado em Castells (2002, pp. 389-394).
116
Quadro 3.29 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsecto-
res, Portugal e G7 (%)
Reino
EUA Japão Alemanha França Itália Canadá Portugal Portugal
Sectores 1991 1990 1987 1989 1990
Unido
1992 1990 2001
1992
I Extractivo 3,5 7,2 4,1 6,4 9,5 1,7 5,7 13,5 5,4
Agricultura 2,9 7,1 3,2 6,3 9,5 1,2 4,4 13,1 5,0
Mineração 0,6 0,1 0,9 0,1 - 0,5 1,3 0,4 0,4
II Transformação 24,7 33,7 40,3 29,5 29,7 26,3 22,3 36,9 34,7
Construção 6,1 9,6 7,1 7,2 7,0 4,0 6,3 10,0 12,3
Electricidade, gás e água 1,1 0,6 1,0 1,0 0,8 1,2 1,2 0,7 0,7
Indústria 17,5 23,6 32,2 21,3 21,8 21,6 14,9 26,2 21,7
Alimentar 1,5 2,3 2,9 2,8 1,6 2,9 - 2,9 2,1
Têxtil 0,6 1,2 1,1 1,7 5,0 0,8 - 10,4 5,7
Metalúrgica 1,7 3,2 4,3 3,5 4,7 2,7 - 0,6 2,4
Máquinas e
3,7 5,9 4,9 4,5 3,3 5,8 - 5,0 3,2
equipamentos
Produtos Químicos 1,3 1,1 2,7 1,6 1,3 1,4 - 1,5 1,2
Diversos 1 8,6 10,0 16,2 7,3 5,9 8,0 - 5,8 7,1
III Serviços de distribuição 20,6 24,3 17,7 20,5 25,8 20,7 24,0 17,0 21,0
Transportes 3,6 5,0 5,9 4,3 5,2 4,3 4,1 3,7 4,5
Comunicações 2 1,4 1,0 - 2,2 1,3 1,9 2,1 1,1 -
Comércio 15,7 18,3 11,8 14,0 17,3 14,5 17,7 12,2 16,5
Serviços relativos à
IV 14,0 9,6 7,3 10,0 - 12,3 11,3 3,8 7,9
produção 3
Actividades financeiras 2,8 1,9 2,4 2,0 1,8 2,8 3,7 1,6 2,1
Seguros 4 2,1 1,3 1,0 0,8 - 1,2 - 0,4 -
Actividades imobiliárias 1,8 1,1 0,4 0,3 - 0,7 2,2 1,8 5,8
Outros 7,3 5,3 3,5 6,9 - 7,6 5,4 - -
V Serviços sociais 5 25,5 14,3 24,3 19,5 - 28,7 22,6 18,5 20,6
IV Serviços pessoais 6 11,7 10,2 6,3 14,1 - 9,7 13,5 10,3 10,5
1
Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e
outras indústrias transformadoras.
2
No ano de 2001 os valores relativos às comunicações estão incluídos na categoria dos transportes.
3
Nos valores apresentados no ponto IV (Serviços relativos à produção) encontram-se apenas individualizadas
as subcategorias para as quais existe disponível informação desagregada.
4
No ano de 2001 os valores relativos aos seguros estão incluídos na categoria das actividades financeiras.
5
Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares; servi-
ços recreativos e culturais; e organismos internacionais e outros.
6
Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis. A soma dos números acima pode não corres-
ponder exactamente a 100% uma vez que as percentagens foram arredondadas.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o
apresentado em Castells (2002).
117
Com base nos dados dos vários quadros apresentados podemos obter
uma fotografia mais nítida da situação que nos permita posicionar Por-
tugal à luz dos diversos conceitos de desenvolvimento informacional.
Portugal posiciona-se em 2001, ao nível do emprego por sector pro-
dutivo e respectivos subsectores, próximo dos modelos francês e italiano
assentes numa indústria de transformação que atrai cerca de um terço da
população. Mas no caso português essa estrutura de ocupação é marcada
por um maior peso dos sectores têxtil e da construção. No campo dos
serviços a procura de uma comparação é mais complexa.
Assim, no que respeita aos serviços de distribuição, Portugal aproxi-
ma-se mais do modelo dos EUA e Reino Unido, embora continue a sua
proximidade com a França. Já no que diz respeito aos serviços relativos à
produção, apesar da diferença de uma década em relação aos dados dos
países dos G7, Portugal não atinge ainda metade da ocupação da popula-
ção registada em qualquer dos restantes países (à excepção da Alemanha,
cujos valores se referem a 1987).
No que diz respeito aos serviços sociais, Portugal parece de novo
posicionar-se perto da estrutura de emprego francesa, mas já no que diz
respeito aos serviços pessoais o seu modelo mais próximo é o vigente nos
EUA e Reino Unido.
Daí que, também ao nível dos modelos de desenvolvimento infor-
macional, não se possa falar de uma adesão pura a um modelo económico
de serviços ou a um modelo de produção industrial. Tal fica a dever-se pos-
sivelmente ao próprio processo de transição em curso que se manifesta
de modo desigual em diferentes áreas da produção e dos serviços. Se,
ainda assim, procurarmos encontrar quais as maiores semelhanças que
Portugal apresenta com cada um dos modelos, pode-se dizer que Portu-
gal, dada a sua estrutura de emprego, se encontra mais próximo de um
modelo de produção industrial sem, no entanto, substituir o emprego
industrial por serviços relacionados com a produção. Por outro lado, possui
um modelo de emprego nos serviços pessoais e sociais próximo daquele
que caracteriza as economias sustentadas por um modelo económico de
serviços como os EUA e o Reino Unido. A conclusão a tirar desta análise
é que, fruto do processo de transição em curso na sociedade portuguesa,
não se configuram claramente ainda as tendências e que, a ser necessário
definir uma aposta, esta se localizaria na proximidade entre as opções
feitas pela França, no sentido de um modelo económico de serviços,
118
que mantêm uma base industrial relativamente forte mas com enfoque
nos serviços relacionados com a produção e serviços sociais, e o percurso
incerto da Itália na construção de um modelo informacional em que
também ela se encontra em transição entre um modelo proto-industrial
e um proto-informacionalismo (assente nas pequenas e médias empresas
e nas redes por elas possibilitadas).
As tendências presentes, nos dados atrás apresentados, são também
verificadas pelos dados obtidos no inquérito em que se baseia este estu-
do sobre a sociedade em rede em Portugal.
Embora em 2003 a maioria do emprego esteja concentrado no sector
de serviços, está-o em serviços de tipo tradicional, como o comércio e a
hotelaria (27%). Enquanto isso, os serviços emblemáticos das sociedades
informacionais30, como os relacionados com os serviços sociais (23,6%)
e serviços às empresas (9,6%), sejam eles de produção ou comunicações
ou ainda financeiros, constituem 33% da estrutura de emprego (a que
há ainda de juntar quase 7% de trabalho doméstico).
A sociedade portuguesa apresenta assim valores muito baixos essencial-
mente ao nível dos serviços relativos à produção. Se procurarmos estender
a análise à comparação entre as gerações pós-25 de Abril e as nascidas antes
do 25 de Abril podemos verificar que apesar dos problemas identificados
há uma evolução positiva. Há ao longo dos últimos 30 anos um aumento
sustentado das actividades desenvolvidas pelos profissionais intelectuais,
científicos e técnicos e pelos profissionais de nível intermédio.
Enquanto para os indivíduos nascidos antes de 1967 as duas ca-
tegorias representam apenas 11,6% da totalidade do emprego já nos
mais jovens (indivíduos maiores de quinze anos que iniciaram a sua
escolaridade no pós-25 de Abril) esse valor aumenta para 16,6%. Mas a
situação portuguesa é também dual dentro da mesma estrutura etária.
30
Os serviços sociais englobam: serviços médicos, hospitais, educação, serviços
religiosos e de bem-estar social, organizações sem fins lucrativos, serviços postais,
órgãos de governo e serviços sociais diversos. Os serviços pessoais englobam: servi-
ços domésticos, serviços de hotelaria, bares e restaurantes, serviços de reparação,
lavandaria, cabeleireiros, entretenimento, serviços pessoais diversos. Os serviços de
distribuição englobam: transportes, comunicações, comércio por grosso, comércio a
retalho. Os serviços relativos à produção: actividades financeiras, seguros, actividades
imobiliárias, engenharia, contabilidade, serviços empresariais diversos, serviços jurí-
dicos (adaptado de Castells, 2002: 410).
119
Assim, embora os mais jovens tenham obtido maiores qualificações que
as gerações anteriores o peso relativo de operários não qualificados só
diminuiu na agricultura e pescas.
A percentagem de trabalhadores não qualificados dos serviços, do
comércio e indústria, comunicações e transportes praticamente man-
têm-se na estrutura de emprego entre os dois segmentos geracionais
referidos (respectivamente para os mais velhos de 24,5% e para os mais
jovens de 22,5%). O que se pode concluir desta leitura?
Por um lado o sistema produtivo em termos das competências neces-
sárias não terá evoluído na mesma proporção que o sistema educativo
(isto apesar do sistema educativo ser ainda muito frágil dada a sua eleva-
da taxa de abandono escolar). Por outro lado, visto que existe um ligeiro
decréscimo intergeracional entre os operários e artífices (de 21,1% para
os mais velhos e 19,2% para os mais jovens), há uma recomposição
das qualificações, ainda que lenta, pelo que se assiste ao aumento de
trabalho administrativo (onde o emprego jovem aumenta em 4% face
ao emprego dos mais velhos – 12,1% e 8,7%) mas também ao nível dos
serviços e vendas que representam 18,7% do emprego jovem e apenas
13,3% entre os nascidos antes de 1967.
No contexto da era da informação, das sociedades informacionais e de
uma organização social em rede, a situação portuguesa é particularmente
complexa. Embora sejam evidentes os sinais de transição para um modelo
de organização social em rede (e a consequente formação de uma socie-
dade em rede proporcionada pela utilização da internet) e uma transição
para um maior número de analistas simbólicos (Reich, 1991), característi-
cos das sociedades informacionais – mas ainda distantes, por exemplo, dos
18,5% da Catalunha (Castells e outros, 2003) – assiste-se, como se viu, a
aspectos que são ainda característicos dos modelos industriais.
120
da dimensão informacional e das economias dinâmicas, de que os EUA,
Finlândia e Singapura (Castells e Himanen, 2002) são exemplos para-
digmáticos.
Hoje em dia não é difícil encontrar, em documentos produzidos, nas
instituições da União Europeia, ou no quadro da OCDE e mesmo da
ONU, que a equação para o desenvolvimento económico e social dos
países, cidades ou zonas na era da informação é a apropriação do uso das
ferramentas tecnológicas e a sua integração nos circuitos produtivos e
de relacionamento pessoal necessitando para tal, todo o país, cidade ou
zona, de realizar a inserção efectiva das mesmas no tecido empresarial e
ao nível do estado (na gestão da república, na formação, na gestão do
território e na sua defesa, etc.).
Clarificando um pouco, importa salientar que, ao contrário do
muitas vezes apregoado, o tecido produtivo da era da informação não
é, simplesmente, o das empresas tecnológicas (as chamadas .com – “dot
com”) mas sim o das empresas que saibam incorporar as tecnologias de
informação no seu processo produtivo, organizativo, de distribuição e
de promoção.
Assim, a nova economia não são apenas as amazon.com, e-bay ou as
empresas de telecomunicações – embora façam também parte dessa
mesma economia – mas também empresas que, como a INDITEX
(Grupo espanhol detentor da ZARA entre outras marcas de roupa),
souberam usar a internet para atingir os seus objectivos económicos
(Castells, 2004a).
Aliás, as empresas de sectores tradicionais são em muito maior nú-
mero que as puramente tecnológicas ou directamente vocacionadas para
o on-line. E um tecido produtivo, terá hoje, como aliás tem vindo a acon-
tecer ao longo dos séculos, um sector dinamizador e igualmente outros
que aproveitam esse mesmo dinamismo para inovar.
Qualquer país ou zona geográfica, para triunfar neste jogo, de im-
portações e exportações e desenvolvimento de competências, necessita
também de ter quadros com capacidade de utilizar a tecnologia para
inovar, seja no circuito económico ou no Estado, quadros que realizem
trabalhos repetitivos – ou não criativos – mas com a utilização daquelas
tecnologias, uma infra-estrutura de telecomunicações, um tecido empre-
sarial inovador, um Estado que saiba criar as condições em termos de
121
formação das pessoas, reconversão dos seus modelos organizativos e de
gestão e que estabeleça leis de regulação, enquadramento e incentivo.
Durante a década de noventa muito mudou em Portugal no domínio
das tecnologias de informação. Os primeiros passos foram a incorpora-
ção no discurso político das temáticas da sociedade de informação a par
de um constante crescimento do uso dos telemóveis e da internet por
parte dos particulares (Cardoso, 2003).
Seguiu-se a actividade legislativa de enquadramento, a definição de
algumas questões base para o desenvolvimento das telecomunicações,
formação de jovens e fomento da utilização das novas tecnologias – com
o Estado a actuar como dinamizador da iniciativa privada nesta área.
Os últimos 10 anos foram igualmente anos de elevado investimento
por parte das empresas de media, telecomunicações e grupos financeiros,
pois foi a época da liberalização dos mercados, da apetência bolsista para
adquirir acções de empresas startup – em que a ideia detém a primazia
sobre a gestão temporal da possibilidade de retorno do investimento – e
das visões demasiado utópicas ou demasiado deterministas quanto ao
futuro da economia e da sociedade em geral (Cardoso, 1999).
A análise dos diferentes modelos de sociedade informacional pode
tomar como ponto de partida a individualização de quatro dimensões
(tecnologia, economia, bem-estar social e valores) através das quais se
pode compreender melhor qual a posição relativa de Portugal no pano-
rama global das sociedades informacionais (Castells e Himanen, 2002).
Pode-se considerar que uma sociedade é informacional (Castells e
Himanen, 2002) se possui uma sólida tecnologia de informação (infra-
-estrutura, produção e conhecimento). Os países aqui seleccionados,
Finlândia, Estados Unidos e Singapura, são sociedades informacionais
avançadas. São igualmente economias dinâmicas porque são internacio-
nalmente competitivas, tem empresas produtivas e são inovadoras. Mas
porque “a tecnologia e a economia não são mais do que uma parte da
história” (Castells e Himanen, 2002: 31), pode-se dizer que uma socieda-
de é aberta se o é politicamente, isto é, ao nível da sua sociedade civil,
e se está aberta aos processos globais. Igualmente o seu bem-estar social
pode ser avaliado em função da sua estrutura de rendimentos e da cober-
tura oferecida aos seus cidadãos em matéria de saúde e educação.
Os dados presentes nos quadros seguintes comparam Portugal com
três modelos de sociedades informacionais. Que são respectivamente os
122
modelos que se podem designar por Silicon Valley, o modelo de uma
sociedade orientada pelo mercado e aberta, por Singapura, o modelo de
um regime informacional autoritário e, por fim, o modelo Finlandês de
uma sociedade providência informacional.
A qualificação de uma sociedade como informacional baseia-se assim
numa sólida tecnologia de informação ao nível das infraestruturas, pro-
dução e conhecimento. Como se posiciona Portugal nessas dimensões?
Portugal no que se refere ao índice de desenvolvimento tecnológico
encontra-se (UNDP, 2001: 48) em 27º lugar na segunda divisão de países
– os denominados líderes potenciais. Sendo essa segunda divisão coman-
dada pela Espanha (19º lugar) e pela Itália (20º lugar).
Ao nível da infra-estrutura Portugal apresenta valores para o número
de máquinas ligadas à internet (hosts) por 10000 habitantes de 25% dos
valores das economias avançadas e de 14% da Finlândia. No entanto, a
situação inverte-se totalmente quando se compara o número de contra-
tos de uso de telemóveis por 1000 habitantes. Portugal encontra-se em
sexto lugar (774) num ranking mundial liderado pela Itália (883) e segui-
do por três países escandinavos (Islândia, Noruega e Finlândia).
Portanto, embora possuindo uma baixa infra-estrutura ao nível da
internet pode dizer-se que Portugal possui uma infra-estrutura de tecno-
logias móveis claramente acima da média global.
O panorama ao nível da produção já não é tão optimista pois Portugal
possui uma muito baixa taxa de exportações de alta tecnologia, atingin-
do apenas um quarto da média das economias mais avançadas (Portugal
6, para 21 por parte das economias avançadas31). Representando apenas
10% dos valores atingidos por Singapura, a sua maior proximidade é
junto do modelo Finlandês, atingindo os valores portugueses 26% da
totalidade das exportações de alta tecnologia da Finlândia (um país que
na década anterior passou de valores similares a Portugal para os actuais
23%). Completando a contextualização desta análise, se compararmos a
relação entre exportações de produtos primários e manufacturados das
31
Os valores referentes às “economias avançadas” foram adaptados sempre que
possível dos cálculos já disponíveis (Castells e Himanen, 2002). Quando se concluiu
pela necessidade de um novo cálculo optou-se por utilizar os dados referentes aos
G7, por vezes, utilizando para o cálculo da média também dados dos países OCDE
mais desenvolvidos.
123
quatro economias a sua estrutura é similar (respectivamente 14% e 86%)
pelo que é ao nível das exportações de alta tecnologia que as diferenças
surgem para Portugal.
Se utilizarmos a medida “comércio electrónico” para caracterizar
o desenvolvimento da área de serviços e vendas de uma economia, o
panorama português é um misto de valores positivos e negativos. Se,
por um lado, acompanhou entre 1998 e 2001 as taxas de crescimento
de mais de 600% de servidores seguros da Finlândia (e fê-lo acima da
média das economias mais avançadas). Por outro lado, possui uma das
mais baixas taxas de servidores seguros por 100 000 habitantes (apenas
2,34, um valor que representa apenas 14,3% da média das economias
mais avançadas).
A leitura destes valores tem de ter presente também a sua relação
com o número de utilizadores, pois um valor elevado de utilização é
indicador também de um maior potencial de mercado. Sem número
elevado de utilizadores não há incentivo ao aumento do comércio elec-
trónico (seja ao nível inter-empresas ou com particulares). Embora em
2003, segundo os dados do nosso inquérito, Portugal possuísse 29% da
sua população como utilizadores directos da internet, sendo em 2001 os
valores de utilização cerca de 18% (INE, 2003), o que representa uma
taxa de crescimento de 60% em dois anos, Portugal encontra-se ainda
bastante distante dos cerca de 50% de qualquer dos três modelos aqui
analisados. Tal indicia um mercado ainda relativamente restrito para o
desenvolvimento do comércio electrónico interno.
No entanto, há outro dado que pode dar uma visão mais positiva que
é a relação entre o número de hosts e o número de servidores seguros. Aí
Portugal, embora claramente distante das performances das economias
avançadas (onde a relação é de 1 servidor seguro para apenas 692 má-
quinas com endereço IP) situa-se na mesma ordem de grandeza que os
EUA ou a Finlândia.
Mas ao falar de tecnologias de informação estamos igualmente a falar
de conhecimento e embora tenhamos já abordado algumas das dimen-
sões, nomeadamente ao nível das qualificações para o emprego, os dados
coligidos na comparação internacional no quadro 3.30 confirmam as
tendências anteriormente apontadas.
Portugal possui mais do que um mero embrião ao nível das compe-
tências tecnológicas mas relativamente aos níveis necessários a uma eco-
124
nomia informacional encontra-se aparentemente ainda muito distante
de os atingir.
Se não vejamos: quanto aos estudantes do ensino superior da área
das ciências (exactas, naturais e tecnológicas), os rácios parecem colocar
Portugal ao nível dos EUA, mas essa aparente semelhança mascara o fac-
to de grande parte dos investigadores contratados nas empresas de alta
tecnologia nos EUA terem obtido a sua formação no exterior (Castells
e Himanen, 2002).
Portanto a comparação deverá ser feita com os dois outros modelos,
Singapura e Finlandês. Uma comparação que é claramente negativa para
Portugal. Pois, embora apenas a três pontos percentuais da média das
economias avançadas, na realidade a formação na área das ciências em
Portugal representa cerca de 50% da realizada em economias líder como
as da Finlândia e Singapura.
Se olharmos para o número de cientistas e engenheiros em I&D em
Portugal, e os compararmos com os demais países observados, compre-
ende-se que o actual esforço não permite por si só recuperar o atraso,
pois parte-se igualmente de uma posição muito débil.
Ou seja, por milhão de pessoas, Portugal possui 1576 cientistas e en-
genheiros a realizar investigação e desenvolvimento quando a média das
economias avançadas é superior em 76% (a relação para com a Finlândia
é de 1 para 3 investigadores e engenheiros e de 1 para 2,5 para os dois
restantes países em análise).
Todos os factores analisados e referentes às competências adquiridas,
estrutura de emprego e predominância de áreas de baixa e média tecno-
logia na economia tem visibilidade ao nível da produtividade comparada
da economia portuguesa e do seu PIB per capita.
Num índice 0-100 de competitividade, onde a média das economias
avançadas é de 69 pontos, Portugal ocupa a 32º posição com um índice
de 58 pontos, estando as economias líder aqui analisadas entre os 80 e
os 100 pontos e ocupando as três primeiras posições ao nível da compe-
titividade global. O PIB per capita português representa 67% da média
das economias mais avançadas.
A medição do crescimento da capitalização bolsista portuguesa é
outro sinal da pouca competitividade da economia. Aos 24% de capi-
talização entre 1998 e 2000 opõem-se os 894% de capitalização bolsista
finlandesa.
125
Quadro 3.30 Comparações internacionais no domínio da tecnologia
Economias
Finlândia EUA Singapura Portugal
Avançadas
Máquinas ligadas à internet
1707,25(3) 3714,01(1) 478,18 239,28 819,15
(por 10.000 hab.) 1
1
Valores para todos os países obtidos em World Indicators, International Telecommunication Union 2002
(ITU) em http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.
2
Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.
3
Valores obtidos por Netcraft em Dezembro de 2001 em http://www.atkearney.com/shared_res/pdf/Secu-
re_servers_2002_S.pdf. Valor de hosts obtido a partir de World Indicators, International Telecommunica-
tion Union (ITU) em http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.
4
Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos junto do Instituto Nacional de
Estatística em http://alea-estp.ine.pt/html/actual/pdf/actualidades_42.pdf.
5
Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001. Definição da Unesco para o indicador em causa: “gross enrolment in tertiary
education – total enrolment in tertiary education regardless of age, expressed as a percentage of the popula-
tion in the five-year age group following the secondary-school leaving age”.
126
Porque as causas também se encontram ao nível do investimento em ino-
vação. As economias informacionais são baseadas na inovação enquanto
as industriais se centram na optimização do crescimento económico. Daí,
que o investimento em I&D em percentagem do PIB indique até que
ponto uma sociedade interiorizou na sua esfera económica um modelo
de desenvolvimento informacional e o despontar de uma organização
económica em rede que acompanha esse movimento de reestruturação
(Castells, 2002, 2003a, 2003b, e 2004a).
Economias
Finlândia EUA Singapura Portugal
Avançadas
Produtividade
99 100 s.d. s.d. s.d.
(industrial: índice 100 = EUA)
Crescimento da capitalização
894 429 s.d. 24 s.d.
bolsista (1996-2000) (%) 3
Investimento em I&D em % do
3,1 (3) 2,6 1,9 0,7 2,0
PIB (1996-2000) 4
1
Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto valores para Portugal obtidos directamente da fonte citada
na obra, isto é, o IMD.
2
Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.
3
Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos na Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários em http://www.cmvm.pt/consulta_de_dados_e_registos/indicadores/indicadores.asp ,
os valores para Portugal referem-se a 1997-2000 (Acções - BVL 30).
4
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001.
127
Para uma média em 2000 de 2% do PIB nas economias avançadas
investido em I&D, Portugal investiu apenas 0,7% quando qualquer dos
modelos analisados se coloca acima dos 2%, com a Finlândia a atingir
os 3,1% do produto interno bruto.
Outro indicador, igualmente representativo, corrobora essa ten-
dência da economia portuguesa. As receitas derivadas de propriedade
intelectual ou licenças concedidas a terceiros representam apenas 2,5
dólares por 1000 habitantes o que identifica a nossa dependência da
inovação de terceiros mercados. A título de exemplo a Finlândia obtém
126 dólares, os EUA 130, a Irlanda 110,3 e a Espanha e Itália 8,6 e 9,8.
A leitura que se pode tirar das comparações nas dimensões infra-es-
truturais de produção e conhecimento tecnológico é a de uma confirma-
ção da posição de Portugal como uma sociedade proto-informacional,
ou, se preferirmos em transição para uma sociedade informacional.
Uma sociedade onde a manifestação das estruturas organizativas e de
produção em rede despontam e convivem com os, ainda dominantes,
modelos económicos característicos das sociedades industriais.
128
Se nesta obra analisámos a estrutura de rendimentos da população
portuguesa em função de comparações intergeracionais (e genericamen-
te face a modelos de distribuição de rendimentos) podemos igualmente
comparar o bem-estar da população portuguesa face aos modelos de
bem-estar associados aos três modelos de sociedade informacional em
análise (Finlandês, Singapura e Silicon Valley).
Assim no que diz respeito ao rácio dos 20% mais ricos em relação
aos 20% mais pobres o modelo finlandês de providência informacional
é aquele que apresenta uma maior igualdade de rendimentos (3,6).
Economias
Finlândia EUA Singapura Portugal
Avançadas
Taxa combinada de estudantes de
103 (4) 93 75 (-1) 93 94
primeiro, segundo e terceiro ciclo 1
1
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001.
2
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2003. Calculado a partir do indicador “Lacking funtional literacy skills” em http:
//hdr.undp.org/reports/global/2003/pdf/hdr03_HDI.pdf.
3
Adaptado de Castells e Himanen (2002) excepto dados para Portugal. Dada a existência de um Serviço
Nacional de Saúde com universalidade pressupõe-se a cobertura da totalidade da população portuguesa.
4
Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto dados para Portugal de World Development Report On
Poverty do Banco Mundial em http://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/.
5
Adaptado de Castells e Himanen 2002. Para Portugal, valor obtido em Capucha (2004), Desafios da Pobre-
za, Lisboa, ISCTE, p.131 (Tese de Doutoramento). Medida de pobreza relativa, referida a um limiar de 60%
da mediana do rendimento disponível nos agregados domésticos.
6
Dados para todos os países baseados em World Development Report On Poverty do Banco Mundial em
http://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/. No coeficiente Gini, 100 representa desigualdade absolu-
ta, a situação em que uma pessoa obtém tudo e os demais nada. O valor 0 representa igualdade absoluta, em
que todos recebem exactamente o mesmo.
129
No campo oposto, o modelo informacional liderado pelo mercado
(Silicon Valley) ou o autoritário (Singapura) apresentam distribuições de ren-
dimentos muito mais desequilibradas, ocupando respectivamente o terceiro
e o segundo lugar no ranking das economias avançadas, com a pior relação
entre os rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres (8,9 e 9,6).
Portugal encontra-se, mais uma vez numa situação intermédia entre
os dois modelos. No entanto, o seu coeficiente de Gini (35,6), no qual
100 representa desigualdade absoluta, a situação em que uma pessoa
obtêm tudo e os demais nada, e o valor 0 representa igualdade absoluta
em que todos recebem exactamente o mesmo, coloca-o mais próximo
do modelo Silicon Valley (40,8) do que do modelo finlandês (25,6) e clara-
mente acima da média das economias avançadas (28,6)32.
O bem-estar social está assim associado à distribuição de rendimen-
tos mas também à educação e à saúde. Se pensarmos em termos de
cobertura de cuidados de saúde, Portugal com o seu Serviço Nacional
de Saúde (SNS) segue claramente o modelo finlandês, com a sua cober-
tura da totalidade da população e afasta-se do modelo informacional de
Silicon Valley onde existe uma percentagem considerável da população
excluída do acesso ao sistema de seguros de saúde (18%).
Ao nível da educação valerá igualmente a pena referir que a abertura
de uma sociedade informacional não depende apenas da taxa combina-
da de estudantes dos três ciclos a qual, apesar do elevado abandono33,
que a taxa não leva em consideração, coloca Portugal ao nível dos EUA
e da Finlândia.
32
Vale a pena no entanto relembrar que se a análise ocorrer entre diferentes
gerações o coeficiente de Gini colocará as gerações nascidas depois de 1967 muito
mais próximas das sociedades informacionais de providência do que dos modelos
informacionais dirigidos pelo mercado.
33
Os dados indicam que as taxas de abandono na UE são relativamente altas
com uma média de 22,5 %. No entanto, existem diferenças acentuadas entre estados
membros. Assim os estados do norte da Europa possuem melhores resultados do
que os restantes. Portugal (40,7 %), Itália (30,2 %), Espanha (30,0 %) e Reino Unido
(31,4 %) possuem taxas muito elevadas, enquanto a Alemanha (13,2 %), Áustria
(11,5 %) e os países escandinavos (Suécia 9,6 % e Finlândia 8,5 %) apresentam
valores abaixo da média (em http://europa.eu.int/comm/education/policies/
educ/indic/rapinen.pdf).
130
No entanto, no que respeita à alfabetização funcional, ou seja, a
capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos ao nível escolar na
sociedade onde se insere, Portugal apresenta resultados muito negativos
com uma taxa de apenas 52% para uma média das economias avançadas
de 83% e de mais 80% para os EUA e a Finlândia.
Estrangeiros ou nascidos no
2,5 10,4 s.d. 4,1 s.d.
estrangeiro (% de população) 5
1
Adaptado de Castells e Himanen (2002), todos os dados de Press Freedom Survey 2003 em http://
www.freedomhouse.org/.
2
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001.
3
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos directamente no presente
estudo. Os valores referem-se apenas às pessoas com formação primária.
4
Dados para todos os países baseados em International Center for Prison Studies, do Kings College. http:
//www.kcl.ac.uk/depsta/rel/icps/worldbrief/highest_to_lowest_rates.php.
5
Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório sobre a população
do Instituto Nacional de Estatística.
131
A inserção numa sociedade global é igualmente possível de aferir
em função da percentagem do número de estrangeiros ou nascidos no
estrangeiro que uma sociedade alberga no seu seio.
132
valores utilizados na comparação referem-se à soma dos dois grupos. A
sociedade portuguesa em termos de abertura a populações estrangeiras
está mais próxima da sociedade norte-americana do que do modelo Fin-
landês, face à qual possui quase o dobro de percentagem de população
estrangeira (respectivamente 2,5 e 4,1)36.
36
Para mais informações ver também Pires (2003).
133
Um valor que se mantêm constante quer entre os jovens quer nas
gerações mais velhas e que se pode considerar relativamente baixo
quando comparamos, por exemplo, com a média europeia de pertença
(56%)37.
O associativismo português é muito fragmentado por temáticas e é
com alguma frequência cumulativo. Se regressarmos à comparação entre
a situação portuguesa e os modelos de sociedade informacional atrás
enunciados, também ao nível da pertença a associações os valores para
Portugal (1,3) do número de associações em que se encontram envolvidos
os cidadãos está exactamente no meio do intervalo entre os valores carac-
terizadores do modelo Silicon Valley (1,1) e os do modelo Finlandês (1,8).
As pertenças mais frequentes remetem para associação/clube despor-
tivo (46,2% dos que declaram pertencer a alguma associação); associação
cultural e recreativa (18,5%); sindicato (11,3%); associação profissional
(10,4%); e associação religiosa e paroquial (7,8%). Ainda assim, quando
se participa em alguma associação o grau de envolvimento é elevado
para a maioria dos participantes, em média quase sempre acima dos
70%. Sendo os casos de maior participação os presentes nos membros
de associações ecologistas e de protecção de animais (100%). Por sua vez
as taxas de participação mais baixas registam-se nas associações de consu-
midores e de defesa dos direitos humanos (50%). Os sindicatos (58,6%)
e partidos políticos e ONG solidárias (64,3%) encontram-se por sua vez
bastante próximas dos valores da maioria dos tipos de associações lista-
das na nossa análise.
Um dos indicadores de uma sociedade informacional é também a rela-
ção entre essa sociedade e os seus media, isto é, tanto a liberdade dos meios
de comunicação em expressarem livremente as notícias e as opiniões como
também a relação entre os fruidores e produtores de informação.
Os valores de liberdade dos meios de comunicação para Portugal (17)
encontram-se dentro do intervalo definido para o segundo grupo (11-20
numa escala de 0 a 100, sendo 0 a liberdade total) e do valor médio que
caracteriza a liberdade de imprensa nos países com economias avançadas
(17) e onde existe maior liberdade de imprensa (embora com valores infe-
riores aos da Finlândia e EUA, respectivamente com rácios de 10 e 17, am-
37
Adaptado de Eurobarometer 50.1 (1998).
134
bos pertencendo ao grupo com maior liberdade de comunicação)38. Para
a caracterização da liberdade dos meios de comunicação são tomados em
conta o enquadramento legal da actividade jornalística, as influências polí-
ticas e as pressões económicas sobre a liberdade de comunicação. Portugal
entre 2001 e 2003 melhorou o seu rácio geral em 2 pontos (passando de
17 para 15), seguindo uma tendência similar à da Finlândia, enquanto os
Estados Unidos tiveram um comportamento oposto (de 17 para 19) e Sin-
gapura continua a ser considerado um país sem liberdade para os meios de
comunicação39. A evolução positiva de Portugal mascara no entanto que o
valor final se fica a dever a uma avaliação positiva da evolução das leis e da
regulação que eventualmente influenciem o conteúdo dos media, a qual
é contrabalançada por uma deterioração das pressões económicas sobre
o conteúdo dos media. Citando o relatório Press Freedom Survey de 2003,
“Embora a maioria dos meios de comunicação sejam independentes do
Estado, no entanto, a posse de jornais, rádio e televisão encontra-se nas
mãos de apenas quatro companhias de media”40.
Este capítulo, a partir dos dados existentes, teve a intenção de situar a reali-
dade de Portugal no contexto global através da apresentação de um panorama
mundial em que se comparou a difusão e os usos da internet com o posiciona-
mento de Portugal em termos de modelo de sociedade informacional.
Os dados sobre Portugal, que são a base de todos os outros capítulos,
foram produzidos a partir do nosso próprio inquérito; mas para a análise
dos outros países, dependemos de fontes heterogéneas, com definições e
metodologias nem sempre compatíveis.
De facto, quando os investigadores não podem gerar a sua própria
base de dados, as estatísticas sobre a realidade sociológica representam
um quebra-cabeças de peças desiguais que não são fáceis de encaixar. No
caso da internet, com as fontes que existem actualmente, este quebra-
38
Ver quadro 3.33.
39
Iguais posições surgem quando se olha para a análise da presença on-line na
internet, Finlândia Portugal e EUA encontram-se entre os menos restritivos às liber-
dades de comunicação e Sigapura encontra-se entre os moderadamente livres (Press
Freedom Survey 2001).
40
Em http://freedomhouse.org/pfs2003/pfs2003.pdf
135
cabeças é praticamente irresolúvel. Interesses e finalidades diferentes,
metodologias próprias e, também, difusão parcial dos resultados, dão
origem a uma amálgama de dados, muitas vezes consideravelmente
divergentes, que tornam muito difícil desenhar o mapa da realidade da
internet no mundo.
Em todo o caso, fizemos um esforço para definir, a partir das fontes
mais fiáveis, qual é o grau de penetração da internet na Europa e no
mundo, e também qual é o ritmo de crescimento em cada uma das
zonas, para comparar com o nível e ritmo da difusão da internet em
Portugal.
Pode-se afirmar que em Março de 2003 o conjunto dos utilizadores
representa aproximadamente 11% da população mundial. Concentra-se
basicamente na Europa (31,5% do total de utilizadores), na Ásia/Pací-
fico (30,9%) e nos EUA e Canadá (30,2%). A penetração na América
Latina (5,5%), em África (1%) e no Médio Oriente (0,8%), é muito
lenta, mas não é nula.
Contra a ideia de que a internet é um fenómeno essencialmente
norte-americano, é importante assinalar que, apesar de ter sido aí que
tudo começou, é muito claro que já deixou de o ser. O facto de que a
proporção de utilizadores daquela zona sobre o total de pessoas que uti-
liza a internet no mundo ter baixado de 62,5% em 1999 para menos de
30% em 2003 é uma prova da difusão mundial da internet.
Se bem que o ritmo explosivo desta difusão se tenha tornado mais
lento ao entrar em zonas menos desenvolvidas e com populações menos
escolarizadas, temos de recordar que se passou de uns 16 milhões de uti-
lizadores em 1995 para cerca de 650 milhões, em meados do ano 2003.
Este número faz da internet o meio de comunicação de mais rápida
difusão na história da humanidade. Todavia, os dados apresentados de-
monstram claramente a grande desigualdade no processo de difusão da
internet nas diferentes regiões mundiais: entre as quase duas terças par-
tes de utilizadores no conjunto da população dos EUA e Escandinávia,
aos 1% em África, passa-se por diversas situações intermédias reflectidas
de maneira aproximada nas estatísticas recolhidas nestas páginas.
Como estar ligado à internet é cada vez mais uma condição indispen-
sável para a educação e desenvolvimento das pessoas, regiões e países,
surge uma questão clara, acerca de quanto tempo durará esta fractura
digital. É evidente que à medida que a internet penetra em áreas do
136
mundo e sectores da população com recursos económicos e culturais
mais baixos, o seu ritmo de difusão diminui. Consequentemente, se não
se fomentam políticas públicas nacionais e internacionais que incenti-
vem os usos da internet, fomentando a produção de conteúdos úteis e
de infraestruturas adequadas a baixos custos, vai continuar a existir uma
diferença significativa entre quem está ligado e quem não está, seja por-
que não tem possibilidade, seja porque não tem incentivos suficientes.
No caso de Portugal, e segundo os dados do nosso inquérito, se é verda-
de que cerca de 29% da população é utilizadora directa da internet, e
ainda que cerca de outros 10% têm de algum modo e alguma vez tentado
aproximar-se da utilização da internet, a maioria da população (61%) é
ainda constituída por não utilizadores.
A situação de decisiva desigualdade educativa e cultural que se con-
figura em todas as sociedades – inclusivamente na nossa – pode agudi-
zar-se perigosamente com a desigualdade tecnológica de acesso ao meio
em que, actualmente, está concentrado o potencial de informação e
comunicação da humanidade, uma espécie de transformada e moderna
biblioteca de Alexandria, de base global, sempre acessível, navegável e,
por isso, ligada, por cabos onde circulam bits.
Se a origem e o destino desta informação são cada vez mais diversifi-
cados, a língua de comunicação continua a ser essencialmente o inglês,
a língua franca da nossa era. E embora os dados sobre este facto sejam
escassos, produto de arriscadas metodologias de avaliação indirecta, em
todo o caso, é possível estimar que duas terças partes das páginas da
World Wide Web são em inglês.
Também os estudos relativos à língua na internet pública revelam
uma certa estabilidade no domínio do inglês, que se mantém à volta dos
72% em todos os sites públicos em 1999 e em 2002.
A estabilização do nível de uso do inglês, num contexto em que o nú-
mero de utilizadores da internet aumenta consideravelmente, significa
que as outras línguas aumentam a sua presença muito mais rapidamen-
te. É este o caso do japonês e, em menor escala, do espanhol, que se situa
em segundo lugar a seguir ao inglês, segundo a percentagem de páginas
na web, cerca de 5,9%, numa das poucas avaliações disponíveis.
Em termos gerais, a nossa hipótese é que à medida que a internet se
difunde nas diferentes áreas do mundo, a escala linguística configura-se
a dois níveis: numa presença da língua própria de cada cultura e na língua
137
franca de comunicação global, que é o inglês. Entre a diversidade inco-
municável e a dominação cultural linguística estabelece-se uma relação
cultural fluida que tem em conta tanto a realidade local como a global.
O mundo da internet tende para a comunicação de banda larga,
decididamente favorecida por políticas públicas (já é uma realidade
maioritária entre os utilizadores da Coreia e, em menor escala, noutros
países da Ásia/Pacífico).
Detecta-se, contudo, que numa série de países acontece o seguinte:
uma falta de procura de banda larga porque não há conteúdos realmente
atractivos para as pessoas e uma falta de investimento em infra-estruturas
à espera que esta procura seja uma realidade. Por isso, a iniciativa públi-
ca, ao proporcionar serviços de educação, saúde, cultura, informação,
participação e cidadania, que requerem capacidades de comunicação
consideráveis, é a condição necessária para que as pessoas se liguem e
os operadores se decidam a investir acima dos limites actuais. Apesar de
todas estas restrições, o incremento da banda larga foi considerável, em
2002 e 2003. Em Portugal, segundo a ANACOM, o ADSL e Cabo re-
presentavam em 2001 apenas cerca de 96 mil ligações quando em 2002
atingia já mais de 257 mil.
Pode pensar-se que mais do que a proporção estrita de utilizadores,
será crescentemente a ligação de banda larga o indicador adequado para
medir o desenvolvimento da sociedade em rede e toda a sua diversidade
de práticas.
No entanto, o desenvolvimento da sociedade em rede depende
também do modelo de desenvolvimento informacional que um dado
país segue. Dependendo da estrutura de emprego, da infra-estrutura
tecnológica, da produção de conhecimento, da abertura ao mundo e à
informação, podem gerar-se diferentes modelos de sucesso económico,
mas com características bastante diferentes.
Portugal no início do século XXI permanecendo basicamente uma
economia proto-industrial, mas não se afirmou ainda como economia
informacional. No entanto, há sinais claros de uma transição, embora
ainda de carácter incipiente e de resultados ainda largamente em aberto.
Nos capítulos seguintes será exposta a análise realizada a partir da
observação do conjunto de práticas associadas à utilização da internet
em Portugal.
138
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 4
Padrões de uso da internet na sociedade portuguesa
O
contacto com as novas tecnologias, designadamente com a
internet, está longe de ser uniforme entre a população por-
tuguesa. Pelo contrário, o grau de proximidade a este meio
de comunicação é bastante diversificado entre diferentes categorias e
grupos sociais, podendo identificar-se contextos em que a familiarização
com a internet é já bastante profunda a par de outros em que é total o
afastamento face a esta tecnologia. Mais do que uma especificidade por-
tuguesa, esta situação é reflexo directo da natureza gradual dos processos
de difusão de qualquer inovação, sendo assim comum à generalidade
dos países com graus de desenvolvimento semelhantes.
Até certo ponto poder-se-á esperar que, à semelhança do registado
quanto à televisão ou ao telefone móvel1, a internet se venha a estender
a uma ampla maioria da população, indiciando então a plena afirmação
da sociedade em rede. Para já, tal não é ainda o caso. A análise do perfil
social dos utilizadores da internet em Portugal, na Primavera de 2003,
pode assim constituir um bom guia de entendimento das características
particulares da sociedade em rede no país, no seu actual momento de
desenvolvimento, permitindo ainda antever algumas das oportunidades
e limites da sua expansão a curto e médio prazo.
139
ropeus mais desenvolvidos. Contudo, o perfil social dos utilizadores tende
a ser relativamente aproximado (Wellman e Haythornthwaite, 2002; Katz
e Rice, 2002; Woolgar, 2002; Castells e outros, 2003; Cardoso, 2003).
À semelhança do que frequentemente acontece com outras tecnolo-
gias de carácter recente, a idade dos indivíduos surge como um aspecto
absolutamente central na sua adesão à internet. Esta prática tem particu-
lar incidência junto da população mais jovem, muito em especial entre
os adolescentes (quadro 4.1). Na faixa etária dos 15 aos 19 anos os utiliza-
dores da internet representam cerca de 65% dos casos; nos escalões dos
20 aos 24 e dos 25 aos 29 são respectivamente 56% e 53%. Entre os mais
velhos – que passaram boa parte da sua vida na ausência deste tipo de
tecnologia – o uso da internet é bastante mais raro. Tal é particularmen-
te evidente no caso dos indivíduos com 50 e mais anos, entre os quais a
taxa de utilização praticamente não vai além dos 5%.
140
significativa entre aqueles que nasceram a partir de 1974, frequentando
já o sistema de ensino no regime democrático e crescendo a par e passo
com uma multiplicidade de novas tecnologias de base microelecrónica,
e os restantes. Basta referir que, em Portugal, mais de 70% da população
utilizadora da internet nasceu depois de 1974.
As diferenças geracionais são também manifestas quando se observa
o grupo dos estudantes, por oposição ao dos reformados. No primeiro
caso as taxas de utilização ascendem a perto de 70%, facto que estará di-
rectamente relacionado com a possibilidade (ou dir-se-ia mesmo a obri-
gatoriedade) de contacto com esta nova tecnologia no contexto escolar;
no segundo não vão além dos 2%, pelo que a internet está assim longe
de se afirmar como uma forma de comunicação e integração social para
estes inactivos (como aliás se verifica também no caso das domésticas).
À juventude dos utilizadores estão, tal como seria de esperar, associa-
das outras características sociodemográficas. Verifica-se, por exemplo, um
elevado peso relativo dos solteiros – entre estes, cerca de 57% utilizam a
internet, o que significa quase o triplo da taxa de utilização dos casados
– bem como de indivíduos a residir em agregados familiares um pouco
maiores, fruto porventura da permanência dos jovens no lar materno.
Interessante é também o facto de a utilização da internet, em Por-
tugal, ser ligeiramente mais comum entre os homens do que entre as
mulheres. Esta distinção tende a estar presente na maioria dos países, só
se esbatendo nas sociedades em que a utilização desta nova tecnologia
está já mais generalizada, como é o caso dos Estados Unidos da América
(Castells e outros, 2003).
141
Embora esteja longe de se poder afirmar um afastamento das mulheres
portuguesas face a este novo recurso, as diferenças são estatisticamente
significativas. A taxa masculina de utilização da internet ronda os 34%, a
feminina é inferior em dez pontos percentuais (quadro 4.2). Tal desigual-
dade manifesta-se em todos os escalões etários, ainda que seja ligeiramente
menos relevante entre os jovens dos 15 aos 25 anos – facto que estará
certamente associado à forte adesão à internet entre as jovens estudantes,
com níveis semelhantes aos dos seus colegas do sexo masculino.
Tão ou mais importante na compreensão dos níveis de difusão da
internet é contudo – em Portugal, como noutros países – um terceiro
factor, em relação ao qual os mais velhos, e em especial as mulheres
mais velhas, se apresentam em nítida situação de desvantagem: o nível
de escolaridade.
Os dados recolhidos confirmam claramente a maior incidência de uti-
lização da internet entre os indivíduos com melhores níveis de educação
formal, como acontece aliás com muitas outras práticas de carácter mais
inovador (quadro 4.3). Cerca de 75% dos detentores de diplomas do ensi-
no superior utilizam este novo meio de comunicação, afirmando-se assim
este grupo social como um dos protagonistas principais do desenvolvimen-
to da sociedade em rede em Portugal. Tal acontece independentemente
do domínio de especialização, não se manifestando portanto qualquer
predisposição particular para o uso dos recursos da internet por parte dos
estudantes ou ex-estudantes de uma determinada área específica.
142
Entre aqueles que completaram o ensino secundário a taxa de uti-
lização ascende ainda a perto de 65%, valor substancialmente superior
ao registado entre a restante população. No caso específico dos indi-
víduos com 4 ou menos anos de escolaridade a utilização da internet é
aliás inexpressiva, facto que ajuda precisamente a explicar o tendencial
afastamento da população feminina mais idosa – em Portugal menos
qualificada – do universo cibernáutico.
É de registar que as diferenças entre homens e mulheres no que res-
peita à adesão à internet são bastante mais acentuadas quando se trata de
indivíduos pouco qualificados. A título de exemplo, entre a população
apenas com o ensino básico (concluído ou não), a taxa feminina de uti-
lização da internet não vai além dos 10%, cerca de metade da registada
entre os homens com igual escolaridade. Já no caso dos diplomados do
ensino superior, a distância tende a esbater-se, sendo a taxa masculina de
80% e a feminina de 70%. Assim se confirma, também neste domínio,
a progressiva aproximação das práticas e oportunidades de homens e
mulheres entre a população mais qualificada.
Um dos aspectos mais relevantes neste contexto prende-se, no entan-
to, com a associação do factor geracional com o educativo. Se, entre os
jovens, a ausência de recursos escolares significativos não conduz a um
necessário afastamento face a esta nova tecnologia, já entre os restan-
tes, a dupla condição de mais velhos e pouco escolarizados parece ser
particularmente inibidora. Os cibernautas com mais de 50 anos são, na
grande maioria dos casos, indivíduos que completaram pelo menos o
ensino secundário, registando-se inclusivamente entre estes uma ainda
maior aproximação dos dois sexos.
As análises estatísticas efectuadas permitem concluir que, não obs-
tante a relevância do género, a idade e a escolaridade se assumem como
as variáveis que mais contribuem para a explicação dos níveis de adesão
à internet, corroborando aliás outros estudos já realizados sobre esta
matéria (Rodrigues e Mata, 2003). O quadro 4.4 é bastante ilustrativo
do efeito combinado destes dois factores. Entre os portugueses com 50
e mais anos, todos eles com contacto necessariamente tardio com a in-
ternet, os menos qualificados têm uma adesão totalmente inexpressiva,
enquanto os mais qualificados (com o ensino secundário ou superior)
atingem taxas de utilização próximas dos 40%. Ou seja, a idade, embora
seja um factor inibidor, está longe por si só de ser um obstáculo intrans-
ponível no uso desta nova tecnologia.
143
Quadro 4.4 Utilização da internet segundo nível de escolaridade e idade (% de
utilizadores em cada categoria)
Escalões etários
Nível de escolaridade concluído
15-29 anos 30-49 anos 50 e mais anos
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todas as categorias).
144
utilizar este meio de comunicação), bem como entre os técnicos de ní-
vel intermédio (60%) ou, embora já em menor escala, os empregados
administrativos (50%). Entre as restantes ocupações, associadas ao de-
sempenho de tarefas de execução e, regra geral, a menores qualificações
formais, as taxas de utilização são bem mais reduzidas, atingindo níveis
praticamente residuais no caso dos trabalhadores não qualificados (8%)
ou mesmo dos operários industriais (10%). Mas, mais uma vez, é impor-
tante notar que, se entre os profissionais e técnicos as diferenças gera-
cionais, embora sempre presentes, não assumem grande relevância, já
nestes últimos casos são bastante significativas. Perto de 30% dos jovens
operários industriais, com menos de 30 anos, referem utilizar a internet,
embora, regra geral, em contextos extra-laborais.
Igualmente interessantes são os valores manifestados pelos dirigentes
do estado e das empresas, em princípio aqueles que ocupam posições de
chefia máxima nas organizações. Sendo esta uma categoria dominada,
em Portugal, por indivíduos tendencialmente mais velhos e pouco quali-
ficados, a respectiva taxa de utilização da internet não vai além dos 30%.
Trata-se, atendendo à posição destes indivíduos na estrutura social, de um
valor relativamente baixo, que indicia algum atraso tecnológico e infor-
mativo dos dirigentes portugueses no contexto da sociedade em rede (em
particular dos mais velhos), por comparação ao relativo avanço da força de
trabalho profissional, técnica e administrativa por aqueles liderada.
A apresentação, no quadro 4.5, da distribuição de utilizadores e não
utilizadores da internet segundo a categoria socioprofissional permite
sintetizar este panorama.
Confirma-se a forte adesão a este novo media dos profissionais técni-
cos e de enquadramento e a relativa penetração entre os trabalhadores
executantes, em particular dos ligados ao comércio e serviços (activi-
dades mais directamente relacionadas com a mobilização da informa-
ção). Atesta-se ainda o generalizado afastamento dos agricultores e trab-
alhadores agrícolas da plataforma web e a fraca participação neste espaço
dos trabalhadores independentes, regra geral com fraca formação escolar
e profissional. O facto de os níveis de adesão na categoria de topo (37%)
se apresentarem ligeiramente mais elevados do que os anteriormente
apresentados a respeito dos dirigentes do estado e das empresas deve-se,
fundamentalmente, à inclusão neste grupo dos profissionais liberais,
caracterizados por fortes índices de qualificação.
145
Quadro 4.5 Utilização da internet, segundo categoria socioprofissional
146
Merece uma última referência a distribuição geográfica dos cibernau-
tas portugueses. Em termos gerais, os níveis de adesão à internet tendem
a aproximar-se em todo o território nacional2. De notar apenas os valores
ligeiramente mais baixos verificados na região do Alentejo (25%), ao que
não será alheio o facto de ser a região portuguesa demograficamente
mais envelhecida. Mas o dado mais interessante prende-se com a dimen-
são e densidade populacional dos locais de residência de utilizadores e
não utilizadores deste novo meio de comunicação. Nas localidades com
mais de 2000 habitantes, entre as quais se incluem as grandes zonas metro-
politanas mas também vilas e cidades de pequena dimensão, a taxa de
penetração da internet é relativamente semelhante (na ordem dos 29%).
Já entre as menores, os valores descem ligeiramente – não indo além dos
23% – o que mais uma vez indicia o afastamento das populações rurais
do universo da web.
Em termos gerais, esta primeira aproximação à difusão do uso
da internet em Portugal torna de novo evidente o carácter dual da
sociedade portuguesa, marcado simultaneamente por distinções de
carácter geracional e educativo, com reflexos ao nível do género, da
inserção socioprofissional ou ainda, em menor escala, da implantação
territorial. A potencialização de um novo recurso tecnológico como a
internet surge claramente associada a competências e predisposições
tendencialmente ausentes entre as gerações mais velhas e menos
qualificadas ou entre aqueles cujas actividades laborais são menos
exigentes do ponto de vista do processamento da informação; e,
pelo contrário, mais frequentemente presentes entre os jovens ou
entre os indivíduos que, ao longo da vida, mais directamente lidaram
com conhecimentos de natureza complexa. Assim sendo, poder-se-á
considerar que a sociedade em rede está longe de anular as desigualdades
decorrentes da classe social, mas também que esta nova modalidade de
organização social e tecnológica vem tornar particularmente decisivas
as diferenças no que toca à capacidade cultural e cognitiva de adaptação
às novas tecnologias e ao constante processamento de informação em
contextos quotidianos.
2
O universo tratado neste estudo foi o de Portugal continental.
147
Antiguidade, frequência e intensidade do uso da internet
148
mais jovens, mas aqueles que, independentemente da sua idade, tinham
já reunido não só competências técnicas mas também a capacidade
para se adaptarem a novas situações em resposta às fortes exigências
do seu trabalho ou aos seus próprios interesses culturais. As adesões
posteriores revelam que a difusão da internet tem significado não só
o seu alargamento a indivíduos próximos do perfil dos pioneiros, mas
também a sua gradual expansão a outros grupos sociais.
Quanto à familiarização efectiva com este meio, a grande maioria
dos utilizadores declara dominar as suas principais funcionalidades e
ferramentas. A generalidade afirma ser capaz de pesquisar informação
(90%) e de receber e enviar e-mails (87%), bem como, ainda que em menor
escala, receber e enviar ficheiros através do correio electrónico (75%) e fazer
downloads para o seu computador (71%). Já no que respeita à construção
de páginas web a situação é diferente. Quase 2/3 dos utilizadores admitem
não serem capazes de construir um sítio na internet, o que indicia usos
que não passam, na maioria dos casos, pela produção de conteúdos, mas
antes pela recepção de informação ou pela troca de mensagens.
Em termos gerais, regista-se que um maior domínio sobre as diversas
funcionalidades da tecnologia em causa tende a estar associado a me-
lhores níveis de qualificação, o que pode ser indicador de utilizações
mais limitadas por parte dos cibernautas menos qualificados do ponto
de vista profissional e escolar. As diferenças de género e idade são relati-
vamente inexpressivas, em particular no que respeita às funcionalidades
mais comuns (pesquisa de informação ou troca de mensagens com ou
sem anexos). A distância entre homens e mulheres, e entre os indivíduos
de idade madura e os mais jovens ou de meia-idade, acentua-se contudo
nas tarefas de maior complexidade técnica, como é o caso do download
de ficheiros ou, em particular, da construção de páginas. A título de
exemplo, entre os utilizadores do sexo masculino, 77% declaram ser
capazes de descarregar ficheiros a partir da internet e 40% afirmam con-
seguir construir uma página na web; entre as mulheres tais percentagens
descem para, respectivamente, 65% e 25%.
Neste contexto, é de referir que o contacto mais precoce com a
internet tende a induzir um maior domínio nestas matérias. Entre
os utilizadores mais antigos, e em geral entre os mais qualificados,
a capacidade de realização das operações enunciadas é praticamente
generalizada (à excepção da construção de páginas web). Tal não invalida,
149
contudo, que mesmo entre os utilizadores mais recentes se encontrem
também cibernautas bastante experientes. A aprendizagem relativa ao
uso das ferramentas mais básicas da internet tende a ser relativamente
rápida, em especial se o seu uso for frequente.
A familiarização com os principais instrumentos da internet traduz-se,
por seu turno, no desenvolvimento de modos relativamente autónomos
de utilização da tecnologia. Mais de 1/3 dos cibernautas não solicitam
qualquer tipo de ajuda a respeito do funcionamento da web, quer porque
não se confrontam com dúvidas, quer também porque tendem a resol-
vê-las sozinhos. Entre os restantes, quando algum apoio é necessário, é
na maioria dos casos aos amigos e colegas de trabalho ou estudo que
recorrem. Professores ou técnicos de informática raramente são referidos
neste contexto. As mulheres, em particular as menos qualificadas, tendem
a manifestar mais frequentemente a necessidade de ajuda, recorrendo
nestas situações não só a amigos mas também, com especial incidência, a
familiares. Em qualquer caso, o autodidatismo ou a aprendizagem baseada
na interajuda anunciam-se, mais do que a educação formal, como os prin-
cipais meios de aquisição de competências no domínio da internet.
150
manifestada pela maioria. Cerca de 45% dos utilizadores referem aces-
sos de 1 a 4 vezes na semana, representando 36% aqueles para quem a
ligação à internet é já uma prática diária. Os utilizadores ocasionais (com
ligações de uma vez por mês ou menos) são relativamente mais escassos
(20%), embora não negligenciáveis.
Entre os utilizadores mais regulares (semanais ou diários), o tempo
médio de ligação semanal à internet ronda as 6 horas e 30 minutos, o
que revela alguma intensidade na utilização deste novo media (perto de
uma hora diária de navegação no espaço web).
151
perto de 60% referem utilizações de 1 a 4 vezes na semana, represen-
tando apenas 25% aqueles que afirmam aceder à internet diariamente.
Entre os cibernautas com participação activa no universo laboral, cerca
de 40% utilizam diariamente este recurso tecnológico. Assim sendo,
embora em termos gerais se encontre entre os estudantes uma maior
adesão à internet, o tipo de utilização que estes protagonizam tende a ser
relativamente mais esporádico.
Graus de escolaridade
completos (p<0,01)
Superior 43,4 42,1 14,5 100,0 n=188
Categoria socioprofissional
*(p<0,01)
Empresários, dirigentes e
51,3 39,7 9,0 100,0 n=78
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
47,7 36,4 15,9 100,0 n=176
enquadramento
Empregados executantes 44,0 63,0 29,0 100,0 n=136
* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalha-
dores independentes, agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
152
Já no que toca às distinções de género, as diferenças – embora ainda
presentes – tendem a ser menos significativas e mais centradas na inten-
sidade do que na periodicidade do uso da internet. Noutras palavras, os
homens tendem a despender mais tempo do que as mulheres nas suas
pesquisas ou contactos através da web, ainda que a esta acedam com
uma periodicidade relativamente semelhante. A título de exemplo, mais
de 40% das mulheres com utilizações regulares da internet referem não
estar conectadas mais do que 2 horas semanais; no caso dos homens a
percentagem de utilizadores igualmente de baixa intensidade é de cerca
de 30%. Raciocínio semelhante pode ser aplicado no que toca aos estu-
dantes: embora com acessos menos frequentes, estes tendem a desfrutar,
em termos médios, tanto tempo na internet como outros grupos com
maior periodicidade de uso.
Igualmente decisivo na frequência do acesso à plataforma web é o
nível de qualificação académica e profissional. Os cibernautas com me-
lhores níveis de escolaridade, em geral com inserções profissionais mais
exigentes do ponto de vista do processamento da informação e melhores
rendimentos, manifestam mais frequentemente utilizações quotidianas
dos recursos da internet, ainda que não necessariamente mais demo-
radas. Cerca de 44% dos licenciados que utilizam este novo meio de
comunicação usam-no diariamente, representando apenas 14% os que o
fazem de forma ocasional. Pelo contrário, entre cibernautas com apenas
9 ou menos anos de escolaridade completos, regra geral trabalhadores
executantes administrativos, do comércio e dos serviços ou operários
industriais, o peso relativo dos utilizadores diários é semelhante ao dos
ocasionais, rondando os 25%.
Um dado também interessante prende-se com a frequência de utili-
zação das funcionalidades da web por parte da classe dirigente. Como se
viu, a difusão da internet entre os empresários e dirigentes portugueses
é, em termos gerais, relativamente fraca. Contudo, aqueles que aderem a
este serviço tendem a utilizá-lo de forma bastante frequente. Embora, em
termos médios, não despendam mais horas na internet do que outras
categorias socioprofissionais, assumem-se mais do que qualquer outros
como utilizadores diários. Uma pequena parte da classe dirigente, não
necessariamente jovem mas regra geral com melhor preparação académi-
ca, começa assim a integrar o universo da sociedade em rede e a usufruir
quotidianamente dele.
153
Em traços gerais, pode afirmar-se que a maior predisposição para o
contacto com as novas tecnologias patente nos jovens – que justifica,
em larga medida, a forte difusão da internet entre esta população – não
implica necessariamente uma maior frequência de utilização destes
recursos. Pelo contrário, melhores qualificações académicas, inserções
profissionais mais exigentes do ponto de vista do processamento da
informação e do estabelecimento de plataformas de comunicação alarga-
das ou melhores rendimentos, tendem a afirmar-se como factores, não
só importantes na predisposição para o contacto com novos universos
tecnológicos, mas também, decisivos no desenvolvimento de práticas
mais quotidianas de acesso à web. Já no que toca ao tempo despendido
na internet pelos seus utilizadores regulares, à excepção da ligeira distin-
ção de género anteriormente enunciada, torna-se mais difícil discernir
qualquer padrão decorrente dos factores sociais aqui tratados.
154
trabalho e 25% a partir da escola. Mas, nem todos estão, obviamente,
em iguais condições para aceder nestes diversos espaços: em Portugal, a
grande maioria dos estudantes não têm ainda qualquer tipo de inserção
laboral e a generalidade dos activos estão já totalmente afastados dos
contextos escolares.
Na escola /
Utilização da No trabalho
Em casa universidade Noutros locais
internet nos locais (caso trabalhe)
(caso estude)
considerados
n % n % n % n %
Utiliza 396 56,6 256 49,6 176 54,5 208 29,7
Não utiliza 304 43,4 261 50,4 146 45,5 491 70,3
155
A utilização na escola pode ser alvo do mesmo tipo de interpretação.
Entre os cibernautas a estudar, a incidência do acesso à web no espaço
escolar é ainda superior à registada a respeito das ligações de índole
profissional, rondando os 55%. Tal confirma o papel decisivo que as
instituições académicas têm tido na difusão da internet em Portugal,
mas revela também algumas das lacunas persistentes nos sistemas de en-
sino quanto à efectiva integração das novas tecnologias nas actividades
curriculares ou à disponibilidade de computadores (com ligação à inter-
net) em todas as escolas. Para além de uma parte não negligenciável dos
estudantes não utilizar de todo este media (cerca de 1⁄4), 45% dos que o
fazem não acedem através da escola.
Já o acesso a partir de outros locais é bastante menos significativo,
remetendo em geral para práticas mais ocasionais. Cerca de 30% do to-
tal de utilizadores da internet declaram utilizar outros locais para aceder
à plataforma web, designadamente a casa de amigos ou familiares (16%)
ou, em menor escala, os cyber-cafés (7%) ou outros locais públicos (7%).
Estes são particularmente importantes entre os utilizadores que não usu-
fruem de outro tipo de acessos, nomeadamente em casa. Quase metade
dos que recorrem à casa de amigos ou a locais públicos para aceder à in-
ternet, não o faz em qualquer outro espaço (quadro 4.11). Pelo contrário,
esta prática é minoritária entre aqueles que referem usar esta tecnologia
em casa, no trabalho ou, embora em menor escala, na escola; o que vem
mais uma vez confirmar estes três espaços como os locais privilegiados
de acesso à internet.
É fundamental, contudo, notar que o facto de se poder aceder à
plataforma web num destes locais, está longe de dissuadir ligações nos
restantes. Em termos gerais, boa parte dos utilizadores (42%) manifesta
práticas de uso da internet em mais do que um local (quadro 4.11). É
particularmente significativo, por exemplo, que cerca de metade dos
que acedem à internet no contexto laboral usem simultaneamente este
recurso em casa (pouco mais de 30% o faz exclusivamente no quadro
profissional). Ou que apenas 36% dos estudantes com acesso na escola
restrinja o uso da internet unicamente a esse espaço (45% acedem tam-
bém em casa e 33% noutros locais). Neste sentido, a familiarização com
a web em casa ou no trabalho/escola, parece favorecer a sua utilização
mais alargada a partir de outros pontos.
156
Quadro 4.11 Utilização da internet segundo local de acesso – análise combi-
nada (%)
157
integrados em agregados familiares com mais baixos recursos económi-
cos. Neste sentido, será entre estes que se assume mais relevante a opor-
tunidade de acesso à rede veiculada pelas instituições escolares.
Empresários, dirigentes e
71,8 68,8 16,7
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
71,6 69,2 22,6
enquadramento
Empregados executantes 47,1 49,6 28,7
Operários industriais 40,2 19,7 49,4
* As percentagens são relativas ao número de utilizadores no local designado em cada um das categorias.
** Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – traba-
lhadores independentes, agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
158
forma, confirma-se que o uso deste novo media no campo laboral está ain-
da relativamente circunscrito aos indivíduos mais qualificados e/ou com
maiores poderes hierárquicos. Perto de 70% dos utilizadores da internet
– empresários, dirigentes e profissionais liberais ou profissionais técnicos
e de enquadramento – acedem à rede a partir do local de trabalho, valor
bastante superior ao registado entre os cibernautas operários industriais
(20%) ou mesmo empregados executantes das administrações, comércio
e serviços (50%). Tais diferenças acabam por se manifestar também
quando se observa o nível de rendimentos dos agregados domésticos,
encontrando-se um número consideravelmente maior de utilizadores no
campo laboral entre aqueles que beneficiam de melhores níveis de rendi-
mento. No que toca ao género a distinção é estatisticamente irrelevante,
confirmando a tendencial igualdade das práticas de homens e mulheres
nos contextos de trabalho das populações mais qualificadas.
A utilização em casa revela-se mais generalizada, quer em termos
etários, quer socioeconómicos, abrangendo assim alguns dos grupos
que se encontram mais afastados deste tipo de recursos na esfera labo-
ral. A título de exemplo, cerca de 40% dos utilizadores com inserções
profissionais no operariado industrial acedem à internet a partir de casa
– quando as percentagens de utilização em contexto laboral são, entre
estes, de apenas 20%.
Ainda assim, o acesso doméstico a este novo media tende a reprodu-
zir, em larga medida, as mesmas distinções enunciadas a respeito do uso
nos locais de trabalho, até porque boa parte destes indivíduos acedem
à internet tanto num como noutro espaço. A ligação a partir de casa é
assim consideravelmente mais comum entre os cibernautas mais qua-
lificados, com inserções profissionais nas categorias de topo, melhores
níveis de rendimento e maior disponibilidade de equipamento tecnoló-
gico no lar. Embora cerca de metade dos utilizadores dos 15 aos 29 anos
acedam à internet no espaço doméstico, este tipo de ligação é ainda
mais significativo entre os cibernautas mais velhos, muito em especial
entre os que têm 50 e mais anos – aqueles que mais circunscrevem a sua
utilização da internet ao espaço doméstico e profissional. Não se verifica,
também neste ponto, qualquer tipo de distinção de género. Ou seja,
a partir do momento em que homens e mulheres estão familiarizados
com a tecnologia e dispõem do necessário equipamento em casa, ambos
o utilizam – embora não necessariamente com igual periodicidade. Os
159
homens tendem, no espaço doméstico, a aceder de forma mais regular e
demorada à internet, distinção que não se verifica nos restantes contex-
tos e que pode estar directamente relacionada com os diferentes padrões
de uso do tempo (nomeadamente no que toca às tarefas domésticas) que
caracterizam homens e mulheres em Portugal.
A respeito da utilização dos recursos internet a partir de casa é inte-
ressante ainda notar que a instalação deste tipo de equipamento tende
a ser posterior aos primeiros contactos com o universo web. Noutras
palavras, a familiarização com este novo media tende a iniciar-se em
espaços extradomésticos – no trabalho para os mais velhos, na escola
ou noutros locais para os mais jovens – ainda que posteriormente a uti-
lização em casa se torne bastante intensa para uma parte importante dos
cibernautas portugueses. Mesmo entre os utilizadores mais veteranos,
cujo primeiro contacto com esta tecnologia foi anterior a 1998, o acesso
a partir de casa tende a ser mais recente. Apenas 1⁄4 destes utilizadores
pioneiros ligaram a internet em casa antes de 1998. Este padrão é ainda
mais acentuado entre os utilizadores mais recentes. Aliás, entre aqueles
que acederam pela primeira vez à plataforma web depois do ano 2000,
quase metade não dispõem ainda de internet em casa.
A decisão sobre a instalação deste tipo de tecnologia no espaço domés-
tico tende a ser protagonizada, em termos gerais, pelos indivíduos do sexo
masculino, facto que pode estar associado não só à sua maior proximida-
de face ao novo universo web em geral, mas também às relações de poder
que caracterizam ainda boa parte dos agregados domésticos portugueses.
Contudo, as diferenças esbatem-se quando se trata de mulheres mais jo-
vens e mais qualificadas, também elas protagonistas bastante activas da
utilização da internet, não só em casa, como no trabalho ou na escola.
Outro dado interessante prende-se com a influência exercida pelos
mais jovens quanto à instalação do acesso à internet no agregado fami-
liar. Esta é difícil de aferir, uma vez que os dados disponíveis apenas
permitem confirmar de quem terá sido a decisão final da compra do
equipamento – na maioria dos casos dos mais velhos – e não quem ma-
nifestou maior desejo de ter o seu espaço doméstico ligado à internet ou
quem mais intensamente utiliza este equipamento em casa. Contudo,
torna-se evidente que a percentagem de indivíduos de meia-idade que
refere ter sido a instalação da internet em casa uma decisão de outra
pessoa, em particular de um jovem, é consideravelmente superior entre
160
os menos qualificados do ponto de vista académico e profissional. A
título de exemplo, cerca de 2/3 dos indivíduos com mais de 30 anos,
que completaram 9 ou menos anos de escolaridade, e que têm internet
em casa, viram essa instalação ser decidida por outra pessoa do agregado
(em metade dos casos, um jovem com menos de 25 anos de idade). Entre
os detentores de diplomas do ensino superior a situação é totalmente
diferente: em quase 75% dos casos a decisão sobre a instalação do acesso
à rede em casa foi por si protagonizada. Assim sendo, o contacto com
utilizadores e práticas de uso da internet no ambiente doméstico (em
muitos casos propiciado por jovens cuja actividade académica suscita
uma maior adesão a este novo media), pode ser uma via privilegiada
de difusão desta tecnologia entre os mais velhos e menos escolarizados,
regra geral sem oportunidades significativas de acesso ao universo web
noutros contextos.
É de referir que, uma vez disponibilizado o acesso à internet a partir
de casa, vários membros do agregado familiar tendem a utilizá-lo. Excep-
tuando os casos de agregados de uma única pessoa, cerca de 73% dos
cibernautas que referem o uso desta tecnologia em casa mencionam par-
tilhá-la com outros elementos do agregado. Tal é particularmente recor-
rente entre os indivíduos mais qualificados e mais velhos, provavelmente
aqueles que mais frequentemente co-habitam com jovens e com outros
indivíduos com níveis de qualificação aproximados (grupos mais fácil e
rapidamente permeáveis à difusão das novas tecnologias). Mas não deixa
de ser igualmente significativo entre os cibernautas com menos recursos,
apontando assim para o considerável potencial de expansão a partir dos
contextos domésticos dos níveis de utilização da internet por parte de
grupos mais afastados deste tipo de tecnologia.
Nos agregados familiares em que há crianças já familiarizadas com o
uso da internet, tal utilização é justificada pelos adultos não só por mo-
tivos de ordem escolar, mas também, em muito casos, por questões de
sociabilidade e lazer. Representam 30% aqueles que referem os estudos
como principal intuito, mas igual percentagem considera que a internet
serve para a criança fazer um pouco de tudo (estudar, enviar e-mails,
jogar, etc.), e 20% referem mesmo exclusivamente questões lúdicas. Ao
contrário do que é por vezes veiculado pelo senso comum, as crianças
tenderão a despender relativamente pouco tempo na internet. A maio-
ria (45%) não chega a estar conectada mais do que 2 horas semanais,
161
sendo que mais de 70% dos adultos consideram este tempo adequado.
Por outro lado, não parecem existir resistências significativas face à fa-
miliarização dos mais pequenos com a internet. Quando as crianças do
agregado ainda não utilizam esse recurso, estando este disponível em
casa, os inquiridos tendem a explicá-lo pelo facto de estas não terem
ainda as competências necessárias, eventualmente por serem muito jo-
vens. Outro tipo de justificações, como o receio quando aos conteúdos
veiculados, são pouco expressivas.
A título de curiosidade, é de notar que a partilha do equipamento
de ligação à internet em casa não suscita, regra geral, conflitos relevan-
tes. Caso se encontre simultaneamente mais do que uma pessoa com o
intuito de aceder à rede, a prioridade tende a ser concedida àquele cuja
utilização visa objectivos de natureza escolar ou profissional.
Sob vários aspectos o perfil dos utilizadores da internet em casa ou a
partir do local de trabalho tende, como se viu, a aproximar-se. O mesmo
já não se passa no que toca ao uso desta tecnologia noutros locais. A
frequência de cyber-cafés e de locais públicos com ligação à internet, ou
ainda o acesso a partir da casa de amigos ou familiares, é bastante mais
recorrente entre os jovens do que entre os mais velhos, nomeadamente
entre os estudantes e entre aqueles que dispõem de menores recursos
económicos. Este tipo de ligação assume, por exemplo, particular re-
levância para os jovens operários, muitos dos quais sem o necessário
equipamento informático em casa e ainda afastados do acesso à internet
no meio laboral.
É interessante também notar que o recurso a estas modalidades
de acesso tende a ser ligeiramente mais usual entre os homens do que
entre as mulheres, em particular no que toca à frequência de cyber-cafés
ou outros locais públicos. Estes parecem assim configurar-se como es-
paços maioritariamente masculinos, dominados pela presença quer de
estudantes quer de outros jovens já inseridos no mercado de trabalho
mas, em muitos casos, com mais fracas qualificações formais. Poder-se-á
considerar a hipótese de o convívio nestes locais poder precisamente
favorecer a expansão do uso da internet entre estes últimos, regra geral
mais afastados do universo web. Mas, na maioria dos casos, o acesso à in-
ternet a partir de locais como a casa de amigos ou cyber-cafés é meramente
ocasional, estando assim longe de indicar uma utilização mais intensiva
dos recursos da rede (quadro 4.13). Para os jovens que aliam este tipo
162
de ligação a outras (em casa, na escola ou no trabalho), a participação
na plataforma web tende a ser mais intensa; para os restantes acaba, em
muito casos, por se traduzir num contacto relativamente fortuito.
Analisando precisamente a periodicidade de contacto com a internet
nos diversos contextos, verifica-se que o acesso em casa ou no local de
trabalho assume um carácter bastante mais regular do que os restantes,
facto que ajuda a explicar a maior intensidade de utilização deste media
por parte dos cibernautas mais velhos e mais escolarizados, aqueles que
mais recorrentemente o utilizam naqueles espaços (quadro 4.13). Cerca
de metade dos que referem aceder à rede no contexto laboral fazem-no
diariamente, sendo relativamente residual o número daqueles que aí
têm usos ocasionais. De forma semelhante, as utilizações diárias a partir
de casa representam perto de 40% do total de utilizadores no espaço
doméstico. Já na escola/universidade a frequência é bem menor, ainda
que claramente superior à registada noutros locais de acesso público.
Pouco mais de 10% dos cibernautas que se ligam a partir das instituições
escolares o faz diariamente nesse contexto. Mais de metade manifestam
utilizações semanais, na maioria dos casos de 1 a 2 vezes na semana.
Assim se compreende o carácter menos regular das práticas de utilização
da internet por parte dos estudantes ou, em geral, dos mais jovens, em
particular daqueles que não usufruem em casa dos recursos necessários
ao acesso à rede.
Na escola /
Periodicidade de Em casa No trabalho Noutros locais
universidade
uso, segundo local
n % n % n % n %
163
Torna-se pois evidente que os grupos sociais menos favorecidos no
que toca às qualificações, às inserções profissionais e aos níveis de rendi-
mento e equipamento disponíveis nos agregados familiares são também
aqueles que, mesmo quando de alguma forma familiarizados com o uso
da internet, têm menores oportunidades de acesso a esta tecnologia. Não
só porque a utilizam em espaços mais circunscritos, mas também porque
os locais em que o fazem não favorecem um uso mais regular deste novo
media. Ainda assim, é de destacar a penetração da internet nos contex-
tos domésticos de um número já não negligenciável de indivíduos com
menores qualificações, regra geral afastados deste tipo de tecnologia no
seu ambiente de trabalho, o que indicia uma crescente participação da
população portuguesa em geral na sociedade em rede.
164
Quadro 4.14 Actividades realizadas utilizando a internet ou o correio electrónico,
organizadas segundo domínios de uso (%*)
* Percentagens do número de utilizadores que responderam positivamente a cada uma das actividades, em
relação ao total de utilizadores.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
165
Um aspecto desde logo a salientar é a grande relevância do uso
do correio electrónico, qualquer que seja o local de acesso adoptado
(quadro 4.14). A troca de mensagens através da internet surge como a
principal actividade desenvolvida na rede, sendo referida por quase 3⁄4
dos utilizadores, na maioria dos casos indivíduos com acessos frequentes
à plataforma web. Mas está longe de ser a única. Aliás, é absolutamente
residual o número daqueles que, usando o e-mail, não recorrem a outras
funcionalidades da tecnologia.
Outro dado bastante curioso prende-se com a significativa incidência
da navegação sem objectivos concretos, actividade de algum modo seme-
lhante ao zapping televisivo e que, para além de eventuais intuitos infor-
mativos, se assume também como entretenimento. Citada como prática
corrente por 65% dos cibernautas portugueses, esta é particularmente
comum não só em casa, mas também noutros locais, como a escola, os
cyber-cafés ou outros espaços de acesso público, o que poderia indiciar
tratar-se de uma actividade essencialmente juvenil. Na verdade, não pa-
rece ser esse o caso. É uma actividade absolutamente transversal a todas
as idades e condições sociais, como aliás acontece com a generalidade
dos usos da internet para fins de lazer.
A pesquisa de sítios de bibliotecas ou de enciclopédias e a consulta
on-line de notícias sobre a actualidade assumem também lugar de desta-
que, tendo sido apontadas por, respectivamente, 48% e 40% dos utili-
zadores da internet em Portugal. Este tipo de actividades é comum nos
diversos locais de acesso e relativamente transversal aos diversos grupos
sociais presentes na rede. Já a participação em chats ou newsgroups – prá-
tica igualmente referida por uma percentagem elevada de utilizadores
(cerca de 40%) – é mais usual nas ligações a partir de casa, da escola ou
outros espaços de acesso público. Não apresentando diferenças signifi-
cativas em função da condição socioeconómica, assume-se como uma
actividade mais recorrente entre os jovens e, em particular, entre os do
sexo masculino.
Ainda frequente é a utilização da plataforma web para o download
de músicas e software de rede, bem como para a pesquisa de outro tipo
de informação prática, nomeadamente sobre espectáculos, viagens,
serviços públicos ou cursos de formação. A potenciação dos recursos
da internet para realizar operações bancárias, para combinar encontros
entre amigos e para jogar videojogos, embora menos comum, é também
166
relativamente recorrente entre alguns dos cibernautas portugueses. Já
actividades como a procura de emprego ou casa, o teletrabalho ou ainda
a compra/reserva de bens e serviços através da internet, apresentam um
grau de adesão bem mais reduzido. E outras, como a participação em
cursos on-line, a negociação em leilões, a utilização da tecnologia internet
para organizar actividades com crianças ou efectuar telefonemas tendem
a assumir um carácter residual.
Agrupando as diversas actividades consideradas por domínios gené-
ricos de uso verifica-se assim que, não obstante a intensa utilização da
web com intuitos informativos, a internet está longe de ser, em Portugal
como noutros países, um mero meio de circulação de informação.
É, porventura antes de mais, um espaço de lazer, entretenimento e
sociabilidade, bem como um recurso fortemente mobilizado pelos seus
utilizadores para fins de ordem prática.
De lazer 79,6
Práticos 59,9
De sociabilidade 57,6
Informativos (de índole cultural e educativa) 47,9
Informativos (sobre a actualidade) 46,4
Profissionais 43,4
Tecnológicos 30,0
Comerciais 26,7
Informativos (de índole político-sindical) 10,1
167
rede é muito superior (perto de 80%), o mesmo se passando, embora
com menor incidência, quanto à utilização dos recursos da web para a
mobilização de informações práticas (60%) ou para fins de sociabilidade
(58%). Já as utilizações de carácter mais estritamente tecnológico – como
é o caso do download de software – e aquelas que remetem para práticas
comerciais – compra/reserva de bens e serviços através de comércio
electrónico – apresentam uma difusão bastante mais restrita.
Contudo, este cenário está longe de ser uniforme entre todos os ciber-
nautas. Como em muitas outras esferas da vida social, também as práticas
de uso da internet se apresentam, em vários casos, claramente relaciona-
das com a posição dos indivíduos na estrutura social. Apenas os usos de
lazer tendem a fugir a essa regularidade, apresentando-se – pelo menos
numa primeira abordagem – como os mais indiscriminados usos da in-
ternet em Portugal. Tal deve-se, em particular, à transversalidade de activi-
dades como a navegação sem fins concretos ou a pesquisa de informação
sobre espectáculos. Outras práticas de lazer, como é o caso em particular
da realização de jogos de vídeo através da internet, apresentam já uma
forte distinção etária e sexual. Os cibernautas que mais declaram este tipo
de utilização são os mais jovens, em especial, do sexo masculino.
Como noutras práticas culturais, a idade surge como um factor de
grande importância na análise dos usos da internet, muito em particular
quando associada a diferentes condições perante o trabalho. Veja-se o
caso particular dos jovens estudantes, cujas práticas de utilização deste
tipo de recursos se diferencia bastante, em muitos aspectos, das desen-
volvidas por indivíduos mais velhos, especialmente se já afastados da
esfera profissional.
O exemplo mais paradigmático de tal diferenciação são os usos rela-
cionados com a sociabilidade, muito mais significativos entre os jovens
do que entre os mais velhos. Mais de 2/3 dos cibernautas com menos de
30 anos declaram realizar pelo menos uma actividade de sociabilidade
com recurso à internet, percentagem que desce para menos de metade
entre os maiores de 50 anos. A distinção não se dá tanto no que toca
a práticas como a troca de fotografias ou de cartões electrónicos de fe-
licitações, mas acentua-se no que respeita à participação em chats ou à
utilização do correio electrónico para combinar encontros entre amigos.
Tal estará eventualmente associado a uma maior predisposição, da parte
dos jovens, para estabelecer novos contactos e à própria probabilidade
de participação dos pares na internet – menor entre os mais velhos.
168
Quadro 4.16 Incidência dos domínios de uso, segundo escalões etários, níveis de
escolaridade, sexo, condição perante o trabalho e categoria socioprofissional (% de
utilizadores que declararam pelo menos uma actividade no domínio)
Informativo Informativo
De socia- Informativo
De lazer Prático (cultural e Profissional Tecnológico Comercial (politico-
bilidade (actualidade)
educativo) sindical)
15-29 anos 81,8 49,8 64,1 47,2 45,3 37,8 30,8 25,2 6,3
30-49 anos 76,8 76,3 50,9 49,6 47,1 55,7 31,1 30,3 16,7
50 e mais anos 74,4 74,4 27,9 46,5 53,5 34,9 15,9 25,6 11,6
Masculino 81,8 61,8 61,3 46,8 54,6 42,6 38,9 32,9 10,9
Feminino 76,5 57,2 52,3 49,3 35,4 44,3 17,9 18,5 9,1
Nível de
escolaridade p<0.01 p<0.04 p<0.01 p<0.05 p<0.01 p<0.01
(completo)
Superior 77,8 72,9 56,5 54,8 48,8 64,7 31,4 33,9 20,6
Secundário 78,4 68,0 60,9 48,2 45,0 40,6 34,9 30,6 7,3
Básico 81,7 44,6 55,5 42,8 45,9 31,4 25,1 18,9 5,4
Condição perante
p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.03 p<0.02 p<0.01
o trabalho
Estudantes 83,8 39,1 73,2 65,9 40,8 29,6 34,3 24,2 3,9
Activos 78,0 67,2 53,9 42,1 48,6 48,5 29,5 28,9 12,6
Reformados
ou outros 79,3 63,3 20,7 34,5 44,8 41,4 10,3 6,7 3,4
inactivos
Categoria
p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01
socioprofissional *
Empresários,
dirigentes e
profissões
75,9 85,9 56,4 47,4 49,4 56,4 38,0 44,9 21,5
liberais
Profissionais
técnicos e de
enquadra-
77,3 75,6 55,7 55,1 52,0 61,9 29,0 30,5 19,2
mento
Empregados
executantes
77,0 57,8 53,7 37,5 42,6 37,0 29,6 22,8 6,6
Operários
industriais
86,6 48,2 41,5 30,1 50,0 41,5 24,1 22,0 3,7
* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalha-
dores independentes, agricultores independentes, assalariados agrícolas.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
169
Pelo contrário, os usos relacionados com aspectos práticos da vida
quotidiana, como a realização de operações bancárias através da internet
e a pesquisa sobre aspectos relacionados com a saúde, viagens ou servi-
ços públicos, assumem particular relevância entre os mais velhos, inclu-
sivamente entre os de idade mais avançada. O mesmo se passa, tal como
seria de esperar, no que respeita aos usos profissionais, associados mais
directamente à população de meia-idade, com uma participação mais
activa no universo do trabalho. Já as actividades de índole informativa,
quer sobre temas da actualidade, quer sobre questões culturais ou educa-
tivas, tendem a assumir-se como transversais aos diversos grupos etários.
Embora se verifique uma especial incidência de usos para fins educativos
entre os estudantes, está longe de se poder afirmar que os mais velhos
deixam de desenvolver esse tipo de pesquisas. Da mesma forma, não
obstante a considerável importância do recurso à internet para consulta
de jornais on-line entre os cibernautas de mais idade, muitos dos jovens
demonstram interesse semelhante por esse tipo de actividade.
A idade não é o único factor preponderante na compreensão do tipo
de utilização que os cibernautas fazem dos recursos ao seu dispor na inter-
net. Também neste ponto o nível de qualificação académica e profissional
se afirma como determinante. Se no caso dos usos lúdicos e de sociabili-
dade, ou mesmo nos relacionados com a busca de informação sobre a ac-
tualidade, este é tendencialmente irrelevante, já no que toca aos restantes
assume uma importância decisiva. Veja-se o caso dos usos relacionados
com a esfera profissional, referidos por quase 65% dos cibernautas com
diplomas do ensino superior e apenas por pouco mais de 30% daqueles
que nunca chegaram a frequentar ou completar o ensino secundário.
É neste âmbito particularmente significativo, por exemplo, o recurso ao
tele-trabalho. Embora relativamente reduzido em Portugal, este recurso é
citado por 15% dos utilizadores licenciados, três vezes mais do que entre
os cibernautas com o nível básico de escolaridade ou menos.
O mesmo se verifica a respeito da utilização para fins mais instru-
mentais. Os usos práticos são citados por cerca de 75% dos utilizadores
inseridos profissionalmente como profissionais técnicos e de enquadra-
mento, percentagem que atinge inclusivamente níveis superiores entre
os empresários, dirigentes e profissionais liberais e que não vai além
dos 50% entre os operários industriais. Também o recurso ao comércio
electrónico é muito mais comum entre os mais qualificados. Mas tal
170
distinção não parece prender-se exclusivamente à existência de níveis de
rendimento diferenciados ou à maior expansão dos consumos entre os
mais qualificados, regra geral com maior poder de compra e com práti-
cas culturais mais diversificadas. Isto porque as diferenças são patentes
não só a respeito das pesquisas sobre viagens, da compra on-line de bilhe-
tes para espectáculos, livros, CDs e outros produtos, ou da realização de
operações bancárias. São também verificáveis no que toca à recolha de
informação sobre aspectos relacionados com a saúde, sobre os serviços
públicos, ou ainda sobre assuntos de índole político-sindical, temas em
princípio de interesse transversal a boa parte da população.
Melhores níveis de escolaridade, uma maior familiarização com as
novas tecnologias e com os processos de tratamento da informação em
geral parecem favorecer um melhor conhecimento das potencialidades
da internet e uma maior confiança no sistema, para além de beneficiarem
também, em termos gerais, a adopção de estratégias de maior autonomia
pessoal e maior participação nas diversas esferas da vida social. Estes
indivíduos encontram assim na internet algumas respostas para as suas
necessidades e interesses específicos, menos significativas para os menos
qualificados. Assim se compreende também a menor incidência, entre
estes últimos, de usos da plataforma web relacionados com a recolha de
informação educativa e cultural, em consonância com o que acontece
com a leitura de livros, jornais e revistas ou com outros consumos cultu-
rais. A incidência de pesquisas em sites de bibliotecas, enciclopédias ou
outros sítios de informação científico-cultural é bastante mais reduzida
entre os cibernautas com níveis mais baixos de escolaridade do que entre
os restantes. E há ainda a considerar que muitos destes utilizadores me-
nos qualificados são jovens estudantes, que ainda não finalizaram o seu
percurso de escolarização. Considerando, por exemplo, os cibernautas
com inserções profissionais ao nível do operariado industrial, os níveis
de adesão a este tipo de usos são ainda inferiores (30%), e resultantes
mais do interesse dos jovens do que dos mais velhos.
Quanto às diferenças de género, tendem a ser pouco significativas
ou mesmo irrelevantes nos domínios mais generalizados de utilização da
internet. As ligeiras diferenças no que respeita aos usos de sociabilidade
e à procura de informações sobre a actualidade reflectem, por um lado,
a fraca incidência entre as mulheres da participação em fóruns e, por
outro, a sua fraca adesão a sites de jornais desportivos, muito mais forte
171
entre os homens de todas as idades e condições sociais. Distinções im-
portantes manifestam-se contudo na realização de actividades de índole
tecnológica, como o download de software, e no recurso a serviços de co-
mércio electrónico. As mulheres apresentam um afastamento bastante
mais acentuado do que os homens face a este tipo de utilizações, facto
associado ao seu menor grau de familiarização, em geral, com as funcio-
nalidades mais complexas da internet.
Assim sendo, em termos gerais, poder-se-á considerar alguma diversi-
dade de usos da internet em Portugal, em especial entre os cibernautas
que acedem à rede a partir de vários locais e que o fazem há mais tempo.
As ligações a partir de casa apresentam-se como as que potenciam prá-
ticas de utilização mais variadas, ao contrário do que tende a acontecer
nos locais de trabalho. Nestes espaços a utilização circunscreve-se mais
fortemente ao uso do correio electrónico e à pesquisa de informações
práticas (ex. sobre serviços públicos) ou de índole técnico-científica. Tal
não obriga, contudo, a que os acessos em contextos de trabalho sejam
exclusivamente pautados por motivos de ordem profissional. Cerca de
34% dos que referiram aceder à internet no trabalho admitem fazê-lo
por motivos pessoais pelos menos uma vez por dia.
A relativa diversidade de usos não invalida, por seu turno, que se re-
giste também alguma concentração da generalidade dos utilizadores em
torno das actividades mais comuns, como a troca de e-mails, a navegação
sem fins definidos ou a pesquisa de informação sobre a actualidade ou
sobre questões culturais/educativas. Estas parecem constituir uma base
de utilização genérica, à qual os cibernautas mais experientes e qualifica-
dos, ou nalguns casos os mais jovens, adicionam outro tipo de práticas,
menos usuais.
Na globalidade, cerca de 37% dos utilizadores portugueses restrin-
gem o seu uso da internet a 4 actividades, regra geral precisamente as
anteriormente citadas como mais triviais. A maioria (44%) declara entre
5 a 12 actividades, não chegando assim a 20% o peso relativo daqueles
que indicam usos mais diversificados. Estes não são necessariamente os
mais jovens – a idade não apresenta qualquer relação significativa com
a diversidade dos usos. Tendem a ser mais frequentemente homens do
que mulheres, o que pode eventualmente estar associado ao facto de
despenderem mais tempo nas suas navegações na rede e terem, regra
geral, um leque mais diversificado de competências de utilização das di-
versas potencialidades da web. Mas, acima de tudo, são cibernautas com
172
experiências mais antigas de contacto com a internet, mais escolarizados
e qualificados do ponto de vista profissional.
A ausência de qualificações mais significativas não se apresenta assim
apenas como uma barreira à difusão do uso da internet na população
em geral, ou como obstáculo ao acesso destes cibernautas à rede em locais
que permitam uma utilização mais intensiva. Acaba por ser igualmente
uma inibição no desenvolvimento de usos mais diversificados, quer por-
que indicia uma menor familiarização com as novas tecnologias e com
os processos de pesquisa, tratamento e mobilização de informação, quer
também porque está em geral associada a menores índices de autonomia,
a maiores restrições no consumo e a interesses culturais menos diferencia-
dos. Em boa medida, as práticas de uso da internet reflectem as restantes
práticas sociais dos indivíduos em causa, transpondo-se para o universo
da rede a intensa sociabilidade dos jovens, a procura de instrumentos de
formação e cultura dos mais qualificados ou os padrões de consumo dos
cibernautas de idade mais avançada e com maior poder de compra.
Pelo seu carácter mediático, alvo de intenso debate nas sociedades
contemporâneas, merece uma última referência o uso da internet com
o objectivo de aceder a sites de natureza pornográfica. Sabe-se que o
material pornográfico é abundante no espaço da web – à semelhança
do que acontece, muito provavelmente, noutros media. E que o acesso
a este tipo de conteúdos através da internet é bastante fácil, sendo, pelo
contrário, consideravelmente difícil o controlo da sua difusão.
Ainda assim, em Portugal, o nível (declarado) de adesão a sites com
pornografia de adultos é relativamente reduzido. Representam cerca
de 10% os utilizadores que admitiram aceder a páginas desta natureza,
regra geral em casa ou em locais de acesso público. É provável que este
valor esteja subdimensionado, em virtude do possível constrangimento
suscitado por uma resposta positiva. É grande a sua distância face à ideia
generalizada de que este tipo de consumo está fortemente difundido
na sociedade. Basta referir que ascendem a 75% os cibernautas que
concordam com a afirmação “muita gente utiliza a internet para ver por-
nografia de adultos”, verificando-se que esta percepção é independente
do género, idade, nível de escolaridade ou categoria socioprofissional
dos inquiridos. Já no que toca à implementação de restrições no acesso
a este tipo de conteúdos, as opiniões não são totalmente consensuais.
Apesar de a maioria (cerca de metade) defender a proibição do acesso
173
à pornografia de adultos a menores de 18 anos, 25% consideram que
todos são livres para ver o que desejam na internet e 18% manifestam
posição contrária, advogando a proibição total da pornografia na rede.
As mulheres são aquelas que tendem a manifestar uma posição mais
proibicionista, sendo também neste ponto irrelevantes as distinções em
função da idade ou da condição social.
Importa então tentar averiguar quem são os cibernautas que de-
claram usos pornográficos da internet. Embora os reduzidos valores
absolutos exijam alguma precaução na análise, torna-se evidente a maior
adesão a este tipo de práticas por parte dos homens. Eles representam
mais de 90% dos utilizadores com consumos pornográficos no espaço
da web. O nível de educação formal não exerce uma influência clara
sobre este fenómeno, o mesmo se passando quanto ao tipo de inserção
socioprofissional. Também a idade parece relativamente irrelevante: os
níveis mais elevados encontram-se nos escalões etários dos 20 aos 40
anos, mas a distinção face aos restantes é ténue, pouco significativa do
ponto de vista estatístico. Ou seja, é particularmente difícil encontrar
um perfil social tipo do utilizador (declarado) de conteúdos pornográfi-
cos na internet, que permita uma melhor compreensão do fenómeno.
Um único traço emerge da análise – o carácter fundamentalmente
masculino da prática – em conformidade com o que se passa noutros
consumos deste género.
E os não utilizadores?
Obstáculos e resistências face ao universo web
174
contactado directamente com informação ou documentação retirada
da internet, por um amigo ou familiar, nem ter solicitado que alguém
o fizesse. Mais de 90% não dispõe de acesso à rede no seu agregado
doméstico, representando pois uma escassa minoria aqueles que, tendo
hipótese de se ligar à internet a partir de casa, não o fazem. Nestes casos,
a decisão da instalação deste equipamento no espaço doméstico não foi,
regra geral, da sua responsabilidade, sendo o facto de não usufruírem
deste recurso justificado pela ausência de conhecimentos sobre o seu
funcionamento ou de disponibilidade para aprender a usá-lo, mais do
que por um total desinteresse ou desconfiança em relação à utilidade
deste novo media.
Em termos gerais, a principal razão apontada para a não utilização
da internet prende-se com a falta de recursos materiais, nomeadamente
com a ausência, nos contextos da vida quotidiana, dos equipamentos
necessários para ligação à rede, ou com o seu elevado custo (quadro
4.17). A escassez de competências para usar o sistema é também um
obstáculo significativo, citado por 23% daqueles que nunca utilizaram
a internet em Portugal. Ainda relevante é uma certa desconfiança em
relação à efectiva utilidade deste novo media, decorrente quer da ausên-
cia de conhecimentos sobre o tema, quer também, embora de forma
menos representativa, de um mais directo desinteresse ou convicção da
inutilidade deste tipo de recursos tecnológicos. A falta de tempo para de-
dicar a estas actividades não chega a ser citada por mais de 10% dos não
utilizadores, sendo outro tipo de argumentos, como o risco de pirataria
informática ou a lentidão dos acessos à rede, totalmente inexpressivos.
O grau de afastamento dos não utilizadores da internet em relação
a este media, ou os motivos de tal distanciamento, estão contudo longe
de ser homogéneos entre esta população. Pelo contrário, mais uma vez
se afirmam decisivas algumas distinções de carácter educacional e ge-
racional. Entre os jovens dos 15 aos 30 anos que não se identificaram
como utilizadores da internet, 23% usaram-na já de forma pontual e a
grande maioria considera saber exactamente do que se trata. Tais valores
descem significativamente à medida que aumenta a idade, sendo inex-
pressivo, entre estes não utilizadores, o número de indivíduos com 50 e
mais anos que alguma vez contactou com este tipo de tecnologia ou, pelo
contrário, bastante considerável o daqueles que, nesta faixa etária, não
têm uma ideia clara sobre o que pode ser a internet (cerca de metade).
175
Para os mais jovens o motivo do seu afastamento face à internet prende-
-se maioritariamente com a escassez de recursos materiais e económicos
(61%); entre os de meia-idade, para além desta, há ainda a considerar
a falta de competências adquiridas para lidar com este tipo de equipa-
mentos e a falta de tempo para proceder a essa aprendizagem; já entre
os mais velhos emergem com especial importância, a par dos restantes,
argumentos ligados ao desconhecimento e desconfiança sobre a even-
tual utilidade deste tipo de tecnologias.
176
não saber exactamente o que é esta nova tecnologia, embora a maioria
já tenha ouvido fala dela. Entre os restantes tal desconhecimento é bas-
tante inferior, rondando os 25% para os que completaram o 2º ciclo do
ensino básico e atingindo perto de 10% entre todos os outros.
Não sabe
Acha que um dia virá a
Sim Talvez Não / não Total
utilizar a internet?
responde
Escalões etários (p<0,01)
177
Os argumentos que justificam o afastamento em relação a este novo
media são assim claramente diferenciados em função das qualificações
académicas e profissionais. Para os mais qualificados, os argumentos ma-
nifestados prendem-se não tanto com a falta de competências mas antes
com a dificuldade de acesso aos equipamentos necessários à ligação à
rede ou com a falta de tempo para esse tipo de actividades. Esta ten-
dência verifica-se tanto em homens como mulheres, sendo igualmente
independente da idade. Já entre os restantes trabalhadores as principais
dificuldades parecem começar logo na ausência de competências e, em
particular entre os agricultores e trabalhadores agrícolas, no desconheci-
mento sobre a eventual utilidade da internet.
Neste contexto, as perspectivas destes indivíduos virem a ter uma
participação directa no universo da internet são também fortemente
diferenciadas. Em termos gerais, cerca de 20% dos não utilizadores da
internet afirmaram claramente ter a intenção de vir a utilizar este meio
de comunicação, representando quase 30% aqueles que, não tendo
igual certeza, consideraram no entanto esta hipótese como provável
(quadro 4.18).
Contudo, quase 45% põem de lado tal cenário, pensando que nunca
virão a utilizar esta nova tecnologia. Esta posição é, em conformidade
com os dados anteriormente apresentados, particularmente comum
entre os indivíduos de idade mais avançada, entre aqueles que nunca
completaram qualquer grau académico ou que concluíram apenas o 1º
ciclo do ensino básico, entre os agricultores e trabalhadores agrícolas, e
ainda entre boa parte dos operários industriais, nomeadamente os mais
velhos e menos qualificados.
Essas são assim as faixas da população mais fortemente afastadas
de qualquer participação directa na rede. Muitos dos restantes poder-
-se-ão considerar como potenciais utilizadores da internet num futuro
próximo, abrindo assim perspectivas relativamente positivas quanto ao
alargamento da sociedade em rede em Portugal, num processo participa-
do tanto por homens como por mulheres e do qual os mais velhos não
estarão certamente arredados.
178
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 5
Redes de sociabilidade, internet e quotidiano
A
análise das relações de sociabilidade na sociedade em rede ocu-
pa um lugar de destaque na conceptualização teórica desta for-
ma de organização social. Discutem-se, não raras vezes, alguns
perigos decorrentes da utilização da internet que se relacionam com o
isolamento dos indivíduos, com a quebra dos vínculos sociais, com a
atomização e individualização crescentes nas sociedades modernas. Se
no início do aparecimento da internet certas constatações pareciam
fazer sentido, hoje em dia a hipótese mais testada e validada em todas
as pesquisas é a de que a web favorece as relações de sociabilidade, ao
contrário do que se pensava até há bem pouco tempo.
As pesquisas desenvolvidas em vários países (Castells e outros, 2003;
Wellman e Haythornthwaite, 2002) evidenciam claramente que a inter-
net não só tem um efeito multiplicador dos contactos estabelecidos com
a família e os amigos, independentemente do local do mundo onde
estejam, como também é entre os utilizadores que se verificam menores
ocorrências da sensação de estar isolado do mundo ou deprimido.
Ora, estas evidências empíricas derrubam os argumentos mais super-
ficiais sobre os supostos “perigos” da internet relacionados com o iso-
lamento social e com a individualização na sociedade em rede. Alguns
autores vão até mais longe quando afirmam que a internet tem o efeito
notável de reunir ou reforçar as relações sociais de dois espaços físicos
diferentes – o real e o virtual. E esta dimensão é, sem dúvida, uma das
consequências do aparecimento e uso da internet, e por conseguinte,
uma característica indissociável da sociedade em rede. A combinação
das formas de relacionamento presencial e virtual é uma das grandes
mudanças que se fica a dever à internet, mas no sentido da acumulação
e não da substituição de umas pelas outras.
179
Como são então as redes de sociabilidade na sociedade portuguesa?
Quais as interferências do uso da internet na amplitude, densidade e
intensidade dessas redes? Que impactos tem a utilização da internet
na qualidade de vida dos indivíduos? Diminuem as actividades em
casa com a família e os filhos depois da introdução do uso da internet?
Constitui a internet, em Portugal, um elemento de perigo, conduzindo
ao isolamento social ou à depressão individual?
A pesquisa realizada permite responder a estas e outras questões que
se podem colocar acerca das sociabilidades dos portugueses. E será, pois,
com esse objectivo que se desenvolverá este capítulo.
180
A sensação de estar desesperado manteve-se também inalterável
durante o último ano para uma significativa maioria dos portugueses
(81,9%), tendo 9,9% referido que diminuiu e 8,2% afirmado que au-
mentou. Já na Catalunha, são 24,2% os que responderam ter aumen-
tado a sensação de desespero no último ano (Castells e outros, 2003:
169), sendo menor o valor dos que afirmaram não ter registado qualquer
alteração nesta sensação. No que se refere à sensação de desespero, a ten-
dência mantém-se como nos três últimos indicadores – é no conjunto
dos não utilizadores que surge um maior número de declarações relati-
vas a um aumento (9,2%) e uma maior percentagem de cibernautas que
afirmam que diminuiu (11,2%).
181
que caracterizam os não utilizadores, como a idade, a escolaridade, o
rendimento, ou seja, as condições sociais de existência em geral.
Como se constatou, na generalidade os portugueses demonstram uma
grande estabilidade relativamente à evolução das sensações de desespero,
isolamento ou depressão. E, na maioria das vezes, o uso da internet apare-
ce como um factor propiciador da diminuição dessas sensações negativas.
Como forma de aprofundar a questão do isolamento social tantas
vezes atribuído aos cibernautas, questionaram-se os portugueses sobre
a existência de pessoas que se queixavam de não os(as) ver vezes sufi-
cientes. Um terço respondeu afirmativamente (33,1%), sendo que as
pessoas que mais se queixam são: a família (sem ter em conta o agregado
doméstico) – 18% – e os amigos – 17,4%. Valores residuais aparecem nas
categorias que indiciam uma maior proximidade quotidiana, como o
cônjuge (1,4%), ou as pessoas que compõem o agregado doméstico (2%).
De notar ainda que as queixas dos cônjuges, das pessoas de casa e dos
amigos adquirem maiores percentagens entre os utilizadores de internet.
Já no caso dos protestos serem provenientes de outras pessoas da família
são-no, comparativamente, em maior número nos não utilizadores.
Mas se, em geral, há uma grande disponibilidade dos portugueses
para as pessoas com quem vivem, procurou-se ainda saber as evoluções
registadas em vários aspectos da vida familiar, tais como, as conversas,
as zangas e as actividades realizadas com os filhos. De salientar que a
grande maioria dos indivíduos demonstra uma grande estabilidade
nas conversas que mantém com membros do agregado (81,7%) ou na
ocorrência de zangas em casa (84,3%), bem como nas actividades que
realiza com os filhos (67,2%). São, contudo, estas últimas que maiores
alterações sofrem, tendo cerca de 17,7% dos inquiridos afirmado que
aumentaram e 15,1% que diminuíram.
As conversas com os membros do agregado registam um aumento quer
entre utilizadores (17,0%) quer entre não utilizadores de internet (10,7%),
com uma percentagem superior para os primeiros. Quanto aos conflitos
em casa, a tendência é contrária, ou seja, em ambos os grupos houve uma
diminuição destas situações durante o último ano. No que respeita às
actividades com os filhos, é entre os utilizadores de internet que a decla-
ração de terem aumentado surge com uma maior expressão – são 27,8%
os que referem que tal aconteceu no último ano (quadro 5.2).
182
Quadro 5.2 Evolução do convívio com os membros do agregado doméstico, segundo
utilização da internet
183
que as relações sociais de proximidade, nomeadamente entre vizinhos,
seriam uma realidade em extinção, sobrevivente apenas, praticamente,
na memória de um passado de bairros antigos, nas cidades, e de aldeias
camponesas, no espaço rural. De tal modo assim é que passou a ser dado
como assente ser a relação entre vizinhos, hoje em dia, predominante-
mente de distância e impessoalidade, pelo menos nos grandes centros
urbanos. Mas será que é isso que acontece na realidade? Até que ponto?
Em que sentido, e com que intensidade, têm vindo a dar-se as alterações
nos relacionamentos vicinais?
Na verdade, na sociedade portuguesa, assim como noutras, designa-
damente da Europa do Sul (Castells e outros, 2003), encontram-se redes
não menosprezáveis de relacionamento de proximidade. São 29,7% os
portugueses que referem receber os seus vizinhos em casa diariamente; e
33,7% afirmam fazê-lo pelo menos uma vez por semana. Como seria de
esperar, dada justamente a proximidade física, os contactos telefónicos
com vizinhos são muito menos frequentes, sendo que 63,7% admitem
que nunca o fazem ou apenas mais raramente. E no que respeita aos
contactos através do correio electrónico os valores são residuais, não
podendo sequer ser analisados.
Em média, cada português relaciona-se e/ou pede pequenos favores
a cerca de 1,9 vizinhos. Semanalmente, são os utilizadores de internet
que referem receber mais vezes os seus vizinhos (38,6%), enquanto que
é entre os não utilizadores que são mais frequentes as visitas diárias
(30,7%).
184
A existência de pelo menos um vizinho com quem se relaciona ou a
quem pede pequenos favores é uma realidade para uma larga maioria da
população portuguesa (78,4%). Na Catalunha, esta realidade abrange
praticamente a totalidade da população (Castells e outros, 2003: 177).
Contrariamente a algumas noções de atomização individual e perda
das relações mais próximas, os dados relativos a Portugal avançam com
números bastante mais elevados do que os que se encontram, por exem-
plo, nos Estados Unidos da América (Putnam, 2000).
Quotidianos familiares
e relações de sociabilidade no agregado doméstico
185
ções de convívio com o agregado doméstico. É muito estável o número
de indivíduos que refere conversar com os membros do agregado domés-
tico ou desenvolver actividades com os filhos no último ano. Números
estes sem grandes oscilações quando comparados utilizadores e não
utilizadores (quadro 5.2).
186
Relações de sociabilidade familiares
187
(24,5%). Em conjunto totalizam uns significativos 70% da população
portuguesa. Para os que residem noutro distrito a categoria em que se
concentra maior número de respostas é pelo menos uma vez por ano
(50,7%), e para os que residem no estrangeiro este valor é de 64,4%.
O argumento já atrás referido da mobilidade interna e externa dos
portugueses explica esta regularidade anual dos encontros pessoais com
outros familiares que residem noutro distrito ou no estrangeiro. São
disto exemplo as férias passadas em Portugal por muitos emigrantes ou
o retorno ao local de naturalidade de muitos portugueses. São 30,6% os
que referem nunca ou mais raramente encontrar-se com os familiares
que residem no estrangeiro. Valor que parece relativamente baixo quan-
do comparado com outros indicadores já apresentados.
Os contactos telefónicos são menos frequentes com os familiares
que residem longe do que com os que vivem mais próximo (quadro
5.4). O telefone é, ainda, significativamente bastante menos utilizado
como meio de comunicação (33,1% usam-no pelo menos uma vez por
semana) em comparação com os encontros pessoais que se desenvol-
vem com os familiares residentes nos mesmos concelhos (71,9%). A
internet também não é um meio de comunicação utilizado com gran-
de regularidade nos contactos com outros familiares, apresentando o
seu valor mais expressivo como meio de comunicação nas interacções
mais distantes (1,7% para os contactos com familiares residentes no
estrangeiro com frequência semanal ou de maior intensidade). Porém,
é no contacto com os amigos que a internet vai adquirindo um maior
significado enquanto meio de comunicação, chegando a atingir valores
perto dos 6% quando se referem as interacções de amizade com quem
vive noutros distritos.
Com os vizinhos são os contactos pessoais que prevalecem (63,4%
fazem-no pelo menos uma vez por semana) sendo que o telefone e a
internet são utilizados com uma frequência semanal bastante menor do
que acontece com outros familiares ou com amigos.
Ainda assim, procurou-se perceber se o facto de se ser utilizador de
internet ou não alterava a configuração das redes de sociabilidade fami-
liares.
188
Quadro 5.4 Utilização de diferentes meios de comunicação para contacto pelo
menos semanal com familiares, amigos e vizinhos, por local de residência (%)
Nota: Cada célula representa o somatório da % de inquiridos que responderam nas categorias “Todos os
dias/Quase todos os dias” e “Pelo menos uma vez por semana” em cada uma das variáveis.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
189
Os não utilizadores têm também valores modais semelhantes, mas ligeira-
mente mais baixos (44,3% e 26,9%, respectivamente). Estas frequências de
contactos pessoais vão rareando à medida que a distância aumenta.
Quadro 5.5 Número de familiares com quem se relacionam por local de residência,
segundo utilização da internet
190
Os contactos telefónicos dos utilizadores de internet com os familiares
que vivem no mesmo concelho fixam-se também no valor modal de fre-
quência de uma vez por semana (33,3%), logo seguidos de uma vez por mês
(27,6%). Passando-se o mesmo do que com os pais, há uma economia de
contactos estabelecida nas redes de relacionamento; se se vê pessoalmente
todos os dias essas pessoas, não se fala ao telefone com elas. Curiosamente,
nos não utilizadores o valor modal deste tipo de contactos desce para pelo
menos uma vez por mês (27,1%). Também aqui se estabelece uma relação
inversamente proporcional entre a distância e a frequência dos contactos.
Quanto mais distantes, menos frequentes são os contactos.
Nos contactos realizados através da internet, surgem pela primeira
vez (neste conjunto de indicadores) valores significativos de utilização
deste meio de comunicação, mesmo com os familiares que residem no
mesmo concelho. São 5% os utilizadores que afirmam fazê-lo pelo me-
nos uma vez por mês, 3% uma vez por semana e 2% uma vez por ano.
Estes valores são também semelhantes para os familiares que estão mais
distantes geograficamente.
Fica assim evidenciado o carácter intenso, denso e amplo das redes
de sociabilidade familiares dos portugueses, ao mesmo tempo que se
demonstra que o uso da internet, se influencia as sociabilidades, é posi-
tivamente, propiciando o seu aumento nalguns casos. A internet surge
como mais um meio de comunicação para os contactos com familiares,
embora até agora sub-utilizado.
191
Para se ter uma outra dimensão desta ampla rede amical, 93,1% dos
portugueses têm pelo menos um amigo que reside no mesmo concelho.
E destes, 94,9% relacionam-se com ele(s). Estes valores são muito seme-
lhantes aos registados para os familiares. Mesmo sem ter em conta os
progenitores, se pensarmos de modo agregado, uma larga maioria dos
portugueses tem assim pelo menos duas pessoas próximas de si e com
quem se relaciona.
Aumentando um pouco a distância geográfica, são 46,1% os que
referem ter pelo menos um amigo a residir noutro concelho do mesmo
distrito, 35,9% noutros distritos e uns significativos 22,8% afirmam o
mesmo, mas para o estrangeiro. Este último valor é exactamente o do-
bro do registado (11,4%) com a aplicação deste mesmo questionário na
região da Catalunha (Castells e outros, 2003: 177).
O quadro 5.6 apresenta este indicador segundo o uso da internet.
Novamente se verifica que a utilização da internet, em vez de retrair as
redes amicais, pelo contrário amplia-as. Os valores percentuais são sem-
pre mais elevados entre os utilizadores nos escalões “de 6 a 10 amigos” e
“11 ou mais” do que entre os não utilizadores de internet.
A frequência dos contactos pessoais dos portugueses com os seus
amigos é muito mais intensa do que com os familiares, aproximando-
-se e até ultrapassando os valores apresentados para os contactos com
os progenitores. São, sem dúvida, as redes de sociabilidade com maior
intensidade de contactos presenciais. Encontram-se diariamente com os
amigos 40,1% dos portugueses e 43,6% fazem-no pelo menos uma vez
por semana. Chama-se a atenção de que não se especificou neste indi-
cador o tipo de amigo, podendo ir desde o colega de trabalho ao amigo
de infância. Claro que à medida que a distância geográfica aumenta, o
encontro pessoal diminui.
Quanto aos contactos telefónicos, salienta-se o aumento da sua
utilização à medida que aumenta também a distância geográfica, pelo
menos nas categorias com um maior horizonte temporal – mensalmente
ou anualmente. Já a internet, embora apareça com valores um pouco
mais elevados do que para os familiares, continua a ser para o conjunto
da população portuguesa um meio pouco utilizado nos contactos com
os amigos. De qualquer modo, é sem dúvida com os amigos que mais
se utiliza esta ferramenta comunicacional, e em particular com os que
residem no estrangeiro ou noutros distritos.
192
Para melhor aferir a implicação do uso da internet nas sociabilidades
com os amigos, cruzaram-se os indicadores até aqui analisados com a si-
tuação de se ser utilizador ou não utilizador de internet. Esses resultados
apresentam-se de seguida.
Quadro 5.6 Número de amigos por local de residência, segundo utilização da internet
193
São bastante frequentes os contactos pessoais que os cibernautas
estabelecem com os amigos que vivem próximo. Cerca de 85% dos
utilizadores encontram-se pessoalmente com os amigos que residem no
mesmo concelho e cerca de 60% falam ao telefone diariamente ou pelo
menos uma vez por semana. Já nos não utilizadores, os que se encon-
tram pessoalmente com os amigos diariamente ou pelo menos uma vez
por semana são cerca de 83%, mas contactam bastante menos frequen-
temente pelo telefone (29,2% todos os dias ou pelo menos uma vez por
semana). Por outro lado, mantém-se também aqui para os dois grupos a
mesma relação inversamente proporcional entre distância e frequência
de contactos detectada a respeito dos familiares.
Os valores mais elevados de contactos através da internet surgem
exactamente nas redes de relacionamento com os amigos: 14,6% decla-
ram contactar pela internet os amigos que residem no mesmo concelho
pelo menos uma vez por semana; 10,5% fazem-no uma vez por mês;
2,5% uma vez por ano; e 2,3% todos os dias. A frequência deste tipo
de contacto vai-se intensificando à medida que a distância aumenta, ao
contrário do que acontece nas relações pessoais ou por telefone. Este
facto denota não só um potencial aumento deste meio de contacto como
forma de relacionamento, como também evidencia o facto da internet
ser cada vez mais frequentemente utilizada como ferramenta de contacto
tanto localmente como globalmente.
194
Aproximadamente metade dos portugueses declaram receber apro-
ximadamente o mesmo número de chamadas telefónicas de homens e
de mulheres (49,4%). Apenas 10,7% referem receber mais telefonemas
de pessoas do sexo oposto em contrapartida aos 29,9% que declaram
receber mais chamadas de pessoas do mesmo sexo. Admitem não saber
cerca de 10% dos portugueses.
No que se refere aos utilizadores do e-mail são também cerca de me-
tade os que referem trocar indistintamente mensagens com pessoas de
ambos os sexos (51,9%), mas são já 15,2% os que declaram receber mais
e-mails de pessoas do sexo oposto contra 21,6% que admite ter maiores
contactos electrónicos de pessoas do mesmo sexo. Os que referem não
saber são 11,3%.
Estes dados revelam, por si só, uma relativa maior facilidade em
estabelecer contactos com pessoas do sexo oposto através da internet.
Assim colocado o problema, poder-se-ia afirmar que o computador, pos-
sibilitando contactos não presenciais, funciona como um potenciador
de relações entre pessoas do sexo oposto. Contudo, há que perceber
melhor quem são, do ponto de vista social, as pessoas a quem acontece
cada uma das situações.
Um primeiro padrão de distribuição evidencia a predominância das
mulheres como sendo as que recebem mais telefonemas de pessoas do
mesmo sexo, ao contrário dos homens que referem receber mais chama-
das de pessoas do sexo oposto. Um segundo padrão mostra claramente
que entre os que recebem mais chamadas de pessoas do mesmo sexo
estão os inquiridos com mais de 30 anos. Já no que se refere aos que
recebem mais chamadas provenientes de pessoas do sexo oposto estão
maioritariamente os jovens entre os 15 e os 29 anos. Estes resultados
parecem assim revelar uma relativa abertura dos mais jovens a contactos
tanto com pessoas do mesmo sexo como com pessoas do sexo oposto,
ao contrário de algum fechamento nos contactos dos mais velhos, e em
particular, das mulheres.
Já quanto aos e-mails, as sociabilidades por género mostram que não
existem grandes diferenças a salientar entre homens e mulheres. Os mais
jovens são, claramente, os que mais e-mails trocam com pessoas do sexo
oposto. Estas tendências já tinham sido também referidas quando analisa-
da a incidência dos domínios de uso da internet segundo algumas variáveis
de caracterização social, nomeadamente no domínio da sociabilidade.
195
Redes informáticas e redes sociais.
Alguns elementos de síntese
196
são sistematicamente mais alargadas do que as dos não utilizadores, e,
frequentemente, mais amplas, remetendo estes resultados também para
as características sociais dos cibernautas – mais jovens, mais qualificados
e com maiores capitais económicos, culturais e sociais.
Por último, e de forma também idêntica ao que sucede na Cata-
lunha, os encontros pessoais assumem uma importância acrescida na
manutenção das redes sociais, sejam elas familiares sejam amicais ou
vicinais. Parece, portanto, que a sociedade em rede em Portugal, embora
ainda marcadamente numa fase de evolução, conseguiu conciliar espa-
ços reais e virtuais de sociabilidade, acrescentando modos diferentes e
intensidades distintas de estabelecer contactos com os familiares, amigos
e vizinhos. Os argumentos apressados acerca dos perigos de isolamento
social, depressão e desestruturação familiar devido à utilização da in-
ternet deixam de fazer sentido depois de analisados estes resultados. A
sociedade em rede potencia as relações de convivialidade existentes, ao
mesmo tempo que acrescenta novas formas de sociabilidade entre os
indivíduos. A internet é assim, em Portugal, tal como noutros locais do
mundo, um instrumento da vida e das actividades quotidianas que em
muitos casos reforça as relações sociais, em vez de enfraquecê-las.
197
198
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 6
A internet e os media: práticas comunicacionais
e acesso à informação
O
impacto das novas tecnologias de informação e comunicação
nas estruturas sociais não define, por si só, a sociedade em
rede, como aliás já se teve oportunidade de salientar por
diversas vezes ao longo deste livro. Mas a comunicação, nomeadamen-
te a comunicação tecnologicamente mediada, não deixa por isso de
constituir um factor central desta nova forma de organização social. Os
media tecnológicos assumem nas sociedades informacionais um papel
de destaque, cuja centralidade só se poderá assemelhar ao aparecimento
da escrita ou às dinâmicas da revolução industrial que conduziram ao
aparecimento e consolidação das sociedades modernas.
Justifica-se, pois, na análise da sociedade actual e das suas dinâmicas,
dar particular atenção aos processos e meios comunicacionais, quer si-
tuando-os no âmbito das práticas de vida quotidiana, quer destacando o
lugar específico das práticas comunicacionais apoiadas em dispositivos
tecnológicos.
Sem dúvida que o surgimento e utilização da internet estão a provo-
car alterações substanciais nas práticas comunicacionais, nos meios de
comunicação, nos conteúdos disponíveis, nos modos de interactividade
e, ainda, nas opiniões que se vão formando socialmente sobre diferen-
tes media. É por isso importante perceber o lugar que ela ocupa como
actividade quotidiana da sociedade em rede, o seu papel no universo
das práticas comunicativas em Portugal, a confiança que se tem nos seus
conteúdos comparativamente com os outros meios de comunicação, e
ainda as representações sociais que emergem sobre esta nova tecnologia
de informação e comunicação. É na tentativa da concretização destes
objectivos que se desenvolve o presente capítulo.
199
A partir da proposta conceptualizadora de práticas comunicativas
utilizada por Manuel Castells no estudo realizado na Catalunha (Cas-
tells e outros, 2003), na qual é colocado em evidência o carácter amplo
dessas práticas, onde se incluem diferentes aspectos de interacção comu-
nicacional, tais como conversar com os membros do agregado familiar,
brincar com os filhos, ouvir música, ler jornais, ver televisão, entre ou-
tras, desenvolver-se-á a análise de alguns indicadores a este respeito para
o caso português1. Através destas práticas dar-se-á início à caracterização
das interconexões entre uso da internet e de outros media na sociedade
em rede em Portugal.
1
No questionário utilizado em Portugal a dimensão de análise das práticas co-
municacionais que incluem os mass media tradicionais (rádio, jornais e televisão) foi
substancialmente aprofundada. Assim, existem indicadores só passíveis de compara-
ção com a segunda aplicação do questionário catalão a ocorrer em 2004-2005 pelo
IN3 e a Universidade Aberta da Catalunha.
200
Tentou-se perceber, desde logo, se a realização deste tipo de activida-
des variava consoante se era ou não utilizador de internet (quadro 6.1).
O tempo despendido em navegações na internet não parece pôr assim
em causa o desenvolvimento de outras actividades. Os utilizadores da
internet, embora lhe dediquem algumas horas (como foi verificado ante-
riormente), consideram manter a mesma dedicação e a mesma disponi-
bilidade para outras tarefas que tinham antes da entrada da web nas suas
vidas. Aliás, é bastante interessante verificar que, comparativamente,
estes indivíduos mantêm um leque bastante mais diversificado e intenso
de hobbies e outras actividades quotidianas do que os não utilizadores.
Como é patente no quadro 6.1, regista-se uma significativa adesão por
parte dos cibernautas portugueses a uma multiplicidade de práticas co-
municacionais, desde as mais ligadas ao lazer e fruição cultural no espaço
doméstico (como a ver televisão, ouvir rádio e música, ler jornais, revistas
ou livros), às mais vocacionadas para o convívio dentro ou fora de portas
(como passear, estar com amigos, conversar e brincar com crianças, ir a ba-
res e restaurantes, cinema). Embora com incidência inferior, assume ainda
alguma importância entre estes indivíduos a participação em espectáculos
desportivos e acontecimentos populares, a visita a museus, exposições,
conferências ou, ainda que mais raramente, a ida ao teatro e a concertos.
Comparando com os não utilizadores, o primeiro grupo é particu-
larmente mais activo nos mais variados níveis. Exceptuando actividades
mais transversais, como ver televisão ou conversar com amigos, em todas
as restantes opções se regista uma participação bastante menor por parte
dos não utilizadores. E é ainda interessante notar que os cibernautas
são os que mais frequentemente desenvolvem, também em casa, tarefas
relativas à sua actividade profissional.
As práticas comunicativas quotidianas variam conforme a idade dos
indivíduos. A registar, em primeiro lugar, que todas as actividades são
mais desenvolvidas pelos inquiridos entre os 15 e os 29 anos, com especial
destaque para as que envolvem as novas tecnologias ou as que se realizam
fora de casa, excepto as práticas que remetem para a acção colectiva, para o
trabalho profissional ou para os cultos religiosos. Destas três, as primeiras
duas salientam-se no grupo dos 30 aos 49 anos e a última no dos 50 e mais
anos de idade. Em segundo lugar, as práticas de sociabilidade distribuem-
se de modo muito semelhante nas três categorias etárias, sendo portanto
transversais à sociedade portuguesa, como já se havia constatado.
201
Quadro 6.1 Práticas comunicativas e vida quotidiana, segundo utilização da
internet (%)
Não
Práticas comunicativas e vida Utilizadores Total
utilizadores
quotidiana (n=711) (n=2450)
(n=1739)
Ver TV 98,9 99,4 99,3
202
Estas práticas evidenciam, por um lado, alterações significativas
nos estilos de vida quotidianos dos portugueses, ressaltando uma
maior diversidade de actividades e interesses no grupo dos mais jovens,
acompanhados da incorporação das novas tecnologias de informação e
comunicação.
Quanto à frequência da realização destas actividades, destacam-se
com frequência diária, ver televisão (96,2%), falar ou brincar com as pes-
soas que compõem o agregado doméstico (90,4%), ouvir rádio (83,4%)
e ouvir música (80,2%). Quase todas elas, práticas comunicacionais de
baixa interactividade. De seguida, encontra-se, ainda com valores mo-
dais na categoria diariamente, ler jornais ou revistas (61%), encontrar-se
com familiares e amigos (55,4%) e ler livros (36,4%).
Com frequência semanal, surgem as actividades mais directamente
relacionadas com o lazer e tempos livres. Praticar alguma actividade físi-
ca (65,8%), ir à igreja ou culto religioso (55,1%), desenvolver os hobbies
favoritos (48%) ou passear (47,5%) são alguns dos exemplos que têm
como valor modal a categoria de pelo menos uma vez por semana. De
seguida, estão o visionamento de vídeos ou DVDs, jogar computador e
não fazer nada.
Mais raramente, encontram-se, por um lado, as actividades mais eru-
ditas e as de participação social e política, e por outro, as que se prendem
com espectáculos e acontecimentos populares. De referir ainda que ir ao
cinema é uma das práticas que surge com uma frequência menor que
semanalmente para 74,6% dos portugueses.
Finalmente, procurou-se perceber se o uso da internet provoca al-
terações nas práticas comunicacionais, nomeadamente, na realização
de actividades quotidianas que impliquem a utilização de outros media
(quadro 6.2). A principal conclusão diz respeito ao facto do uso da
internet não provocar alterações significativas nas actividades quoti-
dianas. A grande maioria dos cibernautas portugueses que referiram
desenvolver cada uma das actividades analisadas, afirmou que estas
se mantiveram iguais após o início do uso de internet. Há, porém, a
evidenciar que as alterações, quando existem, são, maioritariamente,
no sentido de diminuição da prática dessas actividades, excepto em ca-
sos pontuais. A maior referência à diminuição surge no visionamento
televisivo (19,2%).
203
Quadro 6.2 Evolução das actividades quotidianas após início do uso de internet (%)
Ir a museus, exposições ou
4,5 88,0 7,4 100,0 n=21
conferências
Encontrar-se com familiares ou
4,1 89,7 6,2 100,0 n=644
amigos
204
A diminuição dessas práticas varia proporcionalmente à intensidade
do uso da internet, ou seja, é na sua maioria entre os utilizadores de alta
intensidade que surgem as declarações de mais terem baixado a realiza-
ção dessas actividades. Estes são em alguns casos valores absolutos tão
reduzidos que apenas há a registar essa tendência de distribuição.
205
Quadro 6.3 Meios de informação sobre acontecimentos locais/nacionais e interna-
cionais, segundo utilização da internet
Não
Qual o principal meio que utiliza Utilizadores Total
utilizadores
para se informar...
n % n % n %
Televisão 569 80,1 1502 86,3 2071 84,5
Rádio 25 3,5 35 2,0 60 2,4
Jornais 52 7,3 77 4,4 129 5,3
Revistas 4 0,6 5 0,3 9 0,4
... quando há um internet 29 4,1 0 0,0 29 1,2
acontecimento
local/nacional Falando com
(p<0,01) familiares/
29 4,1 99 5,7 129 5,2
amigos/
conhecidos
Desloca-se ao local 1 0,2 0 0,0 1 0,1
Não sabe / não
2 0,2 20 1,2 22 0,9
responde
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0
Televisão 582 81,9 1636 94,1 2219 90,6
Rádio 10 1,5 7 0,4 18 0,7
Jornais 27 3,8 44 2,5 71 2,9
... quando há Revistas 3 0,4 3 0,2 6 0,3
um grande
internet 82 11,5 0 0,0 82 3,3
acontecimento
internacional Falando com
(p<0,01) familiares/
4 0,5 17 1,0 20 0,8
amigos/
conhecidos
Não sabe / não
3 0,4 32 1,8 34 1,4
responde
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0
206
Esta preferência pela utilização da web na informação sobre os aconteci-
mentos internacionais faz todo o sentido, já que a variedade de fontes que
podem ser consultadas (muitas delas oriundas dos países onde decorrem
esses acontecimentos) aumenta exponencialmente neste tipo de suporte
tecnológico, bem como a permanente actualização dos dados, comparati-
vamente com os media tradicionais, como a televisão ou os jornais.
Ainda sobre a televisão, é interessante registar que 97,9% dos portu-
gueses afirmam ver notícias através deste media. Valor este que pode ser
também comparado com os 48,5% dos portugueses que afirmam que os
telejornais são os programas que mais vêem, seguidos das telenovelas, a
longa distância, com 14,5%.
Mas, quais são então, em 2003, os canais em que preferencialmente
os portugueses vêem as notícias?
São as estações privadas – SIC e TVI – que surgem com uma maior
declaração de resposta, 33,9% e 29,9% respectivamente (quadro 6.4),
logo seguidas pelo canal 1 da estação pública de televisão (26,2%). Uma
esmagadora maioria dos utilizadores (98,3%) vê notícias na televisão,
207
nomeadamente, através dos canais SIC (33,1%), RTP1 (27%), TVI
(23%) e SIC Notícias (9,7%). Quanto aos não utilizadores, a tendên-
cia maioritária mantém-se: 97,8% vêem notícias na televisão, mas as
preferências pelos canais televisivos alteram-se. Assim, surge a SIC com
34,3%, seguida da TVI com 32,7% e da RTP1 com 25,9%.
Se é clara a preponderância da televisão como meio de informação,
tentou-se perceber, para além disso, qual o papel que desempenhavam os
outros media no quotidiano dos portugueses e a interferência da internet
como novo suporte tecnológico desses meios de comunicação, como são
exemplo cada vez mais comuns os sítios de televisões, rádios e jornais.
Tendo presentes os valores analisados das práticas comunicacionais re-
lativamente a estes media, vale a pena agora analisar outros indicadores
que permitem uma análise mais detalhada.
Quanto à consulta de sítios de notícias na internet (quadro 6.5),
cerca de 1/6 dos utilizadores afirmam fazê-lo (14,2%), proporção que
se situa nos 4% para o conjunto da população portuguesa, valor quase
residual. E os sítios mais consultados com este objectivo são: SIC (28%),
TVI (23%) e RTP1 (12%). Parece, pois, haver uma consulta dos sítios de
notícias coincidente com os canais preferidos onde se assiste aos noticiá-
rios na televisão.
Quadro 6.5 Consulta de canais de televisão na internet para ver notícias (utiliza-
dores da internet)
208
tão elevada nos que não utilizam a internet, mas não deixa de ser muito
significativa, afirmando 60,8% ter lido jornais na última semana.
Os jornais mais lidos pelos portugueses foram: o Jornal de Notícias
(31,9%), o Correio da Manhã (23,8%), o Diário de Notícias (11,2%) e o
Público (6,8%). Os três primeiros mantém-se os mesmos tanto para uti-
lizadores como para não utilizadores de internet, mas nestes últimos o
quarto é um jornal desportivo – A Bola – com 6,5% de leitores.
Comparativamente, é interessante salientar que o Público, o Diário de
Notícias, o Expresso e o Diário Económico têm valores superiores de leitura
entre os cibernautas, enquanto que o Jornal de Notícias, o Correio da Ma-
nhã e a categoria que engloba outros jornais locais e regionais são mais
referidos pelos não utilizadores de internet.
Quanto à consulta na internet (quadro 6.6) são já mais de 1/5 dos
cibernautas (21,8%) que afirmam ler jornais através dos seus sítios pu-
blicados on-line. Aqui surgem como mais consultados, o Público (18,8%),
o Expresso (14,8%), A Bola (14,8%) e o Record (10,1%). Este valor é ainda
significativamente reduzido quando se tem em conta a proporção para
a população portuguesa (cerca de 6%), mas de qualquer modo ligeira-
mente superior ao encontrado para a consulta de sítios de estações de
televisão na internet.
Quadro 6.6 Leitura de jornais durante a última semana e consulta on-line, segun-
do utilização da internet
209
Outro media referenciado foi a rádio (quadro 6.7). A esmagadora
maioria dos portugueses ouve rádio habitualmente (86,9%) como aliás
já se tinha verificado através da análise das actividades quotidianas mais
desenvolvidas (cf. quadro 6.1). Esta percentagem é ainda mais elevada
entre os cibernautas (95,9%). As estações que mais se destacam como
preferenciais para os utilizadores da internet são a RFM (29,2%), a
Rádio Comercial (15,3%) e a Antena 3 (10,9%). No conjunto da popu-
lação portuguesa estas preferências são diferentes, sendo a Rádio Renas-
cença a que mais se ouve (23,7%), seguida da RFM (20,2%) e da Rádio
Comercial (9,6%). Quanto aos não utilizadores de internet, também
maioritariamente ouvintes de rádio (83,2%), apresentam como a sua
estação preferida a Rádio Renascença (32%), em segundo lugar, a RFM
(16%) e, em terceiro, outras rádios regionais (10,8%).
A taxa de consulta de sítios de estações de rádio entre os cibernautas
é de 14,2% – proporção que não passa dos 4% para a população portu-
guesa em geral – valores muito próximos dos da consulta de sítios televi-
sivos na internet. Como também já havia acontecido com os canais tele-
visivos, as estações de rádio que mais se consultam na web são também
as que mais se ouvem. Assim, temos a Rádio Comercial com 24,6%, a
Antena 3 com 14,2% e a RFM com 11,4%. A única rádio que não tinha
sido uma das preferidas anteriormente, e que surge agora como uma das
mais consultadas na internet, é a TSF (12,1%).
Quadro 6.7 Audição de rádio durante a última semana e consulta on-line, segun-
do utilização da internet
210
Estes resultados parecem assim indiciar que nem a televisão e a rádio
nem a imprensa escrita correm para já o risco de serem substituídos pe-
los suportes electrónicos de informação. O que acontece provavelmente,
tal como noutras situações já analisadas, é que a internet se usa adicio-
nalmente como mais um meio de informação, utilização essa porventura
com tendência crescente.
211
Quadro 6.8 Níveis de confiança na informação recebida através dos media (%)
212
Quadro 6.9 Níveis de confiança na informação recebida através dos media, segun-
do utilização da internet (%)
213
Quadro 6.10 Meios de contacto com programas de televisão ou de rádio,
segundo utilização da internet (%)
… de carta 1,1 97,9 0,0 1,0 100,0 0,5 97,0 1,1 1,4 100,0
… do telefone fixo 3,9 87,8 7,7 0,6 100,0 1,2 82,9 14,7 1,2 100,0
… do envio de
mensagens escritas de 6,0 91,7 1,7 0,6 100,0 1,3 80,8 16,5 1,4 100,0
telemóvel (SMS)
… de telemóvel 2,3 96,4 0,7 0,7 100,0 0,8 82,0 15,7 1,5 100,0
… de correio
2,7 86,5 9,9 0,9 100,0 0,0 37,1 61,9 1,0 100,0
electrónico (email)
214
Quadro 6.11 Consulta de informação sobre os programas eleitorais antes de votar,
segundo utilização da internet
215
Quadro 6.12 Opiniões sobre a televisão e a internet (%)
A televisão permite-
nos enriquecer o nosso
40,9 46,2 9,5 1,8 1,6 100,0
conhecimento do mundo e
das coisas que nos rodeiam
A utilização da internet
permite-me estar 20,0 17,3 6,7 10,6 45,4 100,0
actualizado(a)
A utilização da internet
permite-me maior facilidade
13,9 17,9 9,9 11,3 47,0 100,0
de comunicação com pessoas
de outras gerações
A televisão permite
aproximar a família,
24,9 49,9 17,2 5,7 2,2 100,0
discutir os mesmos temas e
programas
A televisão é essencialmente
uma forma de relaxar e de 42,4 46,4 7,8 1,8 1,7 100,0
entretenimento
216
Os utilizadores de internet destacam-se sobretudo nas opiniões sobre
a televisão por não concordarem tanto com a função ou dimensão lúdica,
de lazer e entretenimento que esta pode ter, concebendo-a menos como
uma forma de convívio familiar ou de relaxamento individual (quadro
6.13). São, no entanto, altíssimos os níveis de concordância com quase
todas as declarações apresentadas. Principalmente nas questões relativas
à internet, sobressai novamente a atribuição a esta plataforma de um
carácter informativo, potenciador de relações intergeracionais e meio de
actualização dos conhecimentos.
Já entre os não utilizadores, a televisão é encarada essencialmente
pela sua dimensão de lazer e convívio familiar. Os valores de concor-
dância destes em relação aos não utilizadores são sempre mais elevados
em todos os indicadores que se referem ao carácter lúdico, de lazer e de
entretenimento da televisão.
Esta distinção forte entre os dois media poderá eventualmente suge-
rir que a internet se assumirá num futuro próximo como um meio de
comunicação mais relacionado com a esfera informativa ou profissional,
enquanto que a televisão manterá ou reforçará um carácter essencial-
mente lúdico, de lazer e entretenimento.
Questionou-se ainda a população portuguesa sobre se a televisão que
existe hoje em dia é melhor, igual ou pior relativamente à que existia na
infância ou adolescência dos inquiridos (quadro 6.14). A maioria consi-
dera inequivocamente a televisão de hoje melhor do que a que havia no
período da sua infância ou adolescência (61,9%).
Os utilizadores de internet admitem maioritariamente que a televi-
são de hoje é melhor (65,7%), existindo ainda uns expressivos 18,8%
que afirmam ser pior. A tendência de distribuição das respostas nos não
utilizadores é semelhante. Em comparação, a grande diferença diz respei-
to ao facto de 13,1% dos não utilizadores afirmarem não ver ou não ter
televisão nessa altura, situação residual entre os utilizadores da internet.
Não será porventura alheio a esta distribuição o facto dos não utilizado-
res serem tendencialmente mais velhos e por isso não existir televisão na
sua infância/adolescência.
217
Quadro 6.13 Opiniões sobre a televisão e a internet, segundo utilização da
internet (%)
A televisão permite-nos
enriquecer o nosso
conhecimento do mundo 86,9 12,6 0,4 100,0 87,2 10,7 2,0 100,0
e das coisas que nos
rodeiam
A utilização da internet
permite-me estar 91,4 7,4 1,3 100,0 15,3 21,3 63,4 100,0
actualizado(a)
A televisão é um meio
para manter as tradições
e a história de uma 74,3 25,0 0,7 100,0 76,3 18,7 5,0 100,0
comunidade e a sua
herança cultural
A utilização da internet
permite-me maior
facilidade de comunicação 78,1 19,2 2,6 100,0 12,9 22,0 65,1 100,0
com pessoas de outras
gerações
A televisão permite
aproximar a família,
70,8 28,7 0,5 100,0 76,5 20,5 2,9 100,0
discutir os mesmos temas
e programas
Navegar na internet é uma
forma de passar o tempo,
combater o aborrecimento 79,7 19,1 1,1 100,0 15,1 18,4 66,5 100,0
e uma alternativa a outros
meios de comunicação
A televisão é
essencialmente uma
84,8 14,9 0,2 100,0 90,4 7,4 2,2 100,0
forma de relaxar e de
entretenimento
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todos as questões).
218
Quadro 6.14 Comparação da televisão actual com a que viam na infância ou
adolescência, segundo utilização da internet
Não via / não tinha nessa altura 8 1,1 228 13,1 236 9,6
219
baixa que os cibernautas gastam a ver televisão: pouco mais de duas
horas por dia, quando os não utilizadores da internet atingem perto de
três horas diárias. Quanto à rádio, a diferença não é tão grande, mas
são também os não utilizadores da internet que dedicam mais tempo
diário à sua audição. De lembrar que ver televisão e ouvir rádio são duas
actividades quotidianas significativamente transversais à maioria da po-
pulação portuguesa. As outras actividades referenciadas no quadro 6.15
são menos praticadas pelos não utilizadores da internet e, quando o são,
são-no durante períodos diários mais reduzidos (ou nulos, obviamente,
no caso da própria internet).
Quadro 6.15 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades (em mi-
nutos), segundo utilização da internet
220
Quadro 6.16 Horas semanais dedicadas às actividades domésticas, segundo utili-
zação da internet
221
O quadro 6.16 confirma precisamente esta situação. A maioria dos
utilizadores da internet (48%) despendem até 5 horas semanais nas
tarefas domésticas (excluindo os fins-de-semana) e quase 30% referem
mesmo não ocupar qualquer tempo durante a semana com este tipo de
tarefas. No caso dos não utilizadores, 40% afirmam demorar mais de 5
horas semanais (excepto fins-de-semana) nas actividades do lar, sendo
de 25% a percentagem dos que referem a total ausência destes afazeres
durante a semana. Ao fim-de-semana a comparação é semelhante en-
tre os dois grupos, manifestando-se em geral um aumento relativo do
tempo despendido nestas matérias (tendo em conta que se trata apenas
de dois dias).
Já no que toca às horas de trabalho (quadro 6.17), a comparação
tende a apontar mais semelhanças que diferenças, ainda que se verifi-
que uma incidência ligeiramente superior, no caso dos utilizadores, na
categoria até 35 horas trabalho semanal (24%). A maioria destes últimos
(36%) inscreve-se no escalão das 36 a 40 horas, mas quase 30% traba-
lham ainda, em termos médios, mais de 45 horas semanais.
222
Quadro 6.18 Horas diárias de conversa com os membros do agregado, segundo
utilização da internet
223
A interferência da utilização da internet no tempo despendido a dor-
mir é praticamente nula. Para 86,2% dos utilizadores de internet não
se registou nenhuma alteração no tempo que dedicam ao sono, sendo
apenas 9% os que referem que passaram a dormir menos.
224
Foi ainda pedido aos inquiridos que emitissem a sua opinião quanto
ao interesse de um conjunto de práticas comunicativas, tais como, ver
televisão, falar ao telefone, ouvir música, entre outras. De entre essas,
os portugueses elegem como 1ª actividade mais interessante, em conso-
nância com as práticas que desenvolvem, ver televisão (62,7%), seguida
a muita distância de ouvir rádio (8,6%) e de um terceiro lugar bastante
surpreendente para a utilização da internet (8,1%).
As actividades consideradas pelos cibernautas como mais interessan-
tes numa primeira escolha são ver televisão (33,6%) e utilizar a internet
(27,7%), optando assim pela interactividade e pelos equipamentos
audiovisuais (quadro 6.20). Já os não utilizadores optam em 1º lugar
esmagadoramente por ver televisão (74,6%), seguindo-se a muita distân-
cia ouvir rádio (40,7%), ambas actividades receptivas em detrimento da
interactividade.
225
mação e comunicação, que não se substituirá aos media tradicionais nem
invadirá o tempo quotidiano como alguns temeriam, mas que adquirirá
um lugar central na construção de uma sociedade em rede mais alargada
e difusa em Portugal.
Na sociedade em rede a organização do sistema dos media e a sua evo-
lução estão em grande parte dependentes do modo como a população se
apropria socialmente deles. É através da forma como se atribuem papéis
sociais de informação, entretenimento, acção e organização a cada media
que se desenham as redes de interdependências entre eles.
Mas, embora os media acompanhem a humanidade desde que esta
organizou de forma sistematizada os códigos de comunicação (Eco
2000), só neste momento da história é possível encontrar um modelo
de organização do sistema dos media baseado na interligação em rede.
Porquê? Porque, o surgimento da Internet permitiu numa primeira fase
a migração para o on-line digital dos mass media tradicionais, criando as
pontes necessárias entre velhos e novos media. Numa segunda fase, a
mesma internet, induziu o estabelecimento de um cada vez maior núme-
ro de interligações entre todos os media, fossem digitais ou analógicos.
A hipótese de partida para a caracterização do sistema dos media na
sociedade actual é de que, ao contrário do muitas vezes sugerido e tam-
bém algumas vezes refutado (Ortoleva, 2004), o que o caracteriza não é
a convergência2, mas sim a sua organização em rede. Essa organização
ocorre em diversos níveis, desde o da relação tecnológica, à organização
económica e à apropriação social.
Segundo as opiniões muitas vezes veiculadas em artigos de jornais e
revistas, especializadas ou generalistas, por consultores e diversos lideres
de opinião, ter-se-ia assistido durante os últimos anos a uma convergên-
cia em diversas dimensões do universo dos media. Embora a fusão de
grandes gigantes dos media como a AOL e Time Warner (Castells, 2004)
2
Utilizando uma sugestão de McLaughlin (Ortoleva, 2004), pode-se descrever
convergência como sendo o superar das barreiras económicas e institucionais, possi-
bilitada pelo advento do digital, que subdividiam os media em quatro grandes secto-
res: o editorial dominado pelo sector privado de imprensa e tutelado pelo copyright,
o dos transmissores, isto é das redes de distribuição que engloba o sector postal e
telecomunicações e Internet, o do broadcasting baseado na publicidade, e o do har-
dware baseado na produção e distribuição de aparelhos destinados à comunicação
(das câmaras de vídeo, às aparelhagem estéreo, cassetes e periféricos).
226
tenha suscitado diversos processos de mimetismo em todo o mundo
desenvolvido (o que, em Portugal, poderia ser ilustrado pela aquisição
da Lusomundo pela Portugal Telecom), na realidade a gestão continuou
essencialmente assente na lógica de unidades de gestão diferenciadas
(veja-se a Sony Records e os seus processos contra a troca ilegal de música
na Internet e simultaneamente a promoção do mp3 pela divisão Sony de
hardware nos seus walkman).
Também na dimensão tecnológica as tentativas de incorporação de
diferentes tecnologias de media previamente apropriadas socialmente
(como a televisão e o computador) em aparelhos únicos tiveram dimen-
sões de sucesso diferenciadas (a webTV foi um falhanço mas os telemó-
veis transformaram-se em walkmans).
A argumentação aqui apresentada é de que o actual sistema dos
media parece encontrar-se assim organizado não em função da ideia de
convergência, possibilitada pelo digital, mas pela articulação em rede.
Como se estrutura essa articulação em rede? Uma segunda hipótese
que aqui se propõe é que o sistema dos media se articula cada vez mais
em torno de duas redes principais, as quais por sua vez comunicam entre
si através de diferentes tecnologias de comunicação e informação. Essas
redes constituem-se respectivamente em torno da televisão e da internet
estabelecendo nós com diferentes tecnologias de comunicação e infor-
mação como o telefone, a rádio, imprensa, etc.
O porquê da existência de duas redes principais? A resposta é comple-
xa, no entanto, poder-se-á aventar a hipótese de que tal estará relaciona-
do com as dimensões de interactividade possibilitadas tecnologicamente
por cada uma daquelas redes e a valorização social dessas diferentes
dimensões interactivas. Uma leitura que surge da análise das práticas de
fruição, para a qual é fundamental a noção de matriz de media3.
Fruto da introdução na televisão de um novo grau de interactividade
aquela está a evoluir para o que se pode designar por televisão em rede.
Esta é aberta ao público no sentido em que a televisão continua a ser o
3
Originalmente proposta por Meyrovitz (1993) pretende-se sublinhar o facto de
todos os indivíduos, subjectivamente, tenderem a estabelecer uma hierarquia mental
entre os diversos tipos de media e o lugar que estes ocupam na vida quotidiana. Hie-
rarquias essas que, sendo estritamente individuais, são simultaneamente partilhadas
socialmente.
227
media que chega ao maior número de pessoas, não necessitando assim de
obter uma nova legitimidade. Em vez disso, a televisão assume-se como
parte de uma rede maior de tecnologias de mediação, relacionando-se
com outras tecnologias, mas não perdendo a sua característica de suces-
so que reside no baixo nível de interactividade com o telespectador (ou
no seu modelo comunicacional de interactividade).
A televisão em rede diferencia-se também da televisão interactiva no
sentido em que não se desenvolve sob uma capa de convergência tecno-
lógica. Ao invés, combina várias tecnologias de comunicação, analógicas
e digitais, interagindo em forma de rede com o intuito de promover a
interactividade com os seus telespectadores.
Assim, a televisão em rede desenvolve-se num ambiente de divergên-
cia tecnológica, o que fica demonstrado através da análise dos dados
recolhidos em que fica patente a utilização, ainda que escassa, de vários
meios, como o telefone, SMS, e-mail e internet como formas de os te-
lespectadores interagirem com os programas. Por outro lado, a análise
mostra que a televisão interactiva tem ainda um peso residual, tanto na
sua penetração nos lares portugueses, como na interacção entre telespec-
tadores e TV.
Daí que a resposta provável à questão colocada por Els de Bens
(1998) – sobre se o telespectador verá no futuro, os seus programas,
num televisor ou num computador – seria que: baseado nas observações
das práticas sociais com os media, os dois universos encontram-se separa-
dos, embora comunicando entre si. Na televisão ver-se-ão determinados
programas e interagir-se-á num ambiente em rede que pode combinar
o envio de e-mails, SMS, o telefonar a partir de um telemóvel ou de um
telefone fixo, para dar uma opinião, seja ela através de argumentação ou
pelo simples voto.
Com um computador comunicar-se-á dialogando com outros utiliza-
dores de computadores, procurar-se-á informação específica ou dar-se-á
ainda uma volta pelas montras das diversas páginas web, não seguindo
qualquer percurso predeterminado. E se, para além de telespectador, se
for utilizador de internet ir-se-á porventura passar menos 30 a 40 minu-
tos por dia a ver TV, pelo menos por enquanto.
228
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 7
Referências identitárias, práticas de cidadania
e utilização da internet
E
ste capítulo incide sobre dois temas distintos, mas relacionados.
Em primeiro lugar, analisam-se essencialmente indicadores de
referências identitárias e discutem-se processos de construção
de identidade na sociedade portuguesa actual. Seguidamente, focam-
-se dimensões relativas à acção colectiva, dando especial atenção ao
exercício de algumas práticas de cidadania. Pretende-se contribuir para
compreender as implicações que o uso da internet tem nas questões
identitárias e nas de participação social e política.
A identidade não pode ser vista apenas como uma lista de caracte-
rísticas, mas antes como uma construção simbólica e interaccional que
conjuga elementos de memória e de projecto adquiridos e desenvolvidos
pela prática social (Castells e outros, 2003; Costa, 1999). Esta concep-
tualização transparece nos indicadores aqui utilizados para a análise das
referências e práticas identitárias.
As representações e os sentimentos de identificação manifestam-se
como autodefinições e ao mesmo tempo como factores de coesão colec-
tiva. Neste capítulo, e com o objectivo de analisar algumas dimensões
fundamentais das construções de identidade individual e colectiva, são
examinados, antes de mais, as hierarquias gerais de referências identi-
tárias, sendo depois objecto de atenção mais específica as referências
históricas e territoriais.
229
de aspectos da vida social corrente com os quais se podem identificar
de maneira mais ou menos acentuada: o trabalho, a família, a cultura,
a língua, a religião, o país, o género, a idade, a natureza, a humanidade,
consigo próprios e com nada em especial. O objectivo era conseguir que
fosse referido o principal aspecto de identificação e para isso era pedido
que seleccionassem apenas uma única resposta desta lista de categorias.
Cerca de metade dos portugueses (47,7%) elege como principal
referência identitária a família, seguida a muita distância de 15,8% que
afirmam identificar-se fundamentalmente consigo próprios. Estas duas
categorias são coincidentes com as que se salientaram na Catalunha
(Castells e outros, 2003: 217), embora a identificação com a família seja
ainda mais elevada entre os catalães e a identificação principal consigo
mesmo desça para cerca de metade. A cultura e o trabalho são as catego-
rias que, em Portugal, recolhem o terceiro e quarto lugar de identifica-
ção, com 6,4% e 6,1%, respectivamente.
Tentando perceber melhor estes sentimentos de identificação, cru-
zou-se esta informação com algumas características sociográficas dos
indivíduos, tais como a idade e o sexo, e ainda a declaração de se ser
utilizador ou não da internet.
Quadro 7.1 Aspectos com que mais se identificam, segundo escalões etários (%)
230
Há alguns aspectos a salientar quando se ventilam os resultados das
principais referências identitárias por escalões de idade (quadro 7.1). O
primeiro diz respeito ao escalão mais jovem (dos 15 aos 29 anos), em
que as referências identitárias à família, sendo as principais, apresentam
comparativamente com as outras faixas etárias os valores mais baixos
(39,5%), seguidos dos da identificação consigo próprio, neste caso a
comparativamente mais elevada (21%) e aparecendo em terceiro lugar
a identidade geracional ou etária, com valores na ordem dos 10%. O
segundo aspecto a referir, em oposição, está relacionado com o escalão
mais velho (acima dos 50 anos) em que a referência identitária familiar
para além de ser a principal é também a que tem valores comparativa-
mente mais elevados (52,6%); o sentimento de identificação consigo
próprio mantém-se em segundo lugar mas com valores mais baixos
(11,8%), e como terceiro aspecto citado surge a religião (6,9%). Por
último, no escalão dos 30 aos 49 anos, para além das duas primeiras
referências surgirem com os valores mais próximos da média global, a
terceira é também um aspecto que ainda não tinha sido referido – o
trabalho (9%). Estes resultados mostram claramente alguns denomina-
dores comuns identitários bastante estabilizados (sobretudo a família) e,
ao mesmo tempo, alguma especificidade geracional nas referências iden-
titárias. Se os jovens acentuam as auto-referências individuais, os adultos
em idade activa convocam a referência profissional, e os mais velhos a
referência identitária religiosa.
Homens e mulheres partilham as duas principais referências identi-
tárias com a família e eles mesmos. No entanto, o terceiro sentimento
de identificação masculino registado foi com a cultura (categoria infeliz-
mente demasiado vaga) – 8,1% – e o feminino foi com a vida profissional
– 5,2% – o que é significativo da importância dos processos de crescente
profissionalização das mulheres verificados nas últimas décadas.
As principais referências identitárias dos utilizadores de internet
(quadro 7.2), são também com a família (41,0%) e consigo próprios
(17,9%). Os não utilizadores distribuem-se de modo semelhante, mas
com alguma diferença nos valores obtidos – com a família (50,5%) e
consigo próprios (14,9%).
A análise mostra, pois, que a família é inequivocamente a principal
referência identitária mencionada pelos portugueses, em termos compa-
rativos, como aliás se tem verificado repetidamente noutros estudos e
231
para a generalidade dos países, seguida mas de longe pela referência de
identificação consigo próprios. As variações a registar dizem essencial-
mente respeito à idade dos entrevistados – os mais jovens identificam-se
sobretudo com a família, mas são também mais centrados em si próprios
e na sua geração enquanto que os mais velhos optam por outro tipo de
referências, como designadamente, o trabalho ou a religião.
Quadro 7.2 Aspectos com que mais se identificam, segundo utilização da internet
(%)
232
Referências identitárias históricas
233
te muito acima do que os não utilizadores (4,9%). A integração na socie-
dade em rede pode ter aqui algum efeito de alargamento dos universos
de referência a um âmbito mais global.
234
Em conclusão, as principais referências históricas dos portugueses
dizem respeito a acontecimentos nacionais recentes e muito marcantes
na vida social e política do país, como é exemplo o já referido 25 de Abril
de 1974, seguidas a muita distância das referências religiosas e pessoais.
Sendo o Natal uma das datas mais significativas na categoria das datas
religiosas1, é razoável admitir que a referência envolve não só dimensões
de carácter religioso mas também uma dimensão familiar e uma dimen-
são de celebração comunicativa, lúdica e, até, comercial que essa data
contém na sociedade portuguesa, tal como, aliás, na generalidade das
sociedades ocidentais.
235
A referência ao território nacional é também significativa (um quarto
dos portugueses refere-a em segundo lugar), embora não tão elevada,
por exemplo, como a identidade territorial dos catalães com a região da
Catalunha, a qual surge em primeiro lugar com 31,9% (Castells e outros,
2003: 215).
Não se pode deixar de salientar também os ainda fracos níveis de
identificação dos portugueses com a Europa (2,5%) e com o Mundo
(4,1%). Valores que assumem uma proporção um pouco diferente quan-
do filtrados, por exemplo, pela utilização da internet, como se constatará
de seguida.
O padrão de identificação territorial entre utilizadores e não utiliza-
dores de internet (quadro 7.5) apresenta, com efeito, algumas diferenças.
É entre os cibernautas que a identificação com o local em que nasceu
é mais baixa (31%) comparativamente com os não utilizadores (45,5%).
Já em relação à identificação com o território português passa-se o con-
trário – a referência mais alta é entre os utilizadores de internet (28%),
sendo quase menos cinco pontos percentuais a indicação desta categoria
realizada pelos não utilizadores de internet (23,8%).
A destacar, ainda, a maior identificação no grupo dos utilizadores
com a Europa (4,9%) e com o Mundo (9%), em comparação com os que
não utilizam a world wide web (1,5% e 2,1%, respectivamente).
236
Mais uma vez, estes resultados parecem indiciar uma maior amplitu-
de de referências globais (como por exemplo, com a Europa e o Mundo)
entre os cibernautas quando comparados com os indivíduos que se de-
claram como não utilizadores de internet. Claro está que é entre os mais
jovens que estas referências também surgem com maior destaque para
o processo de construção da identidade. Relembre-se que Portugal só
aderiu à então Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, não
tendo sequer completado ainda duas décadas enquanto país participan-
te no processo de integração europeia.
Há contudo outros indicadores que parecem reflectir a crescente
importância da União Europeia na vida quotidiana dos portugueses.
Um pouco mais de um quinto dos inquiridos (21,6%) revela que se sente
mais europeu desde a mudança do escudo para o euro e essa percenta-
gem é ainda mais elevada no grupo dos utilizadores de internet (31,2%).
Dos não utilizadores, 17,6% declaram que se sentem mais europeus a
partir da entrada do euro em circulação.
Ainda em relação à Europa, e quanto ao orgulho de ser europeu,
são quase 3⁄4 dos inquiridos (72,5%) que respondem positivamente a
esta questão. No grupo dos utilizadores de internet a percentagem das
respostas afirmativas sobe para 81%. Descendo cerca de dez pontos
percentuais a opinião dos não utilizadores sobre esta mesma questão,
são também 69,1% deles que sentem orgulho em serem europeus. Há,
portanto, indícios de um sentimento de pertença à Europa já bastante
enraizado, em particular nos utilizadores de internet.
237
proximidade às estruturas do poder democrático, associativo, etc., bem
como uma maior facilidade de contacto e interacção. Contudo, isso não
se tem verificado inequivocamente nem de forma muito alargada, conti-
nuando ainda pouco disseminada a utilização da internet, por exemplo,
nos contactos com a administração pública ou com os diferentes órgãos
do poder central e local. Estes são alguns dos indicadores que se anali-
sam de seguida, começando pela pertença e participação associativa.
Em Portugal, 1 em cada 5 pessoas pertence a uma qualquer entidade
associativa (quadro 7.6). São os utilizadores de internet que mais perten-
cem a associações ou grupos associativos, em comparação com os não
utilizadores, com uma diferença assinalável de mais de 12% acima destes
últimos. Enquanto que no primeiro grupo, 29,7% declaram pertencer
a uma qualquer entidade associativa (associação, clube, organização não
governamental, sindicato ou partido político), entre os não utilizadores
de internet são só 17,3%. Visto de outra maneira, a grande maioria
dos portugueses (78,9%) – utilizadores ou não utilizadores de internet
(69,6% e 82,6% respectivamente) – não pertence a nenhuma estrutura
de tipo associativo.
Alguns dados adicionais são interessantes de referir no que toca à
análise das pertenças associativas. São os homens que mais pertencem
a estruturas deste tipo (29,1%) quando comparados com as mulheres
(13,3%). E é no escalão etário dos 30 aos 49 anos que a pertença associa-
tiva adquire maior significado (25,1%), seguido do dos mais jovens (15
aos 29 anos) com 20,1% e, por último, do dos indivíduos com 50 ou
mais anos (17,7%).
238
A pertença associativa varia ainda numa relação directamente pro-
porcional aos níveis de escolaridade atingidos pelos inquiridos, ou seja,
quanto maior é a escolaridade mais elevados são os valores de pertença
a estruturas ou grupos associativos. Apenas a título ilustrativo, refira-se
que a pertença a associações é de apenas 6,9% para quem não tem esco-
laridade ou tem o 1º ciclo incompleto, chegando aos 35,3% no grupo
dos indivíduos com o ensino superior.
Estes dados sobre a pertença associativa são ainda mais reveladores
quando se analisa o tipo de associações a que os inquiridos declaram
pertencer (quadro 7.7). Nos cinco primeiros lugares surgem as seguintes
pertenças associativas: associação/clube desportivo (46,2% dos que de-
claram pertencer a alguma associação); associação cultural e recreativa
(18,5%); sindicato (11,3%); associação profissional (10,4%); e associação
religiosa e paroquial (7,8%).
Mas será que a sociedade em rede influencia as pertenças associa-
tivas? Serão os utilizadores de internet mais activos civicamente? Terão
pertenças associativas específicas? Estas são algumas das questões a que
importa dar resposta de seguida, comparando, para tal, utilizadores e
não utilizadores de internet.
Nos utilizadores de internet, destacam-se como os cinco primeiros
tipos de associações a que mais se pertence, os seguintes: associação/
clube desportivo (50,4%); associação cultural e recreativa (20,9%); sindi-
cato (19,2%); associação profissional (15,8%); e partido político (7,6%).
Nos não utilizadores esses cinco primeiros lugares são ocupados por:
associação/clube desportivo (43,2%); associação cultural e recreativa
(16,7%); associação religiosa e paroquial (9,1%); associação profissional
(6,6%); e sindicato (5,7%). É também de salientar a pertença de 21,6%
dos não utilizadores a outras entidades, de entre as quais se destacam os
bombeiros e as associações de apoio social.
As associações de tipo desportivo são, pois, as que recolhem maior
número de membros de entre todos os tipos de entidades associativas
analisados, mantendo-se uma diferença de sete pontos percentuais en-
tre a pertença a este tipo de associação pelos utilizadores de internet
(50,1%) e pelos não utilizadores (43,1%).
239
Quadro 7.7 Tipo de entidade associativa a que pertence, segundo utilização da
internet (% dos que pertencem a alguma associação)
Não
Tipo de entidade associativa a que Utilizadores Total
utilizadores
pertence (n=211) (n=513)
(n=302)
Associação/clube desportivo 50,4 43,2 46,2
Associação cultural e recreativa 20,9 16,7 18,5
Sindicato 19,2 5,7 11,3
Associação profissional 15,8 6,6 10,4
Associação religiosa e paroquial 6,0 9,1 7,8
Partido político 7,6 4,0 5,5
Associação de vizinhos 2,3 4,8 3,8
Associação da terceira idade 1,2 5,5 3,7
Associação ou ONG solidária 1,7 3,3 2,7
Associação de jovens 4,7 ,6 2,3
Associação de denúncia e reivindicação
para a defesa dos direitos humanos ou
civis, anti-racistas ou similares 0,4 3,5 2,2
Associação de pais e mães de alunos 3,3 0,7 1,8
Associação protectora de animais 3,7 0,4 1,8
Associação de consumidores 1,4 1,5 1,4
Associação ecologista 1,3 0,7 1
Associação excursionista 0,0 0,0 0,0
Associação de mulheres 0,0 0,0 0,0
Outra 10,5 21,6 17,0
240
surge entre os utilizadores de internet (1,41) em comparação com os que
não a utilizam (1,27). Quanto à participação activa dos portugueses nas
associações a que pertencem, o valor médio é de 0,95 – sendo ainda
um pouco maior a diferença entre cibernautas (1,04) e não utilizadores
de internet (0,88). Relativamente ao uso da web para se relacionarem
com as associações a que pertencem, o valor médio desce para 0,33. O
quadro seguinte evidencia estas distribuições tendo em conta o número
total de associações.
241
pertencem e em que participam, estes são, sem dúvida, os indivíduos
que funcionam na sociedade em rede de modo mais integrado e que
mais usam as potencialidades comunicativas desta forma de organização
social.
242
Mais uma vez, é no grupo dos utilizadores que surge uma adesão mais
forte a campanhas de solidariedade e uma maior participação cívica e so-
cial. Em geral, 26,9% dos utilizadores de internet já apoiaram ou partici-
param numa acção de solidariedade. Em contrapartida, só 10,2% dos não
utilizadores de internet já participaram ou apoiaram acções idênticas.
A utilização de internet em aspectos relacionados com campanhas
que apoiam ou em que participam (quadro 7.10) é referida por 23,1%
dos cibernautas que já desenvolveram acções deste tipo (1,8% da popu-
lação portuguesa e 6% dos cibernautas).
243
Timor, como exemplo de participação cívica e social
%
Formas de participação em acções de protesto e (N=352, todos os que
n
solidariedade com o povo de Timor participaram em pelo
menos uma acção)
Parar o país por 3 minutos 276 78,3
Vestir de branco/colocar faixas brancas na janela 117 33,3
Dístico no carro em apoio de Timor-Leste 38 10,9
Envio de faxes/e-mails para as Nações Unidas 26 7,4
Manifestação junto à embaixada dos Estados
18 5,1
Unidos em Lisboa
Envio de faxes/e-mails para os países do Conselho
15 4,3
de Segurança da ONU
Lançar flores aos rios 15 4,2
Abaixo-assinado em páginas web 14 3,9
Votação na página web da CNN ou BBC sobre
8 2,3
apoio à intervenção militar
Envio de faxes/e-mails para a Presidência Indonésia 4 1,2
Manifestação junto à embaixada Indonésia em
1 0,2
Madrid
244
Já entre os utilizadores de internet são 22,2% os que participaram,
em Setembro de 1999, nalguma acção de protesto ou solidariedade para
com os timorenses, enquanto que no segmento dos que não utilizam a
internet são apenas 11,2% os que afirmam ter desenvolvido algum tipo
de iniciativa.
Quanto às formas de manifestação/participação (quadro 7.12), as
que mais se destacam foram parar o país por 3 minutos (78,3%), vestir
de branco ou colocar faixas brancas nas janelas (33,3%) e colocar um
dístico no carro em apoio de Timor-Leste (10,9%).
245
A primeira foi realmente desenvolvida por uma larga maioria dos
portugueses que declararam ter participado nalguma acção de protesto
ou solidariedade para com o povo de Timor, mas a segunda e terceira
apresentam valores significativamente mais baixos.
Analisando agora estas formas de manifestação/participação segun-
do a declaração de se ser ou não utilizador de internet (quadro 7.13) não
se encontram diferenças quanto à distribuição preferencial pela lista de
opções relativamente ao conjunto da população portuguesa, destacando-
-se como primeira opção parar o país por três minutos (cerca de 78%,
nos dois conjuntos).
O vestir de branco e/ou colocar faixas brancas nas janelas é a se-
gunda opção mas com diferenças significativas de participação – sendo
41,7% no grupo dos utilizadores de internet e 26,5% no dos não utili-
zadores. São também significativas as diferenças registadas em todas as
acções que implicam o uso de equipamentos tecnológicos ou da platafor-
ma web, como seria de esperar, com taxas de participação mais elevadas
entre os utilizadores de internet. Os abaixo-assinados em páginas web ou
os envios de fax/e-mails para as Nações Unidas ou para os países do Con-
selho de Segurança da ONU são as iniciativas em que essas diferenças
são mais notórias.
246
de iniciativa deste género, apesar das queixas bastante comuns sobre
o funcionamento da administração pública portuguesa na sua relação
com os cidadãos.
247
a cidade em que vivem (20,3%) realizados pelos utilizadores são sempre
mais altas do que as registadas pelos não utilizadores (1,7% e 11,4%,
respectivamente), são porém mais baixas do que as relativas aos órgãos
do estado e da administração pública. Na população em geral, apenas
3,1% dos inquiridos referem já ter escrito uma carta para manifestar a
sua opinião junto de um director de uma publicação, valor que sobe
para 14% quando se trata dos contactos com os órgãos do poder local
– Câmara Municipal ou Junta de Freguesia.
Já no que se refere à utilização do correio electrónico como meio
para realizar esses contactos, é interessante notar que este recurso é mo-
bilizado mais frequentemente quando se trata de contactar os meios de
comunicação social do que quando a mensagem é dirigida a instituições
do poder local.
248
Quadro 7.15 Opiniões sobre as relações cidadãos-governos (%)
249
Quadro 7.16 Opiniões sobre as relações cidadãos-governos, segundo utilização de
internet (%)
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todos os itens).
250
De salientar o perfil dos utilizadores de internet que se foi encon-
trando ao longo destas análises. Quando se comparam os dois grupos
– cibernautas e não utilizadores de internet – os primeiros tendem a
aparecer como cidadãos mais convencidos de que é possível influenciar
as decisões políticas e os acontecimentos mundiais, acreditando que
uma das formas disso se concretizar é através da mobilização colectiva.
E, de um modo geral, parecem posicionar-se como potencialmente mais
intervenientes social e politicamente.
Poderá concluir-se então que a internet não só potencia novas opor-
tunidades de participação e contacto com as diferentes estruturas de
poder, como também os seus utilizadores se apresentam como cidadãos
mais interessados, participativos e mobilizados para a acção individual e
colectiva. Sendo estes como se sabe, os mais jovens e escolarizados, po-
dem antever-se aqui grandes transformações na forma como a cidadania
poderá vir a ser exercida no contexto da sociedade em rede.
251
252
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 8
Portugal na transição para a sociedade em rede:
uma clivagem geracional?
A
sociedade portuguesa que aqui se procura retratar é, tal como
a sociedade catalã (Castells e outros, 2003), também uma so-
ciedade em transição em quase todas as suas dimensões. Da
educação à esfera produtiva, da dimensão cultural à social e política.
No entanto, as causas dessa transição são diferenciado dado o con-
texto em que cada sociedade evolui e de onde essa mesma evolução
parte. Se a transição na sociedade catalã (Castells e outros, 2003) se fica
em muito a dever à obtenção do estatuto de autonomia da Catalunha a
partir de 1980, já em Portugal a data a partir da qual se pode traçar uma
divisória e os motivos para a mesma são claramente diferentes.
Em comum ambas as sociedades têm uma história recente de regimes
ditatoriais, em Portugal o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano e
em Espanha o Franquismo. O 25 de Abril de 1974 em Portugal marca
uma revolução política, de um regime ditatorial para uma democracia,
mas também uma revolução económica de um modelo corporativista de
mercado fechado (assente na relação estreita entre Portugal e as suas co-
lónias africanas) para uma economia de mercado regional (União Euro-
peia) e global. A par dessa revolução política e económica encontram-se
igualmente mudanças radicais na dimensão cultural e social e também
na esfera da educação (Rosas, 1999; Viegas e Costa, 1998). Os anos de
1974 a 1976 são anos de transição para um modelo diferente do anterior
a todos os níveis (Rosas, 1999).
Embora a consulta pública sobre a reforma educativa tenha apenas
lugar em 1980 e a aprovação da lei de bases da educação em 1986, os
anos entre a Revolução de 1974 e 1980 foram anos de profundas mudan-
ças ao nível da educação primária.
253
À escola foi atribuído um papel de elemento fundamental para a
formação dos cidadãos da nova sociedade que se desejava democrática
e as preocupações dos responsáveis políticos para a área da educação fo-
ram desde logo sistematizados como é visível no programa do I Governo
Provisório: “democratizar a escola, mas de modo que funcione com efi-
ciência, garantindo a qualidade da educação, ensino, pesquisa, científica
e criação cultural”. E pela primeira vez desde a 1ª República foram elabo-
rados novos programas para o ensino primário (Mónica, 1978; Capelo,
s.d.). A própria escola muda na sua concepção base transformando as
suas lógicas pedagógicas (Capelo, s.d.), combinando a função principal
de transmissão de saberes organizados com a de ajudar o aluno a tornar-
-se crítico, desenvolver a criatividade e trabalhar em grupo.
Também ao nível dos media o 25 de Abril marca uma mudança
radical de contexto e práticas na comunicação social (Oliveira, 1992).
Durante o século XX podemos individualizar um conjunto de aconteci-
mentos marcantes para a comunicação social e que vão da instauração
da República em 1910 até à integração europeia em 1986. Dois desses
acontecimentos ocorrem no período compreendido entre 1974 e 1976
e são a revolução de 25 de Abril e o período revolucionário em curso,
vulgo PREC (Oliveira, 1992).
No período compreendido entre 1974 e 1979 podemos identificar
três momentos definidores do sistema dos media que hoje conhecemos:
a libertação que ocorre logo a seguir ao 25 de Abril, com o fim da censu-
ra e o prevalecimento de uma total liberdade de expressão, a estatização
que decorre durante 1975 (e afecta em particular a imprensa e televisão)
e a regulação legislativa de 1979 que vem definir de muitas formas o
quadro jurídico-geral da comunicação social.
Os anos entre 74 e 79 foram os anos da pulverização das rádios
livres (vulgo piratas) e também de inovação na imprensa escrita com o
surgir de jornais diários fruto de projectos comerciais, como o Correio
da Manhã, de semanários de carácter também privado e do florescer da
imprensa desportiva (Oliveira, 1992). Na Televisão, 1978 marca a reno-
vação da RTP a todos os níveis, da formação às instalações, e em 1979 o
início das emissões a cores.
Os processos de socialização escolar e a socialização veiculada pelos
media acompanharam aqueles que, nascidos desde 1967, chegaram à
escola primária (hoje 1º ciclo de escolaridade) a partir do ano lectivo de
254
1974/1975 e viveram a sua infância e adolescência através de um modelo
democrático de difusão de informação, cultura e entretenimento.
Tendo o 25 de Abril de 1974 marcado assim de forma indelével a
sociedade portuguesa, e sendo possível em quase todos os indicadores
encontrar uma clara diferenciação de valores, atitudes, práticas sociais e
culturais entre aqueles que nasceram até 1967 e os que nasceram após
essa data, pareceu-nos que a explicitação dessa análise geracional com-
parativa poderia trazer esclarecimentos adicionais sobre as dinâmicas da
transição para a sociedade em rede no caso português. É disso que se
ocupa este capítulo.
255
No entanto, esses valores não são ainda suficientes para alterar a
sua caracterização em termos de uma população desinformada, pois se
tomarmos em conta algumas comparações internacionais, com dados
de 1999, veremos que embora em termos da percentagem de população
que não continuou ou seus estudos para além do 9º ano (74,6%) nos
aproximemos dos valores da Espanha (64,1%), estamos muito longe dos
21,5% dos Estados Unidos da América ou dos 24,1% da França (Castells
e outros, 2003).
Reino
Portugal Alemanha Hungria Itália Japão Coreia Espanha EUA
Unido
16 a 24 anos 80,1 58,8 59,6 45,1 66,4 80,6 95,1 70,2 90,8
35 a 44 anos 72,8 30,4 55,6 13,7 37,4 63,0 49,5 31,7 74,5
55 a 64 anos 38,7 5,4 31,6 4,3 9,0 22,2 11,5 11,7 67,3
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal, todos os restantes países WIP
(World Internet Project).
256
Quadro 8.2 Comparação internacional da taxa de utilização da
internet na população com o ensino secundário e superior (%)
Secundário Universitário
Reino Unido 64,4 88,1
Portugal 64,8 75,1
Alemanha 66,0 62,6
Hungria 14,6 45,5
Itália 53,5 77,3
Japão 45,7 70,1
Coreia 44,9 77,7
Macau 49,5 76,7
Singapura 66,3 92,2
Espanha 47,6 80,5
Suécia 76,4 83,8
Taiwan 18,2 54,9
EUA 61,0 87,1
Portugal nos intervalos de idade até aos 30 anos possui sempre mais
de 50% da população desse escalão etário como utilizadores de internet
existindo a partir daí uma quebra continuada e abrupta próximo dos
50 anos. Essa não é uma situação comum a todos os países analisados,
mas é similar à situação da Itália, da Espanha e da Catalunha países
e nações com os quais Portugal partilha situações similares no campo
da educação, nomeadamente ao nível do abandono escolar precoce e
de uma estrutura de competências educacionais de base relativamente
baixas (UNDP, 2003; Castells e outros, 2003).
A hipótese de um maior domínio das competências formais ligada
ao maior número de utilizadores da internet parece ser demonstrável1.
Independentemente das sociedades onde a análise se realiza, quanto
1
Obviamente que não se deve também esquecer a dimensão financeira que pode,
por exemplo, explicar os baixos valores associados à utilização na Hungria que é um
país com elevado grau de literacia e com índice de cobertura educacional semelhante
ao da Itália (UNDP 2003). A dimensão rendimento parece assim poder surgir como
condição necessária mas não suficiente para justificar a utilização da internet.
257
maior o número de pessoas com mais escolaridade maior o número
de utilizadores de internet. De facto, todas as análises internacionais
(Castells e outros, 2003) estabelecem uma correlação muito forte entre
o nível de educação formal e a utilização da internet. Uma correlação
também detectável na análise realizada na população portuguesa.
No caso português essa relação entre escolaridade e utilização de
internet ganha contornos de um fosso geracional. Não porque a inter-
net seja uma tecnologia dos mais jovens2 (eles poderão ser adoptantes
iniciais mas não existem à partida contornos de exclusividade geracional
dos usos), mas sim porque as competências educacionais mais elevadas
estão concentradas na população mais jovem.
São também aqueles que iniciaram a sua vida escolar após o 25 de
Abril que dominam melhor as tecnologias digitais, sejam elas o DVD
(22,3% vs. 68,3%) ou os jogos de consola ou para Pc (6,7% vs. 40,6%).
A sociedade portuguesa no despontar da sociedade em rede parece
assim ser uma sociedade onde, em termos educacionais, se tivéssemos
apenas em atenção todos os que nasceram após 1967 (quadro 8.3), en-
contraríamos uma sociedade mais bem preparada para os desafios da
era da informação e melhor posicionada na comparação com os dois
pólos de desenvolvimento em que Portugal, fruto da sua lógica de redes
de aliança e pertença político-económico-militar, se ancora: a Europa e
os Estados Unidos.
2
Embora as taxas de utilização sejam sempre mais elevadas entre estes, a ten-
dência é, nos diversos países analisados no WIP, de aproximação à estrutura popu-
lacional dos países em causa, como demonstram os casos dos EUA, Reino Unido e
Alemanha.
258
A diferença geracional é também evidente quando se comparam
práticas comunicativas. Tal é especialmente notório, não tanto no que
toca às actividades mais comuns (ver TV e encontrar-se com familiares e
amigos), mas ao nível das apropriações dos diferentes media e das práti-
cas culturais, desportivas e de culto religioso.
Assim, todas as práticas que fazem uso dos mass media (à excepção
da Tv) são mais frequentes entre os nascidos após 1967. Ouve-se mais
rádio (80,3% vs. 93,7%) e mais música (64,1% vs. 95,8%), lêem-se mais
jornais e revistas (68,7% vs. 88,8%), vai-se muito mais ao cinema (16,7%
vs. 66,7%) e lêem-se muitos mais livros (33,2 vs. 59,0%).
259
Também nas práticas culturais e identitárias colectivas há a registar
duas tendências diferenciadas. Por um lado, uma diminuição dos que
se deslocam à igreja ou outro lugar de culto religioso (57,7% vs. 36,6%)
e por outro lado um crescimento exponencial na participação em
acontecimentos populares, festas ou feiras (49,2% vs. 69,2%), assistir
a espectáculos ou competições desportivas (24,7% vs. 50,6%), ir bares,
discotecas, restaurantes e discotecas (44,7% vs. 80,0%) e ao teatro, ópera
e concertos (8,7 vs. 22,9%) ou ir a museus, exposições ou conferências
(11,8% vs. 23,2%).
Trata-se, assim, de uma população em que os mais novos procuram
muito mais as actividades culturais e os espaços de encontro colectivo
do que os mais velhos. Essa tendência é muito vincada, com diferenças
que oscilam em mais de 20%, pelo que se poderá aventar, para além dos
habituais contrastes inter-geracionais na ocupação diária dos tempos,
sobre a possibilidade de existir uma diferente concepção do que é a relação
entre o colectivo e o individual naqueles que nasceram depois de 1967.
Parece haver por parte das gerações mais novas, uma maior procura
de partilha colectiva de momentos e formas de estar que as actividades
públicas de encontro propiciam, ao mesmo tempo em que assistimos
também a um domínio maior das tecnologias de mediação.
Já nas práticas de cidadania social há aparentemente uma manuten-
ção da participação em manifestações e reuniões de sindicatos, partidos
e associações a um nível relativamente baixo (4,6% vs. 5,6%).
Os que viveram o período de socialização escolar e dos media no
pós-25 de Abril parecem assim não só possuir, como já foi referido, ou-
tras atitudes de relacionamento entre o individual e o colectivo como
também se caracterizam nas suas práticas por, a par da partilha com os
mais velhos de um visionamento televisivo elevado, realizarem um maior
equilíbrio entre a comunicação mediada pelas tecnologias de comunica-
ção e informação e aquela que acompanha o encontro face a face.
Para além do referido, as suas práticas denotam um muito maior
domínio das diferentes linguagens comunicativas e dos protocolos cultu-
rais existentes na sociedade, como demonstram os seus níveis de audição
de música, leitura, visionamento de filmes e outras artes do espectáculo.
Daí que não seja de admirar que esse domínio dos códigos e símbolos
comunicacionais se observe também em relação à formação profissional,
no interesse pela educação em geral e pelo desenvolvimento cultural.
260
Se considerarmos o mesmo tipo de denominação presente na pesquisa
realizada pelos investigadores do IN3 catalão (Castells e outros, 2003) em
que se identificam os dois grupos etários diferenciados entre jovens3 e adul-
tos (no estudo português pessoas de mais de 15 anos nascidos após 1967,
por um lado, e pessoas nascidas até 1967), por outro, podemos observar
que os mais jovens apresentam quase sempre percentagens de valor duplo
(e algumas vezes mais) quando comparadas com as dos mais velhos.
A leitura de livros, revistas especializadas ou documentação relacio-
nados com a profissão é quase três vezes superior entre os mais novos,
enquanto a participação em colóquios ou realização de curso ou acções
de formação é o dobro.
3
A denominação “jovem” é aqui apresentada num sentido mais lato do que a
que caracteriza um determinado grupo etário e com o objectivo de facilitar a leitura
e análise dos dados.
261
intermédias de rendimentos, com 74% dos lares dos jovens e 51% nos
mais velhos.
262
A figura 8.1 representa a distribuição de rendimentos dos agregados
familiares dos entrevistados em função da sua idade. Os lares que habi-
tam diferenciam-se de forma bastante desigual, ao contrário de outras
sociedades, como por exemplo a catalã, em que há um maior equilíbrio
entre gerações (Castells e outros, 2003).
Dentro do grupo dos mais velhos, cerca de 21% dos lares situa-se
num limiar de baixos rendimentos enquanto apenas 3% dos lares dos
mais jovens se encontra na mesma situação. Ao mesmo tempo, se com-
pararmos o perfil de estratificação de rendimentos em função da situa-
ção de activos ou inactivos, 53,9% dos inactivos mais velhos (reformados
ou incapacitados) estão no intervalo entre 0€ e 500€ enquanto só 5,5%
dos inactivos nascidos depois de 1967 se encontram em lares dentro da
mesma categoria.
Em termos de rendimentos a sociedade portuguesa pode ser caracte-
rizada como tendo evoluído nos últimos trinta anos de um modelo de
distribuição de rendimentos característico das sociedades menos desen-
volvidas para um modelo de distribuição mais equilibrado.
No entanto, não evoluiu para o modelo de distribuição de rendimen-
tos das sociedades informacionais liberais, com uma configuração de
ampulheta, em que o centro se esvazia a favor das duas extremidades da
escala de rendimentos, mas sim para o modelo característico das socieda-
des europeias que partilham o modelo de estado-rede, exemplificado na
União Europeia (Castells, 2003b). Esse é o modelo em que predomina
uma configuração da distribuição de rendimentos em forma de diaman-
te, com uma classe média forte.
Portugal evoluiu assim para um modelo mais equilibrado, caracte-
rístico das sociedades industriais e de sociedades informacionais como
as escandinavas (Castells e Himanen, 2002), embora numa versão mais
polarizada do que estas.
O perfil de estratificação do rendimento dos lares portugueses
assume para os mais velhos uma configuração mais próxima de uma
estrutura piramidal de maior desigualdade (característica das sociedades
do terceiro mundo), diferenciando-se do perfil de estratificação corres-
pondente aos mais novos que se assemelha mais da configuração em
diamante (característica das sociedades industriais europeias).
Se a estrutura de rendimento dos lares portugueses é diferenciada
entre aqueles que acederam ao sistema educativo após 1974 e os que o
263
fizeram antes, também será de esperar que encontremos também dife-
renças no campo laboral.
Embora a população portuguesa com 15 e mais anos apresente uma
percentagem elevada de activos quer para os jovens (74,3%) como para
os mais velhos (53,6%), constituindo assim a população activa mais de
60% do total de indivíduos, assistimos a importantes diferenças na com-
posição dessas duas populações.
264
Mas ocorrem também semelhanças entre as duas populações, como
por exemplo na dimensão das empresas onde se trabalha. Mais de 50%
da população jovem e mais velha trabalha em empresas com menos de
10 trabalhadores e apenas 22% em empresas com mais de 50 trabalha-
dores, demonstrando assim a estrutura de pequenas e médias empresas
(a que teremos de juntar as estruturas descentralizadas do estado central
e autarquias) que caracteriza o tecido empregador português.
Voltamos a encontrar uma grande diferenciação entre as duas popu-
lações em análise, no tipo de contrato que caracteriza a sua actividade.
Assim se ao nível dos contratos sem termo existe uma relativa proximi-
dade entre os jovens e os mais velhos (respectivamente 56,1% e 50,4%),
já ao nível dos contratos sem termo ou a prazo encontramos fortes dis-
paridades. Entre os jovens esses contratos representam 26,6% enquanto
nos mais velhos apenas 5,2%. Também ao nível dos que não possuem
contrato existe uma relativa proximidade, embora os jovens estejam mais
vezes nessa situação (8,8%) que os nascidos até 1967 (6,8%).
265
Quando comparada, por exemplo, com a Catalunha (Castells e outros,
2003) a proporção de trabalhadores por conta própria em Portugal é supe-
rior. Representa no total 23% do total da população activa, sendo 31,5%
dos mais velhos que se encontram nessa situação e 14,6% dos mais jovens.
A pergunta que ocorre é a de saber se há então de facto um baixo
nível de empreendedores entre a população, ou não. Quando comparan-
do com a Catalunha a resposta parece ser não. Os valores para Portugal
são claramente superiores. Portugal parece aproximar-se da estrutura de
emprego italiana em que cerca de um quarto da população trabalha por
conta própria (Castells, 2002).
Esta resposta, no entanto, precisa de ser qualificada, pois sabe-se
que, em muitos casos, ser trabalhador por conta própria decorre de uma
lógica de precarização no mercado de trabalho, suscitada pelas entidades
patronais que procuram diminuir os vínculos contratuais. Muitos outros
casos, porém, correspondem à efectiva iniciativa empresarial. Algumas
pistas adicionais podem ser visíveis noutros dados da nossa análise.
Ao responderem à pergunta sobre se teriam preferido trabalhar por
conta própria, sendo os seus próprios chefes, mesmo que tivessem me-
nos segurança profissional, os inquiridos revelam claramente um fosso
geracional. Para os nascidos até 1967 apenas 29,7% referem preferir essa
opção contra 40,5% dos jovens. Há assim, aparentemente, um maior
espírito de risco e inovação profissional por parte dos mais jovens.
No entanto, a resposta anterior tem de ser temperada com os dados
do quadro seguinte.
266
O “próprio esforço” enquanto elemento motivador do sucesso é
mais valorizado pelas novas gerações em detrimento da “sorte” e, sendo
esse um elemento incontrolável pelo indivíduo, há aparentemente uma
evolução cultural positiva face à procura de atingir as metas pessoais por
si próprio, condições favoráveis à iniciativa empresarial.
Também ao nível da estabilidade laboral os dados indicam uma
diferença geracional. Quando questionados sobre o número empresas
e/ou organizações diferentes em que trabalharam nos últimos 5 anos,
incluindo a empresa/organizações onde trabalham actualmente, os mais
jovens possuem um padrão de mobilidade muito superior (cerca de 30%
dos jovens durante os últimos 5 anos trabalhou entre 2 e 4 organizações
ou empresas diferentes).
Se essa mobilidade se fica a dever a despedimento ou não renovação
de contratos é uma pergunta a que só parcialmente se pode responder.
Embora não o possamos comprovar com base nos dados apresentados
podemos no entanto, baseados nas representações dos mais jovens, aven-
tar a hipótese de que haverá também uma significativa percentagem dos
jovens que realiza a mudança por escolha própria associada à procura de
melhores condições ou então à realização profissional mais condizente
com os seus objectivos de realização pessoal (Himanen, 2001), demons-
trando assim uma tendência maior para a flexibilização da permanência
no mercado de trabalho característica das sociedades informacionais
(Castells e outros, 2003).
267
No que respeita ao número de vezes em que os inquiridos se encon-
traram desempregados nos últimos dois anos, os jovens estiveram mais
vezes desempregados que os mais velhos (96,2% dos mais velhos não
estiveram desempregados contra 82,7% dos jovens).
No entanto, quando consideramos a duração da situação de desem-
prego ela apresenta comportamentos temporais similares para as duas
populações, isto é, em média o período de desemprego não apresenta
diferenças visíveis, como se pode depreender da análise da figura 8.2.
268
Quadro 8.10 Tipo de entidade empregadora, segundo geração (%)
269
O quadro seguinte confirma essa capacidade de aprendizagem e de
relação entre a dimensão educativa e a apropriação e uso da internet,
enquanto tecnologia de informação e comunicação, quer em geral quer
no mundo profissional.
270
vezes para além das 40 horas semanais). Mas ao mesmo tempo os seus
membros também introduzem uma lógica de maior mobilidade no
mercado de trabalho porque buscam locais de trabalho onde exista um
maior equilíbrio entre o que se aufere e a realização pessoal. São também
os mais jovens que cada vez mais constituem a mão-de-obra do sector
privado, mantendo-se o sector público mais envelhecido e como tal me-
nos propenso a adquirir e favorecer as características valorizadas geracio-
nalmente por esta faixa jovem (maior iniciativa, formação profissional,
competências tecnológicas e maiores competências educativas formais).
Por outro lado, temos os sectores populacionais nascidos até 1967,
os quais cresceram num sistema educacional de menores oportunidades
para quem pretendia prosseguir os estudos, numa sociedade onde o
acesso à cultura e à formação era só possível a uma fracção reduzida da
sociedade e em que a rádio, imprensa e televisão eram alvo de censura.
Esses grupos etários são caracterizados por maior estabilidade profis-
sional e menor investimento e disponibilidade para a formação profissio-
nal, assim como uma menor familiaridade com as novas tecnologias e uma
consequente menor integração das mesmas nos processos de trabalho.
Como Manuel Castells (Castells e outros, 2003) afirma, a relação
dentro do mundo de trabalho é essencial para o posicionamento dos
indivíduos dentro da estrutura social.
Como vimos anteriormente, encontra-se uma estrutura de rendi-
mentos mais desigual entre os nascidos até 1967 do que no grupo dos
mais jovens. Essa estrutura de rendimentos deriva fundamentalmente
da posição que os indivíduos ocupam na estrutura ocupacional pelo que
é igualmente importante, para a presente análise, caracterizar em termos
geracionais comparativos essa dimensão da sociedade portuguesa.
Segundo os dados analisados a sociedade portuguesa mostra uma
ampla classe trabalhadora sendo cerca de metade da população (ou ten-
do sido, no caso de estarem actualmente desempregados ou reformados)
assalariados agrícolas, operários (qualificados ou não) e trabalhadores
dos serviços não qualificados. Se a esses valores adicionarmos 13,6% de
empregados administrativos, do comércio e serviços e 11,8% de trabalha-
dores independentes agrícolas ou não agrícolas com qualificações normal-
mente reduzidas, podemos considerar que, tal como em outras regiões do
sul da Europa (Castells e outros, 2003) também em Portugal a maioria da
população pode ser considerada população trabalhadora assalariada.
271
Quadro 8.12 Categoria socioprofissional, segundo geração (%)
272
Quadro 8.13 Actividade principal da empresa/organização em que trabalha,
segundo geração (%)
273
Uma sociedade aberta ao global e às sociabilidades em rede
274
modo a sociedade portuguesa é uma sociedade que partilha na sua
formação de identidade em grande escala os mesmos acontecimentos,
como se exemplifica pelas duas datas mais referidas nas duas faixas gera-
cionais: o 25 de Abril de 1974 e o Natal.
O quadro seguinte também demonstra que existem outras regulari-
dades ao nível da identidade. Pois, apesar das variações existentes entre
gerações a sociedade portuguesa é ainda uma sociedade maioritariamen-
te enraizada localmente.
Quadro 8.15 Local com que se identifica mais por geração (%)
275
concelho do mesmo distrito; 7,3 noutro distrito e 5,9 no estrangeiro. Va-
lores, aliás, muito próximos aos indicados para o número de familiares
quer noutro distrito quer no estrangeiro.
Introduzindo de novo o questionamento sobre o nível de abertura
da sociedade portuguesa num contexto informacional, a nossa análise
centrou-se sobre a componente de organização das sociabilidades em
rede possibilitada pela internet.
Procurou-se assim compreender até que ponto encontramos diferen-
ças entre utilizadores e não utilizadores de internet (que, como já vimos,
correspondem a populações tendencialmente mais jovens e mais velhas)
quanto às suas redes de sociabilidade familiar e de amizade, e a relação
estabelecida entre o uso de telemóvel e da internet.
Quanto aos contactos realizados com familiares e amigos pelo menos
uma vez por ano, eles ocorrem maioritariamente através do contacto
pessoal, seguindo-se o telefone e a internet.
Nos contactos telefónicos detecta-se o estabelecimento de uma re-
lação inversamente proporcional entre a distância e a frequência dos
contactos. Quanto mais distantes, menos frequentes são os contactos.
Se para a utilização do telefone para contacto com os amigos os va-
lores de utilização decrescem a partir do momento em que o contacto é
realizado com o estrangeiro, já com a família o decréscimo de utilização
ocorre a partir do momento em que a residência do familiar se situa fora
do distrito onde habita.
Figura 8.3 Familiares com que contacta pelo menos uma vez por mês
276
Figura 8.4 Amigos com que contacta pelo menos uma vez por mês
277
Assim, observa-se que para os utilizadores de internet, à medida que
o custo das chamadas, associado à distância, aumenta, também aumenta
o uso da internet (a qual possui um custo fixo independentemente da
distância da comunicação).
Em síntese, a sociedade portuguesa é caracterizada por uma sociabi-
lidade rica, baseada em relações familiares e de amizade. A sua matriz
baseia-se na proximidade de habitação no mesmo concelho. Ao mesmo
tempo, é perceptível uma maior intensidade das redes de sociabilidade
amicais e familiares entre aqueles que têm acesso à internet. A socie-
dade informacional assente nas redes propiciadas pelas tecnologias de
informação parece ser assim mais favorável à abertura à globalidade,
representada pelo aumento de intensidade dos contactos com amigos e
familiares no estrangeiro.
Se ao nível da formação da identidade ocorrem algumas diferenças
de ordem geracional, o mesmo não se pode dizer na dimensão das so-
ciabilidades.
Embora existam mais jovens a utilizar a internet, as diferenças ao
nível das sociabilidades não são tão visíveis na frequência dos contactos
mas sim na dimensão das redes e na flexibilidade destas, que por sua vez
são essencialmente produto da literacia tecnológica que permite diferen-
tes estratégias de gestão de redes de sociabilidades.
278
Um segundo factor fundamental nesta análise da participação cívica
na sociedade em rede é a relação de credibilidade estabelecida no triân-
gulo cidadãos-media-eleitos e também as modalidades e lógicas de acesso
praticadas pelos cidadãos através das diversas tecnologias de informação
colocadas à sua disposição.
279
No entanto, importa lembrar que para quebrar um círculo vicioso de
desconfiança não basta que a comunicação entre ambos se estabeleça, é
fundamental que exista motivação mútua.
Esta é uma situação ainda mais preocupante se atendermos à visão
de Cabral (2000) segundo a qual, dada a “terceira vaga democrática” e
a deslegitimação dos regimes políticos não democráticos, a qualidade
da democracia passará cada vez mais, não só pelos seus procedimentos
democráticos, mas também pelos benefícios materiais e imateriais dos
seus cidadãos, o que coloca uma pressão ainda maior nas relações entre
cidadãos e eleitos.
As condições políticas, mas também de organização, da relação entre
sistema dos media e política, interligam-se então com uma crise de cre-
dibilidade do sistema político na maior parte das sociedades ocidentais,
isto é, com um sentimento persistente de desilusão e desconfiança em
relação aos políticos e à política em geral por parte dos cidadãos, que se
demonstra de forma visível na elevada taxa de abstenção eleitoral, nos
baixos índices de confiança e nas diminutas taxas de participação em
associações tradicionais da sociedade civil.
Tal como o quadro 8.16 elucida, os cidadãos não abandonaram o
cenário político, podendo ser caracterizados como mais “críticos” pelas
suas elevadas expectativas na democracia enquanto ideal, e pelas suas
avaliações negativas da actividade actual das instituições representativas
(Norris, 2000, Castells, 2004b).
As respostas às perguntas formuladas no estudo, relativas à confiança
dos cidadãos nas instituições, apresentam resultados muito similares aos
de outros países (Castells e outros, 2003).
Assim 74% estão de acordo com a ideia de que “no mundo há umas
quantas pessoas que mandam e os cidadãos comuns não podem fazer
grande coisa para controlá-los”, e uns 77,8% concordam com que “para
as pessoas é difícil controlar o que fazem os membros do governo” (um
valor que traduz uma enorme descrença nos políticos quando compara-
do com os 59,5% da aplicação da mesma pergunta na Catalunha).
Ainda assim, a maioria dos portugueses acredita nas suas possibi-
lidades de agir para lutar contra os problemas do mundo a partir da
sua própria mobilização. Assim, 58,2% pensam que “as pessoas podem
influenciar os acontecimentos mundiais com mobilizações políticas e
sociais”, mas um número superior (67,3%) declara que “quando pensa
nas decisões políticas, dá-se conta que é impossível influenciá-las”.
280
Também ao nível da participação política a sociedade portuguesa é
uma sociedade em transição.
Os que realizaram a sua entrada na escola no pós-25 de Abril são
mais optimistas, acreditando na sua capacidade de influência no curso
das coisas a nível local e global.
São, também, mais individualistas, preocupando-se mais com os seus
assuntos do que com a resolução dos problemas do mundo. A aparente
contradição pode ser lida de outro modo, ou seja, os problemas do mundo
(como a fome, a guerra, as doenças) não se ganham através da elevada par-
ticipação em movimentos institucionalizados, mas sim pela prática diária e
pelos pequenos contributos que cada um pode dar. Algo que é possível de
inferir a partir também do maior grau de descrença no poder político.
Como consequência, há uma minoria significativa, mais de 15% da
população portuguesa, que já apoiou ou participou em campanhas sobre
temas como a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza,
a luta contra a pobreza, a igualdade da mulher, a defesa das crianças ou
outras idênticas, habitualmente ou ocasionalmente (sendo os valores
dos jovens neste último caso cerca de 6% mais elevados).
Os cidadãos podem ter perdido a confiança na participação política,
rejeitando a forma tradicional de “fazer política” através da pertença
partidária, mas continuam a acreditar em grande parte nos processos de-
mocráticos, dado que tendem actualmente a envolver-se numa “política
simbólica”, principalmente em questões de nível local, ecologia, direitos
humanos, família e liberdade sexual, para as quais consideram que os
políticos ortodoxos não apresentam interesse, respostas ou soluções.
É uma participação que pode ser comprovada com os níveis de parti-
cipação concreta no caso das acções de protesto ou solidariedade com o
povo de Timor em Setembro de 1999 (Cardoso, 2004b), em que 12,7%
dos mais velhos e 16,6% dos jovens estiveram envolvidos.
Também a este nível da participação cívica pode ser inferida a cons-
trução de uma sociedade em rede. Isto é, entre os que participam em
campanhas sobre temas como a defesa dos direitos humanos, a con-
servação da natureza, a luta contra a pobreza, a igualdade da mulher,
a defesa das crianças ou outras idênticas, a utilização da internet surge
referenciada em 20% dos casos.
Interessante é igualmente o facto de, apesar de sabermos que entre os
mais jovens o uso da internet é muito mais difundido, ambas as gerações
possuírem níveis idênticos de utilização neste tipo de campanhas.
281
Essa constatação, combinada com o facto de os utilizadores de inter-
net participarem mais habitualmente nesse tipo de campanhas, pode de-
notar que a utilização da internet na esfera da participação propícia uma
maior intervenção pela facilidade de comunicação que oferece a quem
quer intervir e também a quem se quer informar sobre essas temáticas.
282
Os jovens portugueses utilizam cada vez menos o telefone fixo e subs-
tituem-no pelo telemóvel. Ao mesmo tempo, embora a posse de televisão
continue uma constante, a televisão por cabo está muito mais presente
no dia-a-dia dos jovens do que no dos mais velhos.
Obviamente há que ter aqui em conta a relação de custo associada
a um bem e os rendimentos das duas populações, mas mesmo assim há
uma percepção entre os jovens do benefício de ter acesso a mais canais
que os mais velhos não partilham com a mesma intensidade.
Todas as tecnologias digitais estão mais presentes, quase sempre
no dobro da percentagem, nos lares dos jovens, revelando de novo a
associação que anteriormente havíamos estabelecido entre o maior grau
de escolaridade da população mais nova e a utilização da internet, um
fenómeno aqui extensível ao computador e mesmo às consolas.
A liberdade nos meios de comunicação tem nos graus de confiança
dos seus destinatários uma medida clara dessa constatação pela popula-
ção. Mas o grau de confiança também espelha até que ponto os fruidores
de um dado media possuem as competências para descodificar as mensa-
gens e estabelecer a hierarquia entre cada tipo de media.
O que de mais interessante sobressai da análise do grau de confiança
na informação é que a todos os níveis a geração nascida após 1967 possui
sempre valores de confiança superiores. E embora haja total concordân-
cia, entre as duas gerações, sobre que a informação obtida através da te-
levisão é a mais fidedigna e a dos jornais a menos, há também diferenças
na hierarquização entre gerações.
283
Assim, para a geração mais nova a rádio ocupa um papel mais central
enquanto que para os mais velhos que utilizam a internet esta é a segun-
da fonte mais fiável na sua hierarquia mental entre os diversos tipos de
media, isto dentro da sua matriz de media (Meyrovitz, 1995).
Se utilizarmos a relação que ouvintes e telespectadores estabelecem
com a rádio e a televisão através do uso de diferentes tecnologias (como
carta, telefone, telemóvel e correio electrónico) para medir o tipo de
interactividade estabelecida, também aí encontramos realidades diferen-
ciadas entre as duas populações.
Se no que diz respeito à mais tradicional de todas as tecnologias,
o envio de cartas, não há qualquer diferença a registar entre as duas
gerações, já o mesmo não se pode afirmar da utilização das restantes
tecnologias escolhidas por cada grupo geracional.
284
A análise permite, porventura, visualizar a existência de diferentes
“perfis mediáticos” (Colombo, 2003) entre gerações. Isto é, um diferente
conjunto de expectativas, gostos, preferências, familiaridade face a géne-
ros e textos, modelos interpretativos e funções atribuídas no decurso do
consumo mediático por cada grupo geracional.
285
do sistema dos media em rede. Organização, essa, que ocorre em diver-
sos níveis, desde o da relação tecnológica, à organização económica e à
apropriação social.
Como se estrutura essa articulação em rede? Uma hipótese a compro-
var será a de que o sistema dos media se articula cada vez mais em torno
de duas redes principais, as quais por sua vez comunicam entre si através
de diferentes tecnologias de comunicação e informação.
Essas redes constituem-se, respectivamente, em torno da televisão e
da internet, estabelecendo nós com diferentes tecnologias de comunica-
ção e informação como o telefone, a rádio, a imprensa, etc.
A existência de duas redes principais está, porventura, relacionada
com as dimensões de interactividade possibilitadas por cada uma das
tecnologias e a forma como socialmente e temporalmente são valoriza-
das essas diferentes dimensões interactivas – mais aprofundadas com a
internet e menos aprofundadas com a televisão.
Como se pode verificar as maiores discrepâncias ao nível do interesse
atribuído às tecnologias de informação e comunicação surgem em torno
da internet: ela é a última preferência das gerações mais velhas (2,7%) e
a segunda entre os mais novos (15,2%).
As diferentes posições de interesse conferidas à internet por cada
uma das populações têm obviamente a ver também com o grau de pe-
netração do seu uso entre cada uma e também como convívio próximo
com terceiros que as utilizam (aquilo que denominamos por proxy users,
ou utilizadores “por procuração”).
Mas, independentemente das razões que procuremos para essa dife-
renciação de interesses, o que surge como facto é que as populações com
acesso à internet e que se consideram como utilizadores de internet, isto
é, com uma frequência regular de uso que lhes permite hierarquizar a
internet enquanto elemento da sua matriz de media, são também, nos
seus perfis mediáticos, diferentes das de não utilizadores.
Como se pode verificar em função do tempo dispendido com os di-
ferentes media e através da alteração das actividades diárias, há uma clara
diferenciação entre utilizadores e não utilizadores de internet.
Em média os utilizadores de internet vêem menos 40 minutos diários
de televisão, ouvem menos 8 minutos de rádio e falam mais quase 30 mi-
nutos ao telefone que os não utilizadores. A única actividade que não apre-
senta alterações é a leitura de jornais, na casa dos 30 minutos diários.
286
Quadro 8.21 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades, segundo
utilização da internet (em minutos)
287
Existem também outros media, como por exemplo ler livros, que
aparentemente contribuem para o tempo afecto à utilização da internet
através de um efeito de cedência de tempo.
Há, no entanto, outras actividades em que a mediação tecnológica
intervém e que aparentemente não são afectadas, como é o caso dos
jogos de computador ou consola, talvez porque em parte os jogos offline
são substituídos pela sua interacção on-line ou porque pura e simples-
mente são actividades não comparáveis entre si.
É assim também possível detectar uma transição em curso no campo
dos media em Portugal ao nível da forma como as gerações que cresceram
com os media democráticos diferem das gerações anteriores na hierar-
quia que conferem aos media mas também nos seus perfis mediáticos
construídos através de dietas de media diferenciadas.
É uma transição também na forma como quem utiliza a internet e
quem não o faz interage com os diferentes media e participa num siste-
ma dos media cada vez mais caracterizado pela sua estruturação em rede
nas relações tecnológicas, na organização económica e nas fórmulas de
apropriação social.
288
No início deste capítulo formulou-se uma pergunta sobre a existên-
cia ou não de uma clivagem geracional na sociedade portuguesa. Os
dados analisados confirmam essa clivagem. Mas não se trata de uma
clivagem por opção, antes uma clivagem que resulta de uma sociedade
onde os recursos cognitivos necessários estão distribuídos de modo desi-
gual entre gerações. Só assim se pode explicar que entre os que nasceram
até 1967 encontremos uma parcela de actores sociais que se aproximam
em algumas dimensões de práticas, e por vezes representações, dos mais
jovens. Essa proximidade é visível no facto de aqueles que possuem
competências educacionais similares se aproximarem, por exemplo, na
utilização da internet ou na sua perspectiva de valorização profissional.
A sociedade em que vivemos não é uma sociedade de cisão social
completa. Mas na sociedade em rede e nos modelos de desenvolvimen-
to informacional há competências cognitivas mais valorizadas do que
outras, nomeadamente a escolaridade mais elevada, a literacia formal
e as literacias tecnológicas. Todas elas são adquiridas e como tal não há
lugar a uma inevitabilidade de cisão social. Antes existe um processo de
transição em que os protagonistas são aqueles que dominam essas com-
petências mais facilmente.
Ao mesmo tempo que se depara com esses múltiplos processos de
transição, a sociedade portuguesa conserva uma forte coesão social sobre
uma densa rede de relações sociais e territoriais. É uma sociedade que
“muda e se mantêm coesa ao mesmo tempo. Evolui na sua dimensão glo-
bal, mas mantém o controlo local e pessoal sobre aquilo que dá sentido
à vida” (Castells, 2004b).
É nesse contexto que se produz uma transição fundamental: a transi-
ção tecnológica expressa por meio da difusão da internet e a aparição da
sociedade em rede na estrutura e na prática social.
Como detectar essas mudanças na estrutura e na prática social?
Uma sugestão é que as possíveis mudanças em termos de prática social,
associadas à difusão da sociedade em rede, podem eventualmente ser
medidas em função de cinco dimensões individualizados: a melhoria
individual, o empowerment individual, o consumo individual, a selectivi-
dade das redes e a construção de identidade (Castells, 2004b).
A melhoria individual é entendida como a utilização da internet para
adquirir conhecimento (começando com a informação mas sendo capaz
de a transformar em conhecimento), tal como na educação e na auto-
289
aprendizagem. Mas também inclui a utilização da internet como forma
de melhorar a realização do trabalho, tanto no local de emprego como
na actualização de capacidades profissionais.
A segunda dimensão de análise lida com o empowerment individual.
Isto é, até que ponto o uso da internet serve para aumentar a capacidade
de cada um para agir sobre os detentores dos meios de informação e sobre
os processos de decisão na sociedade? Por exemplo: a capacidade de obter
informação e comunicar horizontalmente, de um modo autónomo1.
A terceira dimensão de análise da pesquisa toma em conta o consu-
mo individual numa sociedade onde o consumo é um dado essencial da
participação de cada um no todo social. Deste modo, a internet pode
oferecer possibilidades de extensão do campo do consumo (ex. jogos
multimédia, filmes on-line).
A penúltima dimensão de análise constrói-se em torno da selecti-
vidade das redes. Trata-se da reconfiguração da sociabilidade através da
utilização do potencial da internet. O que inclui tornar mais fortes laços
fortes, mantendo essa relação à distância; diversificar e aumentar laços
fracos; a construção de novas redes de sociabilidades, tendo em conta
as diferentes possibilidades de escolha. Esta apropriação é fundamental
no quadro da reconstrução das sociabilidades num processo híbrido de
face-a-face e mediação electrónica, a partir do qual novos padrões de fa-
mília, amizades, conhecimentos e encontro de “almas gémeas” poderão
emergir.
E, por último, a dimensão de construção de identidade. Uma distinção
fundamental, aqui, é entre a identidade baseada em grupos que utilizam
a internet para consolidar-expandir as suas ligações comunais e a cons-
trução de identidade por indivíduos e grupos através da publicação na
internet de valores/projectos, encontrando as ligações mais favoráveis
para essas mensagens e posteriormente utilizando a internet como uma
ferramenta organizativa para ajudar a manter a identidade.
1
Exemplo: pacientes obtendo informação, consequentemente colocando-se
numa melhor posição face ao sistema médico; pessoas informando-se sobre as suas
vidas e o seu mundo, não dependendo apenas dos mass media; consumidores capa-
zes de comparar preços e produtos e tomar as suas decisões; pessoas capazes de se
organizar e debater questões, seja em movimentos sociais ou outras causas; cidadãos
procurando novas formas de participação e monitorização do processo político, etc.
290
Qualquer uma das cinco anteriores dimensões enunciadas de uti-
lização da internet caracteriza as práticas sociais daqueles que são em
Portugal mais escolarizados, possuem empregos onde a utilização de
conhecimentos é maior, fazem uma maior utilização dos media, possuem
uma estrutura de rendimentos menos desigual, possuem redes de socia-
lização com familiares e amigos mais aprofundadas.
Esses são também, maioritariamente, aqueles que partilham entre si
o facto de terem crescido numa escola não autoritária, com media livres e
em democracia. No entanto, os protagonistas dessa transição social não
se esgotam aí. Eles são também aqueles que entre a geração mais velha
atingiram graus formais de escolaridade mais elevada, que aderiram à
utilização das novas tecnologias de informação e comunicação e que se
posicionam num espaço global.
291
292
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Capítulo 9
Projectos de autonomia e internet
P
artindo da conceptualização proposta no capítulo inicial, e
especificamente elaborada a este respeito por Manuel Castells
e outros (2003) numa investigação análoga desenvolvida na
Catalunha, a sociedade em rede caracteriza-se, em todos os contextos
culturais, por um incremento substancial do nível de autonomia dos
indivíduos e da sociedade civil face às instituições do estado e às grandes
empresas. Tal decorre, fundamentalmente, não tanto da evolução tecno-
lógica em si mesma, mas, antes de mais, de processos sociais como a crise
de legitimidade das instituições políticas e do mundo dos negócios, a afir-
mação da individualidade pessoal como valor chave de referência no esta-
belecimento de normas sociais, e a expressão de identidades colectivas a
diferentes níveis. Aliás, vários outros autores têm vindo também a chamar
a atenção para a crescente importância da reflexividade dos indivíduos e
das sociedades na contemporaneidade (Giddens, 1991; Beck, 1992).
É neste sentido que se entende a emergência de redes constituídas
em torno de projectos individuais e colectivos, a partir dos interesses
e valores dos seus protagonistas. A organização destas redes pauta-se,
tendencialmente, pela horizontalidade, abertura e espontaneidade. A
internet, meio de comunicação interactivo e multidirecional, afirma-se
como um dos instrumentos privilegiados de expressão desses projectos
de autonomia e dos correspondentes modos de acção.
Foi segundo esta hipótese geral que se analisaram práticas sociais
centrais à construção de alguns destes projectos de autonomia emergen-
tes, nos diversos âmbitos da vida social, relacionando-as, por um lado,
com o perfil social dos seus protagonistas e, por outro, com a utilização
da internet.
Num primeiro momento, procedeu-se a uma sistematização das
diferentes variáveis entendidas como características de tais projectos
293
– através de procedimentos estatísticos de análise factorial. Isto permitiu
confirmar relações entre grupos de variáveis na base de dados, e funda-
mentar assim, através da análise empírica, uma tipologia de projectos
(ou dimensões) de autonomia.
Posteriormente verificou-se a intensidade destes projectos nos di-
ferentes grupos sociais, ou, noutras palavras, procurou constatar-se a
existência, ou não, de relações significativas entre as práticas sociais
relacionadas com uma determinada dimensão da autonomia e o perfil
social dos indivíduos (considerando essencialmente variáveis como a
idade, a escolaridade, o sexo e, nos casos pertinentes, a inserção profis-
sional). Num último momento procedeu-se à análise das relações entre
os diversos elementos indicativos dos diferentes projectos e a utilização
da internet, procurando discutir assim a articulação entre o uso este
novo meio de comunicação e a emergência de formas de reflexividade
e autonomia.
294
Na tentativa de sistematizar empiricamente estas tendências proce-
deu-se a uma análise factorial que incidiu sobre um grupo de variáveis
susceptíveis de serem entendidas como indícios da existência de projec-
tos de autonomia em diferentes âmbitos da vida social. Os resultados
desta análise permitiram configurar, com um nível aceitável de signifi-
cância estatística, seis factores diferenciados, identificando-se assim, en-
tre a população inquirida, seis tipos de projectos de autonomia-resultado
praticamente idêntico ao alcançado na Catalunha através dos mesmos
procedimentos (Castells e outros, 2003).
Componentes
Variáveis
1 2 3 4 5 6
Consultou livros, revistas especializadas
ou documentação sobre temas
,882 ,042 -,002 -,131 ,031 -,087
relacionados com a sua profissão ou
estudos?
Leu livros relacionados com a sua
,860 ,012 ,000 -,114 ,043 -,060
profissão ou estudos?
Visitou páginas da Web (na internet)
relacionadas com a sua profissão ou ,798 ,023 -,002 -,125 -,013 -,069
estudos?
Realizou curso ou acção de formação
,507 -,031 -,054 -,226 ,161 ,049
nos últimos 2 anos?
Até que ponto é que confia na
-,028 ,901 -,013 ,003 ,005 -,009
informação que recebe através da rádio?
Até que ponto é que confia na
informação que recebe através da -,052 ,894 -,016 ,042 -,008 -,011
televisão?
Até que ponto é que confia na
informação que recebe através dos -,036 ,855 ,021 -,018 ,004 -,024
jornais?
Até que ponto é que confia na
informação que recebe através da ,098 ,477 ,042 ,058 ,002 ,015
internet?
Preferiria (ou teria preferido) trabalhar
por conta própria, sendo (ter sido) o
-,019 ,029 ,929 -,021 ,017 -,070
seu próprio chefe, mesmo que ganhasse
menos?
295
Preferiria (ou teria preferido) trabalhar
por conta própria, sendo (ter sido) o
-,014 ,016 ,927 ,019 -,017 -,052
seu próprio chefe, mesmo que tivesse
menos segurança profissional?
Índice de participação sociopolítica -,082 ,067 -,034 ,681 -,024 ,000
Nota metodológica: A tabela mostra a matriz factorial obtida através do método de extracção da análise de
componentes principais, e de rotação varimax com normalização kaiser. Uma vez que algumas das variáveis
tinham valores omissos, optou-se por os substituir pela média.
Fonte: Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
296
• Projecto de autonomia comunicativa (factor 2) – aponta uma estraté-
gia de distanciamento face à informação veiculada pelos meios de comunica-
ção social, sendo empiricamente construído com base em variáveis relativas
ao grau de confiança atribuído à informação recebida pela televisão, rádio,
jornais e internet.
• Projecto empreendedor (factor 3) – indica o desejo de desenvolver um
projecto profissional independente, sendo empiricamente associado ao inte-
resse em trabalhar por conta própria, mesmo que isso implique um menor
nível de rendimento ou uma maior instabilidade laboral.
• Projecto sociopolítico (factor 4) – associado a um comportamento
activo no que toca à mobilização sociopolítica e à participação associativa,
este projecto é empiricamente construído com base em indicadores de
participação em manifestações de reivindicação e em associações de índole
cívica, bem como pelo desenvolvimento de actividades de cidadania (como
o envio de mensagens a meios de comunicação social ou a autoridades pú-
blicas), e pela percepção positiva da capacidade dos cidadãos influenciarem
as decisões colectivas.
• Projecto de controlo corporal (factor 5) – indica a procura do con-
trolo da sua própria saúde e de alguma autonomia face às indicações dos
especialistas e das instituições sanitárias, definindo-se empiricamente pela
leitura dos folhetos relativos aos medicamentos e pela procura de fontes de
informação complementares, para além do médico, em casos de doença.
• Projecto de autonomia pessoal (factor 6) – revela a definição de
objectivos de vida a partir das competências individuais e do recurso ao
esforço próprio, identificando-se pela percepção positiva quanto à capaci-
dade individual de resolução de problemas, pela importância conferida ao
esforço próprio na obtenção de triunfos individuais e pelo desejo de que os
filhos venham a desenvolver projectos empreendedores do ponto de vista da
inserção profissional.
297
Estrutura social e projectos de autonomia
298
de e exigência informacional das actividades que desempenham, bem
como ao próprio processo de escolarização que protagonizaram. É inte-
ressante também notar a ausência, neste grupo particular, de qualquer
distinção em função do género, situação que já não se verifica entre os
menos escolarizados. Nestes casos, as mulheres tendem a manifestar um
ainda maior afastamento face a qualquer tipo de actividade de capacita-
ção profissional.
A identificação do perfil social associado ao “projecto empreende-
dor” é ligeiramente mais complexa, sendo desde logo de assinalar a
elevada percentagem de indivíduos (perto de 50%) que manifestou inte-
resse em vir a trabalhar por conta própria. A idade apresenta uma ténue
relação com este desejo, resultado essencialmente do afastamento face a
este tipo de projecto dos indivíduos de idade mais avançada, muitos dos
quais numa fase de abandono da actividade profissional. Já entre os mais
jovens e os indivíduos de meia-idade, as diferenças são relativamente
irrelevantes. O mesmo não se passa, todavia, entre homens e mulheres.
Ao contrário do verificado na Catalunha (Castells e outros, 2003), são os
primeiros aqueles que mais frequentemente equacionam um “projecto
empreendedor”, diferença relativamente constante em todos os escalões
etários e níveis de qualificação académica e profissional. As mulheres
tendem assim a manifestar muito menos interesse no desenvolvimento
de projectos profissionais autónomos.
Mas porventura o dado mais relevante – e neste ponto coincidente
com o estudo da Catalunha – prende-se com a relação entre “projecto
empreendedor” e nível de escolaridade. Embora o grau académico
apresente neste âmbito uma influência mais ténue do que a verificada a
respeito do “projecto profissional”, ela assume contornos bastante inte-
ressantes na medida em que se trata de uma relação inversa. Em termos
concretos, os licenciados demonstram um fraco interesse no desenvolvi-
mento de um “projecto empreendedor”. Tratando-se de indivíduos com
melhores hipóteses de inserção profissional e com mais garantias em ter-
mos de estatuto social, tendem a menosprezar o eventual investimento
numa actividade profissional independente.
Poder-se-ia então considerar que os indivíduos com mais fracos
recursos qualificacionais seriam aqueles que mais fortemente manifesta-
riam o interesse pela via empreendedora. Na verdade, segundo os dados
recolhidos pelo presente estudo, tal tendência verifica-se, embora com
299
uma importante ressalva no que respeita aos inquiridos com percursos
de escolarização particularmente reduzidos – designadamente 4 ou
menos anos de escolaridade (faixa populacional em decréscimo mas
ainda bastante significativa em Portugal). Entre estes indivíduos, não
obstante a posição desfavorável face ao mercado de trabalho, o interesse
por um percurso empreendedor é mais fraco. Tal pode ser explicado,
entre outros factores, pela clara percepção da dificuldade em mobilizar
os recursos indispensáveis a este tipo de projecto e pela representação ne-
gativa das suas capacidades de autonomia individual, patente regra geral
entre os indivíduos que abandonaram precocemente a escola (como se
verifica na análise do “projecto de autonomia pessoal”). É no entanto de
assinalar, nesta faixa populacional, a forte valorização social da figura do
patrão, patente nomeadamente no ardente desejo que os filhos venham
a alcançar tal estatuto socioeconómico.
O “projecto empreendedor” assume assim especial incidência entre
aqueles que, em situação de eventual desvantagem no mercado de traba-
lho face aos licenciados, consideram simultaneamente ter alguns recur-
sos que lhes permitem (ou permitiriam) o desenvolvimento de uma acti-
vidade por conta própria. Em termos académicos são maioritariamente
indivíduos com o 3º ciclo do ensino básico ou com o ensino secundário,
não se distinguindo significativamente quanto à idade ou à profissão.
Também a análise dos factores subjacentes ao “projecto sociopolí-
tico” apresenta contornos bastante interessantes. Este projecto é relati-
vamente mais comum entre os indivíduos de meia-idade do que entre
os mais velhos, sendo também de registar algumas manifestações mais
localizadas entre jovens até aos 30 anos de idade. Estes revelam alguma
mobilização especificamente em torno de campanhas de protesto ou
defesa de determinados direitos cívicos – um tipo de participação que
não encontra, aliás, paralelo entre os mais velhos, o que vem contrariar
a hipótese por vezes veiculada pelo senso comum sobre o total alhea-
mento das camadas juvenis da intervenção sociopolítica. Contudo, a
juventude apresenta fracos índices de associativismo, denunciando nas
suas práticas uma ainda maior desconfiança em relação às formas mais
institucionais de intervenção na vida pública do que a registada entre a
restante população. É, pois, entre os portugueses de meia-idade que o
movimento associativo assume maior expressão.
300
Mas, à semelhança do que acontece com outras formas de autono-
mia, o dado porventura mais significativo na caracterização do perfil
social associado ao “projecto sociopolítico” prende-se com o nível edu-
cativo. Independentemente do escalão etário, o envolvimento e partici-
pação sociopolítica cresce à medida que a escolaridade aumenta, muito
em particular quando se trata de formas de mobilização caracterizadas
por uma maior espontaneidade (como manifestações de rua, cartas de
protesto, etc.). Este tipo de práticas é eminentemente residual entre os
indivíduos destituídos de recursos escolares significativos, muito em es-
pecial quando aos défices educativos se alia uma idade mais avançada.
Pelo contrário, revelam-se bastante mais comuns entre os detentores de
diplomas do ensino superior, inclusivamente entre os mais velhos.
Ao contrário do que parece verificar-se na Catalunha – onde se regis-
tam duas experiências de participação sociopolítica protagonizadas, por
um lado, pelos mais velhos e menos escolarizados, e, por outro, pelos
mais novos e com recursos académicos mais significativos – em Portugal
são quase exclusivamente os mais escolarizados aqueles que, indepen-
dentemente da sua condição etária, mais se envolvem na vida pública.
Esta tendência é apenas atenuada no que toca à filiação em estruturas
associativas.
Quanto às distinções de género, elas tendem a ser relativamente
irrelevantes no que respeita à participação em campanhas de defesa dos
direitos cívicos e à percepção da capacidade dos cidadãos influenciarem,
de algum modo, as decisões públicas, facto para o qual contribui a forte
mobilização das mulheres mais jovens. Já as formas mais instituciona-
lizadas de participação na vida pública, como a pertença associativa
ou o envio de mensagens para órgãos da administração pública ou da
comunicação social, tendem a registar maior incidência entre os indi-
víduos do sexo masculino. Esta diferença entre homens e mulheres é
relativamente transversal, embora mais acentuada entre os mais velhos
e bastante mais esbatida entre os indivíduos mais qualificados do ponto
de vista profissional e académico.
O “projecto de controlo corporal” é, por seu turno, bastante mais
forte nos portugueses de meia-idade, manifestando valores mínimos en-
tre aqueles que atingiram já uma idade mais avançada, bem como entre
os homens com menos de 30 anos. É interessante notar que este tipo de
projecto de autonomia apresenta uma incidência claramente superior
301
entre as mulheres, tendência patente em todos os escalões etários, em-
bora menos evidente no caso dos mais velhos, uma vez que são bastante
raros, entre estes, os casos de qualquer procura de informação médica
adicional. Este aparente desinteresse da população mais idosa pela busca
de informação que possa ajudar a interpretar as indicações veiculadas
pelos médicos, não estará certamente associado à ausência de problemas
significativos de saúde, argumento plausível na explicação de igual com-
portamento dos homens mais jovens. Pelo contrário, pode sim ser resul-
tado da ausência de recursos cognitivos pertinentes na interpretação de
informações eventualmente veiculadas por outras fontes.
De facto, as manifestações de um “projecto de controlo corporal”
dependem claramente da possibilidade de mobilização de recursos
directamente associados a percursos de escolarização mais longos. Os
indivíduos com mais qualificações académicas são aqueles que, indepen-
dentemente da idade ou do sexo, se apresentam em melhores condições
para procurar e interpretar fontes alternativas de informação médica.
Aqueles que não dispõem de recursos escolares significativos acabam
por se encontrar numa situação de maior dependência face às indicações
dos especialistas, não necessariamente por confiança na medicina ou
nas suas instituições, mas essencialmente por dificuldade de controlo
e validação da informação em causa. Poderão estar assim também mais
vulneráveis a indicações não fundamentadas veiculadas por quaisquer
outros agentes.
Em termos gerais, o “projecto de autonomia pessoal”, associado a
uma percepção positiva das capacidades individuais e da importância do
esforço próprio como factor de sucesso, tende a estar mais fortemente
presente entre os mais jovens e, mais uma vez, entre aqueles que dispõem
de recursos escolares mais significativos, designadamente os licenciados.
De salientar que em Portugal tal diferença se deve maioritariamente ao
facto de ser mais comum, entre estas categorias sociais, a presença de re-
presentações positivas quanto à capacidade e perseverança individual na
resolução de problemas. Estas são também particularmente frequentes
quer entre os profissionais técnicos e de enquadramento, quer entre os
empresários, dirigentes e profissionais liberais – isto é, noutra palavras,
nas classes sociais médias e altas, com recursos educacionais e/ou econó-
micos mais favoráveis a um maior grau de protagonismo social – sendo
bastante mais raras no caso dos operários industriais e dos agricultores.
302
Já no que respeita aos elementos considerados chave para o sucesso
individual, os dados recolhidos não permitem a identificação de um
padrão significativo. São pouco mais de 30% os portugueses que assina-
laram como principal factor o “esforço próprio” (valor bastante abaixo
do registado na Catalunha). Igual número identificou a “inteligência”
como elemento primordial do sucesso e os restantes outros factores como
a “sorte” ou os “contactos privilegiados”. Embora se verifique alguma
tendência entre os licenciados mais jovens para a identificação do esforço
individual como elemento central do sucesso, é de assinalar, mesmo nes-
te grupo particular, a presença igualmente importante de representações
do sucesso como resultado de factores extrínsecos e alheios à vontade
individual. Neste ponto particular, as diferenças entre diferentes estratos
geracionais e educacionais são assim estatisticamente irrelevantes.
De salientar ainda que, ao contrário do verificado no estudo similar
desenvolvido na Catalunha, onde as jovens mulheres se assumiam como
principais protagonistas deste tipo de projecto de autonomia, em Portu-
gal não se registam diferenças relevantes no que toca genericamente a
este projecto, sendo inclusivamente de assinalar alguma descrença das
mulheres, em particular das mais velhas, nas suas capacidades indivi-
duais. É interessante notar ainda que esta autodesvalorização, particu-
larmente relevante entre a população com inserções profissionais menos
qualificadas, acaba por apresentar uma forte associação com o desejo de
que os filhos venham a desenvolver “projectos empreendedores”, enten-
didos assim como meio de superação pelos filhos da falta de capacidades
individuais a que os progenitores se vêem sujeitos.
Finalmente, o projecto de “autonomia comunicativa” é aquele que
apresenta relações mais ténues com qualquer das variáveis de caracte-
rização social consideradas. O único aspecto que merece referência
prende-se com o facto de os indivíduos mais escolarizados manifestarem
um nível de confiança na imprensa escrita ligeiramente mais elevado,
dado que poderá eventualmente estar associado a uma maior frequên-
cia de leitura de jornais e revistas por parte deste grupo particular. No
que respeita aos restantes media, os níveis de confiança na informação
veiculada são semelhantes em toda a população, sendo difícil identificar
em Portugal protagonistas deste tipo particular de projecto. De referir
que, em termos gerais, perto de 80% dos inquiridos afirmam confiar na
informação veiculada pelos diversos media.
303
Em termos globais, pode afirmar-se que a juventude tende a favorecer
o desenvolvimento de projectos de autonomia em várias dimensões da
prática social, muito em particular no que toca à profissão, à autonomia
pessoal e, nalguma medida, à mobilização sociopolítica, patente em for-
mas não institucionalizadas de participação cívica. Noutros casos, como
o controlo corporal, o projecto empreendedor ou ainda a participação
sociopolítica, nas suas dimensões mais institucionalizadas, destacam-
-se com maior protagonismo indivíduos de meia-idade. No reverso da
medalha encontra-se o escalão etário mais avançado, com maiores difi-
culdades na adopção de práticas sociais pautadas por maior autonomia
e reflexividade, muito em particular quando à idade avançada se alia a
ausência de recursos escolares significativos.
A questão da escolaridade surge porventura ainda com maior relevân-
cia na compreensão da emergência e desenvolvimento de projectos de
autonomia a diversos níveis. Melhores níveis de qualificação académica,
associados na generalidade dos casos a inserções profissionais também
elas mais qualificadas, favorecem claramente práticas de capacitação pro-
fissional mais intensas, índices mais significativos de mobilização e parti-
cipação cívica, maior controlo no domínio da saúde e, em última análise,
uma mais forte autonomia pessoal. Parecem dissuadir, por seu turno, o
desejo de desenvolvimento de projectos empreendedores, garantido que
tende a estar um enquadramento mais favorável na estrutura social. Nes-
te domínio, destacam-se indivíduos com inserções profissionais menos
favorecidas, ainda que dotados de alguma qualificação académica.
As diferenças de género encontram-se mais pontualmente, em di-
mensões da prática social relacionadas em particular com a participação
associativa, o empreendorismo e o controlo corporal. Tendem a atenuar-
-se noutros domínios e, acima de tudo, a apresentar, na generalidade dos
casos, uma estreita relação com a questão geracional. Entre os mais jo-
vens, e muito em particular entre aqueles que desenvolveram percursos
de escolarização mais dilatados, a distinção entre homens e mulheres
tende a desvanecer-se, aproximando-se as práticas e representações de
ambos os sexos.
É certo que uma parte ainda significativa da população portuguesa
se mantém à margem de boa parte dos projectos de autonomia descri-
tos. Tal está contudo longe de invalidar que estes comecem a emergir,
nalguns casos apenas em áreas mais pontuais, noutros em quase todos
304
os domínios da vida social. Favorecidas pela presença de algumas ca-
racterísticas sociodemográficas ou pela possibilidade de mobilização de
recursos cognitivos e/ou económicos, práticas e representações pautadas
pela autonomia e reflexividade afirmam-se e começam, cada vez mais,
a orientar a acção individual e colectiva, constituindo um importante
motor do desenvolvimento da sociedade em rede.
305
para fins profissionais e com objectivos de recolha de informação (prá-
tica, cultural e educativa ou político-sindical). Não demonstrando qual-
quer diferença significativa, face a outros segmentos, no que respeita a
utilizações relacionadas com o lazer ou com a sociabilidade, recorrem
mais frequentemente à internet com objectivos de ordem prática (reali-
zação de operações bancárias, pesquisa de informação sobre viagens ou
sobre determinados locais e serviços, reserva de entradas para espectácu-
los, download de software, etc.), com o intuito de aceder a informação de
carácter pedagógico ou ainda de trabalhar a partir de casa.
Noutras palavras, o desenvolvimento de actividades de capacitação
profissional está associado, por um lado, a uma maior propensão para a
utilização da internet, mas, por outro, também a alguma especialização
qualitativa dos usos, traduzida numa procura particular de funciona-
lidades relacionadas com a troca de informação e com a resolução de
problemas de ordem prática. É ainda interessante referir a maior inci-
dência, entre aqueles que se encontram em processos de capacitação
profissional, de indivíduos considerados veteranos no uso da internet.
Cerca de 1⁄4 são cibernautas cuja primeira experiência na web é anterior
a 1998, podendo assim avançar-se a hipótese da internet se ter assumido,
a par de outros recursos, como um instrumento privilegiado de desen-
volvimento profissional.
Já no que se refere ao “projecto empreendedor”, ao contrário do veri-
ficado na Catalunha, não se regista qualquer relação significativa com a
utilização da internet, em qualquer das suas vertentes. Tal facto vem cor-
roborar a descrição anteriormente avançada a respeito do perfil social
daqueles que assumem uma manifesta preferência pelo desenvolvimento
de um projecto profissional por conta própria. Trata-se de indivíduos
que, regra geral, não possuem recursos académicos particularmente
significativos. Mesmo que alguns deles tenham já algum contacto com
a tecnologia web, dificilmente se pode considerar que esta se apresenta
como um instrumento da cultura empreendedora em Portugal, na me-
dida em que são também ainda muitos aqueles que, manifestando o
desejo de trabalhar por conta própria, se mantêm afastados deste novo
universo tecnológico. Para além do mais, os cibernautas com maiores
indícios de empreendorismo, no sentido aqui adoptado, não se diferen-
ciam dos restantes na periodicidade de acesso ou no tipo de utilização
que fazem dos recursos da web.
306
A relação entre o uso da internet e a manifestação de um projecto
sociopolítico é, por seu turno, bastante expressiva. O segmento da po-
pulação portuguesa que assume valores mais significativos no que toca
à participação associativa e à mobilização em actividades cívicas e de
reivindicação sociopolítica, apresenta uma forte propensão ao uso deste
novo media. A título de exemplo, cerca de metade daqueles que parti-
cipam habitual ou esporadicamente em campanhas sobre temas como
a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza ou outros de
teor semelhante são utilizadores da internet, muitos dos quais já consi-
derados veteranos no uso desta tecnologia. Entre os inquiridos não par-
ticipantes neste tipo de campanhas, menos de 25% utilizam a internet.
No que se refere à periodicidade da utilização ou aos locais de acesso à
web a relação com o projecto sociopolítico é irrelevante, mas o mesmo
não se passa quando se observam especificamente os usos qualitativos
que os indivíduos mais implicados na acção cívica fazem dos recursos
disponíveis através da rede.
É particularmente interessante salientar que a mobilização para ac-
tividades de cidadania – de que podem ser exemplo a participação em
campanhas, o envio de cartas de protesto ou pedido de esclarecimento
a órgãos da administração pública ou da comunicação social, ou ainda
a procura de informação sobre as propostas eleitorais – se apresenta di-
rectamente associada a práticas bastante diversificadas de utilização da
internet, nomeadamente no que respeita à procura de informação e à
potenciação das funcionalidades da web para fins de ordem prática.
Os indivíduos que demonstram índices mais elevados de mobiliza-
ção sociopolítica são também aqueles que mais frequentemente recor-
rem à internet com o objectivo de recolher informação sobre temas da
actualidade, sobre questões político-sindicais e sobre assuntos culturais
e educativos, procurando assim dados que eventualmente ajudem a
fundamentar a sua intervenção na esfera pública. A estas práticas alia-se
também uma considerável utilização para fins práticos, para comércio
electrónico ou ainda para usos de índole profissional e tecnológica.
Embora a relação com os usos ligados à esfera da sociabilidade seja
em geral mais ténue, é de salientar que aqueles que registam um maior
envolvimento em manifestações públicas de natureza cívica apresentam
simultaneamente uma maior adesão às funcionalidades da web relacio-
nadas com o contacto com terceiros, o que não contraria a hipótese da
307
mobilização para algumas destas campanhas poder ser potenciada pelos
contactos proporcionados via internet. Apenas no caso dos usos de lazer
a relação com o projecto sociopolítico é irrelevante.
Assim sendo, pode afirmar-se que a cultura de intervenção cívica
manifestada por um determinado segmento da população se traduz, no
campo da internet, numa forte participação na própria rede, nas suas
mais variadas vertentes.
O “projecto de autonomia corporal” apresenta igualmente uma asso-
ciação positiva em relação ao uso da internet, embora sem grande rele-
vância no que toca, mais especificamente, à periodicidade de utilização,
à experiência de contacto com o espaço web, aos locais de acesso ou ao
tipo de funcionalidades mobilizadas. Dos inquiridos que afirmam recor-
rer a informações alternativas sobre a sua saúde para além das veiculadas
pelo médico (segmento que constitui cerca de 57% da população por-
tuguesa), cerca de 1/3 são utilizadores da internet. A taxa de utilização
desce para 23% entre os restantes.
Os indivíduos com manifestações mais intensas deste tipo de pro-
jecto tendem a revelar um maior interesse pela recolha de informação a
vários níveis, nomeadamente, na internet, informação sobre questões da
actualidade e, como seria de esperar, sobre matérias de índole médica.
Ainda assim, é de notar que a internet está longe de constituir, mesmo
para os seus utilizadores, a principal fonte de informação complementar
em relação a questões de saúde. Cerca de 44% dos cibernautas com
interesse por esta matéria, procuram antes de mais informação junto
de familiares ou amigos, 30% lêem livros ou revistas especializadas e
apenas 16% recorrem em primeiro lugar à web. Entre os não utilizadores
a dependência face às redes de sociabilidade é, contudo, ainda maior.
Perto de 2/3 recorrem preferencialmente a informações veiculadas por
familiares e amigos.
A leitura dos dados apresentados no estudo também aponta para
que quando, para além da consulta habitual ao médico, se procura mais
informação sobre patologias, existir uma tendência para a substituição
de contactos adicionais com profissionais de saúde pelo recurso a meios
de informação de massas. Essa é uma tendência particularmente visível
entre os utilizadores de internet, normalmente mais escolarizados e mais
novos. Assim, se a população não utilizadora de internet recorre aos
farmacêuticos para informação complementar (12,7%) já os valores para
308
os utilizadores são claramente inferiores (4,6%). O mesmo pode ser ar-
gumentado para os médicos, pois se 5% dos não utilizadores de internet
recorre a outros especialistas ou médicos de clínica geral, entre os utili-
zadores o valor decresce quase para metade (2,9%). Onde se processa
então a substituição? Na utilização da internet, que surge em 15,9% das
vezes como a fonte para informação complementar sobre patologias.
Observando agora o “projecto de autonomia pessoal”, mais uma vez
se verifica que duas das variáveis que serviram de base à sua construção
analítica – as relativas à importância do esforço próprio na persecução
do sucesso individual e ao desejo de que os filhos venham a desenvolver
um projecto empreendedor – não demonstram qualquer correlação com
o uso da internet.
Já quando se toma como indicador a escala de autonomia pessoal
– construída com base na percepção dos inquiridos a respeito das suas
próprias capacidades individuais na resolução de problemas e na realiza-
ção dos objectivos a que se propõem – a situação altera-se significativa-
mente. Assim sendo, considerando os indivíduos que demonstram um
nível médio e alto no índice – o que corresponde a uma percepção ten-
dencialmente positiva sobre as suas próprias capacidades de autonomia,
patente entre cerca de 40% dos inquiridos em Portugal – cerca de 41%
são utilizadores da internet, na maioria dos casos utilizadores diários.
Entre aqueles que obtiveram pontuações mais baixas no índice, a taxa
de utilização da web não vai além dos 20%.
Pode assim considerar-se a hipótese da internet constituir, a par de
outros recursos disponíveis por parte daqueles indivíduos (dotados,
como se viu, de qualificações escolares e profissionais mais significativas,
ou de maiores recursos económicos), um importante instrumento de
reforço da autonomia individual, nomeadamente por esta permitir a
solução eficaz de alguns problemas quotidianos.
É precisamente neste sentido que se pode interpretar o facto de estes
explorarem, com bastante mais frequência do que aqueles cuja percepção
sobre as suas capacidades individuais é mais negativa, funcionalidades
da web ligadas à resolução de questões práticas, ao comércio electrónico,
à consulta de jornais ou de informação de índole política e sindical. É
particularmente evidente o seu interesse, entre outros, pela realização
de pesquisas sobre serviços variados, de operações bancárias on-line e de
reservas de espectáculos ou viagens. Ainda interessante é o facto destes
309
cibernautas referirem de forma mais expressiva (61%) acessos à internet
a partir de casa, revelando assim ter ao seu dispor, no espaço doméstico,
os instrumentos que lhes permitem um acesso mais imediato aos recur-
sos disponibilizados pela rede.
Por último, no que respeita à relação entre as manifestações de um
“projecto de autonomia comunicativa” e o uso da internet não se detec-
tam, regra geral, diferenças dignas de registo. A única excepção vai para
o facto de se verificar alguma tendência, ainda que relativamente ténue,
para que sejam os cibernautas aqueles que mais confiam na informação
veiculada pela imprensa escrita e pela internet. De lembrar que são tam-
bém estes que mantém um contacto mais próximo não só, obviamente,
com a internet, mas também com os jornais, o que poderá favorecer
um maior domínio e capacidade crítica sobre a informação por essa via
recebida (apoiada ainda por níveis de qualificação, regra geral, mais ele-
vados). Aliás, os inquiridos não familiarizados com a web optaram muito
mais frequentemente por não responder às questões relativas ao grau de
fiabilidade destes dois media.
De registar também que, ao contrário do verificado no estudo desen-
volvido na Catalunha (Castells e outros, 2003), em Portugal a utilização
da internet não surge associada a qualquer desconfiança particular em
relação à informação televisiva. Cibernautas ou não, os portugueses
revelam uma forte confiança neste media, ainda que eventualmente
construída tendo por base diferentes argumentos.
310
e por um conjunto particular de valores e atitudes que, regra geral, lhes
tendem a estar associados.
A internet surge então, essencialmente, como um instrumento de
autonomia e como um meio privilegiado de expressão e de difusão da-
queles projectos, particularmente explorado, assim, por parte daqueles
que os protagonizam.
É interessante notar também que, mais do que induzir um uso mais
frequente ou intenso da internet, em Portugal, a presença de determi-
nadas manifestações de tais projectos acaba por suscitar, acima de tudo,
tipos de utilização tendencialmente diferenciados, do ponto de vista
qualitativo. Noutras palavras, regista-se alguma especialização do tipo
de operações realizadas na rede em função dos projectos particulares
de autonomia evidenciados, ou não, por cada cibernauta. As práticas
desenvolvidas na internet, ou através dela, surgem então em clara con-
tinuidade face àquelas que são exploradas por cada utilizador fora do
ciberespaço.
Em termos globais, e não obstante a diversidade das dimensões de
autonomia consideradas anteriormente, é de salientar acima de tudo o
facto da presença de comportamentos pautados por uma maior eman-
cipação, reflexividade e proactividade reforçar os usos da internet rela-
cionados com a recolha de informação e com a resolução de problemas
práticos. Se, por um lado, o recurso a esta tecnologia com fins lúdicos e
de sociabilidade surge como relativamente transversal à grande maioria
dos seus utilizadores, por outro confirma-se agora que o desenvolvimen-
to, na rede, de actividades de pesquisa de informação e de resolução de
questões de ordem eminentemente prática tende a ser mais específico
destes segmentos particulares da sociedade portuguesa, pautados por
mais expressivos projectos de autonomia a diversos níveis.
Facilmente se aceita que a concretização de um projecto de auto-
nomia depende fortemente da capacidade de mobilizar informação e
resolver problemas. Nesse sentido, a internet parece ser, a par de outros,
um importante recurso. Mas tende a sê-lo sobretudo para aqueles que,
em regra apoiados em condições sociais de algum modo favoráveis (de
carácter histórico ou geracional, educativo ou económico, institucional
ou relacional), assumiram a autonomia como um valor fundamental ou
tiveram já a oportunidade de a pôr em prática, nalguma dimensão das
suas vidas.
311
312
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L
Conclusão
Portugal em transição para a sociedade em rede
A
o longo deste livro analisámos a construção da sociedade em
rede em Portugal e a influência da internet na vida quotidiana,
compreendendo que, na realidade, são as pessoas que usam a
internet e mudam os seus usos, adaptando a tecnologia às suas necessi-
dades, interesses e valores, e não o contrário.
Igualmente compreendemos que o grau de desenvolvimento de um
país terá na ligação de banda larga o indicador mais adequado para
medir a difusão da sociedade em rede e toda a diversidade de práticas
a ela associada. No entanto, a evolução da sociedade em rede decorre
também do modelo de desenvolvimento informacional que um dado
país segue. Dependendo da estrutura de emprego, da infraestrutura
tecnológica, da produção de conhecimento, da abertura ao mundo e à
informação, podem gerar-se diferentes modelos de sucesso económico,
com características bastante diversas.
Portugal no início do século XXI permanece basicamente uma eco-
nomia proto-industrial, não se tendo afirmado ainda como economia
informacional. No entanto, há sinais claros de uma transição, embora de
carácter incipiente e de resultados largamente em aberto. O rápido e sig-
nificativo processo de modernização registado pela sociedade portuguesa
nos últimos anos pode ser traduzido em domínios tão diversos como a
reconversão económica, o desenvolvimento científico, a escolarização das
novas gerações e a recomposição socioprofissional, a feminização e pro-
gressiva terciarização do trabalho, a urbanização da população e dos espa-
ços, a aproximação dos padrões demográficos e de vida familiar ao quadro
europeu, a democratização das estruturas políticas ou a mediatização do
espaço público. Mas, tal processo tem estado longe de ser linear, isento de
obstáculos e contradições; e, acima de tudo, longe de ter terminado.
313
Portugal encontra-se num momento de transição, associando traços
e dinâmicas de modernidade a vestígios de uma sociedade mais arcaica,
que tendem a persistir e a obstruir algumas das transformações em curso.
Enfrenta, por um lado, muitos dos novos desafios e paradoxos das socie-
dades modernas – veja-se o envelhecimento populacional, a emergência
de novas formas de pobreza, a crise das estruturas democráticas ou a
mediatização da sociedade. Mas, por outro, suporta os atrasos induzidos
pela manutenção de antigas estruturas e disposições sociais, obstáculos
ao necessário, e tão comentado, processo de convergência – de que são
exemplo, a especialização económica em sectores de fraca intensidade
tecnológica, a manutenção de deficientes níveis de qualificação, a in-
suficiência dos apoios sociais ou o ainda limitado desenvolvimento das
classes média e dirigente.
A transição é também passível de ser lida nas práticas caracterizado-
ras da sociedade em rede. Em Portugal, se é verdade que cerca de 29%
da população é utilizadora directa da internet, e que outros 10% se têm,
de algum modo, aproximado desta tecnologia, a maioria da população é
ainda constituída por não utilizadores.
O contacto dos portugueses com a internet – em termos gerais, ainda
relativamente escasso e recente, não obstante a considerável evolução
positiva – está longe de ser uniforme nos diversos segmentos populacio-
nais. A familiarização com este recurso tecnológico surge fortemente as-
sociada a competências e predisposições mais frequentemente presentes
quer entre os jovens, quer entre os indivíduos mais qualificados. É aliás
bastante interessante notar a interdependência destas duas variáveis. Se,
nos escalões etários mais jovens, a ausência de recursos escolares signifi-
cativos não conduz a um necessário afastamento face à internet (embora
o torne relativamente mais raro), entre os mais velhos, níveis de escolari-
dade mais elevados surgem como uma condição primordial no despertar
para este novo universo tecnológico. E acabam por ser precisamente os
cibernautas de meia-idade e os mais qualificados aqueles que mais inten-
samente integraram o uso da internet no seu quotidiano, não obstante a
difusão do uso mais ocasional desta tecnologia entre os mais jovens.
Em termos genéricos, o espaço doméstico é o principal ponto de
acesso à internet entre os cibernautas portugueses, ao contrário do que
acontece noutros países mais desenvolvidos onde a primazia vai para os
contextos profissionais e escolares. De salientar, contudo, que a familia-
314
rização com este novo media tende a iniciar-se em espaços extra-domésti-
cos – no trabalho para os mais velhos, na escola ou entre amigos para os
mais jovens – assumindo estes, assim, um papel fundamental na expan-
são do uso da internet no nosso país, muito em especial entre os indi-
víduos menos dotados de recursos económicos e qualificacionais. Já no
que respeita às actividades desenvolvidas através da rede, verifica-se em
geral que, não obstante a intensa utilização com intuitos informativos,
a internet está longe de ser, em Portugal como noutros países, um mero
meio de circulação de informação. É, muito em particular para os mais
jovens, um espaço de lazer, entretenimento e sociabilidade, bem como
um recurso fortemente mobilizado, especialmente pelos mais velhos e
mais escolarizados, para fins de ordem prática, profissional e cultural.
Os resultados alcançados sobre as sociabilidades e actividades quo-
tidianas desmentem os argumentos mais alarmistas (e simplistas) acerca
do isolamento social de quem faz uso da internet, ao mesmo tempo que
também rebatem o argumento de que os actuais contextos sociais (e,
nomeadamente, os urbanos) seriam desprovidos de relações sociais de
interconhecimento local. À semelhança dos resultados catalães (Castells
e outros, 2003), as redes sociais portuguesas caracterizam-se, principal-
mente, por uma grande proximidade geográfica. As redes familiares e
amicais dos portugueses são grandes, locais e presenciais. Tal não inva-
lida que sejam simultaneamente amplas do ponto de vista geográfico.
A existência de familiares em locais muito distintos e longínquos não
quebra bruscamente as relações de sociabilidade, sendo, para muitos, de
periodicidade anual o contacto pessoal com os que residem no estrangei-
ro. A utilização da internet introduz, isso sim, algumas transformações
nos contactos com os amigos, pelo menos como meio de comunicação
nas relações mais distantes. As relações com os vizinhos apresentam
igualmente características de grande densidade e intensidade de rela-
cionamento interpessoal. Em todos estes aspectos são os utilizadores de
internet que possuem maiores redes de sociabilidade e contactam mais
frequentemente pelas diferentes formas com os seus familiares, amigos
e vizinhos.
A outra escala geográfica, a internet configura-se também como um
potenciador dos contactos a nível planetário, intensificando a frequên-
cia das comunicações entre indivíduos que vivem em diferentes locais do
mundo, ficando os outros meios de comunicação (contactos pessoais e
315
telefónicos) em vantagem quando se trata de relações mais próximas. A
internet reforça, em qualquer dos casos, as relações sociais entre os in-
divíduos, combinando espaços reais e virtuais de comunicação na socie-
dade em rede. E estando os utilizadores associados a uma maior juven-
tude, a qualificações escolares e profissionais mais elevadas e a maiores
recursos económicos, culturais e sociais, prevê-se que nos próximos anos
a evolução de alguns destes indicadores seja ainda mais positiva.
Já sobre as práticas comunicacionais dos portugueses na sociedade
em rede uma das principais conclusões é a de que o impacto da internet
não é, como algumas teses têm vindo a difundir, de substituição da utili-
zação dos media tradicionais pelo uso desta nova plataforma tecnológica
como principal meio de informação e comunicação. A internet surge
como mais um suporte de informação e meio de comunicação adicio-
nal à televisão, à rádio ou à imprensa escrita. Tal como com as relações
de sociabilidade e convivialidade, as actividades quotidianas não se
alteram significativamente após a introdução do uso da internet. Onde
as mudanças são mais visíveis, embora pouco profundas, é em práticas
comunicativas tecnologicamente mediadas, como ver televisão, vídeos e
DVDs. Estas conhecem, nalguns casos, uma ligeira diminuição.
O papel da internet como suporte de informação fidedigna entre os
que usam a internet parece prever uma importância crescente do uso
deste media, que não se substituirá aos media tradicionais nem consumi-
rá o tempo quotidiano como alguns temeriam, mas que adquirirá um
lugar central na construção de uma sociedade em rede mais alargada e
difusa em Portugal.
Em termos de questões identitárias, Portugal acompanha as tendên-
cias de outros países, sendo a família a principal referência identitária
mencionada pelos portugueses, seguida, com algum afastamento, da
identificação consigo próprios, esta última em particular no grupo
dos mais jovens. As principais referências históricas dos portugueses
remetem-nos para acontecimentos nacionais recentes e muito marcan-
tes na vida social e política do país, com o 25 de Abril de 1974 a ser
referido por uma larga maioria dos inquiridos. No que toca às questões
de identidade territorial, os resultados indiciam uma maior amplitude
de referências globais (como, por exemplo, com a Europa e o Mundo)
entre os utilizadores de internet quando comparados com os indivíduos
que se declaram como não utilizadores de internet. Os utilizadores de
316
internet constituem-se assim como protagonistas de novos processos de
construção e referência identitária.
Algo de similar se passa com a participação social e política. São os
utilizadores de internet que pertencem a um maior número de asso-
ciações e que mais nelas participam, quando comparados com os não
utilizadores e com a população portuguesa em geral. Obviamente, são
também eles que usam a internet nessa participação, se bem que de um
modo ainda muito incipiente. São quase residuais os valores de partici-
pação em campanhas de solidariedade ou acções de intervenção cívica e
social relativamente aos encontrados para a pertença e participação em
estruturas de tipo associativo. Estes últimos, como se viu, também não
são muito elevados.
Quanto à mobilização colectiva, dois perfis se salientam – o dos
utilizadores e não utilizadores de internet: os primeiros tendem a apa-
recer como cidadãos mais convencidos de que é possível influenciar as
decisões políticas e os acontecimentos mundiais. De um modo geral,
parecem posicionar-se como potencialmente mais interventivos social e
politicamente. O uso da internet pode, ainda, favorecer o contacto entre
cidadãos e a administração pública ou os órgãos de soberania. Ainda
que isso não se tenha verificado até ao momento de forma muito alarga-
da, poderá concluir-se, então, que a internet não só potencia novas opor-
tunidades de participação e contacto com as diferentes estruturas de
poder, como também os seus utilizadores se apresentam como cidadãos
mais interessados, participativos e mobilizados para a acção individual e
colectiva. Sendo estes, como já foi dito, os mais jovens e escolarizados,
podem antever-se aqui, mais uma vez, importantes transformações na
forma como a cidadania virá a ser exercida no contexto da sociedade
em rede.
No entanto, como estar ligado à internet é cada vez mais uma con-
dição indispensável para a educação e desenvolvimento das pessoas, re-
giões e países, surge uma questão clara, acerca de quanto tempo durará
essa fractura digital diferenciadora entre populações que partilham um
mesmo espaço nacional.
A questão do acesso é tanto mais complexa quanto, como se demons-
trou, o acesso à internet não é algo que dependa apenas do interesse ou
disponibilidade financeira dos possíveis utilizadores. A situação de deci-
siva desigualdade educativa e cultural que se configura em todas as socie-
317
dades – inclusivamente na nossa – é um factor decisivo na apropriação
do uso da internet. Essa é uma conclusão de duplas implicações sociais,
pois indica que não basta apenas resolver a desigualdade tecnológica
de acesso à internet – o meio em que, actualmente, está concentrado o
potencial de informação e comunicação da humanidade, uma espécie
de transformada e moderna biblioteca de Alexandria, de base global,
sempre acessível. O alargamento do número de utilizadores e o enrique-
cimento das formas de utilização passam igualmente pela diminuição
das desigualdades educativas e culturais.
Na sociedade portuguesa sobressai também uma clivagem geracional.
Clivagem que não resulta de uma qualquer opção, mas antes do facto de
os necessários recursos cognitivos estarem distribuídos de modo desigual
entre gerações. Só assim se pode explicar que entre os que frequentaram
uma escola em regime não democrático e conheceram media controlados
pela censura durante o seu período formativo encontremos uma parcela
de actores sociais que se aproximam em algumas dimensões de práticas,
e por vezes representações, dos mais jovens. Essa proximidade é visível
no facto de aqueles que possuem competências educacionais similares se
aproximarem, por exemplo, na utilização da internet ou na sua perspec-
tiva de valorização profissional.
A sociedade portuguesa em que vivemos não é uma sociedade de
cisão social completa. Na sociedade em rede e nos modelos de desenvol-
vimento informacional há recursos mais valorizados do que outros, no-
meadamente a escolaridade mais elevada, a literacia formal e as literacias
tecnológicas. Todos eles são adquiridos e, como tal, não há lugar a uma
inevitável cisão social. Antes existe um processo de transição, do qual
são protagonistas principais aqueles que dominam essas competências
mais facilmente.
O Portugal dos actores sociais construtores activos da sociedade em
rede é dominado pelos mais escolarizados, por aqueles que possuem
empregos onde a utilização de conhecimentos é maior, que fazem uma
maior utilização dos media, que beneficiam de redes de socialização com
familiares e amigos mais aprofundadas, sendo ainda caracterizados por
uma estrutura de rendimentos menos desigual. Esses são também, maio-
ritariamente, aqueles que partilham entre si o facto de terem crescido
em democracia, numa escola não autoritária e com media livres. No
entanto, os protagonistas dessa transição social não se esgotam aí. Eles
318
são, também, aqueles que, entre a geração mais velha, atingiram graus
formais de escolaridade mais elevados, que aderiram à utilização das
novas tecnologias de informação e comunicação e que se posicionam
num espaço global.
Este é um retrato, uma imagem de partida para o aprofundamento
da sociedade em rede em Portugal. Uma sociedade certamente em tran-
sição, mas onde o verdadeiro alcance das transformações precisa ainda
de ser medido.
Vários analistas têm proposto a ideia de que as sociedades se encon-
tram a viver uma transformação significativa que pode ser caracterizada
por duas tendências paralelas que enquadram o comportamento social:
individualismo e comunalismo (Castells, 2003b).
Por individualismo entende-se aqui a construção de sentido em
torno da concretização dos projectos individuais. E por comunalismo
a construção de sentido em torno de um conjunto de valores definidos
por uma colectividade restrita e internalizados pelos seus membros.
Diferentes observadores têm olhado para estas duas tendências
como potenciais fontes de desintegração das actuais sociedades, enquan-
to as instituições sobre as quais elas assentam perdem a sua capacidade
integradora, isto é, são cada vez mais incapazes de fornecer sentido às
pessoas: a família de modelo patriarcal, as associações cívicas, as empre-
sas e, acima de tudo, a democracia representativa e o estado nação, que
são de algum modo pilares fundamentais da relação entre a sociedade e
as pessoas ao longo do século XX.
Mas pode haver uma hipótese diferente. Talvez aquilo a que se
assista não seja a desintegração e fraccionamento da sociedade, mas a
reconstrução das instituições sociais e, para além disso, da própria estru-
tura social, com base nos projectos autónomos dos sujeitos sociais. Esta
autonomia (face às instituições e organizações da sociedade) pode ser
vista como individual ou como colectiva, neste último caso relativa a um
grupo social específico, definido pela sua cultura autónoma.
Nessa perspectiva, a autonomização dos indivíduos e grupos é segui-
da pela sua tentativa de reconstruir sentido numa nova estrutura social
a partir dos seus projectos autodefinidos. A internet, em conjugação
com os mass media, ao fornecer os meios tecnológicos para a socialização
do projecto de cada um numa rede de sujeitos similares, torna-se numa
poderosa ferramenta de reconstrução social e não num pretexto para a
319
desintegração. Mas essa (re)construção social não terá de seguir a mesma
lógica dos valores da sociedade industrial tardia, de onde emerge a nova
estrutura.
No entanto, sendo a internet uma tecnologia, a sua apropriação
pode também ser realizada de forma conservadora e assim actuar apenas
enquanto propiciadora da continuidade da vida social tal como ela se
encontrava pré-constituída.
Os exemplos são muitos. Se quisermos extremar as visões podemos
olhar para a internet como, por exemplo, instrumento de manutenção
de uma sociedade patriarcal radicada numa interpretação fundamen-
talista do Islão, quando a vemos ser utilizada para o recrutamento de
operacionais para a Al-Quaeda. Ou, outro exemplo, como instrumento
de perpetuação de velhos modelos de funcionamento da administração
pública, quando as páginas on-line dos ministérios nada mais oferecem
do que os contactos telefónicos dos serviços, numa lógica de substitui-
ção das páginas amarelas em papel pelo hipertexto em circuito fechado
institucional. Ou ainda quando nos limitamos a construir uma página
pessoal em que centramos os seus conteúdos em torno da personalidade
e identidade individual sem qualquer ligação a entidades de pertença ou
afiliação, recusando assim a lógica da partilha numa rede de interesses.
320
por exemplo a televisão, no que diz respeito ao entretenimento e infor-
mação noticiosa).
Analisamos aqui essencialmente práticas e traçamos um mapa “ma-
cro” daquelas que julgamos serem as grandes tendências em curso, a
nível global, num mundo onde a organização social em rede e a infor-
macionalização dos modelos de desenvolvimento parece ser o caminho
seguido nas sociedades mais desenvolvidas.
No entanto, para que esta análise fique completa será preciso ainda
aprofundar questões como a estrutura empresarial portuguesa na socie-
dade em rede, ou como a transformação da actividade empresarial no
contexto da economia do conhecimento, por meio das redes informáti-
cas e de telecomunicações (e-commerce ou e-business). E que modelo orga-
nizacional, baseado na descentralização em rede das linhas de negócio,
está a internet a produzir nas empresas portuguesas? Qual a incorpo-
ração da internet na educação básica e secundária e qual a sua relação
com a organização, cultura e práticas educativas das escolas portuguesas?
Qual a contribuição da internet para uma nova cultura educativa adap-
tada às necessidades que vão configurando a sociedade em rede? Como
potenciar a internet nos processos de desenvolvimento científico e tec-
nológico, e nos processos de inovação? Ou ainda, que influência tem a
internet na administração do nosso país? Ou seja, qual o seu papel na
relação entre cidadãos e administração na prestação de serviços através
de mecanismos de participação do público nos processos de tomada de
decisão? Quais os processos de transformação no interior da administra-
ção associados à intensificação do uso das redes como canal de distribui-
ção de serviços e comunicação transversal? Ou ainda, não esquecendo
outro elemento fundamental ao desenvolvimento social, como pode a
internet ser utilizada na comunicação ou prestação de serviços de saúde?
Que nos dizem as experiências do consumo de informação pelos profis-
sionais de saúde? Qual a sua utilização em campanhas de saúde públicas?
E quais os benefícios e desvantagens associadas à existência de farmácias
na internet?
Essas são apenas algumas das questões que irão certamente pautar
o nosso quotidiano e o debate nas ciências sociais nos próximos anos,
nesta sociedade que é nossa e que será o que dela escolhermos fazer.
A nossa sociedade é também uma sociedade em rede em transição.
Isto é, Portugal no início de um novo século.
321
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332
Índice de quadros
333
Quadro 3.8 Europeus que já utilizaram a internet (%) 94
Quadro 3.9 Utilizadores da internet em Portugal e no Brasil (%) 95
Quadro 3.10 Utilizadores da internet por 1000 habitantes
em alguns territórios lusófonos (%) 96
Quadro 3.11 Comparação da utilização da internet em Portugal e no mundo 96
Quadro 3.12 Evolução da distribuição de utilizadores de internet
no mundo, 1997-2002 (%) 97
Quadro 3.13 Europeus com ligação à internet a partir de casa (%) 98
Quadro 3.14 Número de clientes do serviço de acesso à Internet 99
Quadro 3.15 Lares com ligação de banda larga (% sobre o total
de lares ligados à Internet) 100
Quadro 3.16 Lares ligados à intenet em banda larga (%) 101
Quadro 3.17 As quinze economias com mais ligações de banda larga 102
Quadro 3.18 Distribuição de utilizadores de internet, segundo
a respectiva primeira língua, Março, 2003 (%) 104
Quadro 3.19 Presença das línguas latinas em relação ao inglês 106
Quadro 3.20 Presença das línguas estudadas na www 106
Quadro 3.21 Língua dos conteúdos em relação à língua de utilizadores 107
Quadro 3.22 Língua dos conteúdos por relação à língua dos utilizadores 108
Quadro 3.23 Língua utilizada na internet 109
Quadro 3.24 País de origem dos sites públicos na web 110
Quadro 3.25 Línguas dos sites públicos na internet, 2002 111
Quadro 3.26 Língua dos conteúdos na internet pública em relação à língua
dos utilizadores, 2002 112
Quadro 3.27 Composição das categorias profissionais em países
seleccionados (%) 114
Quadro 3.28 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo
e respectivos rácios, Portugal e G7 (%) 116
Quadro 3.29 Distribuição do emprego por sector produtivo
e respectivos subsectores, Portugal e G7 (%) 117
Quadro 3.30 Comparações internacionais no domínio da tecnologia 126
Quadro 3.31 Comparações internacionais de indicadores
de desenvolvimento informacional 127
Quadro 3.32 Comparações internacionais de indicadores de bem-estar social 129
Quadro 3.33 Comparações internacionais de indicadores de cidadania 131
Quadro 4.1 Utilização da internet, segundo escalões etários 140
Quadro 4.2 Utilização da internet, segundo sexo 141
Quadro 4.3 Utilização da internet, segundo nível de escolaridade 142
334
Quadro 4.4 Utilização da internet, segundo nível de escolaridade
e idade (% de utilizadores em cada categoria) 144
Quadro 4.5 Utilização da internet, segundo categoria socioprofissional 146
Quadro 4.6 Antiguidade do uso da internet, considerando
a data da primeira utilização 148
Quadro 4.7 Periodicidade do uso da internet 150
Quadro 4.8 Intensidade de utilização da internet 151
Quadro 4.9 Periodicidade do uso da internet, independentemente
do local de aceso, segundo idade, condição perante o trabalho, nível de
escolaridade e categoria socioprofissional (%) 152
Quadro 4.10 Utilização da internet em casa, no trabalho,
na escola/universidade e noutros locais (universo dos utilizadores da internet) 155
Quadro 4.11 Utilização da internet, segundo local de acesso
– análise combinada (%) 157
Quadro 4.12 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola
e noutros locais segundo idade, sexo, nível de escolaridade, categoria
socioprofissional e nível de rendimentos do agregado (%) 158
Quadro 4.13 Periodicidade do uso da internet em casa, no trabalho,
na escola/universidade e noutros locais, entre aqueles que declaram
aceder nestes locais 163
Quadro 4.14 Actividades realizadas utilizando a internet ou
o correio electrónico, organizadas segundo domínios de uso (%) 165
Quadro 4.15 Domínios de uso da internet (% de utilizadores que declaram
pelo menos uma actividade no domínio) 167
Quadro 4.16 Incidência dos domínios de uso, segundo escalões etários,
níveis de escolaridade, sexo, condição perante o trabalho e categoria profissional
(% de utilizadores que declararam pelo menos uma actividade no domínio) 169
Quadro 4.17 Motivos da não utilização da internet 176
Quadro 4.18 Perspectivas quanto à futura utilização da internet 177
Quadro 5.1 Evolução da sensação de desespero, depressão e isolamento,
segundo utilização da internet 181
Quadro 5.2 Evolução do convívio com os membros do agregado doméstico,
segundo utilização da internet 183
Quadro 5.3 Composição das redes pessoais (média de indivíduos) 184
Quadro 5.4 Utilização de diferentes meios de comunicação para contacto
pelo menos semanal com familiares, amigos e vizinhos, por local de residência (%) 189
Quadro 5.5 Número de familiares com quem se relacionam por local
de residência, segundo utilização da internet 190
335
Quadro 5.6 Número de amigos por local de residência, segundo utilização
da internet 193
Quadro 6.1 Práticas comunicativas e vida quotidiana, segundo utilização
da internet (%) 202
Quadro 6.2 Evolução das actividades quotidianas após início do uso
de internet (%) 204
Quadro 6.3 Meios de informação sobre acontecimentos locais/ nacionais
e internacionais, segundo utilização da internet 206
Quadro 6.4 Canais de televisão onde se vê notícias, segundo utilização
da internet 207
Quadro 6.5 Consulta de canais de televisão na internet para
ver notícias (utilizadores da internet) 208
Quadro 6.6 Leitura de jornais durante a última semana e consulta on-line,
segundo utilização da internet 209
Quadro 6.7 Audição de rádio durante a última semana e consulta on-line,
segundo utilização da internet 210
Quadro 6.8 Níveis de confiança na informação recebida através dos media (%) 212
Quadro 6.9 Níveis de confiança na informação recebida através dos media
segundo utilização da internet (%) 213
Quadro 6.10 Meios de contacto com programa de televisão ou de rádio
segundo utilização da internet (%) 214
Quadro 6.11 Consulta de informação sobre os programas eleitorais
antes de votar, segundo utilização da internet 215
Quadro 6.12 Opinião sobre a televisão e a Internet (%) 216
Quadro 6.13 Opiniões sobre a televisão e a Internet, segundo utilização
da internet (%) 218
Quadro 6.14 Comparação da televisão actual com a que viam na infância
ou adolescência, segundo utilização da internet 219
Quadro 6.15 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades
(em minutos), segundo utilização da internet 220
Quadro 6.16 Horas semanais dedicadas às actividades domésticas,
segundo utilização da internet 221
Quadro 6.17 Horas de trabalho semanal, segundo utilização da internet 222
Quadro 6.18 Horas diárias de conversa com os membros do agregado,
segundo utilização da internet 223
Quadro 6.19 Horas diárias a dormir, segundo utilização da internet 223
Quadro 6.20 Actividades consideradas mais interessantes (1.ª, 2.ª e 3.ª opção),
segundo utilização da internet 224
Quadro 7.1 Aspectos com que mais se identificam, segundo escalões etários (%) 230
336