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A Sociedade em Rede em Portugal (2005)

Book · January 2005

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1 author:

Gustavo Cardoso
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
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A SOCIEDADE EM REDE
EM PORTUGAL

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A SOCIEDADE EM REDE EM PORTUGAL
Autores: Gustavo Cardoso, António Firmino da Costa,
Cristina Palma Conceição, Maria do Carmo Gomes

Capa: Campo das Letras

© CAMPO DAS LETRAS – Editores, S. A., 2005


Rua D. Manuel II, 33 - 5.º 4050-345 Porto
Telef.: 226 080 870 Fax: 226 080 880
E-mail: campo.letras@mail.telepac.pt
Site: www.campo-letras.pt

Impressão: Rainho & Neves - Sta. Maria da Feira


1.ª edição: Abril de 2005
Depósito Legal n.º ????
ISBN: 972-610-920-5
Código de barras: 9789726109204

Apoio à investigação e à edição:


Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian

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Gustavo Cardoso
António Firmino da Costa
Cristina Palma Conceição
Maria do Carmo Gomes

A SOCIEDADE EM REDE
EM PORTUGAL

Prefácio de
João Caraça

Capítulo inicial de
Manuel Castells

Apoio metodológico de
Patrícia Ávila

Colaboração de
Rita Espanha

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A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Prefácio
Trabalhar em rede, ou sem rede?

«A
nossa sociedade é também uma sociedade em rede em tran-
sição» afirmam os autores no final do texto deste importante
estudo sobre a realidade portuguesa, que a Fundação Calo-
uste Gulbenkian em boa hora apoiou.
Com a transição para um novo século, viram-se as sociedades euro-
peias igualmente enredadas numa transição cujas consequências mal po-
demos vislumbrar. Muito menos prever. Por este motivo, é fundamental
o estudo das condições, das referências e das práticas associadas a esta
transformação.
Mas o século XXI começou da pior maneira. Ou talvez tivesse que
ser assim: sem o horror e a tragédia que todos presenciámos não nos
teríamos porventura apercebido da sua entrada em cena, julgando ainda
que continuávamos sob a ordem do século passado.
De facto, o conjunto das mudanças experimentadas a todos os
níveis, do económico ao político, do social ao cultural – e a que se foi
chamando de «globalização» por uns, de «sociedade da informação» por
outros, de «novo paradigma da comunicação» por outros ainda – foi de
tal maneira poderoso que provocou uma alteração do contexto em que
se desenvolvem as actividades humanas. A esta alteração associou-se a
noção da finitude da Terra e da capacidade limitada de regeneração da
natureza. Ou seja, percebemos que somos inerentemente um sistema
complexo, isto é, um sistema cujo desempenho depende da evolução do
contexto que lhe serve de suporte – e não sabemos onde termina o nosso
sistema e começa o contexto, e vice-versa.
Naturalmente, este problema é sentido de modo particularmente
agudo na área da teoria do conhecimento e dos saberes que o consti-
tuem. Não havendo uma referência absoluta, nem uma visão divina
directora, as várias disciplinas terão que se redefinir, reinterpretando as

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noções de objecto, de vizinhança e de limites no que toca aos respectivos
domínios de aplicação.
A importância dos investimentos de natureza intangível tornou-se
tão central que impeliu, inclusivamente, a emergência de um novo regi-
me dos saberes, em rede. A nova organização afirma uma situação em
que se não aceita qualquer tipo de hierarquia entre campos cognitivos.
O regime reticular traduz de modo mais adequado a fragmentação da
ordem e a multipolaridade dos poderes que regem os tempos presentes.
Na realidade, cada época cria os seus modelos e organiza os saberes de
acordo com o contexto societal que lhes serve de suporte.
Com a emergência de novos sectores na indústria e nos serviços, ba-
seados em modernas tecnologias da informação, e com o peso crescente
do investimento imaterial ou intangível na economia (I&D, software,
educação e formação, marketing, design), tornou-se claro que a própria
natureza dos processos reguladores societais se modificou, e profunda-
mente. De facto, o processo básico comunicacional não é uma «troca»,
mas sim uma «partilha». Depois de uma «transacção de informação»,
ambas as partes detêm a informação que foi objecto da transacção, des-
de que, naturalmente, a capacidade do receptor seja adequada. O que
implica que o valor económico associado a tal transacção deva, agora, ser
equacionado de um modo totalmente diferente.
Não que as sociedades avançadas se estejam a «desmaterializar»
– muito pelo contrário: a utilização e o consumo de recursos ener-
géticos e materiais intensifica-se cada vez mais. Mas, para que essa
materialização se mantenha e amplifique num espaço muito alargado
de operação, para que continue esse império da «acção», torna-se agora
necessário que surja uma forte actividade imaterial, uma intensificação
da «comunicação», que venha criar condições de coesão institucional a
nível global para permitir o acréscimo da acumulação material. Sem este
incremento da comunicação, a materialização das sociedades avançadas
encontrar-se-ia seriamente limitada. Isto é, o paradigma do progresso é
agora reinterpretado em termos de uma nova visão do mundo, onde
impera a complexidade, ela própria indiciadora da emergência de uma
nova situação.
Uma nova situação caracterizada por palavras-chave, sistemáticas e om-
nipresentes, que importa entender. Não são palavras novas, mas todas elas
assumem, agora, um sentido novo, que as torna dignas de apreciação.

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São elas: o “global”, o “conhecimento”, a “governação” (em inglês,
governance). Estas três palavras, tão inofensivas se colocadas entre aspas,
tornam-se contudo verdadeiros instrumentos de mudança se colocadas
em oposição às três palavras que vieram substituir. Respectivamente:
“universal”, “ciência”, “governo”.
De facto, o que nos interessa perceber é a essência dos conflitos
que nos trazem as oposições: global/universal; conhecimento/ciência;
governança/governo.
É por este motivo que a época presente é uma transição. De um
mundo onde, durante mais de dois séculos, imperaram os conceitos de
universal, de ciência e de governo (do estado-nação), passámos quase
sem dar por isso ao mundo global, das economias do conhecimento e
da sua governança.
Mas não há mudanças inocentes. O global opõe-se ao universal, o
conhecimento à ciência, a governança à governação através de governos
nacionais. Para o bem, e para o mal.
Durante dois séculos gozámos o reino do universal. Possuíamos di-
reitos imutáveis, eternos, sagrados, pelo simples facto de termos nascido.
Todos «os homens [e mulheres] nascem e permanecem livres e iguais em
direitos» proclama uma das maiores conquistas da história da humani-
dade – a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789. Esses
direitos, liberdades e garantias são anteriores e superiores ao Estado; são
adquiridos, permanentes e invioláveis. Para, inclusivamente, proteger
os cidadãos dos abusos do Estado, viu este os seus poderes limitados e
divididos em executivo, legislativo e judicial. A soberania reside, desde
então, no povo.
Vejamos o que o global veio introduzir. No império do global não
há direitos adquiridos, há contratos, ou seja, há direitos negociados.
O lugar do indivíduo (do consumidor, ou do produtor) tem que ser
conquistado, a pulso, no mercado, o seu desempenho tem que ser renta-
bilizado, a sua utilidade demonstrada. Há necessidade de uma contínua
negociação, rentabilização, competição. As pessoas são dispensáveis, só
interessam como função – de consumir, ou de produzir –, isto é, tornam-
-se verdadeiramente recursos: os recursos humanos!
E até se inventou uma expressão “bonita” para denominar a necessi-
dade de reciclagem dos recursos humanos (sem a qual esses recursos não
têm valor para o mercado): a educação ao longo da vida. Quem não é

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rentável não existe, não conta para o mundo global. Pode ser eliminado,
pois não tem qualquer utilidade económica. Torna-se um peso para a
sociedade globalizada e eficiente que, no limite, o despreza.
Durante três séculos a ciência foi considerada como uma maneira
essencial de gerar uma mais correcta visão do mundo. A ciência mo-
derna chegou, inclusivamente, no auge da crença no progresso e no
positivismo, a ser considerada como o critério de verdade para o conhe-
cimento. Ou seja, todo o conhecimento verdadeiro era, ou tenderia a
ser, científico.
O sucesso da ciência foi tal que originou o desenvolvimento de po-
derosas e eficientes tecnologias que estiveram na base do crescimento
económico dos países avançados nos últimos cinquenta anos. A ciência
está na base da criação dos sectores industriais do aeroespacial, dos
computadores, das telecomunicações, das biotecnologias. Que foram
instrumentais na globalização das finanças, dos seguros, do imobiliário,
dos transportes, dos media.
Mas o êxito da globalização dos novos serviços suplantou tudo e
todos – e requereu todo um conjunto de saberes (jurídicos, organiza-
cionais, de marketing, de software, de design, de formação) – que não são
propriamente científicos ou tecnológicos. E, assim, a década de 1990 foi
invadida, nos documentos programáticos, pela palavra conhecimento
(knowledge), palavra com um novo sentido específico, que foi destronan-
do e substituindo a palavra ciência, até então reinante.
Passou-se a falar de economia do conhecimento, ou de economias
baseadas no conhecimento, de sociedade do conhecimento (ou da in-
formação), de gestão do conhecimento e mesmo da necessidade de po-
líticas do conhecimento. Ou seja, a nova palavra conhecimento e o seu
império vieram destronar a ciência, a partir de então uma mera vassala
do imperador global, fiel apenas na medida em que gera filhos rentáveis,
tecnológicos.
Igualmente, durante três séculos, o estado-nação (e o equilíbrio entre
Estados soberanos) constituiu a pedra angular da ordem estabelecida em
Vestefália, que estabilizou a Europa, e depois foi por esta exportado para
os diversos cantos do mundo. Os governos eram os seus representantes
legítimos e os responsáveis morais pela segurança e bem-estar internos e
pela condução dos negócios estrangeiros.

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Mas a realização crescente de negócios em mercados externos – a
criação de mercados globais – bem como a propaganda no sentido de
liberalizar os mercados nacionais, de os desregulamentar e de privatizar
as empresas públicas rentáveis, levaram a uma retirada progressiva dos
governos nacionais da esfera da economia. E veio privilegiar, na esfera
do político, as acções de governança, isto é, a influência política de acto-
res (económicos ou políticos) externos.
A governança é a imagem (política) da globalização (económica). O
estatuto dos governos, de garantes e responsáveis pela soberania, foi sen-
do progressivamente erodido com o espraiar da governança.
Todos estes factos mostram como o mundo, e a nossa sociedade com
ele, estão em transição. E, do mesmo modo, como se torna imprescindível
compreender o sentido profundo destas mudanças, para podermos garantir
que o caminho que percorremos é aquele que nos leva onde queremos ir.
A emergência da sociedade em rede implica a definição de novos
comportamentos consequentes.
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que, assim como os hábitos
de leitura e de referenciação se alteraram com a aproximação do século das
Luzes, é muito natural que a introdução dos media electrónicos, combi-
nando texto e imagem, vá transformando nos tempos que correm o modo
como se acedem, como se consultam, como se pesquisam os registos do
conhecimento existente. O sistema de busca electrónica da informação,
que por enquanto ainda não se encontra completamente desenvolvido e
acabado, poderá tornar-se, afinal, tão “natural” como o alfabético!
Só que vai ser preciso, nos sistemas de educação, transformá-los para
que se aprenda também eficazmente a ler e a escrever na internet. A
sociedade que o não fizer, que não acompanhar e transformar o sentido
do que é educar no século XXI, acolhendo e assumindo esta mudança,
fica irremediavelmente no século passado, envolta nos seus extremos e
nas suas angústias existenciais.
Segundo, temos que redescobrir que o bem-estar e a dignidade em
sociedade passam impreterivelmente pelo pleno exercício da cidadania,
pela afirmação do valor do outro, sem dúvida, mas também pelo seu
papel insubstituível de produtor e transmissor de conhecimento.
Não há soluções globais que não sejam colectivas, partilhadas, acei-
tes e operacionalizadas por todos. O direito à diferença não pode levar

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a que se criem diversos tipos de cidadania, do mais educado ao menos
educado, sugerindo uma nova estratificação social. O acesso de todos à
educação e à informação tem que ser uma arma da solidariedade e da
tolerância ou, de outro modo, esconde uma tentativa de regresso a um
passado de arbítrio dos poderes constituídos sobre (alguns) cidadãos: os
que são menos iguais do que os outros.
Finalmente, vamos ter que pensar um regime de serviço público, de
certificação do conhecimento disponível, para a informação. A primei-
ra Enciclopédia, mais tarde as bibliotecas públicas, mais recentemente
ainda o serviço público de radiodifusão e das televisões, foram tentativas
conseguidas, na sua época, de resguardar o espírito do interesse público
geral.
Hoje, pelas razões apontadas, urge complementar esse regime com
um equivalente dedicado à informação que circula pelos computadores
que comunicam via internet. De outro modo, veremos a identidade
cultural diluir-se no consumo, e não haverá representação do interesse
público para além do Estado (através dos governos, das autarquias e dos
tribunais). Ou seja, os cidadãos e os seus direitos serão progressivamente
fragilizados face aos novos deveres ditados pelas necessidades “informa-
cionais”.
O século XXI será o que os cidadãos fizerem dele.
Um primeiro passo é, com certeza, apercebermo-nos dos ventos que
passam. Este livro é um excelente contributo para que os possamos usar
de modo favorável.

João Caraça
DIRECTOR DO SERVIÇO DE CIÊNCIA
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

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A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Introdução
O nosso mundo, as nossas vidas

O
nosso mundo e as nossas vidas estão a experimentar uma
mudança profunda no âmbito da tecnologia, economia,
cultura, comunicação, política e da relação entre as pessoas.
A sociedade em rede, resultado dessa mudança, deixou de ser um
futuro mais ou menos distante para se transformar no presente. Mas
um presente que assume diferentes características segundo a cultura e
as particularidades de cada região. Como sugere Manuel Castells no
primeiro capítulo desta obra, a sociedade em rede é, simplesmente, a
sociedade em que estamos a entrar, desde há algum tempo, depois de
termos transitado na sociedade industrial durante mais de um século.
Da mesma forma que a sociedade industrial coexistiu durante várias
décadas com a sociedade agrária que a precedeu, a sociedade em rede
mistura-se, nas suas formas, nas suas instituições e nas suas vivências,
com os tipos de sociedade de onde ela própria emergiu. Essa é a socie-
dade em que diariamente acordamos, trabalhamos, aprendemos e cria-
mos riqueza. Onde os conflitos surgem e terminam, onde a inovação
científica nas áreas da saúde e da alimentação vive a par da doença e
da pobreza extrema. Não é uma sociedade composta por cibernautas
solitários e robôs. Nem é um admirável mundo novo, uma nova terra
prometida, onde a simples introdução das novas tecnologias resolverá
todos os problemas.
O trabalho aqui apresentado tem uma múltipla génese. Vários
estudos prévios permitiram estruturar esta análise, que sabemos ser
ambiciosa quer no âmbito, quer na sua comparabilidade com outras
realidades nacionais. O CIES (Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia) na sua linha de investigação sobre a “sociedade do conhe-
cimento e padrões de competências”, o ISCTE (Instituto Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa), nomeadamente, no quadro do

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Mestrado em “Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação”1,
mas também a participação em diversas redes de investigação europeias
COST através do Departamento de Ciências e Tecnologias de Informa-
ção do ISCTE, possibilitaram as bases necessárias para o lançamento
deste estudo. No entanto, a sua concretização só se tornou possível
porque no ano de 2002 se deu início a uma intensa colaboração com
a Universitat Oberta de Catalunya, nas pessoas de Manuel Castells e
Imma Tubella e porque a Fundação Calouste Gulbenkian apostou no
seu interesse para o conhecimento e desenvolvimento de Portugal.
O estudo desenvolvido na Catalunha, intitulado PIC (Project Inter-
net a Catalunya), sobre a sociedade catalã constitui a nossa matriz de
partida, necessariamente adaptada ao contexto nacional, para o estudo
da sociedade em rede em Portugal e para as comparações que aqui se
apresentam entre as duas sociedades ibéricas e outros países da Europa,
América do Norte e do Sul e Ásia.
Neste livro analisa-se, assim, a sociedade em rede em Portugal a partir
de um conjunto de dados estatísticos, obtidos através de um inquérito
por questionário a uma amostra de duas mil quatrocentas e cinquenta
pessoas, representativa da população portuguesa, incidindo sobre o
que fazem hoje os portugueses, em que trabalham, como vivem, com quem se
relacionam, o que pensam, com quem comunicam, como participam politica-
mente, como constroem a sua identidade e a que dedicam o seu tempo. É nesse
contexto, de caracterização das práticas e valores presentes na sociedade
portuguesa, que se torna fundamental a análise dos usos da internet.
Embora não seja a sua fonte, a internet, é um elemento fundamental
para o desenvolvimento da sociedade em rede, pois constitui o meio de
comunicação através do qual se constituem as novas redes de relações
para as pessoas e as actividades. Este é pois, em grande medida, também
um estudo de compreensão do real papel do uso da internet na socieda-
de portuguesa através da observação das diferenças entre quem está conectado
e quem não está e para quê se utiliza a internet, na tentativa de entender a
sociedade em rede que se está a construir em Portugal.

1
Cujos resultados podem ser encontrados na colectânea com o mesmo nome
(Oliveira, Cardoso e Barreiros, 2004) e na investigação Ciberfaces (em http://
ciberfaces.iscte.pt).

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Portugal e a sociedade em rede

O trabalho aqui apresentado, para comodidade de leitura e interpre-


tação por parte do leitor, encontra-se dividido em nove capítulos. No
primeiro capítulo, Manuel Castells explora os conceitos de sociedade
em rede e a sua diversidade cultural e institucional, e também o papel da
internet enquanto instrumento através do qual as pessoas, as empresas,
as organizações e as instituições formam as suas redes de interacção, com
consequências ao nível da mudança organizacional.
O segundo capítulo, partindo dos desafios propostos por Manuel
Castells (2003-2004), procura apresentar ao leitor uma contextualização
da sociedade portuguesa na sua transição para a sociedade em rede, na sua
dupla dimensão social e tecnológica, caracterizando a situação particular
de Portugal no início do século XXI e algumas das intensas transforma-
ções a que este tem sido sujeito nas últimas décadas. Cruzando dados de
fontes secundárias e informações directamente recolhidas na presente
investigação, e, sempre que possível, comparando o cenário descrito com
o vivido noutros países europeus, percorrem-se temas como a evolução
das estruturas económicas, os avanços no domínio da ciência, tecnologia
e inovação, a questão dos níveis de qualificação da população, as mu-
danças no mundo do trabalho e do emprego, a evolução demográfica, os
novos desafios da cidadania e as mutações no campo dos media.
O capítulo três procura apresentar uma aproximação à rede global
em que Portugal se insere. Numa primeira parte do capítulo procura-se,
a partir dos dados existentes, situar a realidade de Portugal no contexto
global através da apresentação de um panorama mundial da utilização
de internet, das línguas utilizadas nessa comunicação e nos conteúdos
disponíveis on-line. A segunda parte lida com o posicionamento de Portu-
gal em termos de modelo de sociedade informacional, ou seja, compara-se
a situação portuguesa face a três modelos de desenvolvimento informa-
cional, Finlândia, Califórnia e Singapura. Essa comparação é realizada
tendo presente as estruturas de emprego, tecnologia, desenvolvimento,
valores partilhados, modelos de bem-estar social e cidadania.
No capítulo quatro, dá-se início à análise do perfil social dos utiliza-
dores da internet e as suas práticas de utilização deste recurso, partindo-
-se da hipótese de que tal pode constituir um bom guia de entendimento
das características particulares da sociedade em rede em Portugal. Além de

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apresentar os principais traços sociais distintivos dos cibernautas por-
tugueses e discutir alguns dos obstáculos mais decisivos à expansão do
uso da internet no nosso país, este capítulo dá ainda conta de aspectos
como a frequência do uso da internet, os locais de acesso e as actividades
desenvolvidas na rede, cruzando, sempre que pertinente, as informações
sobre tais práticas com dados de caracterização dos seus protagonistas.
O quinto capítulo centra-se na análise das relações de sociabilidade e
actividades quotidianas desenvolvidas na sociedade em rede. Identificar
e compreender as implicações do uso da internet na amplitude, densida-
de e intensidade das redes de sociabilidade dos portugueses, e perceber
se essa utilização tem impactos na sua qualidade de vida, é um dos ob-
jectivos deste capítulo. Para tal, analisam-se indicadores como os que se
referem ao volume das redes de relacionamento familiar e social (amigos
e vizinhos), ao modo como se contacta com essas pessoas e à utilização
da internet como meio de comunicação potenciador de contactos à dis-
tância. Discutem-se também algumas das questões levantadas sobre os
designados perigos potenciais associados do uso da internet, tais como, os
do isolamento social, da depressão individual e da indiferença familiar.
O sexto capítulo incide sobre as práticas comunicacionais e acesso à
informação por parte dos portugueses. O aparecimento da internet e o
seu uso acarretou, indiscutivelmente, mudanças profundas nas práticas
comunicacionais, nos meios de comunicação, nos conteúdos disponibi-
lizados, nos modos de interactividade e, ainda, nas representações que se
vão construindo sobre essas diferentes plataformas comunicativas. São
algumas dessas transformações que se analisarão ao longo do capítulo
seis procurando responder às seguintes questões. Qual o lugar que a
internet ocupa como actividade de comunicação na sociedade em rede?
Qual o seu papel no universo das práticas comunicativas em Portugal?
Que confiança se tem nos seus conteúdos comparativamente a outros
meios de comunicação? Que opiniões emergem sobre esta nova tecnolo-
gia de informação e comunicação? Que diferenças existem a este respeito
entre utilizadores e não utilizadores de internet? Afinal, quais são as prá-
ticas comunicacionais dos portugueses?
O capítulo sete incide sobre dois temas distintos mas interligados
– processos de construção de identidade e referências identitárias na so-
ciedade portuguesa e acção colectiva e práticas de cidadania. Assume-se
nas conceptualizações teóricas da sociedade em rede que estas são duas

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dimensões centrais para a análise desta nova forma de organização socie-
tal. Para além de se pretender compreender os processos de referência
identitária (principais, territoriais e históricas) e as implicações que o uso
da internet tem nestas questões, é também objectivo deste capítulo ana-
lisar as práticas e alterações ocorridas na participação social e política.
Na sociedade em rede, os modos de participação e os meios disponíveis
alteraram-se significativamente. As tecnologias de informação e comuni-
cação permitem aos cidadãos uma maior proximidade às estruturas do
poder democrático, associativo, etc., bem como uma maior facilidade de
contacto e interacção. Mas, será que em Portugal a utilização da internet
como meio de participação social e política é assim tão recorrente? Mo-
bilizar-se-ão mais os portugueses para questões políticas, cívicas, culturais
no espaço virtual do que o faziam antes do aparecimento da internet?
O trabalho e a pertença associativa tornaram-se mais apelativas? Que
práticas desenvolvem?
Numa abordagem transversal, incorporando algumas das temáticas
analisadas nos capítulos anteriores, procura-se no capítulo oito especi-
ficar a transição em curso em Portugal para uma sociedade em rede.
A leitura de um extenso conjunto de dados organizados em diferentes
dimensões posiciona-nos perante uma dimensão de transição, em que
convivem simultaneamente debilidades estruturais e potencialidades
adquiridas. A caracterização da sociedade portuguesa que se procura
realizar reflecte a transição de uma população com escassos níveis de
educação para uma sociedade onde as gerações mais novas atingiram já
competências educacionais mais aprofundadas. Ao mesmo tempo que
se depara com múltiplos processos de transição, a sociedade portuguesa
conserva uma forte coesão social sobre uma densa rede de relações so-
ciais e territoriais. É uma sociedade que “muda e se mantém coesa ao
mesmo tempo. Evolui na sua dimensão global, mas mantém o controlo
local e pessoal sobre aquilo que dá sentido à vida” (Castells, 2004b). É
nesse contexto que se produz uma transição fundamental: a transição
tecnológica expressa por meio da difusão da internet e a emergência da
sociedade em rede na estrutura e na prática social. Como detectar essas
mudanças na estrutura e na prática social? É a essa pergunta que procura
responder o capítulo oito.
Partindo da conceptualização elaborada a este respeito por Castells
(2003) na investigação análoga desenvolvida na Catalunha, bem como

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dos desenvolvimentos teóricos de Giddens (1991) e Beck (1992), entre
outros, o capítulo nove parte do princípio de que a sociedade em rede se
caracteriza, em todos os contextos culturais, por um incremento substan-
cial do nível de autonomia e reflexividade dos indivíduos e da sociedade
civil. Tal decorrerá, fundamentalmente, não tanto da evolução tecnoló-
gica em si mesma, mas, antes de mais, de processos sociais como a crise
de legitimidade das instituições políticas e do mundo dos negócios, a
afirmação da individualidade pessoal como valor chave de referência no
estabelecimento de normas sociais, e a expressão de identidades colecti-
vas a diferentes níveis. É neste sentido que, neste capítulo, se analisam
– com base nos dados recolhidos através do inquérito – práticas sociais
centrais à construção de alguns destes projectos de autonomia emergen-
tes, nos diversos âmbitos da vida social, relacionando-as, por um lado,
com o perfil social dos seus protagonistas e, por outro, com a questão
da utilização da internet. Um dos objectivos é precisamente discutir a
articulação entre o uso deste meio de comunicação e a emergência de
(novas) formas de reflexividade e autonomia.
Quando em 1969 se deram os primeiros passos na constituição da
Arpanet, o antepassado tecnológico da nossa actual internet, estava-se
longe de pensar que esta poderia vir a transformar tão radicalmente o
mundo. Iniciou-se então uma revolução tecnológica ao mesmo tempo
que importantes mudanças sociais ocorriam. Esta combinação teve, sem
dúvida, implicações sociológicas vastíssimas. A configuração da sociedade
em rede, tal como Manuel Castells a tem vindo a propor e a analisar, é
uma delas.
Por agora, este livro procura dar a conhecer a situação de Portugal
relativamente a este processo. Certamente que para muitos a sociedade
aqui analisada parecer-lhes-á familiar, pois é esta a sociedade em rede em
que vivemos.

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A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 1
A sociedade em rede
Manuel Castells

A
sociedade em rede é a sociedade em que nós vivemos. Não é
uma sociedade composta por cibernautas solitários e robôs em
telecomunicação. Nem sequer é a terra prometida das novas
tecnologias que resolvem os problemas do mundo com a sua magia. É,
simplesmente, a sociedade em que estamos a entrar, desde há algum
tempo, depois de termos transitado na sociedade industrial durante
mais de um século. Mas, da mesma forma que a sociedade industrial
coexistiu durante várias décadas com a sociedade agrária que a precedeu,
a sociedade em rede mistura-se, nas suas formas, nas suas instituições
e nas suas vivências, com os tipos de sociedade de onde surgiu. Mais
ainda, como veremos, um traço essencial da sociedade em rede é que
se organiza globalmente e os seus níveis de desenvolvimento são muito
diferentes em cada país. Nem todas as pessoas, nem todas as actividades,
nem todos os territórios estão organizados segundo a estrutura e a lógica
da sociedade em rede. De facto, as pessoas plenamente integradas nessa
sociedade constituem uma minoria da população do planeta, como tam-
bém aconteceu durante o processo de industrialização que transformou
o mundo desde meados do século XIX. Mas toda a humanidade, esteja
onde estiver e quem quer que seja, está condicionada, nos aspectos fun-
damentais da sua existência por aquilo que acontece nas redes globais e
locais que configuram a sociedade em rede. Porque essas redes incluem
e organizam o essencial da riqueza, o conhecimento, o poder, a comuni-
cação e a tecnologia que existe no mundo. Assim, a sociedade em rede é
a estrutura social dominante do planeta, a que vai absorvendo a pouco
e pouco as outras formas de ser e de existir. Isso, em si mesmo, não é
bom nem mau: é. E as suas consequências, como no caso de outras
sociedades que existiram historicamente, dependem do que as pessoas

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fazem, incluindo nós, nessa sociedade e com os instrumentos que essa
sociedade oferece.
Mas, o que é afinal de contas, essa sociedade em rede? E em que se
diferencia das outras? E como sabemos que existe? E como nos afecta em
concreto, para além do debate académico sobre a diversidade histórica
da estrutura social? Mais do que uma definição teórica, o que precisamos
para identificar essa sociedade é uma descrição dos seus principais ele-
mentos, por contraste com a sociedade industrial.
Podemos começar por dizer que a sociedade em rede só se pode de-
senvolver a partir de um novo sistema tecnológico, o das tecnologias de
informação e de comunicação de base microelectrónica e comunicação
digitalizada (Mitchell, 2003). Não foi a tecnologia que determinou o nas-
cimento e o desenvolvimento da sociedade em rede, mas sem este tipo
de tecnologias aquela não teria existido; da mesma maneira, não foi a
electricidade que originou a sociedade industrial mas sem a electricidade
e o motor eléctrico a sociedade industrial, tal como a conhecemos, não
teria existido.
Apesar das tecnologias electrónicas de informação e comunicação te-
rem antecedentes históricos que remontam a finais do séc. XIX, pode ar-
gumentar-se que foi apenas na década de 70 que apareceu no mundo um
paradigma tecnológico dominante em torno da microelectrónica, a in-
formática, as telecomunicações e os novos materiais sintéticos (Castells,
2002, 2003a, 2003b, 2004a). Desde então esse paradigma expandiu-se
e aprofundou-se de forma extraordinária, tanto em termos de inovação
tecnológica e aplicações como na sua penetração em todos os âmbitos
da actividade humana (Mitchell, 2003). A internet é simultaneamente o
instrumento chave e o símbolo deste novo sistema tecnológico, tal como
o foi o motor eléctrico na difusão da capacidade energética da electrici-
dade. A internet é, simplesmente, uma rede de redes de computadores
interligados por uma linguagem informática comum que permite comu-
nicar, em tempo real ou diferido, a partir de qualquer ponto do planeta
para qualquer outro (incluindo a casa ao lado) e aceder a qualquer tipo
de informação que esteja digitalizada (o que é o caso, actualmente, de
93% da informação do planeta), sem maior custo de telecomunicações
que o de uma chamada local (já outra coisa são as tarifas arbitrariamente
impostas pelas empresas). A internet é um meio de comunicação livre e
interactivo, baseado em programas informáticos que também são livres

20
porque os seus criadores assim o quiseram e os publicaram na internet
sem direitos de autor ou de propriedade. Na realidade, se se tivessem
aplicado as regras tradicionais dos direitos de propriedade intelectual, a
internet não existiria. Apesar de a internet ter surgido, na sua primeira
versão, nos EUA em 1969, foi realmente nos anos 90 que teve, como ve-
remos, a sua extraordinária expansão, tornando-se, juntamente com ou-
tras redes informáticas telecomunicadas, o sistema nervoso da sociedade
em rede (Abbate, 1999; Naughton, 1999; Castells, 2002). A expansão
da capacidade comunicativa digital aumenta com o desenvolvimento
dos telemóveis, das redes wireless, e com a convergência da internet
com as ditas redes (Rheingold, 2003). Assim, o futuro está aqui não
como afirmavam os futurólogos, mas sim tal como o vamos conhecendo
através dos estudos dos investigadores, isto é, construído pelas pessoas e
pelas grandes forças sociais e económicas. Vejamos pois, a partir desses
trabalhos, em que consiste esse mundo (Castells, 2002, 2003a, 2003b,
2004a; Cardoso, 1998, 2003; Wellman e Haythornwaite, 2002; Katz e
Rice, 2002; Mitchell, 1999; Mitchell, 2003; Stiglitz, 2002; Clark, 2003;
Held e outros, 1999; Nye e Donahue, 2000; Price, 2002; Hutoon e Gid-
dens, 2000; Schiller, 1999; Benner, 2002; Servon, 2002; Levy, 1997; Hi-
manen, 2001; Juris, 2004; Banegas 2003; Zook, 2004; Castells, 2004b).
Espero que o que a seguir se descreve lhe pareça familiar.
O sistema tecnológico centrado nas tecnologias de informação per-
mitiu a formação de uma nova economia, um novo sistema de meios de
comunicação, uma nova forma de gestão, tanto nas empresas como nos
serviços públicos, uma nova cultura e, de forma incipiente, a emergên-
cia de novas formas de instituições políticas e administrativas. Também
surgiram novos problemas sociais e novas formas de reivindicação e
mobilização da cidadania, uma vez que nem só de tecnologia vivem as
pessoas: a modernidade informática não elimina os problemas sociais e
políticos, e nalguns casos e em determinadas condições até os acentua. E
essas mobilizações também utilizam novas tecnologias de comunicação
e, consequentemente, adoptam novas formas de organização, debate e
acção (Ugarte, 2004; Cue, 2004).
Vejamos então. Uma nova economia, dizemos. Mas não a das dot-
com e da bolha financeira da internet, mas sim aquela economia em
que a produtividade e a competitividade das empresas, regiões e países
dependem, fundamentalmente, da capacidade de gerar conhecimento e

21
processar informação de forma eficiente. O que quer dizer, em primeiro
lugar, educação e recursos humanos que se possam adaptar a formas de
gestão e produção em constante mudança, a partir da sua utilização de
tecnologias de informação e comunicação. Que saibam o que procurar
na internet e o que fazer com o que encontram em função das tarefas e
projectos a que se destina a informação. A riqueza e o poder na socieda-
de em rede dependem, antes de mais nada, da qualidade da educação,
da plena integração do conjunto da população no sistema educativo e de
uma relação fluida entre as organizações e as instituições da sociedade
com o sistema universitário e a investigação científica. O conhecimento
e a inovação são as fontes de riqueza, de poder e de qualidade de vida. É
daí que vem o dinheiro. Com conhecimento, acaba por se realizar inves-
timento e ganhar dinheiro. Sem conhecimento, mesmo tendo dinheiro,
acaba-se por perdê-lo.
Esta economia do conhecimento e da informação está organizada
globalmente. A globalização da economia é um traço fundamental da
nossa sociedade. Mas não quer dizer que tudo esteja globalizado. De
facto, a maioria das pessoas trabalham em empresas de âmbito local e
regional. Mas as actividades fundamentais, aquelas das quais depende
tudo o resto em cada país, estão globalizadas. É o caso dos mercados
financeiros nos quais se investe todo o dinheiro – incluindo todas as
nossas poupanças, sem que possamos controlar o seu destino e a sua
aplicação uma vez que as confiamos às instituições financeiras. Inclu-
sivamente as próprias instituições financeiras só as controlam até certo
ponto, pois dependem dos fluxos globais, em grande parte aleatórios e
imprevisíveis. Os mercados financeiros globais são uma rede de fluxos
financeiros e de informação organizados por uma rede de computadores
telecomunicados. Essa é uma dimensão básica da sociedade em rede.
Também a produção de bens e serviços está globalmente articulada,
em torno de um núcleo de 65 000 empresas multinacionais que, apesar de
apenas empregar uns 200 milhões de trabalhadores (há 3 000 milhões de
trabalhadores no mundo), representam 40% do valor do produto bruto
mundial e 75% do comércio internacional. O comércio externo é pois a
vida ou a morte das economias, mas representa sobretudo a internaciona-
lização da produção. E esta produção também se baseia em redes, redes de
maquinaria, de gestão, de bens, de serviços, de pessoas, de informações,
que utilizam as tecnologias de informação e comunicação e um sistema

22
de transporte global de pessoas e mercadorias que também dependem, no
seu funcionamento, de computadores e de telecomunicações.
A ciência e a tecnologia, forças produtivas essenciais da nossa socieda-
de, estão organizadas em redes de centros de investigação e de investiga-
dores, sobretudo a partir de universidades, nas quais o importante é estar
em rede, onde se gera o conhecimento e circula a informação essencial.
A força de trabalho só está globalizada num pequeno segmento da
mesma, entre os trabalhadores de mais elevadas qualificações no seu
ramo de actividade (como analistas financeiros, engenheiros informáti-
cos ou biólogos, publicitários de imagem ou estrelas desportivas). Mas a
maioria da força de trabalho é local ou regional. E aí reside a dificuldade
de controlar os movimentos das empresas por parte dos trabalhadores.
O capital é global, o trabalho é local: nessa separação cria-se um vazio
que torna ineficazes os processos de regulação e controlo que se criaram
na sociedade industrial. Por isso a sociedade em rede não é apenas for-
mada por nós ligados, mas, simultaneamente, por conexão e descone-
xão. Conexão daquilo que interessa ligar e desconexão daquilo que, do
ponto de vista dos interesses dominantes, não interessa ligar. Isto não
obsta que quem queira ligar-se segundo os seus próprios critérios não
o possa fazer. Por exemplo, as redes de sindicatos de trabalhadores de
diferentes países para poderem negociar com uma multinacional a partir
das suas diferentes empresas filiadas. É assim que se vai tecendo a rede
da nossa sociedade, não apenas a partir das empresas ou dos mercados
financeiros, mas também a partir de todos os actores da sociedade que se
adaptam a essa globalização, globalizando-se também na sua acção, a par-
tir da sua própria proposta de sociedade, fundada em valores distintos
e utilizando também a internet e outras redes informáticas para unir o
local ao global. Assim se vão gerando novas formas de controlo político
e diversidade cultural. Através deste processo, o chamado movimento
anti-globalização é na realidade um movimento global que propõe for-
mas distintas de globalização baseadas nos interesses e valores das pes-
soas mais do que dos poderes económicos e mediáticos.
Redes operadas electronicamente estão também na base das novas
formas de gestão de empresas que se reconhecem, precisamente, como
empresas rede. É uma gestão simultaneamente coordenada e descentrali-
zada, fundada na unidade de projecto da empresa e na flexibilidade e na
autonomia de cada uma das suas unidades. É uma forma de organização

23
económica baseada em acordos limitados e concretos entre empresas,
na subcontratação de produção e serviços, e na mudança constante de
estruturas organizativas e de pessoal segundo os mercados, as tecnologias
e as estratégias da empresa em cada momento. A empresa rede não é
uma empresa organizada em rede interna nem uma rede de empresas,
ainda que ambos os aspectos façam parte da empresa rede. A empresa
rede é aquela que se baseia num projecto de negócio em que participam
empresas distintas com os seus recursos e estratégias próprias. É uma rede
que se desfaz no final de cada projecto e que se volta a tecer, com outros
componentes, com cada novo negócio que surge. Assim, na economia da
sociedade em rede, se bem que a empresa continue a ser a unidade jurídi-
ca de gestão do capital e do trabalho, a actividade económica depende de
projectos de negócios executados por uma rede de recursos, rede mutável
em função das circunstâncias. Portanto, a flexibilidade laboral é essencial
nessa forma organizativa. E como é uma forma muito mais ágil e eficien-
te, a empresa rede como forma de gestão vai-se difundindo por concor-
rência, ou seja, eliminando os concorrentes cujas formas de organização
são hierárquicas e verticais, segundo as rotinas herdadas da sociedade
industrial. Naturalmente, sem a internet e sem a informática não seria
possível gerir a complexidade que representa a empresa rede, sobretudo
quando se relaciona globalmente tanto com os mercados como com os
recursos. As consequências desta forma de gestão, produção e trabalho,
fazem-se sentir directamente na vida das pessoas, desde a flexibilidade
laboral voluntária ou imposta à necessidade constante de reciclagem pro-
fissional e abertura à inovação como valor essencial. A sociedade em rede
é também, como analisou Ulrich Beck (1992), uma sociedade de risco.
Os meios de comunicação, que contribuem decisivamente para a for-
mação das nossas representações colectivas, e portanto, da nossa cultura,
também se caracterizam pela sua interdependência global, pelo seu fun-
cionamento em rede e pela sua crescente interligação, entre diferentes
meios, através da sua relação com a internet. Vivemos em comunicação
e ligados de forma constante, mas as formas e os conteúdos dessa cone-
xão dependem das relações entre diferentes grupos de comunicação e
das suas relações com as sociedades e as políticas das quais dependem.
Também aqui observamos a formação de uma rede de comunicação,
mas uma rede interrompida e cruzada segundo as relações de poder em
mudança (Norris, 2000; Volkmer, 1999; Campo, 2003).

24
O território em que vivemos tem vindo a sofrer uma profunda trans-
formação no novo contexto globalizado, telecomunicado e informati-
zado. Mas não aconteceu o desaparecimento das cidades como tinham
previsto os futurólogos, que anunciavam a possibilidade de tudo se poder
fazer à distância, sem necessidade de nos deslocarmos. Pelo contrário, te-
mos assistido à maior vaga de urbanização da história: actualmente, mais
de metade da população do planeta vive em zonas urbanas e estima-se
que em cerca de 25 anos a população urbana chegará aos dois terços. Na
Europa Ocidental a proporção ultrapassa os 75%. Mas as novas tecnolo-
gias de comunicação e de transportes contribuíram poderosamente para
o aparecimento de uma nova forma territorial, as regiões metropolita-
nas, nas quais se concentra uma grande parte da população e o essencial
das actividades económicas e de geração de conhecimento. Estas regiões
caracterizam-se internamente por serem territórios descentralizados, que
englobam cidades e vilas, espaço rural e urbano, numa grande extensão
que funciona como unidade da vida quotidiana graças às ligações de
transportes rápidos e de telecomunicações (Graham e Simon, 1996;
Wheeler e outros, 2000). Porém, por outro lado, estas regiões metropo-
litanas estão relacionadas umas com as outras através de redes globais
de comunicação e das telecomunicações. A arquitectura territorial do
planeta é formada por grandes núcleos urbanizados que concentram
população, tecnologia, riqueza e poder e que se relacionam uns com
os outros, enquanto simultaneamente a maior parte do território do
planeta está a despovoar-se e a marginalizar-se, numa perspectiva global.
O espaço da sociedade em rede está a construir-se, assim, em torno de
redes de comunicação que vinculam territórios, as regiões metropolita-
nas, enquanto que desvinculam outros, sem capacidade de oferecer mais
valias aos circuitos globais que constituem a infraestrutura deste tipo de
sociedade (Graham e Simon, 2001; Graham, 2003). Neste contexto, a
dimensão territorial da sociedade em rede em Portugal reside, por um
lado, na formação de duas grandes regiões metropolitanas integradas
que correspondem à maior parte do país (no caso do Porto com uma ten-
dência para se articular com a Galiza) e que funcionam como unidade,
mas também como um sistema descentralizado facilitado por comuni-
cações internas, tanto de transportes como de comunicações. Por outro
lado, estas regiões metropolitanas fazem parte de uma rede mundial de
territórios metropolitanos. O posicionamento das metrópoles portugue-

25
sas nessa rede global de valor condiciona o nível de vida e a qualidade
de vida dos seus habitantes. E esse posicionamento depende do grau de
conectividade de Portugal e da capacidade cultural, educativa e pessoal
dos portugueses para actuar e funcionar nas referidas redes globais.
Também assistimos a uma mudança substancial nas instituições da
sociedade. O sistema político, os estados e as administrações têm vindo
a modificar-se no seu funcionamento pela globalização e por um novo
enquadramento tecnológico. Os partidos políticos praticam uma políti-
ca mediática, baseada na informação e no manuseamento da comunica-
ção de imagem. Frequentemente, a política mediática deriva para uma
política de escândalos como forma de eliminar o adversário através da
difusão de imagens negativas, muito mais eficazes do que as próprias
mensagens positivas. E como em todo o mundo acontece o mesmo, o
resultado é uma crise crescente da legitimidade democrática em todos
os países (Thompson, 2000; Castells e Olle, 2003). Pelo seu lado, os
Estados vêm-se cada vez mais superados por fluxos globais de capital,
de produção, de comunicação, de informação e de tecnologia, sobre os
quais têm escasso controlo, fechados nos seus âmbitos nacionais. Sem
dúvida, os estados têm reagido para restabelecer a sua legitimidade e a
sua eficiência. Tentando renovar a sua legitimidade, cederam às pressões
da sociedade local, regional e de nações supeditadas (como a Catalunha
ou a Escócia) através de um processo de descentralização administrativa.
Também têm dado uma crescente atenção às organizações não governa-
mentais, expressão da sociedade civil. E para aumentar o seu poder de
gestão sobre os fluxos globais têm vindo a organizar-se em instituições
co-nacionais e supra-nacionais, tais como a União Europeia, tentando
dar uma maior relevância a instituições de gestão global como o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial
do Comércio e, ainda que com profundas contradições, as Nações
Unidas. Formou-se assim um novo sistema de gestão política no qual os
estados-nação do passado, sem deixarem de existir, se converteram em
nós (essenciais) de uma rede institucional em que partilham soberania e
decisões com instituições co-nacionais, supra-nacionais, internacionais,
quase-nacionais (como a Catalunha), regionais, locais e organizações não
governamentais (ONG). Formou-se, pois, um estado em rede, em que
os intercâmbios entre todos estes níveis e formas de governo constituem
o processo de governação de que em grande parte dependem as nossas

26
vidas. Essa rede está, parcialmente, apoiada num sistema de informação
e comunicação electrónica, se bem que haja um desfasamento conside-
rável entre a capacidade operacional da administração para funcionar
em rede electrónica e a formação de facto de um estado em rede como o
que acabámos de descrever.
Enfim, é neste novo contexto que se desenvolve a vida quotidiana
das pessoas. Que, em parte, assume a existência das novas tecnologias de
comunicação como a internet e a adapta às suas necessidades, aos seus
interesses, aos seus valores, aos seus projectos (Cardoso, 1998; Haythor-
nwaite e Wellman, 2002; Katz e Rice, 2002; Woolgar, 2002; Dutton,
2001). E como a internet é uma tecnologia muito maleável, onde his-
toricamente os utilizadores têm sido os inventores de muitas das suas
aplicações (desde o correio electrónico, às listas de difusão e aos chats) a
vida real de cada sociedade tem vindo a operar as mudanças na internet.
Mas a existência da internet também tem permitido que as pessoas se
vão situando num novo contexto, percebendo, por exemplo a necessida-
de de se auto-informar e de se auto-educar num mundo de flexibilidade
laboral e de valorização da inovação. Utilizando a internet também para
estabelecer redes de comunicação horizontal independentes dos meios
de comunicação de massas dos quais desconfiam. E construindo a auto-
nomia da sociedade civil global como contrapeso à crise de legitimidade
das instituições políticas nas quais acreditam cada vez menos.
Em resumo, as fases iniciais da formação da sociedade em rede,
baseada na plataforma das tecnologias de informação e comunicação,
afectaram essencialmente a economia, as empresas, o território, o
mundo da comunicação e as esferas de poder. Curiosamente, nessa
primeira fase de criação de redes instrumentais, a internet esteve po-
voada fundamentalmente por cientistas, universitários e contraculturas
virtuais. Mas quando a sociedade em rede se manifestou em toda a sua
importância e milhões de pessoas perceberam que viviam num mundo
de redes, a partir da década de 90, então as pessoas apropriaram-se da
internet para construir as suas próprias redes, a partir das suas próprias
vidas e projectos. E assim surgiu a sociedade em rede que temos agora,
em termos gerais, uma sociedade em rede feita da formação de redes de
poder, riqueza, gestão e comunicação na trama da estrutura social. Mas
também uma sociedade em rede construída, a partir de baixo, por pesso-
as que, individual ou colectivamente, se têm vindo a apropriar do poder

27
comunicador da internet para gerar novas formas de vida, sociabilidade
e alternativas políticas. Quais são essas formas? O que é a sociedade em
rede vista a partir da vida quotidiana? Para responder a esta questão, es-
sencial para o entendimento das nossas vidas, é necessário, em primeiro
lugar, afirmar a diversidade cultural e institucional da sociedade em rede
(Castells e outros, 2003).
De facto, não existe uma sociedade em rede única, que seria a re-
produção em todo o mundo dos processos de organização gerados em
Silicon Valley a partir das tecnologias de informação. Da mesma forma
que a sociedade industrial não foi a cópia de Inglaterra do séc. XIX e
foi muito diferente no Japão e nos EUA, em França ou na Suécia, a
sociedade em rede desenvolve-se em cada país consoante a cultura, a
história, a identidade e o modo de vida desse país. Por exemplo, segun-
do os dados das organizações internacionais, a Finlândia é a sociedade
mais avançada do mundo na utilização e difusão de tecnologias de co-
municação e informação e um dos grandes centros de inovação tecno-
lógica do planeta, sobretudo no campo essencial dos telemóveis. Mas,
ao mesmo tempo, o modelo finlandês de sociedade em rede contrasta
fortemente com o californiano, na medida em que se apoia fortemente
num estado providência desenvolvido e numa política activa do estado
finlandês legitimado como defensor da identidade nacional de um
país secularmente oprimido pelos seus vizinhos. Assim, duas socieda-
des tão distintas como a da Califórnia e a da Finlândia constituíram-se
como sociedades em rede, em termos tecnológicos igualmente avan-
çadas, mas por vias diferentes e com modalidades próprias (Castells
e Himanen, 2002). Mas, simultaneamente, existe algo de comum à
sociedade em rede nas diferentes culturas e contextos em que se de-
senvolve, pois se não, não teria sentido manter a mesma designação
para realidades diferentes. Estudos comparados do desenvolvimento
da sociedade em rede em vários países (Castells, 2004b) mostram que
a organização das actividades económicas, políticas, culturais, da vida
quotidiana, em torno de redes de relações baseadas em tecnologias
electrónicas constituem o denominador comum que tem importantes
consequências sobre a forma de viver e de fazer em todos os âmbitos
da prática social.
É essa dupla tendência que este livro capta através do estudo da
sociedade portuguesa. Por um lado, tenta identificar em que medida

28
existe em Portugal um processo de transformação social e tecnológica
a partir da emergência de redes de relações baseadas nas tecnologias de
comunicação electrónica, em correspondência com a tendência que se
observa no mundo. Por outro lado, pretende definir o que é próprio da
sociedade portuguesa, aqueles traços que são específicos do país, da sua
cultura e da sua forma de organização social.
A análise da sociedade em rede em Portugal parte de estudo das uti-
lizações da internet, porque a internet é o meio de comunicação através
do qual se constituem as redes de relações de novo tipo para as pessoas
e as actividades. Não é que a internet seja a fonte da sociedade em rede,
mas sim o instrumento através do qual as pessoas, as empresas, as organi-
zações e as instituições formam as suas redes de interacção. Recorrendo
de novo ao nosso exemplo histórico, para estudar o processo de criação
da sociedade industrial utilizou-se a observação das novas formas de
trabalho em fábricas possibilitadas pelo motor eléctrico, as novas formas
de urbanização baseadas no transporte eléctrico ou no automóvel e os
novos meios de comunicação que surgiram a partir da rádio e da televi-
são. Hoje em dia, a análise dos usos da internet e das redes informáticas
telecomunicadas em geral constituem um bom ponto de entrada para
observar a transformação da organização social em Portugal em torno do
modelo que se detecta no mundo sob o conceito de sociedade em rede.
A análise apresentada neste livro constitui um estudo em profundi-
dade da transformação da sociedade portuguesa realizado a partir de um
inquérito aplicado a uma amostra representativa da população. Nesta
análise utilizou-se uma problemática e uma metodologia que a tornam
comparável, em termos gerais, com outras investigações realizadas a ou-
tras sociedades. Daí o seu interesse, porque permite perceber o processo
específico de mudança social e tecnológica em Portugal num contexto
mais amplo da transformação que se está a produzir no mundo. Só a
partir desse conhecimento poderão os cidadãos portugueses construir a
sociedade em rede dos seus projectos, valores e aspirações, em vez de se
adaptarem a formas derivadas das novas tecnologias. Porque a sociedade
em rede, como todas as sociedades que a precederam na história, se es-
trutura a partir da acção humana, das suas paixões, dos seus conflitos e
dos seus sonhos. E também da consciência informada pelo conhecimen-
to do tempo em que vivemos.

29
30
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 2
Processo de mudança estrutural na sociedade portuguesa

A
sociedade portuguesa tem vindo a conhecer um significativo
processo de modernização, traduzido em domínios tão di-
versos como a transformação das estruturas económicas e o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a escolarização das novas
gerações e a recomposição socioprofissional, a feminização e progressiva
terciarização do trabalho, a urbanização da população e dos espaços, a
alteração dos padrões demográficos e de vida familiar, a democratização
das estruturas políticas e a mediatização do espaço público.
As mudanças verificadas são, sem dúvida, assinaláveis, e o ritmo da
mudança não terá tido paralelo em muitos países, pelo menos nos tem-
pos mais recentes. Todavia, tal processo de modernização está longe de
ter sido linear, isento de obstáculos e contradições; e, acima de tudo, está
longe de ter terminado.
Portugal encontra-se assim numa encruzilhada, associando traços
e dinâmicas de modernidade, comuns a muitas das nações europeias
(em relação às quais a comparação se torna inevitável), a vestígios de
uma sociedade mais arcaica, que tendem a persistir e a obstruir algumas
das transformações em curso. Enfrenta, por um lado, muitos dos novos
desafios e paradoxos das sociedades actuais – veja-se o envelhecimento
populacional, a emergência de novas formas de pobreza, a crise das es-
truturas democráticas ou a mediatização da sociedade. Mas, por outro,
suporta os atrasos induzidos pela manutenção de antigas estruturas e
disposições sociais, obstáculos ao necessário, e tão comentado, processo
de convergência. Exemplos desses atrasos são a especialização económi-
ca em sectores de fraca intensidade tecnológica, a manutenção de defi-
cientes níveis de qualificação da população, a insuficiência dos apoios
sociais ou o ainda limitado desenvolvimento das novas classes médias. É,
neste sentido, que se torna pertinente falar de Portugal como cenário de
“processos de uma modernidade inacabada” (Machado e Costa, 1998),

31
como um “país dual” (Conceição e Heitor, 2003), onde inovação e ape-
go a antigos modos de estar e fazer se cruzam e se sobrepõem, ou como
palco de um desenvolvimento intermédio, numa condição híbrida de
“semiperiferia” (Santos, 1993). Epítetos como estes resultam de análises
teórica e substantivamente diversas, mas convergem na identificação do
carácter complexo e, não raras vezes, contraditório da sociedade portu-
guesa do final do século XX e início do século XXI.
Parte-se, pois, do pressuposto de que compreender a transição por-
tuguesa para o que Manuel Castells (2002, 2003) conceptualiza como
sociedade em rede, na sua dupla dimensão social e tecnológica, implica
conhecer a posição particular em que o país se encontra, na viragem
para o terceiro milénio, as evoluções a que tem sido sujeito e que ele
próprio protagoniza. É esse o sentido deste capítulo. Nele se cruzam
dados de fontes secundárias – nomeadamente publicações estatísticas,
mas também diversos estudos sobre a realidade portuguesa – com infor-
mações directamente recolhidas através da pesquisa agora apresentada.
Sempre que possível, o cenário e os processos descritos e analisados são
comparados com outros países, designadamente da Europa.

Economia: novos desafios e velhas fragilidades

A história da sociedade portuguesa no último meio século é, do


ponto de vista económico, marcada de forma indelével por um forte
e relativamente constante crescimento dos níveis de rendimento, bem
como por uma intensa e progressiva abertura ao exterior. Se atendermos
à evolução registada nos últimos cinquenta anos nos países da OCDE,
Portugal encontra-se claramente entre aqueles que beneficiaram de uma
mais alta taxa média de crescimento anual (Mateus, 1998; Murteira,
Nicolau, Mendes e Martins, 2001). Tal não foi contudo suficiente, até
ao momento, para superar o histórico atraso estrutural. As comparações
internacionais com os países mais desenvolvidos, nomeadamente com
as médias europeias, mantêm-se desfavoráveis a Portugal, sob o ponto de
vista de importantes indicadores económicos e sociais.
Três momentos chave são de destacar na evolução económica do país
nas últimas décadas (Mateus, 1992; Barreto, 1996; Mateus, 1998; Viegas
e Costa, 1998; Murteira e outros, 2001; DGEP, 2002).

32
A adesão à Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), no início
da década de 60, marcou uma importante abertura económica e o fim
da política de substituição das importações. O aumento da concorrência
e dos contactos com o exterior favoreceram uma gradual reestruturação
e modernização do tecido empresarial, nomeadamente com a perda de
protagonismo da agricultura e pesca – que no final da década de 50
representavam ainda 27% do PIB – e com uma maior importação de tec-
nologias de produção (Mateus, 1998; DGEP, 2002). Paralelamente, os
anos 60 foram marcados pela emigração de um importante contingente
da população, que passa assim a contribuir para a economia nacional
com significativas remessas e que reforça o grau de abertura da sociedade
ao exterior. A taxa de crescimento médio anual do PIB per capita atinge,
no período de 1953 a 1973, os 5,6% (Mateus, 1998).
A revolução desencadeada a 25 de Abril de 1974, ditando o fim
da ditadura vigente, conduziu por seu turno, a uma progressiva demo-
cratização das estruturas políticas e a uma significativa modernização
da sociedade – manifesta entre outros, no aumento dos níveis de es-
colaridade, no reforço da protecção social, no acréscimo do poder de
compra ou no acesso a um maior e mais diversificado leque de bens de
consumo (Viegas e Costa, 1998). É um período marcado pelo impacto
da nacionalização de parte significativa das estruturas empresariais – em
áreas chave como a banca, os transportes ou a comunicação social, entre
outras – fruto da política de forte intervenção do Estado na economia
então concretizada (Viegas, 1996). A instabilidade social, política e eco-
nómica vivida a nível interno nesse período, o desequilíbrio dos indica-
dores macroeconómicos e ainda a conjuntura internacional desfavorável
(decorrente, em especial, dos choques petrolíferos), ditaram contudo um
abrandamento do crescimento económico – para valores em torno dos
3% anuais, entre 1975 e 1985 (OCDE, 2002a).
A adesão em 1986 à União Europeia – à data Comunidade Econó-
mica Europeia – voltou a assinalar o início de um período de grande
progresso económico e convergência para os níveis de rendimento eu-
ropeus, pese embora os abrandamentos conhecidos aquando da crise
económica internacional do início da década de 90 e nos primeiros anos
do século XXI (Mateus, 1992, Mateus, 1998; Murteira e outros, 2001).
A inflexão das tendências de crescimento económico e de expansão do
consumo vividas neste último período, e a dificuldade de retoma, geram

33
uma situação de alguma indeterminação quanto ao futuro próximo. É
para já difícil assegurar se se trata de um mero acontecimento pontual
ou do início de um novo ciclo.
Tal como nos anos 60, a crescente abertura comercial e financeira
ditada pela adesão veio exigir às empresas e ao Estado um reforço da
competitividade, conduzindo ao investimento na requalificação das
unidades produtivas, na modernização das infraestruturas de apoio e
no desenvolvimento dos sistemas de ensino e formação. Este esforço foi
benificiado, a nível finaceiro, quer pelos fundos comunitários destina-
dos ao desenvolvimento da economia portuguesa, quer pelo crescente
investimento estrangeiro, quer ainda, mais recentemente, pela baixa das
taxas de juro resultante do equilíbrio macroeconómico suscitado pelos
compromissos da moeda única europeia. O papel dos fundos estruturais
terá estado longe de se restringir ao plano quantitativo (as transferências
comunitárias, aliás, mantiveram-se aquém das remessas dos emigrantes).
O seu principal efeito terá sido qualitativo, ao dinamizar um largo con-
junto de investimentos estruturantes do processo de modernização da
economia nacional e induzir a renovação das estruturas produtivas e dos
serviços do Estado (Mateus, 1992).
Data também da década de 80 a progressiva mudança, entre as elites
políticas dominantes, da orientação face ao papel de regulação económi-
ca e social do Estado, num processo que culmina com a privatização de
boa parte das empresas públicas (Viegas, 1996).
Este período registou, por outro lado, um importante acréscimo
dos níveis de consumo, bem como de endividamento das famílias e das
empresas, dinamizando o mercado interno e a economia portuguesa
em geral, mas colocando simultaneamente algumas questões quanto às
perspectivas de manutenção futura dos ritmos de crescimento por essa
via até então alcançados (Mateus, 1998).
Portugal assume-se pois, na viragem para o terceiro milénio, como
uma economia pequena, com um reduzido mercado interno, mas aberta
e plenamente integrada no espaço europeu. O seu forte grau de abertura
ao exterior traduz-se quer no crescimento tendencial do comércio exter-
no, em particular após 1986, quer também nos fluxos de investimento
externo – em ambos os casos tendo como origem/destino principal a
União Europeia (Mateus, 1992; Mateus, 1998).

34
O peso relativo do comércio externo português no seio da OCDE, ou
mesmo da União Europeia, mantém-se extremamente reduzido, reflexo
da própria dimensão da economia nacional. Mas a taxa de exportação
– rondando os 38% no final da década de 90 – aproxima-se já bastante
da média europeia, indiciando o dinamismo que a economia portuguesa
veio a alcançar nos últimos anos do século XX. Neste âmbito, terá sido
decisivo, entre outros, o crescimento do sector dos produtos metálicos,
nomeadamente da fileira automóvel, fortemente suscitado pelo investi-
mento estrangeiro, e em particular pela instalação do complexo Ford-
-Volkswagen (Lança, 2000; OCDE, 2002a; GEPE, 2003).
Aumento semelhante verificou-se no que toca às importações – quer
por via do crescimento do consumo privado, quer também pela impor-
tação de bens de equipamento. A balança comercial permanece assim
deficitária, flutuando a taxa de cobertura em torno de um valor médio
de cerca de 70%. Mas o aspecto porventura mais inquietante prende-se,
não com este défice – comum a outras economias desenvolvidas – mas
com o facto das exportações portuguesas se manterem centradas em pro-
dutos de baixa intensidade tecnológica e reduzido valor acrescentado,
resultado directo da manutenção do tradicional padrão de especializa-
ção da economia nacional (Mateus, 1992, Mateus, 1998; Godinho e
Mamede, 2004).
O investimento estrangeiro em Portugal manteve, por seu turno,
níveis bastante reduzidos até ao período de adesão à União Europeia,
momento a partir do qual o país começa a suscitar um maior interesse
por parte dos investidores estrangeiros, regra geral grandes companhias
europeias ou empresas norte-americanas e japonesas a operar a partir de
filiais na Europa. O impacto destes investimentos está longe de atingir
os níveis registados noutros países, mas é ainda assim bastante significa-
tivo, em particular nos sectores mais dinâmicos da economia. E não é de
menosprezar o efeito de demonstração que muitas empresas de capital
estrangeiro terão na difusão de novos modelos de inovação e gestão
organizacional (Mateus, 1992). Já o investimento português no exterior
– canalizado essencialmente para a vizinha Espanha e para o Brasil – é
bastante mais circunscrito e recente, reflectindo a reduzida dimensão da
generalidade das empresas portuguesas. Tem vindo contudo a crescer,
fruto do empreendorismo e dos recursos patentes entre alguns grupos
empresariais (Mateus, 1998).

35
A progressiva convergência dos indicadores económicos nacionais
para os níveis europeus permite, em termos gerais, a sua inclusão no gru-
po dos países desenvolvidos. Vários são os aspectos em que importantes
melhorias foram registadas: na capacidade de adaptação das empresas
aos novos desafios económicos, na captação de investimentos, no alar-
gamento da procura externa, nos consumos das famílias, etc. Contudo,
o país mantém ainda muitas das debilidades económicas e sociais que
há décadas atrás constrangiam o seu desenvolvimento. Tal reflecte-se
na persistência de níveis de rendimento per capita comparativamente
bastante reduzidos – cerca de 70% da média comunitária durante os
anos 90 (quadro 2.1) – e dos piores índices de pobreza da União Euro-
peia (DEPP, 2000; Eurostat, 2003). Apesar do crescimento económico
verificado, não só novos tipos de pobreza e exclusão social têm vindo
a aumentar – como são os casos associados aos desempregados de lon-
ga duração, aos sem abrigo, aos jovens em risco e aos grupos étnicos
minoritários, também problemáticos em muitos países desenvolvidos
– como também formas mais tradicionais tendem a persistir, ligadas,
entre outros, ao campesinato, à velhice sem apoio social significativo e às
inserções profissionais menos qualificadas (Capucha, 1998).
Um dos principais problemas enfrentados pela economia portuguesa
prende-se com a relativamente reduzida taxa de produtividade nacional
(Mateus, 1998; DGEP, 2002, Godinho e Mamede, 2004). Na verdade,
os índices de produtividade aumentaram de forma bastante considerá-
vel – e a um ritmo superior ao registado na generalidade dos países da
OCDE – muito em particular graças aos aumentos assinalados no que
respeita à produtividade do trabalho (OCDE, 2002a). Tal aumento – em
geral explicado pela situação anterior particularmente desfavorável e pe-
los esforços de modernização entretanto efectuados – esteve contudo
longe de ser suficiente para garantir uma convergência satisfatória face
aos valores europeus (quadro 2.1). A situação é especialmente crítica no
que toca à produção por hora trabalhada. Na verdade, o número médio
de horas de trabalho dos portugueses tem sido superior ao da média dos
cidadãos europeus, sem que isso implique ganhos significativos de pro-
dutividade (DGEP, 2002). O PIB por hora trabalhada representa ainda,
em 2001, 59% da média comunitária.

36
Quadro 2.1 Comparação internacional de indicadores de rendimento e produtivida-
de 2001 (% da média da União Europeia)

Produtividade do trabalho
País PIB per capita1 PIB1 por PIB1 por
empregado hora trabalhada
União Europeia 100,0 100,0 100,0

Alemanha 103,0 97,3 107,0

Áustria 112,0 98,6 103,0

Bélgica 108,0 119,6 124,8

Dinamarca 114,3 98,0 105,4

Espanha 83,8 93,6 82,1

Finlândia 103,1 102,3 96,1

França 103,1 113,5 118,1

Grécia 64,4 80,9 67,1

Holanda 114,3 99,0 117,2

Luxemburgo 194,6 138,5 134,3

Irlanda 117,5 116,0 110,5

Itália 102,5 112,6 111,7

Portugal 68,9 63,1 58,9

Reino Unido 102,7 91,9 85,7

Suécia 101,8 93,1 92,6

Estados Unidos da América 139,2 118,6 113,1

Japão 104,7 89,8 77,8


1
Em paridade de poder de compra.
Fonte: Eurostat (2003).

Vários factores têm sido sistematicamente apontados na explicação


desta fragilidade da economia portuguesa, alguns dos quais serão adian-
te alvo de atenção mais pormenorizada, como é caso dos baixos níveis de
escolaridade e qualificação, a fraca utilização das novas tecnologias em

37
contextos produtivos ou o escasso investimento em I&D. Mas um aspec-
to igualmente decisivo é a própria estrutura do tecido empresarial.
O panorama económico português mantém-se esmagadoramente
dominado por micro, pequenas e médias empresas, frequentemente de
natureza familiar, muitas delas com uma gestão pouco profissionalizada
(Mateus, 1992, Guerreiro, 1996; Lança, 2000). Verificou-se um progres-
sivo crescimento dos serviços e de alguns sectores industriais de maior
intensidade tecnológica – em termos gerais entendidos como tendo
melhores prestações no domínio da produtividade. É disso exemplo a
dinamização do sector financeiro, fortemente estimulado pelos processos
de privatização, ou da indústria automóvel e de produtos eléctricos, cujo
crescimento resulta, em larga medida, do investimento estrangeiro (Ma-
teus, 1998; Murteira e outros, 2001). No entanto, a economia portuguesa
conserva-se fortemente especializada em sectores tradicionais, como os
têxteis, confecções, calçado, a alimentação, bebidas e conservas, os artigos
de madeira e cortiça, a cerâmica e os produtos minerais não metálicos.
Em geral utilizando intensivamente mão-de-obra pouco qualificada, estes
sectores tendem a produzir bens de reduzido valor acrescentado, não
conseguindo aumentar significativamente os níveis de produtividade e
estando sujeitos a uma forte concorrência internacional (Lança, 2000).
Ainda assim, alguns dados apontam para o facto do sucesso relativo
da indústria transformadora portuguesa no processo de convergência
com as economias mais avançadas da União Europeia poder dever-se,
em larga medida, à forte modernização registada precisamente entre
algumas destas indústrias de baixa intensidade tecnológica, com grande
protagonismo no contexto nacional (Godinho e Mamede, 2004).
As áreas de actividade de maior intensidade tecnológica, embora
cada vez mais significativas, têm ainda em Portugal uma expressão
relativamente reduzida. Veja-se o caso das indústrias de média ou alta
tecnologia, cujo valor acrescentado representava, em 1999, 4% do PIB
português – cerca de metade da média europeia, não obstante o facto
do país registar, entre 1995 e 1999, a segunda maior taxa de crescimento
anual neste indicador. Ou mesmo o exemplo dos serviços de conheci-
mento intensivo, cuja contribuição era de 26% quando a média euro-
peia rondava já os 33% (EC, 2002). Os ganhos de produtividade por
esta via alcançados têm sido assim insuficientes.

38
A distribuição do emprego por sectores de actividade confirma
precisamente este cenário. Portugal tem acompanhado a tendência
generalizada para o aumento das inserções profissionais no âmbito dos
serviços, em detrimento dos sectores extractivo e, mais recentemente, da
transformação (quadros 2.2 e 2.3).
Quadro 2.2 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsectores,
Portugal, 1955-2001 (%)
SECTORES 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2001
I Extractivo 48,6 43,9 35,9 28,1 23,8 19,7 17,5 13,5 12,8 5,4
Agricultura 47,7 43,1 35,3 27,6 23,3 19,2 17,1 13,1 12,5 5,0
Mineração 0,9 0,8 0,5 0,5 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,4
II Transformação 23,7 27,4 32,0 33,4 35,0 37,2 36,7 36,9 33,3 34,7
Construção 4,6 6,4 7,0 7,5 8,9 10,5 10,1 10,0 10,2 12,3
Electricidade, gás e água 0,4 0,5 0,5 0,5 0,5 0,7 0,8 0,7 0,6 0,7
Indústria 18,8 20,6 24,5 25,3 25,6 26,0 25,8 26,2 22,6 21,7
Alimentar 2,5 2,5 2,8 3,0 2,7 2,8 3,0 2,9 2,6 2,1
Têxtil 6,7 6,3 8,0 8,2 8,1 8,0 9,0 10,4 8,5 5,7
Metalúrgica 0,4 0,3 0,5 0,6 0,5 0,7 0,8 0,6 0,4 2,4
Máquinas e equipamentos 2,5 3,4 4,0 5,0 5,8 5,6 5,1 5,0 4,7 3,2
Produtos Químicos 1,7 2,4 2,2 2,0 1,9 2,1 1,8 1,5 1,2 1,2
Diversos 1 5,0 5,7 7,0 6,6 6,5 6,7 6,0 5,8 5,1 7,1
III Serviços de distribuição 9,5 10,7 13,1 15,7 16,8 16,7 16,0 17,0 19,0 21,0
Transportes 3,0 3,0 3,0 3,5 3,6 3,9 3,7 3,7 3,3 4,5
Comunicações 2 0,5 0,7 0,8 0,9 1,1 1,1 1,2 1,1 1,1 --
Comércio 6,0 7,1 9,4 11,3 12,1 11,7 11,1 12,2 14,6 16,5
IV Serviços relativos à produção 0,8 0,9 1,1 1,7 2,2 2,5 3,2 3,8 4,6 7,9
Actividades financeiras 0,4 0,4 0,5 0,8 1,0 1,3 1,6 1,6 1,7 2,1
Seguros 3 0,2 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 --
Actividades imobiliárias 0,2 0,2 0,3 0,7 0,8 0,8 1,2 1,8 2,5 5,8
V Serviços sociais 4 7,1 7,6 8,6 12,0 13,1 14,8 16,9 18,5 19,3 20,6
IV Serviços pessoais 5 10,3 9,5 9,3 9,2 9,1 9,0 9,6 10,3 11,0 10,5
TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

1
Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e
outras indústrias transformadoras.
2
No ano de 2001 os valores relativos às comunicações estão incluídos na categoria dos transportes.
3
No ano de 2001 os valores relativos aos seguros estão incluídos na categoria das actividades financeiras.
4
Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares; servi-
ços recreativos e culturais; e organismos internacionais e outros.
5
Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis.
Fonte: Banco de Portugal (s.d.) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o
apresentado em Castells (2002).

39
Boa parte dos jovens integrados no mercado de trabalho concentra-
-se aliás, segundo os dados recolhidos directamente nesta pesquisa, no
sector terciário – nomeadamente no comércio, nas comunicações, nas
actividades financeiras e imobiliárias ou nos serviços sociais – sendo
muito raras as inserções no sector extractivo. O país viveu, contudo,
um processo de industrialização comparativamente bastante tardio.
Manteve durante largas décadas um enorme contingente agrícola, ainda
hoje significativo em termos internacionais; e a pressão em prol do de-
senvolvimento dos serviços foi mais fraca do que noutros países desen-
volvidos, pelo que o peso relativo do emprego neste tipo de actividades
se apresenta ainda relativamente baixo, em particular entre a população
mais velha.

Quadro 2.3 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo e respectivos


rácios, Portugal, 1955-2001 (%)

Tipo de sector produtivo 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2001

Indústria 1 72,0 70,8 67,4 60,9 58,2 56,2 53,4 49,7 45,6 39,3

Serviços 1 28,0 29,2 32,6 39,1 41,8 43,8 46,6 50,3 54,4 60,7

Serviços / indústria 0,4 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,2 1,5

Gestão de produtos 2 81,0 80,9 79,8 75,8 74,0 71,8 68,2 65,6 63,4 60,3

Gestão de informação 2 19,0 19,1 20,2 24,2 26,0 28,2 31,8 34,4 36,6 39,7

Gestão de informação/
0,2 0,2 0,3 0,3 0,4 0,4 0,5 0,5 0,6 0,7
gestão de produtos

1
A indústria soma os sectores extractivo, da construção e da transformação; os serviços incluem os restantes
sectores.
2
A gestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos transportes (no ano
de 2001 é também incluído o sector das comunicações) e do comércio; a gestão de informação integra os
serviços públicos, as comunicações (excepto para 2001), serviços relativos à produção, serviços sociais e
serviços pessoais.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o
apresentado em Castells (2002).

40
O sector dos serviços representava, em 2001, cerca de 60% do total do
emprego; valor que, apesar da evolução positiva, se mantém significativa-
mente abaixo do registado noutras economias desenvolvidas. A título de
exemplo, em 1991, este correspondia já a 75% do emprego nos Estados
Unidos da América, e a cerca de 70% no Reino Unido e em França. Aliás,
em Portugal, o rácio do volume de emprego nos serviços por comparação
ao da indústria só recentemente se inverteu a favor do primeiro (quadro
2.2), verificando-se assim um desfasamento de duas a três décadas em re-
lação aos países do centro europeu e de ainda mais face, por exemplo, aos
EUA ou à Inglaterra (Castells, 2002). Tal dever-se-á, em particular, à re-
duzida expressão dos serviços relativos à produção, reflexo precisamente
das ainda fracas exigências do tecido económico nacional. Não obstante
o recente dinamismo dos sectores da banca, seguradoras e comunicações,
o aumento do emprego nos serviços ao longo das últimas décadas ter-se-
-á ficado a dever principalmente ao impulso inerente à implementação
pelo Estado de um conjunto de políticas de educação, saúde e segurança
social, claramente deficitárias no período anterior à democracia.

Ciência, tecnologia e inovação:


um processo de convergência inacabado

As capacidades e os desempenhos no domínio da ciência, tecnologia


e inovação tornaram-se um aspecto absolutamente fundamental na tran-
sição para os novos modelos sociais, económicos e culturais emergentes a
nível global. Integrando o processo de convergência iniciado após a ade-
são à União Europeia, a generalidade dos indicadores portugueses nestes
domínios registou, nas duas últimas décadas, ritmos de crescimento
bastante acentuados – em muitos casos sem paralelo na União Europeia.
Contudo, também neste ponto, a aproximação face aos padrões europeus
está longe de estar alcançada, à semelhança aliás do que tende a acontecer
nos restantes países da Europa mediterrânica. O atraso das estruturas
científico-tecnológicas nacionais, as especificidades do tecido económico
e os défices de qualificação da população activa são, entre outros, factores
que ajudam a explicar esta situação. Portugal é apontado como um exem-
plo paradigmático do carácter difuso e de resultados não imediatos dos
investimentos realizados nestes domínios (EC, 2002; OIC, 2003).

41
Quadro 2.4 Evolução da despesa e dos recursos humanos em actividades de I&D,
Portugal, 1982-2001

1982- 1984- 1986- 1988- 1990- 1992- 1995- 1997- 1999-


Anos
1984 1986 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001

Taxa média de
crescimento anual
da despesa em
5,5 9,5 10,9 17,9 12,2 -1,3 8,3 14,8 8,5
I&D 1

Taxa média de
crescimento anual
do total de investi-
6,0 13,3 7,1 8,6 10,5 7,1 8,5 7,5 6,1
gadores (ETI)

Investigadores
(ETI) / população 1,0 1,3 1,4 1,6 2,0 2,4 2,8 3,1 3,4
activa (‰) 2

1
A preços constantes (base 1995).
2
Valor correspondente ao último ano do período em referência.
Fonte: OCES (2003).

Observando a evolução da despesa em actividades de I&D, verifica-


-se que esta aumentou a um ritmo comparativamente bastante acelerado
(EC, 2002). Entre 1995 e 2000, a taxa de crescimento anual rondou os
10% (a média europeia não foi além dos 3%), tendo-se registado inclu-
sivamente taxas superiores nos últimos anos da década de 80 (quadro
2.4). O mesmo se passa no que toca aos recursos humanos envolvidos
neste tipo de actividades. Nos anos que antecederam a adesão à União
Europeia, encontrava-se em Portugal cerca de 1 investigador em cada mil
habitantes; no início do século XXI esse valor ascendia a 3,4‰. Este ce-
nário permitiu um enorme crescimento do trabalho científico desenvol-
vido em Portugal e, inclusivamente, a projecção internacional de alguns
grupos de investigação já considerados de excelência (EC, 2002).

42
Quadro 2.5 Comparação internacional de alguns indicadores de despesa e recursos
humanos em actividade de I&D (último ano disponível)

Estrutura da despesa em I&D por


sector de financiamento (%) Investigadores
Despesa em Despesa em
(ETI) /
País I&D1 I&D / PIB Outras população
(106 US$) (%) fontes
Estado Empresas activa (‰)
nacionais ou
estrangeiras

União Europeia 144 989,7 1,81 34,5 56,0 9,5 5,5

Alemanha 46 218,0 2,38 32,5 65,0 2,5 6,3

Áustria 3 767,4 1,79 39,7 40,1 20,2 4,8

Bélgica 4 270,6 1,84 23,2 66,2 10,6 6,5

Dinamarca 2 770,0 1,99 32,6 58,0 8,8 6,4

Espanha 6 443,5 0,90 40,8 48,9 10,3 3,7

Finlândia 3 652,4 3,09 29,2 66,9 3,9 9,9

França 27 880,5 2,18 36,9 54,1 8,9 6,1

Grécia 721,7 0,51 48,7 24,0 27,3 3,3

Holanda 7 391,7 1,95 35,7 49,7 14,6 5,1

Irlanda 1 083,8 1,39 22,2 69,2 8,7 5,1

Itália 13 310,7 1,04 51,3 44,0 5,1 3,3

Portugal 1 281,8 0,77 69,7 21,3 9,0 3,1

Reino Unido 23 445,2 1,83 27,9 49,4 22,7 5,5

Suécia 6 845,5 3,70 24,5 67,8 7,7 9,1

Estados Unidos
243 548,0 2,65 28,8 66,8 4,5 8,1
da América

Japão 91 724,3 3,01 19,5 72,2 8,3 9,7

OCDE 518 113,7 2,18 29,6 63,1 4,6 6,4

1
Em paridade de poder de compra.
Fonte: OCES (2003) e OCDE (2000a).

43
Não obstante o progresso verificado, os valores envolvidos mantêm-
-se bastante aquém dos registados noutros países desenvolvidos, quer
em termos absolutos, quer relativos (quadro 2.5). Na compreensão desta
situação um factor emerge com grande preponderância: a fraca partici-
pação do sector empresarial neste tipo de investimentos. Cerca de 70%
do investimento é oriundo de fontes governamentais, rondando pouco
mais de 20% o esforço financeiro protagonizado pelo sector privado (o
valor mais baixo de toda a UE, apesar do crescimento recentemente
verificado). A grande maioria dos investigadores a trabalhar no país
concentram-se assim no sector público e no ensino superior. A maioria
das unidades de I&D é de pequena ou média dimensão, e os seus graus
de internacionalização, embora em dinâmica de rápido crescimento, são
ainda bastante desiguais (EC, 2002; Conceição e Heitor, 2003).
No entanto, se a situação registada no domínio do desenvolvimento
científico, não obstante os fortes progressos, se apresenta ainda compa-
rativamente desfavorável, maiores défices são conhecidos no que toca
à produção tecnológica ou, em geral, à capacidade de inovação das
empresas. O reduzido número de patentes registadas por entidades por-
tuguesas é disso exemplo. Pese embora o forte crescimento verificado na
década de 90, os níveis de patenteamento mantêm-se quase inexpressi-
vos, muito em particular no que toca a produtos ou processos de elevada
intensidade tecnológica (EC, 2002). E, ao contrário do que se passa na
generalidade dos países desenvolvidos, em Portugal são as unidades de
investigação, e não as empresas, o tipo de instituições que mais paten-
teiam, indiciando a fraca incorporação de actividades de inovação nas
estruturas produtivas (Godinho, Mendonça e Pereira, 2003).
Também a este respeito Portugal pode ser caracterizado como um
“país dual”, onde um pequeno grupo de empresas fortemente inovado-
ras, dispondo de recursos humanos altamente qualificados, apostando
em novos produtos e em múltiplas parcerias, co-existe a par de uma clara
maioria de estruturas empresariais não inovadoras, regra geral de baixo
perfil tecnológico, pouco cooperativas e com mão-de-obra pouco qualifi-
cada (Conceição e Heitor, 2003).

44
Quadro 2.6 Comparação europeia de alguns indicadores de inovação nas empresas,
1995-1997

Despesas totais em inovação


Empresas inovadoras (%)
País (% do volume de negócios)
Indústria Serviços Indústria Serviços
Alemanha 69 46 4,1 3,0
Áustria 67 55 3,5 3,0
Bélgica 27 13 2,2 1,2
Espanha 29 -- 1,8 --
Finlândia 36 24 4,3 2,4
França 43 31 3,9 1,3
Holanda 62 36 3,8 1,6
Irlanda 73 58 3,3 2,1
Noruega 48 22 2,7 2,5
Portugal 26 28 1,6 0,7
Reino Unido 59 40 4,0 3,2
Suécia 54 32 7,0 3,8

Fonte: Conceição e Ávila (2001).

Segundo o inquérito comunitário às actividades de inovação, lan-


çado entre 1997 e 1998, pouco mais de 1⁄4 das empresas a operar no
território nacional teriam introduzido no mercado ou nos seus sistemas
produtivos, no período de 1995 a 1997, produtos, processos ou serviços
tecnologicamente novos ou melhorados (quadro 2.6). A comparação com
outros países europeus é tendencialmente negativa, ainda mais se se aten-
der ao reduzido esforço financeiro realizado neste âmbito pelas empresas
portuguesas ou aos próprios objectivos da generalidade das actividades
desenvolvidas. O investimento em inovação centra-se muito frequente-
mente na aquisição de novos equipamentos ou na informatização, de-
signadamente, dos sistemas administrativos e comerciais. Poucas vezes se
traduz no desenvolvimento de produtos/processos próprios, sendo raro o
estabelecimento de qualquer tipo de parceria, nomeadamente com insti-
tuições de I&D (Godinho e Sousa, 2000; Conceição e Ávila, 2001).
Ainda assim, tendo em conta a situação anteriormente vivida é
de ressalvar a considerável melhoria apontada por estes indicadores.

45
O desfasamento face aos padrões europeus de inovação é aliás mais
significativo na indústria do que nos serviços. Por outro lado, alguns
estudos têm salientado o facto de as maiores fragilidades das empresas
portuguesas (e da própria administração pública) não se encontra-
rem ao nível da capacidade de inovação tecnológica, mas antes na
resistência à mudança organizacional. É de considerar, no entanto, a
emergência nos últimos anos de sectores muito mais propensos à mu-
dança, nas suas várias vertentes, num processo que abre perspectivas
mais positivas quanto à difusão da inovação em Portugal (Freire, 1998,
Salavisa, 2000).

Níveis de escolaridade e competências de literacia:


duas questões decisivas

Os baixos níveis de qualificação da generalidade da população portu-


guesa e, em particular, da inserida no mercado de trabalho, apresentam-
-se como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento, em Portugal,
de uma sociedade de modernidade avançada (Machado e Costa, 1998) e
de uma economia baseada no conhecimento (Conceição e Heitor, 2003)
ou, nos termos da conceptualização de Manuel Castells (2002, 2003), à
transição para a sociedade em rede.
O processo de difusão da escolaridade básica universal foi bastante
mais lento do que o registado noutros países europeus, mantendo-
-se durante boa parte do século XX uma política estatal (ditatorial)
muito restritiva quanto aos processos de escolarização e um grande
afastamento entre a escola e a generalidade dos cidadãos. Com a im-
plementação do regime democrático, esta área de intervenção pública
assume-se definitivamente como prioritária, alargando-se os níveis de
escolaridade obrigatória (até aos 9 anos, actualmente ainda em vigor,
estando previsto para breve um alargamento aos 12 anos), investin-
do-se na melhoria das infraestruturas educativas, promovendo-se a
formação de professores e implementando-se um conjunto de sucessi-
vas reformas do sistema educativo tendo em vista a obtenção de uma
melhor resposta aos novos desafios da (ainda recente e incompleta)
massificação do ensino. Tais mudanças têm estado contudo longe de
ser consensuais entre os agentes educativos, e a eficácia do sistema de

46
ensino português é, ainda hoje, bastante questionada quando compa-
rada com a de outros países. O esforço de investimento em educação
aproximou-se bastante da média europeia (quadro 2.9), mas os índices
de abandono e insucesso escolar mantém-se superiores aos dos outros
países europeus (Sebastião, 1998).

Quadro 2.7 Evolução dos indicadores de escolarização, Portugal, 1960-2001

Indicadores 1960 1970 1981 1991 2001


Taxa de analfabetismo (%) 33,1 25,6 18,6 11,0 9,0
População com 20 ou mais anos com o
3,8 4,4 7,8 13,9 22,6
ensino secundário completo1 (%)
Homens com 20 ou mais anos com o
-- 5,7 8,6 14,4 21,9
ensino secundário completo1 (%)
Mulheres com 20 ou mais anos com o
-- 3,3 7,0 13,5 23,2
ensino secundário completo1 (%)
População que atingiu o ensino médio
-- 1,6 3,6 6,3 11,5
ou superior (%)
Estudantes no ensino médio ou
22 456 43 230 76 809 163 468 390 638
superior2
Estudantes do sexo feminino no ensino
-- 43,4 50,3 55,2 56,4
médio ou superior (%)
População dos 20-24 anos integrada no
1,7 3,5 5,8 11,8 25,6
ensino médio ou superior (%)

1
O sistema de ensino português sofreu fortes alterações, pelo que a análise desta série temporal exige alguns
esclarecimentos adicionais. Em 1960 era considerado ensino secundário o período do 5º ao 11ºano de
escolaridade. Em 1970, o ensino preparatório (5º e 6º anos) está já autonomizado, traduzindo-se o ensino
secundário em 5 anos de escolaridade (do 7º ao 11º). Em 1981, uma vez que os dados disponíveis já o permi-
tiam, optou-se por considerar exclusivamente como ensino secundário o na época designado por secundário
complementar (10º e 11º ano), modelo mais próximo do actual. Em 1991 e 2001 foi já integrado o 12º ano
de escolaridade, consistindo o ensino secundário em 3 anos (10º, 11º e 12º).
2
Os valores apresentados revelam uma ligeira subavaliação em relação aos divulgados nas Estatísticas da
Educação do INE. Esta diferença, relativamente constante ao longo da série considerada, pode dever-se ao
facto de os valores dos Censos remeterem para declarações espontâneas dos indivíduos e os das Estatísticas
da Educação se referirem ao número de inscrições formais em estabelecimentos de ensino superior.
Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE.

De qualquer forma, é inegável que os níveis de escolaridade da popu-


lação registaram progressos bastante significativos, muito em particular
nas últimas duas a três décadas (quadro 2.7). No recenseamento de 2001,

47
mais de 22% dos residentes com 20 anos e mais tinham já completado,
pelo menos, o ensino secundário. Este valor, embora bastante abaixo do
registado noutros países, significa um enorme progresso face à situação
vivida nas décadas anteriores. Basta referir que, em 1991, tal percentagem
não chegava ainda, em termos médios, a 14%, mesmo assim quase o do-
bro do registado dez anos antes (Machado e Costa, 1998; INE, 2003).
Expansão ainda mais significativa foi a registada no que toca ao en-
sino superior. Em 1970, não chegava a 2% o peso relativo da população
que tinha frequentado um nível médio ou superior de ensino, manten-
do-se o acesso às universidades circunscrito a uma pequena elite. Em
2001, tal percentagem ascendia já a 11,5%, fruto da forte adesão por
parte da população jovem, muito em particular do sexo feminino. O
progresso dos níveis de escolaridade das mulheres é aliás, em Portugal,
bastante significativo. Embora nas faixas etárias mais elevadas estas man-
tenham níveis de qualificação académica mais baixos, nas mais jovens
a situação inverte-se, sendo já maioritárias entre os estudantes e recém-
-diplomados do ensino secundário e superior. Portugal é assim um dos
primeiros países europeus a inverter a tradicional hegemonia masculina
nos níveis superiores de escolaridade (Machado e Costa, 1998).
Os dados recolhidos directamente no âmbito do presente estudo
confirmam este panorama, ilustrando de forma bastante evidente as
diferenças geracionais no que respeita aos níveis de qualificação acadé-
mica de homens e mulheres em Portugal (quadro 2.8). Considerando os
indivíduos nascidos antes de 1974 – cujo percurso escolar se desenvol-
veu, na maioria dos casos, ainda no período ditatorial – verifica-se que
parte bastante significativa (38%) não concluiu mais do que o 1º ciclo
do ensino básico (ou seja, 4 anos de escolaridade). Quase 14% não ob-
teve inclusivamente qualquer tipo de qualificação académica, valor que
ascende a 18% no caso específico das mulheres.
Entre os jovens com mais de 15 anos já nascidos no regime demo-
crático a situação é bem diferente. Os casos de indivíduos com qualifi-
cações abaixo do 2º ciclo do ensino básico tornam-se raros, sendo, por
outro lado, muito mais frequentes aqueles que se referem a diplomados
do ensino secundário ou superior. De destacar, em particular, a elevada
percentagem de jovens mulheres licenciadas – mais de 30% do total das
mulheres com menos de 30 anos, quando entre os homens no mesmo
escalão etário tal valor vai pouco além dos 20%.

48
Quadro 2.8 Qualificação académica segundo idade e sexo, Portugal, 2003 (%)

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo


Sem
Qualificação académica do do do Ensino Ensino
qualificação Total
segundo idade e sexo Ensino Ensino Ensino Secundário Superior
académica
Básico Básico Básico

Homens 9,6 40,2 16,1 12,0 12,2 9,9 100,0 n=789

Nascidos
Mulheres 17,7 36,8 15,5 11,6 8,7 9,8 100,0 n=905
até 1974

Total 13,9 38,3 15,7 11,9 10,3 9,9 100,0 n=1694

Homens 0,3 3,3 27,5 39,1 21,0 8,8 100,0 n=395


Nascidos
em
Mulheres 0,6 4,4 20,3 29,7 30,8 14,2 100,0 n=361
1974 ou
depois
Total 0,4 3,8 24,1 34,7 25,7 11,4 100,0 n=756

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todas as categorias).

Estas diferenças geracionais têm necessariamente consequências no


que toca à aptidão dos diversos grupos sociais para o desenvolvimento
de actividades com maiores exigências cognitivas. Veja-se, como exem-
plo, o domínio de línguas estrangeiras. Num contexto geral em que a
compreensão de idiomas como o inglês ou o francês é bastante escassa
(mais de 40% da população não tem nenhum domínio sobre qualquer
destas línguas), verifica-se que entre os mais jovens quase metade declara
falar e escrever com facilidade em inglês e cerca de 1⁄4 manifesta igual
domínio da língua francesa.
Os progressos verificados entre as gerações mais novas estão todavia
ainda longe de esbater os défices educacionais portugueses, evidentes
nas comparações internacionais (quadro 2.9). Em 2001, Portugal ocu-
pava a última posição da União Europeia no que toca à percentagem
de indivíduos com o ensino superior entre a população dos 25 aos 64
anos de idade (10%, quando a média comunitária é de mais do dobro).
No espaço da OCDE, e considerando os maiores de 25 anos, apenas a
Turquia e a Indonésia apresentavam um número médio de anos de esco-
laridade inferior aos 4,9 registados em Portugal. A taxa de analfabetismo

49
portuguesa mantém-se incomparavelmente elevada entre a população
mais velha, não obstante o contínuo decréscimo – induzido mais pela
evolução demográfica do que por qualquer estratégia de alfabetização de
adultos. No que respeita à formação superior, nomeadamente em áreas
ligadas à ciência e tecnologia, a situação é relativamente melhor, embora
o país se mantenha entre o grupo dos mais atrasados no processo de
convergência europeia – bem longe, por exemplo, do caso irlandês ou
do espanhol, que até há pouco se aproximavam de Portugal em muitos
destes indicadores.
Na tentativa de suprir alguns dos défices educativos de boa parte da
população activa, bem como de acompanhar os próprios desafios da
reestruturação das actividades económicas, alguns esforços têm vindo
a ser desenvolvidos, nomeadamente pelo sector público, no sentido de
promover a formação ao longo da vida. Desde a integração europeia,
os cursos de formação profissional conheceram um forte crescimento.
Mas os maiores níveis de adesão registam-se entre os jovens (especial-
mente mulheres), sendo mais problemático atingir a população mais
velha e com níveis de qualificação bastante mais baixos (OIC, 2003).
E, em termos comparativos, a taxa de participação em processos de
aprendizagem formal ao longo da vida persiste entre as mais baixas da
Europa (quadro 2.9).
Os resultados do inquérito lançado confirmam precisamente tanto
a fraca incidência de actividades formativas entre a generalidade da po-
pulação portuguesa, como também a considerável diferença geracional
no que toca ao interesse pelo aprofundamento de conhecimentos, no-
meadamente no que respeita à profissão. Entre os jovens com mais de
15 anos nascidos a partir de 1974, cerca de 16% realizaram nos últimos
dois anos algum tipo de acção de formação e igual percentagem parti-
ciparam em encontros técnico-científicos relacionados com a profissão.
Entre os mais velhos estes valores não vão além dos 10%. Também de
destacar é o facto de 33% destes jovens terem consultado, em igual pe-
ríodo, livros, revistas especializadas ou outra documentação visando o
aprofundamento dos conhecimentos quanto à profissão ou à área de
estudos, percentagem que representa mais do dobro da registada entre
os nascidos antes de 1974.

50
Quadro 2.9 Comparação internacional de alguns indicadores de educação, 1998

Investimento em
instituições educativas Jovens Jovens Participantes
População diplomados doutorados em formação
com ensino em ciência / em ciência / ao longo da
País superior tecnologia tecnologia vida
25-65 anos 20-29 anos 25-35 anos 25-64 anos
% do PIB € per capita % ‰ ‰ %
1998 1998 2001 2000 2000 2001

União Europeia 5,5 1 038 21,2 10,3 0,56 8,5

Alemanha 5,6 1 325 23,8 8,2 0,81 5,2

Áustria 6,4 1 519 14,5 7,1 0,59 7,8

Bélgica 5,0 1 105 27,8 9,7 0,60 7,3

Dinamarca 7,2 2 016 26,5 8,3 0,49 20,8

Espanha 5,3 669 23,1 9,9 0,36 4,7

Finlândia 5,7 1 278 32,5 17,8 1,09 19,3

França 6,2 1 352 23,0 18,7 0,76 2,7

Grécia 4,8 446 17,1 3,8 0,19 1,4

Holanda 4,6 140 24,0 5,8 0,34 16,3

Irlanda 4,7 838 22,2 23,2 0,50 5,2

Itália 5,0 766 10,3 5,6 0,16 5,1

Portugal 5,7 528 10,2 6,2 0,26 3,3

Reino Unido 4,9 788 28,6 16,2 0,68 21,7

Suécia 6,8 1 501 29,7 11,6 1,24 21,6

Estados Unidos
6,4 1 493 -- -- -- --
da América

Japão 4,7 1 573 -- -- -- --

Fontes: EC (2002) e OIC (2003).

51
Embora ainda minoritário, assiste-se assim à emergência de um
sector da população – caracterizado pela sua juventude e pelos seus
elevados níveis de qualificação académica – bastante mais dinâmico no
que toca ao desenvolvimento profissional e ao acesso à informação. Tal é
particularmente evidente entre as jovens do sexo feminino, que contra-
riam assim o afastamento deste tipo de actividades ainda patente entre
as mulheres mais velhas.

Quadro 2.10 Comparação internacional dos níveis de literacia no domínio da


prosa, 1994-1998 (%)

Níveis
País
I II III IV / V
Alemanha 14,4 34,2 38,0 13,4
Austrália 17,0 27,1 36,9 18,9
Bélgica 18,4 28,2 39,0 14,3
Canadá 16,6 25,6 35,1 22,7
Chile 50,1 35,0 13,3 1,6
Dinamarca 9,6 36,4 47,5 6,5
Eslovénia 42,2 34,5 20,1 3,2
Estados Unidos da América 20,7 25,9 32,4 21,1
Finlândia 10,4 26,3 40,9 22,4
Holanda 10,5 30,1 44,1 15,3
Hungria 33,8 42,7 20,8 2,6
Irlanda 22,6 29,8 34,1 13,5
Noruega 8,5 24,7 49,2 17,6
Nova Zelândia 18,4 27,3 35,0 19,2
Polónia 42,6 34,5 19,8 3,1
Portugal 48,0 29,0 18,5 4,4
Reino Unido 21,8 30,3 31,3 16,6
República Checa 15,7 38,1 37,8 8,4
Suécia 7,5 20,3 39,7 32,4
Suíça (alemã) 19,3 35,7 36,1 8,9
Suíça (francesa) 17,6 33,7 38,6 10,0
Suíça (italiana) 19,6 34,7 37,5 8,3

Fonte: OCDE (2000b).

52
Um outro problema tem vindo contudo a ser cada vez mais reco-
nhecido em Portugal: os baixos níveis de literacia (OCDE, 2000b). Os
portugueses apresentam índices bastante críticos quanto à capacidade
de utilização na vida quotidiana de competências de leitura, escrita
e cálculo, colocando o país numa das piores posições entre os países
da OCDE (quadro 2.10). A título de exemplo, basta referir que quase
metade da população se enquadra no nível mais baixo da escala de com-
petências no que diz respeito à leitura e escrita de textos (prosa), sendo
a posição semelhante no que respeita ao processamento de informação
escrita, em formulários e tabelas (documentos) e envolvendo quadros e
gráficos (quantitativo).
Paradigmático da situação vivida no país é o facto de, apesar dos
resultados claramente negativos, quase 3⁄4 dos inquiridos no estudo na-
cional de literacia, realizado em meados dos anos 90, terem considerado
que as competências por si detidas eram plenamente satisfatórias para o
desempenho das suas actividades profissionais. O panorama encontrado
aponta assim para uma dinâmica de qualificação no tecido económico
ainda mais lenta do que a da aquisição de competências por parte das
populações (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996).

Transformações do trabalho e do emprego:


entre o passado e o futuro

Ao longo do século XX registaram-se importantes e generalizadas


alterações na estruturação dos sistemas de emprego, fruto e reflexo das
transformações tecnológicas, empresariais, sociais e culturais vividas à es-
cala nacional e global (Castells, 2002, 2003). Portugal não foi excepção,
assistindo-se nas últimas décadas a uma progressiva aproximação aos
padrões registados nos países ocidentais, como aliás os dados avançados
anteriormente deixavam já antever. Algumas particularidades tendem
contudo a manter-se.
O mercado de trabalho português tem sido caracterizado por taxas
de emprego e participação na força de trabalho relativamente elevadas
e ainda em crescimento, no que se aproxima mais do padrão vivido no
norte do que entre os países da Europa mediterrânica (Machado e Cos-
ta, 1998) (quadro 2.11).

53
Para tal tem contribuído decisivamente a elevada e crescente partici-
pação de mão-de-obra feminina na força de trabalho. Esta atinge níveis
bastante superiores aos de outros países tradicionalmente mais próxi-
mos de Portugal em termos culturais (como a Espanha, a Itália, a Irlanda
ou a Grécia), facto que se pode explicar não só pelas recentes dinâmicas
de autonomia e emancipação das mulheres portuguesas, mas também
pelos processos de emigração e mobilização militar dos homens nas dé-
cadas de 60 e 70, ou ainda pelos próprios constrangimentos financeiros
vividos por muitas das famílias portuguesas.

Quadro 2.11 Comparação internacional de alguns indicadores de emprego,


1990-2001

Taxa de emprego
Taxa de emprego Taxa de emprego Taxa de emprego
feminino
global sénior a tempo parcial
%
País % % %
mulheres de 15-
15-64 anos 55-64 anos nos empregados
64 anos
1990 2001 1990 2001 1990 2001 1990 2001
União Europeia 61,4 64,1 48,2 54,9 38,1 39,2 13,3 13,8
Alemanha 64,1 65,9 52,2 58,6 36,8 36,8 13,4 17,6
Áustria --- 67,8 --- 59,8 --- 27,4 --- 12,4
Bélgica 54,4 59,7 40,8 50,7 21,4 25,2 14,2 17,6
Dinamarca 75,4 75,9 70,6 71,4 53,6 56,6 19,2 14,5
Espanha 51,1 58,8 31,6 43,8 36,8 39,2 4,6 7,9
Finlândia 74,1 67,7 71,5 65,4 42,5 45,9 7,5 10,5
França 59,9 62,0 50,3 55,2 35,6 36,5 12,2 13,8
Grécia 54,8 55,6 37,5 41,2 40,8 38,0 6,7 4,8
Holanda 61,1 74,1 46,7 65,3 29,7 39,3 28,2 33,0
Irlanda 52,1 65,0 36,6 54,0 38,6 46,6 9,8 18,4
Itália 52,6 54,9 36,2 41,1 21,9 18,6 8,8 12,2
Luxemburgo 59,1 63,0 41,4 50,8 28,2 24,8 7,6 13,1
Portugal 67,5 68,7 55,4 61,1 47,0 50,3 6,8 9,2
Reino Unido 72,5 71,3 62,8 64,7 49,2 52,2 20,1 23,0
Suécia 83,1 75,3 81,0 73,5 69,4 67,0 14,5 17,8
EUA 72,2 73,1 64,0 67,1 54,0 58,4 13,8 13,0
Japão 68,6 68,8 55,8 57,0 62,9 62,0 19,2 24,9

Fonte: OCDE (2002b).

54
Os dados recolhidos através do inquérito desenvolvido no âmbito da
presente investigação confirmam precisamente este forte envolvimento
feminino no mundo laboral, dando contudo também a conhecer im-
portantes diferenças geracionais. Entre as mulheres nascidas antes de
1974 a presença no mercado de trabalho, embora relativamente elevada
(na ordem dos 55%), mantém-se bastante aquém da registada entre os
homens da mesma idade (67%). De referir que, entre essas, quase 18%
ocupam-se exclusivamente das tarefas do lar. Tal categoria, fortemente
representativa entre as mulheres com 50 e mais anos, é praticamente
inexpressiva nos escalões etários mais jovens. Entre os maiores de 15
anos já nascidos após o regresso à democracia, uma parte significativa
(30%) encontram-se ainda na condição de estudantes (reflexo do pro-
longamento dos processos de escolarização). Mas entre os restantes, a
presença das mulheres na esfera profissional tende já a aproximar-se da
dos homens (a taxa de actividade masculina neste grupo ronda os 69%
e a feminina os 64%), mais um indicador da importante alteração do
papel da mulher na sociedade portuguesa.
Outra questão interessante na caracterização do mercado de trabalho
em Portugal diz respeito ao prolongamento da vida activa (que tem aca-
bado por compensar a crescente tendência para entradas mais tardias).
Parte significativa dos homens ou das mulheres permanecem profissio-
nalmente activos para lá dos 55 anos de idade, quando muitos dos seus
congéneres europeus deixaram de o ser (quadro 2.11).
Há neste ponto a considerar a coexistência de situações diferenciadas
e, até certo ponto, contraditórias. É conhecido o elevado número de
processos de reforma antecipada, decorrentes nomeadamente das estra-
tégias de reestruturação empresarial nas últimas décadas. Mas, sabe-se
também que muitos destes trabalhadores acabam por desenvolver outras
actividades, frequentemente de carácter independente, como forma de
reforçar os orçamentos familiares ou de manter uma ocupação por parte
daqueles que se sentem aptos para tal. Por outro lado, os mais velhos, e
designadamente os menos qualificados, estão limitados ainda, em mui-
tos casos, a pensões de reforma bastante baixas, o que acaba por induzir
a manutenção de algum tipo de actividade económica. E também entre
os mais qualificados – que em geral enfrentam a idade avançada em me-
lhores condições económicas para usufruir da situação de reforma – se
verifica alguma tendência para o prolongamento da vida activa, processo

55
em que se combinam razões de diversa ordem, desde as de recusa pessoal
à inactividade profissional até às oportunidades económicas decorrentes
da procura das suas qualificações.
Nos últimos anos, tem vindo também a aumentar (à semelhança do
registado noutros países ocidentais), a importância dos contingentes de
imigração, constituídos na sua esmagadora maioria por população em
idade activa, que assim contribui igualmente para o crescimento das
taxas de actividade profissional.
Os níveis de desemprego, embora tenham sofrido nos anos mais
recentes (início do século XXI) uma súbita inflexão crescente e sejam
sempre preocupantes pelo significativo impacto que têm na vida das pes-
soas e famílias, em especial nas de recursos mais escassos, têm-se mantido
regra geral abaixo dos verificados na União Europeia, ou mesmo na gene-
ralidade dos países da OCDE. Importa contudo salientar que este indi-
cador deve sempre ser tomado com alguma cautela, não só pela sua forte
variabilidade conjuntural, como também pela sua permeabilidade face a
problemas metodológicos relacionados com os critérios de medida.
De qualquer forma, é conhecido ser entre os jovens e os trabalhado-
res menos qualificados e com maiores dificuldades de adaptação às novas
exigências da economia actual que se verificam as maiores incidências de
desemprego. De salientar também alguma dificuldade de absorção ime-
diata dos jovens recém-licenciados, decorrente em larga medida da fraca
modernização de parte do tecido empresarial português.
Segundo os dados apurados directamente através do inquérito lança-
do a propósito deste estudo, cerca de 12% dos activos com menos de 30
anos de idade declaram encontrar-se em situação de desemprego (4 pontos
percentuais acima dos valores registados entre os mais velhos). O impacto
social de tal situação é agravado ainda pelo facto de ser também nestas
faixas etárias que é mais frequente a ausência de qualquer subsídio. Cerca
de metade dos desempregados em Portugal não usufruem de subsídio
de desemprego, sintoma da fragilidade das políticas sociais no país. Mas
entre os mais novos essa percentagem sobe para mais de 83% dos casos,
reflectindo a grande instabilidade por muitos destes vivida no que toca à
inserção profissional e as insuficiências dos sistemas de segurança social.
Entre os empregados por conta de outrem (que correspondem, grosso
modo a 3/4 da população activa), o vínculo laboral mais comum continua
a ser o contrato permanente. Segundo os dados apurados directamente

56
pela presente pesquisa, este representa na globalidade quase 70% dos casos,
sendo contudo bastante mais frequente entre as gerações mais velhas.
Outras modalidades contratuais, como o “contrato a termo certo”,
têm vindo a conhecer um forte crescimento na última década, fruto do
declínio do modelo anterior baseado em inserções profissionais estáveis e
duradouras. Os vínculos contratuais mais precários atingem em particu-
lar os recém-chegados ao mercado de trabalho, em especial as mulheres.
Quase 35% dos nascidos a partir de 1974 já inseridos profissionalmente
têm contratos a prazo, percentagem que sobe ainda cinco casas percen-
tuais no caso das jovens do sexo feminino (entre os mais velhos, tal valor
vai pouco além dos 10%). De salientar também que, em Portugal, quase
10% dos trabalhadores por conta de outrem não dispõem de qualquer
tipo de vínculo laboral formal, situação que atinge em particular os traba-
lhadores pouco qualificados, independentemente do género ou da idade.
A instabilidade laboral dominante entre as camadas mais jovens da
população é igualmente patente quando se observa o número de entida-
des para as quais estes prestaram já serviços. Entre os activos com menos
de 30 anos de idade, perto de 40% trabalharam já para duas ou mais
organizações, não obstante terem entrado para o mercado de trabalho
recentemente. Tal afigura-se bastante ilustrativo das transformações
do emprego, tanto mais quando, comparativamente, quase 85% dos
trabalhadores mais velhos trabalharam apenas numa única empresa ou
organização ao longo da sua vida activa.
O alargamento de modelos menos tradicionais de prestação de traba-
lho, como o emprego a tempo parcial ou o tele-trabalho, tende a ter no
entanto uma expressão bem mais reduzida do que noutros países ociden-
tais (quadro 2.10), verificando-se nestes casos, e à semelhança do padrão
internacional, uma maior incidência entre as mulheres. Neste contexto, é
importante notar que, em Portugal, o trabalho a tempo parcial, muito em
particular o feminino, remete frequentemente para ocupações pouco qua-
lificadas, sendo ainda relativamente raro entre as profissionais com melho-
res níveis de qualificação. Segundo os dados recolhidos junto dos inqui-
ridos no âmbito do estudo agora apresentado, quase 55% das mulheres
inseridas no mercado de trabalho a tempo parcial são trabalhadoras não
qualificadas (no caso dos homens tal percentagem é de cerca de 25%).
O trabalho por conta própria (que compreende quer os trabalha-
dores independentes quer a classe patronal) tem conhecido, por seu

57
turno, alguma estabilidade nas últimas décadas, representando segundo
os dados oficiais perto de 1⁄4 da população activa (Banco de Portugal,
2002; GEPE, 2003). Os resultados obtidos directamente confirmam
este cenário, permitindo ainda concluir que estes empreendedores
são, na maioria dos casos, trabalhadores independentes ou pequenos
empresários na área do comércio ou serviços, com poucas qualificações
académicas – longe da figura do empreendedor altamente qualificado
emergente em regiões de grande desenvolvimento económico (veja-se o
caso da Califórnia, Castells, 2002). Cerca de metade trabalham sós e os
restantes detêm pequenas empresas com um número muito reduzido
de trabalhadores, o que vem mais uma vez corroborar o carácter frágil e
disperso da estrutura empresarial portuguesa.
Quanto à evolução da estrutura ocupacional em Portugal (quadro
2.12), são também bastante expressivas as alterações verificadas nas
últimas décadas, acompanhando as dinâmicas vividas quer a nível da
distribuição sectorial do emprego, quer da qualificação da população
activa (Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000).
Um aspecto desde logo a salientar prende-se com a confirmação do
forte declínio do sector agrícola enquanto fonte de trabalho, aliás já
anteriormente referido. São bastante escassos os jovens com este tipo de
inserção profissional, pelo que esta população conhece assim um inten-
so processo de envelhecimento, mantendo níveis de qualificação escolar
bastante baixos, bem como escassos rendimentos.
Pelo contrário, as ocupações mais exigentes do ponto de vista do pro-
cessamento da informação e da mobilização de conhecimentos de natu-
reza complexa registam uma importante expansão, reflexo da crescente
incorporação de tecnicidade nas actividades económicas ou nos serviços
públicos. Veja-se o exemplo paradigmático dos profissionais intelectuais
e científicos que, embora ainda longe dos valores alcançados noutros
países europeus ou norte-americanos, conhecem um crescimento mui-
to significativo (Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000;
Castells, 2002). Em 2001, representavam perto de 10% da população
activa portuguesa. O aparente decréscimo apontado em 1991 deve-se à
introdução de uma nova categoria estatística – a dos técnicos de nível
intermédio – devendo as duas ler-se em conjunto para comparações
retrospectivas. Ambas registam desde então um considerável aumento,
confirmando a crescente qualificação do emprego em Portugal.

58
Quadro 2.12 Distribuição do emprego por profissões, Portugal, 1960-2001 (%)

Profissão 1960 1970 1981 1991 2001

Dirigentes 1,4 0,4 1,3 4,3 7,0

Profissionais intelectuais e científicos 2,8 4,0 7,2 5,6 8,6

Técnicos intermédios -- -- -- 7,5 9,6

Empregados administrativos 5,0 8,8 13,2 10,7 11,1

Vendedores e empregados dos serviços 15,6 16,2 18,6 13,6 14,3

Agricultores e trabalhadores agrícolas 43,6 32,9 19,1 8,7 4,1

Operários, artífices e operadores 31,6 37,8 23,6 32,8 30,3

Trabalhadores não qualificados -- -- 17,0 16,8 15,1

Nota: As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período, pelo que a comparabi-
lidade dos dados apresentados, embora em termos gerais possível, tem de ter em conta algumas ressalvas.
A categoria “dirigentes” apresenta, nos anos de 1960 a 1981 alguma sub-representação, na medida em que
alguns dirigentes de unidades empresariais se encontravam incluídos noutras categorias (ex. directores de
restauração e hotelaria, de unidades comerciais ou de explorações agrícolas). A categoria “técnicos intermé-
dios” é impossível de construir até 1991, estando estes trabalhadores incluídos até então nos “profissionais”,
nos “empregados administrativos” e nos “vendedores e empregados dos serviços”. Os “trabalhadores não
qualificados” estão incluídos, até 1981, nos grupos dos “operários, artífices e operadores”, dos “vendedores
e empregados dos serviços” ou dos “agricultores ou trabalhadores agrícolas”.
Fonte: INE, Recenseamentos Gerais da População.

No que respeita ao peso relativo dos vendedores e empregados dos


serviços, bem como dos operários, artífices e operadores verifica-se uma
relativa estabilização, justificando-se as oscilações mais uma vez pela au-
tonomização, em 1981, da categoria dos trabalhadores não qualificados.
O peso relativo destes últimos, embora com tendência decrescente, per-
siste relativamente elevado, reflectindo não só as fracas competências de
uma parte ainda considerável da população portuguesa mas, também,
as parcas exigências de muitas das unidades empregadoras. O trabalho
não qualificado, embora ainda relativamente transversal nos diversos
escalões etários, tende a ser mais frequente entre as mulheres, muito em
particular entre as mais velhas.

59
Os jovens com qualificações baixas ou médias tendem a optar prefe-
rencialmente por ocupações ligadas aos serviços e vendas ou, em especial
no caso das mulheres, às tarefas administrativas. A título de exemplo,
mais de 20% dos activos nascidos a partir de 1974 desenvolvem profis-
sionalmente actividades de prestação de serviços e de empregados do
comércio, quando entre os mais velhos tal percentagem vai pouco além
dos 13%. Este é assim o grupo profissional mais jovem do panorama
português.
Tal está contudo longe de indicar uma ausência de jovens nas fileiras
do operariado industrial. Pelo contrário, esta é ainda hoje uma saída
profissional para muitos dos jovens portugueses, em particular do sexo
masculino e com mais curtos percursos de escolarização. De acordo com
os dados apurados directamente, cerca de 38% dos homens já nascidos
no período democrático, e que actualmente integram a população activa,
enquadram-se entre os trabalhadores da indústria (percentagem próxima
da registada nas gerações mais velhas). Destes, cerca de 14% são ainda
considerados mão-de-obra industrial não qualificada. Confirma-se pois,
mesmo entre a juventude, a manutenção de uma faixa não negligenciá-
vel da população caracterizada por uma manifesta escassez de recursos
face ao mercado de trabalho e, consequentemente, face a muitas outras
esferas da vida social.
Os profissionais intelectuais e científicos e, em larga medida,
também os técnicos intermédios, são os grupos ocupacionais em que
a presença de ambos os sexos é actualmente mais equilibrada, confir-
mando – à semelhança do que se passa noutros países desenvolvidos
– a crescente feminização destas profissões registada nas últimas décadas
(Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000; Castells, 2002).
Os dados directamente recolhidos nesta pesquisa revelam também que
o peso relativo deste tipo de ocupações se mantém aproximadamente
constante nos vários escalões etários compreendidos entre os 25 e os 50
anos, sendo acentuadamente menor entre os mais velhos. Se este baixo
valor entre a população de maior idade é facilmente interpretado como
tradução directa dos fracos índices de modernização das estruturas so-
ciais e económicas portuguesas durante boa parte do século XX, já o
equilíbrio registado entre os restantes grupos etários é mais curioso se se
atender ao facto dos mais jovens demonstrarem níveis mais elevados de
educação formal, um dos critérios de acesso a este tipo de profissão.

60
Esta situação é, em larga medida, explicada pelo facto dos jovens,
mesmo que frequentemente com elevadas formações académicas, ten-
derem a iniciar a sua vida activa em profissões com menores exigências
de qualificação e mais baixas posições hierárquicas. Entre os licenciados
nascidos antes de 1974 quase 60% desenvolvem ou desenvolveram acti-
vidades enquanto profissionais intelectuais e científicos; entre os mais
jovens com igual estatuto académico essa percentagem desce para pouco
mais de 33%, ocupando-se os restantes preferencialmente de actividades
administrativas ou técnicas de nível intermédio.
Parece assim verificar-se em Portugal alguma resistência à penetração
dos jovens nas carreiras profissionais melhor posicionadas na estrutura
social – dotadas de níveis mais significativos de qualificações, e de maior
poder e status. Para além dos factores relativos aos tempos sociais habi-
tuais de progressão nas carreiras profissionais, tal como na acumulação
de capitais económicos, acresce na sociedade portuguesa actual alguma
dificuldade em expandir a oferta deste tipo de inserções profissionais de
modo a absorver estes recém-chegados ao mercado de trabalho, mesmo
que estes demonstrem frequentemente melhores níveis de formação
formal do que muitos daqueles que já o integram. Tal é particularmente
evidente ao analisar a distribuição da população segundo a categoria
socioprofissional – um indicador compósito que integra como variáveis
não só a profissão e a situação na profissão mas também a qualificação
profissional e a posição hierárquica (quadro 2.13).
Os jovens, tal como boa parte dos mais velhos, concentram-se maio-
ritariamente nas categorias referentes aos assalariados de base, nomeada-
mente, aquelas que integram os empregados executantes (que se ocupam
de actividades administrativas, comerciais, de segurança e serviços) e os
operários industriais (que desempenham tarefas de produção fabril/
oficinal e de transporte). Embora com diferenças significativas entre
si – pela especificação técnica das funções que executam, pelos contex-
tos relacionais em que se integram ou ainda pela valorização social do
trabalho que desenvolvem – trata-se em ambos os casos de posições na
estrutura socioprofissional caracterizadas pela ausência de poderes hie-
rárquicos significativos, fracos graus de autonomia no trabalho e níveis
de rendimentos tendencialmente mais baixos. De registar é também o
afastamento dos activos com menos de 30 anos das categorias relativas
ao trabalho independente, modalidade bastante mais comum entre os
mais velhos (e nestes, em geral, de perfil não muito qualificado).

61
Quadro 2.13 Categorias socioprofissionais segundo idade e sexo, Portugal, 2003 (%)

Categorias Empresários,
Profissionais
socioprofissionais dirigentes e Trabalhadores Agricultores Empregados Operários Assalariados
técnicos e de Total
segundo idade profissionais independentes independentes executantes industriais agrícolas
enquadramento
e sexo liberais

100,0
Homens 15,7 13,3 11,5 3,1 12,8 40,9 2,7 n=775

Nascidos 100,0
até 1974
Mulheres 7,3 11,0 12,4 2,6 26,9 34,7 5,2 n=784

100,0
Total 11,5 12,1 11,9 2,8 19,9 37,8 4,0 n=1559

100,0
Homens 7,6 11,6 2,4 0,0 24,7 52,6 1,2 n=251

Nascidos
em 100,0
1974 ou
Mulheres 4,5 15,8 3,2 0,4 44,5 29,6 2,0 N=247
depois

100,0
Total 6,0 13,7 2,8 0,2 34,5 41,2 1,6 n=498

100,0
Total 10,2 12,5 9,7 2,2 23,4 38,6 3,4 n=2058

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todas as categorias).

Tal está, no entanto, longe de invalidar uma presença relativamente


significativa dos mais novos entre os profissionais técnicos e de enqua-
dramento ou mesmo, embora em menor escala, entre os empresários,
dirigentes e profissionais liberais. Esta última categoria manifesta ainda,
em termos genéricos, um peso relativamente fraco em Portugal, por
comparação à situação registada noutros países europeus (Costa, Maurit-
ti, Martins, Machado e Almeida, 2000; Castells, 2002). Mas conheceu, à
semelhança da primeira, um forte crescimento nas últimas décadas, em
resultado, entre outros, da proliferação de pequenas e médias empresas
e da reorganização das unidades empresariais. Os mais jovens têm um
protagonismo relativamente reduzido neste grupo social. Mas, conside-
rando o seu tempo de vida activa e a conhecida dificuldade de acesso a
capitais, a sua participação não pode ser considerada irrelevante. Neste
domínio, é de destacar em especial o papel das jovens mulheres, com uma
penetração tanto na classe dos profissionais como dos dirigentes muito

62
mais elevada do que a registada pelas mulheres mais velhas. A progressiva
feminização dos grupos melhor situados na estrutura social é assim um
dos traços mais marcantes da evolução recente do país e um dos indicado-
res em que a convergência face à Europa se faz claramente notar.
A estrutura socioprofissional portuguesa mantém ainda fortes traços
característicos das sociedades industriais de meados do século XX, tal
como acontece em muitos outros países (Castells, 2002). Permanece,
inclusive entre os jovens e não obstante o desenvolvimento sócio-edu-
cativo recente, uma proporção significativa da população com inserções
profissionais relativamente pouco qualificadas e pautadas pela fraca mo-
bilização de conhecimentos codificados. E parecem manter-se, em muitos
casos, estruturas laborais que tendem a privilegiar a antiguidade sobre a
formação. Mas, a evolução recente revela o geminar de novas formas de
organização socioeconómica, nas quais os jovens e os indivíduos mais es-
colarizados terão um papel bastante relevante. Começam a assumir maior
protagonismo o empresariado e as novas classes médias assalariadas,
caracterizadas por elevados índices de qualificação, melhores níveis de
rendimento, novas modalidades de consumo e práticas culturais e, ainda,
por uma crescente paridade entre os sexos. São precisamente estes grupos
que demonstram um maior dinamismo profissional, traduzido, entre
outros, num maior investimento na formação contínua, em promoções
mais frequentes ou na crescente complexificação dos conhecimentos mo-
bilizados no trabalho. Estas são, aliás, características presentes entre boa
parte dos jovens, mesmo que estes não beneficiem de igual estabilidade
laboral ou que se integrem em categorias profissionais de nível inferior.
A título de exemplo, segundo o apurado directamente por esta
pesquisa, mais de 1/3 dos profissionais técnicos e de enquadramento
e perto de 1/5 dos activos menores de 30 anos de idade foram promo-
vidos nos últimos dois anos, quando a média global não foi além dos
15%. Num contexto pautado pela crescente tecnicidade das actividades
produtivas e dos serviços prestados, cerca de metade da população activa
portuguesa terá, em igual período, passado a mobilizar no seu trabalho
um maior volume de conhecimentos técnicos. Mas no caso específico
daqueles dois grupos, tal incidência é ainda maior – respectivamente
75% e 57% – o que indicia bem os processos de desenvolvimento profis-
sional em que estes estão actualmente envolvidos.

63
Evolução demográfica e transformações
nas estruturas familiares: modernidade e tradição

Ao longo do século XX, e muito em particular nas últimas décadas,


Portugal assistiu igualmente a um intenso processo de transição demo-
gráfica e recomposição familiar, sem paralelo na história do país. Apesar
de, em termos comparativos, se verificar uma entrada relativamente
tardia nos processos de modernidade demográfica comuns à generali-
dade dos países ocidentais, sob o ponto de vista de muito indicadores
verificou-se uma rápida aproximação aos padrões médios comunitários.
Todavia, alguns traços característicos do cenário tradicional tendem a
persistir, confirmando-se – neste como noutros domínios – o carácter
complexo e multifacetado da sociedade portuguesa (Almeida e outros,
1998; INE, 2003, Bandeira, 1996; Ferrão, 1996).
Um aspecto desde logo a salientar prende-se com a desigual distri-
buição da população pelo território e, nomeadamente, com a intensa
concentração demográfica nas regiões do litoral. Tal tendência tem
vindo a acentuar-se continuamente. Mesmo nos anos 60, quando fortes
movimentos de emigração para países do centro europeu ditam um de-
créscimo global da população, os residentes no litoral urbano continua-
ram a aumentar, assistindo-se essencialmente ao êxodo das regiões rurais
do interior. Em 2001, cerca de 85% da população vivia na faixa litoral
desde Setúbal ao extremo norte do país (INE, 2003). Portugal apresenta
assim, na viragem para o século XXI, fortes desequilíbrios regionais,
que se manifestam não só em termos da densidade populacional, mas
também – e apesar dos progressos verificados – nas acessibilidades, nas
oportunidades de emprego, no acesso à educação, à saúde ou à cultura,
para citar apenas alguns exemplos.
Intimamente associado a este fenómeno encontra-se, por seu turno,
um intenso, e não raras vezes desordenado, processo de urbanização
(quadro 2.14). Em 1960 pouco mais de 1/5 da população residia em
centros urbanos com mais de 10 mil habitantes; na viragem para o sécu-
lo XXI esse valor ascendia a quase 40%. Mais de metade dos residentes
concentram-se actualmente nas zonas metropolitanas de Lisboa e Porto,
sendo também cada vez mais significativa a concentração em cidades de
média dimensão, nomeadamente algumas sedes de distrito (INE, 2003;
Machado e Costa, 1998).

64
Os fenómenos de migração interna manifestam um significado
importante na história recente do país. De acordo com os dados directa-
mente recolhidos pela presente investigação, cerca de 1/3 da população
nascida em Portugal não é originária do concelho onde reside actual-
mente. Entre os mais novos a situação mais frequente é terem nascido
noutro concelho do mesmo distrito, mas entre os restantes são patentes
migrações mais distantes, reflexo porventura do mais forte êxodo das
regiões do interior do país registado há algumas décadas atrás. É tam-
bém interessante verificar que, se entre os nascidos antes de 1974 não
chegam a 10% aqueles que referem ter mudado de local de residência
nos últimos anos, já entre os mais novos os casos mobilidade residencial
recente duplicam. Tal pode ser atribuído a factores como eventuais des-
locações sazonais com intuitos académicos, mudança de residência por
motivos profissionais ou a provável saída recente do lar paterno, entre
outros. Uma parte significativa da população, em especial a mais jovem,
manifesta pois alguma mobilidade geográfica, que se traduz não só em
migrações internas mas também, nalguns casos, pela residência noutros
países.
Aliás, é de salientar a emigração como um dos traços estruturais da
história da sociedade portuguesa, nomeadamente no século XIX e no
século XX, em especial, neste último, nos anos 70/60.
No que toca ao crescimento demográfico, do início ao fim do século
XX assiste-se a uma duplicação da população residente, ultrapassando-
-se na última década a mítica barreira dos 10 milhões de habitantes.
Tal crescimento esteve contudo longe de ser contínuo. Olhando em
particular para a segunda metade do século, terá sido particularmente
favorecido, na década de 70, pelo regresso de um vasto contingente de
residentes nas ex-colónias, e, desde a de 90, pelo aumento significativo
do número de imigrantes. Tal permitiu superar os efeitos demográficos
da emigração, particularmente fortes nas décadas de 60/70. A popula-
ção estrangeira representava em 2001, cerca de 2,2% do total de habitan-
tes; valor que, embora bastante abaixo dos registados noutros países com
forte tradição de imigração (Castells, 2002) e ainda pouco representativo
na população portuguesa, remete para uma duplicação de efectivos es-
trangeiros no espaço de uma década (Machado, 1999; Pires, 1999). A
abertura de Portugal aos fluxos migratórios – quer por via da emigração,
que mantém ainda hoje níveis elevados, por vezes subavaliados (Baganha

65
e Peixoto, 1997), quer actualmente também da imigração – é assim um
importante dado a considerar na caracterização social, económica e
cultural do país.

Quadro 2.14 Evolução de alguns indicadores espaciais e demográficos, Portugal,


1960-2001

Indicadores 1960 1970 1981 1991 2001


População em cidades com mais
22,6 26,5 29,7 33,1 37,7
de 10 000 habitantes (%)

Taxa de natalidade (%) 24,1 20,1 15,4 11,8 10,9

Índice sintético de fecundidade 3,2 3,0 2,1 1,6 1,5

Taxa de mortalidade infantil (‰) 77,5 55,5 21,8 10,8 5,0

População de 0-14 anos (%) 29,2 28,4 25,5 20,6 16,0

População de 65 e + anos (%) 8,0 9,7 11,4 13,4 16,4

Fonte: INE, Recenseamentos Gerais da População e Estatísticas Demográficas.

Com um crescimento natural tendencialmente nulo nos últimos


anos, o aumento recente da população residente em Portugal dever-
-se-á pois essencialmente aos movimentos imigratórios. Os padrões
de natalidade/fecundidade e mortalidade têm vindo a aproximar-se
fortemente dos registados na generalidade dos padrões ocidentais, pese
embora se mantenham internamente fortes assimetrias regionais.
As elevadas taxas de natalidade e fecundidade dos anos 60, sofrem
desde então um intenso decréscimo (quadro 2.14). Em 1982 a substitui-
ção das gerações deixa de ser assegurada, registando-se no início do sécu-
lo XXI um índice sintético de fecundidade na ordem dos 1,5 (muito se-
melhante à média europeia). Razões de ordem económica encontram-se
entre os principais motivos apontados pelas famílias para a diminuição
do número médio de filhos, mas há também a considerar neste âmbito a
generalização das práticas de controlo da natalidade e as fortes alterações

66
registadas no estatuto da mulher no quadro social, económico e jurídico
português, bem como da própria criança. Veja-se, a título de exemplo, a
evolução recente da idade média das mulheres à data de nascimento do
primeiro filho: 24,7 anos de idade em 1990, 27 em 2001 (INE, 2002b).
Paralelamente, decorrendo do progressivo desenvolvimento dos
cuidados de saúde no país, é evidente a queda das taxas de mortalidade
infantil – que tinha permanecido bastante elevadas durante boa parte
do século XX – bem como o gradual aumento da esperança média de
vida à nascença. Esta atinge, em 2001, 73,5 anos no caso dos homens e
80,3 das mulheres (já relativamente perto dos valores médios europeus),
o que significa em termos gerais um aumento de quase 3 anos no espaço
de uma década.
Este panorama acaba por se reflectir num progressivo envelheci-
mento da população, patente tanto na diminuição do peso relativo da
população jovem, como no aumento da mais idosa (quadro 2.14). Esta
tendência, comum à generalidade dos países europeus, foi iniciada em
Portugal de forma mais tardia, mas também mais intensa, pelo que a
estrutura etária nacional se aproxima hoje bastante da registada no resto
da Europa. Tal facto – traduzido no aumento da população dependente
(crianças, jovens e idosos) – vem colocar novos desafios à manutenção
do modelo europeu de protecção social, ainda mais preocupantes num
país como Portugal, onde o Estado-Providência nunca teve a extensão
alcançada noutros países (Mozzicafreddo, 1998).
Intimamente associadas a estas alterações, encontram-se por seu tur-
no as transformações vividas, em especial na última década, no seio das
estruturas familiares (quadro 2.15). Alguns indicadores demográficos
são particularmente sugestivos destas intensas mudanças, que aproxi-
mam rapidamente Portugal dos padrões europeus e que o tornam in-
clusivamente pioneiro no conjunto dos países da Europa mediterrânica
(tradicionalmente com quadros culturais mais próximos do português).
Veja-se a taxa da nupcialidade que, depois de subir continuamente até
meados dos anos 70, conhece desde então um importante declínio,
rondando em 2001 os 5,4 ‰; ou o peso relativo dos casamentos civis
que, em 1960, representavam menos de 10% dos casamentos e que ac-
tualmente significam perto de 36%; ou ainda a crescente importância
relativa dos filhos fora do casamento, que em 2001 ascendiam a 23% do
total de nascimentos.

67
Quadro 2.15 Evolução das estruturas familiares, Portugal, 1960-2001

Indicadores 1960 1970 1981 1991 2001

Taxa de nupcialidade (‰) 7,8 9,4 7,8 7,3 5,4

Idade média do homem no 1º


26,9 26,6 25,4 26,2 28,0
casamento
Idade média da mulher no 1º
24,8 24,3 23,3 24,2 26,4
casamento

Coabitação (%) --- --- --- 2,0 3,7

Casamentos católicos (%) 90,7 86,6 74,6 72,0 64,8

Taxa de divórcio (‰) 0,1 0,1 0,7 1,1 1,9

Nascimentos fora do casamento (%) 9,5 7,3 9,5 15,6 23,4

Dimensão média dos agregados


3,8 3,7 3,4 3,1 2,8
domésticos
Agregados com mais de cinco
17,1 15,9 10,6 6,6 3,3
pessoas (%)

Famílias monoparentais (%) --- 13,0 7,0 9,2 11,5

Famílias unipessoais (%) --- --- --- 13,8 17,3

Fonte: INE, Recenseamentos Gerais da População e Estatísticas Demográficas.

Muito em particular nas zonas mais urbanizadas do litoral e nas re-


giões a sul do país – onde as práticas e representações no domínio da fa-
mília mais se assemelham às vividas nos países europeus – novos modos
de entrar e viver a conjugalidade têm vindo a emergir de forma bastante
significativa (Torres, 2002). Tal é evidente no adiamento da idade média
ao casamento, na cada vez mais frequente co-habitação prévia à união
formal, na expansão em geral das uniões de facto ou no considerável
alargamento do número de rupturas conjugais. A taxa de divórcio, ac-
tualmente muito próxima da média europeia, conheceu um crescimento
substancial nas últimas décadas, estando perto dos 2‰ em 2001. De
lembrar que, até 1975, os casamentos católicos não podiam, salvo raras
excepções, ser alvo de divórcio formal. A evolução desde então registada

68
acaba por se reflectir também na expansão das famílias monoparentais
– constituídas cada vez mais por divorciados com filhos a cargo, na maio-
ria mulheres, e não por viúvos(as) – bem como no aumento da impor-
tância relativa dos recasamentos e das famílias reconstituídas.
Por todos estes factores, a dimensão média dos agregados familiares
conhece uma progressiva diminuição. São cada vez menos frequentes as
famílias alargadas e os agregados constituídos por vários núcleos fami-
liares. E, pelo contrário, tende a ser mais expressivo o número de indi-
víduos que vivem sós, não só entre os grupos etários mais velhos – que
tradicionalmente se encontravam nesta situação na sequência de uma
viuvez – mas também entre os mais jovens – que assim vivenciam uma
outra forma de emancipação familiar, não necessariamente associada à
conjugalidade.
Os valores inerentes à família e ao casamento têm vindo assim a
mudar consideravelmente entre a maioria dos portugueses, ainda que as
práticas efectivas nem sempre o reflictam de forma tão imediata e expres-
siva. E, noutros casos, é de considerar que as práticas se alteram, mesmo
sem uma correspondente mudança ao nível das representações. Vários es-
tudos extensivos mostram que a conjugalidade é cada vez mais entendida
como um compromisso afectivo e privado, laico e não necessariamente
institucionalizado (Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall, 1998; INE,
2003). A família surge como um espaço de afectos e realização pessoal, e
as diferenças de estatuto entre homens e mulheres tendem a ser minimi-
zadas, privilegiando-se concepções baseadas no princípio da igualdade.
Contudo, e apesar dos processos de emancipação feminina anun-
ciados, muitas das práticas no seio familiar (e fora dele), mantêm os
contornos do modelo tradicional de relação entre os sexos. Veja-se o
caso da divisão das tarefas domésticas que, não obstante a participação
da mulher no mundo do trabalho, continua a ser claramente desfavo-
rável para esta; as desigualdades salariais ainda persistentes; ou ainda a
fraca taxa de participação feminina na vida social e política (Ferreira,
1999). A conciliação entre o trabalho e a vida familiar, particularmente
cara às mulheres, é cada vez mais entendida como uma questão central
no desenvolvimento do país, em relação à qual muito tem ainda de ser
feito na aproximação aos padrões de alguns países europeus, como os
escandinavos.

69
Estado e cidadania: novos desafios

Do ponto de vista do funcionamento do Estado, das suas áreas de


intervenção e da sua relação com a população em geral, muitas foram
também as transformações vividas no final do século XX em Portugal.
No espaço de trinta anos, o país depôs uma ditadura de meio século,
viveu um período revolucionário de grande conturbação e debate políti-
co, consolidou um regime democrático, desenvolveu as estruturas de um
Estado-Providência e integrou as suas instituições no espaço europeu.
Sob muitos aspectos aproximou-se assim fortemente dos modelos polí-
ticos de boa parte dos países ocidentais, enfrentando na viragem para o
século XXI problemas e desafios semelhantes aos encarados em muitas
destas nações. Algumas especificidades tendem contudo a manifestar-se,
fruto quer do desenvolvimento tardio e particular de tais modelos em
Portugal, quer das próprias peculiaridades da sociedade civil.
Um dos aspectos desde logo a salientar prende-se com a emergência
comparativamente bastante tardia do Estado-Providência (Mozzicafre-
ddo, 1992, 1998; Santos, 1993; Viegas, 1998 e 2000). Este conhece
o seu desenvolvimento após a instauração do regime democrático,
estruturando-se – à semelhança do que acontecera na maior parte das
sociedades industrializadas – em torno de três eixos fundamentais. Por
um lado, o desenvolvimento de políticas de natureza social dirigidas
quer à população em geral, quer à protecção dos segmentos mais desfa-
vorecidos. Por outro, a institucionalização de um modelo de concertação
entre parceiros sociais e económicos. Por outro ainda, e após um perío-
do revolucionário pautado por uma intensa intervenção do Estado na
economia (de que são exemplo as nacionalizações), a implementação de
políticas de regulação económica e minimização das disfuncionalidades
do mercado livre.
Em termos gerais, qualquer destes eixos tem como princípios funda-
dores os princípios de igualdade e universalidade. Todavia, as modalida-
des de concretização adoptadas acabaram por manifestar alguma selec-
tividade e fragmentação, respondendo essencialmente às necessidades
mais prementes manifestadas por determinados grupos sociais (Mozzica-
freddo, 1992, 1998). Veja-se o exemplo dos mecanismos de concertação
social, nos quais tendem a não estar representados os pequenos empre-
sários e os trabalhadores não sindicalizados; ou do Sistema Nacional de

70
Saúde que (apesar da crescente abrangência), está longe de garantir uma
assistência de qualidade a toda a população; ou ainda dos subsídios de
doença e desemprego dos quais são frequentemente excluídos os traba-
lhadores com inserções mais precárias no mercado de trabalho.
Em termos comparativos, pese embora o aumento crescente das
despesas públicas ou o elevado peso relativo dos funcionários públi-
cos – cerca de 20% da população empregada por conta de outrem
– o Estado-Providência português nunca alcançou a expressão atingida
noutros países (Mozzicafreddo, 1992; Santos, 1993; Viegas, 2000). Tal
não invalida que importantes desenvolvimentos tenham vindo a ser al-
cançados, nomeadamente no âmbito da protecção social e da regulação
económica, esta última particularmente beneficiada pelas transferências
financeiras da União Europeia. Enquadram-se neste âmbito uma mul-
tiplicidade de medidas visando, entre outros, o apoio à requalificação
dos trabalhadores e das estruturas produtivas, o incentivo à inovação
ou a concessão de benefícios à localização de actividades nas zonas do
interior (Mozzicafreddo, 1992, 1998).
Em curso está também, nos últimos anos, um processo de moderni-
zação da própria administração pública, cujas estruturas são ainda ava-
liadas como excessivamente burocráticas e centralizadas (Mozzicafreddo,
2002). Tendo como objectivo aumentar a eficiência dos serviços, bem
como a sua equidade e transparência, procedeu-se à informatização da
grande maioria das unidades. Criaram-se sítios na internet que facilitam
o acesso à informação por parte da população e que, nalguns casos par-
ticulares (acompanhando a evolução registada noutros países europeus),
permitem já a prestação de alguns serviços – como é o caso da entrega
on-line das declarações de impostos, na área das finanças, ou do pedido
de certidões, na área da justiça. Pontualmente estas páginas na internet
contemplam ainda espaços para que a sociedade civil se manifeste sobre
processos em consulta pública, começando assim a abrir novas modali-
dades de participação social e política. Disso são exemplo as experiências
desenvolvidas no âmbito do parlamento (Cardoso, Cunha e Nascimen-
to, 2003; Cheta, 2004).
A utilização destes recursos por parte dos portugueses é ainda, to-
davia, relativamente escassa: em 2002, apenas 39% dos utilizadores da
internet visitaram este tipo de sites, quando a média europeia era já de
mais 10 pontos percentuais (OIC, 2003).

71
Em termos gerais, é aliás consensual afirmar que, em Portugal, as
relações entre a população e o Estado são pautadas por uma conside-
rável distância (Viegas, 2000; Cruz, 1995; Freire, 2000; Cabral, 2000).
Passado o período de grande reivindicação social e política verificado
entre 1974 e 1976 na consequência do fim da ditadura, e uma vez con-
solidada a democracia representativa, os indicadores de participação
dos cidadãos portugueses na vida pública nacional retomam valores
bastante fracos (entre os mais baixos da União Europeia). Tal situação,
manifesta entre outras nas crescentes taxas de abstencionismo eleitoral,
vem colocar novos desafios à qualidade do próprio regime democrático,
instaurando – tal como tem acontecido noutros países – o debate sobre
a reforma das instituições de participação e sobre a necessidade de credi-
bilizar a actividade política (Viegas, 2000).
Vários factores podem ajudar a explicar a fraca cultura de partici-
pação política dos portugueses e o seu actual alheamento em relação a
muitos dos debates em curso (Cruz, 1995; Viegas, 2000; Freire, 2000).
Alguns estudos extensivos demonstram que, embora a democracia seja
considerada um valor decisivo entre a generalidade dos cidadãos, a nor-
malização do regime, a diminuição da conflitualidade entre propostas
e a pragmatização da política (nomeadamente a percepção dos limites
impostos pelas estruturas político-financeiras supra-nacionais) podem
constituir factores inibidores de um maior envolvimento. Também a
considerar são os fracos índices de literacia, que tornam mais difícil
uma participação activa e informada na vida política. Muitos cidadãos
demonstram, paralelamente, um claro desinteresse pela vida colectiva e
uma crescente desconfiança em relação aos outros e às instituições. Os
autores que se debruçam sobre este tema têm associado tais tendências,
por um lado, ao desenvolvimento de uma cultura individualista e hedo-
nista e, por outro, à crescente partidocracia e à multiplicação de escân-
dalos políticos com forte cobertura mediática (desafios em larga medida
também presentes noutras nações democráticas) (Sousa, 2003).
Pode apontar-se ainda a presença em Portugal, como noutros países
do sul da Europa, de importantes traços de uma cultura de autoritarismo
e subordinação, fruto da história e da lenta mudança das estruturas men-
tais mais profundas (Cruz, 1995). Esta terá dificultado o pleno desenvol-
vimento da cidadania e tornado mais permeável a sociedade portuguesa à
adesão a figuras políticas de imagem carismática e paternalista (frequente-
mente encontradas, entre outras, nas estruturas do poder local).

72
Neste contexto, não serão surpreendentes os fracos índices de
associativismo registados no país ou os baixos níveis de activismo em
organizações não governamentais, bastante inferiores à média europeia
(Cruz, 1995). Embora o número de associações sem fins lucrativos tenha
vindo a aumentar, alguns estudos desenvolvidos em meados dos anos 90
revelam que cerca de 2/3 da população portuguesa não tinha qualquer
pertença associativa (quando a média comunitária rondaria os 50%) e
que apenas 15% desenvolveria efectivamente algum tipo de actividade
em associações (Cabral, 2000; Martins, 2002). Os valores recolhidos
directamente no âmbito da presente investigação, em 2003, apontam
para percentagens ainda mais baixas, revelando também a ausência de
diferenças geracionais significativas neste domínio.
Entre as associações mais representativas encontram-se, à semelhan-
ça do que tende a acontecer na generalidade dos países europeus, as
associações de natureza cultural e recreativa e as estruturas com incidên-
cia sindical, patronal ou profissional – sendo neste ponto de destacar a
decrescente taxa de sindicalização dos trabalhadores portugueses (pelo
menos até ao final do século XX), bastante baixa em particular entre os
mais novos. Ao contrário do que se verifica noutras regiões, nomeada-
mente do norte da Europa, em Portugal tem ainda pouca expressão o
associativismo ligado, por exemplo, à defesa do ambiente ou dos direitos
cívicos (Cabral, 2000). Mesmo entre a população mais jovem e qualifica-
da, que noutros países tende a manifestar um maior interesse por estas
questões, o envolvimento associativo é muito pouco significativo.
Pontualmente, têm surgido nos últimos anos novas formas de parti-
cipação social e política, de que são exemplo a assinatura de petições ou
a organização de manifestações públicas não directamente decorrentes
do trabalho partidário. Em muitos casos, tal como no estrangeiro, estas
iniciativas utilizam como forma de mobilização os novos meios de comu-
nicação – nomeadamente a internet (Cruz, 1995; Viegas, 2000; Cabral,
2000; Cardoso e Neto, 2003). Entre os exemplos mais paradigmáticos
deste tipo de iniciativas encontram-se as acções de protesto e solidarieda-
de com o povo de Timor-Leste. Segundo os dados directamente apurados
nesta pesquisa, estas terão mobilizado, nas suas várias formas, quase 15%
da população portuguesa. A adesão ao movimento não distinguiu géne-
ros ou idades, mas revelou serem os mais qualificados do ponto de vista
académico aqueles que mais intensamente se envolveram nesta causa.

73
Não obstante estas manifestações, é consensual entre os diversos
analistas a relativa fragilidade da sociedade civil portuguesa ou, noutras
palavras, a sua dificuldade em se afirmar como actor chave das transfor-
mações do país. Em alguns domínios, o Estado tem assumido um papel
central na dinamização da mudança (Mozzicafreddo, 1992). Veja-se, por
exemplo, os incentivos à inovação, nas suas várias vertentes, ou o envol-
vimento directo nos investimentos em ciência e tecnologia.
Nesse sentido, poder-se-ia considerar tratar-se o Estado português de
um Estado forte, com grande prevalência sobre os cidadãos. Contudo,
mesmo não negando a debilidade e relativa ineficácia das estruturas
da sociedade civil, dificilmente se pode afirmar tal preponderância do
Estado na vida económica, social ou cultural do país. Não só porque se
registam diversas manifestações de mudança desencadeadas à margem
de qualquer intervenção estatal – de que são exemplos a feminização do
trabalho, as alterações dos estilos de vida ou as migrações. Mas também,
precisamente, porque é grande a distância dos cidadãos face às estruturas
do Estado, ou mesmo, nalguns casos, face à lei. São, entre outros, conhe-
cidos os problemas da evasão fiscal e da economia paralela, ou ainda uma
multiplicidade de outras questões em que se regista um claro desfasamen-
to entre a legislação existente e as práticas correntes desenvolvidas pela
generalidade dos portugueses. Quer porque o quadro legal nem sempre
acompanha as fortes transformações sociais e culturais entretanto desen-
cadeadas, quer, pelo contrário, porque não raras vezes as práticas não se
alteram por proposta legislativa (veja-se, entre muitos outros, a persistên-
cia de casos de discriminação salarial). Assim sendo, não só a sociedade
civil apresenta fragilidades mas também o próprio Estado português
anuncia alguns traços de debilidade na sua relação com os cidadãos,
sobretudo no que diz respeito a certos grupos de interesse específicos
(económicos, religiosos, desportivos, corporativos, mediáticos, etc.).

Transformações no espaço dos meios de comunicação


de massa: da censura à globalização

Os meios de comunicação de massa afirmaram-se, ao longo do século


XX, como protagonistas centrais no processo de formação da opinião
pública, em Portugal, como noutros países e a nível mundial (Castells,

74
2002). As importantes transformações registadas neste domínio nas últi-
mas décadas assumem assim, à semelhança de outras já enunciadas, um
impacto decisivo no panorama cultural, político, social e económico do
país. Num espaço de tempo relativamente curto, a comunicação social
portuguesa abandonou um contexto pautado pela censura e por uma
forte regulação estatal para, após uma breve experiência de estatização
dos principais núcleos empresariais, enfrentar, como muitos outros paí-
ses desenvolvidos, os novos desafios da liberalização e da globalização do
sector (Oliveira, 1992, 1995; Mesquita, 1994).
Durante as largas décadas do período ditatorial, os media portugueses
permaneceram sujeitos a um apertado sistema de controlo ideológico,
não conhecendo, em termos gerais, grande impacto numa população ca-
racterizada pelos seus fracos índices culturais e pelo seu reduzido poder
de compra. Os jornais resultavam de pequenas estruturas empresariais,
pouco modernizadas, com baixos níveis de profissionalismo e com
uma situação financeira bastante débil. As rádios, embora com maior
audiência, permaneciam essencialmente sob o domínio do Estado e da
Igreja Católica, servindo directamente os seus interesses. E a televisão,
numa situação de monopólio, iniciou sob o controlo directo do poder
político emissões regulares em 1957, mantendo contudo por vários anos
uma fraca cobertura do território nacional. O protagonismo dos meios
de comunicação social em Portugal, embora crescente, manteve-se assim
limitado neste vasto período, afirmando-se os media, em boa medida,
como veículos propagandísticos do Estado junto da população que a
eles tinha acesso.
A revolução de Abril de 1974 consagrou a liberdade de expressão
como direito fundamental, ditando assim o fim da censura; mas condu-
ziu igualmente à nacionalização dos principais meios de comunicação
social e, nesse sentido, à manutenção dum regime de dependência face
ao Estado ou aos principais grupos políticos então emergentes (Mesquita,
1994). Os anos que se seguiram foram marcados pela profunda crise fi-
nanceira de muitas das empresas do sector – nomeadamente da imprensa
escrita, pública ou privada – não obstante a crescente importância dos
media na vida política, social e cultural do país. Data também desse perío-
do a proliferação, por todo o território nacional, das chamadas “rádios
piratas”, iniciativas de base local que, aproveitando a ausência de regula-
mentação e controlo efectivo do sector, se propuseram como alternativas

75
face à hegemonia até então vigente das duas principais emissoras, a de
propriedade estatal e a da igreja católica. Na maioria dos casos, aqueles
projectos tiveram uma curta duração, resultado quer do seu amadorismo,
quer também da saturação do espaço radiofónico e da sua posterior regu-
lamentação segundo as directivas comunitárias. Apesar disso, constituí-
ram-se em alguns casos como um importante espaço de dinamização de
debates e iniciativas de carácter local, bem como de formação para uma
nova geração de profissionais da comunicação social.
O contexto subjacente à adesão europeia criou novas condições para
o desenvolvimento dos media em Portugal. O clima de confiança econó-
mica então dominante favoreceu a estruturação do sector, suscitando a
criação de novos projectos empresariais e a modernização das estruturas
já existentes. Tais investimentos foram ainda beneficiados pelo dina-
mismo então conhecido no mercado da publicidade, fruto da abertura
económica aos produtos estrangeiros e das inovações introduzidas no
domínio do marketing. Inicia-se também neste período uma profunda
alteração da composição social dos produtores de informação mediática,
designadamente dos jornalistas, processo ao qual não é alheia a emer-
gência de novas ofertas de formação nestes domínios.
Fortemente associado a estas transformações encontra-se o processo
de reordenação legal do sector que, à semelhança do registado noutros
países, acabou por se traduzir na liberalização dos meios de comunica-
ção de massa em Portugal. Tal processo teve início com a privatização, a
partir de 1986, da imprensa escrita anteriormente nacionalizada; passou
pelo reordenamento do espectro radiofónico, em 1988; e culminou
com a revisão constitucional de 1989, que veio permitir a possibilidade
de exploração de emissões televisivas por parte de privados. Assistiu-se
assim, em 1992, ao nascimento de dois projectos de televisão privada e,
consequentemente, ao fim dos 35 anos de monopólio televisivo estatal.
Portugal entra então, embora com ligeiro atraso, na nova era da
comunicação social, marcada pela concentração e internacionalização
dos capitais, pela integração empresarial multimédia e multisectorial,
pelo desenvolvimento de novos modos de fabricação dos produtos infor-
macionais e de entretenimento e pela crescente tecnicidade dos meios
de produção, entre outros. Parte significativa dos programas emitidos
passam a resultar da importação de produtos ou modelos do estrangeiro,
nomeadamente das grandes redes de audiovisual a operar no território

76
mundial. Os meios de comunicação social afirmam-se claramente como
um dos mais importantes veículos de incorporação, na cultura portu-
guesa, de referências simbólicas de origem estrangeira, designadamente
anglo-saxónica, mas também brasileira, graças ao forte impacto socio-
cultural das telenovelas importadas desse país. Esta abertura ao exterior
raramente se traduz no fluxo inverso, ou seja, na exportação de produtos
nacionais.
A liberalização criou condições para um maior pluralismo dos pro-
dutos, debates e ideias veiculados pelos vários meios de comunicação
social. Mas as crescentes exigências financeiras e a necessidade de so-
breviver num mercado livre tornaram as empresas mais dependentes do
mercado publicitário e, logo, da conquista de audiências.
Os novos desafios do sector são, em Portugal, agravados pela reduzida
dimensão do mercado. As audiências televisivas são, em volume absolu-
to, bastante mais reduzidas do que noutros países europeus, embora em
termos relativos sejam já consideravelmente elevadas e portanto mais di-
ficilmente expansíveis. Segundo os dados directamente apurados, prati-
camente toda a população vê televisão diariamente, ocupando em média
2 horas e 45 minutos por dia nesta actividade. Embora a rádio manifeste
também níveis de audiência relativamente significativos, nenhum outro
media atinge importância comparável à da televisão.
Pelo contrário, a imprensa escrita continua a enfrentar os fracos
índices de leitura da população portuguesa, em particular das gerações
mais velhas, com menores níveis de literacia (Freitas, Casanova e Alves,
1997). A título de exemplo, segundo os dados recolhidos directamente
nesta pesquisa, pouco mais de 35% dos indivíduos maiores de 30 anos de
idade afirmam ler habitual ou ocasionalmente qualquer tipo de livro, per-
centagem que sobe para perto do dobro entre os mais jovens. A situação
tende a ser um pouco melhor no que toca especificamente à leitura de
jornais e revistas, mas ainda assim consideravelmente longe dos níveis al-
cançados noutros países europeus mais desenvolvidos (Obercom, 2003).
Assim sendo, e tal como acontece no mercado livreiro, o número
de títulos de jornais e revistas aumentou nos últimos anos, mas as
tiragens são comparativamente bastante pequenas. Segundo dados do
Observatório da Comunicação, em 1999, circulavam em Portugal 73
jornais diários por cada mil habitantes, o segundo valor mais baixo da
União Europeia, bem longe dos 234 da média comunitária (Obercom,

77
2003). Não obstante o preço de capa destas publicações – dos mais altos
do espaço europeu, o que também não contribuirá para a expansão dos
índices de leitura – a reduzida expressão das tiragens tem tornado a si-
tuação financeira destes meios de comunicação ainda mais dependente
das receitas da publicidade, receitas que estão longe de alcançar os níveis
registados noutros países mais desenvolvidos.
Comparando com o registado noutras regiões da Europa, apenas os
jornais desportivos e as revistas (de vários formatos e públicos alvo) assu-
mem audiências relativamente maiores, sendo esta em geral considerada
como uma das especificidades da imprensa portuguesa. Na tentativa de
responder de forma mais directa ao mercado e de assim garantir níveis
mais satisfatórios de circulação, muitos grupos têm vindo a adoptar es-
tratégias de especialização dos seus títulos. A mortalidade precoce destes
projectos editoriais é, contudo, salvo algumas excepções, bastante eleva-
da. E também a imprensa regional conhece dificuldades, estando longe
de alcançar tiragens comparáveis com as verificadas no estrangeiro. Pese
embora a tradição de vários títulos e os processos de modernização a que
alguns foram recentemente sujeitos, a generalidade dos jornais regionais
mantém estruturas pouco profissionalizadas, enfrentando fortes debili-
dades financeiras e alcançando um impacto relativamente reduzido na
população.
No final da década de 90, muitas das publicações impressas, como
aliás dos restantes media, ganharam uma nova dimensão com a entrada
no domínio das edições electrónicas (Cardoso, 2004a). Poder-se-á con-
siderar que a notoriedade pública dos títulos se tornou profundamente
associada à sua presença na internet e que os grupos empresariais apro-
veitaram as potencialidades desta nova tecnologia na tentativa de alargar
as suas audiências. Nalguns casos, passaram mesmo a prestar novos servi-
ços (ex. acesso aos arquivos para pesquisa), dedicando em geral bastante
atenção às suas edições on-line. A adesão dos cibernautas portugueses a
este novo formato foi bastante significativa. Mas a relativamente fraca
difusão da internet em Portugal tem limitado esta área de negócio, não
constituindo nem um estímulo nem uma ameaça relevante às publica-
ções tradicionais.
A televisão assume-se assim como o principal meio de informação
e entretenimento da população portuguesa, muito em particular das
gerações mais velhas e menos escolarizadas, caracterizadas não só por

78
mais baixos índices de leitura mas, também, por uma mais fraca adesão
a práticas culturais outdoor e por um maior afastamento face a meios
de comunicação baseados em novos suportes tecnológicos – de que são
exemplo, a internet ou mesmo o vídeo/DVD.
Sujeitos à “guerra das audiências” e acompanhando a própria evolu-
ção dos estilos de comunicação audiovisual a nível global, os canais te-
levisivos portugueses têm vindo a proceder a uma significativa alteração
dos seus produtos, nomeadamente com uma maior aposta na interacção
directa com o público e na correspondência face às expectativas de um
maior número de telespectadores. Esta homogeneização e populariza-
ção dos seus produtos tem conduzido segundo alguns analistas a uma
redução significativa da qualidade da oferta prestada, suscitando assim
a discussão pública sobre a natureza do serviço público fornecido pelos
meios de comunicação de massas. É precisamente neste contexto – agra-
vado pela persistência de importantes défices financeiros da empresa
pública de televisão – que se assiste nos primeiros anos do século XXI à
reestruturação da oferta dos canais estatais e, inclusivamente, à abertura
da emissão do segundo canal à iniciativa da sociedade civil. Não obstan-
te todas as críticas, em 2003, ou seja, ainda antes desta última operação,
parte importante da população (cerca de 60%) manifestava, no inquéri-
to lançado especificamente para esta pesquisa, a opinião de que a oferta
televisiva era, naquela data, melhor do que seria há alguns anos atrás.
Nos últimos anos, seguindo as tendências registadas na maioria dos
países ocidentais, multiplicaram-se os debates televisivos sobre temas
de actualidade, os chamados “directos” nos serviços informativos e os
talk-shows ou outros produtos em que é, de algum modo, estimulada a
intervenção do cidadão comum (Cardoso, 2004a). Terá sido assim aber-
ta uma maior possibilidade de acesso à informação e de participação
no espaço de debate público por parte da população. No entanto, e
tal como parece verificar-se noutras regiões do globo, esta participação
tende a ser bastante circunscrita e efémera, não tendo, como se viu,
repercussões significativas nas práticas de cidadania dos portugueses. Os
dados recolhidos directamente revelam ser inexpressiva a percentagem
da população que alguma vez entrou, por qualquer meio, em contacto
com algum órgão de comunicação social.
A própria interacção entre os domínios da política e dos media tem
vindo a sofrer importantes alterações, na linha do registado na maioria

79
dos países ocidentais. Os políticos adoptam frequentemente os timings
e técnicas da comunicação audiovisual e os meios de comunicação
afirmam-se como um dos principais espaços de combate político. Ao
promoverem debates, divulgarem sondagens, darem frequentemente
forte cobertura a escândalos de corrupção ou outros, os media assumem
um papel determinante na vida política do país e no posicionamento
dos cidadãos face a esta esfera. A presença na televisão, nos jornais
ou nas rádios de figuras públicas com conexões político-partidárias
tornou-se comum, frequentemente sob a figura de comentadores sobre
os acontecimentos mais marcantes da vida pública nacional. Embora já
com contornos bastante diferentes daqueles vividos há algumas décadas
atrás, a relação entre os media e a esfera política mantém-se assim bastan-
te próxima.
Finalmente, importa frisar que, não obstante a eventual tendência
homogenizante da oferta de alguns dos meios de comunicação social
nacionais, a variedade de produtos de informação e entretenimento
hoje ao dispor dos portugueses através dos media terá necessariamente
aumentado. Basta referir que – pese embora os canais mais vistos conti-
nuem a ser os mesmo quatro disponíveis por via hertziana – pelo menos
cerca de 40% da população tem acesso diário, no seu espaço doméstico,
a uma multiplicidade de canais televisivos estrangeiros através da TV por
cabo; e que um número crescente de cidadãos tem vindo, como se verá
nos próximos capítulos, a familiarizar-se com a utilização da internet,
acedendo assim a um gigantesco manancial de recursos de informação e
lazer de natureza global (Cardoso, 2003).

80
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 3
Portugal no mundo: a internet no contexto global

A
utilização da internet espalhou-se por todo o mundo a uma
velocidade muito superior à de qualquer outro meio de comu-
nicação ao longo da história.1 Em 1995, o primeiro ano de
existência de um browser comercial (Netscape Navigator), havia cerca de
16 milhões de utilizadores2 e, em Março de 2003, estima-se que seriam
649 milhões3.
A ideia, na génese do que futuramente viria a ser conhecido por
internet4, ocorreu na primeira metade da década de 60 quando Paul
Baran, trabalhando na altura na Rand Corporation – uma entidade de
investigação dos EUA – propôs-se criar um sistema de comunicações
que resistisse a um ataque nuclear. Essa proposta tecnológica baseava-se
na denominada tecnologia da comunicação de comutação de pacotes.
Isto é, a comunicação idealizada de som, texto ou imagem, ocorreria
através da divisão da informação num conjunto numerado de pacotes
que seriam enviados e reagrupados no destino, mantendo portanto a
integridade da informação.
O antepassado directo da internet, a ARPANET, iniciou a sua ac-
tividade em Setembro de 19695 ligando a Universidade da Califórnia,
1
No presente capítulo participou na sua elaboração Rita Espanha, docente
do INP e investigadora participante na acção COST-ESF A20, ver http://cost-
a20.iscte.pt.
2
IDC, www.idcresearch.com.
3
Global Reach, global-reach.biz/globstas.
4
Os dados aqui apresentados sobre a história da internet são produto de uma re-
colha de várias fontes existentes em bibliografia, nomeadamente as obras de Manuel
Castells (2004a), Jane Abbate (1999) e nas páginas da Internet Society e ICANN na
World Wide Web.
5
Para uma cronologia alargada dos eventos e intervenientes da história da inter-
net, ver Abbate (1999).

81
Los Angeles, o Instituto de Investigação de Stanford, a Universidade da
Califórnia em Santa Bárbara e a Universidade do Utah. Tratava-se de
uma rede destinada à investigação no quadro dos programas de pesquisa
do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Mas tal como tantas
vezes na história das tecnologias de comunicação e informação, o fim
imaginado nem sempre se concretiza nas utilizações correntes.
Durante muitos anos, a utilização da internet era exclusiva, por um
lado, de cientistas e universitários de alguns dos centros de investigação
mais avançados do mundo, e por outro, das redes de internautas que,
originários das universidades, vão construir uma cultura alternativa de
comunidades virtuais. Entretanto, dá-se a explosão do uso da internet,
primeiro nos EUA e progressivamente em redes globais de comunicação
em todo o planeta. As razões para essa disseminação do uso vão tanto no
sentido da evolução legal e tecnológica como na transformação organiza-
cional da sociedade e da economia. As razões legais que se podem apon-
tar são, concretamente, a privatização da internet pelo governo dos EUA
e a liberalização das telecomunicações em muitos países; as razões tecno-
lógicas, são o desenvolvimento de programas como o World Wide Web6, as
interfaces gráficas e os browsers que permitem que a internet seja utilizada
por pessoas sem conhecimentos técnicos (Abbate, 1999; Berners-Lee e
Fischetti, 1999). Quanto às razões relacionadas com as transformações or-
ganizacionais da sociedade e da economia, a organização flexível em rede
revelou-se uma maneira mais eficaz e produtiva de relacionamento num
mundo marcado pela globalização e pela importância estratégica da infor-
mação e do conhecimento (Castells, 2004a). A internet está a converter-se
na plataforma tecnológica por excelência da sociedade em rede.
6
A invenção da World Wide Web ocorreu na Europa em 1990, no Centre Eu-
ropéen pour la Recherche Nucleaire (CERN) em Genebra. Um grupo coordenado
por Tim Berners-Lee – trabalhando com base no trabalho visionário de Ted Nelson,
de 1974, sobre a noção do que ele designou hipertexto, ou seja, a possibilidade de
estabelecer a ligação entre palavras, texto, som e imagem de uma forma não linear
– criou um formato para os documentos em hipertexto que denominou de hiper-
text markup language (HTML). Também criaram um protocolo de transferência de
hipertexto (http: Hypertext Transfer Protocol) para conduzir a informação entre os
programas de navegação – os web browsers de entre os quais o Netscape e o Internet
Explorer são os mais divulgados – e os servidores, e criaram um formato de endereço
standard, o uniform resource locator (URL).

82
Assim, a difusão da internet em cada sociedade, medida pelo núme-
ro de utilizadores e pelo número de ligações, é um indicador apropriado
de desenvolvimento da sociedade em rede, tal como era – e continua
a ser – o número de kilowatts produzidos e consumidos em relação ao
crescimento da sociedade industrial desde o final do séc. XIX.
Para poder analisar os processos característicos da sociedade em rede
em Portugal é necessário quantificar a extensão e a dinâmica da sua di-
fusão ao longo do tempo, tentando avaliar estatisticamente o número de
utilizadores e o número de lares ligados à internet, e, simultaneamente a
proporção destes lares que possuem ligação em banda larga. Para enten-
der o significado destes dados, é fundamental situá-los em contextos que
permitam a comparação: a Europa, os países desenvolvidos, os países de
língua oficial portuguesa, ou seja, as áreas geográficas historicamente
relacionadas com Portugal e o mundo, no seu conjunto. Importa recor-
dar que a importância dessa comparação não é tanto a percentagem de
utilizadores – até porque a tendência é a generalização da utilização da
internet, pelo menos nos países desenvolvidos, como aconteceu com o
telefone e o telemóvel – mas sim quais os ritmos dessa difusão e os níveis
em que se situa cada sociedade num determinado momento. Essa com-
paração é importante, e feita desta maneira, porque quem usa a internet
adapta-a aos seus usos e à própria tecnologia: quem faz a história da
internet são os utilizadores que inventam e desenvolvem aplicações de
todos os tipos, desde o correio electrónico, às listas de correio ou chats
(grupos de conversação em tempo real), por exemplo.
Assim, a quantidade e tipologia das pessoas que utilizam a internet
quando começa a difundir-se numa determinada sociedade condicio-
nam a contribuição de cada cultura e de cada país para a configuração
da rede global que se constitui independentemente dos usos que cada
um faça dela. Por outras palavras, ter noção das estatísticas relacionadas
com os usos da internet em cada sociedade é uma maneira de entender o
nível de desenvolvimento da sociedade em rede de cada país e, portanto,
de saber a capacidade que tem de gerar riqueza, cultura e autonomia
num mundo construído em torno de redes globais de comunicação, das
quais a internet é o núcleo principal – um núcleo feito de uma rede de
redes de computadores.
A avaliação estatística da expansão da internet, em Portugal e no
mundo, apresenta problemas metodológicos consideráveis que é ne-

83
cessário perceber para se poder analisar os dados existentes de forma
correcta. Sem entrar em questões de pormenor (que deixamos para a
análise dos especialistas que pretendam aprofundar esta matéria), ten-
taremos explicar genericamente porque é que existem tantas diferenças
nos resultados dos inquéritos que tentam medir o fenómeno e quais as
consequências práticas que daí decorrem para a leitura dos mesmos.

Os problemas das estatísticas da internet

A dificuldade em realizar um estudo comparativo entre dados quan-


titativos neste domínio reside, basicamente, na falta de uniformidade
tanto do tipo de instituição que oferece os dados como da metodologia
utilizada e do tipo de variáveis analisadas.
Existem muitas instituições e de carácter muito diverso que, publica-
mente, fornecem dados sobre a internet. Fundamentalmente, este tipo
de informação é recolhido por organismos estatais – como em Portugal
o Instituto Nacional de Estatística e diversos departamentos da Ad-
ministração Pública – ou por associações e empresas de consultadoria
(uns e outros têm objectivos substancialmente diferentes, porque se os
organismos institucionais estatais pretendem velar pela coordenação
geral dos serviços estatísticos, as associações sem fins lucrativos sobre as
questões da internet têm como principal objectivo a promoção do uso
da internet e a defesa dos direitos dos utilizadores). Simultaneamente,
existem diversos estudos levados a cabo por empresas que têm interesses
específicos no âmbito das telecomunicações. É evidente que cada uma
destas instituições tem recursos e objectivos diferentes que afectam di-
rectamente o desenho dos questionários e a metodologia para obtenção
dos dados e posterior divulgação.
Em Portugal são diversos os organismos e as instituições que reco-
nhecem e divulgam informação específica sobre a chamada “Sociedade
de Informação”, onde são relevantes os dados relativos à utilização da
internet.
Tradicionalmente é possível ter acesso a dados concretos, de carácter
geral, através do INE (Instituto Nacional de Estatística), que tem vindo,
progressivamente, a incluir nos seus inquéritos à população questões

84
especificamente relacionadas com o número de utilizadores e os tipos de
usos da internet (INE, 2003).
A ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) é a autorida-
de reguladora do sector das comunicações (telecomunicações e correios)
em Portugal e é a nova designação do anterior ICP (Instituto de Comu-
nicações de Portugal). Este organismo também acumula funções de reco-
lha, tratamento e divulgação de informação específica sobre o mercado
internet, ou seja, dados relativos aos prestadores de serviços internet,
por um lado, e dados relativos aos chamados “clientes”, por outro7.
Quando a ANACOM apresenta os seus dados, são frequentemente res-
salvados aspectos de não coincidência entre dados de diferentes fontes,
nomeadamente os que sobre questões similares são disponibilizados pe-
los ISP (Internet Service Providers) e os que são divulgados pela FCCN
(Fundação para a Computação Científica Nacional), entidade oficial de
registo de domínios internet (.pt).
Paralelamente, e num esforço de sistematização de informação, foi
criado no final da década de noventa pelo Ministério da Ciência e da
Tecnologia o Observatório das Ciências e das Tecnologias, tendo sido
um dos seus principais objectivos precisamente a recolha, tratamento e
divulgação de dados na área das ciências e tecnologias (como por exem-
plo a publicação de um relatório sobre a sociedade de informação, com
dados relativos ao período 1995-2001 – OCT, 2002).
Posteriormente, em 2003, e com a transformação do MCT em Minis-
tério da Ciência e do Ensino Superior, as competências sobre matéria rela-
tiva à sociedade de informação passaram a ser atribuição da UMIC – Uni-
dade de Missão Inovação e Conhecimento, organismo com atribuições
específicas na área da “Sociedade de Informação”, que se constituiu como
uma unidade transversal, de carácter inter-ministerial, com o objectivo de
fazer a articulação política e operacional entre organismos e membros do
governo. A UMIC desenvolveu ela própria um esforço de recolha, trata-
mento e divulgação de dados sobre a Sociedade de Informação, do qual
resultaram diversos relatórios de diagnóstico sobre este assunto8.

7
Em http://www.icp.pt/template12.jsp?categoryId=102779.
8
Em http://umic.gov.pt/UMIC/CentrodeRecursos/Publicacoes/relatorio
_diagnostico.htm.

85
Quanto ao sector empresarial de consultadoria, a Marktest (empresa
de estudos de mercado, audiências e sondagens de opinião), tem vindo
a desenvolver estudos periódicos nesta área, nomeadamente sobre a
“Evolução da internet em Portugal”, sobre os quais são divulgados perio-
dicamente alguns dados9.
À escala global existem diversas fontes que publicam dados sobre
a internet: desde os centros nacionais de estatística de cada país até às
medidas de audiência de iniciativa privada.
Na União Europeia uma das formas de dar a conhecer os usos da
internet pelos cidadãos é através dos estudos regulares realizados pela
Comissão Europeia e publicados segundo as regras habituais do Euro-
barómetro10.
Outra fonte global são os estudos de audiências da Nielsen/
NetRatings sobre os usos da internet nos lares e que fornece painéis de
lares e locais de trabalho, distribuídos por vários países. Basicamente, os
seus clientes são os media e as empresas de publicidade e comércio elec-
trónico que a partir desta informação tomam decisões sobre questões
relacionadas com a internet11.
A fonte que on-line proporciona mais informação sobre a internet à
escala mundial de uma forma pública e gratuita é a Nua Surveys, pro-
priedade do grupo irlandês Scope Communications Group. Este grupo
faz estimativas da população utilizadora de internet à escala global (em
particular através do seu How many on-line?) realizando uma avaliação
exaustiva de dados e informações em todo o mundo12.
Esta lista de nomes é uma amostra significativa das múltiplas fontes
disponíveis em rede que têm um elevado grau de fiabilidade e que são
de acesso livre.
Uma análise das origens e objectivos de algumas das diferentes fontes
que proporcionam dados sobre a internet, permite verificar a metodolo-
gia utilizada e que repercussões tem na sua posterior interpretação.

9
Em http://www.marktest.pt/produtos_servicos/Netpanel/default.asp?c=129
2&n=767.
10
Em http://europa.eu.int/comm/public_opinion/index_en.htm.
11
Em http://www.nielsen-netratings.com/.
12
Em http://www.nua.ie/surveys/how_many_online/europe.html.

86
No caso português vale a pena assinalar e comentar algumas diferenças
que se constatam entre as diversas fontes. Por exemplo, num estudo realiza-
do pelo INE em Junho de 2003 para a UMIC refere-se que 36,2% da popu-
lação já usou alguma vez o computador e 25,7% já utilizaram a internet13.
Os dados recolhidos no âmbito do presente estudo, permitem con-
cluir que em 2003 se podem contabilizar 29% de utilizadores de internet
em Portugal, se entendermos exclusivamente os utilizadores directos.
A UMIC, nos resultados do inquérito à utilização de Tecnologias de
Comunicação e Informação pela População Portuguesa14 refere que 39%
dos portugueses utilizam a internet (com uma taxa média de crescimento
anual de 25% entre 2000 e 2003). Estes dados foram recolhidos através
de questionários por entrevista directa, tal como os do presente estudo.
No quadro 3.1, apresenta-se a maneira como foram organizados os
dados relativos ao número de utilizadores no nosso estudo.

Quadro 3.1 Utilização da internet em Portugal

n % % acumulada

Utilizadores directos (direct users) 711 29,0 29,0


Utilizadores directos esporádicos
151 6,1 35,1
(intermittent users)
Utilizadores indirectos (proxy users) 90 3,7 38,8

Não utilizadores (non users) 1499 61,2 100,0

Total 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Assim, se tivermos em conta a percentagem acumulada dos diversos


utilizadores que considerámos (38,8%), obtemos a uma percentagem
muito próxima dos dados governamentais fornecidos pela UMIC
(39%). Ou seja, esta diferença parece estar claramente relacionada com

13
INE/UMIC, Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Co-
municação pelas Famílias – 2003.
14
Em http://www.umic.gov.pt/UMIC/Media/SaladeImprensa/inquerito_in-
ternet_2003.htm.

87
uma opção conceptual de abordagem da realidade. Parece-nos contudo,
ser esta uma distinção com relevância bastante para ser ressalvada. Utili-
zadores directos – direct users – foi a categoria realmente considerada por
nós relevante para o estudo da utilização da internet, distinguindo-se
pela percepção do próprio entrevistado em termos de utilização da in-
ternet, ou seja, foram considerados utilizadores directos aqueles que se
consideram a si próprios utilizadores da internet.
A questão que se coloca em primeiro lugar quando se apresentam
dados sobre utilizadores da internet está, aparentemente, naquilo que se
entende por ser um utilizador da internet, factor que pode ser preponde-
rante na explicação das razões pelas quais podemos encontrar valores tão
distintos para aquilo que aparentemente seria a mesma categoria.
Outro dos aspectos a considerar é a forma como os dados são obti-
dos, ou a maneira como são realizadas as entrevistas – nomeadamente
se a entrevista se realiza telefónica ou presencialmente. É um aspecto a
considerar nos estudos por exemplo do Eurobarómetro ou em alguns
casos do INE que combinam entrevistas telefónicas com entrevistas
presenciais, ou da Marktest, cujos dados são muitas vezes recolhidos
utilizando painéis pré-definidos.
No caso da Marktest, os dados disponibilizados sobre sociedade de
informação estão a ser recolhidos e tratados no âmbito do projecto Ne-
tpanel, painel de acompanhamento da evolução da utilização da internet
em Portugal. A amostra é de mil lares, o que corresponde a cerca de três
mil indivíduos. A informação é registada através de um programa previa-
mente colocado nos computadores pessoais dos indivíduos pertencentes
à amostra e é registada de forma automática. No caso da Marktest é
utilizada a categoria de utilizador único (em 2002, segundo a Marktest,
existiam em Portugal no primeiro trimestre desse ano 23% de indiví-
duos que costumavam utilizar a internet).
Também a população seleccionada para efectuar os estudos pode
ser determinante para explicar as diferenças de resultados. No caso do
presente estudo, a população tem 15 ou mais anos e vive em território
nacional. No caso dos estudos da Marktest, o Netpanel representa indiví-
duos com mais de 4 anos, residentes em lares do continente.
Existe um aspecto que determina o resultado final de qualquer estudo
e que depende, sobretudo, dos seus objectivos: o próprio questionário.
Cada fonte, em função da informação que procura obter, determina o tipo
de perguntas que inclui no questionário e, consequentemente, o conjunto

88
de variáveis que define a partir desta base será necessariamente diferente.
Por exemplo, as perguntas realizadas para saber o número de utilizadores
de uma determinada população podem ser muito diferentes:
– uma pergunta sobre a frequência de utilização da internet e o correio
electrónico pode ter uma formulação geral e abstracta ou, pelo contrário,
muito particular e definida. Por exemplo, quanto ao local de utilização, em
alguns casos a pergunta específica inclui locais e tempos (ex.: quem utiliza
em casa, no centro de emprego ou de formação ou em casa de amigos, quan-
tas horas, etc.) e noutras situações a mesma é colocada apenas em termos de
frequências temporais: “uma vez por mês”, “uma vez por ano”, etc.;
– uma pergunta como “usa a internet?”, podendo ser a resposta sim
ou não, é uma pergunta substancialmente diferente de “já utilizou a
internet alguma vez?”. Ou seja, se as variáveis não seguirem exactamente
a mesma matriz, dificilmente se podem conseguir dados que permitam
um estudo comparativo directo.

Quadro 3.2 Utilizadores de internet em Portugal, segundo diversas fontes (%)

1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre


Fonte Descrição
2003 2003 2003

Quem se auto-define como 29,0%


CIES utilizador de internet com 15 e (Março
mais anos. - Junho)
Utilização de internet. 25,7%
INE Indivíduos com idade entre os (Março
16 e os 74 anos. - Maio)
Utilizadores de internet.
39,0%
UMIC Idade compreendida entre os 15
(Julho)
e os 64 anos.
Taxa de penetração do serviço 62,8%
ANACOM de acesso à internet. (n.º de (Julho -
clientes/100 Hab.) Setembro)

Nota: No cálculo da ANACOM o número de clientes leva em conta todas as possíveis ligações à internet
comercializadas desde o início da oferta comercial de internet até hoje. Isto é, baseia-se nos dados dos dife-
rentes fornecedores de internet. Por exemplo, se alguém em casa tiver um acesso via cabo e várias ligações por
telefone (Clix, SAPO, IOL, etc.) todas elas serão contabilizadas neste indicador.

89
Convém ainda referir um aspecto realmente importante que é o mo-
mento em que se realiza a entrevista, já que pode também dificultar a com-
paração de dados, pois são normalmente diferentes em cada tipo de fonte.
Por exemplo, não é conveniente recolher informação na altura das férias de
Verão ou na época do Natal, pela distribuição das amostras poder resultar
da ausência de um grande número de pessoas da sua residência habitual.
Para situar Portugal no mundo, em termos de utilização e outros
indicadores referentes à internet, utilizaremos, fundamentalmente, os
dados obtidos no nosso estudo, fazendo uso dos dados recolhidos pela
UMIC, INE e das estatísticas europeias e mundiais, sempre que o objec-
tivo for a comparação de tendências temporais.

Desenvolvimento desigual da internet no mundo:


as rupturas da internet

Uma das variáveis chave na análise do desenvolvimento da sociedade


em rede e da utilização da internet, é a quantidade de vezes que as pesso-
as se “ligam”, com mais ou menos frequência, de um qualquer lugar.
Segundo os dados da UMIC, entre 2000 e 2003, houve uma varia-
ção positiva de quase 100% no número de utilizadores da internet em
Portugal.

Quadro 3.3 Evolução da utilização da internet, 2000-2003 (%)

Ano 2000 2001 2002 2003

Utilizadores da internet 20 29 30 39

Fonte: UMIC (www.umic.gov.pt).

Se realizarmos uma leitura dessa evolução em função apenas da evo-


lução da ligação à internet por parte dos agregados domésticos encon-
traremos igual tendência. Pela consulta do quadro 3.4 podemos verificar
que o aumento de ligações é de 144% entre 2000 e 2003.

90
Quadro 3.4 Evolução da posse de computador e ligação à internet
por parte dos agregados domésticos, 1995-2003 (%)

Anos Posse de computador Ligação à internet


1995 11 --
1997 14 --
1999 21 5
2000 22 9
2001 24 13
2002 28 16
2003 38 22

Fontes: 1995, 1997 – INE, Indicadores de Conforto; 1999 – INE, Inquérito à Ocupação do Tem-
po; 2000 – INE, Inquérito aos Orçamentos Familiares; 2001, 2002, 2003 – INE/UMIC, Inquérito
à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias.

A percentagem de novos utilizadores tem vindo a variar ao longo do


tempo. De facto, o aumento foi progressivo até ao ano 2000, tendo tido
o seu pico entre 1998 e 2000.

Quadro 3.5 Antiguidade da ligação à internet em casa

Há quanto tempo tem internet em sua casa? %


Antes de 1996 3,6
Há sete anos (1996) 0,5
Há seis anos (1997) 2,7
Há cinco anos (1998) 8,7
Há quatro anos (1999) 15,1
Há três anos (2000) 22,6
Há dois anos (2001) 19,1
Há um ano (2002) 14,2
Há menos de um ano (desde 2003) 10,5
Não sabe / não responde 3,0
Total 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

91
Desde esse ano que a quantidade de novos lares com ligação à inter-
net tem vindo a decrescer percentualmente. Se bem que as causas desta
desaceleração do crescimento se possam encontrar nos custos e proble-
mas de acesso, é necessário salientar que em 2000 os adoptantes iniciais,
caracterizados por serem maiores de 18 anos, possuírem formação acadé-
mica elevada e conhecimentos técnicos na área da informática, necessida-
de profissional e espírito inovador já tinham acesso à internet em casa ou
já estavam ligados noutros locais. A partir desse momento, vão aderindo
de maneira progressiva outros estratos etários. Entra-se assim numa fase
de maturidade e consolidação. Não se pode passar ao lado, contudo, do
facto de que nesta etapa do processo várias pessoas acabaram por ficar
excluídas e, se não se desenvolvem políticas específicas que favoreçam a
sua inclusão, acabarão por ficar definitivamente à margem.
Quanto à distribuição regional, podemos referenciar os dados do in-
quérito à sociedade em rede em Portugal. Como se verifica no quadro 3.6,
em termos regionais, o maior número de utilizadores directos encontra-se
no Algarve, seguidos dos residentes em Lisboa, Centro e Norte. O Alente-
jo tem uma representação menor em termos de utilizadores directos.

Quadro 3.6 Utilização da internet por região (%)

Região Utilizadores directos Não Utilizadores


Norte 27,9 72,1
Centro 28,1 71,9
Lisboa 30,2 69,8
Alentejo 24,7 75,3
Algarve 44,3 55,7

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Tentaremos agora avaliar a situação de Portugal relativamente aos


principais países da OCDE que não fazem parte da União Europeia.
As fontes referidas situam a Islândia com cerca de 68% de utilizado-
res, e o México e a Turquia com cerca de 4%. Observa-se uma diferença
considerável entre Portugal e os EUA (59,1%), Canadá (52,8%), Austrália
(54,4%) e Nova Zelândia (52,7%), e também em relação ao países asiáticos
mais desenvolvidos como a Coreia do Sul (53,9%) e o Japão (44,1%).

92
Por outro lado, a difusão da internet em Portugal coloca-nos (em
conjunto com a Catalunha, Espanha no seu conjunto e Itália) a meio da
tabela, distanciando-nos de países menos desenvolvidos como a Turquia
(3,7%) e o México (3,4%), e acima dos países da antiga Europa de Leste
– Polónia (16,6%) e Hungria (15,1%) (quadro 3.7).
No conjunto dos países da OCDE é interessante realçar as carac-
terísticas de penetração da internet no Japão, que, em geral, não tem
evoluído na ligação à internet através de computadores ligados em casa
(com uma infra-estrutura fixa) mas sim através dos telemóveis.

Quadro 3.7 Utilizadores da internet sobre o total da população dos países da


OCDE, independentemente da periodicidade com que a utilizam (%)

País (data) Fonte Utilizadores da internet


Portugal (6/2003) CIES 29,0

Catalunha (4-5/2002) PIC 34,6

Islândia (12/2001) ITU * 69,8

EUA (4/2002) Nielsen NetRating 59,1

Canadá (3/2002) Nielsen NetRating 52,8

Austrália (2/2002) Nielsen NetRating 54,4

Noruega (5/2002) Nielsen NetRating 54,4

Nova Zelândia (8/2002) Nielsen NetRating 52,7

Suíça (6/2002) Nielsen NetRating 52,7


Ministério da Comunicação e
Coreia do Sul (7/2002) 53,8
Informação
Ministério dos Correios e
Japão (6/2002) 44,1
Telecomunicações
República Checa (6/2001) Taylor Nelson Sofres 26,2

Polónia (10/2001) Europemedia 16,6

Hungria (12/2001) Europemedia 15,1

México (12/2001) ITU* 3,4

Turquia (12/2001) ITU* 3,7

* International Telecommunication Union.

93
A popularidade, no Japão, dos computadores portáteis com acesso
à internet, sobretudo entre os mais jovens (aproximadamente 80% dos
jovens), tem sido, assim, um factor particularmente importante no cres-
cimento e expansão da internet, possibilitando, por outro lado, uma
tipologia de usos determinada, especialmente ao nível dos negócios,
gestão e administração (Gottlieb e McLelland, 2002).
Analisemos agora os países que integram a União Europeia. Durante
todo o ano de 2002 o número de utilizadores europeus revelou algum
crescimento excepto, segundo os dados do Flash Eurobarómetro, nos
casos do Luxemburgo e do Reino Unido que sofreram um decréscimo
de 6 e 1 pontos percentuais, respectivamente.
Países como a Dinamarca (77%), a Holanda (73%), a Suécia (70%) e
a Finlândia (69%), mantêm o crescimento e os países do sul da Europa,
na sua maioria, estabilizaram.

Quadro 3.8 Europeus que já utilizaram a internet (%)

Maio/Junho Novembro Taxa de crescimento entre


País
2002 2002 Maio e Novembro de 2002
Portugal 42,0 42,0 0,0
Catalunha (PIC) 34,6 -- --
Catalunha (IDESCAT) 45,1 46,6 3,3
Dinamarca 73,0 77,0 5,5
Suécia 70,0 70,0 0,0
Holanda 68,0 73,0 6,8
Finlândia 67,0 69,0 3,0
Luxemburgo 62,0 56,0 -9,7
Áustria 61,0 65,0 6,6
Reino Unido 61,0 60,0 -1,6
Irlanda 57,0 64,0 12,3
Alemanha 56,0 60,0 7,1
França 49,0 49,0 0,0
Bélgica 49,0 50,0 2,0
Espanha 42,0 42,0 0,0
Itália 40,0 40,0 0,0
Grécia 18,0 22,0 2,2

Fonte: Flash Eurobarómetro 125, 135.

94
Se compararmos com os dados de que actualmente dispomos relati-
vamente a Portugal em 2003 (CIES – 29% e UMIC – 39%,), teremos
de aceitar que os dados do Eurobarómetro estão relativamente inflac-
cionados para o ano de 2002 (provavelmente pela própria categorização
do “utilizador”). Essa leitura deverá fazer-nos igualmente pensar que o
mesmo terá também provavelmente acontecido no que respeita aos da-
dos sobre penetração da internet no caso dos outros países. Daí que esta
comparação tenha essencialmente um valor de detecção de tendências
de crescimento relativas entre países.
Assim, segundo os dados do Eurobarómetro, Portugal apenas tem
uma taxa de penetração da internet maior do que a Itália (40%) e a Gré-
cia (22%), sendo neste caso a diferença mais significativa, apesar de a taxa
de crescimento desse último país, por outro lado, ter sido mais elevada.

Quadro 3.9 Utilizadores da internet em Portugal e no Brasil (%)

País (data) Fonte Utilizadores da internet


Portugal (2003) CIES 29,0
Portugal (2003) UMIC 39,0
Portugal (2002) Eurobarómetro 42,0
Brasil (2002) Nielsen NetRatings 7,8

Sendo o contexto óbvio de comparação para Portugal o conjunto dos


países da União Europeia, não devemos ignorar as ligações que sempre
manteve com os países de língua portuguesa, nomeadamente o Brasil, que
tem um número de utilizadores na ordem dos 13,98 milhões (a população
de utilizadores mais numerosa da América Latina), mas que em termos
percentuais apresenta uma taxa substancialmente inferior à portuguesa.
Quanto aos restantes países de língua oficial portuguesa (à excepção
de Macau), ou seja, os países africanos (dado que para Timor-Leste não
há dados disponíveis), as comparações são ainda mais desfavoráveis,
especialmente se nos detivermos nos valores apresentados no quadro
3.10 e 3.11.
Como se pode verificar África tem uma percentagem de utilizadores
sobre o total mundial de cerca de 1%, e mesmo esse valor remete, prova-
velmente e na sua maioria, para utilizadores da África do Sul.

95
Quadro 3.10 Utilizadores da internet por 1000 habitantes em alguns territórios
lusófonos (%)

Utilizadores da internet por


País Fonte
1000 habitantes
Portugal UNDP 193,5
Macau ITU 225,0
São Tomé e Príncipe UNDP 72,8
Brasil UNDP 82,2
Cabo Verde UNDP 36,4
Moçambique UNDP 2,7
Angola UNDP 2,9

Fonte: UNDP, Human Development Report 2002 e ITU World Development Report 2002.

Quadro 3.11 Comparação da utilização da internet em Portugal e no mundo

Percentagem de utilizadores
Milhões de
País (data) Fonte sobre o total de utilizadores
utilizadores
no mundo
Portugal (6/2002) NUA 4,4 0,7

Catalunha (4-5/2002) PIC 2,2 0,4

Espanha (4-5/2002) EGM 7,9 1,3

Europa (9/2002) NUA 190,9 31,5

Ásia/Pacífico (9/2002) NUA 187,2 30,9

Canadá e EUA (9/2002) NUA 182,7 30,2

América Latina (9/2002) NUA 33,4 5,5

África (9/2002) NUA 6,3 1,0

Médio Oriente (9/2002) NUA 5,1 0,8

Mundo (9/2002) NUA 605,6 --

96
Quanto à penetração da internet no mundo é importante realçar que
em 1996 os EUA já detinham cerca de 83% dos utilizadores mundiais,
a Europa cerca de 6%, a Oceânia 3% e o resto do mundo 8% (NUA
Surveys). A percentagem dos EUA relativamente ao total teve um decrés-
cimo para os 62% em 1997 até chegar aos actuais 30,2% (quadro 3.12).

Quadro 3.12 Evolução da distribuição de


utilizadores de internet no mundo, 1997-2002 (%)

Região 1997 2002


EUA e Canadá 62,5 30,2
Europa 19,7 31,5
Ásia 14,7 30,9
América Latina 2,0 5,5
África 0,6 1,0
Médio Oriente 0,5 0,8

Fonte: NUA Surveys.

O aumento do número de utilizadores de internet no mundo é


acompanhado por uma redistribuição em todo o território, o que cria
um certo equilíbrio da presença da internet entre a Europa, os EUA, o
Canadá e a Ásia/Pacífico. Por outro lado, a Europa, os EUA e o Canadá
representam 61,7% da população mundial de utilizadores, embora ape-
nas concentrem cerca de 17% da população mundial.

Lares ligados à internet

Segundo os dados do nosso inquérito, a percentagem de pessoas que


vivem em lares ligados à internet é de 21,1% e segundo os dados do INE
são 22%. Já os dados da UMIC apontam para uma percentagem na or-
dem dos 28% em 2003. Mas qual é a situação no conjunto da Europa?
Em 2001, segundo dados da OCDE, apenas 40% dos lares portu-
gueses dispunham de computador. No ano seguinte, rondava os 30% a
percentagem de agregados domésticos com acesso à internet (quando a
média europeia era já superior em mais de 10 pontos percentuais).

97
Os países mais avançados quanto à ligação à internet a partir de casa
em 2002 são a Holanda (68%), a Dinamarca (67%) e a Suécia (66%).
Coerentemente com a percentagem de utilizadores, os países com me-
nos presença de internet em casa são Portugal (31%), Espanha (31%) e a
Grécia (14%) (quadro 3.13).

Quadro 3.13 Europeus com ligação à internet a partir de casa (%)

Maio/Junho Novembro Taxa de crescimento entre


País
2002 2002 Maio e Novembro de 2002
Portugal 31 31 0,0
Catalunha (PIC) 32,1 - -
Catalunha (IDESCAT) 29,9 31,6 5,7
Holanda 65 68 4,6
Dinamarca 65 67 3,0
Suécia 64 66 3,1
Luxemburgo 55 54 -1,8
Finlândia 54 55 1,9
Áustria 49 54 10,2
Irlanda 48 57 18,8
Reino Unido 45 50 11,1
Alemanha 44 46 4,5
Bélgica 41 43 4,9
França 36 36 0,0
Itália 35 35 0,0
Espanha 29 31 6,9
Grécia 9 14 55,6

Fonte: Flash Eurobarómetro 125,135.

Durante o ano 2002, o crescimento mais acentuado deu-se num país


específico, a Grécia, onde a taxa de penetração da internet ainda assim é
baixa (22%), com uma taxa de crescimento de 55,6%, seguido da Irlan-
da com uma taxa de crescimento de18,8%.

98
Ligação de banda larga:
rumo à virtualidade real

A percentagem de pessoas que utilizam a internet e vivem em lares


com ligações à internet de banda larga15 é de 10% segundo os dados da
UMIC e de 10,3% segundo os dados do nosso inquérito.

Quadro 3.14 Número de clientes do serviço de acesso à internet

1998 1999 2000 2001 2002


Número total de
172 698 645 146 2 110 828 3 459 640 5 165 083
clientes

Clientes Dial Up n. d. n. d. 2 083 613 3 360 324 4 902 294

Clientes com acesso


n. d. n. d. 2 061 2 709 3 298
dedicado
Clientes com acesso
n. a. n. a. n. a. 2 886 52 005
ADSL
Clientes com acesso
n. a. 297 25 154 93 721 207 486
Modem por Cabo

Fonte: ANACOM.

O quadro 3.14 representa os dados recolhidos pela ANACOM, na


perspectiva não do utilizador mas sim do cliente, mas permite verificar o
aumento muito significativo de clientes de banda larga nos últimos dois
anos, sendo muito marcante a tendência de crescimento.
Segundo os dados do Flash Eurobarómetro de 2002, Portugal e
Espanha encontravam-se entre os melhores posicionados na lista dos
países com uma percentagem de penetração da Banda Larga mais baixa
da Europa (quadro 3.15).

15
Entende-se por banda larga a técnica de comunicações que proporciona
diversos canais de transmissão de dados numa única linha de comunicação.

99
Quadro 3.15 Lares com ligação de banda larga (% sobre o total de lares ligados à
internet)

País RDIS 1 ADSL 2 CABO 3 Total


Portugal 6 1 12 19
Catalunha (PIC) 0,7 10,9 2,9 15,3
Alemanha 45 17 9 71
Luxemburgo 48 4 2 54
Bélgica 6 26 15 47
Holanda 18 7 22 47
Áustria 17 9 19 45
Dinamarca 19 15 9 43
Finlândia 12 8 7 27
Suécia 6 16 4 26
Grécia 18 1 2 21
Espanha 3 14 4 21
França 1 11 3 15
Itália 9 6 0 15
Reino Unido 3 2 4 9
Irlanda 6 0 1 7

1
Standard internacional de telecomunicações para a transmissão digital de voz, vídeo e dados sobre linhas
de 64Kbps através de uma única ligação física.
2
Método de comunicação de dados numa linha telefónica convencional.
3
Meio físico de transmissão formado por cabos metálicos condutores ou fibras ópticas.
Fonte: Flash Eurobarómetro 125 (Maio/Junho 2002).

É interessante observar que a Alemanha, Luxemburgo, Dinamarca,


Finlândia, Grécia, Itália e Irlanda optaram claramente por uma ligação
de tipo RDIS; Bélgica, Suécia, Espanha, Catalunha e França preferiram
a tecnologia ADSL e Portugal a ligação por CABO. Também a Holanda
como a Áustria e o Reino Unido optaram principalmente pelo CABO e
em segundo lugar pelo RDIS.
Os dados do Eurobarómetro permitem-nos também observar a
evolução das ligações em Banda Larga nos lares europeus no segundo
semestre de 2002.

100
Quadro 3.16 Lares ligados à internet em banda larga (%)

Taxa de crescimento
Maio/Junho Novembro
País entre Maio e Novembro
2002 2002
de 2002
Reino Unido 9 16 77,8
Portugal 19 27 42,1
Suécia 26 35 34,6
Bélgica 47 61 29,8
Espanha 21 27 28,6
Itália 15 19 26,7
Grécia 21 24 14,3
Alemanha 71 81 14,1
Dinamarca 43 49 14,0
Finlândia 27 29 7,4
França 15 16 6,7
Luxemburgo 54 57 5,6
Áustria 45 46 2,2
Holanda 47 47 0,0
Irlanda 7 7 0,0

Fonte: Flash Eurobarómetro 125, 135.

Dos dados apresentados vale a pena destacar o valor de 77,8% do


Reino Unido e o facto de Portugal se apresentar como o segundo país
com uma taxa de crescimento mais elevada (42,1%). Na Primavera de
2002 a percentagem de lares ligados em Banda Larga em Portugal era de
19% e em Novembro era já de 27%.
Segundo a International Telecommunications Union (ITU), em
2002 a percentagem de xDSL16 no mundo era de 50%, o CABO repre-
sentava 45% e 5% as restantes outras tecnologias. Nas economias de
rendimentos muito baixos a percentagem de xDSL é de 70% e o CABO
não ultrapassa os 29%.

16
Termo genérico que engloba todos os serviços DSL, sendo o x substituído pela
letra correspondente ao serviço.

101
A partir de dados nacionais a ITU apresentou um quadro com as quinze
economias que em 2002 tinham uma penetração da banda larga mais elevada.

Quadro 3.17 As quinze economias com mais ligações de banda larga

Percentagem sobre Percentagem sobre


Países
os lares ligados o total dos lares
Coreia 83 43
Hong Kong, China 68 36
Taiwan, China 59 31
Canadá * 41 20
Bélgica 41 17
Singapura 35 20
Holanda 29 19
Áustria 28 14
Dinamarca 24 16
Suécia 20 13
EUA * 19 10
Japão * 18 5
Finlândia 15 8
Islândia * 12 9
Suíça 9 4

* Dados de 2001.
Fonte: International Telecommunication Union (ITU), adaptada dos relatórios nacionais.

É de realçar a liderança indiscutível da Coreia (83% de lares ligados),


Hong Kong (68%) e Taiwan (59%), valores muito acima dos EUA (19%)
e do Japão (18%).

A língua na internet: uma babel controlada

Como a world wide web é uma fonte de informação global, é natural


que se ofereçam conteúdos de todos os tipos, elaborados a partir de to-
dos os locais do mundo e expressos em diversas línguas. A língua que se
usa na rede é assim um elemento fundamental quando analisamos até
que ponto a web é um instrumento de troca de informações17.
17
A análise que se segue tem como matriz organizativa dos dados o exposto no
capítulo 3, La Societat Xarxa a Catalunya (Castells e outros, 2003).

102
É certo que o inglês se impôs como a língua habitual em diversos âm-
bitos, sobretudo a nível profissional, na maioria das regiões mundiais:
a língua de intervenção no mundo científico e, por exemplo, a língua
oficial do Banco Central Europeu. Simultaneamente à hegemonia do
inglês em muitos sectores, observa-se, porém, um crescimento especta-
cular, em países de língua fundamentalmente inglesa, das comunidades
bilingues. Por exemplo, segundo o US Bureau of the Census, nos anos
noventa, uma em cada sete pessoas nos EUA falava, em casa, uma língua
diferente do inglês. Por outro lado, é necessário ter presente que quando
se fala de pessoas que utilizam o chinês como primeira língua18 – native
speakers de chinês –, por exemplo, estamos a falar de pessoas que utilizam
uma família de línguas e dialectos de origem mandarim e uma mesma
forma de escrever que lhes permite entenderem-se quando falam. Da
mesma maneira, quando nos referimos ao inglês falamos de uma família
de línguas e dialectos, como é o caso do inglês da América.
Ao tentarmos estabelecer qual é a língua dos utilizadores de internet
estamos a falar de qual a relação entre a língua habitualmente utilizada
pelos utilizadores (procura potencial) e a língua dos conteúdos na rede
(oferta disponível). Ainda existe um terceiro elemento básico que é a
língua de comunicação na internet, sobre o qual é possível aventar
algumas hipóteses sobre a língua de expressão em âmbitos privados e
em ambiente profissional, mas que não é possível de determinar com
exactidão.
Segundo a Global Reach, em Março de 2003 já existiam cerca de 649
milhões de utilizadores a integrarem diversas comunidades linguísticas
na rede. Antes de avançar para dados concretos, vale a pena referir, por
um lado, que é complicado estabelecer qual é a primeira língua e, por
outro, que existem algumas sobreposições, por exemplo, entre o inglês e
o não-inglês nos EUA. Dos 45 milhões de pessoas que vivem nos EUA
para as quais o inglês não é a primeira língua, a Global Reach estima
que 30 milhões podem aceder a conteúdos na web tanto na sua primei-
ra língua como em inglês. Tendo em conta, ainda, a dificuldade que
representa o multilinguismo para definir o número de pessoas que têm
determinada língua como a primeira, estima-se em todo o caso que a lín-

18
Chama-se primeira língua à língua de utilização habitual na maior parte das
actividades da vida quotidiana.

103
gua mais comum entre os utilizadores da internet é o inglês, com 238,5
milhões de native-speakers, o que representa 35,2% do total. Por outro
lado, temos 238,1 milhões de pessoas que têm como primeira língua
outra língua europeia sem ser o inglês.
É importante realçar que 26,4 % dos utilizadores têm o chinês, o ja-
ponês ou o coreano como primeira língua e que o espanhol representa,
nomeadamente, a primeira língua de cerca de 8,1% do total dos utiliza-
dores. E o português 2,8%.

Quadro 3.18 Distribuição de utilizadores da internet, segundo a respectiva


primeira língua, Março 2003 (%)

Língua %
Inglês 35,2
Chinês 11,9
Japonês 10,3
Espanhol 8,1
Alemão 6,5
Coreano 4,2 Nota: Cada percentagem faz referência aos utilizadores
3,6 que têm uma determinada primeira língua, que é a
Italiano
que utilizam habitualmente nos diferentes âmbitos
Francês 3,3 da sua vida.

Português 2,8 Fonte: Global Reach (percentagem sobre o conjunto


das línguas estudadas)
Russo 2,7
(*) Árabe, catalão, dinamarquês, esloveno, finlandês,
Holandês 2,0 grego, hebraico, húngaro, islandês, malaio, norueguês,
romeno, servo-croata, sueco, turco, checo, ucraniano,
Outras (*) 9,4 vietnamita.

Mais concretamente, entre as línguas europeias que não o inglês, o


espanhol (54,8 milhões de utilizadores) e o alemão (44,4 milhões) são as
mais presentes entre a população utilizadora de internet, enquanto que
o esloveno (0,7 milhões) e o islandês (0,2 milhões) são as menos presen-
tes. Segundo esta fonte, existirão cerca de 25,7 milhões de utilizadores
brasileiros, portugueses e norte-americanos de origem lusófona (sendo a
primeira língua falada por cerca de 161 milhões de pessoas).19

19
http://glreach.com/gbc/pt/portuguese.php3.

104
Quais são então as línguas que dominam a web? Realizaram-se alguns
estudos sobre a presença das línguas faladas em todo o mundo nas pági-
nas web, com o objectivo de determinar qual a relação que se estabelece
com a língua dos utilizadores. Comentaremos três que consideramos
particularmente interessantes.

As línguas latinas na internet

O primeiro estudo é o presente na última edição dos estudos que a


Funredes, em conjunto com a União Latina, realiza desde 1995, analisa
a presença de cinco idiomas latinos (castelhano, francês, italiano, por-
tuguês e romeno) na internet, por relação ao inglês. Com a intenção
de estender a investigação a outras línguas, nesta edição, que focou o
período entre Agosto de 2000 e Junho de 2001, começou-se a avaliar a
presença do Alemão com o objectivo de proporcionar uma comparação.
Em grandes linhas, a metodologia seguida consistiu em calcular a quan-
tidade de ocorrências, na web, de 57 palavras ou termos20 com significa-
do equivalente nas línguas estudadas. Isto significa que o universo em
estudo é o conjunto de páginas da internet que contêm estas 57 palavras,
identificadas a partir de determinados motores de busca. Desta forma é
possível estabelecer a proporção relativa de cada língua estudada nestas
páginas. Decidiu-se que se utilizava o inglês como língua de referência
e supôs-se que a distribuição observada entre as línguas se manteria no
conjunto total das páginas da internet.
O quadro 3.19 representa a relação entre cada língua latina e o inglês,
com base nas medidas apresentadas. Neste estudo calculou-se o valor ab-
soluto da presença global do inglês na rede. Pelo que a percentagem do
resto das línguas em estudo pode ser calculada automaticamente.21

20
Considera-se que cada um dos termos com as variantes ortográficas, sinó-
nimos, dialectos ou morfosintácticos. Por exemplo: tuesday, tuesdays; martes; mardi,
mardis; martedì, martedi; terça-feira, terca-feira, terças-feiras, terças-feiras; marti, matea;
dienstag, dienstages, dienstags, dienstage, dienstagen.
21
Por exemplo, se a percentagem de páginas em inglês fosse 70% por relação ao
total das páginas e uma das línguas estudadas tivesse um índice relativo de 10, então
a sua presença seria de 7%.

105
Quadro 3.19 Presença das línguas latinas em relação ao inglês

Percentagem da presença
Língua
de cada língua em relação ao inglês
Português 5,40
Espanhol 10,50
Francês 8,86
Italiano 5,88
Romeno 0,32

Nota: Fixou-se um índice de 100 para as páginas em inglês. Portanto, em cada


100 páginas em inglês, 5,40 são em português.

Então como é possível estabelecer a presença em valor absoluto do


inglês?

Quadro 3.20 Presença das línguas estudadas na www

Percentagem de páginas de cada uma das


Língua
línguas estudadas no total de páginas na rede
Inglês 52,00
Português 2,81
Espanhol 5,69
Francês 4,61
Italiano 3,06
Romeno 0,17
Alemão 6,97
Outras 24,69

Fonte: Funredes.

Se tivermos em conta que o estudo deixa de parte outras línguas, então


temos de fazer uma estimativa de qual e a sua presença em termos absolutos
para calcular qual é a do inglês. Se se partir do pressuposto razoável que o
resto das línguas não estudadas representa aproximadamente 25% do total,
chega-se a uma percentagem aproximada da presença do inglês de 52%.
Neste sentido, a presença na rede das línguas estudadas é a que se
mostra no quadro 3.20.

106
Os dados que a Global Reach apresentou a 31 de Março permitem
afirmar que 215,6 milhões de utilizadores, naquele momento, tinham
o inglês como primeira língua e 63,3 milhões tinham como primeira
língua uma das cinco línguas latinas estudadas.
É possível estabelecer uma relação entre a quantidade de páginas pro-
duzidas numa determinada língua e o número de utilizadores que a têm
como a sua a partir do quociente entre a proporção da língua do texto
das páginas e a proporção da língua dos utilizadores (quadro 3.21).

Quadro 3.21 Língua dos conteúdos em relação à língua de utilizadores

Percentagem de páginas Percentagem de utilizadores


Quociente
numa determinada com uma determinada
Língua entre páginas e
língua sobre o total de primeira língua sobre o total
utilizadores
páginas web de utilizadores

Inglês 52,00 47,6 1,09


Português 2,81 2,5 1,12
Espanhol 5,69 4,5 1,26
Francês 4,61 3,7 1,25
Italiano 3,06 3,1 0,98
Romeno 0,17 0,1 1,31
Alemão 6,97 6,1 1,14

Fonte: Funredes, Global Reach.

Observe-se que a relação entre todas as percentagens é a volta de 1 e,


portanto, tal como se percebe da informação da Funredes, a quantidade
de páginas da rede produzidas numa língua é directamente proporcional
à quantidade de utilizadores nesta língua. É importante realçar, porém,
as pequenas diferenças entre os diversos quocientes. Por exemplo, o facto
de o quociente no caso do inglês ser de 1.09 quer dizer que há cerca de
9% mais páginas nesta língua do que utilizadores: quanto ao português,
há 12% mais páginas em português do que utilizadores, mas há menos
2% de páginas em italiano do que utilizadores nesta língua.

107
Quadro 3.22 Língua dos conteúdos por relação à língua dos utilizadores

Número de páginas Número de utilizadores22 Quociente


Língua numa determinada com uma determinada entre páginas e
língua primeira língua utilizadores1

Inglês 214250 996 238 500 000 0,9


Japonês 18 335 739 69 700 000 0,3
Alemão 18 069 744 44 400 000 0,4
Chinês 12 113 803 80 600 000 0,2
Francês 9 262 663 22 700 000 0,4
Espanhol 7 573 064 54 800 000 0,1
Russo 5 900 956 18 400 000 0,3
Italiano 4 883 497 24 100 000 0,2
Português 4 291 237 19 300 000 0,2
Coreano 4 046 530 28 400 000 0,1
Holandês 3 161 844 13 200 000 0,2
Norueguês 1 259 189 2 800 000 0,4
Finlandês 1 198 956 2 800 000 0,4
Checo 911 075 4 000 000 0,2
Polaco 848 672 6 900 000 0,1
Húngaro 498 625 1 600 000 0,3
Catalão 443 301 2 900 000 0,2
Turco 430 996 4 600 000 0,1
Grego 287 980 2 000 000 0,1
Hebraico 198 030 3 800 000 0,1
Islandês 136 788 200 000 0,7
Árabe 127 565 5 500 000 0,0

1
Índice que serviu para estabelecer, de maneira relativa, o grau de penetração das diversas línguas na internet.
Fonte: Vilaweb, Global-Reach, Março 2003.

22
Dados publicados pela Global Reach em Março de 2003.

108
Em Junho de 2000, Vilaweb23 publicou um estudo sobre as línguas
na rede, a partir de uma pesquisa sistemática no motor Altheweb. O
quadro 3.22 representa o número de páginas escritas em cada língua em
relação ao número de pessoas que a têm como primeira língua.
Segundo estes dados, mais de dois terços dos 313 biliões de páginas
web são em inglês. O japonês, com 5,85% do total de páginas, ocupa o
segundo lugar. A presença do português na rede é de 4.291.237 páginas,
o que nos coloca ao mesmo nível, em termos de relação com o número
de pessoas que habitualmente utiliza o português, do chinês, do catalão,
do holandês, do checo ou do italiano.
No quadro 3.23, obtido através da recolha de dados do presente es-
tudo, pode-se verificar qual a língua mais utilizada em função do tipo de
utilização que se faz da web. Verifica-se uma preferência clara, em Portugal,
pela língua nativa, mas logo e quase exclusivamente seguida pelo inglês.

Quadro 3.23 Língua utilizada na internet

Idioma utilizado Idioma utilizado


Idioma utilizado Idioma utilizado
nos chats ou na homepage
Língua na visita às nas mensagens
newsgroups que do browser que
páginas na web trocadas na web
utiliza utiliza

Português 84,3 91,8 82,4 78,7

Inglês 14,4 3,9 9,3 11,4

Francês 0,5 0,5 0,2 0,5

Espanhol 0,6 0,2 0,4 --

Outra e Ns/Nr 0,7 3,6 7,8 9,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

A língua da internet pública

É conveniente fazer referência igualmente a um projecto levado a


cabo pelo centro de investigação do Online Computer Library Center
(OCLC), cujo objectivo é desenvolver e implementar uma metodologia
23
http://www.vilaweb.com/

109
que permita caracterizar a grandeza, a estrutura e os conteúdos da inter-
net pública.24 De acordo com os resultados do inquérito mais recente da
Web Organization Project, em Junho de 2002, a internet pública integrava
3 080 000 sites, ou seja, 35% do total de sites na web.
Em 2002, segundo uma amostra de sites públicos de 76 países dife-
rentes, para além dos EUA, nomeadamente a Alemanha era a origem de
mais de 5% dos sites públicos, e mais de seis países ultrapassavam os 1%.
Estes dados não eram muito diferentes dos obtidos por inquérito pela
mesma fonte em 1999, quando os EUA representavam 49% e o Reino
Unido 5% (quadro 3.24).

Quadro 3.24 País de origem dos sites públicos na web, 2002 (%)

País %
EUA 55,0
Alemanha 6,0
Japão 5,0
Reino Unido 3,0
Canadá 3,0
Itália 2,0
França 2,0
Holanda 2,0
Outros 18,0
Origem desconhecida 4,0

Fonte: OCLC.

Se bem que conhecer o país de origem das páginas seja muito im-
portante, é fundamental ter em conta a língua do conteúdo do texto.
No ano 1999 identificaram-se 29 línguas diferentes entre a amostra em

24
Chama-se internet pública ao conjunto de todos os sites indexáveis, ou seja, o
conjunto de sites que se oferecem a todos os utilizadores em livre acesso uma parte
significativa dos seus conteúdos. Tendo Portugal, em 2001, cerca de 180 000 hosts,
estimava-se que o número de servidores indexáveis – acessíveis aos motores de pes-
quisa e consequentemente aos utilizadores – se aproximasse das 12 mil máquinas
com endereços IP e que o número total de páginas HTML fosse ligeiramente inferior
aos três milhões e meio de unidades (Cardoso, 2003).

110
estudo e, com base na origem geográfica dos sites, verificou-se que o grau
de diversificação internacional afinal é escasso: três quartos dos sites de
internet pública têm uma parte significativa do texto em inglês25, o ale-
mão representa 7% e o francês, o japonês e o espanhol 3%.
Em 2002 a percentagem de sites públicos basicamente em inglês26
constituía cerca de três quartos do total. O dado mais significativo tal-
vez seja o aumento dos sites públicos em japonês (de 3% para 6%), em
simultâneo com um aumento significativo dos sites a partir do Japão.
Recordemos que neste país o uso massivo do telemóvel e do acesso à
internet fez disparar o número de utilizadores e, portanto, a procura de
informação na internet.
Segundo os resultados desse estudo, e de forma resumida, pode dizer-
-se que os conteúdos da internet pública são produzidos pelas entidades
originárias dos EUA e que grande parte do seu texto é em inglês. A
observação da evolução entre 1999 e 2002 não sugere uma grande alte-
ração na internet dominada pelo inglês.

Quadro 3.25 Línguas dos sites públicos na internet, 2002

Percentagem relativamente ao total


Língua
de sites públicos em cada língua
Inglês 72
Alemão 7
Japonês 6
Espanhol 3
Francês 3
Italiano 2
Holandês 2
Chinês 2
Coreano 1
Português 1
Russo 1
Polaco 1
Fonte: OCLC.

25
Em 1999, 7% dos sites da internet pública da amostra representavam os con-
teúdos em mais de uma língua. Neste caso, sem excepção, o Inglês era uma delas.
26
Em 2002 a percentagem de sites multilingues era de 5%.

111
Finalmente, dada a oferta de conteúdos em cada língua, é interessan-
te verificar quem é a procura, ou seja, qual é o número de utilizadores,
em cada uma (quadro 3.26).
Tal como no estudo efectuado pela Funredes, é clarificador ver o
quociente entre o número de sites internet públicos e o número de utili-
zadores em cada língua.
Estes dados permitem-nos distinguir três blocos: o mundo anglo-ger-
mânico, que inclui o inglês, o alemão e o holandês, com um quociente
superior ou igual a 1; o mundo latino, que inclui o italiano, o espanhol
e o português, com um quociente igual ou inferior a 0.5 e os países das
economias emergentes do sudoeste asiático, integrando o chinês e o co-
reano, com um quociente de 0,2. O francês com um quociente de 0,8
encontra-se muito perto dos primeiros.
Enquanto os produtores de conteúdos das línguas anglo-germânicas
demonstram confiança em colocar informação de acesso livre na rede,
os das línguas latinas são mais reticentes em fazê-lo. Nos países não
ocidentais, a presença pública na internet nas suas próprias línguas é
praticamente inexistente.

Quadro 3.26 Língua dos conteúdos na internet pública em relação à língua dos
utilizadores, 2002

Percentagem de sites Percentagem de


Quociente entre sites
Língua públicos em cada utilizadores em cada
e utilizadores
língua língua
Inglês 72 37,3 1,9
Alemão 7 6,9 1,0
Holandês 2 2,1 1,0
Francês 3 3,7 0,8
Japonês 6 9,7 0,6
Italiano 2 3,8 0,5
Espanhol 3 8,0 0,4
Português 1 3,0 0,3
Chinês 2 12,4 0,2
Coreano 1 4,5 0,2

Fonte: OCLC, Global Reach.

112
Esta visão dos estudos realizados sobre a língua do conteúdo em
texto na internet e a primeira língua do utilizador que acede, permite
afirmar que, sem dúvida, a proporção do inglês na internet continua a
ser claramente maioritária.

Uma sociedade em transição na rede global

Como se observa pela análise apresentada no capítulo 2, Portugal


quando olhado a partir de uma perspectiva de evolução de modelos de
desenvolvimento é um país que se encontra num processo de transição
de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional.
No entanto, trata-se de uma sociedade industrial que, tal como por
exemplo a sociedade italiana, é constituída economicamente em grande
medida por pequenas e médias empresas mas que nunca se afirmou for-
temente enquanto produtor industrial em larga escala (Castells, 2002).
Tendo assumido na segunda metade do século XX aquilo que se pode
designar por proto-industrialismo e procurando agora atingir um pro-
to-informacionalismo (Castells, 2002), Portugal ensaia através das suas
múltiplas redes de pertença, que vão da sua inserção na União Europeia,
à manutenção das boas relações na óptica da defesa com os EUA, ao es-
tabelecer de redes de parceria com o Brasil, com as ex-colónias colónias
africanas e asiáticas e as regiões dotadas de autonomia na vizinha Espa-
nha, adaptar-se às condições de mudança da economia global.
Até agora na nossa análise fez-se recurso essencialmente a dados
comparativos com as regiões onde predominam as línguas de origem la-
tina, dando também, sempre que os dados o possibilitam, uma especial
ênfase à Catalunha onde, como referido, um estudo análogo ao aqui
analisado se realizou em 2002 (Castells e outros, 2003). Assumindo o
carácter de transição da sociedade portuguesa actual segundo um mo-
delo de desenvolvimento informacional, e com o intuito de posicionar
melhor o modelo de sociedade rede em emergência, pode-se, também,
comparar os dados de composição social por categorias profissionais em
Portugal com os do início dos anos noventa num conjunto de econo-
mias desenvolvidas.

113
Quadro 3.27 Composição das categorias profissionais em países seleccionados (%)

EUA Canadá Reino Unido França Alemanha Japão Portugal Portugal


Categoria profissional
1991 1992 1990 1989 1987 1990 1991 2001

Administradores 12,8 13,0 11,0 7,5 4,1 3,8 4,3 7,0

Profissionais
13,7 17,6 21,8 6,0 13,9 11,1 5,6 8,6
qualificados

Técnicos 3,2 -- -- 12,4 8,7 ^ 7,5 9,6

Sub total 29,7 30,6 32,8 25,9 26,7 14,9 17,4 25,2

Profissionais de
11,9 9,9 6,6 3,8 7,8 15,1 13,6 14,3
vendas

Funcionários
15,7 16,0 17,3 24,2 13,7 18,6 10,7 11,1
administrativos

Sub total 27,6 25,9 23,9 28,0 21,5 33,7 24,3 25,4

Artífices e operadores 21,8 21,1 22,4 28,1 27,9 31,8 32,8 30,3

Sub total 21,8 21,1 22,4 28,1 27,9 31,8 32,8 30,3

Mão-de-obra semi-
qualificada do sector 13,7 13,7 12,8 7,2 12,3 8,6 -- --
de serviços
Mão-de-obra semi-
qualificada do sector 4,2 3,5 5,6 4,2 5,5 3,7 -- --
dos transportes

Sub total 17,9 17,2 18,4 11,4 17,3 12,3 16,8 15,1

Dirigentes e
3,0 5,1 1,6 6,6 3,1 7,2 8,7 4,1
trabalhadores rurais

Não classificada -- -- 1,0 -- 3,0 -- -- --

Sub total 3,0 5,1 2,6 6,6 6,1 7,2 8,7 4,1

Nota: As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período, pelo que a comparabili-
dade dos dados apresentados, embora em termos gerais possível, tem de ter em conta algumas ressalvas. A
soma dos números acima pode não corresponder exactamente a 100% uma vez que as percentagens foram
arredondadas.
Fonte Portugal: INE, Recenseamentos Gerais da População. Restantes países adaptado de Castells, 2002,
p.395.

114
O quadro 3.27, onde se apresenta a composição das categorias pro-
fissionais em países seleccionados da América do Norte, Europa e Ásia,
permite percepcionar melhor as debilidades da sociedade portuguesa na
sua actual fase de proto-informacionalismo27.
Verifica-se que, embora com uma evolução positiva, Portugal apre-
senta ainda, nas categorias profissionais mais qualificadas (Administra-
dores e Profissionais qualificados), valores abaixo dos apresentados pelos
países mais desenvolvidos no início da década de noventa (à excepção da
França). Isto é, Portugal possui ainda um número reduzido de técnicos
e profissionais altamente qualificados e um excesso relativo de mão-de-
-obra semi-qualificada e artífices e operadores.
Portugal, em termos da sua estrutura de emprego, na relação entre
indústria e serviços, bem como na relação entre gestão de informação/
gestão de bens encontra-se mais próximo dos modelos alemão e italiano.
A leitura que se pode tirar do quadro anterior é que o actual momento
de transição, entre um proto-industrialismo e um estádio de informacio-
nalismo ainda relativamente incipiente, está por um lado próximo do
modelo de produção industrial28, pois mantêm em níveis relativamente ele-
vados (bastante mais de um quarto da força de trabalho) o seu emprego

27
Cada modo de desenvolvimento estrutura-se em torno de um modelo de perfor-
mance em torno do qual se organizam as actividades económicas. O industrialismo
é orientado para o crescimento económico e a maximização do output. O informacio-
nalismo é orientado para o desenvolvimento tecnológico (ex., para a acumulação de
conhecimento e maiores níveis de complexidade no processamento de informação)
(Castells, 2002).
28
O modelo de produção industrial é claramente representado pelo Japão e, considera-
velmente, pela Alemanha, os quais, embora reduzindo também o emprego industrial,
continuam a mantê-lo em níveis relativamente elevados (cerca de um quarto da força
de trabalho), enveredando por um movimento muito mais gradual que permite a re-
estruturação das actividades industriais no novo paradigma sociotécnico. Com efeito,
este modelo reduz o emprego industrial ao mesmo tempo que reforça a actividade
industrial. Em parte como reflexo desta orientação, os serviços relacionados com a produção são
muito mais importantes que os serviços financeiros, e acabam por estar em estreita ligação com
as empresas industriais. Isto não significa que as actividades financeiras sejam menos im-
portantes no Japão e na Alemanha: afinal, oito dos dez maiores bancos do mundo são
japoneses. No entanto, embora os serviços financeiros sejam importantes e tenham
aumentado a sua cota de participação nos dois países, a maior parte do crescimento
em termos de serviços ocorre nos serviços empresariais e sociais (Castells, 2002).

115
industrial, mas ao mesmo tempo incorpora dimensões próximas de um
modelo económico de serviços29, em que se enfatiza uma nova estrutura de
emprego na qual a diferenciação entre as várias actividades de serviços se
torna o elemento chave para a análise da estrutura social.

Quadro 3.28 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo e respectivos


rácios, Portugal e G7 (%)

Reino
Tipo de sector EUA Japão Alemanha França Itália Canadá Portugal Portugal
Unido
produtivo 1991 1990 1987 1989 1990 1992 1990 2001
1990

Indústria1 24,9 35,8 41,5 30,6 31,9 29,6 23,5 49,7 39,3

Serviços1 75,1 64,2 58,5 69,4 68,1 70,4 79,5 50,3 60,7

Serviços / indústria 3,0 1,8 1,4 2,3 2,1 2,4 3,3 1,0 1,5

Gestão de
51,7 65,9 60,8 54,9 62,2 54,2 54,3 65,6 60,3
produtos2
Gestão de
48,3 33,4 39,2 45,1 37,8 45,8 45,7 34,4 39,7
informação2
Gestão de
informação/gestão 0,9 0,5 0,6 0,8 0,6 0,8 0,8 0,5 0,7
de bens

1
Para Portugal a indústria soma os sectores extractivos, da construção e da transformação; os serviços in-
cluem os restantes sectores.
2
Para Portugal a gestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos transpor-
tes (no ano de 2001 é também incluído o sector das comunicações) e do comércio; a gestão de informação
integra os serviços públicos, as comunicações (excepto para 2001), serviços relativos à produção, serviços
sociais e serviços pessoais.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, restantes países adaptado de
acordo com o apresentado em Castells (2002, pp. 389-394).

O modelo da economia de serviços é representado pelos EUA, Reino Unido e


29

Canadá. É caracterizado pelo rápido declínio do emprego industrial após 1970, no


sentido do informacionalismo acelerado. Tendo eliminado quase todo o emprego
agrícola, este modelo enfatiza uma nova estrutura de emprego onde a diferenciação
entre as várias actividades de serviços se torna o elemento chave para a análise da
estrutura social. Este modelo destaca os serviços relacionados com a gestão de capitais rela-
tivamente aos serviços ligados à produção, mantendo a expansão do sector dos serviços sociais
em virtude do enorme aumento do emprego na área da saúde e, em menor grau, na área da
educação. É também caracterizado pela expansão da categoria de gestores, que inclui
um número considerável de gestores de nível médio (Castells, 2002).

116
Quadro 3.29 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsecto-
res, Portugal e G7 (%)

Reino
EUA Japão Alemanha França Itália Canadá Portugal Portugal
Sectores 1991 1990 1987 1989 1990
Unido
1992 1990 2001
1992
I Extractivo 3,5 7,2 4,1 6,4 9,5 1,7 5,7 13,5 5,4
Agricultura 2,9 7,1 3,2 6,3 9,5 1,2 4,4 13,1 5,0
Mineração 0,6 0,1 0,9 0,1 - 0,5 1,3 0,4 0,4
II Transformação 24,7 33,7 40,3 29,5 29,7 26,3 22,3 36,9 34,7
Construção 6,1 9,6 7,1 7,2 7,0 4,0 6,3 10,0 12,3
Electricidade, gás e água 1,1 0,6 1,0 1,0 0,8 1,2 1,2 0,7 0,7
Indústria 17,5 23,6 32,2 21,3 21,8 21,6 14,9 26,2 21,7
Alimentar 1,5 2,3 2,9 2,8 1,6 2,9 - 2,9 2,1
Têxtil 0,6 1,2 1,1 1,7 5,0 0,8 - 10,4 5,7
Metalúrgica 1,7 3,2 4,3 3,5 4,7 2,7 - 0,6 2,4
Máquinas e
3,7 5,9 4,9 4,5 3,3 5,8 - 5,0 3,2
equipamentos
Produtos Químicos 1,3 1,1 2,7 1,6 1,3 1,4 - 1,5 1,2
Diversos 1 8,6 10,0 16,2 7,3 5,9 8,0 - 5,8 7,1
III Serviços de distribuição 20,6 24,3 17,7 20,5 25,8 20,7 24,0 17,0 21,0
Transportes 3,6 5,0 5,9 4,3 5,2 4,3 4,1 3,7 4,5
Comunicações 2 1,4 1,0 - 2,2 1,3 1,9 2,1 1,1 -
Comércio 15,7 18,3 11,8 14,0 17,3 14,5 17,7 12,2 16,5
Serviços relativos à
IV 14,0 9,6 7,3 10,0 - 12,3 11,3 3,8 7,9
produção 3
Actividades financeiras 2,8 1,9 2,4 2,0 1,8 2,8 3,7 1,6 2,1
Seguros 4 2,1 1,3 1,0 0,8 - 1,2 - 0,4 -
Actividades imobiliárias 1,8 1,1 0,4 0,3 - 0,7 2,2 1,8 5,8
Outros 7,3 5,3 3,5 6,9 - 7,6 5,4 - -
V Serviços sociais 5 25,5 14,3 24,3 19,5 - 28,7 22,6 18,5 20,6
IV Serviços pessoais 6 11,7 10,2 6,3 14,1 - 9,7 13,5 10,3 10,5

1
Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e
outras indústrias transformadoras.
2
No ano de 2001 os valores relativos às comunicações estão incluídos na categoria dos transportes.
3
Nos valores apresentados no ponto IV (Serviços relativos à produção) encontram-se apenas individualizadas
as subcategorias para as quais existe disponível informação desagregada.
4
No ano de 2001 os valores relativos aos seguros estão incluídos na categoria das actividades financeiras.
5
Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares; servi-
ços recreativos e culturais; e organismos internacionais e outros.
6
Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis. A soma dos números acima pode não corres-
ponder exactamente a 100% uma vez que as percentagens foram arredondadas.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o
apresentado em Castells (2002).

117
Com base nos dados dos vários quadros apresentados podemos obter
uma fotografia mais nítida da situação que nos permita posicionar Por-
tugal à luz dos diversos conceitos de desenvolvimento informacional.
Portugal posiciona-se em 2001, ao nível do emprego por sector pro-
dutivo e respectivos subsectores, próximo dos modelos francês e italiano
assentes numa indústria de transformação que atrai cerca de um terço da
população. Mas no caso português essa estrutura de ocupação é marcada
por um maior peso dos sectores têxtil e da construção. No campo dos
serviços a procura de uma comparação é mais complexa.
Assim, no que respeita aos serviços de distribuição, Portugal aproxi-
ma-se mais do modelo dos EUA e Reino Unido, embora continue a sua
proximidade com a França. Já no que diz respeito aos serviços relativos à
produção, apesar da diferença de uma década em relação aos dados dos
países dos G7, Portugal não atinge ainda metade da ocupação da popula-
ção registada em qualquer dos restantes países (à excepção da Alemanha,
cujos valores se referem a 1987).
No que diz respeito aos serviços sociais, Portugal parece de novo
posicionar-se perto da estrutura de emprego francesa, mas já no que diz
respeito aos serviços pessoais o seu modelo mais próximo é o vigente nos
EUA e Reino Unido.
Daí que, também ao nível dos modelos de desenvolvimento infor-
macional, não se possa falar de uma adesão pura a um modelo económico
de serviços ou a um modelo de produção industrial. Tal fica a dever-se pos-
sivelmente ao próprio processo de transição em curso que se manifesta
de modo desigual em diferentes áreas da produção e dos serviços. Se,
ainda assim, procurarmos encontrar quais as maiores semelhanças que
Portugal apresenta com cada um dos modelos, pode-se dizer que Portu-
gal, dada a sua estrutura de emprego, se encontra mais próximo de um
modelo de produção industrial sem, no entanto, substituir o emprego
industrial por serviços relacionados com a produção. Por outro lado, possui
um modelo de emprego nos serviços pessoais e sociais próximo daquele
que caracteriza as economias sustentadas por um modelo económico de
serviços como os EUA e o Reino Unido. A conclusão a tirar desta análise
é que, fruto do processo de transição em curso na sociedade portuguesa,
não se configuram claramente ainda as tendências e que, a ser necessário
definir uma aposta, esta se localizaria na proximidade entre as opções
feitas pela França, no sentido de um modelo económico de serviços,

118
que mantêm uma base industrial relativamente forte mas com enfoque
nos serviços relacionados com a produção e serviços sociais, e o percurso
incerto da Itália na construção de um modelo informacional em que
também ela se encontra em transição entre um modelo proto-industrial
e um proto-informacionalismo (assente nas pequenas e médias empresas
e nas redes por elas possibilitadas).
As tendências presentes, nos dados atrás apresentados, são também
verificadas pelos dados obtidos no inquérito em que se baseia este estu-
do sobre a sociedade em rede em Portugal.
Embora em 2003 a maioria do emprego esteja concentrado no sector
de serviços, está-o em serviços de tipo tradicional, como o comércio e a
hotelaria (27%). Enquanto isso, os serviços emblemáticos das sociedades
informacionais30, como os relacionados com os serviços sociais (23,6%)
e serviços às empresas (9,6%), sejam eles de produção ou comunicações
ou ainda financeiros, constituem 33% da estrutura de emprego (a que
há ainda de juntar quase 7% de trabalho doméstico).
A sociedade portuguesa apresenta assim valores muito baixos essencial-
mente ao nível dos serviços relativos à produção. Se procurarmos estender
a análise à comparação entre as gerações pós-25 de Abril e as nascidas antes
do 25 de Abril podemos verificar que apesar dos problemas identificados
há uma evolução positiva. Há ao longo dos últimos 30 anos um aumento
sustentado das actividades desenvolvidas pelos profissionais intelectuais,
científicos e técnicos e pelos profissionais de nível intermédio.
Enquanto para os indivíduos nascidos antes de 1967 as duas ca-
tegorias representam apenas 11,6% da totalidade do emprego já nos
mais jovens (indivíduos maiores de quinze anos que iniciaram a sua
escolaridade no pós-25 de Abril) esse valor aumenta para 16,6%. Mas a
situação portuguesa é também dual dentro da mesma estrutura etária.

30
Os serviços sociais englobam: serviços médicos, hospitais, educação, serviços
religiosos e de bem-estar social, organizações sem fins lucrativos, serviços postais,
órgãos de governo e serviços sociais diversos. Os serviços pessoais englobam: servi-
ços domésticos, serviços de hotelaria, bares e restaurantes, serviços de reparação,
lavandaria, cabeleireiros, entretenimento, serviços pessoais diversos. Os serviços de
distribuição englobam: transportes, comunicações, comércio por grosso, comércio a
retalho. Os serviços relativos à produção: actividades financeiras, seguros, actividades
imobiliárias, engenharia, contabilidade, serviços empresariais diversos, serviços jurí-
dicos (adaptado de Castells, 2002: 410).

119
Assim, embora os mais jovens tenham obtido maiores qualificações que
as gerações anteriores o peso relativo de operários não qualificados só
diminuiu na agricultura e pescas.
A percentagem de trabalhadores não qualificados dos serviços, do
comércio e indústria, comunicações e transportes praticamente man-
têm-se na estrutura de emprego entre os dois segmentos geracionais
referidos (respectivamente para os mais velhos de 24,5% e para os mais
jovens de 22,5%). O que se pode concluir desta leitura?
Por um lado o sistema produtivo em termos das competências neces-
sárias não terá evoluído na mesma proporção que o sistema educativo
(isto apesar do sistema educativo ser ainda muito frágil dada a sua eleva-
da taxa de abandono escolar). Por outro lado, visto que existe um ligeiro
decréscimo intergeracional entre os operários e artífices (de 21,1% para
os mais velhos e 19,2% para os mais jovens), há uma recomposição
das qualificações, ainda que lenta, pelo que se assiste ao aumento de
trabalho administrativo (onde o emprego jovem aumenta em 4% face
ao emprego dos mais velhos – 12,1% e 8,7%) mas também ao nível dos
serviços e vendas que representam 18,7% do emprego jovem e apenas
13,3% entre os nascidos antes de 1967.
No contexto da era da informação, das sociedades informacionais e de
uma organização social em rede, a situação portuguesa é particularmente
complexa. Embora sejam evidentes os sinais de transição para um modelo
de organização social em rede (e a consequente formação de uma socie-
dade em rede proporcionada pela utilização da internet) e uma transição
para um maior número de analistas simbólicos (Reich, 1991), característi-
cos das sociedades informacionais – mas ainda distantes, por exemplo, dos
18,5% da Catalunha (Castells e outros, 2003) – assiste-se, como se viu, a
aspectos que são ainda característicos dos modelos industriais.

Portugal e os diferentes modelos económicos


de sociedades informacionais

Se os dados até aqui apresentados nos permitem clarificar o estado


da transição da sociedade portuguesa para um modelo informacional, e
a constituição de uma sociedade em rede, há ainda que contextualizar
essa transição em função dos diferentes modelos de sociedades líderes

120
da dimensão informacional e das economias dinâmicas, de que os EUA,
Finlândia e Singapura (Castells e Himanen, 2002) são exemplos para-
digmáticos.
Hoje em dia não é difícil encontrar, em documentos produzidos, nas
instituições da União Europeia, ou no quadro da OCDE e mesmo da
ONU, que a equação para o desenvolvimento económico e social dos
países, cidades ou zonas na era da informação é a apropriação do uso das
ferramentas tecnológicas e a sua integração nos circuitos produtivos e
de relacionamento pessoal necessitando para tal, todo o país, cidade ou
zona, de realizar a inserção efectiva das mesmas no tecido empresarial e
ao nível do estado (na gestão da república, na formação, na gestão do
território e na sua defesa, etc.).
Clarificando um pouco, importa salientar que, ao contrário do
muitas vezes apregoado, o tecido produtivo da era da informação não
é, simplesmente, o das empresas tecnológicas (as chamadas .com – “dot
com”) mas sim o das empresas que saibam incorporar as tecnologias de
informação no seu processo produtivo, organizativo, de distribuição e
de promoção.
Assim, a nova economia não são apenas as amazon.com, e-bay ou as
empresas de telecomunicações – embora façam também parte dessa
mesma economia – mas também empresas que, como a INDITEX
(Grupo espanhol detentor da ZARA entre outras marcas de roupa),
souberam usar a internet para atingir os seus objectivos económicos
(Castells, 2004a).
Aliás, as empresas de sectores tradicionais são em muito maior nú-
mero que as puramente tecnológicas ou directamente vocacionadas para
o on-line. E um tecido produtivo, terá hoje, como aliás tem vindo a acon-
tecer ao longo dos séculos, um sector dinamizador e igualmente outros
que aproveitam esse mesmo dinamismo para inovar.
Qualquer país ou zona geográfica, para triunfar neste jogo, de im-
portações e exportações e desenvolvimento de competências, necessita
também de ter quadros com capacidade de utilizar a tecnologia para
inovar, seja no circuito económico ou no Estado, quadros que realizem
trabalhos repetitivos – ou não criativos – mas com a utilização daquelas
tecnologias, uma infra-estrutura de telecomunicações, um tecido empre-
sarial inovador, um Estado que saiba criar as condições em termos de

121
formação das pessoas, reconversão dos seus modelos organizativos e de
gestão e que estabeleça leis de regulação, enquadramento e incentivo.
Durante a década de noventa muito mudou em Portugal no domínio
das tecnologias de informação. Os primeiros passos foram a incorpora-
ção no discurso político das temáticas da sociedade de informação a par
de um constante crescimento do uso dos telemóveis e da internet por
parte dos particulares (Cardoso, 2003).
Seguiu-se a actividade legislativa de enquadramento, a definição de
algumas questões base para o desenvolvimento das telecomunicações,
formação de jovens e fomento da utilização das novas tecnologias – com
o Estado a actuar como dinamizador da iniciativa privada nesta área.
Os últimos 10 anos foram igualmente anos de elevado investimento
por parte das empresas de media, telecomunicações e grupos financeiros,
pois foi a época da liberalização dos mercados, da apetência bolsista para
adquirir acções de empresas startup – em que a ideia detém a primazia
sobre a gestão temporal da possibilidade de retorno do investimento – e
das visões demasiado utópicas ou demasiado deterministas quanto ao
futuro da economia e da sociedade em geral (Cardoso, 1999).
A análise dos diferentes modelos de sociedade informacional pode
tomar como ponto de partida a individualização de quatro dimensões
(tecnologia, economia, bem-estar social e valores) através das quais se
pode compreender melhor qual a posição relativa de Portugal no pano-
rama global das sociedades informacionais (Castells e Himanen, 2002).
Pode-se considerar que uma sociedade é informacional (Castells e
Himanen, 2002) se possui uma sólida tecnologia de informação (infra-
-estrutura, produção e conhecimento). Os países aqui seleccionados,
Finlândia, Estados Unidos e Singapura, são sociedades informacionais
avançadas. São igualmente economias dinâmicas porque são internacio-
nalmente competitivas, tem empresas produtivas e são inovadoras. Mas
porque “a tecnologia e a economia não são mais do que uma parte da
história” (Castells e Himanen, 2002: 31), pode-se dizer que uma socieda-
de é aberta se o é politicamente, isto é, ao nível da sua sociedade civil,
e se está aberta aos processos globais. Igualmente o seu bem-estar social
pode ser avaliado em função da sua estrutura de rendimentos e da cober-
tura oferecida aos seus cidadãos em matéria de saúde e educação.
Os dados presentes nos quadros seguintes comparam Portugal com
três modelos de sociedades informacionais. Que são respectivamente os

122
modelos que se podem designar por Silicon Valley, o modelo de uma
sociedade orientada pelo mercado e aberta, por Singapura, o modelo de
um regime informacional autoritário e, por fim, o modelo Finlandês de
uma sociedade providência informacional.
A qualificação de uma sociedade como informacional baseia-se assim
numa sólida tecnologia de informação ao nível das infraestruturas, pro-
dução e conhecimento. Como se posiciona Portugal nessas dimensões?
Portugal no que se refere ao índice de desenvolvimento tecnológico
encontra-se (UNDP, 2001: 48) em 27º lugar na segunda divisão de países
– os denominados líderes potenciais. Sendo essa segunda divisão coman-
dada pela Espanha (19º lugar) e pela Itália (20º lugar).
Ao nível da infra-estrutura Portugal apresenta valores para o número
de máquinas ligadas à internet (hosts) por 10000 habitantes de 25% dos
valores das economias avançadas e de 14% da Finlândia. No entanto, a
situação inverte-se totalmente quando se compara o número de contra-
tos de uso de telemóveis por 1000 habitantes. Portugal encontra-se em
sexto lugar (774) num ranking mundial liderado pela Itália (883) e segui-
do por três países escandinavos (Islândia, Noruega e Finlândia).
Portanto, embora possuindo uma baixa infra-estrutura ao nível da
internet pode dizer-se que Portugal possui uma infra-estrutura de tecno-
logias móveis claramente acima da média global.
O panorama ao nível da produção já não é tão optimista pois Portugal
possui uma muito baixa taxa de exportações de alta tecnologia, atingin-
do apenas um quarto da média das economias mais avançadas (Portugal
6, para 21 por parte das economias avançadas31). Representando apenas
10% dos valores atingidos por Singapura, a sua maior proximidade é
junto do modelo Finlandês, atingindo os valores portugueses 26% da
totalidade das exportações de alta tecnologia da Finlândia (um país que
na década anterior passou de valores similares a Portugal para os actuais
23%). Completando a contextualização desta análise, se compararmos a
relação entre exportações de produtos primários e manufacturados das

31
Os valores referentes às “economias avançadas” foram adaptados sempre que
possível dos cálculos já disponíveis (Castells e Himanen, 2002). Quando se concluiu
pela necessidade de um novo cálculo optou-se por utilizar os dados referentes aos
G7, por vezes, utilizando para o cálculo da média também dados dos países OCDE
mais desenvolvidos.

123
quatro economias a sua estrutura é similar (respectivamente 14% e 86%)
pelo que é ao nível das exportações de alta tecnologia que as diferenças
surgem para Portugal.
Se utilizarmos a medida “comércio electrónico” para caracterizar
o desenvolvimento da área de serviços e vendas de uma economia, o
panorama português é um misto de valores positivos e negativos. Se,
por um lado, acompanhou entre 1998 e 2001 as taxas de crescimento
de mais de 600% de servidores seguros da Finlândia (e fê-lo acima da
média das economias mais avançadas). Por outro lado, possui uma das
mais baixas taxas de servidores seguros por 100 000 habitantes (apenas
2,34, um valor que representa apenas 14,3% da média das economias
mais avançadas).
A leitura destes valores tem de ter presente também a sua relação
com o número de utilizadores, pois um valor elevado de utilização é
indicador também de um maior potencial de mercado. Sem número
elevado de utilizadores não há incentivo ao aumento do comércio elec-
trónico (seja ao nível inter-empresas ou com particulares). Embora em
2003, segundo os dados do nosso inquérito, Portugal possuísse 29% da
sua população como utilizadores directos da internet, sendo em 2001 os
valores de utilização cerca de 18% (INE, 2003), o que representa uma
taxa de crescimento de 60% em dois anos, Portugal encontra-se ainda
bastante distante dos cerca de 50% de qualquer dos três modelos aqui
analisados. Tal indicia um mercado ainda relativamente restrito para o
desenvolvimento do comércio electrónico interno.
No entanto, há outro dado que pode dar uma visão mais positiva que
é a relação entre o número de hosts e o número de servidores seguros. Aí
Portugal, embora claramente distante das performances das economias
avançadas (onde a relação é de 1 servidor seguro para apenas 692 má-
quinas com endereço IP) situa-se na mesma ordem de grandeza que os
EUA ou a Finlândia.
Mas ao falar de tecnologias de informação estamos igualmente a falar
de conhecimento e embora tenhamos já abordado algumas das dimen-
sões, nomeadamente ao nível das qualificações para o emprego, os dados
coligidos na comparação internacional no quadro 3.30 confirmam as
tendências anteriormente apontadas.
Portugal possui mais do que um mero embrião ao nível das compe-
tências tecnológicas mas relativamente aos níveis necessários a uma eco-

124
nomia informacional encontra-se aparentemente ainda muito distante
de os atingir.
Se não vejamos: quanto aos estudantes do ensino superior da área
das ciências (exactas, naturais e tecnológicas), os rácios parecem colocar
Portugal ao nível dos EUA, mas essa aparente semelhança mascara o fac-
to de grande parte dos investigadores contratados nas empresas de alta
tecnologia nos EUA terem obtido a sua formação no exterior (Castells
e Himanen, 2002).
Portanto a comparação deverá ser feita com os dois outros modelos,
Singapura e Finlandês. Uma comparação que é claramente negativa para
Portugal. Pois, embora apenas a três pontos percentuais da média das
economias avançadas, na realidade a formação na área das ciências em
Portugal representa cerca de 50% da realizada em economias líder como
as da Finlândia e Singapura.
Se olharmos para o número de cientistas e engenheiros em I&D em
Portugal, e os compararmos com os demais países observados, compre-
ende-se que o actual esforço não permite por si só recuperar o atraso,
pois parte-se igualmente de uma posição muito débil.
Ou seja, por milhão de pessoas, Portugal possui 1576 cientistas e en-
genheiros a realizar investigação e desenvolvimento quando a média das
economias avançadas é superior em 76% (a relação para com a Finlândia
é de 1 para 3 investigadores e engenheiros e de 1 para 2,5 para os dois
restantes países em análise).
Todos os factores analisados e referentes às competências adquiridas,
estrutura de emprego e predominância de áreas de baixa e média tecno-
logia na economia tem visibilidade ao nível da produtividade comparada
da economia portuguesa e do seu PIB per capita.
Num índice 0-100 de competitividade, onde a média das economias
avançadas é de 69 pontos, Portugal ocupa a 32º posição com um índice
de 58 pontos, estando as economias líder aqui analisadas entre os 80 e
os 100 pontos e ocupando as três primeiras posições ao nível da compe-
titividade global. O PIB per capita português representa 67% da média
das economias mais avançadas.
A medição do crescimento da capitalização bolsista portuguesa é
outro sinal da pouca competitividade da economia. Aos 24% de capi-
talização entre 1998 e 2000 opõem-se os 894% de capitalização bolsista
finlandesa.

125
Quadro 3.30 Comparações internacionais no domínio da tecnologia

Economias
Finlândia EUA Singapura Portugal
Avançadas
Máquinas ligadas à internet
1707,25(3) 3714,01(1) 478,18 239,28 819,15
(por 10.000 hab.) 1

Contratos de telemóvel (por 1.000


804 451 724 774 740
hab.) 2
Percentagem de exportações de
alta tecnologia sobre o total de 23 32 60 6 21
exportações 2
Comércio electrónico (servidores
seguros 14,9 33,28 (1) 17,31 2,34 16,3
por 100 000 habitantes) 3
Taxa de crescimento servidores
656 397 527 600 555
seguros, 1998-2001 (%)

Relação entre hosts e servidores


1144 1139 357 1054 692
seguros (2001)

Utilizadores de internet (%) (2001) 4 46 49 (4) s.d. 18 33

Rácio de participação da população


estudantil do ensino superior em 27,4 13,9 24,2 12,0 15,0
ciências (%)5
Cientistas e Engenheiros em I&D
5059 4099 4140 1576 2778
(por milhão de pessoas) 2

1
Valores para todos os países obtidos em World Indicators, International Telecommunication Union 2002
(ITU) em http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.
2
Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.
3
Valores obtidos por Netcraft em Dezembro de 2001 em http://www.atkearney.com/shared_res/pdf/Secu-
re_servers_2002_S.pdf. Valor de hosts obtido a partir de World Indicators, International Telecommunica-
tion Union (ITU) em http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.
4
Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos junto do Instituto Nacional de
Estatística em http://alea-estp.ine.pt/html/actual/pdf/actualidades_42.pdf.
5
Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001. Definição da Unesco para o indicador em causa: “gross enrolment in tertiary
education – total enrolment in tertiary education regardless of age, expressed as a percentage of the popula-
tion in the five-year age group following the secondary-school leaving age”.

No entanto, a fraca performance da economia portuguesa não pode


ser explicada apenas pela falta de competências especializadas em tecno-
logias avançadas, nem apenas na estrutura de emprego desequilibrada
ou na predominância de áreas de baixa e média tecnologia na economia.

126
Porque as causas também se encontram ao nível do investimento em ino-
vação. As economias informacionais são baseadas na inovação enquanto
as industriais se centram na optimização do crescimento económico. Daí,
que o investimento em I&D em percentagem do PIB indique até que
ponto uma sociedade interiorizou na sua esfera económica um modelo
de desenvolvimento informacional e o despontar de uma organização
económica em rede que acompanha esse movimento de reestruturação
(Castells, 2002, 2003a, 2003b, e 2004a).

Quadro 3.31 Comparações internacionais de indicadores de desenvolvimento


informacional

Economias
Finlândia EUA Singapura Portugal
Avançadas

Competividade (índice 0-100) 1


83 (3) 100 (1) 88 (2) 58 (32) 69
(*) posição relativa

PIB per capita ($ EUA) 2 24430 34320(3) 22680 18150 27009

Produtividade
99 100 s.d. s.d. s.d.
(industrial: índice 100 = EUA)

Crescimento da capitalização
894 429 s.d. 24 s.d.
bolsista (1996-2000) (%) 3

Investimento em I&D em % do
3,1 (3) 2,6 1,9 0,7 2,0
PIB (1996-2000) 4

Receitas derivadas da propriedade


intelectual e licenças 126 (5) 130 (4) 26 2,5 26
($ EE.UU. por 1.000 hab.) 4

1
Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto valores para Portugal obtidos directamente da fonte citada
na obra, isto é, o IMD.
2
Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.
3
Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos na Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários em http://www.cmvm.pt/consulta_de_dados_e_registos/indicadores/indicadores.asp ,
os valores para Portugal referem-se a 1997-2000 (Acções - BVL 30).
4
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001.

127
Para uma média em 2000 de 2% do PIB nas economias avançadas
investido em I&D, Portugal investiu apenas 0,7% quando qualquer dos
modelos analisados se coloca acima dos 2%, com a Finlândia a atingir
os 3,1% do produto interno bruto.
Outro indicador, igualmente representativo, corrobora essa ten-
dência da economia portuguesa. As receitas derivadas de propriedade
intelectual ou licenças concedidas a terceiros representam apenas 2,5
dólares por 1000 habitantes o que identifica a nossa dependência da
inovação de terceiros mercados. A título de exemplo a Finlândia obtém
126 dólares, os EUA 130, a Irlanda 110,3 e a Espanha e Itália 8,6 e 9,8.
A leitura que se pode tirar das comparações nas dimensões infra-es-
truturais de produção e conhecimento tecnológico é a de uma confirma-
ção da posição de Portugal como uma sociedade proto-informacional,
ou, se preferirmos em transição para uma sociedade informacional.
Uma sociedade onde a manifestação das estruturas organizativas e de
produção em rede despontam e convivem com os, ainda dominantes,
modelos económicos característicos das sociedades industriais.

Sociedades informacionais, valores e bem-estar social

Como já vimos as sociedades informacionais não são apenas caracte-


rizadas pela sua apropriação da tecnologia mas também pela sua abertu-
ra interna e bem-estar social.
Em Portugal não vigora um regime autoritário, os valores predomi-
nantes na sociedade são hoje os de uma sociedade aberta. A abertura de
uma sociedade pode ser medida através de várias dimensões, como por
exemplo em função da posição relativa que a população reclusa tem face
à totalidade da população. Como se pode verificar pelo quadro 3.31, se
o modelo Finlandês se caracteriza por um rácio dez vezes mais baixo que o
dos EUA, Portugal tem valores duas vezes superiores à Finlândia, eviden-
ciando, ainda assim uma maior proximidade a este último modelo.
Ao nível da igualdade entre homens e mulheres encontra-se ainda
abaixo da média das economias avançadas (629 para Portugal e 661
para as economias avançadas) posicionando-se exactamente a meio do
intervalo entre o modelo mais desigual (Singapura 509) e o modelo mais
igualitário (Finlandês 783).

128
Se nesta obra analisámos a estrutura de rendimentos da população
portuguesa em função de comparações intergeracionais (e genericamen-
te face a modelos de distribuição de rendimentos) podemos igualmente
comparar o bem-estar da população portuguesa face aos modelos de
bem-estar associados aos três modelos de sociedade informacional em
análise (Finlandês, Singapura e Silicon Valley).
Assim no que diz respeito ao rácio dos 20% mais ricos em relação
aos 20% mais pobres o modelo finlandês de providência informacional
é aquele que apresenta uma maior igualdade de rendimentos (3,6).

Quadro 3.32 Comparações internacionais de indicadores de bem-estar social

Economias
Finlândia EUA Singapura Portugal
Avançadas
Taxa combinada de estudantes de
103 (4) 93 75 (-1) 93 94
primeiro, segundo e terceiro ciclo 1

Literacia funcional (%) 2 89,6(2) 79,3 s.d. 52 83

Esperança de vida à nascença


77,4 76,8 77,4 75,5 78
(anos) 1
Cobertura de cuidados
100 82 s.d. 100 s.d.
de saúde (%) 3
Rácio dos 20% mais ricos em
3,6 (3) 8,9 (-3) 9,6 (-2) 5,9 5,8
relação aos 20% mais pobres4
Percentagem de população inferior
3,8 (4) 14,1 (-4) s.d. 21 10,6
à linha de pobreza5

Coeficiente Gini 6 25,6 40,8 s.d. 35,6 28,57

1
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001.
2
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2003. Calculado a partir do indicador “Lacking funtional literacy skills” em http:
//hdr.undp.org/reports/global/2003/pdf/hdr03_HDI.pdf.
3
Adaptado de Castells e Himanen (2002) excepto dados para Portugal. Dada a existência de um Serviço
Nacional de Saúde com universalidade pressupõe-se a cobertura da totalidade da população portuguesa.
4
Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto dados para Portugal de World Development Report On
Poverty do Banco Mundial em http://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/.
5
Adaptado de Castells e Himanen 2002. Para Portugal, valor obtido em Capucha (2004), Desafios da Pobre-
za, Lisboa, ISCTE, p.131 (Tese de Doutoramento). Medida de pobreza relativa, referida a um limiar de 60%
da mediana do rendimento disponível nos agregados domésticos.
6
Dados para todos os países baseados em World Development Report On Poverty do Banco Mundial em
http://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/. No coeficiente Gini, 100 representa desigualdade absolu-
ta, a situação em que uma pessoa obtém tudo e os demais nada. O valor 0 representa igualdade absoluta, em
que todos recebem exactamente o mesmo.

129
No campo oposto, o modelo informacional liderado pelo mercado
(Silicon Valley) ou o autoritário (Singapura) apresentam distribuições de ren-
dimentos muito mais desequilibradas, ocupando respectivamente o terceiro
e o segundo lugar no ranking das economias avançadas, com a pior relação
entre os rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres (8,9 e 9,6).
Portugal encontra-se, mais uma vez numa situação intermédia entre
os dois modelos. No entanto, o seu coeficiente de Gini (35,6), no qual
100 representa desigualdade absoluta, a situação em que uma pessoa
obtêm tudo e os demais nada, e o valor 0 representa igualdade absoluta
em que todos recebem exactamente o mesmo, coloca-o mais próximo
do modelo Silicon Valley (40,8) do que do modelo finlandês (25,6) e clara-
mente acima da média das economias avançadas (28,6)32.
O bem-estar social está assim associado à distribuição de rendimen-
tos mas também à educação e à saúde. Se pensarmos em termos de
cobertura de cuidados de saúde, Portugal com o seu Serviço Nacional
de Saúde (SNS) segue claramente o modelo finlandês, com a sua cober-
tura da totalidade da população e afasta-se do modelo informacional de
Silicon Valley onde existe uma percentagem considerável da população
excluída do acesso ao sistema de seguros de saúde (18%).
Ao nível da educação valerá igualmente a pena referir que a abertura
de uma sociedade informacional não depende apenas da taxa combina-
da de estudantes dos três ciclos a qual, apesar do elevado abandono33,
que a taxa não leva em consideração, coloca Portugal ao nível dos EUA
e da Finlândia.

32
Vale a pena no entanto relembrar que se a análise ocorrer entre diferentes
gerações o coeficiente de Gini colocará as gerações nascidas depois de 1967 muito
mais próximas das sociedades informacionais de providência do que dos modelos
informacionais dirigidos pelo mercado.
33
Os dados indicam que as taxas de abandono na UE são relativamente altas
com uma média de 22,5 %. No entanto, existem diferenças acentuadas entre estados
membros. Assim os estados do norte da Europa possuem melhores resultados do
que os restantes. Portugal (40,7 %), Itália (30,2 %), Espanha (30,0 %) e Reino Unido
(31,4 %) possuem taxas muito elevadas, enquanto a Alemanha (13,2 %), Áustria
(11,5 %) e os países escandinavos (Suécia 9,6 % e Finlândia 8,5 %) apresentam
valores abaixo da média (em http://europa.eu.int/comm/education/policies/
educ/indic/rapinen.pdf).

130
No entanto, no que respeita à alfabetização funcional, ou seja, a
capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos ao nível escolar na
sociedade onde se insere, Portugal apresenta resultados muito negativos
com uma taxa de apenas 52% para uma média das economias avançadas
de 83% e de mais 80% para os EUA e a Finlândia.

Quadro 3.33 Comparações internacionais de indicadores de cidadania

Finlândia EUA Singapura Portugal Economias


Avançadas

Liberdade dos meios de


10 17 66 (-1) 15 17
comunicação (índice 0-100;
(livre) (livre) (não livre) (livre) (livre)
0 = livre) 1
Igualdade de género
783 (3) 738 509 (-4) 629 661
(0-1.000, 0 = desigual) 2

Pertença a associações 3 1,8 1,1 s.d. 1,4 s.d.

População reclusa (por cada


71 (-157) 701 (-1) 388 (-18) 134 (-93) 126
100.000 hab.) 4 (*) posição relativa

Estrangeiros ou nascidos no
2,5 10,4 s.d. 4,1 s.d.
estrangeiro (% de população) 5

Meio ambiente: emissão de CO2


10,9 20,1 (-2) 23,4 (-1) 5 10,4
(toneladas métricas per capita) 2

1
Adaptado de Castells e Himanen (2002), todos os dados de Press Freedom Survey 2003 em http://
www.freedomhouse.org/.
2
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human
Development Report 2001.
3
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos directamente no presente
estudo. Os valores referem-se apenas às pessoas com formação primária.
4
Dados para todos os países baseados em International Center for Prison Studies, do Kings College. http:
//www.kcl.ac.uk/depsta/rel/icps/worldbrief/highest_to_lowest_rates.php.
5
Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório sobre a população
do Instituto Nacional de Estatística.

Portugal é uma sociedade aberta também quanto à sua relação com


os interesses globais ao nível do ambiente, com emissões de CO2 (tone-
ladas métricas per capita), claramente abaixo das médias das economias
avançadas (embora tenhamos de ter presente que parte desse baixo valor
tem mais a ver com a incipiente industrialização da economia portuguesa
ao longo do século XX do que com a aplicação de políticas ambientais).

131
A inserção numa sociedade global é igualmente possível de aferir
em função da percentagem do número de estrangeiros ou nascidos no
estrangeiro que uma sociedade alberga no seu seio.

Figura 3.1 População estrangeira residente, segundo as principais nacionalidades

Fonte: INE, Recenseamento Geral da População, 2001.

Os dados utilizados nesta comparação para Portugal merecem um


enquadramento prévio. Ao estabelecer uma diferença entre População
estrangeira residente34 e população com autorização de permanência35 os
34
População estrangeira com estatuto legal de residente – Conjunto de pessoas
de nacionalidade não portuguesa com autorização ou cartão de residência, em
conformidade com a legislação de estrangeiros em vigor. Não inclui os estrangeiros
com a situação regular ao abrigo da concessão de autorizações de permanência, de
vistos de curta duração, de estudos, de trabalho ou estada temporária, bem como
os estrangeiros com a situação irregular (INE http://alea-estp.ine.pt/html/actual/
html/act39.html ).
35
A partir de Janeiro de 2001 foi criado um novo dispositivo legal: População es-
trangeira com autorização de permanência – Conjunto de pessoas de nacionalidade
não portuguesa, titulares de uma autorização de permanência em Portugal, em con-
formidade com a legislação de estrangeiros em vigor (INE http://alea-estp.ine.pt/
html/actual/html/act39.html ).

132
valores utilizados na comparação referem-se à soma dos dois grupos. A
sociedade portuguesa em termos de abertura a populações estrangeiras
está mais próxima da sociedade norte-americana do que do modelo Fin-
landês, face à qual possui quase o dobro de percentagem de população
estrangeira (respectivamente 2,5 e 4,1)36.

Figura 3.2 População estrangeira com autorização de permanência, segundo a


nacionalidade

Fonte: INE, Recenseamento Geral da População, 2001.

Historicamente Portugal também apresenta valores baixos de parti-


cipação associativa (Cabral, 1997). No presente estudo cerca de 78,8%
dos inquiridos não pertencem a nenhuma Associação. Apenas um quin-
to da população (21%) declarou pertencer a alguma associação, clube,
organização não governamental (ONG), sindicato, partido político ou
qualquer entidade associativa.

36
Para mais informações ver também Pires (2003).

133
Um valor que se mantêm constante quer entre os jovens quer nas
gerações mais velhas e que se pode considerar relativamente baixo
quando comparamos, por exemplo, com a média europeia de pertença
(56%)37.
O associativismo português é muito fragmentado por temáticas e é
com alguma frequência cumulativo. Se regressarmos à comparação entre
a situação portuguesa e os modelos de sociedade informacional atrás
enunciados, também ao nível da pertença a associações os valores para
Portugal (1,3) do número de associações em que se encontram envolvidos
os cidadãos está exactamente no meio do intervalo entre os valores carac-
terizadores do modelo Silicon Valley (1,1) e os do modelo Finlandês (1,8).
As pertenças mais frequentes remetem para associação/clube despor-
tivo (46,2% dos que declaram pertencer a alguma associação); associação
cultural e recreativa (18,5%); sindicato (11,3%); associação profissional
(10,4%); e associação religiosa e paroquial (7,8%). Ainda assim, quando
se participa em alguma associação o grau de envolvimento é elevado
para a maioria dos participantes, em média quase sempre acima dos
70%. Sendo os casos de maior participação os presentes nos membros
de associações ecologistas e de protecção de animais (100%). Por sua vez
as taxas de participação mais baixas registam-se nas associações de consu-
midores e de defesa dos direitos humanos (50%). Os sindicatos (58,6%)
e partidos políticos e ONG solidárias (64,3%) encontram-se por sua vez
bastante próximas dos valores da maioria dos tipos de associações lista-
das na nossa análise.
Um dos indicadores de uma sociedade informacional é também a rela-
ção entre essa sociedade e os seus media, isto é, tanto a liberdade dos meios
de comunicação em expressarem livremente as notícias e as opiniões como
também a relação entre os fruidores e produtores de informação.
Os valores de liberdade dos meios de comunicação para Portugal (17)
encontram-se dentro do intervalo definido para o segundo grupo (11-20
numa escala de 0 a 100, sendo 0 a liberdade total) e do valor médio que
caracteriza a liberdade de imprensa nos países com economias avançadas
(17) e onde existe maior liberdade de imprensa (embora com valores infe-
riores aos da Finlândia e EUA, respectivamente com rácios de 10 e 17, am-

37
Adaptado de Eurobarometer 50.1 (1998).

134
bos pertencendo ao grupo com maior liberdade de comunicação)38. Para
a caracterização da liberdade dos meios de comunicação são tomados em
conta o enquadramento legal da actividade jornalística, as influências polí-
ticas e as pressões económicas sobre a liberdade de comunicação. Portugal
entre 2001 e 2003 melhorou o seu rácio geral em 2 pontos (passando de
17 para 15), seguindo uma tendência similar à da Finlândia, enquanto os
Estados Unidos tiveram um comportamento oposto (de 17 para 19) e Sin-
gapura continua a ser considerado um país sem liberdade para os meios de
comunicação39. A evolução positiva de Portugal mascara no entanto que o
valor final se fica a dever a uma avaliação positiva da evolução das leis e da
regulação que eventualmente influenciem o conteúdo dos media, a qual
é contrabalançada por uma deterioração das pressões económicas sobre
o conteúdo dos media. Citando o relatório Press Freedom Survey de 2003,
“Embora a maioria dos meios de comunicação sejam independentes do
Estado, no entanto, a posse de jornais, rádio e televisão encontra-se nas
mãos de apenas quatro companhias de media”40.

Uma aproximação à rede global

Este capítulo, a partir dos dados existentes, teve a intenção de situar a reali-
dade de Portugal no contexto global através da apresentação de um panorama
mundial em que se comparou a difusão e os usos da internet com o posiciona-
mento de Portugal em termos de modelo de sociedade informacional.
Os dados sobre Portugal, que são a base de todos os outros capítulos,
foram produzidos a partir do nosso próprio inquérito; mas para a análise
dos outros países, dependemos de fontes heterogéneas, com definições e
metodologias nem sempre compatíveis.
De facto, quando os investigadores não podem gerar a sua própria
base de dados, as estatísticas sobre a realidade sociológica representam
um quebra-cabeças de peças desiguais que não são fáceis de encaixar. No
caso da internet, com as fontes que existem actualmente, este quebra-
38
Ver quadro 3.33.
39
Iguais posições surgem quando se olha para a análise da presença on-line na
internet, Finlândia Portugal e EUA encontram-se entre os menos restritivos às liber-
dades de comunicação e Sigapura encontra-se entre os moderadamente livres (Press
Freedom Survey 2001).
40
Em http://freedomhouse.org/pfs2003/pfs2003.pdf

135
cabeças é praticamente irresolúvel. Interesses e finalidades diferentes,
metodologias próprias e, também, difusão parcial dos resultados, dão
origem a uma amálgama de dados, muitas vezes consideravelmente
divergentes, que tornam muito difícil desenhar o mapa da realidade da
internet no mundo.
Em todo o caso, fizemos um esforço para definir, a partir das fontes
mais fiáveis, qual é o grau de penetração da internet na Europa e no
mundo, e também qual é o ritmo de crescimento em cada uma das
zonas, para comparar com o nível e ritmo da difusão da internet em
Portugal.
Pode-se afirmar que em Março de 2003 o conjunto dos utilizadores
representa aproximadamente 11% da população mundial. Concentra-se
basicamente na Europa (31,5% do total de utilizadores), na Ásia/Pací-
fico (30,9%) e nos EUA e Canadá (30,2%). A penetração na América
Latina (5,5%), em África (1%) e no Médio Oriente (0,8%), é muito
lenta, mas não é nula.
Contra a ideia de que a internet é um fenómeno essencialmente
norte-americano, é importante assinalar que, apesar de ter sido aí que
tudo começou, é muito claro que já deixou de o ser. O facto de que a
proporção de utilizadores daquela zona sobre o total de pessoas que uti-
liza a internet no mundo ter baixado de 62,5% em 1999 para menos de
30% em 2003 é uma prova da difusão mundial da internet.
Se bem que o ritmo explosivo desta difusão se tenha tornado mais
lento ao entrar em zonas menos desenvolvidas e com populações menos
escolarizadas, temos de recordar que se passou de uns 16 milhões de uti-
lizadores em 1995 para cerca de 650 milhões, em meados do ano 2003.
Este número faz da internet o meio de comunicação de mais rápida
difusão na história da humanidade. Todavia, os dados apresentados de-
monstram claramente a grande desigualdade no processo de difusão da
internet nas diferentes regiões mundiais: entre as quase duas terças par-
tes de utilizadores no conjunto da população dos EUA e Escandinávia,
aos 1% em África, passa-se por diversas situações intermédias reflectidas
de maneira aproximada nas estatísticas recolhidas nestas páginas.
Como estar ligado à internet é cada vez mais uma condição indispen-
sável para a educação e desenvolvimento das pessoas, regiões e países,
surge uma questão clara, acerca de quanto tempo durará esta fractura
digital. É evidente que à medida que a internet penetra em áreas do

136
mundo e sectores da população com recursos económicos e culturais
mais baixos, o seu ritmo de difusão diminui. Consequentemente, se não
se fomentam políticas públicas nacionais e internacionais que incenti-
vem os usos da internet, fomentando a produção de conteúdos úteis e
de infraestruturas adequadas a baixos custos, vai continuar a existir uma
diferença significativa entre quem está ligado e quem não está, seja por-
que não tem possibilidade, seja porque não tem incentivos suficientes.
No caso de Portugal, e segundo os dados do nosso inquérito, se é verda-
de que cerca de 29% da população é utilizadora directa da internet, e
ainda que cerca de outros 10% têm de algum modo e alguma vez tentado
aproximar-se da utilização da internet, a maioria da população (61%) é
ainda constituída por não utilizadores.
A situação de decisiva desigualdade educativa e cultural que se con-
figura em todas as sociedades – inclusivamente na nossa – pode agudi-
zar-se perigosamente com a desigualdade tecnológica de acesso ao meio
em que, actualmente, está concentrado o potencial de informação e
comunicação da humanidade, uma espécie de transformada e moderna
biblioteca de Alexandria, de base global, sempre acessível, navegável e,
por isso, ligada, por cabos onde circulam bits.
Se a origem e o destino desta informação são cada vez mais diversifi-
cados, a língua de comunicação continua a ser essencialmente o inglês,
a língua franca da nossa era. E embora os dados sobre este facto sejam
escassos, produto de arriscadas metodologias de avaliação indirecta, em
todo o caso, é possível estimar que duas terças partes das páginas da
World Wide Web são em inglês.
Também os estudos relativos à língua na internet pública revelam
uma certa estabilidade no domínio do inglês, que se mantém à volta dos
72% em todos os sites públicos em 1999 e em 2002.
A estabilização do nível de uso do inglês, num contexto em que o nú-
mero de utilizadores da internet aumenta consideravelmente, significa
que as outras línguas aumentam a sua presença muito mais rapidamen-
te. É este o caso do japonês e, em menor escala, do espanhol, que se situa
em segundo lugar a seguir ao inglês, segundo a percentagem de páginas
na web, cerca de 5,9%, numa das poucas avaliações disponíveis.
Em termos gerais, a nossa hipótese é que à medida que a internet se
difunde nas diferentes áreas do mundo, a escala linguística configura-se
a dois níveis: numa presença da língua própria de cada cultura e na língua

137
franca de comunicação global, que é o inglês. Entre a diversidade inco-
municável e a dominação cultural linguística estabelece-se uma relação
cultural fluida que tem em conta tanto a realidade local como a global.
O mundo da internet tende para a comunicação de banda larga,
decididamente favorecida por políticas públicas (já é uma realidade
maioritária entre os utilizadores da Coreia e, em menor escala, noutros
países da Ásia/Pacífico).
Detecta-se, contudo, que numa série de países acontece o seguinte:
uma falta de procura de banda larga porque não há conteúdos realmente
atractivos para as pessoas e uma falta de investimento em infra-estruturas
à espera que esta procura seja uma realidade. Por isso, a iniciativa públi-
ca, ao proporcionar serviços de educação, saúde, cultura, informação,
participação e cidadania, que requerem capacidades de comunicação
consideráveis, é a condição necessária para que as pessoas se liguem e
os operadores se decidam a investir acima dos limites actuais. Apesar de
todas estas restrições, o incremento da banda larga foi considerável, em
2002 e 2003. Em Portugal, segundo a ANACOM, o ADSL e Cabo re-
presentavam em 2001 apenas cerca de 96 mil ligações quando em 2002
atingia já mais de 257 mil.
Pode pensar-se que mais do que a proporção estrita de utilizadores,
será crescentemente a ligação de banda larga o indicador adequado para
medir o desenvolvimento da sociedade em rede e toda a sua diversidade
de práticas.
No entanto, o desenvolvimento da sociedade em rede depende
também do modelo de desenvolvimento informacional que um dado
país segue. Dependendo da estrutura de emprego, da infra-estrutura
tecnológica, da produção de conhecimento, da abertura ao mundo e à
informação, podem gerar-se diferentes modelos de sucesso económico,
mas com características bastante diferentes.
Portugal no início do século XXI permanecendo basicamente uma
economia proto-industrial, mas não se afirmou ainda como economia
informacional. No entanto, há sinais claros de uma transição, embora
ainda de carácter incipiente e de resultados ainda largamente em aberto.
Nos capítulos seguintes será exposta a análise realizada a partir da
observação do conjunto de práticas associadas à utilização da internet
em Portugal.

138
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 4
Padrões de uso da internet na sociedade portuguesa

O
contacto com as novas tecnologias, designadamente com a
internet, está longe de ser uniforme entre a população por-
tuguesa. Pelo contrário, o grau de proximidade a este meio
de comunicação é bastante diversificado entre diferentes categorias e
grupos sociais, podendo identificar-se contextos em que a familiarização
com a internet é já bastante profunda a par de outros em que é total o
afastamento face a esta tecnologia. Mais do que uma especificidade por-
tuguesa, esta situação é reflexo directo da natureza gradual dos processos
de difusão de qualquer inovação, sendo assim comum à generalidade
dos países com graus de desenvolvimento semelhantes.
Até certo ponto poder-se-á esperar que, à semelhança do registado
quanto à televisão ou ao telefone móvel1, a internet se venha a estender
a uma ampla maioria da população, indiciando então a plena afirmação
da sociedade em rede. Para já, tal não é ainda o caso. A análise do perfil
social dos utilizadores da internet em Portugal, na Primavera de 2003,
pode assim constituir um bom guia de entendimento das características
particulares da sociedade em rede no país, no seu actual momento de
desenvolvimento, permitindo ainda antever algumas das oportunidades
e limites da sua expansão a curto e médio prazo.

Quem utiliza a internet? Velhas e novas desigualdades

Os níveis de utilização da internet em Portugal mantêm-se, conforme


analisado no capítulo anterior, inferiores aos registados noutros países eu-
1
Note-se que, segundo os dados apurados, no total da população portuguesa
43,3% possuem telemóvel e telefone fixo, 18,3% possuem só telefone fixo, 28,6%
dispôem apenas de telemóvel e 9,7% não detêm qualquer tipo de telefone.

139
ropeus mais desenvolvidos. Contudo, o perfil social dos utilizadores tende
a ser relativamente aproximado (Wellman e Haythornthwaite, 2002; Katz
e Rice, 2002; Woolgar, 2002; Castells e outros, 2003; Cardoso, 2003).
À semelhança do que frequentemente acontece com outras tecnolo-
gias de carácter recente, a idade dos indivíduos surge como um aspecto
absolutamente central na sua adesão à internet. Esta prática tem particu-
lar incidência junto da população mais jovem, muito em especial entre
os adolescentes (quadro 4.1). Na faixa etária dos 15 aos 19 anos os utiliza-
dores da internet representam cerca de 65% dos casos; nos escalões dos
20 aos 24 e dos 25 aos 29 são respectivamente 56% e 53%. Entre os mais
velhos – que passaram boa parte da sua vida na ausência deste tipo de
tecnologia – o uso da internet é bastante mais raro. Tal é particularmen-
te evidente no caso dos indivíduos com 50 e mais anos, entre os quais a
taxa de utilização praticamente não vai além dos 5%.

Quadro 4.1 Utilização da internet segundo escalões etários

Utilizadores Não utilizadores Total


Escalões
etários
n % n % n %

15-19 anos 144 64,5 80 35,5 224 100,0

20-24 anos 146 55,6 116 44,4 262 100,0

25-29 anos 143 52,9 127 47,1 270 100,0

30-39 anos 149 32,9 304 67,1 453 100,0

40-49 anos 84 23,0 282 77,0 366 100,0

50 e mais anos 45 5,1 830 94,9 875 100,0

Total 711 29,0 1739 71,0 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

A socialização precoce com a internet ou a oportunidade de acesso


facultada, entre outros, pela escola, são assim factores de grande
importância na familiaridade com este tipo de recursos tecnológicos
e no desenvolvimento de práticas de utilização mais correntes. Como
seria de esperar, também neste ponto se verifica uma distinção bastante

140
significativa entre aqueles que nasceram a partir de 1974, frequentando
já o sistema de ensino no regime democrático e crescendo a par e passo
com uma multiplicidade de novas tecnologias de base microelecrónica,
e os restantes. Basta referir que, em Portugal, mais de 70% da população
utilizadora da internet nasceu depois de 1974.
As diferenças geracionais são também manifestas quando se observa
o grupo dos estudantes, por oposição ao dos reformados. No primeiro
caso as taxas de utilização ascendem a perto de 70%, facto que estará di-
rectamente relacionado com a possibilidade (ou dir-se-ia mesmo a obri-
gatoriedade) de contacto com esta nova tecnologia no contexto escolar;
no segundo não vão além dos 2%, pelo que a internet está assim longe
de se afirmar como uma forma de comunicação e integração social para
estes inactivos (como aliás se verifica também no caso das domésticas).
À juventude dos utilizadores estão, tal como seria de esperar, associa-
das outras características sociodemográficas. Verifica-se, por exemplo, um
elevado peso relativo dos solteiros – entre estes, cerca de 57% utilizam a
internet, o que significa quase o triplo da taxa de utilização dos casados
– bem como de indivíduos a residir em agregados familiares um pouco
maiores, fruto porventura da permanência dos jovens no lar materno.
Interessante é também o facto de a utilização da internet, em Por-
tugal, ser ligeiramente mais comum entre os homens do que entre as
mulheres. Esta distinção tende a estar presente na maioria dos países, só
se esbatendo nas sociedades em que a utilização desta nova tecnologia
está já mais generalizada, como é o caso dos Estados Unidos da América
(Castells e outros, 2003).

Quadro 4.2 Utilização da internet, segundo sexo

Utilizadores Não utilizadores Total


Sexo
n % n % n %
Masculino 407 34,4 777 65,6 1184 100,0

Feminino 304 24,0 962 76,0 1266 100,0

Total 711 29,0 1739 71,0 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

141
Embora esteja longe de se poder afirmar um afastamento das mulheres
portuguesas face a este novo recurso, as diferenças são estatisticamente
significativas. A taxa masculina de utilização da internet ronda os 34%, a
feminina é inferior em dez pontos percentuais (quadro 4.2). Tal desigual-
dade manifesta-se em todos os escalões etários, ainda que seja ligeiramente
menos relevante entre os jovens dos 15 aos 25 anos – facto que estará
certamente associado à forte adesão à internet entre as jovens estudantes,
com níveis semelhantes aos dos seus colegas do sexo masculino.
Tão ou mais importante na compreensão dos níveis de difusão da
internet é contudo – em Portugal, como noutros países – um terceiro
factor, em relação ao qual os mais velhos, e em especial as mulheres
mais velhas, se apresentam em nítida situação de desvantagem: o nível
de escolaridade.
Os dados recolhidos confirmam claramente a maior incidência de uti-
lização da internet entre os indivíduos com melhores níveis de educação
formal, como acontece aliás com muitas outras práticas de carácter mais
inovador (quadro 4.3). Cerca de 75% dos detentores de diplomas do ensi-
no superior utilizam este novo meio de comunicação, afirmando-se assim
este grupo social como um dos protagonistas principais do desenvolvimen-
to da sociedade em rede em Portugal. Tal acontece independentemente
do domínio de especialização, não se manifestando portanto qualquer
predisposição particular para o uso dos recursos da internet por parte dos
estudantes ou ex-estudantes de uma determinada área específica.

Quadro 4.3 Utilização da internet segundo nível de escolaridade

Nível de escolaridade Utilizadores Não utilizadores Total


concluído n % n % n %
Sem escolaridade ou
9 1,0 908 99,0 917 100,0
1º ciclo do ensino básico
2º Ciclo do ensino básico 94 21,0 354 79,0 448 100,0
3º Ciclo do ensino básico 179 38,7 284 61,3 463 100,0
Ensino secundário 239 64,8 130 35,2 369 100,0
Ensino superior 190 75,1 63 24,9 253 100,0
Total 711 29,0 1739 71,0 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

142
Entre aqueles que completaram o ensino secundário a taxa de uti-
lização ascende ainda a perto de 65%, valor substancialmente superior
ao registado entre a restante população. No caso específico dos indi-
víduos com 4 ou menos anos de escolaridade a utilização da internet é
aliás inexpressiva, facto que ajuda precisamente a explicar o tendencial
afastamento da população feminina mais idosa – em Portugal menos
qualificada – do universo cibernáutico.
É de registar que as diferenças entre homens e mulheres no que res-
peita à adesão à internet são bastante mais acentuadas quando se trata de
indivíduos pouco qualificados. A título de exemplo, entre a população
apenas com o ensino básico (concluído ou não), a taxa feminina de uti-
lização da internet não vai além dos 10%, cerca de metade da registada
entre os homens com igual escolaridade. Já no caso dos diplomados do
ensino superior, a distância tende a esbater-se, sendo a taxa masculina de
80% e a feminina de 70%. Assim se confirma, também neste domínio,
a progressiva aproximação das práticas e oportunidades de homens e
mulheres entre a população mais qualificada.
Um dos aspectos mais relevantes neste contexto prende-se, no entan-
to, com a associação do factor geracional com o educativo. Se, entre os
jovens, a ausência de recursos escolares significativos não conduz a um
necessário afastamento face a esta nova tecnologia, já entre os restan-
tes, a dupla condição de mais velhos e pouco escolarizados parece ser
particularmente inibidora. Os cibernautas com mais de 50 anos são, na
grande maioria dos casos, indivíduos que completaram pelo menos o
ensino secundário, registando-se inclusivamente entre estes uma ainda
maior aproximação dos dois sexos.
As análises estatísticas efectuadas permitem concluir que, não obs-
tante a relevância do género, a idade e a escolaridade se assumem como
as variáveis que mais contribuem para a explicação dos níveis de adesão
à internet, corroborando aliás outros estudos já realizados sobre esta
matéria (Rodrigues e Mata, 2003). O quadro 4.4 é bastante ilustrativo
do efeito combinado destes dois factores. Entre os portugueses com 50
e mais anos, todos eles com contacto necessariamente tardio com a in-
ternet, os menos qualificados têm uma adesão totalmente inexpressiva,
enquanto os mais qualificados (com o ensino secundário ou superior)
atingem taxas de utilização próximas dos 40%. Ou seja, a idade, embora
seja um factor inibidor, está longe por si só de ser um obstáculo intrans-
ponível no uso desta nova tecnologia.

143
Quadro 4.4 Utilização da internet segundo nível de escolaridade e idade (% de
utilizadores em cada categoria)

Escalões etários
Nível de escolaridade concluído
15-29 anos 30-49 anos 50 e mais anos

Ensino básico ou menos 44,1 10,4 1,8

Ensino secundário 74,7 57,1 40,0

Ensino superior 90,7 79,2 37,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todas as categorias).

No escalão etário oposto (dos 15 aos 29 anos) o efeito da escolari-


dade faz-se também sentir – os licenciados manifestam níveis de adesão
esmagadores (91%). Mas entre os menos qualificados (com o ensino
básico) a taxa de utilização da internet é ainda bastante significativa face
ao panorama geral, rondando os 44%. Evidentemente, boa parte destes
jovens encontram-se ainda em processo de escolarização – são estudantes
do ensino secundário, grupo particularmente adepto do uso desta tecno-
logia. Mas mesmo entre os que já saíram do sistema de ensino, os níveis
de adesão são superiores à média nacional, o que revela bem o efeito po-
sitivo da juventude neste domínio. Importa contudo realçar que este não
será certamente consequência de características biológicas mas, acima de
tudo, da presença, entre os mais jovens, de um leque de competências ad-
quiridas tanto por via formal, como por processos de aprendizagem não
formal e informal. O contacto mais precoce com as novas tecnologias,
nas mais variadas esferas da vida social, e a interacção com outros jovens
utilizadores da internet propiciado pelas intensas relações de sociabili-
dade que tendem a caracterizar os mais jovens são factores a ter aqui em
consideração. Nesse sentido, poder-se-á admitir que a adesão à internet
depende, acima de tudo, de questões ligadas à formação, entendida no
seu sentido mais amplo, não exclusivamente formal.
As diferenças até agora enunciadas entre os universos dos utilizado-
res e dos não utilizadores manifestam-se também, necessariamente, no
que toca ao tipo de inserção profissional dos cibernautas portugueses
e aos seus níveis de rendimento. O uso da internet é particularmente
comum entre os profissionais intelectuais e científicos (73% afirmam

144
utilizar este meio de comunicação), bem como entre os técnicos de ní-
vel intermédio (60%) ou, embora já em menor escala, os empregados
administrativos (50%). Entre as restantes ocupações, associadas ao de-
sempenho de tarefas de execução e, regra geral, a menores qualificações
formais, as taxas de utilização são bem mais reduzidas, atingindo níveis
praticamente residuais no caso dos trabalhadores não qualificados (8%)
ou mesmo dos operários industriais (10%). Mas, mais uma vez, é impor-
tante notar que, se entre os profissionais e técnicos as diferenças gera-
cionais, embora sempre presentes, não assumem grande relevância, já
nestes últimos casos são bastante significativas. Perto de 30% dos jovens
operários industriais, com menos de 30 anos, referem utilizar a internet,
embora, regra geral, em contextos extra-laborais.
Igualmente interessantes são os valores manifestados pelos dirigentes
do estado e das empresas, em princípio aqueles que ocupam posições de
chefia máxima nas organizações. Sendo esta uma categoria dominada,
em Portugal, por indivíduos tendencialmente mais velhos e pouco quali-
ficados, a respectiva taxa de utilização da internet não vai além dos 30%.
Trata-se, atendendo à posição destes indivíduos na estrutura social, de um
valor relativamente baixo, que indicia algum atraso tecnológico e infor-
mativo dos dirigentes portugueses no contexto da sociedade em rede (em
particular dos mais velhos), por comparação ao relativo avanço da força de
trabalho profissional, técnica e administrativa por aqueles liderada.
A apresentação, no quadro 4.5, da distribuição de utilizadores e não
utilizadores da internet segundo a categoria socioprofissional permite
sintetizar este panorama.
Confirma-se a forte adesão a este novo media dos profissionais técni-
cos e de enquadramento e a relativa penetração entre os trabalhadores
executantes, em particular dos ligados ao comércio e serviços (activi-
dades mais directamente relacionadas com a mobilização da informa-
ção). Atesta-se ainda o generalizado afastamento dos agricultores e trab-
alhadores agrícolas da plataforma web e a fraca participação neste espaço
dos trabalhadores independentes, regra geral com fraca formação escolar
e profissional. O facto de os níveis de adesão na categoria de topo (37%)
se apresentarem ligeiramente mais elevados do que os anteriormente
apresentados a respeito dos dirigentes do estado e das empresas deve-se,
fundamentalmente, à inclusão neste grupo dos profissionais liberais,
caracterizados por fortes índices de qualificação.

145
Quadro 4.5 Utilização da internet, segundo categoria socioprofissional

Categoria Utilizadores Não utilizadores Total


socioprofissional
n % n % n %
Empresários, dirigentes
78 37,5 131 62,5 209 100,0
e profissionais liberais
Profissionais técnicos e
178 69,3 79 30,7 257 100,0
de enquadramento
Trabalhadores
28 13,7 173 86,3 200 100,0
independentes
Agricultores
4 9,4 42 90,6 46 100,0
independentes
Empregados executantes 140 29,1 342 70,9 482 100,0

Operários industriais 85 10,6 710 89,4 795 100,0

Assalariados agrícolas 1 1,0 70 99,0 70 100,0

Total 514 24,9 1546 75,1 2059 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

Em consonância com o verificado a respeito das inserções


socioprofissionais, a difusão do uso da internet tende também a
estar intimamente associada ao nível de rendimento dos agregados
domésticos (uma vez que estas duas dimensões são interdependentes).
De referir que um número importante de inquiridos, em particular
utilizadores da internet, não respondeu a esta questão – situação que se
pode explicar pelo constrangimento que este tipo de perguntas sempre
suscita, bem como, no caso dos mais novos, pela permanência num
agregado familiar em relação ao qual não são os principais contribuintes.
Ainda assim, os dados disponíveis tornam evidente que a adesão a este
novo media é directamente proporcional ao rendimento disponível.
Neste sentido, 70% dos indivíduos que declararam integrar agregados
com rendimentos iguais ou superiores a 2500 € mensais são utilizadores
da internet. Este valor desce para cerca de 50% no escalão inferior (1251 €
a 2500 €), e para pouco mais de 20% na categoria dos 501€ a 1250 €.
Entre os indivíduos com mais baixos rendimentos familiares (até 500 €)
a taxa de utilização da internet não chega a atingir os 5%.

146
Merece uma última referência a distribuição geográfica dos cibernau-
tas portugueses. Em termos gerais, os níveis de adesão à internet tendem
a aproximar-se em todo o território nacional2. De notar apenas os valores
ligeiramente mais baixos verificados na região do Alentejo (25%), ao que
não será alheio o facto de ser a região portuguesa demograficamente
mais envelhecida. Mas o dado mais interessante prende-se com a dimen-
são e densidade populacional dos locais de residência de utilizadores e
não utilizadores deste novo meio de comunicação. Nas localidades com
mais de 2000 habitantes, entre as quais se incluem as grandes zonas metro-
politanas mas também vilas e cidades de pequena dimensão, a taxa de
penetração da internet é relativamente semelhante (na ordem dos 29%).
Já entre as menores, os valores descem ligeiramente – não indo além dos
23% – o que mais uma vez indicia o afastamento das populações rurais
do universo da web.
Em termos gerais, esta primeira aproximação à difusão do uso
da internet em Portugal torna de novo evidente o carácter dual da
sociedade portuguesa, marcado simultaneamente por distinções de
carácter geracional e educativo, com reflexos ao nível do género, da
inserção socioprofissional ou ainda, em menor escala, da implantação
territorial. A potencialização de um novo recurso tecnológico como a
internet surge claramente associada a competências e predisposições
tendencialmente ausentes entre as gerações mais velhas e menos
qualificadas ou entre aqueles cujas actividades laborais são menos
exigentes do ponto de vista do processamento da informação; e,
pelo contrário, mais frequentemente presentes entre os jovens ou
entre os indivíduos que, ao longo da vida, mais directamente lidaram
com conhecimentos de natureza complexa. Assim sendo, poder-se-á
considerar que a sociedade em rede está longe de anular as desigualdades
decorrentes da classe social, mas também que esta nova modalidade de
organização social e tecnológica vem tornar particularmente decisivas
as diferenças no que toca à capacidade cultural e cognitiva de adaptação
às novas tecnologias e ao constante processamento de informação em
contextos quotidianos.

2
O universo tratado neste estudo foi o de Portugal continental.

147
Antiguidade, frequência e intensidade do uso da internet

Uma vez traçado, em linhas gerais, o panorama da difusão da internet


em Portugal e caracterizadas as principais distinções entre a população
que aderiu ou não a este novo meio de comunicação, importa agora cen-
trar a atenção nos cibernautas, procurando discriminar as suas práticas
efectivas de acesso e utilização da rede ao seu dispor. Este tipo de análise
permite identificar e caracterizar de forma mais fina diversos perfis de
utilizadores e modos de uso da internet em Portugal.
Um aspecto que importa desde já salientar prende-se com o carácter
relativamente recente da penetração desta nova tecnologia na sociedade
portuguesa (quadro 4.6). Cerca de 27% dos utilizadores declararam ter
usado pela primeira vez a plataforma web depois do ano 2000; a maioria
(47%) situa esse momento entre 1998 e 2000. É, assim, relativamente
escasso o número de utilizadores mais antigos (14%), sendo contudo
de notar que uma percentagem não negligenciável (12%) não consegue
situar no tempo o seu primeiro contacto com a internet, pelo que o
grupo dos utilizadores mais antigos poderá ser ligeiramente superior.

Quadro 4.6 Antiguidade do uso da internet, considerando a data da primeira


utilização

Antiguidade do uso da internet n %


Recente (desde 2001 ou depois) 188 26,9
Com experiência (de 1998 a 2000) 329 47,0
Veterano (desde 1997 ou antes) 97 13,8
Não sabe / não responde 86 12,3
Total 699 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O perfil social dos veteranos apresenta algumas diferenças


significativas em relação aos restantes. As adesões mais precoces foram
protagonizadas por indivíduos, regra geral do sexo masculino, com
elevados níveis académicos, a maioria dos quais já inseridos no mercado
de trabalho em profissões altamente qualificadas e remuneradas. Os
percursores da internet em Portugal não foram assim necessariamente os

148
mais jovens, mas aqueles que, independentemente da sua idade, tinham
já reunido não só competências técnicas mas também a capacidade
para se adaptarem a novas situações em resposta às fortes exigências
do seu trabalho ou aos seus próprios interesses culturais. As adesões
posteriores revelam que a difusão da internet tem significado não só
o seu alargamento a indivíduos próximos do perfil dos pioneiros, mas
também a sua gradual expansão a outros grupos sociais.
Quanto à familiarização efectiva com este meio, a grande maioria
dos utilizadores declara dominar as suas principais funcionalidades e
ferramentas. A generalidade afirma ser capaz de pesquisar informação
(90%) e de receber e enviar e-mails (87%), bem como, ainda que em menor
escala, receber e enviar ficheiros através do correio electrónico (75%) e fazer
downloads para o seu computador (71%). Já no que respeita à construção
de páginas web a situação é diferente. Quase 2/3 dos utilizadores admitem
não serem capazes de construir um sítio na internet, o que indicia usos
que não passam, na maioria dos casos, pela produção de conteúdos, mas
antes pela recepção de informação ou pela troca de mensagens.
Em termos gerais, regista-se que um maior domínio sobre as diversas
funcionalidades da tecnologia em causa tende a estar associado a me-
lhores níveis de qualificação, o que pode ser indicador de utilizações
mais limitadas por parte dos cibernautas menos qualificados do ponto
de vista profissional e escolar. As diferenças de género e idade são relati-
vamente inexpressivas, em particular no que respeita às funcionalidades
mais comuns (pesquisa de informação ou troca de mensagens com ou
sem anexos). A distância entre homens e mulheres, e entre os indivíduos
de idade madura e os mais jovens ou de meia-idade, acentua-se contudo
nas tarefas de maior complexidade técnica, como é o caso do download
de ficheiros ou, em particular, da construção de páginas. A título de
exemplo, entre os utilizadores do sexo masculino, 77% declaram ser
capazes de descarregar ficheiros a partir da internet e 40% afirmam con-
seguir construir uma página na web; entre as mulheres tais percentagens
descem para, respectivamente, 65% e 25%.
Neste contexto, é de referir que o contacto mais precoce com a
internet tende a induzir um maior domínio nestas matérias. Entre
os utilizadores mais antigos, e em geral entre os mais qualificados,
a capacidade de realização das operações enunciadas é praticamente
generalizada (à excepção da construção de páginas web). Tal não invalida,

149
contudo, que mesmo entre os utilizadores mais recentes se encontrem
também cibernautas bastante experientes. A aprendizagem relativa ao
uso das ferramentas mais básicas da internet tende a ser relativamente
rápida, em especial se o seu uso for frequente.
A familiarização com os principais instrumentos da internet traduz-se,
por seu turno, no desenvolvimento de modos relativamente autónomos
de utilização da tecnologia. Mais de 1/3 dos cibernautas não solicitam
qualquer tipo de ajuda a respeito do funcionamento da web, quer porque
não se confrontam com dúvidas, quer também porque tendem a resol-
vê-las sozinhos. Entre os restantes, quando algum apoio é necessário, é
na maioria dos casos aos amigos e colegas de trabalho ou estudo que
recorrem. Professores ou técnicos de informática raramente são referidos
neste contexto. As mulheres, em particular as menos qualificadas, tendem
a manifestar mais frequentemente a necessidade de ajuda, recorrendo
nestas situações não só a amigos mas também, com especial incidência, a
familiares. Em qualquer caso, o autodidatismo ou a aprendizagem baseada
na interajuda anunciam-se, mais do que a educação formal, como os prin-
cipais meios de aquisição de competências no domínio da internet.

Quadro 4.7 Periodicidade do uso da internet

Periodicidade de utilização de internet n %


Diária 252 36,0
Semanal 312 44,6
3 ou 4 vezes por semana 137 19,7
1 ou 2 vezes por semana 175 25,0
Ocasional 135 19,4
Pelo menos uma vez por mês 75 10,7
Menos do que uma vez por mês 61 8,7
Total 699 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Analisando agora a periodicidade da utilização da internet por parte


dos cibernautas portugueses (quadro 4.7), verifica-se que esta tende a
ser, em termos gerais, relativamente elevada, o que contribui certamente
para a familiarização com as ferramentas básicas da tecnologia em causa,

150
manifestada pela maioria. Cerca de 45% dos utilizadores referem aces-
sos de 1 a 4 vezes na semana, representando 36% aqueles para quem a
ligação à internet é já uma prática diária. Os utilizadores ocasionais (com
ligações de uma vez por mês ou menos) são relativamente mais escassos
(20%), embora não negligenciáveis.
Entre os utilizadores mais regulares (semanais ou diários), o tempo
médio de ligação semanal à internet ronda as 6 horas e 30 minutos, o
que revela alguma intensidade na utilização deste novo media (perto de
uma hora diária de navegação no espaço web).

Quadro 4.8 Intensidade de utilização da internet

Intensidade de utilização, considerando número de


n %
horas por semana na internet
Baixa (até 2 horas semanais) 193 35,1
Média (entre 2 a 7 horas semanais) 208 37,9
Alta (Mais de 7 horas semanais) 149 27,0
Total 550 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Contudo, como em muitas outras situações, os valores médios


encobrem uma grande diversidade. Cerca de 35% destes cibernautas
estão ligados até 2 horas semanais, representando, no extremo oposto,
27% os casos de intensidade de utilização superior a 7 horas semanais.
A análise comparativa do perfil social dos utilizadores diários e mais
esporádicos da internet aponta algumas diferenças interessantes, mos-
trando que nem todos os factores que ajudam a compreender a separa-
ção entre utilizadores e não utilizadores são válidos quando se trata de
aferir a periodicidade do uso desta nova tecnologia por parte daqueles
que, de alguma forma, a ela aderiram. Neste sentido, é de salientar o
facto de os jovens – com maiores índices genéricos de utilização da inter-
net – não serem necessariamente aqueles que mais regulamente acedem
ao espaço web (quadro 4.9). Pelo contrário, regista-se alguma tendência
para utilizações mais frequentes por parte de cibernautas de meia-idade
(42% destes referem acessos diários). Tal é particularmente significativo
quando se observam as diferenças entre os estudantes e aqueles que se
encontram já inseridos no mercado de trabalho. No caso dos primeiros,

151
perto de 60% referem utilizações de 1 a 4 vezes na semana, represen-
tando apenas 25% aqueles que afirmam aceder à internet diariamente.
Entre os cibernautas com participação activa no universo laboral, cerca
de 40% utilizam diariamente este recurso tecnológico. Assim sendo,
embora em termos gerais se encontre entre os estudantes uma maior
adesão à internet, o tipo de utilização que estes protagonizam tende a ser
relativamente mais esporádico.

Quadro 4.9 Periodicidade do uso de internet, independentemente do local de acesso,


segundo idade, condição perante o trabalho, nível de escolaridade e categoria socio-
profissional * (%)

Diária Semanal Mensal Total

Escalões etários (p<0,05)


15-29 anos 32,2 45,6 22,2 100,0 n=428

30-49 anos 42,1 43,4 14,5 100,0 n=228

50 e mais anos 41,9 41,8 16,3 100,0 n=43

Condição perante o trabalho


(p<0,01)

Estudantes 25,3 58,4 16,3 100,0 n=178

Activos 40,9 38,6 20,5 100,0 n=492

Reformados ou outros inactivos 19,2 62,1 18,7 100,0 n=29

Graus de escolaridade
completos (p<0,01)
Superior 43,4 42,1 14,5 100,0 n=188

Secundário 41,4 41,9 16,7 100,0 n=232

Básico 26,6 48,5 24,9 100,0 n=279

Categoria socioprofissional
*(p<0,01)
Empresários, dirigentes e
51,3 39,7 9,0 100,0 n=78
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
47,7 36,4 15,9 100,0 n=176
enquadramento
Empregados executantes 44,0 63,0 29,0 100,0 n=136

Operários industriais 23,0 35,0 25,0 100,0 n=83

* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalha-
dores independentes, agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

152
Já no que toca às distinções de género, as diferenças – embora ainda
presentes – tendem a ser menos significativas e mais centradas na inten-
sidade do que na periodicidade do uso da internet. Noutras palavras, os
homens tendem a despender mais tempo do que as mulheres nas suas
pesquisas ou contactos através da web, ainda que a esta acedam com
uma periodicidade relativamente semelhante. A título de exemplo, mais
de 40% das mulheres com utilizações regulares da internet referem não
estar conectadas mais do que 2 horas semanais; no caso dos homens a
percentagem de utilizadores igualmente de baixa intensidade é de cerca
de 30%. Raciocínio semelhante pode ser aplicado no que toca aos estu-
dantes: embora com acessos menos frequentes, estes tendem a desfrutar,
em termos médios, tanto tempo na internet como outros grupos com
maior periodicidade de uso.
Igualmente decisivo na frequência do acesso à plataforma web é o
nível de qualificação académica e profissional. Os cibernautas com me-
lhores níveis de escolaridade, em geral com inserções profissionais mais
exigentes do ponto de vista do processamento da informação e melhores
rendimentos, manifestam mais frequentemente utilizações quotidianas
dos recursos da internet, ainda que não necessariamente mais demo-
radas. Cerca de 44% dos licenciados que utilizam este novo meio de
comunicação usam-no diariamente, representando apenas 14% os que o
fazem de forma ocasional. Pelo contrário, entre cibernautas com apenas
9 ou menos anos de escolaridade completos, regra geral trabalhadores
executantes administrativos, do comércio e dos serviços ou operários
industriais, o peso relativo dos utilizadores diários é semelhante ao dos
ocasionais, rondando os 25%.
Um dado também interessante prende-se com a frequência de utili-
zação das funcionalidades da web por parte da classe dirigente. Como se
viu, a difusão da internet entre os empresários e dirigentes portugueses
é, em termos gerais, relativamente fraca. Contudo, aqueles que aderem a
este serviço tendem a utilizá-lo de forma bastante frequente. Embora, em
termos médios, não despendam mais horas na internet do que outras
categorias socioprofissionais, assumem-se mais do que qualquer outros
como utilizadores diários. Uma pequena parte da classe dirigente, não
necessariamente jovem mas regra geral com melhor preparação académi-
ca, começa assim a integrar o universo da sociedade em rede e a usufruir
quotidianamente dele.

153
Em traços gerais, pode afirmar-se que a maior predisposição para o
contacto com as novas tecnologias patente nos jovens – que justifica,
em larga medida, a forte difusão da internet entre esta população – não
implica necessariamente uma maior frequência de utilização destes
recursos. Pelo contrário, melhores qualificações académicas, inserções
profissionais mais exigentes do ponto de vista do processamento da
informação e do estabelecimento de plataformas de comunicação alarga-
das ou melhores rendimentos, tendem a afirmar-se como factores, não
só importantes na predisposição para o contacto com novos universos
tecnológicos, mas também, decisivos no desenvolvimento de práticas
mais quotidianas de acesso à web. Já no que toca ao tempo despendido
na internet pelos seus utilizadores regulares, à excepção da ligeira distin-
ção de género anteriormente enunciada, torna-se mais difícil discernir
qualquer padrão decorrente dos factores sociais aqui tratados.

Espaços de uso da internet

Um elemento absolutamente central na compreensão dos padrões


de utilização da internet em Portugal, nomeadamente no que toca aos
dados já anteriormente avançados, prende-se com os locais privilegiados
de acesso à rede.
Em termos genéricos, o espaço doméstico surge como o principal
ponto de acesso à internet entre os cibernautas portugueses (quadro
4.10). Cerca de 57% declaram práticas de uso da plataforma web a partir
de casa, evidenciando uma importante penetração desta tecnologia nos
contextos domésticos dos utilizadores da internet em Portugal. Ainda
assim, representam mais de 40% os cibernautas portugueses que não
dispõem de ligação em casa. Tal situação é justificada pelos inquiridos,
mais do que pela oportunidade de acesso a partir de outros locais, pela
falta de recursos financeiros ou logísticos (ex. privação de equipamento
informático ou de ligação telefónica). O receio da pirataria informática é
citado muito raramente como razão da ausência de ligação em casa.
Os acessos a partir do local de trabalho e da escola têm também
uma importância considerável na difusão da internet em Portugal. Na
globalidade, ou seja, considerando todos os utilizadores deste novo re-
curso tecnológico, 36% referem conectar-se à plataforma web a partir do

154
trabalho e 25% a partir da escola. Mas, nem todos estão, obviamente,
em iguais condições para aceder nestes diversos espaços: em Portugal, a
grande maioria dos estudantes não têm ainda qualquer tipo de inserção
laboral e a generalidade dos activos estão já totalmente afastados dos
contextos escolares.

Quadro 4.10 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola/universidade


e noutros locais (universo dos utilizadores da internet)

Na escola /
Utilização da No trabalho
Em casa universidade Noutros locais
internet nos locais (caso trabalhe)
(caso estude)
considerados
n % n % n % n %
Utiliza 396 56,6 256 49,6 176 54,5 208 29,7

Não utiliza 304 43,4 261 50,4 146 45,5 491 70,3

Total 699 100,0 517 100,0 322 100,0 699 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Assim sendo, importa verificar a incidência do acesso à internet nestes


dois espaços por parte de quem efectivamente neles circula. Entre os ci-
bernautas inseridos no mercado laboral, cerca de metade declaram aceder
à internet no contexto de trabalho, valor que, como muitos outros, pode
ser alvo de diferentes interpretações. Por um lado, é não só um indício da
importância do contexto laboral na familiarização de muitos cibernautas
com este novo meio de comunicação, como um importante sinal da in-
tegração da internet nas rotinas profissionais de uma parte da população
portuguesa; mas, por outro, é também um sintoma da ainda fraca mobili-
zação deste tipo de recursos nas estruturas produtivas portuguesas, mesmo
quando muitos trabalhadores adquiriram já, noutros contextos, as compe-
tências necessárias para tal utilização. De registar que os cibernautas com
acesso à internet nos locais de trabalho tendem a concentrar-se no sector
dos serviços, nomeadamente nos serviços sociais e nas actividades de con-
sultoria, financeiras e imobiliárias. Não se verifica neste ponto qualquer
diferença significativa em função da dimensão da empresa onde se en-
contram inseridos, sendo apenas de notar a relativa escassez do recurso à
internet em contexto laboral por parte daqueles que trabalham sozinhos.

155
A utilização na escola pode ser alvo do mesmo tipo de interpretação.
Entre os cibernautas a estudar, a incidência do acesso à web no espaço
escolar é ainda superior à registada a respeito das ligações de índole
profissional, rondando os 55%. Tal confirma o papel decisivo que as
instituições académicas têm tido na difusão da internet em Portugal,
mas revela também algumas das lacunas persistentes nos sistemas de en-
sino quanto à efectiva integração das novas tecnologias nas actividades
curriculares ou à disponibilidade de computadores (com ligação à inter-
net) em todas as escolas. Para além de uma parte não negligenciável dos
estudantes não utilizar de todo este media (cerca de 1⁄4), 45% dos que o
fazem não acedem através da escola.
Já o acesso a partir de outros locais é bastante menos significativo,
remetendo em geral para práticas mais ocasionais. Cerca de 30% do to-
tal de utilizadores da internet declaram utilizar outros locais para aceder
à plataforma web, designadamente a casa de amigos ou familiares (16%)
ou, em menor escala, os cyber-cafés (7%) ou outros locais públicos (7%).
Estes são particularmente importantes entre os utilizadores que não usu-
fruem de outro tipo de acessos, nomeadamente em casa. Quase metade
dos que recorrem à casa de amigos ou a locais públicos para aceder à in-
ternet, não o faz em qualquer outro espaço (quadro 4.11). Pelo contrário,
esta prática é minoritária entre aqueles que referem usar esta tecnologia
em casa, no trabalho ou, embora em menor escala, na escola; o que vem
mais uma vez confirmar estes três espaços como os locais privilegiados
de acesso à internet.
É fundamental, contudo, notar que o facto de se poder aceder à
plataforma web num destes locais, está longe de dissuadir ligações nos
restantes. Em termos gerais, boa parte dos utilizadores (42%) manifesta
práticas de uso da internet em mais do que um local (quadro 4.11). É
particularmente significativo, por exemplo, que cerca de metade dos
que acedem à internet no contexto laboral usem simultaneamente este
recurso em casa (pouco mais de 30% o faz exclusivamente no quadro
profissional). Ou que apenas 36% dos estudantes com acesso na escola
restrinja o uso da internet unicamente a esse espaço (45% acedem tam-
bém em casa e 33% noutros locais). Neste sentido, a familiarização com
a web em casa ou no trabalho/escola, parece favorecer a sua utilização
mais alargada a partir de outros pontos.

156
Quadro 4.11 Utilização da internet segundo local de acesso – análise combi-
nada (%)

Utilização da internet Utilizadores Utilizadores Utilizadores Utilizadores Total de


segundo local de acesso em casa no trabalho na escola noutros locais utilizadores

Casa 38,5 -- -- -- 21,9

Trabalho -- 31,4 -- -- 11,6

Escola -- -- 36,2 -- 9,2

Outro -- -- -- 46,2 14,8

Casa e trabalho 33,2 51,2 -- -- 18,8

Casa e escola 12,3 -- 27,7 -- 7,0

Casa e outro 4,8 -- -- 9,1 2,8

Trabalho e escola -- 0,4 0,6 -- 0,1

Trabalho e outro -- 8,9 -- 11,1 3,3

Escola e outro -- -- 16,4 13,9 4,1

Casa, trabalho e escola 1,3 1,9 2,8 -- 0,6

Casa, trabalho e outro 3,0 4,7 -- 5,8 1,7

Casa, escola e outro 6,3 -- 14,1 12,0 3,6

Trabalho, escola e outro -- 0,8 1,1 1,0 0,2


Casa, trabalho, escola
0,5 0,8 1,1 1,0 0,2
e outro
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total n=396 n=256 n=176 n=208 n=699

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

A análise do perfil social dos utilizadores da internet segundo os


locais de acesso é, neste âmbito, bastante interessante (quadro 4.12).
Tal como seria de esperar, o acesso à plataforma web a partir das escolas
secundárias ou das universidades é protagonizado essencialmente pelos
mais jovens – obviamente mais próximos do universo escolar. Não se
registam, neste ponto, diferenças estatisticamente significativas em ter-
mos de género ou de condição socioeconómica. Contudo, é interessante
notar que aqueles que acedem à internet exclusivamente na escola se
diferenciam ligeiramente dos restantes pelo facto de se tratarem, na sua
maioria, de alunos do ensino secundário e, tendencialmente, de jovens

157
integrados em agregados familiares com mais baixos recursos económi-
cos. Neste sentido, será entre estes que se assume mais relevante a opor-
tunidade de acesso à rede veiculada pelas instituições escolares.

Quadro 4.12 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola e noutros


locais segundo idade, sexo, nível de escolaridade, categoria socioprofissional e nível de
rendimentos do agregado (%*)

Utilização Utilização Utilização Utilização


em casa no trabalho na escola noutros locais
Escalões etários p<0,01 p<0,01 p<0,01 p<0,01

15-29 anos 51,4 34,7 62,2 36,4


30-49 anos 63,6 64,7 20,9 20,2
50 ou + anos 72,1 64,9 0,0 14,0
Sexo p<0,01

Masculino 57,1 51,5 51,2 33,9


Feminino 56,0 46,9 58,6 24,1
Nível de escolaridade (completo) p<0,01 p<0,01 p<0,01 p<0,03

Ensino Superior 70,2 64,4 30,6 23,4


Ensino Secundário 57,3 51,2 60,8 28,9
Ensino Básico 46,6 32,9 60,1 34,8
Categoria socioprofissional ** p<0,01 p<0,01 p<0,01

Empresários, dirigentes e
71,8 68,8 16,7
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
71,6 69,2 22,6
enquadramento
Empregados executantes 47,1 49,6 28,7
Operários industriais 40,2 19,7 49,4

* As percentagens são relativas ao número de utilizadores no local designado em cada um das categorias.
** Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – traba-
lhadores independentes, agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Já o uso dos recursos da web em contextos laborais tende a ser particu-


larmente significativo entre os cibernautas mais velhos: cerca de 64% dos
activos com mais de 30 anos de idade utiliza a internet neste contexto;
percentagem que não vai além dos 35% entre os mais jovens. Da mesma

158
forma, confirma-se que o uso deste novo media no campo laboral está ain-
da relativamente circunscrito aos indivíduos mais qualificados e/ou com
maiores poderes hierárquicos. Perto de 70% dos utilizadores da internet
– empresários, dirigentes e profissionais liberais ou profissionais técnicos
e de enquadramento – acedem à rede a partir do local de trabalho, valor
bastante superior ao registado entre os cibernautas operários industriais
(20%) ou mesmo empregados executantes das administrações, comércio
e serviços (50%). Tais diferenças acabam por se manifestar também
quando se observa o nível de rendimentos dos agregados domésticos,
encontrando-se um número consideravelmente maior de utilizadores no
campo laboral entre aqueles que beneficiam de melhores níveis de rendi-
mento. No que toca ao género a distinção é estatisticamente irrelevante,
confirmando a tendencial igualdade das práticas de homens e mulheres
nos contextos de trabalho das populações mais qualificadas.
A utilização em casa revela-se mais generalizada, quer em termos
etários, quer socioeconómicos, abrangendo assim alguns dos grupos
que se encontram mais afastados deste tipo de recursos na esfera labo-
ral. A título de exemplo, cerca de 40% dos utilizadores com inserções
profissionais no operariado industrial acedem à internet a partir de casa
– quando as percentagens de utilização em contexto laboral são, entre
estes, de apenas 20%.
Ainda assim, o acesso doméstico a este novo media tende a reprodu-
zir, em larga medida, as mesmas distinções enunciadas a respeito do uso
nos locais de trabalho, até porque boa parte destes indivíduos acedem
à internet tanto num como noutro espaço. A ligação a partir de casa é
assim consideravelmente mais comum entre os cibernautas mais qua-
lificados, com inserções profissionais nas categorias de topo, melhores
níveis de rendimento e maior disponibilidade de equipamento tecnoló-
gico no lar. Embora cerca de metade dos utilizadores dos 15 aos 29 anos
acedam à internet no espaço doméstico, este tipo de ligação é ainda
mais significativo entre os cibernautas mais velhos, muito em especial
entre os que têm 50 e mais anos – aqueles que mais circunscrevem a sua
utilização da internet ao espaço doméstico e profissional. Não se verifica,
também neste ponto, qualquer tipo de distinção de género. Ou seja,
a partir do momento em que homens e mulheres estão familiarizados
com a tecnologia e dispõem do necessário equipamento em casa, ambos
o utilizam – embora não necessariamente com igual periodicidade. Os

159
homens tendem, no espaço doméstico, a aceder de forma mais regular e
demorada à internet, distinção que não se verifica nos restantes contex-
tos e que pode estar directamente relacionada com os diferentes padrões
de uso do tempo (nomeadamente no que toca às tarefas domésticas) que
caracterizam homens e mulheres em Portugal.
A respeito da utilização dos recursos internet a partir de casa é inte-
ressante ainda notar que a instalação deste tipo de equipamento tende
a ser posterior aos primeiros contactos com o universo web. Noutras
palavras, a familiarização com este novo media tende a iniciar-se em
espaços extradomésticos – no trabalho para os mais velhos, na escola
ou noutros locais para os mais jovens – ainda que posteriormente a uti-
lização em casa se torne bastante intensa para uma parte importante dos
cibernautas portugueses. Mesmo entre os utilizadores mais veteranos,
cujo primeiro contacto com esta tecnologia foi anterior a 1998, o acesso
a partir de casa tende a ser mais recente. Apenas 1⁄4 destes utilizadores
pioneiros ligaram a internet em casa antes de 1998. Este padrão é ainda
mais acentuado entre os utilizadores mais recentes. Aliás, entre aqueles
que acederam pela primeira vez à plataforma web depois do ano 2000,
quase metade não dispõem ainda de internet em casa.
A decisão sobre a instalação deste tipo de tecnologia no espaço domés-
tico tende a ser protagonizada, em termos gerais, pelos indivíduos do sexo
masculino, facto que pode estar associado não só à sua maior proximida-
de face ao novo universo web em geral, mas também às relações de poder
que caracterizam ainda boa parte dos agregados domésticos portugueses.
Contudo, as diferenças esbatem-se quando se trata de mulheres mais jo-
vens e mais qualificadas, também elas protagonistas bastante activas da
utilização da internet, não só em casa, como no trabalho ou na escola.
Outro dado interessante prende-se com a influência exercida pelos
mais jovens quanto à instalação do acesso à internet no agregado fami-
liar. Esta é difícil de aferir, uma vez que os dados disponíveis apenas
permitem confirmar de quem terá sido a decisão final da compra do
equipamento – na maioria dos casos dos mais velhos – e não quem ma-
nifestou maior desejo de ter o seu espaço doméstico ligado à internet ou
quem mais intensamente utiliza este equipamento em casa. Contudo,
torna-se evidente que a percentagem de indivíduos de meia-idade que
refere ter sido a instalação da internet em casa uma decisão de outra
pessoa, em particular de um jovem, é consideravelmente superior entre

160
os menos qualificados do ponto de vista académico e profissional. A
título de exemplo, cerca de 2/3 dos indivíduos com mais de 30 anos,
que completaram 9 ou menos anos de escolaridade, e que têm internet
em casa, viram essa instalação ser decidida por outra pessoa do agregado
(em metade dos casos, um jovem com menos de 25 anos de idade). Entre
os detentores de diplomas do ensino superior a situação é totalmente
diferente: em quase 75% dos casos a decisão sobre a instalação do acesso
à rede em casa foi por si protagonizada. Assim sendo, o contacto com
utilizadores e práticas de uso da internet no ambiente doméstico (em
muitos casos propiciado por jovens cuja actividade académica suscita
uma maior adesão a este novo media), pode ser uma via privilegiada
de difusão desta tecnologia entre os mais velhos e menos escolarizados,
regra geral sem oportunidades significativas de acesso ao universo web
noutros contextos.
É de referir que, uma vez disponibilizado o acesso à internet a partir
de casa, vários membros do agregado familiar tendem a utilizá-lo. Excep-
tuando os casos de agregados de uma única pessoa, cerca de 73% dos
cibernautas que referem o uso desta tecnologia em casa mencionam par-
tilhá-la com outros elementos do agregado. Tal é particularmente recor-
rente entre os indivíduos mais qualificados e mais velhos, provavelmente
aqueles que mais frequentemente co-habitam com jovens e com outros
indivíduos com níveis de qualificação aproximados (grupos mais fácil e
rapidamente permeáveis à difusão das novas tecnologias). Mas não deixa
de ser igualmente significativo entre os cibernautas com menos recursos,
apontando assim para o considerável potencial de expansão a partir dos
contextos domésticos dos níveis de utilização da internet por parte de
grupos mais afastados deste tipo de tecnologia.
Nos agregados familiares em que há crianças já familiarizadas com o
uso da internet, tal utilização é justificada pelos adultos não só por mo-
tivos de ordem escolar, mas também, em muito casos, por questões de
sociabilidade e lazer. Representam 30% aqueles que referem os estudos
como principal intuito, mas igual percentagem considera que a internet
serve para a criança fazer um pouco de tudo (estudar, enviar e-mails,
jogar, etc.), e 20% referem mesmo exclusivamente questões lúdicas. Ao
contrário do que é por vezes veiculado pelo senso comum, as crianças
tenderão a despender relativamente pouco tempo na internet. A maio-
ria (45%) não chega a estar conectada mais do que 2 horas semanais,

161
sendo que mais de 70% dos adultos consideram este tempo adequado.
Por outro lado, não parecem existir resistências significativas face à fa-
miliarização dos mais pequenos com a internet. Quando as crianças do
agregado ainda não utilizam esse recurso, estando este disponível em
casa, os inquiridos tendem a explicá-lo pelo facto de estas não terem
ainda as competências necessárias, eventualmente por serem muito jo-
vens. Outro tipo de justificações, como o receio quando aos conteúdos
veiculados, são pouco expressivas.
A título de curiosidade, é de notar que a partilha do equipamento
de ligação à internet em casa não suscita, regra geral, conflitos relevan-
tes. Caso se encontre simultaneamente mais do que uma pessoa com o
intuito de aceder à rede, a prioridade tende a ser concedida àquele cuja
utilização visa objectivos de natureza escolar ou profissional.
Sob vários aspectos o perfil dos utilizadores da internet em casa ou a
partir do local de trabalho tende, como se viu, a aproximar-se. O mesmo
já não se passa no que toca ao uso desta tecnologia noutros locais. A
frequência de cyber-cafés e de locais públicos com ligação à internet, ou
ainda o acesso a partir da casa de amigos ou familiares, é bastante mais
recorrente entre os jovens do que entre os mais velhos, nomeadamente
entre os estudantes e entre aqueles que dispõem de menores recursos
económicos. Este tipo de ligação assume, por exemplo, particular re-
levância para os jovens operários, muitos dos quais sem o necessário
equipamento informático em casa e ainda afastados do acesso à internet
no meio laboral.
É interessante também notar que o recurso a estas modalidades
de acesso tende a ser ligeiramente mais usual entre os homens do que
entre as mulheres, em particular no que toca à frequência de cyber-cafés
ou outros locais públicos. Estes parecem assim configurar-se como es-
paços maioritariamente masculinos, dominados pela presença quer de
estudantes quer de outros jovens já inseridos no mercado de trabalho
mas, em muitos casos, com mais fracas qualificações formais. Poder-se-á
considerar a hipótese de o convívio nestes locais poder precisamente
favorecer a expansão do uso da internet entre estes últimos, regra geral
mais afastados do universo web. Mas, na maioria dos casos, o acesso à in-
ternet a partir de locais como a casa de amigos ou cyber-cafés é meramente
ocasional, estando assim longe de indicar uma utilização mais intensiva
dos recursos da rede (quadro 4.13). Para os jovens que aliam este tipo

162
de ligação a outras (em casa, na escola ou no trabalho), a participação
na plataforma web tende a ser mais intensa; para os restantes acaba, em
muito casos, por se traduzir num contacto relativamente fortuito.
Analisando precisamente a periodicidade de contacto com a internet
nos diversos contextos, verifica-se que o acesso em casa ou no local de
trabalho assume um carácter bastante mais regular do que os restantes,
facto que ajuda a explicar a maior intensidade de utilização deste media
por parte dos cibernautas mais velhos e mais escolarizados, aqueles que
mais recorrentemente o utilizam naqueles espaços (quadro 4.13). Cerca
de metade dos que referem aceder à rede no contexto laboral fazem-no
diariamente, sendo relativamente residual o número daqueles que aí
têm usos ocasionais. De forma semelhante, as utilizações diárias a partir
de casa representam perto de 40% do total de utilizadores no espaço
doméstico. Já na escola/universidade a frequência é bem menor, ainda
que claramente superior à registada noutros locais de acesso público.
Pouco mais de 10% dos cibernautas que se ligam a partir das instituições
escolares o faz diariamente nesse contexto. Mais de metade manifestam
utilizações semanais, na maioria dos casos de 1 a 2 vezes na semana.
Assim se compreende o carácter menos regular das práticas de utilização
da internet por parte dos estudantes ou, em geral, dos mais jovens, em
particular daqueles que não usufruem em casa dos recursos necessários
ao acesso à rede.

Quadro 4.13 Periodicidade do uso da internet em casa, no trabalho, na escola/


universidade e noutros locais, entre aqueles que declaram aceder nestes locais

Na escola /
Periodicidade de Em casa No trabalho Noutros locais
universidade
uso, segundo local
n % n % n % n %

Diária 153 38,6 128 50,1 20 11,2 8 3,8

Semanal 204 51,5 100 39,0 97 55,1 71 34,3

Ocasional 39 9,9 28 11,0 59 33,7 129 61,9

Total 396 100,0 256 100,0 176 100,0 208 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

163
Torna-se pois evidente que os grupos sociais menos favorecidos no
que toca às qualificações, às inserções profissionais e aos níveis de rendi-
mento e equipamento disponíveis nos agregados familiares são também
aqueles que, mesmo quando de alguma forma familiarizados com o uso
da internet, têm menores oportunidades de acesso a esta tecnologia. Não
só porque a utilizam em espaços mais circunscritos, mas também porque
os locais em que o fazem não favorecem um uso mais regular deste novo
media. Ainda assim, é de destacar a penetração da internet nos contex-
tos domésticos de um número já não negligenciável de indivíduos com
menores qualificações, regra geral afastados deste tipo de tecnologia no
seu ambiente de trabalho, o que indicia uma crescente participação da
população portuguesa em geral na sociedade em rede.

Para que serve a internet? Uma tipologia de usos

Um outro aspecto absolutamente fundamental na análise da difusão


da internet prende-se com as actividades efectivamente desenvolvidas
pelos utilizadores através do acesso à rede. Em termos gerais sabe-se que
este novo media comporta inúmeras potencialidades, desde a troca de
mensagens à pesquisa de informação diversificada ou à participação em
fóruns, passando ainda pela possibilidade de troca, compra e venda dos
mais variados bens e serviços, entre muitas outras.
Importa então conhecer que tipo de usos têm desenvolvido os ciber-
nautas portugueses nas suas práticas de utilização desta nova tecnologia.
Consideraram-se, para tal, 37 actividades possíveis de realizar no âmbito
da plataforma web, questionando-se os inquiridos se costumavam ou
não praticá-las, e em que locais o faziam. Posteriormente, a fim de siste-
matizar a informação recolhida, agruparam-se essas actividades em nove
grandes domínios de utilização, possibilitando assim a construção de
uma tipologia de usos da internet e a sua análise por relação à diversida-
de social dos cibernautas.

164
Quadro 4.14 Actividades realizadas utilizando a internet ou o correio electrónico,
organizadas segundo domínios de uso (%*)

Actividades que realiza utilizando a internet ou o correio electrónico % (n=699)


Enviar ou receber mensagens de correio electrónico 73,3
Domínio de lazer
Navegar pela internet sem objectivos concretos 64,9
Descarregar músicas da internet 34,1
Pesquisar informação sobre espectáculos programados 30,7
Jogar videojogos pela internet 21,2
Ver sítios pornográficos de adultos 10,0
Domínio prático
Pesquisar informação sobre viagens 28,4
Pesquisar informação sobre serviços públicos 28,2
Pesquisar informação sobre a sua cidade 28,0
Realizar operações com o seu banco 24,3
Pesquisar informação sobre saúde 18,3
Pesquisar receitas de cozinha 10,1
Procurar casa/apartamento 7,0
Organizar as actividades das crianças 2,6
Domínio de sociabilidade
Participar em chats ou newsgroups 39,8
Contactar com amigos quando está desanimado 23,5
Combinar ou marcar saídas com amigos 23,3
Transmitir cartões electrónicos de felicitações 18,8
Transmitir fotografias suas ou da sua família 14,6
Domínio informativo (de índole cultural e educativo)
Consultar bibliotecas, enciclopédias, dicionários, atlas 47,9
Domínio informativo (sobre a actualidade)
Inteirar-se de notícias na imprensa geral 39,3
Inteirar-se de notícias desportivas 28,5
Domínio profissional
Pesquisar informação sobre cursos de formação 24,7
Pesquisar informação sobre a sua associação profissional 16,8
Procurar emprego 12,0
Trabalhar a partir de casa 8,7
Participar em cursos on-line 3,1
Domínio tecnológico
Fazer download de software da rede 28,8
Telefonar através da internet 4,4
Domínio comercial
Comprar livros ou cd 11,5
Comprar ou reservar entradas para espectáculos 10,4
Fazer reservas de viagens/alojamento/alugar um carro 9,5
Comprar outras coisas 9,1
Comprar produtos informáticos 8,4
Comprar ou participar num leilão 3,4
Comprar produtos alimentícios ou de limpeza 1,6
Domínio informativo (de índole político-sindical)
Pesquisar informação política ou sindical 10,1

* Percentagens do número de utilizadores que responderam positivamente a cada uma das actividades, em
relação ao total de utilizadores.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

165
Um aspecto desde logo a salientar é a grande relevância do uso
do correio electrónico, qualquer que seja o local de acesso adoptado
(quadro 4.14). A troca de mensagens através da internet surge como a
principal actividade desenvolvida na rede, sendo referida por quase 3⁄4
dos utilizadores, na maioria dos casos indivíduos com acessos frequentes
à plataforma web. Mas está longe de ser a única. Aliás, é absolutamente
residual o número daqueles que, usando o e-mail, não recorrem a outras
funcionalidades da tecnologia.
Outro dado bastante curioso prende-se com a significativa incidência
da navegação sem objectivos concretos, actividade de algum modo seme-
lhante ao zapping televisivo e que, para além de eventuais intuitos infor-
mativos, se assume também como entretenimento. Citada como prática
corrente por 65% dos cibernautas portugueses, esta é particularmente
comum não só em casa, mas também noutros locais, como a escola, os
cyber-cafés ou outros espaços de acesso público, o que poderia indiciar
tratar-se de uma actividade essencialmente juvenil. Na verdade, não pa-
rece ser esse o caso. É uma actividade absolutamente transversal a todas
as idades e condições sociais, como aliás acontece com a generalidade
dos usos da internet para fins de lazer.
A pesquisa de sítios de bibliotecas ou de enciclopédias e a consulta
on-line de notícias sobre a actualidade assumem também lugar de desta-
que, tendo sido apontadas por, respectivamente, 48% e 40% dos utili-
zadores da internet em Portugal. Este tipo de actividades é comum nos
diversos locais de acesso e relativamente transversal aos diversos grupos
sociais presentes na rede. Já a participação em chats ou newsgroups – prá-
tica igualmente referida por uma percentagem elevada de utilizadores
(cerca de 40%) – é mais usual nas ligações a partir de casa, da escola ou
outros espaços de acesso público. Não apresentando diferenças signifi-
cativas em função da condição socioeconómica, assume-se como uma
actividade mais recorrente entre os jovens e, em particular, entre os do
sexo masculino.
Ainda frequente é a utilização da plataforma web para o download
de músicas e software de rede, bem como para a pesquisa de outro tipo
de informação prática, nomeadamente sobre espectáculos, viagens,
serviços públicos ou cursos de formação. A potenciação dos recursos
da internet para realizar operações bancárias, para combinar encontros
entre amigos e para jogar videojogos, embora menos comum, é também

166
relativamente recorrente entre alguns dos cibernautas portugueses. Já
actividades como a procura de emprego ou casa, o teletrabalho ou ainda
a compra/reserva de bens e serviços através da internet, apresentam um
grau de adesão bem mais reduzido. E outras, como a participação em
cursos on-line, a negociação em leilões, a utilização da tecnologia internet
para organizar actividades com crianças ou efectuar telefonemas tendem
a assumir um carácter residual.
Agrupando as diversas actividades consideradas por domínios gené-
ricos de uso verifica-se assim que, não obstante a intensa utilização da
web com intuitos informativos, a internet está longe de ser, em Portugal
como noutros países, um mero meio de circulação de informação.
É, porventura antes de mais, um espaço de lazer, entretenimento e
sociabilidade, bem como um recurso fortemente mobilizado pelos seus
utilizadores para fins de ordem prática.

Quadro 4.15 Domínios de uso da internet (% de utilizadores que


declararam pelo menos uma actividade no domínio)

Domínios de uso da internet % (n=699)

De lazer 79,6
Práticos 59,9
De sociabilidade 57,6
Informativos (de índole cultural e educativa) 47,9
Informativos (sobre a actualidade) 46,4
Profissionais 43,4
Tecnológicos 30,0
Comerciais 26,7
Informativos (de índole político-sindical) 10,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O peso relativo dos cibernautas que declaram realizar pesquisas


visando a recolha de informação cultural ou educativa ou a consulta de
notícias sobre a actualidade ronda os 47%. Mas a percentagem daqueles
que desenvolvem pelo menos uma actividade de lazer no âmbito da

167
rede é muito superior (perto de 80%), o mesmo se passando, embora
com menor incidência, quanto à utilização dos recursos da web para a
mobilização de informações práticas (60%) ou para fins de sociabilidade
(58%). Já as utilizações de carácter mais estritamente tecnológico – como
é o caso do download de software – e aquelas que remetem para práticas
comerciais – compra/reserva de bens e serviços através de comércio
electrónico – apresentam uma difusão bastante mais restrita.
Contudo, este cenário está longe de ser uniforme entre todos os ciber-
nautas. Como em muitas outras esferas da vida social, também as práticas
de uso da internet se apresentam, em vários casos, claramente relaciona-
das com a posição dos indivíduos na estrutura social. Apenas os usos de
lazer tendem a fugir a essa regularidade, apresentando-se – pelo menos
numa primeira abordagem – como os mais indiscriminados usos da in-
ternet em Portugal. Tal deve-se, em particular, à transversalidade de activi-
dades como a navegação sem fins concretos ou a pesquisa de informação
sobre espectáculos. Outras práticas de lazer, como é o caso em particular
da realização de jogos de vídeo através da internet, apresentam já uma
forte distinção etária e sexual. Os cibernautas que mais declaram este tipo
de utilização são os mais jovens, em especial, do sexo masculino.
Como noutras práticas culturais, a idade surge como um factor de
grande importância na análise dos usos da internet, muito em particular
quando associada a diferentes condições perante o trabalho. Veja-se o
caso particular dos jovens estudantes, cujas práticas de utilização deste
tipo de recursos se diferencia bastante, em muitos aspectos, das desen-
volvidas por indivíduos mais velhos, especialmente se já afastados da
esfera profissional.
O exemplo mais paradigmático de tal diferenciação são os usos rela-
cionados com a sociabilidade, muito mais significativos entre os jovens
do que entre os mais velhos. Mais de 2/3 dos cibernautas com menos de
30 anos declaram realizar pelo menos uma actividade de sociabilidade
com recurso à internet, percentagem que desce para menos de metade
entre os maiores de 50 anos. A distinção não se dá tanto no que toca
a práticas como a troca de fotografias ou de cartões electrónicos de fe-
licitações, mas acentua-se no que respeita à participação em chats ou à
utilização do correio electrónico para combinar encontros entre amigos.
Tal estará eventualmente associado a uma maior predisposição, da parte
dos jovens, para estabelecer novos contactos e à própria probabilidade
de participação dos pares na internet – menor entre os mais velhos.

168
Quadro 4.16 Incidência dos domínios de uso, segundo escalões etários, níveis de
escolaridade, sexo, condição perante o trabalho e categoria socioprofissional (% de
utilizadores que declararam pelo menos uma actividade no domínio)

Informativo Informativo
De socia- Informativo
De lazer Prático (cultural e Profissional Tecnológico Comercial (politico-
bilidade (actualidade)
educativo) sindical)

Escalões etários p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01

15-29 anos 81,8 49,8 64,1 47,2 45,3 37,8 30,8 25,2 6,3

30-49 anos 76,8 76,3 50,9 49,6 47,1 55,7 31,1 30,3 16,7

50 e mais anos 74,4 74,4 27,9 46,5 53,5 34,9 15,9 25,6 11,6

Sexo p<0.02 p<0.01 p<0.01 p<0.01

Masculino 81,8 61,8 61,3 46,8 54,6 42,6 38,9 32,9 10,9

Feminino 76,5 57,2 52,3 49,3 35,4 44,3 17,9 18,5 9,1

Nível de
escolaridade p<0.01 p<0.04 p<0.01 p<0.05 p<0.01 p<0.01
(completo)

Superior 77,8 72,9 56,5 54,8 48,8 64,7 31,4 33,9 20,6

Secundário 78,4 68,0 60,9 48,2 45,0 40,6 34,9 30,6 7,3

Básico 81,7 44,6 55,5 42,8 45,9 31,4 25,1 18,9 5,4

Condição perante
p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.03 p<0.02 p<0.01
o trabalho

Estudantes 83,8 39,1 73,2 65,9 40,8 29,6 34,3 24,2 3,9

Activos 78,0 67,2 53,9 42,1 48,6 48,5 29,5 28,9 12,6

Reformados
ou outros 79,3 63,3 20,7 34,5 44,8 41,4 10,3 6,7 3,4
inactivos

Categoria
p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01
socioprofissional *

Empresários,
dirigentes e
profissões
75,9 85,9 56,4 47,4 49,4 56,4 38,0 44,9 21,5
liberais

Profissionais
técnicos e de
enquadra-
77,3 75,6 55,7 55,1 52,0 61,9 29,0 30,5 19,2
mento

Empregados
executantes
77,0 57,8 53,7 37,5 42,6 37,0 29,6 22,8 6,6

Operários
industriais
86,6 48,2 41,5 30,1 50,0 41,5 24,1 22,0 3,7

* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalha-
dores independentes, agricultores independentes, assalariados agrícolas.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

169
Pelo contrário, os usos relacionados com aspectos práticos da vida
quotidiana, como a realização de operações bancárias através da internet
e a pesquisa sobre aspectos relacionados com a saúde, viagens ou servi-
ços públicos, assumem particular relevância entre os mais velhos, inclu-
sivamente entre os de idade mais avançada. O mesmo se passa, tal como
seria de esperar, no que respeita aos usos profissionais, associados mais
directamente à população de meia-idade, com uma participação mais
activa no universo do trabalho. Já as actividades de índole informativa,
quer sobre temas da actualidade, quer sobre questões culturais ou educa-
tivas, tendem a assumir-se como transversais aos diversos grupos etários.
Embora se verifique uma especial incidência de usos para fins educativos
entre os estudantes, está longe de se poder afirmar que os mais velhos
deixam de desenvolver esse tipo de pesquisas. Da mesma forma, não
obstante a considerável importância do recurso à internet para consulta
de jornais on-line entre os cibernautas de mais idade, muitos dos jovens
demonstram interesse semelhante por esse tipo de actividade.
A idade não é o único factor preponderante na compreensão do tipo
de utilização que os cibernautas fazem dos recursos ao seu dispor na inter-
net. Também neste ponto o nível de qualificação académica e profissional
se afirma como determinante. Se no caso dos usos lúdicos e de sociabili-
dade, ou mesmo nos relacionados com a busca de informação sobre a ac-
tualidade, este é tendencialmente irrelevante, já no que toca aos restantes
assume uma importância decisiva. Veja-se o caso dos usos relacionados
com a esfera profissional, referidos por quase 65% dos cibernautas com
diplomas do ensino superior e apenas por pouco mais de 30% daqueles
que nunca chegaram a frequentar ou completar o ensino secundário.
É neste âmbito particularmente significativo, por exemplo, o recurso ao
tele-trabalho. Embora relativamente reduzido em Portugal, este recurso é
citado por 15% dos utilizadores licenciados, três vezes mais do que entre
os cibernautas com o nível básico de escolaridade ou menos.
O mesmo se verifica a respeito da utilização para fins mais instru-
mentais. Os usos práticos são citados por cerca de 75% dos utilizadores
inseridos profissionalmente como profissionais técnicos e de enquadra-
mento, percentagem que atinge inclusivamente níveis superiores entre
os empresários, dirigentes e profissionais liberais e que não vai além
dos 50% entre os operários industriais. Também o recurso ao comércio
electrónico é muito mais comum entre os mais qualificados. Mas tal

170
distinção não parece prender-se exclusivamente à existência de níveis de
rendimento diferenciados ou à maior expansão dos consumos entre os
mais qualificados, regra geral com maior poder de compra e com práti-
cas culturais mais diversificadas. Isto porque as diferenças são patentes
não só a respeito das pesquisas sobre viagens, da compra on-line de bilhe-
tes para espectáculos, livros, CDs e outros produtos, ou da realização de
operações bancárias. São também verificáveis no que toca à recolha de
informação sobre aspectos relacionados com a saúde, sobre os serviços
públicos, ou ainda sobre assuntos de índole político-sindical, temas em
princípio de interesse transversal a boa parte da população.
Melhores níveis de escolaridade, uma maior familiarização com as
novas tecnologias e com os processos de tratamento da informação em
geral parecem favorecer um melhor conhecimento das potencialidades
da internet e uma maior confiança no sistema, para além de beneficiarem
também, em termos gerais, a adopção de estratégias de maior autonomia
pessoal e maior participação nas diversas esferas da vida social. Estes
indivíduos encontram assim na internet algumas respostas para as suas
necessidades e interesses específicos, menos significativas para os menos
qualificados. Assim se compreende também a menor incidência, entre
estes últimos, de usos da plataforma web relacionados com a recolha de
informação educativa e cultural, em consonância com o que acontece
com a leitura de livros, jornais e revistas ou com outros consumos cultu-
rais. A incidência de pesquisas em sites de bibliotecas, enciclopédias ou
outros sítios de informação científico-cultural é bastante mais reduzida
entre os cibernautas com níveis mais baixos de escolaridade do que entre
os restantes. E há ainda a considerar que muitos destes utilizadores me-
nos qualificados são jovens estudantes, que ainda não finalizaram o seu
percurso de escolarização. Considerando, por exemplo, os cibernautas
com inserções profissionais ao nível do operariado industrial, os níveis
de adesão a este tipo de usos são ainda inferiores (30%), e resultantes
mais do interesse dos jovens do que dos mais velhos.
Quanto às diferenças de género, tendem a ser pouco significativas
ou mesmo irrelevantes nos domínios mais generalizados de utilização da
internet. As ligeiras diferenças no que respeita aos usos de sociabilidade
e à procura de informações sobre a actualidade reflectem, por um lado,
a fraca incidência entre as mulheres da participação em fóruns e, por
outro, a sua fraca adesão a sites de jornais desportivos, muito mais forte

171
entre os homens de todas as idades e condições sociais. Distinções im-
portantes manifestam-se contudo na realização de actividades de índole
tecnológica, como o download de software, e no recurso a serviços de co-
mércio electrónico. As mulheres apresentam um afastamento bastante
mais acentuado do que os homens face a este tipo de utilizações, facto
associado ao seu menor grau de familiarização, em geral, com as funcio-
nalidades mais complexas da internet.
Assim sendo, em termos gerais, poder-se-á considerar alguma diversi-
dade de usos da internet em Portugal, em especial entre os cibernautas
que acedem à rede a partir de vários locais e que o fazem há mais tempo.
As ligações a partir de casa apresentam-se como as que potenciam prá-
ticas de utilização mais variadas, ao contrário do que tende a acontecer
nos locais de trabalho. Nestes espaços a utilização circunscreve-se mais
fortemente ao uso do correio electrónico e à pesquisa de informações
práticas (ex. sobre serviços públicos) ou de índole técnico-científica. Tal
não obriga, contudo, a que os acessos em contextos de trabalho sejam
exclusivamente pautados por motivos de ordem profissional. Cerca de
34% dos que referiram aceder à internet no trabalho admitem fazê-lo
por motivos pessoais pelos menos uma vez por dia.
A relativa diversidade de usos não invalida, por seu turno, que se re-
giste também alguma concentração da generalidade dos utilizadores em
torno das actividades mais comuns, como a troca de e-mails, a navegação
sem fins definidos ou a pesquisa de informação sobre a actualidade ou
sobre questões culturais/educativas. Estas parecem constituir uma base
de utilização genérica, à qual os cibernautas mais experientes e qualifica-
dos, ou nalguns casos os mais jovens, adicionam outro tipo de práticas,
menos usuais.
Na globalidade, cerca de 37% dos utilizadores portugueses restrin-
gem o seu uso da internet a 4 actividades, regra geral precisamente as
anteriormente citadas como mais triviais. A maioria (44%) declara entre
5 a 12 actividades, não chegando assim a 20% o peso relativo daqueles
que indicam usos mais diversificados. Estes não são necessariamente os
mais jovens – a idade não apresenta qualquer relação significativa com
a diversidade dos usos. Tendem a ser mais frequentemente homens do
que mulheres, o que pode eventualmente estar associado ao facto de
despenderem mais tempo nas suas navegações na rede e terem, regra
geral, um leque mais diversificado de competências de utilização das di-
versas potencialidades da web. Mas, acima de tudo, são cibernautas com

172
experiências mais antigas de contacto com a internet, mais escolarizados
e qualificados do ponto de vista profissional.
A ausência de qualificações mais significativas não se apresenta assim
apenas como uma barreira à difusão do uso da internet na população
em geral, ou como obstáculo ao acesso destes cibernautas à rede em locais
que permitam uma utilização mais intensiva. Acaba por ser igualmente
uma inibição no desenvolvimento de usos mais diversificados, quer por-
que indicia uma menor familiarização com as novas tecnologias e com
os processos de pesquisa, tratamento e mobilização de informação, quer
também porque está em geral associada a menores índices de autonomia,
a maiores restrições no consumo e a interesses culturais menos diferencia-
dos. Em boa medida, as práticas de uso da internet reflectem as restantes
práticas sociais dos indivíduos em causa, transpondo-se para o universo
da rede a intensa sociabilidade dos jovens, a procura de instrumentos de
formação e cultura dos mais qualificados ou os padrões de consumo dos
cibernautas de idade mais avançada e com maior poder de compra.
Pelo seu carácter mediático, alvo de intenso debate nas sociedades
contemporâneas, merece uma última referência o uso da internet com
o objectivo de aceder a sites de natureza pornográfica. Sabe-se que o
material pornográfico é abundante no espaço da web – à semelhança
do que acontece, muito provavelmente, noutros media. E que o acesso
a este tipo de conteúdos através da internet é bastante fácil, sendo, pelo
contrário, consideravelmente difícil o controlo da sua difusão.
Ainda assim, em Portugal, o nível (declarado) de adesão a sites com
pornografia de adultos é relativamente reduzido. Representam cerca
de 10% os utilizadores que admitiram aceder a páginas desta natureza,
regra geral em casa ou em locais de acesso público. É provável que este
valor esteja subdimensionado, em virtude do possível constrangimento
suscitado por uma resposta positiva. É grande a sua distância face à ideia
generalizada de que este tipo de consumo está fortemente difundido
na sociedade. Basta referir que ascendem a 75% os cibernautas que
concordam com a afirmação “muita gente utiliza a internet para ver por-
nografia de adultos”, verificando-se que esta percepção é independente
do género, idade, nível de escolaridade ou categoria socioprofissional
dos inquiridos. Já no que toca à implementação de restrições no acesso
a este tipo de conteúdos, as opiniões não são totalmente consensuais.
Apesar de a maioria (cerca de metade) defender a proibição do acesso

173
à pornografia de adultos a menores de 18 anos, 25% consideram que
todos são livres para ver o que desejam na internet e 18% manifestam
posição contrária, advogando a proibição total da pornografia na rede.
As mulheres são aquelas que tendem a manifestar uma posição mais
proibicionista, sendo também neste ponto irrelevantes as distinções em
função da idade ou da condição social.
Importa então tentar averiguar quem são os cibernautas que de-
claram usos pornográficos da internet. Embora os reduzidos valores
absolutos exijam alguma precaução na análise, torna-se evidente a maior
adesão a este tipo de práticas por parte dos homens. Eles representam
mais de 90% dos utilizadores com consumos pornográficos no espaço
da web. O nível de educação formal não exerce uma influência clara
sobre este fenómeno, o mesmo se passando quanto ao tipo de inserção
socioprofissional. Também a idade parece relativamente irrelevante: os
níveis mais elevados encontram-se nos escalões etários dos 20 aos 40
anos, mas a distinção face aos restantes é ténue, pouco significativa do
ponto de vista estatístico. Ou seja, é particularmente difícil encontrar
um perfil social tipo do utilizador (declarado) de conteúdos pornográfi-
cos na internet, que permita uma melhor compreensão do fenómeno.
Um único traço emerge da análise – o carácter fundamentalmente
masculino da prática – em conformidade com o que se passa noutros
consumos deste género.

E os não utilizadores?
Obstáculos e resistências face ao universo web

Caracterizados os perfis de uso da internet em Portugal e seus pro-


tagonistas, merecem uma última referência os não utilizadores, procu-
rando-se essencialmente compreender o seu grau de distanciamento em
relação a este novo media e os motivos de tal afastamento.
Na sociedade contemporânea, a não participação na rede está longe
de significar necessariamente um total desconhecimento sobre o tema.
Cerca de 2/3 daqueles que se identificam como não utilizadores consi-
deram saber do que se trata e, conforme referido no capítulo anterior,
quase 10% chegam mesmo a admitir ter já usado este recurso de forma
pontual. Ainda assim, a generalidade (mais de 80%) refere nunca ter

174
contactado directamente com informação ou documentação retirada
da internet, por um amigo ou familiar, nem ter solicitado que alguém
o fizesse. Mais de 90% não dispõe de acesso à rede no seu agregado
doméstico, representando pois uma escassa minoria aqueles que, tendo
hipótese de se ligar à internet a partir de casa, não o fazem. Nestes casos,
a decisão da instalação deste equipamento no espaço doméstico não foi,
regra geral, da sua responsabilidade, sendo o facto de não usufruírem
deste recurso justificado pela ausência de conhecimentos sobre o seu
funcionamento ou de disponibilidade para aprender a usá-lo, mais do
que por um total desinteresse ou desconfiança em relação à utilidade
deste novo media.
Em termos gerais, a principal razão apontada para a não utilização
da internet prende-se com a falta de recursos materiais, nomeadamente
com a ausência, nos contextos da vida quotidiana, dos equipamentos
necessários para ligação à rede, ou com o seu elevado custo (quadro
4.17). A escassez de competências para usar o sistema é também um
obstáculo significativo, citado por 23% daqueles que nunca utilizaram
a internet em Portugal. Ainda relevante é uma certa desconfiança em
relação à efectiva utilidade deste novo media, decorrente quer da ausên-
cia de conhecimentos sobre o tema, quer também, embora de forma
menos representativa, de um mais directo desinteresse ou convicção da
inutilidade deste tipo de recursos tecnológicos. A falta de tempo para de-
dicar a estas actividades não chega a ser citada por mais de 10% dos não
utilizadores, sendo outro tipo de argumentos, como o risco de pirataria
informática ou a lentidão dos acessos à rede, totalmente inexpressivos.
O grau de afastamento dos não utilizadores da internet em relação
a este media, ou os motivos de tal distanciamento, estão contudo longe
de ser homogéneos entre esta população. Pelo contrário, mais uma vez
se afirmam decisivas algumas distinções de carácter educacional e ge-
racional. Entre os jovens dos 15 aos 30 anos que não se identificaram
como utilizadores da internet, 23% usaram-na já de forma pontual e a
grande maioria considera saber exactamente do que se trata. Tais valores
descem significativamente à medida que aumenta a idade, sendo inex-
pressivo, entre estes não utilizadores, o número de indivíduos com 50 e
mais anos que alguma vez contactou com este tipo de tecnologia ou, pelo
contrário, bastante considerável o daqueles que, nesta faixa etária, não
têm uma ideia clara sobre o que pode ser a internet (cerca de metade).

175
Para os mais jovens o motivo do seu afastamento face à internet prende-
-se maioritariamente com a escassez de recursos materiais e económicos
(61%); entre os de meia-idade, para além desta, há ainda a considerar
a falta de competências adquiridas para lidar com este tipo de equipa-
mentos e a falta de tempo para proceder a essa aprendizagem; já entre
os mais velhos emergem com especial importância, a par dos restantes,
argumentos ligados ao desconhecimento e desconfiança sobre a even-
tual utilidade deste tipo de tecnologias.

Quadro 4.17 Motivos da não utilização da internet

Qual o principal motivo pelo qual não utiliza


n %
a internet?
Ausência de equipamento / Custo elevado 669 40,1
Desconhecimento sobre modo de funcionamento da internet 385 23,1
Desconhecimento sobre utilidade da internet 223 13,3
Desinteresse / Percepção de inutilidade 166 9,9
Falta de tempo 152 9,1
Por outro motivo 32 1,9
Não sabe / não responde 43 2,6
Total 1670 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Os obstáculos à difusão da internet em Portugal não serão assim os


mesmos para toda a população. Se para os mais novos a ausência de
competências e motivações para a utilização das novas tecnologias não
parece ser uma limitação, já para os restantes essa ausência assume-se
como uma dificuldade acrescida – particularmente grave entre os indi-
víduos com menores recursos escolares, em especial entre aqueles que
completaram apenas o 1º ciclo do ensino básico ou menos. Ao contrário
do que acontece quanto às distinções de género, sem qualquer relevância
estatística neste contexto, o grau académico é também aqui uma variá-
vel determinante. Mais de metade dos não utilizadores da internet que
beneficiaram somente de 4 ou menos anos de escolaridade consideram

176
não saber exactamente o que é esta nova tecnologia, embora a maioria
já tenha ouvido fala dela. Entre os restantes tal desconhecimento é bas-
tante inferior, rondando os 25% para os que completaram o 2º ciclo do
ensino básico e atingindo perto de 10% entre todos os outros.

Quadro 4.18 Perspectivas quanto à futura utilização da internet (%)

Não sabe
Acha que um dia virá a
Sim Talvez Não / não Total
utilizar a internet?
responde
Escalões etários (p<0,01)

15-29 anos 44,1 40,2 11,1 4,6 100,0 n=325

30-49 anos 26,9 39,9 25,8 7,4 100,0 n=579

50 ou mais anos 6,2 16,0 73,5 4,3 100,0 n=766


Níveis de escolaridade
(completos) (p<0,01)
Ensino superior 46,8 33,6 17,9 1,8 100,0 n=63

Ensino secundário 40,0 42,5 14,2 3,3 100,0 n=134

3º Ciclo do ensino básico 39,6 37,7 18,8 3,8 100,0 n=286

2º Ciclo do ensino básico 27,3 41,5 22,9 8,3 100,0 n=354

1º Ciclo do ensino básico 8,3 22,3 62,9 6,5 100,0 n=649

Sem escolaridade 0,0 3,6 94,6 1,8 100,0 n=185


Categoria socioprofissional
(p<0,01)
Empresários, dirigentes e
28,2 28,8 37,4 5,6 100,0 n=128
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
42,5 41,7 14,4 1,4 100,0 n=79
enquadramento
Trabalhadores
18,2 27,0 48,1 6,6 100,0 n=167
independentes
Agricultores e assalariados
5,4 12,1 77,1 5,4 100,0 n=92
agrícolas
Empregados executantes 22,8 38,0 32,2 7,1 100,0 n=336

Operários industriais 17,7 27,2 49,7 5,4 100,0 n=683

Total 20,8 29,0 44,8 5,5 100,0 n=1670

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

177
Os argumentos que justificam o afastamento em relação a este novo
media são assim claramente diferenciados em função das qualificações
académicas e profissionais. Para os mais qualificados, os argumentos ma-
nifestados prendem-se não tanto com a falta de competências mas antes
com a dificuldade de acesso aos equipamentos necessários à ligação à
rede ou com a falta de tempo para esse tipo de actividades. Esta ten-
dência verifica-se tanto em homens como mulheres, sendo igualmente
independente da idade. Já entre os restantes trabalhadores as principais
dificuldades parecem começar logo na ausência de competências e, em
particular entre os agricultores e trabalhadores agrícolas, no desconheci-
mento sobre a eventual utilidade da internet.
Neste contexto, as perspectivas destes indivíduos virem a ter uma
participação directa no universo da internet são também fortemente
diferenciadas. Em termos gerais, cerca de 20% dos não utilizadores da
internet afirmaram claramente ter a intenção de vir a utilizar este meio
de comunicação, representando quase 30% aqueles que, não tendo
igual certeza, consideraram no entanto esta hipótese como provável
(quadro 4.18).
Contudo, quase 45% põem de lado tal cenário, pensando que nunca
virão a utilizar esta nova tecnologia. Esta posição é, em conformidade
com os dados anteriormente apresentados, particularmente comum
entre os indivíduos de idade mais avançada, entre aqueles que nunca
completaram qualquer grau académico ou que concluíram apenas o 1º
ciclo do ensino básico, entre os agricultores e trabalhadores agrícolas, e
ainda entre boa parte dos operários industriais, nomeadamente os mais
velhos e menos qualificados.
Essas são assim as faixas da população mais fortemente afastadas
de qualquer participação directa na rede. Muitos dos restantes poder-
-se-ão considerar como potenciais utilizadores da internet num futuro
próximo, abrindo assim perspectivas relativamente positivas quanto ao
alargamento da sociedade em rede em Portugal, num processo participa-
do tanto por homens como por mulheres e do qual os mais velhos não
estarão certamente arredados.

178
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 5
Redes de sociabilidade, internet e quotidiano

A
análise das relações de sociabilidade na sociedade em rede ocu-
pa um lugar de destaque na conceptualização teórica desta for-
ma de organização social. Discutem-se, não raras vezes, alguns
perigos decorrentes da utilização da internet que se relacionam com o
isolamento dos indivíduos, com a quebra dos vínculos sociais, com a
atomização e individualização crescentes nas sociedades modernas. Se
no início do aparecimento da internet certas constatações pareciam
fazer sentido, hoje em dia a hipótese mais testada e validada em todas
as pesquisas é a de que a web favorece as relações de sociabilidade, ao
contrário do que se pensava até há bem pouco tempo.
As pesquisas desenvolvidas em vários países (Castells e outros, 2003;
Wellman e Haythornthwaite, 2002) evidenciam claramente que a inter-
net não só tem um efeito multiplicador dos contactos estabelecidos com
a família e os amigos, independentemente do local do mundo onde
estejam, como também é entre os utilizadores que se verificam menores
ocorrências da sensação de estar isolado do mundo ou deprimido.
Ora, estas evidências empíricas derrubam os argumentos mais super-
ficiais sobre os supostos “perigos” da internet relacionados com o iso-
lamento social e com a individualização na sociedade em rede. Alguns
autores vão até mais longe quando afirmam que a internet tem o efeito
notável de reunir ou reforçar as relações sociais de dois espaços físicos
diferentes – o real e o virtual. E esta dimensão é, sem dúvida, uma das
consequências do aparecimento e uso da internet, e por conseguinte,
uma característica indissociável da sociedade em rede. A combinação
das formas de relacionamento presencial e virtual é uma das grandes
mudanças que se fica a dever à internet, mas no sentido da acumulação
e não da substituição de umas pelas outras.

179
Como são então as redes de sociabilidade na sociedade portuguesa?
Quais as interferências do uso da internet na amplitude, densidade e
intensidade dessas redes? Que impactos tem a utilização da internet
na qualidade de vida dos indivíduos? Diminuem as actividades em
casa com a família e os filhos depois da introdução do uso da internet?
Constitui a internet, em Portugal, um elemento de perigo, conduzindo
ao isolamento social ou à depressão individual?
A pesquisa realizada permite responder a estas e outras questões que
se podem colocar acerca das sociabilidades dos portugueses. E será, pois,
com esse objectivo que se desenvolverá este capítulo.

A estabilidade emocional dos portugueses

Um dos alarmes invocados com alguma frequência sobre o uso da


internet é o do risco de um crescente isolamento social dos seus utiliza-
dores. Quando questionados sobre este aspecto, 82% dos portugueses
refere que, no último ano, manteve-se igual a sensação de estar isolado
do resto das pessoas, valor aliás muito semelhante ao expresso pelos
catalães (Castells e outros, 2003: 169). São cerca de 9% quer os que
afirmam ter diminuído quer aqueles que referem ter aumentado essa
sensação. Em ambos os casos valores com pouco significado, já que a
grande maioria não indica qualquer alteração na sua sensação de iso-
lamento. Significativo é que a tendência para uma menor sensação de
isolamento é superior entre os utilizadores de internet (11,2% afirmam
que diminuiu), enquanto que pelo contrário entre os que não utilizam
a web regista-se um maior número de pessoas que referem sentir-se mais
isoladas (9,9%) (quadro 5.1).
Quanto à sensação de estar deprimido, uma grande maioria refere
também não ter ocorrido qualquer alteração (77,8%), sendo agora 11,9%
os que declararam ter aumentado o sentimento de depressão e 10,3%
os que referiram sentir-se menos deprimidos durante o último ano. Mais
uma vez valores muito idênticos aos encontrados na Catalunha (Castells
e outros, 2003: 169). São os utilizadores de internet que referem mais que
essa sensação diminuiu durante o último ano (13,6%) enquanto que os
não utilizadores afirmam que se sentiram mais deprimidos (14,1%).

180
A sensação de estar desesperado manteve-se também inalterável
durante o último ano para uma significativa maioria dos portugueses
(81,9%), tendo 9,9% referido que diminuiu e 8,2% afirmado que au-
mentou. Já na Catalunha, são 24,2% os que responderam ter aumen-
tado a sensação de desespero no último ano (Castells e outros, 2003:
169), sendo menor o valor dos que afirmaram não ter registado qualquer
alteração nesta sensação. No que se refere à sensação de desespero, a ten-
dência mantém-se como nos três últimos indicadores – é no conjunto
dos não utilizadores que surge um maior número de declarações relati-
vas a um aumento (9,2%) e uma maior percentagem de cibernautas que
afirmam que diminuiu (11,2%).

Quadro 5.1 Evolução da sensação de desespero, depressão e isolamento, segundo


utilização da internet

Evolução da sensação de Utilizadores Não utilizadores Total


desespero, depressão e
isolamento n % n % n %
Aumentou 41 5,8 159 9,2 200 8,2
Desespero
Igual 590 83,0 1416 81,4 2006 81,9
(p<0,02)
Diminuiu 80 11,2 164 9,4 243 9,9
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0
Aumentou 41 5,7 172 9,9 213 8,7
Isolamento
Igual 590 83,0 1419 81,6 2009 82,0
(p<0,01)
Diminuiu 80 11,2 148 8,5 227 9,3
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0
Aumentou 46 6,5 246 14,1 292 11,9
Depressão
Igual 568 79,9 1338 77,0 1906 77,8
(p<0,01)
Diminuiu 97 13,6 155 8,9 251 10,3
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Estes dados mostram claramente que se a internet introduz algumas


modificações no estado de ânimo das pessoas, na maioria dos casos elas
são percepcionadas como algo positivo (quadro 5.1). A explicação da
relação entre as percepções de bem-estar dos indivíduos e a utilização
da internet ficará porventura a dever-se também a outros factores sociais

181
que caracterizam os não utilizadores, como a idade, a escolaridade, o
rendimento, ou seja, as condições sociais de existência em geral.
Como se constatou, na generalidade os portugueses demonstram uma
grande estabilidade relativamente à evolução das sensações de desespero,
isolamento ou depressão. E, na maioria das vezes, o uso da internet apare-
ce como um factor propiciador da diminuição dessas sensações negativas.
Como forma de aprofundar a questão do isolamento social tantas
vezes atribuído aos cibernautas, questionaram-se os portugueses sobre
a existência de pessoas que se queixavam de não os(as) ver vezes sufi-
cientes. Um terço respondeu afirmativamente (33,1%), sendo que as
pessoas que mais se queixam são: a família (sem ter em conta o agregado
doméstico) – 18% – e os amigos – 17,4%. Valores residuais aparecem nas
categorias que indiciam uma maior proximidade quotidiana, como o
cônjuge (1,4%), ou as pessoas que compõem o agregado doméstico (2%).
De notar ainda que as queixas dos cônjuges, das pessoas de casa e dos
amigos adquirem maiores percentagens entre os utilizadores de internet.
Já no caso dos protestos serem provenientes de outras pessoas da família
são-no, comparativamente, em maior número nos não utilizadores.
Mas se, em geral, há uma grande disponibilidade dos portugueses
para as pessoas com quem vivem, procurou-se ainda saber as evoluções
registadas em vários aspectos da vida familiar, tais como, as conversas,
as zangas e as actividades realizadas com os filhos. De salientar que a
grande maioria dos indivíduos demonstra uma grande estabilidade
nas conversas que mantém com membros do agregado (81,7%) ou na
ocorrência de zangas em casa (84,3%), bem como nas actividades que
realiza com os filhos (67,2%). São, contudo, estas últimas que maiores
alterações sofrem, tendo cerca de 17,7% dos inquiridos afirmado que
aumentaram e 15,1% que diminuíram.
As conversas com os membros do agregado registam um aumento quer
entre utilizadores (17,0%) quer entre não utilizadores de internet (10,7%),
com uma percentagem superior para os primeiros. Quanto aos conflitos
em casa, a tendência é contrária, ou seja, em ambos os grupos houve uma
diminuição destas situações durante o último ano. No que respeita às
actividades com os filhos, é entre os utilizadores de internet que a decla-
ração de terem aumentado surge com uma maior expressão – são 27,8%
os que referem que tal aconteceu no último ano (quadro 5.2).

182
Quadro 5.2 Evolução do convívio com os membros do agregado doméstico, segundo
utilização da internet

Evolução do convívio com os Utilizadores Não utilizadores Total


membros do agregado doméstico n % n % n %

Aumentaram 121 17,0 186 10,7 307 12,5


Conversas
Iguais 539 75,8 1463 84,1 2003 81,7
p<0,01)
Diminuíram 51 7,2 90 5,2 141 5,8

Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Aumentaram 42 5,9 65 3,7 107 4,4


Zangas em casa
Iguais 584 82,1 1483 85,3 2067 84,3
(p<0,04)
Diminuíram 85 12,0 190 11,0 276 11,3

Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Aumentaram 77 27,8 176 15,3 253 17,7


Actividades
com os filhos Iguais 175 63,2 783 68,1 958 67,2
(p<0,01)
Diminuíram 25 9,0 191 16,6 216 15,1

Total 278 100,0 1149 100,0 1427 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Pode concluir-se, portanto, que a internet não tem um efeito nega-


tivo sobre as sociabilidades quotidianas dos portugueses. Em todos os
indicadores analisados, não surgiu nem um efeito de isolamento social
pelo uso da internet nem de diminuição da disponibilidade dos ciber-
nautas portugueses para a sua família, amigos ou outras actividades.
Pelo contrário, os relacionamentos sociais tendem a reforçar-se entre
os utilizadores da internet. A tendência vai no mesmo sentido do que
outras pesquisas internacionais têm vindo a apresentar sobre utilização
da internet, quotidiano e sociabilidades.

Os relacionamentos vicinais em Portugal

As intensas transformações sociais verificadas ao longo das últimas


décadas nos modos de vida e nas formas de povoamento, com as actuais
grandes concentrações urbanas, conduziram à vulgarização da ideia de

183
que as relações sociais de proximidade, nomeadamente entre vizinhos,
seriam uma realidade em extinção, sobrevivente apenas, praticamente,
na memória de um passado de bairros antigos, nas cidades, e de aldeias
camponesas, no espaço rural. De tal modo assim é que passou a ser dado
como assente ser a relação entre vizinhos, hoje em dia, predominante-
mente de distância e impessoalidade, pelo menos nos grandes centros
urbanos. Mas será que é isso que acontece na realidade? Até que ponto?
Em que sentido, e com que intensidade, têm vindo a dar-se as alterações
nos relacionamentos vicinais?
Na verdade, na sociedade portuguesa, assim como noutras, designa-
damente da Europa do Sul (Castells e outros, 2003), encontram-se redes
não menosprezáveis de relacionamento de proximidade. São 29,7% os
portugueses que referem receber os seus vizinhos em casa diariamente; e
33,7% afirmam fazê-lo pelo menos uma vez por semana. Como seria de
esperar, dada justamente a proximidade física, os contactos telefónicos
com vizinhos são muito menos frequentes, sendo que 63,7% admitem
que nunca o fazem ou apenas mais raramente. E no que respeita aos
contactos através do correio electrónico os valores são residuais, não
podendo sequer ser analisados.
Em média, cada português relaciona-se e/ou pede pequenos favores
a cerca de 1,9 vizinhos. Semanalmente, são os utilizadores de internet
que referem receber mais vezes os seus vizinhos (38,6%), enquanto que
é entre os não utilizadores que são mais frequentes as visitas diárias
(30,7%).

Quadro 5.3 Composição das redes pessoais (média de indivíduos)

Composição das redes Pais Familiares Amigos Vizinhos Total

No mesmo concelho 0,4 14,1 9,7 1,9 26,10

Noutro concelho do mesmo distrito 0,1 6,2 3,6 0 9,9

Noutro distrito 0,11 6,8 2,6 0 9,5

No estrangeiro 0,04 4,5 1,4 0 5,9

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

184
A existência de pelo menos um vizinho com quem se relaciona ou a
quem pede pequenos favores é uma realidade para uma larga maioria da
população portuguesa (78,4%). Na Catalunha, esta realidade abrange
praticamente a totalidade da população (Castells e outros, 2003: 177).
Contrariamente a algumas noções de atomização individual e perda
das relações mais próximas, os dados relativos a Portugal avançam com
números bastante mais elevados do que os que se encontram, por exem-
plo, nos Estados Unidos da América (Putnam, 2000).

Quotidianos familiares
e relações de sociabilidade no agregado doméstico

A utilização de equipamentos tecnológicos tem servido por vezes


de alibi para situações de desestruturação familiar. A televisão, por
exemplo, é frequentemente apontada como um dos principais motivos
para a família já não se reunir à volta da mesa na hora das refeições. Os
computadores e a internet seguem-se-lhe como alegadas razões para ou-
tros problemas. Mas, na realidade, como se caracterizam as relações de
sociabilidade nos agregados domésticos em Portugal?
A esmagadora maioria dos portugueses (83,8%) janta quotidiana-
mente com alguns membros do agregado familiar. E uma significativa
maioria afirma ainda ter jantado com todos os membros do agregado
(59,3%). Em elevadíssima proporção, os portugueses referem nunca ter
jantado sozinhos nos últimos sete dias (78,7%).
São cerca de 3/4 dos utilizadores da internet que afirmam nunca ter
jantado sozinhos (73,7%) ou apenas com alguns membros do agregado
(77,3%). Cerca de metade dos utilizadores (46,4%) afirmam ter jantado
todos os dias da semana com o agregado familiar completo. Estes valores
são todos eles ainda um pouco mais elevados nos não utilizadores da web.
Como se comprova com os números apresentados, as relações de
sociabilidade familiar, para além de bastante densas, não se alteram
significativamente com a introdução do uso da internet. Este indicador
revela, pelo contrário, um grande centramento no agregado doméstico,
pelo menos no que diz respeito às refeições em conjunto.
Aliás, o conjunto de indicadores anteriormente analisado sobre as
actividades em casa revelava já um padrão de grande densidade nas rela-

185
ções de convívio com o agregado doméstico. É muito estável o número
de indivíduos que refere conversar com os membros do agregado domés-
tico ou desenvolver actividades com os filhos no último ano. Números
estes sem grandes oscilações quando comparados utilizadores e não
utilizadores (quadro 5.2).

Relações com os progenitores

Os portugueses têm relações de sociabilidade muito fortes com os


seus progenitores. Tendo a maioria os seus pais e/ou mães vivos – com
uma maior proporção para as mães – e a residirem no mesmo concelho
que os filhos (cerca de 60%), a frequência com que se encontram é diária
(aproximadamente 40%) ou semanal (cerca de 30%).
Tendo esta proporção de contactos pessoais com pais e/ou mães, re-
gista-se ainda uma elevada frequência de contactos telefónicos. Embora
a categoria modal se transfira para “pelo menos uma vez por semana”
– com percentagens próximas dos 40% – são ainda cerca de 20% os
portugueses que contactam telefonicamente todos os dias com os seus
progenitores.
Quanto à utilização da internet nas relações com os pais, e dada a
intensidade dos encontros pessoais e das chamadas telefónicas que com
eles estabelecem, os resultados revelam que os portugueses não aderiram
ainda a este meio de comunicação como forma privilegiada de contacto
com os seus progenitores. São residuais (cerca de 2%) os que admitem
fazê-lo. Este facto pode ficar a dever-se não só à existência de uma rede
densa e intensa de contactos presenciais mas também, porventura, à não
utilização da internet pelos mais velhos, condicionando assim a funcio-
nalidade dessas comunicações. Pode também ser visto como um meio
menos próximo de comunicação, já que, à excepção dos chats, existe em
geral um hiato entre o momento de envio da mensagem e de recepção
da resposta através do correio electrónico.
Sabe-se o valor que a família adquire como constituinte da identida-
de e a importância que lhe é atribuída nas sociedades contemporâneas.
Estes resultados evidenciam, para além disto, um contacto próximo e
frequente da maior parte dos portugueses com os seus progenitores.

186
Relações de sociabilidade familiares

Para além dos pais, são também fortes as redes de relacionamento


com outros familiares. Essa densidade pode ficar a dever-se igualmente à
proximidade de residência. São 90,7% os portugueses que têm pelo me-
nos um familiar a residir no mesmo concelho. Em média têm cerca de
14 familiares a residir no mesmo concelho, e destes relacionam-se com
aproximadamente 12 pessoas.
Mas, se estes resultados relativos à proximidade de residência são
muito elevados para o mesmo concelho, podendo evidenciar de alguma
forma um certo enraizamento territorial, eles coexistem também com
uma grande amplitude das redes familiares dos portugueses. Têm, em
média, 6 familiares que residem noutro concelho do mesmo distrito, 7
noutro distrito e 5 no estrangeiro. Não se podem descurar aqui, como
factores explicativos, quer a importância da forte mobilidade geográfica
interna dos portugueses nas últimas décadas, caracterizadas pelos fluxos
migratórios do interior para o litoral e do rural para o urbano, quer a
intensidade dos movimentos emigratórios, que continuam a registar-se
para os mais diversos locais do mundo, embora actualmente com pa-
drões bastante diferenciados da emigração da década de 60.
Tal como acontece com os progenitores, as relações e os contactos que
estabelecem com outros familiares são bastante intensas. Se, em média,
têm cerca de 14 familiares a residir no mesmo concelho, os portugueses
afirmam que destes se relacionam com aproximadamente 12, como já
foi referido. Esta ligeira diferença surge independentemente dos locais
de residência dos familiares. Considerando o conjunto dos vários locais
de residência, referem, em média, um total de cerca de 32 familiares e
relacionam-se com cerca de 25. Estes dados mostram claramente uma
elevada densidade das redes de relacionamento familiar, que se espelha
na frequência e no meio utilizado para os contactos entre eles.
Assim, mais de um quarto dos portugueses (27,2%) encontra-se to-
dos os dias, pessoalmente, com outros familiares que residem no mesmo
concelho, e 44,7% afirmam fazê-lo pelo menos uma vez por semana.
Estes encontros pessoais tornam-se menos frequentes à medida que a
distância do local de residência aumenta. Para os que residem noutro
concelho do mesmo distrito, o valor modal passa a ser pelo menos uma
vez por mês (45,2%), logo seguido de pelo menos uma vez por semana

187
(24,5%). Em conjunto totalizam uns significativos 70% da população
portuguesa. Para os que residem noutro distrito a categoria em que se
concentra maior número de respostas é pelo menos uma vez por ano
(50,7%), e para os que residem no estrangeiro este valor é de 64,4%.
O argumento já atrás referido da mobilidade interna e externa dos
portugueses explica esta regularidade anual dos encontros pessoais com
outros familiares que residem noutro distrito ou no estrangeiro. São
disto exemplo as férias passadas em Portugal por muitos emigrantes ou
o retorno ao local de naturalidade de muitos portugueses. São 30,6% os
que referem nunca ou mais raramente encontrar-se com os familiares
que residem no estrangeiro. Valor que parece relativamente baixo quan-
do comparado com outros indicadores já apresentados.
Os contactos telefónicos são menos frequentes com os familiares
que residem longe do que com os que vivem mais próximo (quadro
5.4). O telefone é, ainda, significativamente bastante menos utilizado
como meio de comunicação (33,1% usam-no pelo menos uma vez por
semana) em comparação com os encontros pessoais que se desenvol-
vem com os familiares residentes nos mesmos concelhos (71,9%). A
internet também não é um meio de comunicação utilizado com gran-
de regularidade nos contactos com outros familiares, apresentando o
seu valor mais expressivo como meio de comunicação nas interacções
mais distantes (1,7% para os contactos com familiares residentes no
estrangeiro com frequência semanal ou de maior intensidade). Porém,
é no contacto com os amigos que a internet vai adquirindo um maior
significado enquanto meio de comunicação, chegando a atingir valores
perto dos 6% quando se referem as interacções de amizade com quem
vive noutros distritos.
Com os vizinhos são os contactos pessoais que prevalecem (63,4%
fazem-no pelo menos uma vez por semana) sendo que o telefone e a
internet são utilizados com uma frequência semanal bastante menor do
que acontece com outros familiares ou com amigos.
Ainda assim, procurou-se perceber se o facto de se ser utilizador de
internet ou não alterava a configuração das redes de sociabilidade fami-
liares.

188
Quadro 5.4 Utilização de diferentes meios de comunicação para contacto pelo
menos semanal com familiares, amigos e vizinhos, por local de residência (%)

Meios de comunicação utilizados para contacto


Local de residência
Pessoalmente Telefone Internet
Mesmo concelho 71,9 33,1 1,2
Noutro concelho do
28,4 24,0 1,1
Familiares mesmo distrito
Noutro distrito 7,5 15,2 1,2
Estrangeiro 1,7 9,1 1,7
Mesmo concelho 83,6 38,2 4,4
Noutro concelho do
37,0 31,6 5,1
Amigos mesmo distrito
Noutro distrito 13,7 18,7 5,8
Estrangeiro 2,3 5,9 4,5
Vizinhos 63,4 7,8 0,5

Nota: Cada célula representa o somatório da % de inquiridos que responderam nas categorias “Todos os
dias/Quase todos os dias” e “Pelo menos uma vez por semana” em cada uma das variáveis.
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O quadro 5.5 mostra claramente que não existem diferenças significa-


tivas entre utilizadores e não utilizadores de internet quanto à composi-
ção das redes familiares. Ao contrário do que se poderia pensar, tendo em
conta as teses que indicam o isolamento social como um dos potenciais
perigos apontados à utilização deste meio tecnológico de informação e co-
municação, as redes mais alargadas no espaço surgem exactamente entre
os cibernautas. Refira-se apenas, a título de exemplo, a proporção relativa
dos números indicados, por uns e outros, de familiares no estrangeiro
com quem se relacionam. Quanto às formas de contacto com esses fami-
liares, pode-se concluir que são também os utilizadores de internet que
referem uma maior intensidade de contactos, embora com uma diferença
muitíssimo ligeira em relação aos não utilizadores.
A frequência dos contactos pessoais dos utilizadores de internet com os
familiares que residem no mesmo concelho concentra-se em pelo menos
uma vez por semana (45,9%). Sendo que 27,9% se encontram todos os dias.

189
Os não utilizadores têm também valores modais semelhantes, mas ligeira-
mente mais baixos (44,3% e 26,9%, respectivamente). Estas frequências de
contactos pessoais vão rareando à medida que a distância aumenta.

Quadro 5.5 Número de familiares com quem se relacionam por local de residência,
segundo utilização da internet

Utilizadores de Não utilizadores de


Número de familiares com quem se internet internet
relacionam
n % n %
0 92 13,0 151 8,7
Número de familiares no
mesmo concelho com quem De 1 a 5 213 29,9 586 33,7
tem relação De 6 a 10 177 25,0 402 23,1
(p<0,01)
11 ou mais 229 32,2 601 34,5
Total 711 100,0 1739 100,0

Número de familiares 0 246 34,6 729 41,9


noutro concelho do De 1 a 5 217 30,5 498 28,6
mesmo distrito com
quem tem relação De 6 a 10 158 22,2 341 19,6
(p<0,01) 11 ou mais 90 12,7 170 9,8
Total 711 100,0 1739 100,0
0 214 30,1 756 43,5
Número de familiares
noutro distrito com De 1 a 5 232 32,6 507 29,2
quem tem relação De 6 a 10 154 21,7 295 17,0
(p<0,01)
11 ou mais 111 15,6 180 10,4
Total 711 100,0 1739 100,0
0 335 47,1 907 52,1
Número de familiares no
estrangeiro com quem De 1 a 5 208 29,3 498 28,6
tem relação De 6 a 10 114 16,0 209 12,0
(p<0,03)
11 ou mais 54 7,6 126 7,2
Total 711 100,0 1739 100,0
0 5 0,6 11 0,6
Número total de familiares De 1 a 5 65 9,2 232 13,3
com quem tem relação
(p<0,01) De 6 a 10 88 12,3 316 18,2
11 ou mais 554 77,9 1181 67,9
Total 711 100,0 1739 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

190
Os contactos telefónicos dos utilizadores de internet com os familiares
que vivem no mesmo concelho fixam-se também no valor modal de fre-
quência de uma vez por semana (33,3%), logo seguidos de uma vez por mês
(27,6%). Passando-se o mesmo do que com os pais, há uma economia de
contactos estabelecida nas redes de relacionamento; se se vê pessoalmente
todos os dias essas pessoas, não se fala ao telefone com elas. Curiosamente,
nos não utilizadores o valor modal deste tipo de contactos desce para pelo
menos uma vez por mês (27,1%). Também aqui se estabelece uma relação
inversamente proporcional entre a distância e a frequência dos contactos.
Quanto mais distantes, menos frequentes são os contactos.
Nos contactos realizados através da internet, surgem pela primeira
vez (neste conjunto de indicadores) valores significativos de utilização
deste meio de comunicação, mesmo com os familiares que residem no
mesmo concelho. São 5% os utilizadores que afirmam fazê-lo pelo me-
nos uma vez por mês, 3% uma vez por semana e 2% uma vez por ano.
Estes valores são também semelhantes para os familiares que estão mais
distantes geograficamente.
Fica assim evidenciado o carácter intenso, denso e amplo das redes
de sociabilidade familiares dos portugueses, ao mesmo tempo que se
demonstra que o uso da internet, se influencia as sociabilidades, é posi-
tivamente, propiciando o seu aumento nalguns casos. A internet surge
como mais um meio de comunicação para os contactos com familiares,
embora até agora sub-utilizado.

Relações de sociabilidade amicais

Para além de se analisarem as relações de sociabilidade com os proge-


nitores e outros familiares, pretendeu-se também identificar e compreen-
der as características e dinâmicas de sociabilidade dos portugueses com
os seus amigos.
Em média, o número de amigos indicado é um pouco mais baixo do
que o referido para os familiares, mas não deixa de ser assinalável a sua
densidade e amplitude. Cada português refere ter, em média, um total
de quase duas dezenas de amigos (18,2). São 10,4 no seu concelho de
residência; 7,7 noutro concelho do mesmo distrito; 7,3 noutro distrito e
5,9 no estrangeiro. Estes dois últimos valores são, aliás, muito próximos
aos indicados para o número de familiares em cada um destes locais.

191
Para se ter uma outra dimensão desta ampla rede amical, 93,1% dos
portugueses têm pelo menos um amigo que reside no mesmo concelho.
E destes, 94,9% relacionam-se com ele(s). Estes valores são muito seme-
lhantes aos registados para os familiares. Mesmo sem ter em conta os
progenitores, se pensarmos de modo agregado, uma larga maioria dos
portugueses tem assim pelo menos duas pessoas próximas de si e com
quem se relaciona.
Aumentando um pouco a distância geográfica, são 46,1% os que
referem ter pelo menos um amigo a residir noutro concelho do mesmo
distrito, 35,9% noutros distritos e uns significativos 22,8% afirmam o
mesmo, mas para o estrangeiro. Este último valor é exactamente o do-
bro do registado (11,4%) com a aplicação deste mesmo questionário na
região da Catalunha (Castells e outros, 2003: 177).
O quadro 5.6 apresenta este indicador segundo o uso da internet.
Novamente se verifica que a utilização da internet, em vez de retrair as
redes amicais, pelo contrário amplia-as. Os valores percentuais são sem-
pre mais elevados entre os utilizadores nos escalões “de 6 a 10 amigos” e
“11 ou mais” do que entre os não utilizadores de internet.
A frequência dos contactos pessoais dos portugueses com os seus
amigos é muito mais intensa do que com os familiares, aproximando-
-se e até ultrapassando os valores apresentados para os contactos com
os progenitores. São, sem dúvida, as redes de sociabilidade com maior
intensidade de contactos presenciais. Encontram-se diariamente com os
amigos 40,1% dos portugueses e 43,6% fazem-no pelo menos uma vez
por semana. Chama-se a atenção de que não se especificou neste indi-
cador o tipo de amigo, podendo ir desde o colega de trabalho ao amigo
de infância. Claro que à medida que a distância geográfica aumenta, o
encontro pessoal diminui.
Quanto aos contactos telefónicos, salienta-se o aumento da sua
utilização à medida que aumenta também a distância geográfica, pelo
menos nas categorias com um maior horizonte temporal – mensalmente
ou anualmente. Já a internet, embora apareça com valores um pouco
mais elevados do que para os familiares, continua a ser para o conjunto
da população portuguesa um meio pouco utilizado nos contactos com
os amigos. De qualquer modo, é sem dúvida com os amigos que mais
se utiliza esta ferramenta comunicacional, e em particular com os que
residem no estrangeiro ou noutros distritos.

192
Para melhor aferir a implicação do uso da internet nas sociabilidades
com os amigos, cruzaram-se os indicadores até aqui analisados com a si-
tuação de se ser utilizador ou não utilizador de internet. Esses resultados
apresentam-se de seguida.

Quadro 5.6 Número de amigos por local de residência, segundo utilização da internet

Utilizadores Não utilizadores


Número de amigos
n % n %
0 28 3,9 142 8,2
Número de amigos no De 1 a 5 254 35,7 710 40,8
mesmo concelho
(p<0,01) De 6 a 10 264 37,1 524 30,1
11 ou mais 166 23,3 363 20,9
Total 711 100,0 1739 100,0
0 280 39,4 1040 59,8
Número de amigos
noutro concelho do De 1 a 5 234 32,9 412 23,7
mesmo distrito De 6 a 10 151 21,2 189 10,9
(p<0,01)
11 ou mais 46 6,4 98 5,6
Total 711 100,0 1739 100,0
0 339 47,7 1232 70,9
Número de amigos De 1 a 5 223 31,4 327 18,8
noutro distrito
(p<0,01) De 6 a 10 104 14,7 122 7,0
11 ou mais 44 6,3 58 3,3
Total 711 100,0 1739 100,0
0 483 68,0 1408 81,0
Número de amigos no De 1 a 5 162 22,8 214 12,3
estrangeiro
(p<0,01) De 6 a 10 49 6,9 85 4,9
11 ou mais 17 2,4 31 1,8
Total 711 100,0 1739 100,0
0 12 1,7 112 6,4
Número total de De 1 a 5 127 17,9 504 29,0
amigos
(p<0,01) De 6 a 10 167 23,4 411 23,6
11 ou mais 405 57,0 712 40,9
Total 711 100,0 1739 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

193
São bastante frequentes os contactos pessoais que os cibernautas
estabelecem com os amigos que vivem próximo. Cerca de 85% dos
utilizadores encontram-se pessoalmente com os amigos que residem no
mesmo concelho e cerca de 60% falam ao telefone diariamente ou pelo
menos uma vez por semana. Já nos não utilizadores, os que se encon-
tram pessoalmente com os amigos diariamente ou pelo menos uma vez
por semana são cerca de 83%, mas contactam bastante menos frequen-
temente pelo telefone (29,2% todos os dias ou pelo menos uma vez por
semana). Por outro lado, mantém-se também aqui para os dois grupos a
mesma relação inversamente proporcional entre distância e frequência
de contactos detectada a respeito dos familiares.
Os valores mais elevados de contactos através da internet surgem
exactamente nas redes de relacionamento com os amigos: 14,6% decla-
ram contactar pela internet os amigos que residem no mesmo concelho
pelo menos uma vez por semana; 10,5% fazem-no uma vez por mês;
2,5% uma vez por ano; e 2,3% todos os dias. A frequência deste tipo
de contacto vai-se intensificando à medida que a distância aumenta, ao
contrário do que acontece nas relações pessoais ou por telefone. Este
facto denota não só um potencial aumento deste meio de contacto como
forma de relacionamento, como também evidencia o facto da internet
ser cada vez mais frequentemente utilizada como ferramenta de contacto
tanto localmente como globalmente.

Sociabilidades através da internet segundo o sexo

É comum a ideia segundo a qual a internet favorece as relações entre


sexos, é um local privilegiado para conhecer novas pessoas, encetar rela-
ções afectivas e, por vezes até, ocultar a identidade sexual.
Embora as práticas relativas às sociabilidades não apresentem dife-
renças significativas entre homens e mulheres, estes utilizam a internet
para fins ligeiramente distintos. A hipótese de que os contactos reali-
zados através da internet pudessem ter também um perfil diferenciado
segundo o sexo, foi essencialmente testada a partir de dois indicadores
– o sexo das pessoas de quem recebe chamadas telefónicas pessoais e o
sexo das pessoas com quem troca e-mails pessoais.

194
Aproximadamente metade dos portugueses declaram receber apro-
ximadamente o mesmo número de chamadas telefónicas de homens e
de mulheres (49,4%). Apenas 10,7% referem receber mais telefonemas
de pessoas do sexo oposto em contrapartida aos 29,9% que declaram
receber mais chamadas de pessoas do mesmo sexo. Admitem não saber
cerca de 10% dos portugueses.
No que se refere aos utilizadores do e-mail são também cerca de me-
tade os que referem trocar indistintamente mensagens com pessoas de
ambos os sexos (51,9%), mas são já 15,2% os que declaram receber mais
e-mails de pessoas do sexo oposto contra 21,6% que admite ter maiores
contactos electrónicos de pessoas do mesmo sexo. Os que referem não
saber são 11,3%.
Estes dados revelam, por si só, uma relativa maior facilidade em
estabelecer contactos com pessoas do sexo oposto através da internet.
Assim colocado o problema, poder-se-ia afirmar que o computador, pos-
sibilitando contactos não presenciais, funciona como um potenciador
de relações entre pessoas do sexo oposto. Contudo, há que perceber
melhor quem são, do ponto de vista social, as pessoas a quem acontece
cada uma das situações.
Um primeiro padrão de distribuição evidencia a predominância das
mulheres como sendo as que recebem mais telefonemas de pessoas do
mesmo sexo, ao contrário dos homens que referem receber mais chama-
das de pessoas do sexo oposto. Um segundo padrão mostra claramente
que entre os que recebem mais chamadas de pessoas do mesmo sexo
estão os inquiridos com mais de 30 anos. Já no que se refere aos que
recebem mais chamadas provenientes de pessoas do sexo oposto estão
maioritariamente os jovens entre os 15 e os 29 anos. Estes resultados
parecem assim revelar uma relativa abertura dos mais jovens a contactos
tanto com pessoas do mesmo sexo como com pessoas do sexo oposto,
ao contrário de algum fechamento nos contactos dos mais velhos, e em
particular, das mulheres.
Já quanto aos e-mails, as sociabilidades por género mostram que não
existem grandes diferenças a salientar entre homens e mulheres. Os mais
jovens são, claramente, os que mais e-mails trocam com pessoas do sexo
oposto. Estas tendências já tinham sido também referidas quando analisa-
da a incidência dos domínios de uso da internet segundo algumas variáveis
de caracterização social, nomeadamente no domínio da sociabilidade.

195
Redes informáticas e redes sociais.
Alguns elementos de síntese

Com muitas semelhanças relativamente aos resultados encontrados


na pesquisa levada a cabo na Catalunha (Castells e outros, 2003: 180),
as redes sociais dos portugueses caracterizam-se por uma grande proximi-
dade geográfica. As redes familiares são, predominantemente, grandes,
locais e presenciais. Mas uma especificidade pode juntar-se a estas con-
clusões – as redes familiares portuguesas também são amplas do ponto
de vista geográfico, com familiares em locais muito distintos. Essa ampli-
tude geográfica não quebra completamente as relações de sociabilidade.
Um número bastante significativo refere ter familiares no estrangeiro e
vê-los pessoalmente pelo menos uma vez por ano.
As redes amicais têm características muito idênticas às familiares,
sendo que os contactos com os amigos são ainda mais frequentes do que
os que se estabelecem com outros familiares que não os progenitores.
Os elementos específicos a salientar aqui prendem-se, mais uma vez,
com a amplitude da rede de amigos (sendo bastante elevado o número
de amigos a residir no estrangeiro) e com a utilização da internet como
meio de contacto. Este último aspecto é, aliás, duplamente importante,
não só porque revela que a utilização da internet por si só não provoca
o isolamento social, ao contrário do que algumas teses têm defendido,
mas também porque, sendo os utilizadores mais jovens, este indicador
terá tendência a evoluir positivamente.
As redes vicinais apresentam também características de grande densi-
dade e intensidade de relacionamento interpessoal, facto que desmente
também o pressuposto de que os actuais contextos urbanos seriam des-
providos de relações sociais de interconhecimento local.
Quanto às formas de contacto, os resultados evidenciam que os
encontros pessoais são o meio privilegiado para as relações locais, em
detrimento, por exemplo, do uso do telefone, que se prefere para as
relações com pessoas mais distantes geograficamente. Já a internet surge
como um potenciador dos contactos à escala global, intensificando a
frequência das comunicações entre indivíduos que vivem, por exemplo,
em diferentes locais do mundo.
Fica também evidente que o uso da internet não afecta negativamente
as sociabilidades. As redes de convivialidade dos utilizadores de internet

196
são sistematicamente mais alargadas do que as dos não utilizadores, e,
frequentemente, mais amplas, remetendo estes resultados também para
as características sociais dos cibernautas – mais jovens, mais qualificados
e com maiores capitais económicos, culturais e sociais.
Por último, e de forma também idêntica ao que sucede na Cata-
lunha, os encontros pessoais assumem uma importância acrescida na
manutenção das redes sociais, sejam elas familiares sejam amicais ou
vicinais. Parece, portanto, que a sociedade em rede em Portugal, embora
ainda marcadamente numa fase de evolução, conseguiu conciliar espa-
ços reais e virtuais de sociabilidade, acrescentando modos diferentes e
intensidades distintas de estabelecer contactos com os familiares, amigos
e vizinhos. Os argumentos apressados acerca dos perigos de isolamento
social, depressão e desestruturação familiar devido à utilização da in-
ternet deixam de fazer sentido depois de analisados estes resultados. A
sociedade em rede potencia as relações de convivialidade existentes, ao
mesmo tempo que acrescenta novas formas de sociabilidade entre os
indivíduos. A internet é assim, em Portugal, tal como noutros locais do
mundo, um instrumento da vida e das actividades quotidianas que em
muitos casos reforça as relações sociais, em vez de enfraquecê-las.

197
198
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 6
A internet e os media: práticas comunicacionais
e acesso à informação

O
impacto das novas tecnologias de informação e comunicação
nas estruturas sociais não define, por si só, a sociedade em
rede, como aliás já se teve oportunidade de salientar por
diversas vezes ao longo deste livro. Mas a comunicação, nomeadamen-
te a comunicação tecnologicamente mediada, não deixa por isso de
constituir um factor central desta nova forma de organização social. Os
media tecnológicos assumem nas sociedades informacionais um papel
de destaque, cuja centralidade só se poderá assemelhar ao aparecimento
da escrita ou às dinâmicas da revolução industrial que conduziram ao
aparecimento e consolidação das sociedades modernas.
Justifica-se, pois, na análise da sociedade actual e das suas dinâmicas,
dar particular atenção aos processos e meios comunicacionais, quer si-
tuando-os no âmbito das práticas de vida quotidiana, quer destacando o
lugar específico das práticas comunicacionais apoiadas em dispositivos
tecnológicos.
Sem dúvida que o surgimento e utilização da internet estão a provo-
car alterações substanciais nas práticas comunicacionais, nos meios de
comunicação, nos conteúdos disponíveis, nos modos de interactividade
e, ainda, nas opiniões que se vão formando socialmente sobre diferen-
tes media. É por isso importante perceber o lugar que ela ocupa como
actividade quotidiana da sociedade em rede, o seu papel no universo
das práticas comunicativas em Portugal, a confiança que se tem nos seus
conteúdos comparativamente com os outros meios de comunicação, e
ainda as representações sociais que emergem sobre esta nova tecnologia
de informação e comunicação. É na tentativa da concretização destes
objectivos que se desenvolve o presente capítulo.

199
A partir da proposta conceptualizadora de práticas comunicativas
utilizada por Manuel Castells no estudo realizado na Catalunha (Cas-
tells e outros, 2003), na qual é colocado em evidência o carácter amplo
dessas práticas, onde se incluem diferentes aspectos de interacção comu-
nicacional, tais como conversar com os membros do agregado familiar,
brincar com os filhos, ouvir música, ler jornais, ver televisão, entre ou-
tras, desenvolver-se-á a análise de alguns indicadores a este respeito para
o caso português1. Através destas práticas dar-se-á início à caracterização
das interconexões entre uso da internet e de outros media na sociedade
em rede em Portugal.

Práticas comunicativas e vida quotidiana

A primeira referência a fazer é que quase todos os portugueses


declaram ver televisão (99,3%). Esta é a prática comunicacional mais
generalizada na vida quotidiana, seguida do encontro com familiares,
amigos e conhecidos (93,8%), passear (87,1%) e falar com as pessoas do
agregado ou brincar com as crianças (84%). Estes dados, aliás, confir-
mam os resultados atrás analisados acerca da intensidade das relações de
sociabilidade dos portugueses.
Surgem ainda com valores bastante elevados, práticas comunicacio-
nais como ouvir rádio (86,2%), ouvir música (77,9%) e ler jornais ou
revistas (77,5%). Todas estas actividades são realizadas por mais de 3⁄4
dos portugueses.
Entre as que surgem como menos preferidas estão as que envolvem a
participação social e política, tal como assistir a manifestações ou reuniões
de sindicatos, partidos políticos, associações, etc. (5%), a prática de hobbies
(13,7%) e as actividades mais eruditas – assistir a espectáculos de teatro,
ópera e concertos (14,9%) ou ir a museus, exposições e conferências
(16,8%). Todas estas não atingem sequer 1⁄4 da população portuguesa.

1
No questionário utilizado em Portugal a dimensão de análise das práticas co-
municacionais que incluem os mass media tradicionais (rádio, jornais e televisão) foi
substancialmente aprofundada. Assim, existem indicadores só passíveis de compara-
ção com a segunda aplicação do questionário catalão a ocorrer em 2004-2005 pelo
IN3 e a Universidade Aberta da Catalunha.

200
Tentou-se perceber, desde logo, se a realização deste tipo de activida-
des variava consoante se era ou não utilizador de internet (quadro 6.1).
O tempo despendido em navegações na internet não parece pôr assim
em causa o desenvolvimento de outras actividades. Os utilizadores da
internet, embora lhe dediquem algumas horas (como foi verificado ante-
riormente), consideram manter a mesma dedicação e a mesma disponi-
bilidade para outras tarefas que tinham antes da entrada da web nas suas
vidas. Aliás, é bastante interessante verificar que, comparativamente,
estes indivíduos mantêm um leque bastante mais diversificado e intenso
de hobbies e outras actividades quotidianas do que os não utilizadores.
Como é patente no quadro 6.1, regista-se uma significativa adesão por
parte dos cibernautas portugueses a uma multiplicidade de práticas co-
municacionais, desde as mais ligadas ao lazer e fruição cultural no espaço
doméstico (como a ver televisão, ouvir rádio e música, ler jornais, revistas
ou livros), às mais vocacionadas para o convívio dentro ou fora de portas
(como passear, estar com amigos, conversar e brincar com crianças, ir a ba-
res e restaurantes, cinema). Embora com incidência inferior, assume ainda
alguma importância entre estes indivíduos a participação em espectáculos
desportivos e acontecimentos populares, a visita a museus, exposições,
conferências ou, ainda que mais raramente, a ida ao teatro e a concertos.
Comparando com os não utilizadores, o primeiro grupo é particu-
larmente mais activo nos mais variados níveis. Exceptuando actividades
mais transversais, como ver televisão ou conversar com amigos, em todas
as restantes opções se regista uma participação bastante menor por parte
dos não utilizadores. E é ainda interessante notar que os cibernautas
são os que mais frequentemente desenvolvem, também em casa, tarefas
relativas à sua actividade profissional.
As práticas comunicativas quotidianas variam conforme a idade dos
indivíduos. A registar, em primeiro lugar, que todas as actividades são
mais desenvolvidas pelos inquiridos entre os 15 e os 29 anos, com especial
destaque para as que envolvem as novas tecnologias ou as que se realizam
fora de casa, excepto as práticas que remetem para a acção colectiva, para o
trabalho profissional ou para os cultos religiosos. Destas três, as primeiras
duas salientam-se no grupo dos 30 aos 49 anos e a última no dos 50 e mais
anos de idade. Em segundo lugar, as práticas de sociabilidade distribuem-
se de modo muito semelhante nas três categorias etárias, sendo portanto
transversais à sociedade portuguesa, como já se havia constatado.

201
Quadro 6.1 Práticas comunicativas e vida quotidiana, segundo utilização da
internet (%)

Não
Práticas comunicativas e vida Utilizadores Total
utilizadores
quotidiana (n=711) (n=2450)
(n=1739)
Ver TV 98,9 99,4 99,3

Ver vídeos ou DVD 79,3 27,3 42,4

Passear 96,4 83,2 87,1

Ouvir rádio 95,1 82,6 86,2

Ouvir música 97,2 70,0 77,9

Ler jornais ou revistas 94,0 70,8 77,5

Ler livros 78,5 30,5 44,4

Não fazer nada 40,5 38,2 38,9

Ir a bares, restaurantes, discotecas 85,0 49,9 60,1

Ir ao cinema 75,7 23,1 38,4

Ir ao teatro, ópera ou concertos 32,8 7,5 14,9

Ir a museus, exposições ou conferências 37,7 8,2 16,8

Encontrar-se com familiares ou amigos 98,7 91,8 93,8

Jogar com o computador ou consola 57,2 6,8 21,5


Falar com as pessoas da casa, brincar
91,0 81,1 84,0
com as crianças, etc.
Assistir a espectáculos ou competições
57,8 27,0 36,0
desportivas
Praticar algum desporto ou actividade
49,0 11,7 22,5
física
Assistir a manifestações ou reuniões
de sindicatos, partidos políticos, 11,0 2,6 5,0
associações, etc.
Ir à igreja ou lugar de culto religioso 38,5 52,6 48,5
Assistir a acontecimentos populares,
63,2 50,7 54,4
festas ou feiras
Praticar algum hobby 24,7 9,2 13,7
Actividades em casa relacionadas com o
31,0 12,4 18,8
trabalho profissional

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

202
Estas práticas evidenciam, por um lado, alterações significativas
nos estilos de vida quotidianos dos portugueses, ressaltando uma
maior diversidade de actividades e interesses no grupo dos mais jovens,
acompanhados da incorporação das novas tecnologias de informação e
comunicação.
Quanto à frequência da realização destas actividades, destacam-se
com frequência diária, ver televisão (96,2%), falar ou brincar com as pes-
soas que compõem o agregado doméstico (90,4%), ouvir rádio (83,4%)
e ouvir música (80,2%). Quase todas elas, práticas comunicacionais de
baixa interactividade. De seguida, encontra-se, ainda com valores mo-
dais na categoria diariamente, ler jornais ou revistas (61%), encontrar-se
com familiares e amigos (55,4%) e ler livros (36,4%).
Com frequência semanal, surgem as actividades mais directamente
relacionadas com o lazer e tempos livres. Praticar alguma actividade físi-
ca (65,8%), ir à igreja ou culto religioso (55,1%), desenvolver os hobbies
favoritos (48%) ou passear (47,5%) são alguns dos exemplos que têm
como valor modal a categoria de pelo menos uma vez por semana. De
seguida, estão o visionamento de vídeos ou DVDs, jogar computador e
não fazer nada.
Mais raramente, encontram-se, por um lado, as actividades mais eru-
ditas e as de participação social e política, e por outro, as que se prendem
com espectáculos e acontecimentos populares. De referir ainda que ir ao
cinema é uma das práticas que surge com uma frequência menor que
semanalmente para 74,6% dos portugueses.
Finalmente, procurou-se perceber se o uso da internet provoca al-
terações nas práticas comunicacionais, nomeadamente, na realização
de actividades quotidianas que impliquem a utilização de outros media
(quadro 6.2). A principal conclusão diz respeito ao facto do uso da
internet não provocar alterações significativas nas actividades quoti-
dianas. A grande maioria dos cibernautas portugueses que referiram
desenvolver cada uma das actividades analisadas, afirmou que estas
se mantiveram iguais após o início do uso de internet. Há, porém, a
evidenciar que as alterações, quando existem, são, maioritariamente,
no sentido de diminuição da prática dessas actividades, excepto em ca-
sos pontuais. A maior referência à diminuição surge no visionamento
televisivo (19,2%).

203
Quadro 6.2 Evolução das actividades quotidianas após início do uso de internet (%)

Actividades quotidianas Mais Igual Menos Total

Ver TV 2,5 78,3 19,2 100,0 n=687

Ver vídeos ou DVD 1,8 82,6 15,6 100,0 n=352

Passear 2,6 88,3 9,0 100,0 n=554

Ouvir rádio 2,6 89,8 7,6 100,0 n=645

Ouvir música 4,9 88,9 6,2 100,0 n=662

Ler jornais ou revistas 2,2 87,6 10,2 100,0 n=624

Ler livros 2,1 84,5 13,3 100,0 n=395

Não fazer nada 2,4 81,8 15,8 100,0 n=234

Ir a bares, restaurantes, discotecas 1,5 87,9 10,6 100,0 n=341

Ir ao cinema 2,6 87,2 10,2 100,0 n=150

Ir ao teatro, ópera ou concertos 11,5 81,4 7,1 100,0 n=29

Ir a museus, exposições ou
4,5 88,0 7,4 100,0 n=21
conferências
Encontrar-se com familiares ou
4,1 89,7 6,2 100,0 n=644
amigos

Jogar com o computador ou consola 9,5 81,2 9,4 100,0 n=308

Falar com as pessoas da casa,


4,4 88,6 7,0 100,0 n=626
brincar com as crianças, etc.
Assistir a espectáculos ou
4,8 83,8 11,4 100,0 n=153
competições desportivas
Praticar algum desporto ou
4,7 90,6 4,7 100,0 n=281
actividade física
Assistir a manifestações ou reuniões
de sindicatos, partidos políticos ou 0,0 93,4 6,6 100,0 n=12
associações
Ir à igreja ou lugar de culto
5,2 92,7 2,1 100,0 n=126
religioso
Assistir a acontecimentos
5,2 77,5 17,3 100,0 n=53
populares, festas ou feiras

Praticar algum hobby 11,3 84,2 4,5 100,0 n=143

Actividades em casa relacionadas


18,2 73,5 8,3 100,0 n=130
com o trabalho profissional

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

204
A diminuição dessas práticas varia proporcionalmente à intensidade
do uso da internet, ou seja, é na sua maioria entre os utilizadores de alta
intensidade que surgem as declarações de mais terem baixado a realiza-
ção dessas actividades. Estes são em alguns casos valores absolutos tão
reduzidos que apenas há a registar essa tendência de distribuição.

Meios de comunicação e internet

Como se verificou, ver televisão é ao mesmo tempo a actividade que


mais se refere fazer e a que sofre maiores alterações com a introdução do
uso da internet.
No conjunto, as práticas de informação sobre acontecimentos não
variam muito consoante o respectivo âmbito, local ou global (quadro
6.3). A hegemonia mediática da televisão confirma-se novamente
quando se analisam os principais meios de comunicação utilizados
pelos portugueses quando ocorrem acontecimentos locais/nacionais
ou internacionais. Uma esmagadora maioria (90,6%) refere utilizar
este media como principal fonte informativa quando um acontecimento
internacional ocorre e 84,5% declaram fazê-lo quando se trata de um
acontecimento mais próximo (nacional ou local). A internet (3,3%) e os
jornais (2,9%), embora com valores residuais, são os media que surgem
em segundo e terceiro lugar como meios de comunicação privilegiados
para ter informação sobre acontecimentos internacionais. Já no caso
das notícias locais ou nacionais, são os jornais (5,3%), as conversas com
familiares, amigos e conhecidos (5,2%) e a rádio (2,4%) que se utilizam
para obter informações.
Estas distribuições apresentam algumas diferenças quando ventiladas
por utilizadores e não utilizadores de internet, como se verá de seguida
(quadro 6.3).
A televisão é o meio principal de informação dos cibernautas quan-
do algum acontecimento local/nacional ocorre (80,1%). Contudo, os
jornais (7,3%), a internet (4,1%) e as conversas com os amigos (4,1%)
surgem também como os outros meios mais utilizados para recolher in-
formação. No caso dos não utilizadores, a televisão é ainda mais assumida
como meio privilegiado de informação (86,3%), seguida não de outros
suportes escritos ou tecnológicos, mas do contacto pessoal (5,7%).

205
Quadro 6.3 Meios de informação sobre acontecimentos locais/nacionais e interna-
cionais, segundo utilização da internet

Não
Qual o principal meio que utiliza Utilizadores Total
utilizadores
para se informar...
n % n % n %
Televisão 569 80,1 1502 86,3 2071 84,5
Rádio 25 3,5 35 2,0 60 2,4
Jornais 52 7,3 77 4,4 129 5,3
Revistas 4 0,6 5 0,3 9 0,4
... quando há um internet 29 4,1 0 0,0 29 1,2
acontecimento
local/nacional Falando com
(p<0,01) familiares/
29 4,1 99 5,7 129 5,2
amigos/
conhecidos
Desloca-se ao local 1 0,2 0 0,0 1 0,1
Não sabe / não
2 0,2 20 1,2 22 0,9
responde
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0
Televisão 582 81,9 1636 94,1 2219 90,6
Rádio 10 1,5 7 0,4 18 0,7
Jornais 27 3,8 44 2,5 71 2,9
... quando há Revistas 3 0,4 3 0,2 6 0,3
um grande
internet 82 11,5 0 0,0 82 3,3
acontecimento
internacional Falando com
(p<0,01) familiares/
4 0,5 17 1,0 20 0,8
amigos/
conhecidos
Não sabe / não
3 0,4 32 1,8 34 1,4
responde
Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Embora a televisão também seja o principal meio de informação so-


bre acontecimentos internacionais entre os cibernautas (81,9%), verifica-
se neste caso um nível ainda mais elevado de utilização da internet, de
11,5%. No grupo dos não utilizadores, curiosamente, é a televisão que
aumenta ainda mais na sua utilização como meio de informação, fixan-
do-se nos 94,1%. Parece, pois, que a internet assume um papel privilegia-
do crescente como informante sobre os acontecimentos internacionais,
mais até do que sobre os nacionais.

206
Esta preferência pela utilização da web na informação sobre os aconteci-
mentos internacionais faz todo o sentido, já que a variedade de fontes que
podem ser consultadas (muitas delas oriundas dos países onde decorrem
esses acontecimentos) aumenta exponencialmente neste tipo de suporte
tecnológico, bem como a permanente actualização dos dados, comparati-
vamente com os media tradicionais, como a televisão ou os jornais.
Ainda sobre a televisão, é interessante registar que 97,9% dos portu-
gueses afirmam ver notícias através deste media. Valor este que pode ser
também comparado com os 48,5% dos portugueses que afirmam que os
telejornais são os programas que mais vêem, seguidos das telenovelas, a
longa distância, com 14,5%.
Mas, quais são então, em 2003, os canais em que preferencialmente
os portugueses vêem as notícias?

Quadro 6.4 Canais de televisão onde se vê notícias, segundo utilização da internet

Em que canal de Utilizadores Não utilizadores Total


televisão costuma ver as
notícias? n % n % n %
RTP 1 189 27,0 440 25,9 629 26,2
RTP 2 15 2,1 33 1,9 47 2,0
SIC 232 33,1 583 34,3 815 33,9
TVI 161 23,1 556 32,7 718 29,9
Sic Notícias 68 9,7 47 2,8 115 4,8
Sic Radical 5 0,7 0 0,0 5 0,2
NTV 1 0,1 0 0,0 1 0,0
CNN (em inglês) 4 0,5 0 0,0 4 0,2
Canais desportivos TV Cabo 1 0,1 2 0,1 2 0,1
Outro canal 5 0,8 1 0,1 6 0,3
Não sabe / não responde 19 2,8 38 2,3 58 2,4
Total 699 100,0 1701 100,0 2400 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

São as estações privadas – SIC e TVI – que surgem com uma maior
declaração de resposta, 33,9% e 29,9% respectivamente (quadro 6.4),
logo seguidas pelo canal 1 da estação pública de televisão (26,2%). Uma
esmagadora maioria dos utilizadores (98,3%) vê notícias na televisão,

207
nomeadamente, através dos canais SIC (33,1%), RTP1 (27%), TVI
(23%) e SIC Notícias (9,7%). Quanto aos não utilizadores, a tendên-
cia maioritária mantém-se: 97,8% vêem notícias na televisão, mas as
preferências pelos canais televisivos alteram-se. Assim, surge a SIC com
34,3%, seguida da TVI com 32,7% e da RTP1 com 25,9%.
Se é clara a preponderância da televisão como meio de informação,
tentou-se perceber, para além disso, qual o papel que desempenhavam os
outros media no quotidiano dos portugueses e a interferência da internet
como novo suporte tecnológico desses meios de comunicação, como são
exemplo cada vez mais comuns os sítios de televisões, rádios e jornais.
Tendo presentes os valores analisados das práticas comunicacionais re-
lativamente a estes media, vale a pena agora analisar outros indicadores
que permitem uma análise mais detalhada.
Quanto à consulta de sítios de notícias na internet (quadro 6.5),
cerca de 1/6 dos utilizadores afirmam fazê-lo (14,2%), proporção que
se situa nos 4% para o conjunto da população portuguesa, valor quase
residual. E os sítios mais consultados com este objectivo são: SIC (28%),
TVI (23%) e RTP1 (12%). Parece, pois, haver uma consulta dos sítios de
notícias coincidente com os canais preferidos onde se assiste aos noticiá-
rios na televisão.

Quadro 6.5 Consulta de canais de televisão na internet para ver notícias (utiliza-
dores da internet)

Costuma ver e/ou consultar canais de televisão na


n %
internet para ver notícias?
Sim 99 14,2
Não 577 82,4
Não sabe / não responde 23 3,4
Total 699 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

A leitura de jornais na semana anterior à aplicação do questionário


surge com uma declaração de cerca de 2/3 dos portugueses (67,2%).
Contudo, é ainda relevante o facto de 1/3 dos portugueses declarar não
ter lido jornais nesse período. Entre os cibernautas são 82,6% os que
afirmam ter lido jornais na última semana. Esta taxa de leitura não é

208
tão elevada nos que não utilizam a internet, mas não deixa de ser muito
significativa, afirmando 60,8% ter lido jornais na última semana.
Os jornais mais lidos pelos portugueses foram: o Jornal de Notícias
(31,9%), o Correio da Manhã (23,8%), o Diário de Notícias (11,2%) e o
Público (6,8%). Os três primeiros mantém-se os mesmos tanto para uti-
lizadores como para não utilizadores de internet, mas nestes últimos o
quarto é um jornal desportivo – A Bola – com 6,5% de leitores.
Comparativamente, é interessante salientar que o Público, o Diário de
Notícias, o Expresso e o Diário Económico têm valores superiores de leitura
entre os cibernautas, enquanto que o Jornal de Notícias, o Correio da Ma-
nhã e a categoria que engloba outros jornais locais e regionais são mais
referidos pelos não utilizadores de internet.
Quanto à consulta na internet (quadro 6.6) são já mais de 1/5 dos
cibernautas (21,8%) que afirmam ler jornais através dos seus sítios pu-
blicados on-line. Aqui surgem como mais consultados, o Público (18,8%),
o Expresso (14,8%), A Bola (14,8%) e o Record (10,1%). Este valor é ainda
significativamente reduzido quando se tem em conta a proporção para
a população portuguesa (cerca de 6%), mas de qualquer modo ligeira-
mente superior ao encontrado para a consulta de sítios de estações de
televisão na internet.

Quadro 6.6 Leitura de jornais durante a última semana e consulta on-line, segun-
do utilização da internet

Utilizadores Não utilizadores Total


Leitura de jornais
n % n % n %
Leu jornais Sim 587 82,6 1058 60,9 1645 67,2
durante a
Não 124 17,4 674 38,7 798 32,6
semana passada?
(p<0,01) Ns/nr 0 0,0 7 0,4 7 0,3

Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Sim 152 21,8 -- -- 152 21,8


Lê algum jornal
através da Não 526 75,1 -- -- 526 75,1
internet?
Ns/nr 22 3,1 -- -- 22 3,1
Total 699 100,0 -- -- 699 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

209
Outro media referenciado foi a rádio (quadro 6.7). A esmagadora
maioria dos portugueses ouve rádio habitualmente (86,9%) como aliás
já se tinha verificado através da análise das actividades quotidianas mais
desenvolvidas (cf. quadro 6.1). Esta percentagem é ainda mais elevada
entre os cibernautas (95,9%). As estações que mais se destacam como
preferenciais para os utilizadores da internet são a RFM (29,2%), a
Rádio Comercial (15,3%) e a Antena 3 (10,9%). No conjunto da popu-
lação portuguesa estas preferências são diferentes, sendo a Rádio Renas-
cença a que mais se ouve (23,7%), seguida da RFM (20,2%) e da Rádio
Comercial (9,6%). Quanto aos não utilizadores de internet, também
maioritariamente ouvintes de rádio (83,2%), apresentam como a sua
estação preferida a Rádio Renascença (32%), em segundo lugar, a RFM
(16%) e, em terceiro, outras rádios regionais (10,8%).
A taxa de consulta de sítios de estações de rádio entre os cibernautas
é de 14,2% – proporção que não passa dos 4% para a população portu-
guesa em geral – valores muito próximos dos da consulta de sítios televi-
sivos na internet. Como também já havia acontecido com os canais tele-
visivos, as estações de rádio que mais se consultam na web são também
as que mais se ouvem. Assim, temos a Rádio Comercial com 24,6%, a
Antena 3 com 14,2% e a RFM com 11,4%. A única rádio que não tinha
sido uma das preferidas anteriormente, e que surge agora como uma das
mais consultadas na internet, é a TSF (12,1%).

Quadro 6.7 Audição de rádio durante a última semana e consulta on-line, segun-
do utilização da internet

Utilizadores Não utilizadores Total


Audição de rádio
n % n % n %
Sim 682 96,0 1446 83,2 2128 86,9
Costuma ouvir rádio?
(p<0,01) Não 29 4,0 293 16,8 322 13,1

Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Costuma ouvir ou Sim 99 14,2 -- -- 99 14,2


consultar páginas web
Não 578 82,6 -- -- 578 82,6
de estações de rádios na
internet? Ns/Nr 22 3,2 -- -- 22 3,2

Total 699 100,0 -- -- 699 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

210
Estes resultados parecem assim indiciar que nem a televisão e a rádio
nem a imprensa escrita correm para já o risco de serem substituídos pe-
los suportes electrónicos de informação. O que acontece provavelmente,
tal como noutras situações já analisadas, é que a internet se usa adicio-
nalmente como mais um meio de informação, utilização essa porventura
com tendência crescente.

Confiança na informação e conteúdos comunicacionais

Para além da utilização dos diferentes media, importa também saber


que confiança se tem na informação por eles veiculada. Os conteúdos
comunicacionais actualmente são muito discutidos, quer pela sua pró-
pria natureza e forma, quer pela veracidade e confiança nas fontes que os
divulgam. As alterações verificadas nos meios de comunicação e divulga-
ção mediática, como é exemplo paradigmático o aparecimento do novo
suporte electrónico que é a internet, veio trazer novas interrogações a
este respeito. O que se pode divulgar? Quem divulga? Que confiança se
pode ter nessa informação? Que filtros existem? Comparativamente com
os media tradicionais, a informação divulgada através da internet é mais
ou menos fidedigna?
O quadro 6.8 permite ilustrar as opiniões que os portugueses têm
sobre estas questões. Em geral, a confiança nos media tradicionais (televi-
são, rádio, jornais) é muito elevada, surgindo em todas elas percentagens
aproximadas a 3⁄4 dos portugueses. Apenas a internet recolhe valores
mais baixos, facto que se fica a dever à existência de uma grande per-
centagem de indivíduos que não utiliza este tipo de tecnologia. Quando
reposta a proporção para o total dos que se declararam utilizadores de
internet esta assume uma maioria significativa de respostas entre os
que afirmam confiar ou confiar muito na informação disponível na
web (81%) – superior até às dos media tradicionais para o conjunto da
população portuguesa.
Quer isto dizer que genericamente os portugueses têm confiança na
informação transmitida pelos diferentes media. Mas, será que existem al-
terações significativas quando analisadas estas opiniões por utilizadores
e não utilizadores de internet?

211
Quadro 6.8 Níveis de confiança na informação recebida através dos media (%)

Até que ponto é que confia na … da … dos … da


… da rádio
informação que recebe através... televisão jornais internet
Confia muito 8,0 5,8 6,3 2,2

Confia 67,7 65,4 58,5 21,2

Confia pouco 21,2 18,5 20,1 5,1

Não confia nada 1,1 0,9 1,2 0,7

Não se aplica 0,4 7,2 11,6 65,6

Não sabe / não responde 1,5 2,0 2,3 5,2


100,0 100,0 100,0 100,0
Total
(n=2450) (n=2450) (n=2450) (n=2450)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Quando questionados sobre os níveis de confiança que têm na in-


formação veiculada através dos media, os cibernautas escolhem, como
os meios de comunicação social mais fidedignos, a televisão e a rádio
(78,7% cada). Têm sempre níveis de confiança superiores aos não utili-
zadores relativamente a quaisquer dos media (quadro 6.9). A internet é,
de entre todos os media, o que merece menos confiança dos seus utili-
zadores, embora com uma percentagem elevadíssima dos que afirmam
ser um meio de comunicação em que se pode confiar ou confiar muito
(73,5%).
De salientar que são sempre os mais velhos que têm uma maior
desconfiança face à informação que recebem dos diferentes meios de
comunicação, sendo até mais significativo para a rádio e para os jornais
do que para a televisão.
Os conteúdos disponibilizados pelos media possibilitam hoje em dia
níveis de interactividade impensáveis há alguns anos atrás. Os apelos à
participação dos telespectadores e ouvintes são hoje constantes na televi-
são e na rádio. Abriram-se fóruns de discussão mediáticos que possibili-
tam a participação de cidadãos anónimos em programas de televisão ou
rádio nas mais variadas esferas da vida social; convocam-se as audiências
para votar em sondagens on-line ou telefónicas; possibilita-se a gestão dos
conteúdos informativos através da televisão interactiva, etc.

212
Quadro 6.9 Níveis de confiança na informação recebida através dos media, segun-
do utilização da internet (%)

Utilizadores Não utilizadores


Até que ponto
Confia Confia
é que confia na Confia Confia
pouco pouco
informação que e Não se Total e Não se Total
e não Ns/nr e não Ns/nr
recebe através... confia aplica (n=711) confia aplica (n=1739)
confia confia
muito muito
nada nada
… da televisão 78,7 20,1 0,3 0,9 100,0 74,6 23,2 0,5 1,7 100,0
… da rádio 78,7 17,9 2,1 1,3 100,0 68,2 20,1 9,3 2,3 100,0
… dos jornais 75,9 20,2 2,4 1,4 100,0 60,3 21,7 15,3 2,7 100,0
… da internet 73,5 15,9 6,4 4,3 100,0 2,9 1,7 89,9 5,5 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

É importante por isso auscultar a dimensão da resposta dos cidadãos


a este tipo de participação interactiva. Provavelmente decepcionantes,
os resultados revelam que apenas alguns portugueses desenvolvem este
tipo de prática. São sempre valores residuais, que mostram curiosamente
alguma tendência de maior uso dos meios mais tecnológicos (sms, telefo-
ne e telemóvel) em detrimento das cartas, por exemplo. Contudo, todos
eles apresentam valores inferiores a 3%.
No quadro 6.10 podem analisar-se estes dados por utilizadores e não
utilizadores. De um modo geral, os utilizadores de internet contactam
mais através de qualquer um dos meios com programas de televisão ou
de rádio do que os não utilizadores. Estes últimos, quando o fazem, é de
um modo ainda muito mais residual. O meio privilegiado de contacto
dos cibernautas com programas televisivos ou de rádio é o envio de men-
sagens escritas de telemóvel (SMS, com 6%, logo seguido do telefone
fixo, 3,9%). Mais uma vez fica presente a ideia de que os cibernautas
são mais participativos, principalmente quando está implicado o uso de
tecnologias ou equipamentos tecnológicos.
O recurso à internet como primeira fonte de informação é relativa-
mente frequente entre os utilizadores. Na resposta à pergunta “Quando
precisa de obter alguma informação recorre em primeiro lugar à inter-
net?”, quase metade dos inquiridos refere que tal acontece algumas ve-
zes, sendo que 20% declara mesmo ser tal situação ainda mais frequente.
Apesar disso, é igualmente de salientar que 30% raramente ou nunca
recorre em primeiro lugar à internet em busca de informação.

213
Quadro 6.10 Meios de contacto com programas de televisão ou de rádio,
segundo utilização da internet (%)

Já contactou alguma Utilizadores Não utilizadores


vez com um programa
de televisão ou de
Total Total
rádio através... Sim Não N. A. Ns/Nr
(n=711)
Sim Não N.A. Ns/Nr
(n=1739)

… de carta 1,1 97,9 0,0 1,0 100,0 0,5 97,0 1,1 1,4 100,0

… do telefone fixo 3,9 87,8 7,7 0,6 100,0 1,2 82,9 14,7 1,2 100,0

… do envio de
mensagens escritas de 6,0 91,7 1,7 0,6 100,0 1,3 80,8 16,5 1,4 100,0
telemóvel (SMS)

… de telemóvel 2,3 96,4 0,7 0,7 100,0 0,8 82,0 15,7 1,5 100,0

… de correio
2,7 86,5 9,9 0,9 100,0 0,0 37,1 61,9 1,0 100,0
electrónico (email)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Por outro lado, embora se confirme o interesse de muitos dos utiliza-


dores portugueses por sítios onde é possível consultar notícias veiculadas
pela imprensa, não é muito frequente a pesquisa de notícias e dossiers
suscitada pelo seu anúncio nos telejornais televisivos (68% raramente ou
nunca o faz). Da mesma forma, mais de metade dos utilizadores da inter-
net referem nunca ou raramente consultarem informação on-line sobre
um tema ao qual tenham tido acesso na televisão e que lhes interesse. Os
dados confirmam ainda que a maioria tende a não utilizar a internet ao
mesmo tempo que vê televisão ou ouve rádio.
Quanto aos programas eleitorais (quadro 6.11), a distribuição é mui-
to semelhante entre os portugueses que afirmam informar-se antes de
votar (48,5%) e os que declararam não o fazer (49,6%).
São os utilizadores de internet que mais admitem ser costume infor-
marem-se sobre os programas eleitorais antes de votarem (59,9%). E,
mais uma vez, o principal meio é a televisão (66,4%). Facto curioso é
que o documento do programa eleitoral e as revistas são as outras duas
formas privilegiadas de se informarem acerca das diferentes propostas
políticas, ambas recolhendo 12,7% das respostas dos cibernautas. Já nos
não utilizadores, são 44,4% os que afirmam que se informam sobre os
programas eleitorais, mantendo a televisão como o seu meio favorito
(84,3%), seguida das revistas (5,6%).

214
Quadro 6.11 Consulta de informação sobre os programas eleitorais antes de votar,
segundo utilização da internet

Antes de votar, costuma informar- Não


Utilizadores Total
se sobre os diferentes programas utilizadores
eleitorais? n % n % n %

Sim 369 59,9 752 44,4 1122 48,5

Não 233 37,8 913 53,9 1147 49,6

Ns / nr 14 2,3 30 1,8 44 1,9

Total 617 100,0 1696 100,0 2313 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

Fica mais uma vez evidenciado que as novas tecnologias de informa-


ção e comunicação, e em particular a internet, potenciam novas formas
de participação e novas práticas comunicativas, sendo por isso um veícu-
lo informativo por excelência, principalmente junto da população mais
jovem, mais qualificada, activa profissionalmente e de um modo geral
mais participativa cívica e culturalmente.

Opiniões sobre os media

Conhecer as práticas comunicativas dos portugueses passa também


por saber as suas opiniões relativamente aos diferentes media. Da análise
do quadro seguinte ressaltam sobretudo dois aspectos fundamentais
(quadro 6.12). Um primeiro tem a ver com as distintas representações
sobre televisão e internet: se à televisão é particularmente associado o
carácter lúdico, de lazer e de sociabilidade familiar, à internet é-lhe muito
mais conferido um papel informativo ou utilitário. Um segundo aspecto
remete novamente para o desconhecimento da internet – dos indivíduos
analisados cerca de metade afirmam não saber ou não ter opinião sobre
a internet. As representações de utilizadores e não utilizadores sobre estes
media – televisão e internet – são por isso alvo de análise já de seguida.

215
Quadro 6.12 Opiniões sobre a televisão e a internet (%)

Opiniões sobre a televisão e Concorda Concorda Discorda Discorda Total


Ns/Nr
a internet totalmente em parte em parte totalmente (n=2450)

Ver televisão é acima de tudo


uma actividade realizada na 30,8 44,1 15,8 7,7 1,6 100,0
companhia da família

A internet é um local onde


existe muita informação útil 18,7 18,1 7,7 10,9 44,5 100,0
para mim

A televisão permite-
nos enriquecer o nosso
40,9 46,2 9,5 1,8 1,6 100,0
conhecimento do mundo e
das coisas que nos rodeiam

A utilização da internet
permite-me estar 20,0 17,3 6,7 10,6 45,4 100,0
actualizado(a)

A televisão é um meio para


manter as tradições e a
25,7 50,0 16,1 4,5 3,8 100,0
história de uma comunidade
e a sua herança cultural

A utilização da internet
permite-me maior facilidade
13,9 17,9 9,9 11,3 47,0 100,0
de comunicação com pessoas
de outras gerações

A televisão permite
aproximar a família,
24,9 49,9 17,2 5,7 2,2 100,0
discutir os mesmos temas e
programas

Navegar na internet é uma


forma de passar o tempo,
combater o aborrecimento 13,5 20,3 8,9 9,8 47,5 100,0
e uma alternativa a outros
meios de comunicação

A televisão é essencialmente
uma forma de relaxar e de 42,4 46,4 7,8 1,8 1,7 100,0
entretenimento

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

216
Os utilizadores de internet destacam-se sobretudo nas opiniões sobre
a televisão por não concordarem tanto com a função ou dimensão lúdica,
de lazer e entretenimento que esta pode ter, concebendo-a menos como
uma forma de convívio familiar ou de relaxamento individual (quadro
6.13). São, no entanto, altíssimos os níveis de concordância com quase
todas as declarações apresentadas. Principalmente nas questões relativas
à internet, sobressai novamente a atribuição a esta plataforma de um
carácter informativo, potenciador de relações intergeracionais e meio de
actualização dos conhecimentos.
Já entre os não utilizadores, a televisão é encarada essencialmente
pela sua dimensão de lazer e convívio familiar. Os valores de concor-
dância destes em relação aos não utilizadores são sempre mais elevados
em todos os indicadores que se referem ao carácter lúdico, de lazer e de
entretenimento da televisão.
Esta distinção forte entre os dois media poderá eventualmente suge-
rir que a internet se assumirá num futuro próximo como um meio de
comunicação mais relacionado com a esfera informativa ou profissional,
enquanto que a televisão manterá ou reforçará um carácter essencial-
mente lúdico, de lazer e entretenimento.
Questionou-se ainda a população portuguesa sobre se a televisão que
existe hoje em dia é melhor, igual ou pior relativamente à que existia na
infância ou adolescência dos inquiridos (quadro 6.14). A maioria consi-
dera inequivocamente a televisão de hoje melhor do que a que havia no
período da sua infância ou adolescência (61,9%).
Os utilizadores de internet admitem maioritariamente que a televi-
são de hoje é melhor (65,7%), existindo ainda uns expressivos 18,8%
que afirmam ser pior. A tendência de distribuição das respostas nos não
utilizadores é semelhante. Em comparação, a grande diferença diz respei-
to ao facto de 13,1% dos não utilizadores afirmarem não ver ou não ter
televisão nessa altura, situação residual entre os utilizadores da internet.
Não será porventura alheio a esta distribuição o facto dos não utilizado-
res serem tendencialmente mais velhos e por isso não existir televisão na
sua infância/adolescência.

217
Quadro 6.13 Opiniões sobre a televisão e a internet, segundo utilização da
internet (%)

Utilizadores Não utilizadores


Opiniões sobre a televisão
e a internet Total Total
Concorda Discorda Ns/nr Concorda Discorda Ns/nr
(n=711) (n=1739)

Ver televisão é acima


de tudo uma actividade
67,5 31,7 0,8 100,0 77,9 20,2 1,9 100,0
realizada na companhia
da família

A internet é um local onde


existe muita informação 91,0 7,7 1,3 100,0 14,7 23,1 62,2 100,0
útil para mim

A televisão permite-nos
enriquecer o nosso
conhecimento do mundo 86,9 12,6 0,4 100,0 87,2 10,7 2,0 100,0
e das coisas que nos
rodeiam

A utilização da internet
permite-me estar 91,4 7,4 1,3 100,0 15,3 21,3 63,4 100,0
actualizado(a)

A televisão é um meio
para manter as tradições
e a história de uma 74,3 25,0 0,7 100,0 76,3 18,7 5,0 100,0
comunidade e a sua
herança cultural
A utilização da internet
permite-me maior
facilidade de comunicação 78,1 19,2 2,6 100,0 12,9 22,0 65,1 100,0
com pessoas de outras
gerações
A televisão permite
aproximar a família,
70,8 28,7 0,5 100,0 76,5 20,5 2,9 100,0
discutir os mesmos temas
e programas
Navegar na internet é uma
forma de passar o tempo,
combater o aborrecimento 79,7 19,1 1,1 100,0 15,1 18,4 66,5 100,0
e uma alternativa a outros
meios de comunicação
A televisão é
essencialmente uma
84,8 14,9 0,2 100,0 90,4 7,4 2,2 100,0
forma de relaxar e de
entretenimento

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todos as questões).

218
Quadro 6.14 Comparação da televisão actual com a que viam na infância ou
adolescência, segundo utilização da internet

Comparando a televisão que existe Utilizadores Não utilizadores Total


hoje em dia, com a que existia na sua
infância/adolescência, diria que hoje a
televisão é melhor, igual ou pior? n % n % n %

Melhor 467 65,6 1051 60,4 1517 61,9

Igual 87 12,2 173 10,0 260 10,6

Pior 134 18,9 247 14,2 382 15,6

Não via / não tinha nessa altura 8 1,1 228 13,1 236 9,6

Não sabe / não responde 15 2,2 39 2,3 55 2,2

Total 711 100,0 1739 100,0 2450 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

Práticas comunicativas e usos do tempo

Iniciou-se este capítulo com a análise da realização e frequência das


práticas comunicativas no contexto das actividades quotidianas. Agora,
tentar-se-á relacionar essas práticas com os usos do tempo no dia-a-dia.
Dos vários indicadores analisados a este respeito, pode dizer-se que,
em média, os portugueses dormem por dia 7 horas e meia, dedicam
apenas menos uma hora (6 horas e meia, aproximadamente) a brincar
com as crianças ou a falar com pessoas do agregado doméstico, vêem
televisão e ouvem rádio cerca de 2 horas e meia diariamente (cada uma
delas), falam ao telefone ou ao telemóvel durante vinte minutos e, entre
os cibernautas, navegam 1 hora na web (quadro 6.15). Semanalmente,
a maior fatia de tempo é utilizada na realização das tarefas domésticas
(mais de duas horas em cada dia), no estudo ou no trabalho.
Se este é genericamente o padrão médio de uso do tempo para a
população portuguesa, convém perceber se os utilizadores de internet
vivem o quotidiano de modo muito diferente dos não utilizadores.
Começando pelas actividades de comunicação com suporte tecnoló-
gico (quadro 6.15), uma diferença significativa é a média de horas mais

219
baixa que os cibernautas gastam a ver televisão: pouco mais de duas
horas por dia, quando os não utilizadores da internet atingem perto de
três horas diárias. Quanto à rádio, a diferença não é tão grande, mas
são também os não utilizadores da internet que dedicam mais tempo
diário à sua audição. De lembrar que ver televisão e ouvir rádio são duas
actividades quotidianas significativamente transversais à maioria da po-
pulação portuguesa. As outras actividades referenciadas no quadro 6.15
são menos praticadas pelos não utilizadores da internet e, quando o são,
são-no durante períodos diários mais reduzidos (ou nulos, obviamente,
no caso da própria internet).

Quadro 6.15 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades (em mi-
nutos), segundo utilização da internet

Em média, quanto tempo dedica Utilizadores Não utilizadores


por dia... n Média n Média
… a ver televisão 706 135,3 1720 175, 7
… a ouvir rádio 683 147,5 1443 155,4
… a usar a internet 673 64,9 -- --
… a ler jornais 623 34,5 1162 33,1
… a falar ao telemóvel 689 36,3 1055 19,7
… a falar ao telefone fixo 496 29,9 984 17,6

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Constatou-se que uma fatia importante dos tempos quotidianos é


votada, para além do trabalho/estudo e do sono, às actividades domés-
ticas. No caso dos indivíduos que se declaram utilizadores da internet, o
tempo despendido neste tipo de tarefas é contudo relativamente baixo,
em especial quando comparado com o verificado entre os não utilizado-
res. Em média, os primeiros afirmam consumir pouco mais de 4 horas
semanais nas actividades ligadas à casa durante os dias de semana e cerca
de 3 horas nos fins-de-semana. Já no que respeita aos não utilizadores
estes valores sobem para cerca de 7 horas e meia, no primeiro caso, e 4
horas no segundo.

220
Quadro 6.16 Horas semanais dedicadas às actividades domésticas, segundo utili-
zação da internet

Horas semanais dedicadas às actividades Utilizadores Não utilizadores


domésticas n % n %
0 horas 203 28,5 443 25,5
Horas semanais dedicadas de 0,1 a 5 horas 343 48,3 566 32,5
às tarefas domésticas de 5,1 a 13 horas 110 15,4 383 22,0
excluindo os fins-de-
semana de 13,1 a 25 horas 44 6,2 232 13,3
(p<0,01) 25,1 e mais horas 9 1,2 106 6,1
Ns/nr 2 0,3 9 0,5
Total 711 100,0 1739 100,0
0 horas 211 29,6 442 25,4
Horas semanais dedicadas de 0,1 a 5 horas 383 53,9 751 43,2
às tarefas domésticas aos
de 5,1 a 13 horas 98 13,8 477 27,4
fins-de-semana
(p<0,01) de 13,1 a 25 horas 17 2,3 60 3,4
Ns/nr 2 0,3 10 0,6
Total 711 100,0 1739 100,0
0 horas 173 24,4 398 23,0
Total horas semanais de 0,1 a 5 horas 215 30,4 271 15,7
dedicadas às tarefas
de 5,1 a 13 horas 205 29,0 486 28,1
domésticas
(p<001) de 13,1 a 25 horas 79 11,2 336 19,4
de 25,1 e mais horas 36 5,1 240 13,8
Total 709 100,0 1730 100,0
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Tal diferença não é de estranhar quando se sabe que entre os não


utilizadores existe uma muito maior representação das mulheres e que
são estas que asseguram no quotidiano a realização da maior parte das
tarefas domésticas. Embora se tenham vindo a registar, nos últimos
anos, grandes mudanças no que respeita à participação dos homens na
vida familiar e à partilha das responsabilidades e das tarefas domésticas,
em Portugal são ainda maioritariamente os homens que menos horas
dedicam à sua realização. Em contrapartida, são estes os que mais decla-
raram ser utilizadores da internet.

221
O quadro 6.16 confirma precisamente esta situação. A maioria dos
utilizadores da internet (48%) despendem até 5 horas semanais nas
tarefas domésticas (excluindo os fins-de-semana) e quase 30% referem
mesmo não ocupar qualquer tempo durante a semana com este tipo de
tarefas. No caso dos não utilizadores, 40% afirmam demorar mais de 5
horas semanais (excepto fins-de-semana) nas actividades do lar, sendo
de 25% a percentagem dos que referem a total ausência destes afazeres
durante a semana. Ao fim-de-semana a comparação é semelhante en-
tre os dois grupos, manifestando-se em geral um aumento relativo do
tempo despendido nestas matérias (tendo em conta que se trata apenas
de dois dias).
Já no que toca às horas de trabalho (quadro 6.17), a comparação
tende a apontar mais semelhanças que diferenças, ainda que se verifi-
que uma incidência ligeiramente superior, no caso dos utilizadores, na
categoria até 35 horas trabalho semanal (24%). A maioria destes últimos
(36%) inscreve-se no escalão das 36 a 40 horas, mas quase 30% traba-
lham ainda, em termos médios, mais de 45 horas semanais.

Quadro 6.17 Horas de trabalho semanal, segundo utilização da internet

Horas semanais que dedica ao Utilizadores Não utilizadores


trabalho n % n %
até 35 horas 115 24,3 152 16,6
de 36 a 40 horas 171 36,0 360 39,2
de 41 a 45 horas 54 11,5 132 14,4
46 e mais horas 133 27,9 257 28,1
Ns/nr 2 0,4 15 1,7
Total 476 100,0 917 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

Outro dado disponível prende-se com o tempo utilizado em conver-


sas com os membros do agregado familiar (quadro 6.18). Também aqui
as diferenças são pouco significativas, registando-se que a maioria dedica
1 a 4 horas diárias ao convívio familiar.

222
Quadro 6.18 Horas diárias de conversa com os membros do agregado, segundo
utilização da internet

Horas diárias de conversa com os Utilizadores Não utilizadores


membros do agregado n % n %
até 30 minutos 42 6,5 95 6,2
de 30,01 minutos a 1 hora 120 18,5 195 12,8
de 1,01 a 2 horas 193 29,7 398 26,1
de 2,01 a 4 horas 210 32,4 495 32,5
4,01 e mais horas 75 11,5 303 19,9
Não sabe / não responde 9 1,4 39 2,6
Total 649 100,0 1525 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

No caso das horas dispensadas ao sono, durante a semana os com-


portamentos de utilizadores e não utilizadores da internet tendem a
aproximar-se, registando-se como situação mais comum entre 6 a 8 horas
de sono diárias. Já ao fim-de-semana, os cibernautas manifestam dormir
um pouco mais: a maioria (46%) descansa por mais de 8 horas, enquan-
to apenas 28% dos não utilizadores afirmam fazê-lo (quadro 6.19).

Quadro 6.19 Horas diárias a dormir, segundo utilização da internet

Utilizadores de internet Não utilizadores de internet


Horas diárias a dormir
n % n %
até 6 horas 51 7,2 323 18,6

de 6,01 a 8 horas 402 56,6 1020 58,7

8,01 e mais horas 255 35,9 390 22,4


Não sabe / não
2 0,3 6 0,3
responde
Total 711 100,0 1739 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

223
A interferência da utilização da internet no tempo despendido a dor-
mir é praticamente nula. Para 86,2% dos utilizadores de internet não
se registou nenhuma alteração no tempo que dedicam ao sono, sendo
apenas 9% os que referem que passaram a dormir menos.

Quadro 6.20 Actividades consideradas mais interessantes (1ª, 2ª e 3ª opção),


segundo utilização da internet

Actividades consideradas mais Utilizadores de internet Não utilizadores de internet


interessantes n % n %
Jogar jogos de vídeo (em
30 4,2 15 0,9
consolas)
Falar ao telemóvel 31 4,4 48 2,8
Actividade
que Ouvir música em CD 97 13,6 80 4,6
considera Ouvir rádio 49 6,9 162 9,3
a 1ª mais
interessante Ver televisão 239 33,6 1297 74,6
(p<0,01) Ler jornais 66 9,4 128 7,3
Utilizar a internet 197 27,7 2 0,1
Não sabe / não responde 2 0,2 7 0,4
Total 711 100,0 1739 100,0
Jogar jogos de vídeo (em
19 2,7 7 0,4
consolas)
Falar ao telemóvel 50 7,1 79 4,6
Actividade
que Ouvir música em CD 92 13,0 104 6,0
considera Ouvir rádio 110 15,4 708 40,7
a 2ª mais
interessante Ver televisão 219 30,8 303 17,4
(p<0,01) Ler jornais 98 13,7 400 23,0
Utilizar a internet 121 17,0 2 0,1
Não sabe / não responde 2 0,2 136 7,8
Total 711 100,0 1739 100,0
Jogar jogos de vídeo (em
33 4,6 19 1,1
consolas)
Falar ao telemóvel 92 13,0 217 12,5
Actividade
que Ouvir música em CD 93 13,0 164 9,4
considera Ouvir rádio 133 18,7 419 24,1
a 3ª mais
interessante Ver televisão 120 16,9 88 5,0
(p<0,01) Ler jornais 142 20,0 484 27,9
Utilizar a internet 89 12,5 3 0,2
Não sabe / não responde 9 1,3 346 19,9
Total 711 100,0 1739 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

224
Foi ainda pedido aos inquiridos que emitissem a sua opinião quanto
ao interesse de um conjunto de práticas comunicativas, tais como, ver
televisão, falar ao telefone, ouvir música, entre outras. De entre essas,
os portugueses elegem como 1ª actividade mais interessante, em conso-
nância com as práticas que desenvolvem, ver televisão (62,7%), seguida
a muita distância de ouvir rádio (8,6%) e de um terceiro lugar bastante
surpreendente para a utilização da internet (8,1%).
As actividades consideradas pelos cibernautas como mais interessan-
tes numa primeira escolha são ver televisão (33,6%) e utilizar a internet
(27,7%), optando assim pela interactividade e pelos equipamentos
audiovisuais (quadro 6.20). Já os não utilizadores optam em 1º lugar
esmagadoramente por ver televisão (74,6%), seguindo-se a muita distân-
cia ouvir rádio (40,7%), ambas actividades receptivas em detrimento da
interactividade.

A internet e a comunicação na sociedade em rede

O impacto da internet nas práticas comunicativas dos portugueses


não é, como algumas teses têm vindo a difundir, de substituição da utili-
zação dos media tradicionais pelo uso desta nova plataforma tecnológica
como principal meio de informação e comunicação. A internet adquire
na sociedade em rede um papel adicional enquanto suporte de informa-
ção e meio de comunicação, juntando-se aos que já existem.
As actividades quotidianas não se alteram significativamente após
a introdução do uso da internet. Onde as mudanças são mais visíveis,
embora não muito acentuadas, é em práticas comunicativas tecnologica-
mente mediadas, designadamente ver televisão, vídeos e DVDs.
Embora exista, em Portugal, um centramento na televisão, quer em
termos de práticas de utilização, quer em termos de opinião sobre o nível
de confiança que se tem na informação difundida e no interesse que
desperta entre as pessoas, a internet parece vir a adquirir um papel não
menosprezável como suporte informativo considerado fidedigno.
Este papel é tão mais importante quanto se sabe que os utilizadores
de internet são em geral mais jovens, mais qualificados e com tendência
para crescerem em volume e intensidade. Parece pois ser possível anteci-
par uma importância crescente do uso da internet como meio de infor-

225
mação e comunicação, que não se substituirá aos media tradicionais nem
invadirá o tempo quotidiano como alguns temeriam, mas que adquirirá
um lugar central na construção de uma sociedade em rede mais alargada
e difusa em Portugal.
Na sociedade em rede a organização do sistema dos media e a sua evo-
lução estão em grande parte dependentes do modo como a população se
apropria socialmente deles. É através da forma como se atribuem papéis
sociais de informação, entretenimento, acção e organização a cada media
que se desenham as redes de interdependências entre eles.
Mas, embora os media acompanhem a humanidade desde que esta
organizou de forma sistematizada os códigos de comunicação (Eco
2000), só neste momento da história é possível encontrar um modelo
de organização do sistema dos media baseado na interligação em rede.
Porquê? Porque, o surgimento da Internet permitiu numa primeira fase
a migração para o on-line digital dos mass media tradicionais, criando as
pontes necessárias entre velhos e novos media. Numa segunda fase, a
mesma internet, induziu o estabelecimento de um cada vez maior núme-
ro de interligações entre todos os media, fossem digitais ou analógicos.
A hipótese de partida para a caracterização do sistema dos media na
sociedade actual é de que, ao contrário do muitas vezes sugerido e tam-
bém algumas vezes refutado (Ortoleva, 2004), o que o caracteriza não é
a convergência2, mas sim a sua organização em rede. Essa organização
ocorre em diversos níveis, desde o da relação tecnológica, à organização
económica e à apropriação social.
Segundo as opiniões muitas vezes veiculadas em artigos de jornais e
revistas, especializadas ou generalistas, por consultores e diversos lideres
de opinião, ter-se-ia assistido durante os últimos anos a uma convergên-
cia em diversas dimensões do universo dos media. Embora a fusão de
grandes gigantes dos media como a AOL e Time Warner (Castells, 2004)
2
Utilizando uma sugestão de McLaughlin (Ortoleva, 2004), pode-se descrever
convergência como sendo o superar das barreiras económicas e institucionais, possi-
bilitada pelo advento do digital, que subdividiam os media em quatro grandes secto-
res: o editorial dominado pelo sector privado de imprensa e tutelado pelo copyright,
o dos transmissores, isto é das redes de distribuição que engloba o sector postal e
telecomunicações e Internet, o do broadcasting baseado na publicidade, e o do har-
dware baseado na produção e distribuição de aparelhos destinados à comunicação
(das câmaras de vídeo, às aparelhagem estéreo, cassetes e periféricos).

226
tenha suscitado diversos processos de mimetismo em todo o mundo
desenvolvido (o que, em Portugal, poderia ser ilustrado pela aquisição
da Lusomundo pela Portugal Telecom), na realidade a gestão continuou
essencialmente assente na lógica de unidades de gestão diferenciadas
(veja-se a Sony Records e os seus processos contra a troca ilegal de música
na Internet e simultaneamente a promoção do mp3 pela divisão Sony de
hardware nos seus walkman).
Também na dimensão tecnológica as tentativas de incorporação de
diferentes tecnologias de media previamente apropriadas socialmente
(como a televisão e o computador) em aparelhos únicos tiveram dimen-
sões de sucesso diferenciadas (a webTV foi um falhanço mas os telemó-
veis transformaram-se em walkmans).
A argumentação aqui apresentada é de que o actual sistema dos
media parece encontrar-se assim organizado não em função da ideia de
convergência, possibilitada pelo digital, mas pela articulação em rede.
Como se estrutura essa articulação em rede? Uma segunda hipótese
que aqui se propõe é que o sistema dos media se articula cada vez mais
em torno de duas redes principais, as quais por sua vez comunicam entre
si através de diferentes tecnologias de comunicação e informação. Essas
redes constituem-se respectivamente em torno da televisão e da internet
estabelecendo nós com diferentes tecnologias de comunicação e infor-
mação como o telefone, a rádio, imprensa, etc.
O porquê da existência de duas redes principais? A resposta é comple-
xa, no entanto, poder-se-á aventar a hipótese de que tal estará relaciona-
do com as dimensões de interactividade possibilitadas tecnologicamente
por cada uma daquelas redes e a valorização social dessas diferentes
dimensões interactivas. Uma leitura que surge da análise das práticas de
fruição, para a qual é fundamental a noção de matriz de media3.
Fruto da introdução na televisão de um novo grau de interactividade
aquela está a evoluir para o que se pode designar por televisão em rede.
Esta é aberta ao público no sentido em que a televisão continua a ser o

3
Originalmente proposta por Meyrovitz (1993) pretende-se sublinhar o facto de
todos os indivíduos, subjectivamente, tenderem a estabelecer uma hierarquia mental
entre os diversos tipos de media e o lugar que estes ocupam na vida quotidiana. Hie-
rarquias essas que, sendo estritamente individuais, são simultaneamente partilhadas
socialmente.

227
media que chega ao maior número de pessoas, não necessitando assim de
obter uma nova legitimidade. Em vez disso, a televisão assume-se como
parte de uma rede maior de tecnologias de mediação, relacionando-se
com outras tecnologias, mas não perdendo a sua característica de suces-
so que reside no baixo nível de interactividade com o telespectador (ou
no seu modelo comunicacional de interactividade).
A televisão em rede diferencia-se também da televisão interactiva no
sentido em que não se desenvolve sob uma capa de convergência tecno-
lógica. Ao invés, combina várias tecnologias de comunicação, analógicas
e digitais, interagindo em forma de rede com o intuito de promover a
interactividade com os seus telespectadores.
Assim, a televisão em rede desenvolve-se num ambiente de divergên-
cia tecnológica, o que fica demonstrado através da análise dos dados
recolhidos em que fica patente a utilização, ainda que escassa, de vários
meios, como o telefone, SMS, e-mail e internet como formas de os te-
lespectadores interagirem com os programas. Por outro lado, a análise
mostra que a televisão interactiva tem ainda um peso residual, tanto na
sua penetração nos lares portugueses, como na interacção entre telespec-
tadores e TV.
Daí que a resposta provável à questão colocada por Els de Bens
(1998) – sobre se o telespectador verá no futuro, os seus programas,
num televisor ou num computador – seria que: baseado nas observações
das práticas sociais com os media, os dois universos encontram-se separa-
dos, embora comunicando entre si. Na televisão ver-se-ão determinados
programas e interagir-se-á num ambiente em rede que pode combinar
o envio de e-mails, SMS, o telefonar a partir de um telemóvel ou de um
telefone fixo, para dar uma opinião, seja ela através de argumentação ou
pelo simples voto.
Com um computador comunicar-se-á dialogando com outros utiliza-
dores de computadores, procurar-se-á informação específica ou dar-se-á
ainda uma volta pelas montras das diversas páginas web, não seguindo
qualquer percurso predeterminado. E se, para além de telespectador, se
for utilizador de internet ir-se-á porventura passar menos 30 a 40 minu-
tos por dia a ver TV, pelo menos por enquanto.

228
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 7
Referências identitárias, práticas de cidadania
e utilização da internet

E
ste capítulo incide sobre dois temas distintos, mas relacionados.
Em primeiro lugar, analisam-se essencialmente indicadores de
referências identitárias e discutem-se processos de construção
de identidade na sociedade portuguesa actual. Seguidamente, focam-
-se dimensões relativas à acção colectiva, dando especial atenção ao
exercício de algumas práticas de cidadania. Pretende-se contribuir para
compreender as implicações que o uso da internet tem nas questões
identitárias e nas de participação social e política.
A identidade não pode ser vista apenas como uma lista de caracte-
rísticas, mas antes como uma construção simbólica e interaccional que
conjuga elementos de memória e de projecto adquiridos e desenvolvidos
pela prática social (Castells e outros, 2003; Costa, 1999). Esta concep-
tualização transparece nos indicadores aqui utilizados para a análise das
referências e práticas identitárias.
As representações e os sentimentos de identificação manifestam-se
como autodefinições e ao mesmo tempo como factores de coesão colec-
tiva. Neste capítulo, e com o objectivo de analisar algumas dimensões
fundamentais das construções de identidade individual e colectiva, são
examinados, antes de mais, as hierarquias gerais de referências identi-
tárias, sendo depois objecto de atenção mais específica as referências
históricas e territoriais.

Principais referências identitárias dos portugueses

Como se tornou habitual em inquéritos que se debruçam sobre


referências identitárias, colocaram-se os portugueses perante uma lista

229
de aspectos da vida social corrente com os quais se podem identificar
de maneira mais ou menos acentuada: o trabalho, a família, a cultura,
a língua, a religião, o país, o género, a idade, a natureza, a humanidade,
consigo próprios e com nada em especial. O objectivo era conseguir que
fosse referido o principal aspecto de identificação e para isso era pedido
que seleccionassem apenas uma única resposta desta lista de categorias.
Cerca de metade dos portugueses (47,7%) elege como principal
referência identitária a família, seguida a muita distância de 15,8% que
afirmam identificar-se fundamentalmente consigo próprios. Estas duas
categorias são coincidentes com as que se salientaram na Catalunha
(Castells e outros, 2003: 217), embora a identificação com a família seja
ainda mais elevada entre os catalães e a identificação principal consigo
mesmo desça para cerca de metade. A cultura e o trabalho são as catego-
rias que, em Portugal, recolhem o terceiro e quarto lugar de identifica-
ção, com 6,4% e 6,1%, respectivamente.
Tentando perceber melhor estes sentimentos de identificação, cru-
zou-se esta informação com algumas características sociográficas dos
indivíduos, tais como a idade e o sexo, e ainda a declaração de se ser
utilizador ou não da internet.

Quadro 7.1 Aspectos com que mais se identificam, segundo escalões etários (%)

Aspectos com que mais se


15-29 anos 30-49 anos 50 ou + anos Total
identifica
Com a sua família 39,5 50,0 52,6 47,7
Com você mesmo 21,0 15,3 11,8 15,8
Com a sua cultura 7,2 7,2 5,0 6,4
Com o seu trabalho 4,5 9,0 4,9 6,1
Com o seu país 3,8 5,0 5,8 4,9
Com as pessoas da sua idade 10,0 1,0 2,7 4,4
Não se sente identificado com
4,2 3,6 3,8 3,9
nada de especial
Com a sua religião 1,4 1,6 6,9 3,5
Com ser mulher/ homem 3,1 3,2 1,9 2,7
Com a natureza 2,3 1,6 1,4 1,8
Com a sua língua 2,0 1,0 1,5 1,5
Com a humanidade 0,9 1,4 1,7 1,3
100,0 100,0 100,0 100,0
Total (n=756) (n=819) (n=875) (n=2450)
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

230
Há alguns aspectos a salientar quando se ventilam os resultados das
principais referências identitárias por escalões de idade (quadro 7.1). O
primeiro diz respeito ao escalão mais jovem (dos 15 aos 29 anos), em
que as referências identitárias à família, sendo as principais, apresentam
comparativamente com as outras faixas etárias os valores mais baixos
(39,5%), seguidos dos da identificação consigo próprio, neste caso a
comparativamente mais elevada (21%) e aparecendo em terceiro lugar
a identidade geracional ou etária, com valores na ordem dos 10%. O
segundo aspecto a referir, em oposição, está relacionado com o escalão
mais velho (acima dos 50 anos) em que a referência identitária familiar
para além de ser a principal é também a que tem valores comparativa-
mente mais elevados (52,6%); o sentimento de identificação consigo
próprio mantém-se em segundo lugar mas com valores mais baixos
(11,8%), e como terceiro aspecto citado surge a religião (6,9%). Por
último, no escalão dos 30 aos 49 anos, para além das duas primeiras
referências surgirem com os valores mais próximos da média global, a
terceira é também um aspecto que ainda não tinha sido referido – o
trabalho (9%). Estes resultados mostram claramente alguns denomina-
dores comuns identitários bastante estabilizados (sobretudo a família) e,
ao mesmo tempo, alguma especificidade geracional nas referências iden-
titárias. Se os jovens acentuam as auto-referências individuais, os adultos
em idade activa convocam a referência profissional, e os mais velhos a
referência identitária religiosa.
Homens e mulheres partilham as duas principais referências identi-
tárias com a família e eles mesmos. No entanto, o terceiro sentimento
de identificação masculino registado foi com a cultura (categoria infeliz-
mente demasiado vaga) – 8,1% – e o feminino foi com a vida profissional
– 5,2% – o que é significativo da importância dos processos de crescente
profissionalização das mulheres verificados nas últimas décadas.
As principais referências identitárias dos utilizadores de internet
(quadro 7.2), são também com a família (41,0%) e consigo próprios
(17,9%). Os não utilizadores distribuem-se de modo semelhante, mas
com alguma diferença nos valores obtidos – com a família (50,5%) e
consigo próprios (14,9%).
A análise mostra, pois, que a família é inequivocamente a principal
referência identitária mencionada pelos portugueses, em termos compa-
rativos, como aliás se tem verificado repetidamente noutros estudos e

231
para a generalidade dos países, seguida mas de longe pela referência de
identificação consigo próprios. As variações a registar dizem essencial-
mente respeito à idade dos entrevistados – os mais jovens identificam-se
sobretudo com a família, mas são também mais centrados em si próprios
e na sua geração enquanto que os mais velhos optam por outro tipo de
referências, como designadamente, o trabalho ou a religião.

Quadro 7.2 Aspectos com que mais se identificam, segundo utilização da internet
(%)

Aspecto com o qual mais se identifica Utilizadores Não utilizadores


Com a sua família 41,0 50,5
Com você mesmo 17,9 14,9
Com a sua cultura 7,6 5,9
Com o seu trabalho 7,3 5,7
Com o seu país 4,1 5,2
Com as pessoas da sua idade 7,4 3,1
Não se sente identificado com nada de especial 3,9 3,9
Com a sua religião 1,2 4,4
Com ser mulher / com ser homem 2,7 2,7
Com a natureza 2,7 1,4
Com a sua língua 1,7 1,4
Com a humanidade 2,5 0,9

Total 100,0 100,0


(n=711) (n=1739)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

O uso da internet não estabelece grandes diferenças em termos de


principais referências identitárias, sendo que entre os utilizadores a iden-
tificação familiar é um tanto mais baixa comparativamente com os não
utilizadores e a auto-identificação algo mais elevada, o que coincide com
a composição geracional dos principais protagonistas da integração na
sociedade em rede, tal como é sugerido por Castells (Castells e outros
2003: 218).

232
Referências identitárias históricas

Um dos elementos mais importantes a ter em conta nos processos


de construção da identidade é, sem dúvida, a história. Com a língua e o
território constitui um trio fundamental de referências identitárias. Em
Portugal, a análise da identidade sócio-histórica não pode ser dissociada
das mudanças significativas ocorridas num passado ainda muito recente.
A revolução do 25 de Abril de 1974 que instaurou em Portugal o regime
democrático, acabando com quase meio século de um regime político
ditatorial fascista, foi vivenciada por uma larga maioria da população
ainda viva e constitui, por isso, uma referência histórica inigualável.
A referência de 50,6% dos portugueses às datas históricas como as
mais significativas, e o facto de 41,3% se reportarem ao 25 de Abril de
1974, constitui um excelente exemplo do argumento anterior. De segui-
da, surgem as datas religiosas (13,1%) e as datas pessoais (12,8%), com
valores muito próximos. As primeiras são constituídas essencialmente
pela referência ao Natal (10,5%), sendo apenas 2,7% os inquiridos que
referem outras datas relacionadas com a religião.
São os mais velhos que mais referenciam as datas históricas portugue-
sas como aspectos identitários significativos – 52,3% no grupo dos 30 aos
49 anos e 55,4% nos com 50 anos ou mais, contra 43,1% nos que têm
idades entre os 15 e os 29 anos –, enquanto são os jovens que mais referem
as datas pessoais (16%). As datas religiosas adquirem especial significado
entre os inquiridos com idades superiores a 50 anos (15,2%).
Algumas diferenças há também a salientar quando analisadas as refe-
rências às datas mais significativas realizadas por homens e mulheres (qua-
dro 7.3). São os homens que mais referem as datas históricas portuguesas
(55,5% contra 45,9%). Para as mulheres em segundo lugar são as datas
religiosas (16,5%) e, para os homens, são as datas pessoais (12,2%).
No que se refere ao facto de se ser utilizador ou não da internet há
algumas diferenças a salientar quando comparadas as datas históricas
mais significativas para os dois grupos (quadro 7.4).
As datas históricas portuguesas são as referidas pelos utilizadores
de internet como mais significativas (48,8%), seguidas, mas a grande
distância, das datas pessoais (16,2%). Nos não utilizadores surge, em
segundo lugar, a referência às datas religiosas (14,5%). Por outro lado, os
cibernautas referem datas históricas mundiais (11,8%) comparativamen-

233
te muito acima do que os não utilizadores (4,9%). A integração na socie-
dade em rede pode ter aqui algum efeito de alargamento dos universos
de referência a um âmbito mais global.

Quadro 7.3 Datas mais significativas, segundo sexo (%)

Datas mais significativas Masculino Feminino Total


Datas históricas portuguesas 55,5 45,9 50,6
Datas religiosas 9,5 16,5 13,1
Datas pessoais 12,2 13,3 12,8
Datas históricas mundiais 8,6 5,3 6,9
Outras datas 1,6 1,2 1,4
Nenhuma 2,6 2,2 2,4
Não sabe / não responde 10,0 15,5 12,9

Total 100,0 100,0 100,0


(n=1184) (n=1266) (n=2450)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

Quadro 7.4 Datas mais significativas, segundo utilização de internet (%)

Datas mais significativas Utilizadores Não utilizadores


Datas históricas portuguesas 48,8 51,3
Datas religiosas 9,9 14,5
Datas pessoais 16,2 11,4
Datas históricas mundiais 11,8 4,9
Outras datas 1,3 1,4
Nenhuma 2,9 2,2
Não sabe / não responde 9,1 14,4
100,0 100,0
Total (n=711) (n=1739)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

234
Em conclusão, as principais referências históricas dos portugueses
dizem respeito a acontecimentos nacionais recentes e muito marcantes
na vida social e política do país, como é exemplo o já referido 25 de Abril
de 1974, seguidas a muita distância das referências religiosas e pessoais.
Sendo o Natal uma das datas mais significativas na categoria das datas
religiosas1, é razoável admitir que a referência envolve não só dimensões
de carácter religioso mas também uma dimensão familiar e uma dimen-
são de celebração comunicativa, lúdica e, até, comercial que essa data
contém na sociedade portuguesa, tal como, aliás, na generalidade das
sociedades ocidentais.

Referências identitárias territoriais

Um outro tipo de referência identitária que mereceu análise específi-


ca foi a territorial. Assim, de um conjunto de locais com que se podem
identificar, os inquiridos elegeram em primeiro lugar a localidade em
que nasceram (41,3%), depois Portugal (25%) e, em terceiro, a localidade
onde vivem actualmente (22,9%). Esta primeira aproximação empírica
poderá indiciar uma relação destes resultados com os processos migrató-
rios recentes da população portuguesa que consistiram basicamente na
deslocação do interior para o litoral e dos meios rurais para os grandes
centros urbanos. A noção da “terra” (entendida como o local em que
nasceu) parece adquirir enorme importância como elemento identitário
dos portugueses, salientando porventura as questões relacionadas com
as origens familiares, as tradições culturais, as sociabilidades infanto-ju-
venis, entre outras.
1
A este propósito valerá a pena aqui indicar alguns dos resultados obtidos sobre
as crenças religiosas ou espirituais e usos da internet. Uma larga maioria dos portu-
gueses declara acreditar em Deus (88,5%), tal como já havia sido concluído noutras
pesquisas. Essa maioria mantém-se quer nos utilizadores de internet (80,2%), quer
nos não utilizadores (91,9%). Porém, há ainda 10,5% dos portugueses que sentem
algum tipo de espiritualidade transcendente não religiosa e é no grupo dos cibernau-
tas que encontramos uma maior taxa de respostas (14%) comparando com os não
utilizadores (9%). A utilização da internet relativamente a crenças religiosas ou práti-
cas espirituais é residual, desenvolvida apenas por 4,2% dos cibernautas. E, quando
o fazem, é principalmente para se informarem sobre as crenças que perfilham (48%
dos anteriores).

235
A referência ao território nacional é também significativa (um quarto
dos portugueses refere-a em segundo lugar), embora não tão elevada,
por exemplo, como a identidade territorial dos catalães com a região da
Catalunha, a qual surge em primeiro lugar com 31,9% (Castells e outros,
2003: 215).
Não se pode deixar de salientar também os ainda fracos níveis de
identificação dos portugueses com a Europa (2,5%) e com o Mundo
(4,1%). Valores que assumem uma proporção um pouco diferente quan-
do filtrados, por exemplo, pela utilização da internet, como se constatará
de seguida.
O padrão de identificação territorial entre utilizadores e não utiliza-
dores de internet (quadro 7.5) apresenta, com efeito, algumas diferenças.
É entre os cibernautas que a identificação com o local em que nasceu
é mais baixa (31%) comparativamente com os não utilizadores (45,5%).
Já em relação à identificação com o território português passa-se o con-
trário – a referência mais alta é entre os utilizadores de internet (28%),
sendo quase menos cinco pontos percentuais a indicação desta categoria
realizada pelos não utilizadores de internet (23,8%).
A destacar, ainda, a maior identificação no grupo dos utilizadores
com a Europa (4,9%) e com o Mundo (9%), em comparação com os que
não utilizam a world wide web (1,5% e 2,1%, respectivamente).

Quadro 7.5 Referência identitária territorial, segundo utilização de internet (%)

Local com o qual mais se identifica Utilizadores Não utilizadores Total


Com a localidade em que nasceu 31,0 45,5 41,3
Com a localidade em que vive
21,2 23,6 22,9
actualmente
Com Portugal 28,0 23,8 25,0
Com a Europa 4,9 1,5 2,5
Com o Mundo 9,0 2,1 4,1
Não se sente identificado com
4,7 2,3 3,0
nenhum destes lugares
Não sabe / não responde 1,2 1,2 1,2

Total 100,0 100,0 100,0


(n=711) (n=1739) (n=2450)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

236
Mais uma vez, estes resultados parecem indiciar uma maior amplitu-
de de referências globais (como por exemplo, com a Europa e o Mundo)
entre os cibernautas quando comparados com os indivíduos que se de-
claram como não utilizadores de internet. Claro está que é entre os mais
jovens que estas referências também surgem com maior destaque para
o processo de construção da identidade. Relembre-se que Portugal só
aderiu à então Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, não
tendo sequer completado ainda duas décadas enquanto país participan-
te no processo de integração europeia.
Há contudo outros indicadores que parecem reflectir a crescente
importância da União Europeia na vida quotidiana dos portugueses.
Um pouco mais de um quinto dos inquiridos (21,6%) revela que se sente
mais europeu desde a mudança do escudo para o euro e essa percenta-
gem é ainda mais elevada no grupo dos utilizadores de internet (31,2%).
Dos não utilizadores, 17,6% declaram que se sentem mais europeus a
partir da entrada do euro em circulação.
Ainda em relação à Europa, e quanto ao orgulho de ser europeu,
são quase 3⁄4 dos inquiridos (72,5%) que respondem positivamente a
esta questão. No grupo dos utilizadores de internet a percentagem das
respostas afirmativas sobe para 81%. Descendo cerca de dez pontos
percentuais a opinião dos não utilizadores sobre esta mesma questão,
são também 69,1% deles que sentem orgulho em serem europeus. Há,
portanto, indícios de um sentimento de pertença à Europa já bastante
enraizado, em particular nos utilizadores de internet.

Pertença e participação associativa

As sociedades democráticas enfrentam, na sua maioria, problemas


relacionados com a participação cívica, social e política. Para uns, esses
fracos níveis de adesão, interesse e participação significam maturidade
democrática e bom funcionamento das estruturas de poder, para outros,
revelam descontentamento e alheamento dos cidadãos face a quem os
governa.
Na sociedade em rede, os modos de participação e os meios disponí-
veis para serem utilizados alteraram-se significativamente. As tecnologias
de informação e comunicação podem permitir aos cidadãos uma maior

237
proximidade às estruturas do poder democrático, associativo, etc., bem
como uma maior facilidade de contacto e interacção. Contudo, isso não
se tem verificado inequivocamente nem de forma muito alargada, conti-
nuando ainda pouco disseminada a utilização da internet, por exemplo,
nos contactos com a administração pública ou com os diferentes órgãos
do poder central e local. Estes são alguns dos indicadores que se anali-
sam de seguida, começando pela pertença e participação associativa.
Em Portugal, 1 em cada 5 pessoas pertence a uma qualquer entidade
associativa (quadro 7.6). São os utilizadores de internet que mais perten-
cem a associações ou grupos associativos, em comparação com os não
utilizadores, com uma diferença assinalável de mais de 12% acima destes
últimos. Enquanto que no primeiro grupo, 29,7% declaram pertencer
a uma qualquer entidade associativa (associação, clube, organização não
governamental, sindicato ou partido político), entre os não utilizadores
de internet são só 17,3%. Visto de outra maneira, a grande maioria
dos portugueses (78,9%) – utilizadores ou não utilizadores de internet
(69,6% e 82,6% respectivamente) – não pertence a nenhuma estrutura
de tipo associativo.
Alguns dados adicionais são interessantes de referir no que toca à
análise das pertenças associativas. São os homens que mais pertencem
a estruturas deste tipo (29,1%) quando comparados com as mulheres
(13,3%). E é no escalão etário dos 30 aos 49 anos que a pertença associa-
tiva adquire maior significado (25,1%), seguido do dos mais jovens (15
aos 29 anos) com 20,1% e, por último, do dos indivíduos com 50 ou
mais anos (17,7%).

Quadro 7.6 Pertença a entidades associativas, segundo utilização da internet (%)

Pertence a alguma associação, clube, organização


Não
não governamental, sindicato, partido político ou Utilizadores Total
utilizadores
qualquer entidade associativa?
Sim 29,7 17,3 20,9
Não 69,8 82,6 78,9
Não sabe / não responde 0,5 0,0 0,2
100,0 100,0 100,0
Total
(n=711) (n=1739) (n=2450)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

238
A pertença associativa varia ainda numa relação directamente pro-
porcional aos níveis de escolaridade atingidos pelos inquiridos, ou seja,
quanto maior é a escolaridade mais elevados são os valores de pertença
a estruturas ou grupos associativos. Apenas a título ilustrativo, refira-se
que a pertença a associações é de apenas 6,9% para quem não tem esco-
laridade ou tem o 1º ciclo incompleto, chegando aos 35,3% no grupo
dos indivíduos com o ensino superior.
Estes dados sobre a pertença associativa são ainda mais reveladores
quando se analisa o tipo de associações a que os inquiridos declaram
pertencer (quadro 7.7). Nos cinco primeiros lugares surgem as seguintes
pertenças associativas: associação/clube desportivo (46,2% dos que de-
claram pertencer a alguma associação); associação cultural e recreativa
(18,5%); sindicato (11,3%); associação profissional (10,4%); e associação
religiosa e paroquial (7,8%).
Mas será que a sociedade em rede influencia as pertenças associa-
tivas? Serão os utilizadores de internet mais activos civicamente? Terão
pertenças associativas específicas? Estas são algumas das questões a que
importa dar resposta de seguida, comparando, para tal, utilizadores e
não utilizadores de internet.
Nos utilizadores de internet, destacam-se como os cinco primeiros
tipos de associações a que mais se pertence, os seguintes: associação/
clube desportivo (50,4%); associação cultural e recreativa (20,9%); sindi-
cato (19,2%); associação profissional (15,8%); e partido político (7,6%).
Nos não utilizadores esses cinco primeiros lugares são ocupados por:
associação/clube desportivo (43,2%); associação cultural e recreativa
(16,7%); associação religiosa e paroquial (9,1%); associação profissional
(6,6%); e sindicato (5,7%). É também de salientar a pertença de 21,6%
dos não utilizadores a outras entidades, de entre as quais se destacam os
bombeiros e as associações de apoio social.
As associações de tipo desportivo são, pois, as que recolhem maior
número de membros de entre todos os tipos de entidades associativas
analisados, mantendo-se uma diferença de sete pontos percentuais en-
tre a pertença a este tipo de associação pelos utilizadores de internet
(50,1%) e pelos não utilizadores (43,1%).

239
Quadro 7.7 Tipo de entidade associativa a que pertence, segundo utilização da
internet (% dos que pertencem a alguma associação)

Não
Tipo de entidade associativa a que Utilizadores Total
utilizadores
pertence (n=211) (n=513)
(n=302)
Associação/clube desportivo 50,4 43,2 46,2
Associação cultural e recreativa 20,9 16,7 18,5
Sindicato 19,2 5,7 11,3
Associação profissional 15,8 6,6 10,4
Associação religiosa e paroquial 6,0 9,1 7,8
Partido político 7,6 4,0 5,5
Associação de vizinhos 2,3 4,8 3,8
Associação da terceira idade 1,2 5,5 3,7
Associação ou ONG solidária 1,7 3,3 2,7
Associação de jovens 4,7 ,6 2,3
Associação de denúncia e reivindicação
para a defesa dos direitos humanos ou
civis, anti-racistas ou similares 0,4 3,5 2,2
Associação de pais e mães de alunos 3,3 0,7 1,8
Associação protectora de animais 3,7 0,4 1,8
Associação de consumidores 1,4 1,5 1,4
Associação ecologista 1,3 0,7 1
Associação excursionista 0,0 0,0 0,0
Associação de mulheres 0,0 0,0 0,0
Outra 10,5 21,6 17,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Mas para além da pertença, importa caracterizar a participação efec-


tiva dos portugueses nas estruturas de tipo associativo. Algumas delas
têm valores absolutos de pertença tão baixos que não é possível analisar
detalhadamente a participação do ponto de vista quantitativo pois não
tem qualquer significado estatístico. Sendo assim, tentar-se-ão analisar
alguns dos indicadores agregados de participação associativa e do uso da
internet que se faz nesse domínio (quadro 7.8).
Dos inquiridos que indicaram pertencer a alguma estrutura associati-
va, fazem-no em média em 1,33 associações. Valor ligeiramente superior

240
surge entre os utilizadores de internet (1,41) em comparação com os que
não a utilizam (1,27). Quanto à participação activa dos portugueses nas
associações a que pertencem, o valor médio é de 0,95 – sendo ainda
um pouco maior a diferença entre cibernautas (1,04) e não utilizadores
de internet (0,88). Relativamente ao uso da web para se relacionarem
com as associações a que pertencem, o valor médio desce para 0,33. O
quadro seguinte evidencia estas distribuições tendo em conta o número
total de associações.

Quadro 7.8 Número de entidades associativas a que pertence, em que parti-


cipa e em relação às quais usa a internet, segundo utilização da internet (% dos que
pertencem a alguma associação)

Número de entidades associativas a que Não


pertence, em que participa e em relação às Utilizadores Total
(n=211) utilizadores (n=513)
quais usa a internet (n=302)

1 associação 69,8 76,6 73,8


Nº total de associações
a que pertence 2 associações 19,6 19,9 19,8
(p<0,01)
3 associações ou mais 10,6 3,5 6,4
Total 100,0 100,0 100,0
Nenhuma 18,9 26,6 23,4
Nº total de associações
em que participa 1 associação 57,9 59,0 58,5
(p<0,01)
2 associações ou mais 23,2 14,4 18,0
Total 100,0 100,0 100,0
Nº total de associações Nenhuma 73,2 100,0 89,0
em relação às quais usa 1 associação 20,5 ,0 8,4
internet
(p<0,01) 2 associações ou mais 6,3 ,0 2,6
Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

São os utilizadores de internet que pertencem a um maior número


de associações e que mais nela participam, quando comparados com os
não utilizadores e com a população portuguesa em geral. Obviamente,
são também eles que usam a internet nessa participação, se bem que
em proporção não muito elevada. Embora com valores baixos de uso
da internet para se relacionarem com as estruturas associativas a que

241
pertencem e em que participam, estes são, sem dúvida, os indivíduos
que funcionam na sociedade em rede de modo mais integrado e que
mais usam as potencialidades comunicativas desta forma de organização
social.

Apoio a campanhas de solidariedade e participação cívica

Tentou-se perceber, para além das pertenças associativas, como é que


os portugueses participam ou apoiam campanhas de solidariedade ou
acções de intervenção cívica e social.
São ainda mais baixos os valores de participação neste tipo de cam-
panhas relativamente aos encontrados para a pertença e participação
em estruturas de tipo associativo. Assim, apenas 15,1% dos portugueses
declaram ter apoiado ou participado em campanhas sobre temas como
a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza, a luta contra
a pobreza, a igualdade de oportunidades, a defesa das crianças, entre
outras de carácter semelhante, e destes apenas 3,6% referem fazê-lo ha-
bitualmente (quadro 7.9).

Quadro 7.9 Apoio ou participação em campanhas cívicas e sociais, segundo utili-


zação da internet (%)

Apoia ou participa em campanhas sobre


temas como a defesa dos direitos humanos,
Não
a conservação da natureza, a luta contra a Utilizadores Total
utilizadores
pobreza, a igualdade da mulher, a defesa
das crianças, etc.?
Sim, habitualmente 7,0 2,2 3,6

Sim, ocasionalmente 19,9 8,0 11,5

Não 73,0 89,5 84,7

Não sabe / não responde 0,1 0,3 0,3

Total 100,0 100,0 100,0


(n=711) (n=1739) (n=2450)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

242
Mais uma vez, é no grupo dos utilizadores que surge uma adesão mais
forte a campanhas de solidariedade e uma maior participação cívica e so-
cial. Em geral, 26,9% dos utilizadores de internet já apoiaram ou partici-
param numa acção de solidariedade. Em contrapartida, só 10,2% dos não
utilizadores de internet já participaram ou apoiaram acções idênticas.
A utilização de internet em aspectos relacionados com campanhas
que apoiam ou em que participam (quadro 7.10) é referida por 23,1%
dos cibernautas que já desenvolveram acções deste tipo (1,8% da popu-
lação portuguesa e 6% dos cibernautas).

Quadro 7.10 Utilização da internet em campanhas que apoia ou


em que participa

Utilização da internet em campanhas n %


Sim 44 23,1
Não 129 67,7
Não sabe / não responde 18 9,2
Total 191 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Destaca-se, enquanto prática de utilização desta plataforma tecnoló-


gica, a recepção de informação sobre as campanhas respectivas. A acção
directa individual ou em grupo é o aspecto para o qual menos se utiliza
a internet (quadro 7.11). Deve-se ter em atenção na análise quantitativa
dos resultados apresentados no quadro seguinte o número reduzido de
inquiridos que declaram estas práticas.

Quadro 7.11 Modos de utilização da internet em campanhas


que apoia ou em que participa

Modos de utilização da internet em campanhas n %


Informação 19 43,1
Comunicação 15 33,3
Acção 10 23,6
Total 44 100,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

243
Timor, como exemplo de participação cívica e social

Interpelados sobre a situação concreta de Timor, vivida em Setembro


de 1999, as tendências observadas na participação dos portugueses nas
diversas acções realizadas são muito semelhantes em termos de compor-
tamento da população em geral e de distribuição dessas práticas por
utilizadores e não utilizadores de internet.
No conjunto da população portuguesa inquirida, 14,4% declararam
ter participado nalguma acção de protesto ou solidariedade para com o
povo de Timor. Uma larga maioria (84,7%) indica não ter participado
em nenhuma iniciativa. Estes valores são convergentes com os que se
obtiveram nos indicadores anteriormente analisados relativos à partici-
pação cívica e social em geral.

Quadro 7.12 Formas de participação em acções de protesto e solidariedade com o


povo de Timor

%
Formas de participação em acções de protesto e (N=352, todos os que
n
solidariedade com o povo de Timor participaram em pelo
menos uma acção)
Parar o país por 3 minutos 276 78,3
Vestir de branco/colocar faixas brancas na janela 117 33,3
Dístico no carro em apoio de Timor-Leste 38 10,9
Envio de faxes/e-mails para as Nações Unidas 26 7,4
Manifestação junto à embaixada dos Estados
18 5,1
Unidos em Lisboa
Envio de faxes/e-mails para os países do Conselho
15 4,3
de Segurança da ONU
Lançar flores aos rios 15 4,2
Abaixo-assinado em páginas web 14 3,9
Votação na página web da CNN ou BBC sobre
8 2,3
apoio à intervenção militar
Envio de faxes/e-mails para a Presidência Indonésia 4 1,2
Manifestação junto à embaixada Indonésia em
1 0,2
Madrid

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

244
Já entre os utilizadores de internet são 22,2% os que participaram,
em Setembro de 1999, nalguma acção de protesto ou solidariedade para
com os timorenses, enquanto que no segmento dos que não utilizam a
internet são apenas 11,2% os que afirmam ter desenvolvido algum tipo
de iniciativa.
Quanto às formas de manifestação/participação (quadro 7.12), as
que mais se destacam foram parar o país por 3 minutos (78,3%), vestir
de branco ou colocar faixas brancas nas janelas (33,3%) e colocar um
dístico no carro em apoio de Timor-Leste (10,9%).

Quadro 7.13 Formas de participação em acções de protesto e solidariedade para


com o povo de Timor, segundo utilização da internet

Utilizadores Não utilizadores


% %
Formas de participação em acções (N=352, utilizadores (N=194, não
de protesto e solidariedade para da internet que utilizadores da
com o povo de Timor n n
participaram em internet que
pelo menos uma participaram em pelo
acção) menos uma acção)
Parar o país por 3 minutos 124 78,3 152 78,2
Vestir de branco/colocar faixas
66 41,7 51 26,5
brancas na janela
Dístico no carro em apoio a Timor-
18 11,5 20 10,5
Leste
Envio de faxes/e-mails para as
17 10,8 9 4,6
Nações Unidas
Abaixo-assinado em páginas web 14 8,6 0 0,0
Envio de faxes/e-mails para os países
13 8,0 2 1,2
do Conselho de Segurança da ONU
Manifestação junto à embaixada
10 6,4 8 4,0
dos Estados Unidos em Lisboa
Lançar flores aos rios 9 5,5 6 3,1
Votação na página web da CNN
ou BBC sobre apoio à intervenção 7 4,7 1 0,3
militar
Envio de faxes/e-mails para a
3 1,6 2 0,9
Presidência Indonésia
Manifestação junto à embaixada
1 0,5 0 0,0
Indonésia em Madrid

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

245
A primeira foi realmente desenvolvida por uma larga maioria dos
portugueses que declararam ter participado nalguma acção de protesto
ou solidariedade para com o povo de Timor, mas a segunda e terceira
apresentam valores significativamente mais baixos.
Analisando agora estas formas de manifestação/participação segun-
do a declaração de se ser ou não utilizador de internet (quadro 7.13) não
se encontram diferenças quanto à distribuição preferencial pela lista de
opções relativamente ao conjunto da população portuguesa, destacando-
-se como primeira opção parar o país por três minutos (cerca de 78%,
nos dois conjuntos).
O vestir de branco e/ou colocar faixas brancas nas janelas é a se-
gunda opção mas com diferenças significativas de participação – sendo
41,7% no grupo dos utilizadores de internet e 26,5% no dos não utili-
zadores. São também significativas as diferenças registadas em todas as
acções que implicam o uso de equipamentos tecnológicos ou da platafor-
ma web, como seria de esperar, com taxas de participação mais elevadas
entre os utilizadores de internet. Os abaixo-assinados em páginas web ou
os envios de fax/e-mails para as Nações Unidas ou para os países do Con-
selho de Segurança da ONU são as iniciativas em que essas diferenças
são mais notórias.

Abaixo-assinados, cartas de protesto


e contactos com instituições

A internet pode favorecer o contacto entre cidadãos e a adminis-


tração pública ou os órgãos de soberania. Será que isso acontece em
Portugal? Serão os portugueses activos civicamente no contacto com as
instituições públicas? Que práticas desenvolvem? Qual o papel da inter-
net como meio de comunicação?
Para dar resposta a estas questões analisou-se, em primeiro lugar,
um indicador relativo à subscrição de abaixo-assinados ou ao envio de
cartas de protesto ou reclamação a órgãos do estado e da administração
pública (quadro 7.14). São apenas 10,2% dos portugueses que afirmam
já ter subscrito abaixo-assinados ou cartas de protesto ou reclamação
a órgãos do estado e da administração pública. Uma larga maioria de
89,6% dos portugueses nunca colaborou ou desenvolveu qualquer tipo

246
de iniciativa deste género, apesar das queixas bastante comuns sobre
o funcionamento da administração pública portuguesa na sua relação
com os cidadãos.

Quadro 7.14 Subscrição de abaixo-assinados ou cartas de protesto ou reclamação a


órgãos do estado e da administração pública, segundo utilização de internet

Subscrição de abaixo-assinados ou cartas de


Não
protesto ou reclamação a órgãos do estado e Utilizadores Total
utilizadores
da administração pública
Sim 18,7 6,7 10,2
Não 81,0 93,1 89,6
Não sabe / não responde 0,2 0,3 0,2

Total 100,0 100,0 100,0


(n=711) (n=1739) (n=2450)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01).

De novo, surgem como mais activos os utilizadores de internet, sen-


do 18,7% os que referem já ter efectuado nalguma ocasião uma destas
acções, contra 6,7% de não utilizadores. Dos que já tomaram este tipo
de iniciativa, 27,1% indicam que o fizeram através do correio electróni-
co. E essas acções, quando feitas pelos utilizadores de internet, foram
dirigidas em maior número a ministros ou outros elementos do governo
(41% dos casos), seguidos pelos deputados da Assembleia da República
(16%) e pelo Presidente da República (13%). Já os não utilizadores de
internet dirigiram essencialmente essas iniciativas a câmaras municipais
(presidentes ou vereadores) (28%), e também a ministros (20%) e a de-
putados (19%). De referir que as escolas e as juntas de freguesia são as
instituições às quais menos se dirigem este tipo de iniciativas.
Ainda a propósito das formas de intervenção, o segundo indicador
analisado é o que se refere às cartas para directores de órgãos de co-
municação social ou aos contactos com a administração pública local.
Também aqui se mantém a mesma tendência quando comparados utili-
zadores e não utilizadores de internet. As taxas relativas ao envio de car-
tas de opinião a directores de publicações (6,8%) ou ao contacto com a
Câmara Municipal ou Junta de Freguesia sobre alguma coisa que afecte

247
a cidade em que vivem (20,3%) realizados pelos utilizadores são sempre
mais altas do que as registadas pelos não utilizadores (1,7% e 11,4%,
respectivamente), são porém mais baixas do que as relativas aos órgãos
do estado e da administração pública. Na população em geral, apenas
3,1% dos inquiridos referem já ter escrito uma carta para manifestar a
sua opinião junto de um director de uma publicação, valor que sobe
para 14% quando se trata dos contactos com os órgãos do poder local
– Câmara Municipal ou Junta de Freguesia.
Já no que se refere à utilização do correio electrónico como meio
para realizar esses contactos, é interessante notar que este recurso é mo-
bilizado mais frequentemente quando se trata de contactar os meios de
comunicação social do que quando a mensagem é dirigida a instituições
do poder local.

Opiniões sobre as relações cidadãos-governos

Para concluir esta breve análise das formas de participação social


e cívica e suas articulações com o facto de se ser ou não utilizador de
internet, apresenta-se um conjunto de indicadores que permitem avaliar
as opiniões que os portugueses têm sobre as relações entre os cidadãos
e os governos e sobre a sua própria capacidade de influenciar ou não as
decisões políticas (quadros 7.15 e 7.16).
Uma das conclusões a retirar do quadro 7.15 prende-se com um
cepticismo bastante forte registado entre os portugueses quanto à sua ca-
pacidade de influenciar as decisões políticas ou económicas. Os valores
mais elevados de concordância surgem exactamente com as frases que
expressam esse sentimento de incapacidade dos cidadãos comuns para
poderem controlar acções dos membros do governo (77,8%), influen-
ciar as decisões políticas mundiais junto dos mais poderosos (74,5%)
ou impedir a subida dos preços enquanto consumidores (75,6%). Estas
opiniões parecem justificar de algum modo a fraca participação social
e política nos diferentes planos analisados. Se as acções dos cidadãos
pouco podem influenciar então para quê o investimento nesse tipo de
iniciativas?

248
Quadro 7.15 Opiniões sobre as relações cidadãos-governos (%)

Opiniões sobre as relações cidadãos Total


Concorda Discorda Ns/Nr
– governos (n=2450)
As pessoas podem influenciar os
acontecimentos mundiais com 58,2 32,0 9,7 100,0
mobilizações políticas e sociais
Os cidadãos comuns têm influência no
40,6 53,3 6,1 100,0
que o governo decide
Para as pessoas é difícil controlar o que
77,8 15,2 7,0 100,0
fazem os membros do governo
No mundo há umas quantas pessoas que
mandam e os cidadãos comuns não podem 74,5 18,0 7,5 100,0
fazer grande coisa para controlá-los
Com esforço e em conjunto podíamos
45,5 40,3 14,1 100,0
acabar com a corrupção política
Um dos motivos das guerras é porque as
pessoas não se interessam suficientemente 36,2 47,7 16,1 100,0
pela política
Nós, os consumidores pouco podemos
75,6 18,9 5,5 100,0
fazer para que não subam os preços
Quando pensa nas decisões políticas, dá-se
67,2 22,5 10,3 100,0
conta que é impossível influenciá-las
Prefere dedicar a sua energia a coisas
diferentes do que as que se relacionam 61,0 27,0 12,0 100,0
com a resolução dos problemas do mundo
Os responsáveis da má governação, seja
local ou estatal, são definitivamente os 49,9 33,8 16,4 100,0
cidadãos que não votam como deviam

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

No conjunto, porém, estas questões apresentam-se aos olhos dos


inquiridos como mais complexas e ambivalentes. Com efeito, apesar do
cepticismo referido a respeito do peso provável das suas intervenções
enquanto cidadãos face às acções específicas dos poderes políticos e eco-
nómicos, não deixam de considerar maioritariamente (58,2%) que, de
um modo geral, as pessoas podem influenciar os acontecimentos mun-
diais, se para isso se mobilizarem. Aliás, esta assunção de protagonismo
potencial traduz-se também numa concepção de responsabilidade cívica
e política atribuída, em última instância, aos cidadãos na escolha dos
governantes (49,9%).

249
Quadro 7.16 Opiniões sobre as relações cidadãos-governos, segundo utilização de
internet (%)

Utilizadores Não utilizadores


Opiniões sobre as relações
cidadãos – governos Total Total
Concorda Discorda Ns/Nr Concorda Discorda Ns/Nr
(n=711) (n=1739)
As pessoas podem
influenciar os
acontecimentos mundiais 71,0 24,6 4,4 100,0 53,0 35,1 11,9 100,0
com mobilizações políticas
e sociais
Os cidadãos comuns
têm influência no que o 50,1 47,7 2,1 100,0 36,7 55,5 7,8 100,0
governo decide
Para as pessoas é difícil
controlar o que fazem os 80,4 15,6 4,0 100,0 76,8 15,0 8,2 100,0
membros do governo
No mundo há umas
quantas pessoas que
mandam e os cidadãos
72,8 22,6 4,6 100,0 75,1 16,2 8,7 100,0
comuns não podem
fazer grande coisa para
controlá-los
Com esforço e em
conjunto podíamos acabar 51,4 40,2 8,4 100,0 43,1 40,4 16,5 100,0
com a corrupção política
Um dos motivos das
guerras é porque as
pessoas não se interessam 35,0 55,8 9,2 100,0 36,7 44,4 18,9 100,0
suficientemente pela
política
Nós, os consumidores
pouco podemos fazer para 69,9 26,4 3,7 100,0 77,9 15,8 6,3 100,0
que não subam os preços
Quando pensa nas
decisões políticas, dá-se
61,0 31,7 7,3 100,0 69,8 18,7 11,5 100,0
conta que é impossível
influenciá-las
Prefere dedicar a
sua energia a coisas
diferentes do que as que
59,1 35,2 5,7 100,0 61,8 23,7 14,5 100,0
se relacionam com a
resolução dos problemas
do mundo
Os responsáveis da
má governação, seja
local ou estatal, são
48,6 41,2 10,1 100,0 50,4 30,7 18,9 100,0
definitivamente os
cidadãos que não votam
como deviam

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 (p<0,01 em todos os itens).

250
De salientar o perfil dos utilizadores de internet que se foi encon-
trando ao longo destas análises. Quando se comparam os dois grupos
– cibernautas e não utilizadores de internet – os primeiros tendem a
aparecer como cidadãos mais convencidos de que é possível influenciar
as decisões políticas e os acontecimentos mundiais, acreditando que
uma das formas disso se concretizar é através da mobilização colectiva.
E, de um modo geral, parecem posicionar-se como potencialmente mais
intervenientes social e politicamente.
Poderá concluir-se então que a internet não só potencia novas opor-
tunidades de participação e contacto com as diferentes estruturas de
poder, como também os seus utilizadores se apresentam como cidadãos
mais interessados, participativos e mobilizados para a acção individual e
colectiva. Sendo estes como se sabe, os mais jovens e escolarizados, po-
dem antever-se aqui grandes transformações na forma como a cidadania
poderá vir a ser exercida no contexto da sociedade em rede.

251
252
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 8
Portugal na transição para a sociedade em rede:
uma clivagem geracional?

A
sociedade portuguesa que aqui se procura retratar é, tal como
a sociedade catalã (Castells e outros, 2003), também uma so-
ciedade em transição em quase todas as suas dimensões. Da
educação à esfera produtiva, da dimensão cultural à social e política.
No entanto, as causas dessa transição são diferenciado dado o con-
texto em que cada sociedade evolui e de onde essa mesma evolução
parte. Se a transição na sociedade catalã (Castells e outros, 2003) se fica
em muito a dever à obtenção do estatuto de autonomia da Catalunha a
partir de 1980, já em Portugal a data a partir da qual se pode traçar uma
divisória e os motivos para a mesma são claramente diferentes.
Em comum ambas as sociedades têm uma história recente de regimes
ditatoriais, em Portugal o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano e
em Espanha o Franquismo. O 25 de Abril de 1974 em Portugal marca
uma revolução política, de um regime ditatorial para uma democracia,
mas também uma revolução económica de um modelo corporativista de
mercado fechado (assente na relação estreita entre Portugal e as suas co-
lónias africanas) para uma economia de mercado regional (União Euro-
peia) e global. A par dessa revolução política e económica encontram-se
igualmente mudanças radicais na dimensão cultural e social e também
na esfera da educação (Rosas, 1999; Viegas e Costa, 1998). Os anos de
1974 a 1976 são anos de transição para um modelo diferente do anterior
a todos os níveis (Rosas, 1999).
Embora a consulta pública sobre a reforma educativa tenha apenas
lugar em 1980 e a aprovação da lei de bases da educação em 1986, os
anos entre a Revolução de 1974 e 1980 foram anos de profundas mudan-
ças ao nível da educação primária.

253
À escola foi atribuído um papel de elemento fundamental para a
formação dos cidadãos da nova sociedade que se desejava democrática
e as preocupações dos responsáveis políticos para a área da educação fo-
ram desde logo sistematizados como é visível no programa do I Governo
Provisório: “democratizar a escola, mas de modo que funcione com efi-
ciência, garantindo a qualidade da educação, ensino, pesquisa, científica
e criação cultural”. E pela primeira vez desde a 1ª República foram elabo-
rados novos programas para o ensino primário (Mónica, 1978; Capelo,
s.d.). A própria escola muda na sua concepção base transformando as
suas lógicas pedagógicas (Capelo, s.d.), combinando a função principal
de transmissão de saberes organizados com a de ajudar o aluno a tornar-
-se crítico, desenvolver a criatividade e trabalhar em grupo.
Também ao nível dos media o 25 de Abril marca uma mudança
radical de contexto e práticas na comunicação social (Oliveira, 1992).
Durante o século XX podemos individualizar um conjunto de aconteci-
mentos marcantes para a comunicação social e que vão da instauração
da República em 1910 até à integração europeia em 1986. Dois desses
acontecimentos ocorrem no período compreendido entre 1974 e 1976
e são a revolução de 25 de Abril e o período revolucionário em curso,
vulgo PREC (Oliveira, 1992).
No período compreendido entre 1974 e 1979 podemos identificar
três momentos definidores do sistema dos media que hoje conhecemos:
a libertação que ocorre logo a seguir ao 25 de Abril, com o fim da censu-
ra e o prevalecimento de uma total liberdade de expressão, a estatização
que decorre durante 1975 (e afecta em particular a imprensa e televisão)
e a regulação legislativa de 1979 que vem definir de muitas formas o
quadro jurídico-geral da comunicação social.
Os anos entre 74 e 79 foram os anos da pulverização das rádios
livres (vulgo piratas) e também de inovação na imprensa escrita com o
surgir de jornais diários fruto de projectos comerciais, como o Correio
da Manhã, de semanários de carácter também privado e do florescer da
imprensa desportiva (Oliveira, 1992). Na Televisão, 1978 marca a reno-
vação da RTP a todos os níveis, da formação às instalações, e em 1979 o
início das emissões a cores.
Os processos de socialização escolar e a socialização veiculada pelos
media acompanharam aqueles que, nascidos desde 1967, chegaram à
escola primária (hoje 1º ciclo de escolaridade) a partir do ano lectivo de

254
1974/1975 e viveram a sua infância e adolescência através de um modelo
democrático de difusão de informação, cultura e entretenimento.
Tendo o 25 de Abril de 1974 marcado assim de forma indelével a
sociedade portuguesa, e sendo possível em quase todos os indicadores
encontrar uma clara diferenciação de valores, atitudes, práticas sociais e
culturais entre aqueles que nasceram até 1967 e os que nasceram após
essa data, pareceu-nos que a explicitação dessa análise geracional com-
parativa poderia trazer esclarecimentos adicionais sobre as dinâmicas da
transição para a sociedade em rede no caso português. É disso que se
ocupa este capítulo.

Uma sociedade desinformada no contexto informacional

A sociedade portuguesa era antes de 1974 uma sociedade maioritaria-


mente desinformada, no sentido em que a maior parte da sua população
não possuía escolaridade acima do quarto ano.
Embora as novas gerações, ao longo dos últimos 30 anos, tenham in-
troduzido mudanças fundamentais nesse quadro, a sociedade portugue-
sa encontra-se ainda longe de poder ser caracterizada como possuindo
os requisitos necessários a uma manipulação generalizada da informação
por parte da maioria dos seus membros (para já não falar dos cerca de
7% dos nascidos até 1967 que são analfabetos).
Se em termos das competências adquiridas a situação mudou para as
gerações pós-25 de Abril de 1974, já para as mais velhas pouco ou nada
se alterou, fruto de um fraco investimento nas qualificações escolares
dos mais velhos.
Assim, se para os nascidos depois de 1967 mais de 70% possuem
nove ou mais anos de escolaridade concluídos, o oposto ocorre entre os
mais velhos (perto de 70% têm seis ou menos anos de escolaridade).
Os cidadãos com estudos superiores concluídos em Portugal re-
presentam hoje cerca de 10,3%, aos quais haverá a somar em breve os
jovens a frequentar hoje o ensino superior (e que representam 3% da
população). Numa lógica de incremento da formação da população,
entre aqueles que iniciaram a escolaridade em 1974 os que concluíram
o ensino superior representam 12,5%, enquanto nos nascidos até 1967
esse valor é de 8,7%.

255
No entanto, esses valores não são ainda suficientes para alterar a
sua caracterização em termos de uma população desinformada, pois se
tomarmos em conta algumas comparações internacionais, com dados
de 1999, veremos que embora em termos da percentagem de população
que não continuou ou seus estudos para além do 9º ano (74,6%) nos
aproximemos dos valores da Espanha (64,1%), estamos muito longe dos
21,5% dos Estados Unidos da América ou dos 24,1% da França (Castells
e outros, 2003).

Quadro 8.1 Comparação internacional da taxa de utilização da internet por esca-


lões etários (%)

Reino
Portugal Alemanha Hungria Itália Japão Coreia Espanha EUA
Unido

16 a 24 anos 80,1 58,8 59,6 45,1 66,4 80,6 95,1 70,2 90,8

35 a 44 anos 72,8 30,4 55,6 13,7 37,4 63,0 49,5 31,7 74,5

55 a 64 anos 38,7 5,4 31,6 4,3 9,0 22,2 11,5 11,7 67,3

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal, todos os restantes países WIP
(World Internet Project).

No que respeita aos estudos completados no ensino superior a posi-


ção de Portugal é ligeiramente menos desfavorável com a probabilidade
de atingir os cerca de 12% da população com o ensino superior dentro
de 3 a 5 anos. Está assim, com os seus actuais 10% a 11%, mais próxi-
mo da Catalunha (12%), ou da Espanha (13,1%) no seu conjunto, mas
ainda longe dos 18% da França ou dos 28% dos Estados Unidos da
América (Castells e outros, 2003).
Os quadros 8.1 e 8.2 mostram também a relação que se estabelece
com a utilização da internet segundo a idade e o grau de educação.
Embora nos capítulos anteriores já se tenha abordado esta temática e
estabelecido a relação existente entre grau de escolaridade mais elevado
e maior propensão para a utilização da internet, vale a pena introduzir
aqui também a dimensão geracional.

256
Quadro 8.2 Comparação internacional da taxa de utilização da
internet na população com o ensino secundário e superior (%)

Secundário Universitário
Reino Unido 64,4 88,1
Portugal 64,8 75,1
Alemanha 66,0 62,6
Hungria 14,6 45,5
Itália 53,5 77,3
Japão 45,7 70,1
Coreia 44,9 77,7
Macau 49,5 76,7
Singapura 66,3 92,2
Espanha 47,6 80,5
Suécia 76,4 83,8
Taiwan 18,2 54,9
EUA 61,0 87,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal,


todos os restantes países WIP (World Internet Project).

Portugal nos intervalos de idade até aos 30 anos possui sempre mais
de 50% da população desse escalão etário como utilizadores de internet
existindo a partir daí uma quebra continuada e abrupta próximo dos
50 anos. Essa não é uma situação comum a todos os países analisados,
mas é similar à situação da Itália, da Espanha e da Catalunha países
e nações com os quais Portugal partilha situações similares no campo
da educação, nomeadamente ao nível do abandono escolar precoce e
de uma estrutura de competências educacionais de base relativamente
baixas (UNDP, 2003; Castells e outros, 2003).
A hipótese de um maior domínio das competências formais ligada
ao maior número de utilizadores da internet parece ser demonstrável1.
Independentemente das sociedades onde a análise se realiza, quanto
1
Obviamente que não se deve também esquecer a dimensão financeira que pode,
por exemplo, explicar os baixos valores associados à utilização na Hungria que é um
país com elevado grau de literacia e com índice de cobertura educacional semelhante
ao da Itália (UNDP 2003). A dimensão rendimento parece assim poder surgir como
condição necessária mas não suficiente para justificar a utilização da internet.

257
maior o número de pessoas com mais escolaridade maior o número
de utilizadores de internet. De facto, todas as análises internacionais
(Castells e outros, 2003) estabelecem uma correlação muito forte entre
o nível de educação formal e a utilização da internet. Uma correlação
também detectável na análise realizada na população portuguesa.
No caso português essa relação entre escolaridade e utilização de
internet ganha contornos de um fosso geracional. Não porque a inter-
net seja uma tecnologia dos mais jovens2 (eles poderão ser adoptantes
iniciais mas não existem à partida contornos de exclusividade geracional
dos usos), mas sim porque as competências educacionais mais elevadas
estão concentradas na população mais jovem.
São também aqueles que iniciaram a sua vida escolar após o 25 de
Abril que dominam melhor as tecnologias digitais, sejam elas o DVD
(22,3% vs. 68,3%) ou os jogos de consola ou para Pc (6,7% vs. 40,6%).
A sociedade portuguesa no despontar da sociedade em rede parece
assim ser uma sociedade onde, em termos educacionais, se tivéssemos
apenas em atenção todos os que nasceram após 1967 (quadro 8.3), en-
contraríamos uma sociedade mais bem preparada para os desafios da
era da informação e melhor posicionada na comparação com os dois
pólos de desenvolvimento em que Portugal, fruto da sua lógica de redes
de aliança e pertença político-económico-militar, se ancora: a Europa e
os Estados Unidos.

Quadro 8.3 Nível de escolaridade, segundo geração (%)

Nascido até Nascido após


Nível de escolaridade (concluído) Total
1967 1967
Até 2º ciclo do ensino básico 73,8 32,2 55,7
3º ciclo do ensino básico 9,8 30,7 18,9
Ensino secundário 7,7 24,6 15,1
Ensino superior 8,7 12,5 10,3

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

2
Embora as taxas de utilização sejam sempre mais elevadas entre estes, a ten-
dência é, nos diversos países analisados no WIP, de aproximação à estrutura popu-
lacional dos países em causa, como demonstram os casos dos EUA, Reino Unido e
Alemanha.

258
A diferença geracional é também evidente quando se comparam
práticas comunicativas. Tal é especialmente notório, não tanto no que
toca às actividades mais comuns (ver TV e encontrar-se com familiares e
amigos), mas ao nível das apropriações dos diferentes media e das práti-
cas culturais, desportivas e de culto religioso.
Assim, todas as práticas que fazem uso dos mass media (à excepção
da Tv) são mais frequentes entre os nascidos após 1967. Ouve-se mais
rádio (80,3% vs. 93,7%) e mais música (64,1% vs. 95,8%), lêem-se mais
jornais e revistas (68,7% vs. 88,8%), vai-se muito mais ao cinema (16,7%
vs. 66,7%) e lêem-se muitos mais livros (33,2 vs. 59,0%).

Quadro 8.4 Enumeração das actividades desenvolvidas na esfera da comunicação


e da mediação tecnológica, segundo geração (%)

Que actividades realiza habitualmente ou Nascido Nascido


Total
ocasionalmente? até 1967 após 1967
Ver TV 99,0 99,6 99,3
Ver um DVD 22,3 68,3 42,3
Passear 81,8 93,9 87,1
Ouvir rádio 80,4 93,7 86,2
Ouvir música 64,1 95,8 77,9
Ler jornais ou revistas 68,7 88,8 77,5
Ler livros 33,2 59,0 44,4
Não fazer nada 36,1 42,5 38,9
Ir bares, discotecas, restaurantes e discotecas 44,7 80,0 60,1
Ir ao cinema 16,7 66,2 38,4
Ir ao teatro, ópera e concertos 8,7 22,9 14,9
Ir a museus, exposições ou conferências 11,8 23,2 16,8
Encontrar-se com familiares ou amigos 90,9 97,6 93,8
Jogar com o computador ou consola 6,7 40,6 21,5
Falar com as pessoas da casa, brincar com as crianças, etc. 78,7 90,9 84,0
Assistir a espectáculos ou competições desportivas 24,7 50,6 36,0
Praticar algum desporto ou actividade física 9,7 39,2 22,5
Assistir a manifestações ou reuniões de sindicatos,
4,6 5,6 5,0
partidos políticos ou associações
Ir à igreja ou lugar de culto religioso 57,7 36,6 48,5
Assistir a acontecimentos populares, festas ou feiras 49,9 60,2 54,4
Praticar algum hobby 10,9 17,3 13,7

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

259
Também nas práticas culturais e identitárias colectivas há a registar
duas tendências diferenciadas. Por um lado, uma diminuição dos que
se deslocam à igreja ou outro lugar de culto religioso (57,7% vs. 36,6%)
e por outro lado um crescimento exponencial na participação em
acontecimentos populares, festas ou feiras (49,2% vs. 69,2%), assistir
a espectáculos ou competições desportivas (24,7% vs. 50,6%), ir bares,
discotecas, restaurantes e discotecas (44,7% vs. 80,0%) e ao teatro, ópera
e concertos (8,7 vs. 22,9%) ou ir a museus, exposições ou conferências
(11,8% vs. 23,2%).
Trata-se, assim, de uma população em que os mais novos procuram
muito mais as actividades culturais e os espaços de encontro colectivo
do que os mais velhos. Essa tendência é muito vincada, com diferenças
que oscilam em mais de 20%, pelo que se poderá aventar, para além dos
habituais contrastes inter-geracionais na ocupação diária dos tempos,
sobre a possibilidade de existir uma diferente concepção do que é a relação
entre o colectivo e o individual naqueles que nasceram depois de 1967.
Parece haver por parte das gerações mais novas, uma maior procura
de partilha colectiva de momentos e formas de estar que as actividades
públicas de encontro propiciam, ao mesmo tempo em que assistimos
também a um domínio maior das tecnologias de mediação.
Já nas práticas de cidadania social há aparentemente uma manuten-
ção da participação em manifestações e reuniões de sindicatos, partidos
e associações a um nível relativamente baixo (4,6% vs. 5,6%).
Os que viveram o período de socialização escolar e dos media no
pós-25 de Abril parecem assim não só possuir, como já foi referido, ou-
tras atitudes de relacionamento entre o individual e o colectivo como
também se caracterizam nas suas práticas por, a par da partilha com os
mais velhos de um visionamento televisivo elevado, realizarem um maior
equilíbrio entre a comunicação mediada pelas tecnologias de comunica-
ção e informação e aquela que acompanha o encontro face a face.
Para além do referido, as suas práticas denotam um muito maior
domínio das diferentes linguagens comunicativas e dos protocolos cultu-
rais existentes na sociedade, como demonstram os seus níveis de audição
de música, leitura, visionamento de filmes e outras artes do espectáculo.
Daí que não seja de admirar que esse domínio dos códigos e símbolos
comunicacionais se observe também em relação à formação profissional,
no interesse pela educação em geral e pelo desenvolvimento cultural.

260
Se considerarmos o mesmo tipo de denominação presente na pesquisa
realizada pelos investigadores do IN3 catalão (Castells e outros, 2003) em
que se identificam os dois grupos etários diferenciados entre jovens3 e adul-
tos (no estudo português pessoas de mais de 15 anos nascidos após 1967,
por um lado, e pessoas nascidas até 1967), por outro, podemos observar
que os mais jovens apresentam quase sempre percentagens de valor duplo
(e algumas vezes mais) quando comparadas com as dos mais velhos.
A leitura de livros, revistas especializadas ou documentação relacio-
nados com a profissão é quase três vezes superior entre os mais novos,
enquanto a participação em colóquios ou realização de curso ou acções
de formação é o dobro.

Um mundo laboral geracionalmente diferenciado

Numa escala de rendimentos mensais entre os valores abaixo dos 500


euros e os valores superiores a 2500 euros, mais de 41% dos mais velhos
encontram-se no intervalo mais baixo enquanto apenas 13% dos mais
jovens se encontra no mesmo intervalo. Também no outro extremo da
escala os mais jovens com rendimentos de mais de 1751€ representam
13% quando encontramos apenas 8% dos mais velhos nesse intervalo.

Quadro 8.5 Rendimentos dos lares, segundo geração (%)

Até 500€ De 501€ a 1750€ Mais de 1750€


Nascido até 1967 41 51 8
Nascido após 1967 13 74 13

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O perfil de estratificação dos lares portugueses quanto aos seus ren-


dimentos é o de uma sociedade que continua a concentrar a maioria de
rendimentos (tanto das pessoas jovens como dos mais velhos) nas faixas

3
A denominação “jovem” é aqui apresentada num sentido mais lato do que a
que caracteriza um determinado grupo etário e com o objectivo de facilitar a leitura
e análise dos dados.

261
intermédias de rendimentos, com 74% dos lares dos jovens e 51% nos
mais velhos.

Figura 8.1 Rendimentos dos lares, segundo geração

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

262
A figura 8.1 representa a distribuição de rendimentos dos agregados
familiares dos entrevistados em função da sua idade. Os lares que habi-
tam diferenciam-se de forma bastante desigual, ao contrário de outras
sociedades, como por exemplo a catalã, em que há um maior equilíbrio
entre gerações (Castells e outros, 2003).
Dentro do grupo dos mais velhos, cerca de 21% dos lares situa-se
num limiar de baixos rendimentos enquanto apenas 3% dos lares dos
mais jovens se encontra na mesma situação. Ao mesmo tempo, se com-
pararmos o perfil de estratificação de rendimentos em função da situa-
ção de activos ou inactivos, 53,9% dos inactivos mais velhos (reformados
ou incapacitados) estão no intervalo entre 0€ e 500€ enquanto só 5,5%
dos inactivos nascidos depois de 1967 se encontram em lares dentro da
mesma categoria.
Em termos de rendimentos a sociedade portuguesa pode ser caracte-
rizada como tendo evoluído nos últimos trinta anos de um modelo de
distribuição de rendimentos característico das sociedades menos desen-
volvidas para um modelo de distribuição mais equilibrado.
No entanto, não evoluiu para o modelo de distribuição de rendimen-
tos das sociedades informacionais liberais, com uma configuração de
ampulheta, em que o centro se esvazia a favor das duas extremidades da
escala de rendimentos, mas sim para o modelo característico das socieda-
des europeias que partilham o modelo de estado-rede, exemplificado na
União Europeia (Castells, 2003b). Esse é o modelo em que predomina
uma configuração da distribuição de rendimentos em forma de diaman-
te, com uma classe média forte.
Portugal evoluiu assim para um modelo mais equilibrado, caracte-
rístico das sociedades industriais e de sociedades informacionais como
as escandinavas (Castells e Himanen, 2002), embora numa versão mais
polarizada do que estas.
O perfil de estratificação do rendimento dos lares portugueses
assume para os mais velhos uma configuração mais próxima de uma
estrutura piramidal de maior desigualdade (característica das sociedades
do terceiro mundo), diferenciando-se do perfil de estratificação corres-
pondente aos mais novos que se assemelha mais da configuração em
diamante (característica das sociedades industriais europeias).
Se a estrutura de rendimento dos lares portugueses é diferenciada
entre aqueles que acederam ao sistema educativo após 1974 e os que o

263
fizeram antes, também será de esperar que encontremos também dife-
renças no campo laboral.
Embora a população portuguesa com 15 e mais anos apresente uma
percentagem elevada de activos quer para os jovens (74,3%) como para
os mais velhos (53,6%), constituindo assim a população activa mais de
60% do total de indivíduos, assistimos a importantes diferenças na com-
posição dessas duas populações.

Quadro 8.6 Condição perante o trabalho, segundo geração (%)

Nascido até Nascido após


Condição perante o trabalho Total
1967 1967
Trabalha a tempo completo 46,8 61,1 53,0
Trabalha a tempo parcial 2,5 5,3 3,8
Está desempregado(a) com subsídio 2,1 2,2 2,2
Está desempregado(a) sem subsídio 2,2 5,7 3,7
Reformado(a) 33,8 0,1 19,1
Doméstica 10,6 2,5 7,1
Estudante 0,0 21,5 9,4
Incapacitado permanentemente para o
1,1 0,2 0,7
trabalho
Outra situação 0,9 1,2 1,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

No que respeita ao seu tipo de actividade, existe um aumento das


pessoas a trabalharem a tempo parcial – embora o seu valor seja inferior
quer às taxas da Catalunha (Castells e outros, 2003) quer às de muitos
países do norte da Europa.
Também ao nível do número de pessoas desempregadas existem dife-
renças, em particular no que respeita aos que se encontram nessa situação
sem receber subsídio. Os jovens possuem uma taxa de 5,7% enquanto
os mais velhos possuem valores substancialmente mais baixos (2,2%), de-
monstrando assim uma menor protecção social entre os mais novos.
Outra das diferenças entre as duas populações é o elevado número
de pessoas mais velhas cuja actividade se desenvolve exclusivamente no
lar (10,6%), na sua quase totalidade mulheres que nunca trabalharam.

264
Mas ocorrem também semelhanças entre as duas populações, como
por exemplo na dimensão das empresas onde se trabalha. Mais de 50%
da população jovem e mais velha trabalha em empresas com menos de
10 trabalhadores e apenas 22% em empresas com mais de 50 trabalha-
dores, demonstrando assim a estrutura de pequenas e médias empresas
(a que teremos de juntar as estruturas descentralizadas do estado central
e autarquias) que caracteriza o tecido empregador português.
Voltamos a encontrar uma grande diferenciação entre as duas popu-
lações em análise, no tipo de contrato que caracteriza a sua actividade.
Assim se ao nível dos contratos sem termo existe uma relativa proximi-
dade entre os jovens e os mais velhos (respectivamente 56,1% e 50,4%),
já ao nível dos contratos sem termo ou a prazo encontramos fortes dis-
paridades. Entre os jovens esses contratos representam 26,6% enquanto
nos mais velhos apenas 5,2%. Também ao nível dos que não possuem
contrato existe uma relativa proximidade, embora os jovens estejam mais
vezes nessa situação (8,8%) que os nascidos até 1967 (6,8%).

Quadro 8.7 Vínculo laboral, segundo geração (%)

Nascido até Nascido após


Total
1967 1967
Contrato de trabalho sem termo/efectivo 56,1 50,4 53,3
Contrato de trabalho a termo certo/a prazo 5,2 26,6 15,6
Trabalho sem contrato 6,8 8,8 7,7
Trabalha por conta própria 31,9 14,2 23,4
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Em termos do número de horas semanais dedicadas ao trabalho


55,3% dos jovens trabalham entre 36 horas e 45 horas semanais enquan-
to que 57,1% dos mais velhos trabalha entre 35 e 40 horas semanais.
Numa tendência já analisada por Pekka Himanen (2001) na sua
análise da evolução das práticas laborais e da relação com o tempo, o
que os números permitem concluir é que, embora 28% da população
portuguesa trabalhe semanalmente mais de 46 horas (e aí há igual ten-
dência entre as duas populações), os mais velhos cumprem horários mais
próximos das “9 às 5” do que os jovens, os quais passam mais horas nos
seus empregos diariamente.

265
Quando comparada, por exemplo, com a Catalunha (Castells e outros,
2003) a proporção de trabalhadores por conta própria em Portugal é supe-
rior. Representa no total 23% do total da população activa, sendo 31,5%
dos mais velhos que se encontram nessa situação e 14,6% dos mais jovens.
A pergunta que ocorre é a de saber se há então de facto um baixo
nível de empreendedores entre a população, ou não. Quando comparan-
do com a Catalunha a resposta parece ser não. Os valores para Portugal
são claramente superiores. Portugal parece aproximar-se da estrutura de
emprego italiana em que cerca de um quarto da população trabalha por
conta própria (Castells, 2002).
Esta resposta, no entanto, precisa de ser qualificada, pois sabe-se
que, em muitos casos, ser trabalhador por conta própria decorre de uma
lógica de precarização no mercado de trabalho, suscitada pelas entidades
patronais que procuram diminuir os vínculos contratuais. Muitos outros
casos, porém, correspondem à efectiva iniciativa empresarial. Algumas
pistas adicionais podem ser visíveis noutros dados da nossa análise.
Ao responderem à pergunta sobre se teriam preferido trabalhar por
conta própria, sendo os seus próprios chefes, mesmo que tivessem me-
nos segurança profissional, os inquiridos revelam claramente um fosso
geracional. Para os nascidos até 1967 apenas 29,7% referem preferir essa
opção contra 40,5% dos jovens. Há assim, aparentemente, um maior
espírito de risco e inovação profissional por parte dos mais jovens.
No entanto, a resposta anterior tem de ser temperada com os dados
do quadro seguinte.

Quadro 8.8 Opinião sobre factores de sucesso, segundo geração (%)

Na sua opinião, o que considera mais Nascido até Nascido após


Total
importante para triunfar na vida? 1967 1967
A inteligência 30,4 31,6 30,9
Os contactos e as “cunhas” 17,2 19,0 17,9
O próprio esforço 31,0 33,6 32,1
A sorte 17,4 14,2 16,0
Não sabe / não responde 4,1 1,7 3,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

266
O “próprio esforço” enquanto elemento motivador do sucesso é
mais valorizado pelas novas gerações em detrimento da “sorte” e, sendo
esse um elemento incontrolável pelo indivíduo, há aparentemente uma
evolução cultural positiva face à procura de atingir as metas pessoais por
si próprio, condições favoráveis à iniciativa empresarial.
Também ao nível da estabilidade laboral os dados indicam uma
diferença geracional. Quando questionados sobre o número empresas
e/ou organizações diferentes em que trabalharam nos últimos 5 anos,
incluindo a empresa/organizações onde trabalham actualmente, os mais
jovens possuem um padrão de mobilidade muito superior (cerca de 30%
dos jovens durante os últimos 5 anos trabalhou entre 2 e 4 organizações
ou empresas diferentes).
Se essa mobilidade se fica a dever a despedimento ou não renovação
de contratos é uma pergunta a que só parcialmente se pode responder.
Embora não o possamos comprovar com base nos dados apresentados
podemos no entanto, baseados nas representações dos mais jovens, aven-
tar a hipótese de que haverá também uma significativa percentagem dos
jovens que realiza a mudança por escolha própria associada à procura de
melhores condições ou então à realização profissional mais condizente
com os seus objectivos de realização pessoal (Himanen, 2001), demons-
trando assim uma tendência maior para a flexibilização da permanência
no mercado de trabalho característica das sociedades informacionais
(Castells e outros, 2003).

Quadro 8.9 Número de empresas ou organizações onde trabalhou, segundo


geração (%)

Em quantas empresas ou organizações Nascido até Nascido após


Total
diferentes trabalhou nos últimos 5 anos? 1967 1967

Uma 88,8 64,4 77,0

Duas 7,6 23,2 15,1

Três ou mais 3,6 12,4 7,9

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

267
No que respeita ao número de vezes em que os inquiridos se encon-
traram desempregados nos últimos dois anos, os jovens estiveram mais
vezes desempregados que os mais velhos (96,2% dos mais velhos não
estiveram desempregados contra 82,7% dos jovens).
No entanto, quando consideramos a duração da situação de desem-
prego ela apresenta comportamentos temporais similares para as duas
populações, isto é, em média o período de desemprego não apresenta
diferenças visíveis, como se pode depreender da análise da figura 8.2.

Figura 8.2 Há quanto tempo se encontra desempregado sem interrupções? (segundo


geração)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Uma das discussões constantemente presentes na agenda política


portuguesa (e em muitas outras também) é a relação entre o papel do
estado como empregador e o sector privado. É frequente a ideia que
existem funcionários públicos em excesso e que o sector privado não
fornece também suficientes alternativas, a par de considerações sobre
o envelhecimento da estrutura de servidores públicos não substituídos
pelas gerações mais novas que procuram melhores salários no sector pri-
vado. Os dados recolhidos na análise da sociedade portuguesa apontam
para um crescente papel do sector privado como empregador.

268
Quadro 8.10 Tipo de entidade empregadora, segundo geração (%)

É funcionário público ou trabalha no Nascido até Nascido após


Total
sector privado? 1967 1967

Funcionário público 21,1 14,6 17,8

Trabalha no sector privado 78,9 85,4 82,2

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Se na geração nascida até 1967 a distribuição de emprego se realizava


entre o sector público com 21,1% e o sector privado com 78,9% a ten-
dência tem sido para aumentar a distância em favor do sector privado,
como se pode observar pelo quadro anterior.
Para podermos analisar o significado social dos dados que até aqui
apresentámos sobre a população portuguesa e as diferenças entre os
jovens e os mais velhos na dimensão profissional temos de novo de
relembrar que o nível educacional e cultural da população que frequen-
tou a escolaridade no pós-25 de Abril e conviveu no seu processo de
crescimento com os media num contexto democrático possui um nível
superior face às gerações anteriores.
Daí que essa população tenha também dinâmicas profissionais de
perfil mais elevado que as da população mais velha. Assim, cerca de
16,5% dos jovens gozou de uma promoção profissional nos dois últimos
anos enquanto apenas 13,6% dos mais velhos a obteve. Ainda que se
saiba que nos primeiros anos de vida profissional há lugar a um maior
número de promoções, o facto de também um maior número de jovens
ter auferido aumentos salariais acima da tabela (respectivamente 18,5%
contra 13,8%) parece significar que haverá também uma maior iniciati-
va por parte desses e que tal é reconhecido pelas empresas.
Os jovens demonstram igualmente uma maior capacidade de apren-
dizagem e introdução desses conhecimentos ao serviço da sua actividade
profissional. Assim 58,6% dos jovens afirmam que ao comparar o traba-
lho que fazia há 2 anos atrás com o que realiza actualmente, acham que
utilizam mais conhecimentos técnicos, quando apenas 47,1% dos mais
velhos afirmam estar na mesma situação.

269
O quadro seguinte confirma essa capacidade de aprendizagem e de
relação entre a dimensão educativa e a apropriação e uso da internet,
enquanto tecnologia de informação e comunicação, quer em geral quer
no mundo profissional.

Quadro 8.11 Utilização da internet para a actividade profissional, segundo


geração (%)

Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total


Visitou páginas da Web (na
internet) relacionadas com a sua 7,2 25,2 15,1
profissão ou estudos?
No local em que trabalha existe
35,6 40,8 38,3
ligação à internet?
Já utiliza a internet e o e-mail no
34,4 40,7 37,8
trabalho
Utilizadores de internet
12,6 50,3 29,0
(declaração espontânea)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

São também os jovens que mais visitam páginas disponíveis na in-


ternet relacionadas com a sua profissão, em parte porque também é nos
seus locais de trabalho que existe maior número de ligações disponíveis
mas também porque entre os jovens mais de 50% utiliza a internet (de
entre os 29% de utilizadores de internet, 70% nasceu após 1967). No
entanto, como já vimos não é a idade que justifica por si só a utilização
da internet.
O perfil do mundo laboral português que se observa na nossa inves-
tigação mostra um mundo em transição, constituído por uma popula-
ção jovem trabalhadora e profissional com um nível de educação mais
elevada que entre a geração nascida até 1967, com um maior espírito de
abertura à iniciativa individual (ainda que temperada pela sua percepção
da realidade), maiores competências tecnológicas e maior valorização da
componente de formação profissional no seu projecto de vida laboral.
No entanto, esse mesmo grupo está sujeito a uma maior instabili-
dade laboral por via do tipo de contratação (ou inexistência dela) ao
mesmo tempo que trabalha em horários laborais mais alargados (muitas

270
vezes para além das 40 horas semanais). Mas ao mesmo tempo os seus
membros também introduzem uma lógica de maior mobilidade no
mercado de trabalho porque buscam locais de trabalho onde exista um
maior equilíbrio entre o que se aufere e a realização pessoal. São também
os mais jovens que cada vez mais constituem a mão-de-obra do sector
privado, mantendo-se o sector público mais envelhecido e como tal me-
nos propenso a adquirir e favorecer as características valorizadas geracio-
nalmente por esta faixa jovem (maior iniciativa, formação profissional,
competências tecnológicas e maiores competências educativas formais).
Por outro lado, temos os sectores populacionais nascidos até 1967,
os quais cresceram num sistema educacional de menores oportunidades
para quem pretendia prosseguir os estudos, numa sociedade onde o
acesso à cultura e à formação era só possível a uma fracção reduzida da
sociedade e em que a rádio, imprensa e televisão eram alvo de censura.
Esses grupos etários são caracterizados por maior estabilidade profis-
sional e menor investimento e disponibilidade para a formação profissio-
nal, assim como uma menor familiaridade com as novas tecnologias e uma
consequente menor integração das mesmas nos processos de trabalho.
Como Manuel Castells (Castells e outros, 2003) afirma, a relação
dentro do mundo de trabalho é essencial para o posicionamento dos
indivíduos dentro da estrutura social.
Como vimos anteriormente, encontra-se uma estrutura de rendi-
mentos mais desigual entre os nascidos até 1967 do que no grupo dos
mais jovens. Essa estrutura de rendimentos deriva fundamentalmente
da posição que os indivíduos ocupam na estrutura ocupacional pelo que
é igualmente importante, para a presente análise, caracterizar em termos
geracionais comparativos essa dimensão da sociedade portuguesa.
Segundo os dados analisados a sociedade portuguesa mostra uma
ampla classe trabalhadora sendo cerca de metade da população (ou ten-
do sido, no caso de estarem actualmente desempregados ou reformados)
assalariados agrícolas, operários (qualificados ou não) e trabalhadores
dos serviços não qualificados. Se a esses valores adicionarmos 13,6% de
empregados administrativos, do comércio e serviços e 11,8% de trabalha-
dores independentes agrícolas ou não agrícolas com qualificações normal-
mente reduzidas, podemos considerar que, tal como em outras regiões do
sul da Europa (Castells e outros, 2003) também em Portugal a maioria da
população pode ser considerada população trabalhadora assalariada.

271
Quadro 8.12 Categoria socioprofissional, segundo geração (%)

Categoria socioprofissional tem (tinha) na Nascido até Nascido após


Total
empresa ou organização 1967 1967
Empresário 9,2 6,3 8,1
Director/dirigente 1,4 0,5 1,1
Profissional liberal 0,6 1,0 0,8
Trabalhador independente não agrícola 12,3 5,2 9,6
Agricultor independente 3,1 0,6 2,2
Quadro ou técnico superior 7,0 8,8 7,7
Quadro ou técnico intermédio 3,3 6,8 4,6
Empregado administrativo, do comércio
11,7 16,9 13,6
e serviços qualificado
Operário qualificado 21,1 22,0 21,4
Assalariado agrícola qualificado 0,7 0,5 0,6
Trabalhador administrativo, do
8,8 10,7 9,5
comércio e serviços não qualificado
Operário não qualificado 16,4 17,1 16,7
Assalariado agrícola não qualificado 3,9 0,8 2,7
Pessoal das forças armadas 0,6 2,7 1,4

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Os empresários e directores de empresa e da administração pública


representam cerca de 9% da população, enquanto o grupo constituído
pelos grupos de profissionais e quadros se encontrará próximo dos
13%. Constituindo esse grupo um indicador tipo do estádio de desen-
volvimento de uma sociedade informacional, a estrutura portuguesa,
embora não possa ser considerada como característica de uma sociedade
informacional, também já deixou de poder ser caracterizada como mais
próxima de um modelo industrial.
Em termos geracionais, o que há de mais relevante a registar é o
maior peso das gerações mais novas precisamente nas categorias profis-
sionais de quadros e técnicos, assim como de empregados qualificados
administrativos, do comércio e dos serviços, o que constitui um indica-
dor de transição para a sociedade informacional.
Esta leitura é confirmada pela distribuição da amostra analisada em
função da actividade principal da empresa ou organização em que traba-
lha actualmente (ou na última onde trabalhou).

272
Quadro 8.13 Actividade principal da empresa/organização em que trabalha,
segundo geração (%)

Actividade principal da empresa ou organização


Nascido até Nascido após
em que trabalha actualmente (ou na última onde Total
1967 1967
trabalhou)
Agricultura, pesca, produção animal, caça e
8,9 1,8 6,3
silvicultura
Indústria extractiva 1,0 1,0 1,0
Indústria transformadora 14,8 13,2 14,2
Produção e distribuição de electricidade, gás e água 0,8 0,8 0,8
Construção civil 10,4 10,2 10,3
Comércio por grosso e a retalho, reparações 18,4 20,1 19,0
Alojamento e restauração (restaurantes, cafés,...) 6,4 10,6 8,0
Transportes e armazenagem 3,1 3,8 3,4
Correios, telecomunicações e serviços de entregas
0,6 1,5 1,0
urgentes
Actividades financeiras (banca e seguros) 1,6 1,5 1,6
Actividades imobiliárias e alugueres 0,9 1,9 1,3
Actividades informáticas e outras actividades
1,1 4,6 2,4
teóricas
Administração pública, defesa e segurança social
7,3 6,4 6,9
(obrigatória)
Educação 5,6 4,4 5,1
Saúde e acção social 3,4 3,3 3,3
Outras actividades de serviços colectivos, sociais e
6,6 11,1 8,3
pessoais
Serviços domésticos 8,9 3,5 6,9
Organismos internacionais e outras instituições
0,2 0,1 0,1
extra-territoriais

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O peso do emprego na agricultura tem vindo a desaparecer e num


futuro próximo, como se pode observar pelo quadro, por efeitos gera-
cionais tenderá a situar-se a um nível residual. Por sua vez, a indústria
tem vindo a diminuir relativamente o seu peso entre os mais jovens.
Estes aparecem em geral em maior proporção nos sectores dos serviços,
nomeadamente nos que pressupõem actividades mais características do
modo de produção informacional.

273
Uma sociedade aberta ao global e às sociabilidades em rede

Se nos referirmos aos dados obtidos no inquérito à sociedade em rede


em Portugal também se podem detectar diferentes posicionamentos em
termos da abertura individual ao global entre os que iniciaram a sua for-
mação cívica e educacional no pós-25 de Abril e os que o fizeram antes.
Tomando como ponto de partida para esta análise as tendências cul-
turais em torno da formação da identidade, o quadro seguinte apresenta
outras possíveis leituras sobre a abertura à globalidade da sociedade
portuguesa, mas também sobre a dimensão de partilha da identidade
colectiva (aqui representada pela referência religiosa ou de aconteci-
mentos históricos de larga abrangência social) e, por outro lado, sobre a
dimensão individual da criação de identidade.

Quadro 8.14 Data histórica mais significativa, segundo geração (%)

Qual é para si a data histórica


Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total
mais significativa?
Datas religiosas 13,9 12,0 13,1
Datas históricas portuguesas 54,7 44,7 50,5
25 de Abril 1974 45,5 35,8 41,2
Datas pessoais 10,3 16,3 12,8
Datas históricas mundiais 5,5 8,9 6,9
Outras datas 1,2 1,6 1,3
Nenhuma 1,5 3,8 2,4
Não sabe / não responde 13,0 12,7 12,8

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Assim, as gerações mais novas são as que mais partilham entre si a


referência a acontecimentos globais (como o 11 de Setembro ou a Guer-
ra no Iraque) e são também quem maior importância dá as datas de
carácter puramente individual.
Por outro lado, verifica-se o papel moderadamente importante que a
religião possui na formulação das identidades, mantendo uma constân-
cia nos valores entre gerações, na ordem dos 12% a 14%. De qualquer

274
modo a sociedade portuguesa é uma sociedade que partilha na sua
formação de identidade em grande escala os mesmos acontecimentos,
como se exemplifica pelas duas datas mais referidas nas duas faixas gera-
cionais: o 25 de Abril de 1974 e o Natal.
O quadro seguinte também demonstra que existem outras regulari-
dades ao nível da identidade. Pois, apesar das variações existentes entre
gerações a sociedade portuguesa é ainda uma sociedade maioritariamen-
te enraizada localmente.

Quadro 8.15 Local com que se identifica mais por geração (%)

Nascido até Nascido após


Local com que se identifica mais? Total
1967 1967
Com a localidade em que nasceu 42,9 39,1 41,3
Com a localidade em que vive
22,7 23,2 22,9
actualmente
Com Portugal 25,4 24,4 25,0
Com a Europa 1,9 3,2 2,5
Com o Mundo 3,4 5,2 4,1
Com nenhum destes lugares 2,3 3,9 3,0
Não sabe / não responde 1,4 1,0 1,2

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Esse enraizamento é manifesto claramente na proximidade geográfi-


ca face à família e aos amigos. São 90,7% os portugueses que referem ter
pelo menos um familiar a residir no mesmo concelho. Em média têm
15,5 familiares a residir no mesmo concelho, e destes relacionam-se com
aproximadamente 13 pessoas.
Esses resultados coexistem também com uma grande amplitude das
redes familiares dos portugueses. Possuindo, em média 10 familiares que
residem noutro concelho do mesmo distrito, 11 noutro distrito e 9 no
estrangeiro. Em média, o número de amigos indicado é um pouco mais
baixo do que o referido para os familiares, mas não deixa de ser de regis-
to a sua densidade e amplitude.
Cada português refere ter, em média, um total de quase duas dezenas
de amigos (18,2). São 10,4 no seu concelho de residência; 7,7 noutro

275
concelho do mesmo distrito; 7,3 noutro distrito e 5,9 no estrangeiro. Va-
lores, aliás, muito próximos aos indicados para o número de familiares
quer noutro distrito quer no estrangeiro.
Introduzindo de novo o questionamento sobre o nível de abertura
da sociedade portuguesa num contexto informacional, a nossa análise
centrou-se sobre a componente de organização das sociabilidades em
rede possibilitada pela internet.
Procurou-se assim compreender até que ponto encontramos diferen-
ças entre utilizadores e não utilizadores de internet (que, como já vimos,
correspondem a populações tendencialmente mais jovens e mais velhas)
quanto às suas redes de sociabilidade familiar e de amizade, e a relação
estabelecida entre o uso de telemóvel e da internet.
Quanto aos contactos realizados com familiares e amigos pelo menos
uma vez por ano, eles ocorrem maioritariamente através do contacto
pessoal, seguindo-se o telefone e a internet.
Nos contactos telefónicos detecta-se o estabelecimento de uma re-
lação inversamente proporcional entre a distância e a frequência dos
contactos. Quanto mais distantes, menos frequentes são os contactos.
Se para a utilização do telefone para contacto com os amigos os va-
lores de utilização decrescem a partir do momento em que o contacto é
realizado com o estrangeiro, já com a família o decréscimo de utilização
ocorre a partir do momento em que a residência do familiar se situa fora
do distrito onde habita.

Figura 8.3 Familiares com que contacta pelo menos uma vez por mês

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

276
Figura 8.4 Amigos com que contacta pelo menos uma vez por mês

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Os valores mais elevados de contactos através da internet surgem


nas redes de relacionamento com os amigos. A frequência deste tipo
de contacto vai-se intensificando à medida que a distância aumenta, ao
contrário do que acontece nas relações pessoais ou por telefone.
No entanto, ocorrem também diferenças ao nível dos contactos com
familiares ou amigos. Assim a utilização da internet para contacto com a
família é praticamente constante.
Já no que se refere aos amigos a utilização da internet cresce a par-
tir do momento que o limite do distrito se ultrapassa (de 39,1% para
41,8%) tendo o seu valor mais elevado nos contactos com amigos no
estrangeiro (44,0%).
Mas a análise da utilização das tecnologias de informação como ele-
mentos de abertura social, através da sua apropriação nas redes de rela-
cionamento social, demonstra outra dimensão, o desenhar de estratégias
de utilização combinada de telefone e internet.
O padrão de uso parece indicar que enquanto os não utilizadores
de internet apenas podem optar por gastar mais dinheiro ou não em
chamadas telefónicas para os seus amigos e familiares, já os utilizado-
res de internet podem optar por qual o meio que combina melhor a
eficácia dos seus objectivos de comunicação e o custo associado aos
mesmos.

277
Assim, observa-se que para os utilizadores de internet, à medida que
o custo das chamadas, associado à distância, aumenta, também aumenta
o uso da internet (a qual possui um custo fixo independentemente da
distância da comunicação).
Em síntese, a sociedade portuguesa é caracterizada por uma sociabi-
lidade rica, baseada em relações familiares e de amizade. A sua matriz
baseia-se na proximidade de habitação no mesmo concelho. Ao mesmo
tempo, é perceptível uma maior intensidade das redes de sociabilidade
amicais e familiares entre aqueles que têm acesso à internet. A socie-
dade informacional assente nas redes propiciadas pelas tecnologias de
informação parece ser assim mais favorável à abertura à globalidade,
representada pelo aumento de intensidade dos contactos com amigos e
familiares no estrangeiro.
Se ao nível da formação da identidade ocorrem algumas diferenças
de ordem geracional, o mesmo não se pode dizer na dimensão das so-
ciabilidades.
Embora existam mais jovens a utilizar a internet, as diferenças ao
nível das sociabilidades não são tão visíveis na frequência dos contactos
mas sim na dimensão das redes e na flexibilidade destas, que por sua vez
são essencialmente produto da literacia tecnológica que permite diferen-
tes estratégias de gestão de redes de sociabilidades.

A sociedade civil portuguesa na sociedade em rede

Quando analisamos a pertença associativa e a participação cívica em


função da geração, para além das diferenças óbvias relativas a associações
com cariz geracional, há também a registar algumas outras diferenças
significativas.
A geração mais jovem participa quase mais 50% que a geração mais
velha em associações de consumidores, associações ecologistas e associa-
ções protectoras de animais. Por outro lado, tem participações inferiores
em quase 50% nas associações religiosas, nas associações de denúncia e
reivindicação para a defesa dos direitos humanos ou civis, anti-racistas
ou similares (movimentos anti-globalização, Amnistia Internacional,
Greenpeace, SOS Racismo, etc.) e nas ONG solidárias (ex. AMI, Médi-
cos sem Fronteiras, Banco Alimentar).

278
Um segundo factor fundamental nesta análise da participação cívica
na sociedade em rede é a relação de credibilidade estabelecida no triân-
gulo cidadãos-media-eleitos e também as modalidades e lógicas de acesso
praticadas pelos cidadãos através das diversas tecnologias de informação
colocadas à sua disposição.

Quadro 8.16 Pertença a associações, segundo geração (%)

Nascido até Nascido após


Pertence a pelo menos um(a)… Total
1967 1967
Associação/clube desportivo 35,4 60,7 46,2
Associação cultural e recreativa 19,0 17,8 18,5
Associação religiosa e paroquial 10,6 4,1 7,8
Associação de pais e mães de alunos 2,0 1,4 1,8
Associação de jovens 0,7 4,1 2,1
Associação da terceira idade 6,5 0,0 3,7
Associação de vizinhos 5,1 1,8 3,7
Associação profissional 12,6 7,7 10,5
Sindicato 13,3 8,6 11,3
Associação de consumidores 0,7 2,2 1,4
Associação ecologista 0,7 1,4 1,0
Partido político 6,5 4,1 5,5
Associação protectora de animais 1,4 2,3 1,8
Associação de denúncia e reivindicação
para a defesa dos direitos humanos ou 3,1 1,4 2,3
civis, anti-racistas ou similares
Associação ou ONG solidária 3,8 0,9 2,5

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Como refere Villaverde Cabral, tanto a procura de informação como


a disposição para intervir no espaço público e para discutir assuntos de
carácter político são afinal “manifestações potenciadoras do exercício
da cidadania”, ou seja, “(...) o espaço público, incluindo os mass media,
continua a ser um lugar privilegiado de mobilização política, mas (...),
ainda é preciso que os cidadãos entrem nesse espaço público para que a
politização comece a ter lugar e é isso que, frequentemente, não ocorre.”
(Cabral, 1997: 96).

279
No entanto, importa lembrar que para quebrar um círculo vicioso de
desconfiança não basta que a comunicação entre ambos se estabeleça, é
fundamental que exista motivação mútua.
Esta é uma situação ainda mais preocupante se atendermos à visão
de Cabral (2000) segundo a qual, dada a “terceira vaga democrática” e
a deslegitimação dos regimes políticos não democráticos, a qualidade
da democracia passará cada vez mais, não só pelos seus procedimentos
democráticos, mas também pelos benefícios materiais e imateriais dos
seus cidadãos, o que coloca uma pressão ainda maior nas relações entre
cidadãos e eleitos.
As condições políticas, mas também de organização, da relação entre
sistema dos media e política, interligam-se então com uma crise de cre-
dibilidade do sistema político na maior parte das sociedades ocidentais,
isto é, com um sentimento persistente de desilusão e desconfiança em
relação aos políticos e à política em geral por parte dos cidadãos, que se
demonstra de forma visível na elevada taxa de abstenção eleitoral, nos
baixos índices de confiança e nas diminutas taxas de participação em
associações tradicionais da sociedade civil.
Tal como o quadro 8.16 elucida, os cidadãos não abandonaram o
cenário político, podendo ser caracterizados como mais “críticos” pelas
suas elevadas expectativas na democracia enquanto ideal, e pelas suas
avaliações negativas da actividade actual das instituições representativas
(Norris, 2000, Castells, 2004b).
As respostas às perguntas formuladas no estudo, relativas à confiança
dos cidadãos nas instituições, apresentam resultados muito similares aos
de outros países (Castells e outros, 2003).
Assim 74% estão de acordo com a ideia de que “no mundo há umas
quantas pessoas que mandam e os cidadãos comuns não podem fazer
grande coisa para controlá-los”, e uns 77,8% concordam com que “para
as pessoas é difícil controlar o que fazem os membros do governo” (um
valor que traduz uma enorme descrença nos políticos quando compara-
do com os 59,5% da aplicação da mesma pergunta na Catalunha).
Ainda assim, a maioria dos portugueses acredita nas suas possibi-
lidades de agir para lutar contra os problemas do mundo a partir da
sua própria mobilização. Assim, 58,2% pensam que “as pessoas podem
influenciar os acontecimentos mundiais com mobilizações políticas e
sociais”, mas um número superior (67,3%) declara que “quando pensa
nas decisões políticas, dá-se conta que é impossível influenciá-las”.

280
Também ao nível da participação política a sociedade portuguesa é
uma sociedade em transição.
Os que realizaram a sua entrada na escola no pós-25 de Abril são
mais optimistas, acreditando na sua capacidade de influência no curso
das coisas a nível local e global.
São, também, mais individualistas, preocupando-se mais com os seus
assuntos do que com a resolução dos problemas do mundo. A aparente
contradição pode ser lida de outro modo, ou seja, os problemas do mundo
(como a fome, a guerra, as doenças) não se ganham através da elevada par-
ticipação em movimentos institucionalizados, mas sim pela prática diária e
pelos pequenos contributos que cada um pode dar. Algo que é possível de
inferir a partir também do maior grau de descrença no poder político.
Como consequência, há uma minoria significativa, mais de 15% da
população portuguesa, que já apoiou ou participou em campanhas sobre
temas como a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza,
a luta contra a pobreza, a igualdade da mulher, a defesa das crianças ou
outras idênticas, habitualmente ou ocasionalmente (sendo os valores
dos jovens neste último caso cerca de 6% mais elevados).
Os cidadãos podem ter perdido a confiança na participação política,
rejeitando a forma tradicional de “fazer política” através da pertença
partidária, mas continuam a acreditar em grande parte nos processos de-
mocráticos, dado que tendem actualmente a envolver-se numa “política
simbólica”, principalmente em questões de nível local, ecologia, direitos
humanos, família e liberdade sexual, para as quais consideram que os
políticos ortodoxos não apresentam interesse, respostas ou soluções.
É uma participação que pode ser comprovada com os níveis de parti-
cipação concreta no caso das acções de protesto ou solidariedade com o
povo de Timor em Setembro de 1999 (Cardoso, 2004b), em que 12,7%
dos mais velhos e 16,6% dos jovens estiveram envolvidos.
Também a este nível da participação cívica pode ser inferida a cons-
trução de uma sociedade em rede. Isto é, entre os que participam em
campanhas sobre temas como a defesa dos direitos humanos, a con-
servação da natureza, a luta contra a pobreza, a igualdade da mulher,
a defesa das crianças ou outras idênticas, a utilização da internet surge
referenciada em 20% dos casos.
Interessante é igualmente o facto de, apesar de sabermos que entre os
mais jovens o uso da internet é muito mais difundido, ambas as gerações
possuírem níveis idênticos de utilização neste tipo de campanhas.

281
Essa constatação, combinada com o facto de os utilizadores de inter-
net participarem mais habitualmente nesse tipo de campanhas, pode de-
notar que a utilização da internet na esfera da participação propícia uma
maior intervenção pela facilidade de comunicação que oferece a quem
quer intervir e também a quem se quer informar sobre essas temáticas.

Os media e a sociedade em rede

Os media na sociedade portuguesa encontram-se bastante consolida-


dos quanto à liberdade de imprensa (Oliveira, 1992). No entanto, no
campo da relação entre os fruidores e os produtores de informação existe
uma clara transição em curso. Por um lado, tal como referimos no início
deste capítulo, há claras diferenças entre a relação com os media por
parte da geração que cresceu com aqueles em regime de liberdade e os
que o não puderam fazer. Por outro, porque como sugere Umberto Eco
(1998), cada novo media obriga a uma reorganização do funcionamento
dos anteriores e também dos tempos de fruição que lhes atribuímos.
Há assim claras mudanças em curso detectáveis na forma como
quem utiliza a internet se relaciona com os media em geral face a quem
não tem acesso a essa tecnologia.

Quadro 8.17 Equipamentos do lar e serviços subscritos, segundo geração (%)

Nascidos até Nascidos após


Equipamentos do lar e serviços subscritos Total
1967 1967
Telefone fixo 67,6 53,9 61,6
Telemóvel para uso pessoal 56,7 91,7 71,9
Televisão 99,3 99,6 99,5
Televisão por cabo 30,7 44,0 36,5
Televisão por satélite não paga 4,6 8,3 6,2
Televisão por satélite paga 2,5 3,2 2,8
Televisão interactiva 0,4 0,7 0,5
Computador 26,8 46,3 35,3
Ligação à internet 15,5 28,5 21,2
PS2, Dreamcast, Xbox, Sega 7,3 14,6 10,5

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

282
Os jovens portugueses utilizam cada vez menos o telefone fixo e subs-
tituem-no pelo telemóvel. Ao mesmo tempo, embora a posse de televisão
continue uma constante, a televisão por cabo está muito mais presente
no dia-a-dia dos jovens do que no dos mais velhos.
Obviamente há que ter aqui em conta a relação de custo associada
a um bem e os rendimentos das duas populações, mas mesmo assim há
uma percepção entre os jovens do benefício de ter acesso a mais canais
que os mais velhos não partilham com a mesma intensidade.
Todas as tecnologias digitais estão mais presentes, quase sempre
no dobro da percentagem, nos lares dos jovens, revelando de novo a
associação que anteriormente havíamos estabelecido entre o maior grau
de escolaridade da população mais nova e a utilização da internet, um
fenómeno aqui extensível ao computador e mesmo às consolas.
A liberdade nos meios de comunicação tem nos graus de confiança
dos seus destinatários uma medida clara dessa constatação pela popula-
ção. Mas o grau de confiança também espelha até que ponto os fruidores
de um dado media possuem as competências para descodificar as mensa-
gens e estabelecer a hierarquia entre cada tipo de media.
O que de mais interessante sobressai da análise do grau de confiança
na informação é que a todos os níveis a geração nascida após 1967 possui
sempre valores de confiança superiores. E embora haja total concordân-
cia, entre as duas gerações, sobre que a informação obtida através da te-
levisão é a mais fidedigna e a dos jornais a menos, há também diferenças
na hierarquização entre gerações.

Quadro 8.18 Grau de confiança na informação de diversos meios de comunicação,


segundo geração (%)

Até que ponto é que confia na Nascidos até Nascidos após


Total
informação que recebe através… 1967 1967
Da televisão 74,0 (1) 78,0 (1) 75,8 (1)
Dos jornais 59,1 (4) 72,2 (4) 64,8 (4)
Da rádio 66,6 (3) 77,3 (2) 71,3 (3)
Da internet 71,1 (2) 74,2 (3) 73,4 (2)

O valor entre parêntesis indica a hierarquização da confiança em coluna.


Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

283
Assim, para a geração mais nova a rádio ocupa um papel mais central
enquanto que para os mais velhos que utilizam a internet esta é a segun-
da fonte mais fiável na sua hierarquia mental entre os diversos tipos de
media, isto dentro da sua matriz de media (Meyrovitz, 1995).
Se utilizarmos a relação que ouvintes e telespectadores estabelecem
com a rádio e a televisão através do uso de diferentes tecnologias (como
carta, telefone, telemóvel e correio electrónico) para medir o tipo de
interactividade estabelecida, também aí encontramos realidades diferen-
ciadas entre as duas populações.
Se no que diz respeito à mais tradicional de todas as tecnologias,
o envio de cartas, não há qualquer diferença a registar entre as duas
gerações, já o mesmo não se pode afirmar da utilização das restantes
tecnologias escolhidas por cada grupo geracional.

Quadro 8.19 Meios de contacto com programas de televisão ou de rádio, segundo


geração (%)

Já contactou alguma vez com um programa Nascidos até Nascidos após


Total
de televisão ou de rádio através… 1967 1967
De carta 0,7 0,7 0,7
Do telefone fixo 1,4 2,7 2,0
De telemóvel 0,7 2,0 1,2
Do envio de mensagens escritas de
1,3 4,4 2,7
telemóvel
De correio electrónico (email) 1,7 3,2 2,8

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

As diferenças são claras quando separamos a dimensão de voz (ofere-


cida pelo telefone e telemóvel) da dimensão textual (associada ao SMS e
ao correio electrónico).
As utilizações destas últimas são duas a três vezes superiores entre a
geração jovem quando comparadas com a geração mais velha. Pode-se
pois sugerir que ao nível da interactividade a geração mais nova se ca-
racteriza por uma junção da voz e do texto, sendo portanto muito mais
fluente no multimédia que a geração anterior.

284
A análise permite, porventura, visualizar a existência de diferentes
“perfis mediáticos” (Colombo, 2003) entre gerações. Isto é, um diferente
conjunto de expectativas, gostos, preferências, familiaridade face a géne-
ros e textos, modelos interpretativos e funções atribuídas no decurso do
consumo mediático por cada grupo geracional.

Quadro 8.20 Actividades consideradas mais interessantes (%)

Que actividade considera mais Nascidos até Nascidos após


Total
interessante (1ª opção)? 1967 1967
Jogar jogos de vídeo (em consolas) 0,3 (7) 3,8 (7) 1,8

Falar ao telemóvel 1,5 (6) 5,5 (6) 3,3

Ouvir música em CD 2,9 (4) 12,8 (3) 7,2

Ouvir rádio 7,9 (3) 9,4 (4) 8,6

Ver televisão 74,9 (1) 46,7 (1) 62,6

Ler jornais 9,2 (2) 6,3 (5) 7,9

Utilizar a internet 2,7 (5) 15,2 (2) 8,1

Não sabe / não responde 0,5 0,2 0,4

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.


O valor entre parêntesis indica a hierarquização da confiança em coluna.

Uma diferenciação passível igualmente de se confirmar situa-se ao


nível das representações avaliativas face às diferentes tecnologias de co-
municação e informação como aquelas presentes no quadro 8.20.
Embora ver televisão seja considerada consensualmente a actividade
mais interessante em termos de hierarquia de media, entre os nascidos
depois de 1967 a internet surge num destacado segundo lugar (15,2%),
seguida da audição de música em CD. Já para os mais velhos as opções
são diversas, surgindo o ler jornais em segundo lugar (9,2%) e ouvir
rádio em terceiro (7,9%).
A única constante entre os dois grupos é, assim, a televisão, que
aparentemente continua a deter o seu rótulo de elemento central do
meta-sistema de informação e até certo ponto, pelo menos em Portugal,
do meta-sistema de entretenimento, dando origem a uma organização

285
do sistema dos media em rede. Organização, essa, que ocorre em diver-
sos níveis, desde o da relação tecnológica, à organização económica e à
apropriação social.
Como se estrutura essa articulação em rede? Uma hipótese a compro-
var será a de que o sistema dos media se articula cada vez mais em torno
de duas redes principais, as quais por sua vez comunicam entre si através
de diferentes tecnologias de comunicação e informação.
Essas redes constituem-se, respectivamente, em torno da televisão e
da internet, estabelecendo nós com diferentes tecnologias de comunica-
ção e informação como o telefone, a rádio, a imprensa, etc.
A existência de duas redes principais está, porventura, relacionada
com as dimensões de interactividade possibilitadas por cada uma das
tecnologias e a forma como socialmente e temporalmente são valoriza-
das essas diferentes dimensões interactivas – mais aprofundadas com a
internet e menos aprofundadas com a televisão.
Como se pode verificar as maiores discrepâncias ao nível do interesse
atribuído às tecnologias de informação e comunicação surgem em torno
da internet: ela é a última preferência das gerações mais velhas (2,7%) e
a segunda entre os mais novos (15,2%).
As diferentes posições de interesse conferidas à internet por cada
uma das populações têm obviamente a ver também com o grau de pe-
netração do seu uso entre cada uma e também como convívio próximo
com terceiros que as utilizam (aquilo que denominamos por proxy users,
ou utilizadores “por procuração”).
Mas, independentemente das razões que procuremos para essa dife-
renciação de interesses, o que surge como facto é que as populações com
acesso à internet e que se consideram como utilizadores de internet, isto
é, com uma frequência regular de uso que lhes permite hierarquizar a
internet enquanto elemento da sua matriz de media, são também, nos
seus perfis mediáticos, diferentes das de não utilizadores.
Como se pode verificar em função do tempo dispendido com os di-
ferentes media e através da alteração das actividades diárias, há uma clara
diferenciação entre utilizadores e não utilizadores de internet.
Em média os utilizadores de internet vêem menos 40 minutos diários
de televisão, ouvem menos 8 minutos de rádio e falam mais quase 30 mi-
nutos ao telefone que os não utilizadores. A única actividade que não apre-
senta alterações é a leitura de jornais, na casa dos 30 minutos diários.

286
Quadro 8.21 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades, segundo
utilização da internet (em minutos)

Em média, quanto tempo dedica Utilizadores de Não utilizadores de


por dia a… internet internet
Ver televisão 135,3 175, 7
Ouvir rádio 147,5 155,4
Ler jornais 34,5 33,1
Falar ao telemóvel 36,3 19,7
Falar ao telefone fixo 29,9 17,6

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Quanto às razões associadas a cada um dos comportamentos, as ex-


plicações têm de ser diferenciadas em função dos diferentes media.
A utilização de telefones é sempre mais elevada por parte dos jovens.
Os nascidos após 1967 que falam diariamente mais 30 minutos ao tele-
móvel são 20,2% quando entre os mais velhos apenas 10,3% passam o
mesmo tempo a falar ao telefone diariamente.
A mesma tendência, embora menos vincada, surge também no
telefone fixo, em que 48,2% dos jovens falam diariamente mais de 30
minutos e apenas 40,1% dos mais velhos o fazem. As justificações para
esses tempos podem ir desde as economias de escala associadas às redes
de sociabilidades, ou seja, quantas mais pessoas houver a usufruir de uma
tecnologia em rede maior o ganho na adesão a essa rede, até ao facto de
a estrutura de emprego induzir a necessidade de maior utilização do tele-
fone ou, por último, o telefone móvel em combinação com a internet ser
necessário para a participação plena numa estrutura social que cada vez
mais se organiza em rede.
No que diz respeito aos utilizadores da internet, o fenómeno da dimi-
nuição de minutos de visionamento de televisão e audição de rádio pare-
ce estar intimamente ligado a um fenómeno de substituição. Pois quando
questionados sobre a alteração das suas actividades quotidianas a partir
do momento em que passaram a utilizar a internet, os dados indicam
uma variação negativa do tempo de visionamento de televisão de 16,7%
dos inquiridos. Um fenómeno que é extensível a todas as actividades
complementares da televisão, como sejam ver DVDs ou ver vídeos.

287
Existem também outros media, como por exemplo ler livros, que
aparentemente contribuem para o tempo afecto à utilização da internet
através de um efeito de cedência de tempo.
Há, no entanto, outras actividades em que a mediação tecnológica
intervém e que aparentemente não são afectadas, como é o caso dos
jogos de computador ou consola, talvez porque em parte os jogos offline
são substituídos pela sua interacção on-line ou porque pura e simples-
mente são actividades não comparáveis entre si.
É assim também possível detectar uma transição em curso no campo
dos media em Portugal ao nível da forma como as gerações que cresceram
com os media democráticos diferem das gerações anteriores na hierar-
quia que conferem aos media mas também nos seus perfis mediáticos
construídos através de dietas de media diferenciadas.
É uma transição também na forma como quem utiliza a internet e
quem não o faz interage com os diferentes media e participa num siste-
ma dos media cada vez mais caracterizado pela sua estruturação em rede
nas relações tecnológicas, na organização económica e nas fórmulas de
apropriação social.

Portugal em transição para uma sociedade em rede

A leitura deste extenso conjunto de dados organizados em diferentes


dimensões posiciona-nos perante uma dimensão de transição, em que
convivem simultaneamente debilidades estruturais e potencialidades
adquiridas.
A caracterização da sociedade portuguesa que se procurou realizar
reflecte a transição de uma população com escassos níveis de educação
para uma sociedade onde as gerações mais novas atingiram já competên-
cias educacionais mais aprofundadas.
Esta análise reflecte também uma transição sócio-política, primeiro
de uma ditadura para uma politização institucional democrática e de-
pois para uma rotinização da democracia. O que é acompanhado por
um processo que combina um crescente cepticismo face aos partidos e
às instituições de governo com uma acentuação da participação cívica a
partir de formas autónomas e por vezes individualizadas de expressão da
sociedade civil.

288
No início deste capítulo formulou-se uma pergunta sobre a existên-
cia ou não de uma clivagem geracional na sociedade portuguesa. Os
dados analisados confirmam essa clivagem. Mas não se trata de uma
clivagem por opção, antes uma clivagem que resulta de uma sociedade
onde os recursos cognitivos necessários estão distribuídos de modo desi-
gual entre gerações. Só assim se pode explicar que entre os que nasceram
até 1967 encontremos uma parcela de actores sociais que se aproximam
em algumas dimensões de práticas, e por vezes representações, dos mais
jovens. Essa proximidade é visível no facto de aqueles que possuem
competências educacionais similares se aproximarem, por exemplo, na
utilização da internet ou na sua perspectiva de valorização profissional.
A sociedade em que vivemos não é uma sociedade de cisão social
completa. Mas na sociedade em rede e nos modelos de desenvolvimen-
to informacional há competências cognitivas mais valorizadas do que
outras, nomeadamente a escolaridade mais elevada, a literacia formal
e as literacias tecnológicas. Todas elas são adquiridas e como tal não há
lugar a uma inevitabilidade de cisão social. Antes existe um processo de
transição em que os protagonistas são aqueles que dominam essas com-
petências mais facilmente.
Ao mesmo tempo que se depara com esses múltiplos processos de
transição, a sociedade portuguesa conserva uma forte coesão social sobre
uma densa rede de relações sociais e territoriais. É uma sociedade que
“muda e se mantêm coesa ao mesmo tempo. Evolui na sua dimensão glo-
bal, mas mantém o controlo local e pessoal sobre aquilo que dá sentido
à vida” (Castells, 2004b).
É nesse contexto que se produz uma transição fundamental: a transi-
ção tecnológica expressa por meio da difusão da internet e a aparição da
sociedade em rede na estrutura e na prática social.
Como detectar essas mudanças na estrutura e na prática social?
Uma sugestão é que as possíveis mudanças em termos de prática social,
associadas à difusão da sociedade em rede, podem eventualmente ser
medidas em função de cinco dimensões individualizados: a melhoria
individual, o empowerment individual, o consumo individual, a selectivi-
dade das redes e a construção de identidade (Castells, 2004b).
A melhoria individual é entendida como a utilização da internet para
adquirir conhecimento (começando com a informação mas sendo capaz
de a transformar em conhecimento), tal como na educação e na auto-

289
aprendizagem. Mas também inclui a utilização da internet como forma
de melhorar a realização do trabalho, tanto no local de emprego como
na actualização de capacidades profissionais.
A segunda dimensão de análise lida com o empowerment individual.
Isto é, até que ponto o uso da internet serve para aumentar a capacidade
de cada um para agir sobre os detentores dos meios de informação e sobre
os processos de decisão na sociedade? Por exemplo: a capacidade de obter
informação e comunicar horizontalmente, de um modo autónomo1.
A terceira dimensão de análise da pesquisa toma em conta o consu-
mo individual numa sociedade onde o consumo é um dado essencial da
participação de cada um no todo social. Deste modo, a internet pode
oferecer possibilidades de extensão do campo do consumo (ex. jogos
multimédia, filmes on-line).
A penúltima dimensão de análise constrói-se em torno da selecti-
vidade das redes. Trata-se da reconfiguração da sociabilidade através da
utilização do potencial da internet. O que inclui tornar mais fortes laços
fortes, mantendo essa relação à distância; diversificar e aumentar laços
fracos; a construção de novas redes de sociabilidades, tendo em conta
as diferentes possibilidades de escolha. Esta apropriação é fundamental
no quadro da reconstrução das sociabilidades num processo híbrido de
face-a-face e mediação electrónica, a partir do qual novos padrões de fa-
mília, amizades, conhecimentos e encontro de “almas gémeas” poderão
emergir.
E, por último, a dimensão de construção de identidade. Uma distinção
fundamental, aqui, é entre a identidade baseada em grupos que utilizam
a internet para consolidar-expandir as suas ligações comunais e a cons-
trução de identidade por indivíduos e grupos através da publicação na
internet de valores/projectos, encontrando as ligações mais favoráveis
para essas mensagens e posteriormente utilizando a internet como uma
ferramenta organizativa para ajudar a manter a identidade.
1
Exemplo: pacientes obtendo informação, consequentemente colocando-se
numa melhor posição face ao sistema médico; pessoas informando-se sobre as suas
vidas e o seu mundo, não dependendo apenas dos mass media; consumidores capa-
zes de comparar preços e produtos e tomar as suas decisões; pessoas capazes de se
organizar e debater questões, seja em movimentos sociais ou outras causas; cidadãos
procurando novas formas de participação e monitorização do processo político, etc.

290
Qualquer uma das cinco anteriores dimensões enunciadas de uti-
lização da internet caracteriza as práticas sociais daqueles que são em
Portugal mais escolarizados, possuem empregos onde a utilização de
conhecimentos é maior, fazem uma maior utilização dos media, possuem
uma estrutura de rendimentos menos desigual, possuem redes de socia-
lização com familiares e amigos mais aprofundadas.
Esses são também, maioritariamente, aqueles que partilham entre si
o facto de terem crescido numa escola não autoritária, com media livres e
em democracia. No entanto, os protagonistas dessa transição social não
se esgotam aí. Eles são também aqueles que entre a geração mais velha
atingiram graus formais de escolaridade mais elevada, que aderiram à
utilização das novas tecnologias de informação e comunicação e que se
posicionam num espaço global.

291
292
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Capítulo 9
Projectos de autonomia e internet

P
artindo da conceptualização proposta no capítulo inicial, e
especificamente elaborada a este respeito por Manuel Castells
e outros (2003) numa investigação análoga desenvolvida na
Catalunha, a sociedade em rede caracteriza-se, em todos os contextos
culturais, por um incremento substancial do nível de autonomia dos
indivíduos e da sociedade civil face às instituições do estado e às grandes
empresas. Tal decorre, fundamentalmente, não tanto da evolução tecno-
lógica em si mesma, mas, antes de mais, de processos sociais como a crise
de legitimidade das instituições políticas e do mundo dos negócios, a afir-
mação da individualidade pessoal como valor chave de referência no esta-
belecimento de normas sociais, e a expressão de identidades colectivas a
diferentes níveis. Aliás, vários outros autores têm vindo também a chamar
a atenção para a crescente importância da reflexividade dos indivíduos e
das sociedades na contemporaneidade (Giddens, 1991; Beck, 1992).
É neste sentido que se entende a emergência de redes constituídas
em torno de projectos individuais e colectivos, a partir dos interesses
e valores dos seus protagonistas. A organização destas redes pauta-se,
tendencialmente, pela horizontalidade, abertura e espontaneidade. A
internet, meio de comunicação interactivo e multidirecional, afirma-se
como um dos instrumentos privilegiados de expressão desses projectos
de autonomia e dos correspondentes modos de acção.
Foi segundo esta hipótese geral que se analisaram práticas sociais
centrais à construção de alguns destes projectos de autonomia emergen-
tes, nos diversos âmbitos da vida social, relacionando-as, por um lado,
com o perfil social dos seus protagonistas e, por outro, com a utilização
da internet.
Num primeiro momento, procedeu-se a uma sistematização das
diferentes variáveis entendidas como características de tais projectos

293
– através de procedimentos estatísticos de análise factorial. Isto permitiu
confirmar relações entre grupos de variáveis na base de dados, e funda-
mentar assim, através da análise empírica, uma tipologia de projectos
(ou dimensões) de autonomia.
Posteriormente verificou-se a intensidade destes projectos nos di-
ferentes grupos sociais, ou, noutras palavras, procurou constatar-se a
existência, ou não, de relações significativas entre as práticas sociais
relacionadas com uma determinada dimensão da autonomia e o perfil
social dos indivíduos (considerando essencialmente variáveis como a
idade, a escolaridade, o sexo e, nos casos pertinentes, a inserção profis-
sional). Num último momento procedeu-se à análise das relações entre
os diversos elementos indicativos dos diferentes projectos e a utilização
da internet, procurando discutir assim a articulação entre o uso este
novo meio de comunicação e a emergência de formas de reflexividade
e autonomia.

Uma tipologia de projectos de autonomia

Um projecto de autonomia é, tal como conceptualizado em Castells


e outros (2003), a afirmação por parte de uma pessoa da sua capacidade
de pensar e agir em função dos seus próprios critérios, valores e esforços.
Mas, dado o carácter multifacetado da vida social, é à partida de consi-
derar que tais capacidades não se evidenciam de forma homogénea nos
vários domínios da vida individual e colectiva. Por seu turno, é também
de ponderar que nem todos os indivíduos estarão em iguais condições
para desenvolver práticas sociais pautadas por este tipo de capacidade
reflexiva e proactiva.
De facto, a análise dos dados permite concluir que a expressão dos
projectos de autonomia não apresenta as mesmas manifestações em to-
das as pessoas, nem em todas as dimensões da prática social. Há pessoas
(a maioria) que não definem autonomamente, e em termos concretos,
qualquer projecto de vida empiricamente detectável. Em contrapartida,
alguns definem-no em termos eminentemente individuais, outros socio-
-políticos, outros na relação com os meios de comunicação. Há assim
uma pluralidade de projectos de autonomia, com diversos contornos e
manifestações.

294
Na tentativa de sistematizar empiricamente estas tendências proce-
deu-se a uma análise factorial que incidiu sobre um grupo de variáveis
susceptíveis de serem entendidas como indícios da existência de projec-
tos de autonomia em diferentes âmbitos da vida social. Os resultados
desta análise permitiram configurar, com um nível aceitável de signifi-
cância estatística, seis factores diferenciados, identificando-se assim, en-
tre a população inquirida, seis tipos de projectos de autonomia-resultado
praticamente idêntico ao alcançado na Catalunha através dos mesmos
procedimentos (Castells e outros, 2003).

Quadro 9.1 Resultado da análise factorial com variáveis indicativas de projectos


de autonomia

Componentes
Variáveis
1 2 3 4 5 6
Consultou livros, revistas especializadas
ou documentação sobre temas
,882 ,042 -,002 -,131 ,031 -,087
relacionados com a sua profissão ou
estudos?
Leu livros relacionados com a sua
,860 ,012 ,000 -,114 ,043 -,060
profissão ou estudos?
Visitou páginas da Web (na internet)
relacionadas com a sua profissão ou ,798 ,023 -,002 -,125 -,013 -,069
estudos?
Realizou curso ou acção de formação
,507 -,031 -,054 -,226 ,161 ,049
nos últimos 2 anos?
Até que ponto é que confia na
-,028 ,901 -,013 ,003 ,005 -,009
informação que recebe através da rádio?
Até que ponto é que confia na
informação que recebe através da -,052 ,894 -,016 ,042 -,008 -,011
televisão?
Até que ponto é que confia na
informação que recebe através dos -,036 ,855 ,021 -,018 ,004 -,024
jornais?
Até que ponto é que confia na
informação que recebe através da ,098 ,477 ,042 ,058 ,002 ,015
internet?
Preferiria (ou teria preferido) trabalhar
por conta própria, sendo (ter sido) o
-,019 ,029 ,929 -,021 ,017 -,070
seu próprio chefe, mesmo que ganhasse
menos?

295
Preferiria (ou teria preferido) trabalhar
por conta própria, sendo (ter sido) o
-,014 ,016 ,927 ,019 -,017 -,052
seu próprio chefe, mesmo que tivesse
menos segurança profissional?
Índice de participação sociopolítica -,082 ,067 -,034 ,681 -,024 ,000

Índice de mobilização sociopolítica -,185 ,048 ,018 ,655 -,140 -,059

Índice de actividades de cidadania -,266 ,031 ,011 ,554 -,139 -,107


Índice sobre a capacidade de
-,048 -,048 ,024 ,517 ,093 ,273
influenciar o mundo
Quando o(a) Sr(a) ou alguma pessoa
próxima contrai uma doença grave,
para além de consultar um médico, ,086 ,002 ,029 -,031 ,826 -,003
procura ainda informar-se por si
próprio sobre a doença?
Quando um médico lhe receita um
medicamento novo, costuma ler o ,061 ,009 -,032 -,125 ,792 -,077
folheto informativo ou não?
Importância atribuída ao esforço
-,022 -,003 ,066 -,058 ,031 ,761
próprio para triunfar na vida
Escala de autonomia pessoal -,205 ,031 -,038 ,166 -,193 ,511
Se os seus filhos pudessem escolher
entre serem funcionários a trabalhar
por conta de outrém ou terem a sua ,053 -,031 -,278 -,043 ,012 ,449
própria empresa, o que é que preferia
para eles?

Nota metodológica: A tabela mostra a matriz factorial obtida através do método de extracção da análise de
componentes principais, e de rotação varimax com normalização kaiser. Uma vez que algumas das variáveis
tinham valores omissos, optou-se por os substituir pela média.
Fonte: Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Os projectos identificados são assim:

• Projecto profissional (factor 1) – indica um interesse particular por


parte dos indivíduos na capacitação e desenvolvimento profissional, estan-
do empiricamente definido pelo facto de se ter realizado algum curso de
formação nos últimos dois anos, de ser ter consultado livros, revistas ou
outra documentação relacionada com a profissão e de se ter visitado páginas
web neste domínio.

296
• Projecto de autonomia comunicativa (factor 2) – aponta uma estraté-
gia de distanciamento face à informação veiculada pelos meios de comunica-
ção social, sendo empiricamente construído com base em variáveis relativas
ao grau de confiança atribuído à informação recebida pela televisão, rádio,
jornais e internet.
• Projecto empreendedor (factor 3) – indica o desejo de desenvolver um
projecto profissional independente, sendo empiricamente associado ao inte-
resse em trabalhar por conta própria, mesmo que isso implique um menor
nível de rendimento ou uma maior instabilidade laboral.
• Projecto sociopolítico (factor 4) – associado a um comportamento
activo no que toca à mobilização sociopolítica e à participação associativa,
este projecto é empiricamente construído com base em indicadores de
participação em manifestações de reivindicação e em associações de índole
cívica, bem como pelo desenvolvimento de actividades de cidadania (como
o envio de mensagens a meios de comunicação social ou a autoridades pú-
blicas), e pela percepção positiva da capacidade dos cidadãos influenciarem
as decisões colectivas.
• Projecto de controlo corporal (factor 5) – indica a procura do con-
trolo da sua própria saúde e de alguma autonomia face às indicações dos
especialistas e das instituições sanitárias, definindo-se empiricamente pela
leitura dos folhetos relativos aos medicamentos e pela procura de fontes de
informação complementares, para além do médico, em casos de doença.
• Projecto de autonomia pessoal (factor 6) – revela a definição de
objectivos de vida a partir das competências individuais e do recurso ao
esforço próprio, identificando-se pela percepção positiva quanto à capaci-
dade individual de resolução de problemas, pela importância conferida ao
esforço próprio na obtenção de triunfos individuais e pelo desejo de que os
filhos venham a desenvolver projectos empreendedores do ponto de vista da
inserção profissional.

Esta é uma tipologia que procura cobrir as principais dimensões da


vida social contemporânea e que decorre directamente dos padrões de
atitudes e comportamentos expressos pela população inquirida. Importa
agora tentar compreender qual o perfil social associado a estes diversos
projectos de autonomia ou, noutras palavras, que condições sociais favo-
recem (ou contrariam) o seu desenvolvimento em Portugal.

297
Estrutura social e projectos de autonomia

A análise desenvolvida, em Portugal, como na Catalunha (Castells


e outros, 2003), permite verificar que os indivíduos são mais ou menos
propensos a manifestar determinados projectos de autonomia consoan-
te têm, ou não, algumas características decisivas do ponto de vista demo-
gráfico, educativo e socioprofissional. A fim de analisar estas relações,
partiu-se dos valores alcançados através da análise factorial, atribuindo
um determinado valor a cada inquirido no que respeita a cada um dos
projectos. Observou-se posteriormente em que segmentos sociais se en-
contravam os valores mais elevados, ou seja, quais aqueles que apresen-
tavam manifestações mais intensas nas dimensões de autonomia aqui
consideradas.
Tal como os dados apresentados nos anteriores capítulos deixam an-
tever, o “projecto profissional” é significativamente mais frequente entre
os mais jovens – designadamente até 30 anos – estando, mais uma vez,
associada à distinção etária uma interessante diferença entre homens e
mulheres. Embora, em termos gerais, não se registe uma assimetria sexu-
al estatisticamente significativa no que toca ao desenvolvimento de um
“projecto profissional”, esta emerge com particular expressão quando
se observam os valores registados pelas jovens mulheres, por oposição
à situação verificada entre as mais velhas. Entre os jovens, as diferenças
entre homens e mulheres são relativamente ténues, ainda que se registe
alguma tendência para que sejam as segundas aquelas que mais frequen-
temente afirmam ler livros relacionados com a profissão e/ou estudos.
Mas já entre as mulheres mais velhas a situação é bastante diferente. Es-
tas estão tendencialmente afastadas deste tipo de projecto, registando-se
como única excepção, nalguns casos, a frequência de cursos de formação
profissional, regra geral como forma de colmatar fracas qualificações aca-
démicas e profissionais.
Os níveis de escolaridade exercem, tal como seria de esperar, uma
forte influência no desenvolvimento de um “projecto profissional”. A
principal distinção verifica-se entre os detentores de diplomas de ensino
superior e a restante população. Os licenciados, na maioria dos casos
profissionais técnicos e de enquadramento, são aqueles que mais inves-
tem na procura de informação e formação adicional no âmbito da sua
profissão, facto que estará certamente associado à crescente complexida-

298
de e exigência informacional das actividades que desempenham, bem
como ao próprio processo de escolarização que protagonizaram. É inte-
ressante também notar a ausência, neste grupo particular, de qualquer
distinção em função do género, situação que já não se verifica entre os
menos escolarizados. Nestes casos, as mulheres tendem a manifestar um
ainda maior afastamento face a qualquer tipo de actividade de capacita-
ção profissional.
A identificação do perfil social associado ao “projecto empreende-
dor” é ligeiramente mais complexa, sendo desde logo de assinalar a
elevada percentagem de indivíduos (perto de 50%) que manifestou inte-
resse em vir a trabalhar por conta própria. A idade apresenta uma ténue
relação com este desejo, resultado essencialmente do afastamento face a
este tipo de projecto dos indivíduos de idade mais avançada, muitos dos
quais numa fase de abandono da actividade profissional. Já entre os mais
jovens e os indivíduos de meia-idade, as diferenças são relativamente
irrelevantes. O mesmo não se passa, todavia, entre homens e mulheres.
Ao contrário do verificado na Catalunha (Castells e outros, 2003), são os
primeiros aqueles que mais frequentemente equacionam um “projecto
empreendedor”, diferença relativamente constante em todos os escalões
etários e níveis de qualificação académica e profissional. As mulheres
tendem assim a manifestar muito menos interesse no desenvolvimento
de projectos profissionais autónomos.
Mas porventura o dado mais relevante – e neste ponto coincidente
com o estudo da Catalunha – prende-se com a relação entre “projecto
empreendedor” e nível de escolaridade. Embora o grau académico
apresente neste âmbito uma influência mais ténue do que a verificada a
respeito do “projecto profissional”, ela assume contornos bastante inte-
ressantes na medida em que se trata de uma relação inversa. Em termos
concretos, os licenciados demonstram um fraco interesse no desenvolvi-
mento de um “projecto empreendedor”. Tratando-se de indivíduos com
melhores hipóteses de inserção profissional e com mais garantias em ter-
mos de estatuto social, tendem a menosprezar o eventual investimento
numa actividade profissional independente.
Poder-se-ia então considerar que os indivíduos com mais fracos
recursos qualificacionais seriam aqueles que mais fortemente manifesta-
riam o interesse pela via empreendedora. Na verdade, segundo os dados
recolhidos pelo presente estudo, tal tendência verifica-se, embora com

299
uma importante ressalva no que respeita aos inquiridos com percursos
de escolarização particularmente reduzidos – designadamente 4 ou
menos anos de escolaridade (faixa populacional em decréscimo mas
ainda bastante significativa em Portugal). Entre estes indivíduos, não
obstante a posição desfavorável face ao mercado de trabalho, o interesse
por um percurso empreendedor é mais fraco. Tal pode ser explicado,
entre outros factores, pela clara percepção da dificuldade em mobilizar
os recursos indispensáveis a este tipo de projecto e pela representação ne-
gativa das suas capacidades de autonomia individual, patente regra geral
entre os indivíduos que abandonaram precocemente a escola (como se
verifica na análise do “projecto de autonomia pessoal”). É no entanto de
assinalar, nesta faixa populacional, a forte valorização social da figura do
patrão, patente nomeadamente no ardente desejo que os filhos venham
a alcançar tal estatuto socioeconómico.
O “projecto empreendedor” assume assim especial incidência entre
aqueles que, em situação de eventual desvantagem no mercado de traba-
lho face aos licenciados, consideram simultaneamente ter alguns recur-
sos que lhes permitem (ou permitiriam) o desenvolvimento de uma acti-
vidade por conta própria. Em termos académicos são maioritariamente
indivíduos com o 3º ciclo do ensino básico ou com o ensino secundário,
não se distinguindo significativamente quanto à idade ou à profissão.
Também a análise dos factores subjacentes ao “projecto sociopolí-
tico” apresenta contornos bastante interessantes. Este projecto é relati-
vamente mais comum entre os indivíduos de meia-idade do que entre
os mais velhos, sendo também de registar algumas manifestações mais
localizadas entre jovens até aos 30 anos de idade. Estes revelam alguma
mobilização especificamente em torno de campanhas de protesto ou
defesa de determinados direitos cívicos – um tipo de participação que
não encontra, aliás, paralelo entre os mais velhos, o que vem contrariar
a hipótese por vezes veiculada pelo senso comum sobre o total alhea-
mento das camadas juvenis da intervenção sociopolítica. Contudo, a
juventude apresenta fracos índices de associativismo, denunciando nas
suas práticas uma ainda maior desconfiança em relação às formas mais
institucionais de intervenção na vida pública do que a registada entre a
restante população. É, pois, entre os portugueses de meia-idade que o
movimento associativo assume maior expressão.

300
Mas, à semelhança do que acontece com outras formas de autono-
mia, o dado porventura mais significativo na caracterização do perfil
social associado ao “projecto sociopolítico” prende-se com o nível edu-
cativo. Independentemente do escalão etário, o envolvimento e partici-
pação sociopolítica cresce à medida que a escolaridade aumenta, muito
em particular quando se trata de formas de mobilização caracterizadas
por uma maior espontaneidade (como manifestações de rua, cartas de
protesto, etc.). Este tipo de práticas é eminentemente residual entre os
indivíduos destituídos de recursos escolares significativos, muito em es-
pecial quando aos défices educativos se alia uma idade mais avançada.
Pelo contrário, revelam-se bastante mais comuns entre os detentores de
diplomas do ensino superior, inclusivamente entre os mais velhos.
Ao contrário do que parece verificar-se na Catalunha – onde se regis-
tam duas experiências de participação sociopolítica protagonizadas, por
um lado, pelos mais velhos e menos escolarizados, e, por outro, pelos
mais novos e com recursos académicos mais significativos – em Portugal
são quase exclusivamente os mais escolarizados aqueles que, indepen-
dentemente da sua condição etária, mais se envolvem na vida pública.
Esta tendência é apenas atenuada no que toca à filiação em estruturas
associativas.
Quanto às distinções de género, elas tendem a ser relativamente
irrelevantes no que respeita à participação em campanhas de defesa dos
direitos cívicos e à percepção da capacidade dos cidadãos influenciarem,
de algum modo, as decisões públicas, facto para o qual contribui a forte
mobilização das mulheres mais jovens. Já as formas mais instituciona-
lizadas de participação na vida pública, como a pertença associativa
ou o envio de mensagens para órgãos da administração pública ou da
comunicação social, tendem a registar maior incidência entre os indi-
víduos do sexo masculino. Esta diferença entre homens e mulheres é
relativamente transversal, embora mais acentuada entre os mais velhos
e bastante mais esbatida entre os indivíduos mais qualificados do ponto
de vista profissional e académico.
O “projecto de controlo corporal” é, por seu turno, bastante mais
forte nos portugueses de meia-idade, manifestando valores mínimos en-
tre aqueles que atingiram já uma idade mais avançada, bem como entre
os homens com menos de 30 anos. É interessante notar que este tipo de
projecto de autonomia apresenta uma incidência claramente superior

301
entre as mulheres, tendência patente em todos os escalões etários, em-
bora menos evidente no caso dos mais velhos, uma vez que são bastante
raros, entre estes, os casos de qualquer procura de informação médica
adicional. Este aparente desinteresse da população mais idosa pela busca
de informação que possa ajudar a interpretar as indicações veiculadas
pelos médicos, não estará certamente associado à ausência de problemas
significativos de saúde, argumento plausível na explicação de igual com-
portamento dos homens mais jovens. Pelo contrário, pode sim ser resul-
tado da ausência de recursos cognitivos pertinentes na interpretação de
informações eventualmente veiculadas por outras fontes.
De facto, as manifestações de um “projecto de controlo corporal”
dependem claramente da possibilidade de mobilização de recursos
directamente associados a percursos de escolarização mais longos. Os
indivíduos com mais qualificações académicas são aqueles que, indepen-
dentemente da idade ou do sexo, se apresentam em melhores condições
para procurar e interpretar fontes alternativas de informação médica.
Aqueles que não dispõem de recursos escolares significativos acabam
por se encontrar numa situação de maior dependência face às indicações
dos especialistas, não necessariamente por confiança na medicina ou
nas suas instituições, mas essencialmente por dificuldade de controlo
e validação da informação em causa. Poderão estar assim também mais
vulneráveis a indicações não fundamentadas veiculadas por quaisquer
outros agentes.
Em termos gerais, o “projecto de autonomia pessoal”, associado a
uma percepção positiva das capacidades individuais e da importância do
esforço próprio como factor de sucesso, tende a estar mais fortemente
presente entre os mais jovens e, mais uma vez, entre aqueles que dispõem
de recursos escolares mais significativos, designadamente os licenciados.
De salientar que em Portugal tal diferença se deve maioritariamente ao
facto de ser mais comum, entre estas categorias sociais, a presença de re-
presentações positivas quanto à capacidade e perseverança individual na
resolução de problemas. Estas são também particularmente frequentes
quer entre os profissionais técnicos e de enquadramento, quer entre os
empresários, dirigentes e profissionais liberais – isto é, noutra palavras,
nas classes sociais médias e altas, com recursos educacionais e/ou econó-
micos mais favoráveis a um maior grau de protagonismo social – sendo
bastante mais raras no caso dos operários industriais e dos agricultores.

302
Já no que respeita aos elementos considerados chave para o sucesso
individual, os dados recolhidos não permitem a identificação de um
padrão significativo. São pouco mais de 30% os portugueses que assina-
laram como principal factor o “esforço próprio” (valor bastante abaixo
do registado na Catalunha). Igual número identificou a “inteligência”
como elemento primordial do sucesso e os restantes outros factores como
a “sorte” ou os “contactos privilegiados”. Embora se verifique alguma
tendência entre os licenciados mais jovens para a identificação do esforço
individual como elemento central do sucesso, é de assinalar, mesmo nes-
te grupo particular, a presença igualmente importante de representações
do sucesso como resultado de factores extrínsecos e alheios à vontade
individual. Neste ponto particular, as diferenças entre diferentes estratos
geracionais e educacionais são assim estatisticamente irrelevantes.
De salientar ainda que, ao contrário do verificado no estudo similar
desenvolvido na Catalunha, onde as jovens mulheres se assumiam como
principais protagonistas deste tipo de projecto de autonomia, em Portu-
gal não se registam diferenças relevantes no que toca genericamente a
este projecto, sendo inclusivamente de assinalar alguma descrença das
mulheres, em particular das mais velhas, nas suas capacidades indivi-
duais. É interessante notar ainda que esta autodesvalorização, particu-
larmente relevante entre a população com inserções profissionais menos
qualificadas, acaba por apresentar uma forte associação com o desejo de
que os filhos venham a desenvolver “projectos empreendedores”, enten-
didos assim como meio de superação pelos filhos da falta de capacidades
individuais a que os progenitores se vêem sujeitos.
Finalmente, o projecto de “autonomia comunicativa” é aquele que
apresenta relações mais ténues com qualquer das variáveis de caracte-
rização social consideradas. O único aspecto que merece referência
prende-se com o facto de os indivíduos mais escolarizados manifestarem
um nível de confiança na imprensa escrita ligeiramente mais elevado,
dado que poderá eventualmente estar associado a uma maior frequên-
cia de leitura de jornais e revistas por parte deste grupo particular. No
que respeita aos restantes media, os níveis de confiança na informação
veiculada são semelhantes em toda a população, sendo difícil identificar
em Portugal protagonistas deste tipo particular de projecto. De referir
que, em termos gerais, perto de 80% dos inquiridos afirmam confiar na
informação veiculada pelos diversos media.

303
Em termos globais, pode afirmar-se que a juventude tende a favorecer
o desenvolvimento de projectos de autonomia em várias dimensões da
prática social, muito em particular no que toca à profissão, à autonomia
pessoal e, nalguma medida, à mobilização sociopolítica, patente em for-
mas não institucionalizadas de participação cívica. Noutros casos, como
o controlo corporal, o projecto empreendedor ou ainda a participação
sociopolítica, nas suas dimensões mais institucionalizadas, destacam-
-se com maior protagonismo indivíduos de meia-idade. No reverso da
medalha encontra-se o escalão etário mais avançado, com maiores difi-
culdades na adopção de práticas sociais pautadas por maior autonomia
e reflexividade, muito em particular quando à idade avançada se alia a
ausência de recursos escolares significativos.
A questão da escolaridade surge porventura ainda com maior relevân-
cia na compreensão da emergência e desenvolvimento de projectos de
autonomia a diversos níveis. Melhores níveis de qualificação académica,
associados na generalidade dos casos a inserções profissionais também
elas mais qualificadas, favorecem claramente práticas de capacitação pro-
fissional mais intensas, índices mais significativos de mobilização e parti-
cipação cívica, maior controlo no domínio da saúde e, em última análise,
uma mais forte autonomia pessoal. Parecem dissuadir, por seu turno, o
desejo de desenvolvimento de projectos empreendedores, garantido que
tende a estar um enquadramento mais favorável na estrutura social. Nes-
te domínio, destacam-se indivíduos com inserções profissionais menos
favorecidas, ainda que dotados de alguma qualificação académica.
As diferenças de género encontram-se mais pontualmente, em di-
mensões da prática social relacionadas em particular com a participação
associativa, o empreendorismo e o controlo corporal. Tendem a atenuar-
-se noutros domínios e, acima de tudo, a apresentar, na generalidade dos
casos, uma estreita relação com a questão geracional. Entre os mais jo-
vens, e muito em particular entre aqueles que desenvolveram percursos
de escolarização mais dilatados, a distinção entre homens e mulheres
tende a desvanecer-se, aproximando-se as práticas e representações de
ambos os sexos.
É certo que uma parte ainda significativa da população portuguesa
se mantém à margem de boa parte dos projectos de autonomia descri-
tos. Tal está contudo longe de invalidar que estes comecem a emergir,
nalguns casos apenas em áreas mais pontuais, noutros em quase todos

304
os domínios da vida social. Favorecidas pela presença de algumas ca-
racterísticas sociodemográficas ou pela possibilidade de mobilização de
recursos cognitivos e/ou económicos, práticas e representações pautadas
pela autonomia e reflexividade afirmam-se e começam, cada vez mais,
a orientar a acção individual e colectiva, constituindo um importante
motor do desenvolvimento da sociedade em rede.

Projectos de autonomia e usos da internet

Importa então observar de que modo o desenvolvimento de projec-


tos de autonomia se encontra relacionado com um dos instrumentos
privilegiados de construção da sociedade em rede: a internet.
A presença de um projecto de desenvolvimento profissional está di-
rectamente associada a práticas de utilização da internet e, em particular,
com um uso mais intensivo deste recurso, nomeadamente no local de
trabalho e em casa, e para fins relacionados com a esfera profissional ou
com a obtenção de informação prática e cultural.
Tomando especificamente como indicador um índice de capacitação
profissional construído em função da frequência de algum curso de for-
mação nos últimos dois anos, da consulta de livros, revistas ou páginas
web relacionadas com os estudos ou a profissão e da existência de gastos
relacionados com formação, confirmam-se claramente aquelas tendên-
cias. Entre os que declararam desenvolver mais intensivamente aquele
tipo de actividades (obtendo assim um valor médio ou alto no índice), a
percentagem de utilizadores da internet ascende a perto de 80%. Entre
os restantes, aquele valor pouco passa dos 20%.
Centrando a análise nos cibernautas, cerca de metade dos que estão
em processos de capacitação profissional acedem à web diariamente,
valor bastante mais elevado do que o verificado entre os que têm um
baixo índice de capacitação. Também relevante é a relação com o uso
a partir dos locais de trabalho. Quase 70% dos utilizadores da internet
com um forte investimento na aquisição de competências profissionais
acedem à web nos locais de trabalho, facto que está directamente associa-
do à própria natureza das actividades profissionais desenvolvidas – mais
fortemente decorrentes da mobilização de recursos informacionais. Na
mesma linha, regista-se, entre estes, uma expressiva utilização da internet

305
para fins profissionais e com objectivos de recolha de informação (prá-
tica, cultural e educativa ou político-sindical). Não demonstrando qual-
quer diferença significativa, face a outros segmentos, no que respeita a
utilizações relacionadas com o lazer ou com a sociabilidade, recorrem
mais frequentemente à internet com objectivos de ordem prática (reali-
zação de operações bancárias, pesquisa de informação sobre viagens ou
sobre determinados locais e serviços, reserva de entradas para espectácu-
los, download de software, etc.), com o intuito de aceder a informação de
carácter pedagógico ou ainda de trabalhar a partir de casa.
Noutras palavras, o desenvolvimento de actividades de capacitação
profissional está associado, por um lado, a uma maior propensão para a
utilização da internet, mas, por outro, também a alguma especialização
qualitativa dos usos, traduzida numa procura particular de funciona-
lidades relacionadas com a troca de informação e com a resolução de
problemas de ordem prática. É ainda interessante referir a maior inci-
dência, entre aqueles que se encontram em processos de capacitação
profissional, de indivíduos considerados veteranos no uso da internet.
Cerca de 1⁄4 são cibernautas cuja primeira experiência na web é anterior
a 1998, podendo assim avançar-se a hipótese da internet se ter assumido,
a par de outros recursos, como um instrumento privilegiado de desen-
volvimento profissional.
Já no que se refere ao “projecto empreendedor”, ao contrário do veri-
ficado na Catalunha, não se regista qualquer relação significativa com a
utilização da internet, em qualquer das suas vertentes. Tal facto vem cor-
roborar a descrição anteriormente avançada a respeito do perfil social
daqueles que assumem uma manifesta preferência pelo desenvolvimento
de um projecto profissional por conta própria. Trata-se de indivíduos
que, regra geral, não possuem recursos académicos particularmente
significativos. Mesmo que alguns deles tenham já algum contacto com
a tecnologia web, dificilmente se pode considerar que esta se apresenta
como um instrumento da cultura empreendedora em Portugal, na me-
dida em que são também ainda muitos aqueles que, manifestando o
desejo de trabalhar por conta própria, se mantêm afastados deste novo
universo tecnológico. Para além do mais, os cibernautas com maiores
indícios de empreendorismo, no sentido aqui adoptado, não se diferen-
ciam dos restantes na periodicidade de acesso ou no tipo de utilização
que fazem dos recursos da web.

306
A relação entre o uso da internet e a manifestação de um projecto
sociopolítico é, por seu turno, bastante expressiva. O segmento da po-
pulação portuguesa que assume valores mais significativos no que toca
à participação associativa e à mobilização em actividades cívicas e de
reivindicação sociopolítica, apresenta uma forte propensão ao uso deste
novo media. A título de exemplo, cerca de metade daqueles que parti-
cipam habitual ou esporadicamente em campanhas sobre temas como
a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza ou outros de
teor semelhante são utilizadores da internet, muitos dos quais já consi-
derados veteranos no uso desta tecnologia. Entre os inquiridos não par-
ticipantes neste tipo de campanhas, menos de 25% utilizam a internet.
No que se refere à periodicidade da utilização ou aos locais de acesso à
web a relação com o projecto sociopolítico é irrelevante, mas o mesmo
não se passa quando se observam especificamente os usos qualitativos
que os indivíduos mais implicados na acção cívica fazem dos recursos
disponíveis através da rede.
É particularmente interessante salientar que a mobilização para ac-
tividades de cidadania – de que podem ser exemplo a participação em
campanhas, o envio de cartas de protesto ou pedido de esclarecimento
a órgãos da administração pública ou da comunicação social, ou ainda
a procura de informação sobre as propostas eleitorais – se apresenta di-
rectamente associada a práticas bastante diversificadas de utilização da
internet, nomeadamente no que respeita à procura de informação e à
potenciação das funcionalidades da web para fins de ordem prática.
Os indivíduos que demonstram índices mais elevados de mobiliza-
ção sociopolítica são também aqueles que mais frequentemente recor-
rem à internet com o objectivo de recolher informação sobre temas da
actualidade, sobre questões político-sindicais e sobre assuntos culturais
e educativos, procurando assim dados que eventualmente ajudem a
fundamentar a sua intervenção na esfera pública. A estas práticas alia-se
também uma considerável utilização para fins práticos, para comércio
electrónico ou ainda para usos de índole profissional e tecnológica.
Embora a relação com os usos ligados à esfera da sociabilidade seja
em geral mais ténue, é de salientar que aqueles que registam um maior
envolvimento em manifestações públicas de natureza cívica apresentam
simultaneamente uma maior adesão às funcionalidades da web relacio-
nadas com o contacto com terceiros, o que não contraria a hipótese da

307
mobilização para algumas destas campanhas poder ser potenciada pelos
contactos proporcionados via internet. Apenas no caso dos usos de lazer
a relação com o projecto sociopolítico é irrelevante.
Assim sendo, pode afirmar-se que a cultura de intervenção cívica
manifestada por um determinado segmento da população se traduz, no
campo da internet, numa forte participação na própria rede, nas suas
mais variadas vertentes.
O “projecto de autonomia corporal” apresenta igualmente uma asso-
ciação positiva em relação ao uso da internet, embora sem grande rele-
vância no que toca, mais especificamente, à periodicidade de utilização,
à experiência de contacto com o espaço web, aos locais de acesso ou ao
tipo de funcionalidades mobilizadas. Dos inquiridos que afirmam recor-
rer a informações alternativas sobre a sua saúde para além das veiculadas
pelo médico (segmento que constitui cerca de 57% da população por-
tuguesa), cerca de 1/3 são utilizadores da internet. A taxa de utilização
desce para 23% entre os restantes.
Os indivíduos com manifestações mais intensas deste tipo de pro-
jecto tendem a revelar um maior interesse pela recolha de informação a
vários níveis, nomeadamente, na internet, informação sobre questões da
actualidade e, como seria de esperar, sobre matérias de índole médica.
Ainda assim, é de notar que a internet está longe de constituir, mesmo
para os seus utilizadores, a principal fonte de informação complementar
em relação a questões de saúde. Cerca de 44% dos cibernautas com
interesse por esta matéria, procuram antes de mais informação junto
de familiares ou amigos, 30% lêem livros ou revistas especializadas e
apenas 16% recorrem em primeiro lugar à web. Entre os não utilizadores
a dependência face às redes de sociabilidade é, contudo, ainda maior.
Perto de 2/3 recorrem preferencialmente a informações veiculadas por
familiares e amigos.
A leitura dos dados apresentados no estudo também aponta para
que quando, para além da consulta habitual ao médico, se procura mais
informação sobre patologias, existir uma tendência para a substituição
de contactos adicionais com profissionais de saúde pelo recurso a meios
de informação de massas. Essa é uma tendência particularmente visível
entre os utilizadores de internet, normalmente mais escolarizados e mais
novos. Assim, se a população não utilizadora de internet recorre aos
farmacêuticos para informação complementar (12,7%) já os valores para

308
os utilizadores são claramente inferiores (4,6%). O mesmo pode ser ar-
gumentado para os médicos, pois se 5% dos não utilizadores de internet
recorre a outros especialistas ou médicos de clínica geral, entre os utili-
zadores o valor decresce quase para metade (2,9%). Onde se processa
então a substituição? Na utilização da internet, que surge em 15,9% das
vezes como a fonte para informação complementar sobre patologias.
Observando agora o “projecto de autonomia pessoal”, mais uma vez
se verifica que duas das variáveis que serviram de base à sua construção
analítica – as relativas à importância do esforço próprio na persecução
do sucesso individual e ao desejo de que os filhos venham a desenvolver
um projecto empreendedor – não demonstram qualquer correlação com
o uso da internet.
Já quando se toma como indicador a escala de autonomia pessoal
– construída com base na percepção dos inquiridos a respeito das suas
próprias capacidades individuais na resolução de problemas e na realiza-
ção dos objectivos a que se propõem – a situação altera-se significativa-
mente. Assim sendo, considerando os indivíduos que demonstram um
nível médio e alto no índice – o que corresponde a uma percepção ten-
dencialmente positiva sobre as suas próprias capacidades de autonomia,
patente entre cerca de 40% dos inquiridos em Portugal – cerca de 41%
são utilizadores da internet, na maioria dos casos utilizadores diários.
Entre aqueles que obtiveram pontuações mais baixas no índice, a taxa
de utilização da web não vai além dos 20%.
Pode assim considerar-se a hipótese da internet constituir, a par de
outros recursos disponíveis por parte daqueles indivíduos (dotados,
como se viu, de qualificações escolares e profissionais mais significativas,
ou de maiores recursos económicos), um importante instrumento de
reforço da autonomia individual, nomeadamente por esta permitir a
solução eficaz de alguns problemas quotidianos.
É precisamente neste sentido que se pode interpretar o facto de estes
explorarem, com bastante mais frequência do que aqueles cuja percepção
sobre as suas capacidades individuais é mais negativa, funcionalidades
da web ligadas à resolução de questões práticas, ao comércio electrónico,
à consulta de jornais ou de informação de índole política e sindical. É
particularmente evidente o seu interesse, entre outros, pela realização
de pesquisas sobre serviços variados, de operações bancárias on-line e de
reservas de espectáculos ou viagens. Ainda interessante é o facto destes

309
cibernautas referirem de forma mais expressiva (61%) acessos à internet
a partir de casa, revelando assim ter ao seu dispor, no espaço doméstico,
os instrumentos que lhes permitem um acesso mais imediato aos recur-
sos disponibilizados pela rede.
Por último, no que respeita à relação entre as manifestações de um
“projecto de autonomia comunicativa” e o uso da internet não se detec-
tam, regra geral, diferenças dignas de registo. A única excepção vai para
o facto de se verificar alguma tendência, ainda que relativamente ténue,
para que sejam os cibernautas aqueles que mais confiam na informação
veiculada pela imprensa escrita e pela internet. De lembrar que são tam-
bém estes que mantém um contacto mais próximo não só, obviamente,
com a internet, mas também com os jornais, o que poderá favorecer
um maior domínio e capacidade crítica sobre a informação por essa via
recebida (apoiada ainda por níveis de qualificação, regra geral, mais ele-
vados). Aliás, os inquiridos não familiarizados com a web optaram muito
mais frequentemente por não responder às questões relativas ao grau de
fiabilidade destes dois media.
De registar também que, ao contrário do verificado no estudo desen-
volvido na Catalunha (Castells e outros, 2003), em Portugal a utilização
da internet não surge associada a qualquer desconfiança particular em
relação à informação televisiva. Cibernautas ou não, os portugueses
revelam uma forte confiança neste media, ainda que eventualmente
construída tendo por base diferentes argumentos.

Internet como instrumento de autonomia

A análise desenvolvida dá a entender que a introdução da internet


na vida quotidiana está associada, pelo menos nalgumas das suas dimen-
sões, à existência de valores e comportamentos pautados por significa-
tivos níveis de autonomia. Entre alguns segmentos da população, coe-
xistem claramente manifestações de projectos de autonomia – tal como
aqui foram conceptualizados – e práticas de acesso recorrente à web.
Certamente que tais projectos dificilmente podem ser determinados
pela internet ou por qualquer outro tipo de tecnologia. Pelo contrário, o
perfil social dos seus protagonistas indica francamente que estes são, an-
tes de mais, suscitados por determinadas condições sociais de existência

310
e por um conjunto particular de valores e atitudes que, regra geral, lhes
tendem a estar associados.
A internet surge então, essencialmente, como um instrumento de
autonomia e como um meio privilegiado de expressão e de difusão da-
queles projectos, particularmente explorado, assim, por parte daqueles
que os protagonizam.
É interessante notar também que, mais do que induzir um uso mais
frequente ou intenso da internet, em Portugal, a presença de determi-
nadas manifestações de tais projectos acaba por suscitar, acima de tudo,
tipos de utilização tendencialmente diferenciados, do ponto de vista
qualitativo. Noutras palavras, regista-se alguma especialização do tipo
de operações realizadas na rede em função dos projectos particulares
de autonomia evidenciados, ou não, por cada cibernauta. As práticas
desenvolvidas na internet, ou através dela, surgem então em clara con-
tinuidade face àquelas que são exploradas por cada utilizador fora do
ciberespaço.
Em termos globais, e não obstante a diversidade das dimensões de
autonomia consideradas anteriormente, é de salientar acima de tudo o
facto da presença de comportamentos pautados por uma maior eman-
cipação, reflexividade e proactividade reforçar os usos da internet rela-
cionados com a recolha de informação e com a resolução de problemas
práticos. Se, por um lado, o recurso a esta tecnologia com fins lúdicos e
de sociabilidade surge como relativamente transversal à grande maioria
dos seus utilizadores, por outro confirma-se agora que o desenvolvimen-
to, na rede, de actividades de pesquisa de informação e de resolução de
questões de ordem eminentemente prática tende a ser mais específico
destes segmentos particulares da sociedade portuguesa, pautados por
mais expressivos projectos de autonomia a diversos níveis.
Facilmente se aceita que a concretização de um projecto de auto-
nomia depende fortemente da capacidade de mobilizar informação e
resolver problemas. Nesse sentido, a internet parece ser, a par de outros,
um importante recurso. Mas tende a sê-lo sobretudo para aqueles que,
em regra apoiados em condições sociais de algum modo favoráveis (de
carácter histórico ou geracional, educativo ou económico, institucional
ou relacional), assumiram a autonomia como um valor fundamental ou
tiveram já a oportunidade de a pôr em prática, nalguma dimensão das
suas vidas.

311
312
A S O C I E D A D E E M R E D E E M P O R T U G A L

Conclusão
Portugal em transição para a sociedade em rede

A
o longo deste livro analisámos a construção da sociedade em
rede em Portugal e a influência da internet na vida quotidiana,
compreendendo que, na realidade, são as pessoas que usam a
internet e mudam os seus usos, adaptando a tecnologia às suas necessi-
dades, interesses e valores, e não o contrário.
Igualmente compreendemos que o grau de desenvolvimento de um
país terá na ligação de banda larga o indicador mais adequado para
medir a difusão da sociedade em rede e toda a diversidade de práticas
a ela associada. No entanto, a evolução da sociedade em rede decorre
também do modelo de desenvolvimento informacional que um dado
país segue. Dependendo da estrutura de emprego, da infraestrutura
tecnológica, da produção de conhecimento, da abertura ao mundo e à
informação, podem gerar-se diferentes modelos de sucesso económico,
com características bastante diversas.
Portugal no início do século XXI permanece basicamente uma eco-
nomia proto-industrial, não se tendo afirmado ainda como economia
informacional. No entanto, há sinais claros de uma transição, embora de
carácter incipiente e de resultados largamente em aberto. O rápido e sig-
nificativo processo de modernização registado pela sociedade portuguesa
nos últimos anos pode ser traduzido em domínios tão diversos como a
reconversão económica, o desenvolvimento científico, a escolarização das
novas gerações e a recomposição socioprofissional, a feminização e pro-
gressiva terciarização do trabalho, a urbanização da população e dos espa-
ços, a aproximação dos padrões demográficos e de vida familiar ao quadro
europeu, a democratização das estruturas políticas ou a mediatização do
espaço público. Mas, tal processo tem estado longe de ser linear, isento de
obstáculos e contradições; e, acima de tudo, longe de ter terminado.

313
Portugal encontra-se num momento de transição, associando traços
e dinâmicas de modernidade a vestígios de uma sociedade mais arcaica,
que tendem a persistir e a obstruir algumas das transformações em curso.
Enfrenta, por um lado, muitos dos novos desafios e paradoxos das socie-
dades modernas – veja-se o envelhecimento populacional, a emergência
de novas formas de pobreza, a crise das estruturas democráticas ou a
mediatização da sociedade. Mas, por outro, suporta os atrasos induzidos
pela manutenção de antigas estruturas e disposições sociais, obstáculos
ao necessário, e tão comentado, processo de convergência – de que são
exemplo, a especialização económica em sectores de fraca intensidade
tecnológica, a manutenção de deficientes níveis de qualificação, a in-
suficiência dos apoios sociais ou o ainda limitado desenvolvimento das
classes média e dirigente.
A transição é também passível de ser lida nas práticas caracterizado-
ras da sociedade em rede. Em Portugal, se é verdade que cerca de 29%
da população é utilizadora directa da internet, e que outros 10% se têm,
de algum modo, aproximado desta tecnologia, a maioria da população é
ainda constituída por não utilizadores.
O contacto dos portugueses com a internet – em termos gerais, ainda
relativamente escasso e recente, não obstante a considerável evolução
positiva – está longe de ser uniforme nos diversos segmentos populacio-
nais. A familiarização com este recurso tecnológico surge fortemente as-
sociada a competências e predisposições mais frequentemente presentes
quer entre os jovens, quer entre os indivíduos mais qualificados. É aliás
bastante interessante notar a interdependência destas duas variáveis. Se,
nos escalões etários mais jovens, a ausência de recursos escolares signifi-
cativos não conduz a um necessário afastamento face à internet (embora
o torne relativamente mais raro), entre os mais velhos, níveis de escolari-
dade mais elevados surgem como uma condição primordial no despertar
para este novo universo tecnológico. E acabam por ser precisamente os
cibernautas de meia-idade e os mais qualificados aqueles que mais inten-
samente integraram o uso da internet no seu quotidiano, não obstante a
difusão do uso mais ocasional desta tecnologia entre os mais jovens.
Em termos genéricos, o espaço doméstico é o principal ponto de
acesso à internet entre os cibernautas portugueses, ao contrário do que
acontece noutros países mais desenvolvidos onde a primazia vai para os
contextos profissionais e escolares. De salientar, contudo, que a familia-

314
rização com este novo media tende a iniciar-se em espaços extra-domésti-
cos – no trabalho para os mais velhos, na escola ou entre amigos para os
mais jovens – assumindo estes, assim, um papel fundamental na expan-
são do uso da internet no nosso país, muito em especial entre os indi-
víduos menos dotados de recursos económicos e qualificacionais. Já no
que respeita às actividades desenvolvidas através da rede, verifica-se em
geral que, não obstante a intensa utilização com intuitos informativos,
a internet está longe de ser, em Portugal como noutros países, um mero
meio de circulação de informação. É, muito em particular para os mais
jovens, um espaço de lazer, entretenimento e sociabilidade, bem como
um recurso fortemente mobilizado, especialmente pelos mais velhos e
mais escolarizados, para fins de ordem prática, profissional e cultural.
Os resultados alcançados sobre as sociabilidades e actividades quo-
tidianas desmentem os argumentos mais alarmistas (e simplistas) acerca
do isolamento social de quem faz uso da internet, ao mesmo tempo que
também rebatem o argumento de que os actuais contextos sociais (e,
nomeadamente, os urbanos) seriam desprovidos de relações sociais de
interconhecimento local. À semelhança dos resultados catalães (Castells
e outros, 2003), as redes sociais portuguesas caracterizam-se, principal-
mente, por uma grande proximidade geográfica. As redes familiares e
amicais dos portugueses são grandes, locais e presenciais. Tal não inva-
lida que sejam simultaneamente amplas do ponto de vista geográfico.
A existência de familiares em locais muito distintos e longínquos não
quebra bruscamente as relações de sociabilidade, sendo, para muitos, de
periodicidade anual o contacto pessoal com os que residem no estrangei-
ro. A utilização da internet introduz, isso sim, algumas transformações
nos contactos com os amigos, pelo menos como meio de comunicação
nas relações mais distantes. As relações com os vizinhos apresentam
igualmente características de grande densidade e intensidade de rela-
cionamento interpessoal. Em todos estes aspectos são os utilizadores de
internet que possuem maiores redes de sociabilidade e contactam mais
frequentemente pelas diferentes formas com os seus familiares, amigos
e vizinhos.
A outra escala geográfica, a internet configura-se também como um
potenciador dos contactos a nível planetário, intensificando a frequên-
cia das comunicações entre indivíduos que vivem em diferentes locais do
mundo, ficando os outros meios de comunicação (contactos pessoais e

315
telefónicos) em vantagem quando se trata de relações mais próximas. A
internet reforça, em qualquer dos casos, as relações sociais entre os in-
divíduos, combinando espaços reais e virtuais de comunicação na socie-
dade em rede. E estando os utilizadores associados a uma maior juven-
tude, a qualificações escolares e profissionais mais elevadas e a maiores
recursos económicos, culturais e sociais, prevê-se que nos próximos anos
a evolução de alguns destes indicadores seja ainda mais positiva.
Já sobre as práticas comunicacionais dos portugueses na sociedade
em rede uma das principais conclusões é a de que o impacto da internet
não é, como algumas teses têm vindo a difundir, de substituição da utili-
zação dos media tradicionais pelo uso desta nova plataforma tecnológica
como principal meio de informação e comunicação. A internet surge
como mais um suporte de informação e meio de comunicação adicio-
nal à televisão, à rádio ou à imprensa escrita. Tal como com as relações
de sociabilidade e convivialidade, as actividades quotidianas não se
alteram significativamente após a introdução do uso da internet. Onde
as mudanças são mais visíveis, embora pouco profundas, é em práticas
comunicativas tecnologicamente mediadas, como ver televisão, vídeos e
DVDs. Estas conhecem, nalguns casos, uma ligeira diminuição.
O papel da internet como suporte de informação fidedigna entre os
que usam a internet parece prever uma importância crescente do uso
deste media, que não se substituirá aos media tradicionais nem consumi-
rá o tempo quotidiano como alguns temeriam, mas que adquirirá um
lugar central na construção de uma sociedade em rede mais alargada e
difusa em Portugal.
Em termos de questões identitárias, Portugal acompanha as tendên-
cias de outros países, sendo a família a principal referência identitária
mencionada pelos portugueses, seguida, com algum afastamento, da
identificação consigo próprios, esta última em particular no grupo
dos mais jovens. As principais referências históricas dos portugueses
remetem-nos para acontecimentos nacionais recentes e muito marcan-
tes na vida social e política do país, com o 25 de Abril de 1974 a ser
referido por uma larga maioria dos inquiridos. No que toca às questões
de identidade territorial, os resultados indiciam uma maior amplitude
de referências globais (como, por exemplo, com a Europa e o Mundo)
entre os utilizadores de internet quando comparados com os indivíduos
que se declaram como não utilizadores de internet. Os utilizadores de

316
internet constituem-se assim como protagonistas de novos processos de
construção e referência identitária.
Algo de similar se passa com a participação social e política. São os
utilizadores de internet que pertencem a um maior número de asso-
ciações e que mais nelas participam, quando comparados com os não
utilizadores e com a população portuguesa em geral. Obviamente, são
também eles que usam a internet nessa participação, se bem que de um
modo ainda muito incipiente. São quase residuais os valores de partici-
pação em campanhas de solidariedade ou acções de intervenção cívica e
social relativamente aos encontrados para a pertença e participação em
estruturas de tipo associativo. Estes últimos, como se viu, também não
são muito elevados.
Quanto à mobilização colectiva, dois perfis se salientam – o dos
utilizadores e não utilizadores de internet: os primeiros tendem a apa-
recer como cidadãos mais convencidos de que é possível influenciar as
decisões políticas e os acontecimentos mundiais. De um modo geral,
parecem posicionar-se como potencialmente mais interventivos social e
politicamente. O uso da internet pode, ainda, favorecer o contacto entre
cidadãos e a administração pública ou os órgãos de soberania. Ainda
que isso não se tenha verificado até ao momento de forma muito alarga-
da, poderá concluir-se, então, que a internet não só potencia novas opor-
tunidades de participação e contacto com as diferentes estruturas de
poder, como também os seus utilizadores se apresentam como cidadãos
mais interessados, participativos e mobilizados para a acção individual e
colectiva. Sendo estes, como já foi dito, os mais jovens e escolarizados,
podem antever-se aqui, mais uma vez, importantes transformações na
forma como a cidadania virá a ser exercida no contexto da sociedade
em rede.
No entanto, como estar ligado à internet é cada vez mais uma con-
dição indispensável para a educação e desenvolvimento das pessoas, re-
giões e países, surge uma questão clara, acerca de quanto tempo durará
essa fractura digital diferenciadora entre populações que partilham um
mesmo espaço nacional.
A questão do acesso é tanto mais complexa quanto, como se demons-
trou, o acesso à internet não é algo que dependa apenas do interesse ou
disponibilidade financeira dos possíveis utilizadores. A situação de deci-
siva desigualdade educativa e cultural que se configura em todas as socie-

317
dades – inclusivamente na nossa – é um factor decisivo na apropriação
do uso da internet. Essa é uma conclusão de duplas implicações sociais,
pois indica que não basta apenas resolver a desigualdade tecnológica
de acesso à internet – o meio em que, actualmente, está concentrado o
potencial de informação e comunicação da humanidade, uma espécie
de transformada e moderna biblioteca de Alexandria, de base global,
sempre acessível. O alargamento do número de utilizadores e o enrique-
cimento das formas de utilização passam igualmente pela diminuição
das desigualdades educativas e culturais.
Na sociedade portuguesa sobressai também uma clivagem geracional.
Clivagem que não resulta de uma qualquer opção, mas antes do facto de
os necessários recursos cognitivos estarem distribuídos de modo desigual
entre gerações. Só assim se pode explicar que entre os que frequentaram
uma escola em regime não democrático e conheceram media controlados
pela censura durante o seu período formativo encontremos uma parcela
de actores sociais que se aproximam em algumas dimensões de práticas,
e por vezes representações, dos mais jovens. Essa proximidade é visível
no facto de aqueles que possuem competências educacionais similares se
aproximarem, por exemplo, na utilização da internet ou na sua perspec-
tiva de valorização profissional.
A sociedade portuguesa em que vivemos não é uma sociedade de
cisão social completa. Na sociedade em rede e nos modelos de desenvol-
vimento informacional há recursos mais valorizados do que outros, no-
meadamente a escolaridade mais elevada, a literacia formal e as literacias
tecnológicas. Todos eles são adquiridos e, como tal, não há lugar a uma
inevitável cisão social. Antes existe um processo de transição, do qual
são protagonistas principais aqueles que dominam essas competências
mais facilmente.
O Portugal dos actores sociais construtores activos da sociedade em
rede é dominado pelos mais escolarizados, por aqueles que possuem
empregos onde a utilização de conhecimentos é maior, que fazem uma
maior utilização dos media, que beneficiam de redes de socialização com
familiares e amigos mais aprofundadas, sendo ainda caracterizados por
uma estrutura de rendimentos menos desigual. Esses são também, maio-
ritariamente, aqueles que partilham entre si o facto de terem crescido
em democracia, numa escola não autoritária e com media livres. No
entanto, os protagonistas dessa transição social não se esgotam aí. Eles

318
são, também, aqueles que, entre a geração mais velha, atingiram graus
formais de escolaridade mais elevados, que aderiram à utilização das
novas tecnologias de informação e comunicação e que se posicionam
num espaço global.
Este é um retrato, uma imagem de partida para o aprofundamento
da sociedade em rede em Portugal. Uma sociedade certamente em tran-
sição, mas onde o verdadeiro alcance das transformações precisa ainda
de ser medido.
Vários analistas têm proposto a ideia de que as sociedades se encon-
tram a viver uma transformação significativa que pode ser caracterizada
por duas tendências paralelas que enquadram o comportamento social:
individualismo e comunalismo (Castells, 2003b).
Por individualismo entende-se aqui a construção de sentido em
torno da concretização dos projectos individuais. E por comunalismo
a construção de sentido em torno de um conjunto de valores definidos
por uma colectividade restrita e internalizados pelos seus membros.
Diferentes observadores têm olhado para estas duas tendências
como potenciais fontes de desintegração das actuais sociedades, enquan-
to as instituições sobre as quais elas assentam perdem a sua capacidade
integradora, isto é, são cada vez mais incapazes de fornecer sentido às
pessoas: a família de modelo patriarcal, as associações cívicas, as empre-
sas e, acima de tudo, a democracia representativa e o estado nação, que
são de algum modo pilares fundamentais da relação entre a sociedade e
as pessoas ao longo do século XX.
Mas pode haver uma hipótese diferente. Talvez aquilo a que se
assista não seja a desintegração e fraccionamento da sociedade, mas a
reconstrução das instituições sociais e, para além disso, da própria estru-
tura social, com base nos projectos autónomos dos sujeitos sociais. Esta
autonomia (face às instituições e organizações da sociedade) pode ser
vista como individual ou como colectiva, neste último caso relativa a um
grupo social específico, definido pela sua cultura autónoma.
Nessa perspectiva, a autonomização dos indivíduos e grupos é segui-
da pela sua tentativa de reconstruir sentido numa nova estrutura social
a partir dos seus projectos autodefinidos. A internet, em conjugação
com os mass media, ao fornecer os meios tecnológicos para a socialização
do projecto de cada um numa rede de sujeitos similares, torna-se numa
poderosa ferramenta de reconstrução social e não num pretexto para a

319
desintegração. Mas essa (re)construção social não terá de seguir a mesma
lógica dos valores da sociedade industrial tardia, de onde emerge a nova
estrutura.
No entanto, sendo a internet uma tecnologia, a sua apropriação
pode também ser realizada de forma conservadora e assim actuar apenas
enquanto propiciadora da continuidade da vida social tal como ela se
encontrava pré-constituída.
Os exemplos são muitos. Se quisermos extremar as visões podemos
olhar para a internet como, por exemplo, instrumento de manutenção
de uma sociedade patriarcal radicada numa interpretação fundamen-
talista do Islão, quando a vemos ser utilizada para o recrutamento de
operacionais para a Al-Quaeda. Ou, outro exemplo, como instrumento
de perpetuação de velhos modelos de funcionamento da administração
pública, quando as páginas on-line dos ministérios nada mais oferecem
do que os contactos telefónicos dos serviços, numa lógica de substitui-
ção das páginas amarelas em papel pelo hipertexto em circuito fechado
institucional. Ou ainda quando nos limitamos a construir uma página
pessoal em que centramos os seus conteúdos em torno da personalidade
e identidade individual sem qualquer ligação a entidades de pertença ou
afiliação, recusando assim a lógica da partilha numa rede de interesses.

“De facto, a utilização de uma tecnologia é um indicador de mudança so-


cial e cultural, mais que um factor determinante dessa mesma mudança. Daí
que a verdadeira importância de entender a difusão e usos da internet (…)
resida em que podemos utilizá-la como ponto de entrada para compreender
a transformação estrutural, organizativa, cultural e tecnológica da sociedade
(…) em todos os âmbitos da vida quotidiana. (…) Trata-se de uma perspectiva
analítica equivalente ao que haveria de ter sido, no seu momento histórico,
compreender o desenvolvimento da sociedade industrial através da difusão
e usos da electricidade.”
(Castells, 2004a)

Ou seja, a hipótese para a análise da evolução social e do papel da


internet nessa evolução é que a internet é uma ferramenta para a cons-
trução de projectos, no entanto, se ela for apenas utilizada como mais
um meio de fazer algo que já fazemos, então, o seu uso será limitado e
não necessariamente diferenciador face a outros media existentes (como

320
por exemplo a televisão, no que diz respeito ao entretenimento e infor-
mação noticiosa).
Analisamos aqui essencialmente práticas e traçamos um mapa “ma-
cro” daquelas que julgamos serem as grandes tendências em curso, a
nível global, num mundo onde a organização social em rede e a infor-
macionalização dos modelos de desenvolvimento parece ser o caminho
seguido nas sociedades mais desenvolvidas.
No entanto, para que esta análise fique completa será preciso ainda
aprofundar questões como a estrutura empresarial portuguesa na socie-
dade em rede, ou como a transformação da actividade empresarial no
contexto da economia do conhecimento, por meio das redes informáti-
cas e de telecomunicações (e-commerce ou e-business). E que modelo orga-
nizacional, baseado na descentralização em rede das linhas de negócio,
está a internet a produzir nas empresas portuguesas? Qual a incorpo-
ração da internet na educação básica e secundária e qual a sua relação
com a organização, cultura e práticas educativas das escolas portuguesas?
Qual a contribuição da internet para uma nova cultura educativa adap-
tada às necessidades que vão configurando a sociedade em rede? Como
potenciar a internet nos processos de desenvolvimento científico e tec-
nológico, e nos processos de inovação? Ou ainda, que influência tem a
internet na administração do nosso país? Ou seja, qual o seu papel na
relação entre cidadãos e administração na prestação de serviços através
de mecanismos de participação do público nos processos de tomada de
decisão? Quais os processos de transformação no interior da administra-
ção associados à intensificação do uso das redes como canal de distribui-
ção de serviços e comunicação transversal? Ou ainda, não esquecendo
outro elemento fundamental ao desenvolvimento social, como pode a
internet ser utilizada na comunicação ou prestação de serviços de saúde?
Que nos dizem as experiências do consumo de informação pelos profis-
sionais de saúde? Qual a sua utilização em campanhas de saúde públicas?
E quais os benefícios e desvantagens associadas à existência de farmácias
na internet?
Essas são apenas algumas das questões que irão certamente pautar
o nosso quotidiano e o debate nas ciências sociais nos próximos anos,
nesta sociedade que é nossa e que será o que dela escolhermos fazer.
A nossa sociedade é também uma sociedade em rede em transição.
Isto é, Portugal no início de um novo século.

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332
Índice de quadros

Quadro 2.1 Comparação internacional de indicadores de rendimento


e produtividade de 2001 (% da média da União Europeia) 37
Quadro 2.2 Distribuição do emprego por sector produtivo
e respectivos subsectores, Portugal, 1955-2001 (%) 39
Quadro 2.3 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo
e respectivos rácios, Portugal, 1955-2001 (%) 40
Quadro 2.4 Evolução da despesa e dos recursos humanos
em actividades de I&D, Portugal, 1982-2001 42
Quadro 2.5 Comparação internacional de alguns indicadores de despesa
e recursos humanos em actividade de I&D (último ano disponível) 43
Quadro 2.6 Comparação europeia de alguns indicadores de inovação
nas empresas 1995-1997 45
Quadro 2.7 Evolução dos indicadores de escolarização, Portugal, 1960-2001 47
Quadro 2.8 Qualificação académica segundo idade e sexo, Portugal, 2003 (%) 49
Quadro 2.9 Comparação internacional de alguns indicadores de educação, 1998 51
Quadro 2.10 Comparação internacional dos níveis de literacia
no domínio da prosa, 1994-1998 (%) 52
Quadro 2.11 Comparação internacional de alguns indicadores
de emprego, 1990-2001 54
Quadro 2.12 Distribuição do emprego por profissões, Portugal, 1960-2001 (%) 59
Quadro 2.13 Categorias socioprofissionais segundo idade e sexo,
Portugal, 2003 (%) 62
Quadro 2.14 Evolução de alguns indicadores espaciais e demográficos,
Portugal, 1960-2001 66
Quadro 2.15 Evolução das estruturas familiares, Portugal, 1960-2001 68
Quadro 3.1 Utilização da internet em Portugal 87
Quadro 3.2 Utilizadores de internet em Portugal, segundo diversas fontes (%) 89
Quadro 3.3 Evolução da utilização da internet, 2000-2003 (%) 90
Quadro 3.4 Evolução de computador e ligação à internet por parte
dos agregados domésticos, 1995-2003 (%) 91
Quadro 3.5 Antiguidade da ligação à internet em casa 91
Quadro 3.6 Utilização da internet por região (%) 92
Quadro 3.7 Utilizadores da internet sobre o total da população dos países
da OCDE, independentemente da periodicidade com que a utilizam (%) 93

333
Quadro 3.8 Europeus que já utilizaram a internet (%) 94
Quadro 3.9 Utilizadores da internet em Portugal e no Brasil (%) 95
Quadro 3.10 Utilizadores da internet por 1000 habitantes
em alguns territórios lusófonos (%) 96
Quadro 3.11 Comparação da utilização da internet em Portugal e no mundo 96
Quadro 3.12 Evolução da distribuição de utilizadores de internet
no mundo, 1997-2002 (%) 97
Quadro 3.13 Europeus com ligação à internet a partir de casa (%) 98
Quadro 3.14 Número de clientes do serviço de acesso à Internet 99
Quadro 3.15 Lares com ligação de banda larga (% sobre o total
de lares ligados à Internet) 100
Quadro 3.16 Lares ligados à intenet em banda larga (%) 101
Quadro 3.17 As quinze economias com mais ligações de banda larga 102
Quadro 3.18 Distribuição de utilizadores de internet, segundo
a respectiva primeira língua, Março, 2003 (%) 104
Quadro 3.19 Presença das línguas latinas em relação ao inglês 106
Quadro 3.20 Presença das línguas estudadas na www 106
Quadro 3.21 Língua dos conteúdos em relação à língua de utilizadores 107
Quadro 3.22 Língua dos conteúdos por relação à língua dos utilizadores 108
Quadro 3.23 Língua utilizada na internet 109
Quadro 3.24 País de origem dos sites públicos na web 110
Quadro 3.25 Línguas dos sites públicos na internet, 2002 111
Quadro 3.26 Língua dos conteúdos na internet pública em relação à língua
dos utilizadores, 2002 112
Quadro 3.27 Composição das categorias profissionais em países
seleccionados (%) 114
Quadro 3.28 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo
e respectivos rácios, Portugal e G7 (%) 116
Quadro 3.29 Distribuição do emprego por sector produtivo
e respectivos subsectores, Portugal e G7 (%) 117
Quadro 3.30 Comparações internacionais no domínio da tecnologia 126
Quadro 3.31 Comparações internacionais de indicadores
de desenvolvimento informacional 127
Quadro 3.32 Comparações internacionais de indicadores de bem-estar social 129
Quadro 3.33 Comparações internacionais de indicadores de cidadania 131
Quadro 4.1 Utilização da internet, segundo escalões etários 140
Quadro 4.2 Utilização da internet, segundo sexo 141
Quadro 4.3 Utilização da internet, segundo nível de escolaridade 142

334
Quadro 4.4 Utilização da internet, segundo nível de escolaridade
e idade (% de utilizadores em cada categoria) 144
Quadro 4.5 Utilização da internet, segundo categoria socioprofissional 146
Quadro 4.6 Antiguidade do uso da internet, considerando
a data da primeira utilização 148
Quadro 4.7 Periodicidade do uso da internet 150
Quadro 4.8 Intensidade de utilização da internet 151
Quadro 4.9 Periodicidade do uso da internet, independentemente
do local de aceso, segundo idade, condição perante o trabalho, nível de
escolaridade e categoria socioprofissional (%) 152
Quadro 4.10 Utilização da internet em casa, no trabalho,
na escola/universidade e noutros locais (universo dos utilizadores da internet) 155
Quadro 4.11 Utilização da internet, segundo local de acesso
– análise combinada (%) 157
Quadro 4.12 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola
e noutros locais segundo idade, sexo, nível de escolaridade, categoria
socioprofissional e nível de rendimentos do agregado (%) 158
Quadro 4.13 Periodicidade do uso da internet em casa, no trabalho,
na escola/universidade e noutros locais, entre aqueles que declaram
aceder nestes locais 163
Quadro 4.14 Actividades realizadas utilizando a internet ou
o correio electrónico, organizadas segundo domínios de uso (%) 165
Quadro 4.15 Domínios de uso da internet (% de utilizadores que declaram
pelo menos uma actividade no domínio) 167
Quadro 4.16 Incidência dos domínios de uso, segundo escalões etários,
níveis de escolaridade, sexo, condição perante o trabalho e categoria profissional
(% de utilizadores que declararam pelo menos uma actividade no domínio) 169
Quadro 4.17 Motivos da não utilização da internet 176
Quadro 4.18 Perspectivas quanto à futura utilização da internet 177
Quadro 5.1 Evolução da sensação de desespero, depressão e isolamento,
segundo utilização da internet 181
Quadro 5.2 Evolução do convívio com os membros do agregado doméstico,
segundo utilização da internet 183
Quadro 5.3 Composição das redes pessoais (média de indivíduos) 184
Quadro 5.4 Utilização de diferentes meios de comunicação para contacto
pelo menos semanal com familiares, amigos e vizinhos, por local de residência (%) 189
Quadro 5.5 Número de familiares com quem se relacionam por local
de residência, segundo utilização da internet 190

335
Quadro 5.6 Número de amigos por local de residência, segundo utilização
da internet 193
Quadro 6.1 Práticas comunicativas e vida quotidiana, segundo utilização
da internet (%) 202
Quadro 6.2 Evolução das actividades quotidianas após início do uso
de internet (%) 204
Quadro 6.3 Meios de informação sobre acontecimentos locais/ nacionais
e internacionais, segundo utilização da internet 206
Quadro 6.4 Canais de televisão onde se vê notícias, segundo utilização
da internet 207
Quadro 6.5 Consulta de canais de televisão na internet para
ver notícias (utilizadores da internet) 208
Quadro 6.6 Leitura de jornais durante a última semana e consulta on-line,
segundo utilização da internet 209
Quadro 6.7 Audição de rádio durante a última semana e consulta on-line,
segundo utilização da internet 210
Quadro 6.8 Níveis de confiança na informação recebida através dos media (%) 212
Quadro 6.9 Níveis de confiança na informação recebida através dos media
segundo utilização da internet (%) 213
Quadro 6.10 Meios de contacto com programa de televisão ou de rádio
segundo utilização da internet (%) 214
Quadro 6.11 Consulta de informação sobre os programas eleitorais
antes de votar, segundo utilização da internet 215
Quadro 6.12 Opinião sobre a televisão e a Internet (%) 216
Quadro 6.13 Opiniões sobre a televisão e a Internet, segundo utilização
da internet (%) 218
Quadro 6.14 Comparação da televisão actual com a que viam na infância
ou adolescência, segundo utilização da internet 219
Quadro 6.15 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades
(em minutos), segundo utilização da internet 220
Quadro 6.16 Horas semanais dedicadas às actividades domésticas,
segundo utilização da internet 221
Quadro 6.17 Horas de trabalho semanal, segundo utilização da internet 222
Quadro 6.18 Horas diárias de conversa com os membros do agregado,
segundo utilização da internet 223
Quadro 6.19 Horas diárias a dormir, segundo utilização da internet 223
Quadro 6.20 Actividades consideradas mais interessantes (1.ª, 2.ª e 3.ª opção),
segundo utilização da internet 224
Quadro 7.1 Aspectos com que mais se identificam, segundo escalões etários (%) 230

336

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