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Da fundação à aprovação do
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Apresentação
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maoísmo e o trotsquismo, este hoje com maior presença no cenário da luta dos trabalhadores.
De fato, estas correntes de pensamento e de luta pelo socialismo tentam transformar em
princípios teórico-metodológicos posicionamentos programáticos estratégicos, e mesmo
táticos, adotados em momentos e lugares específicos e determinados da luta de classes –
únicos, portanto. Daí, a busca, necessariamente frustrada, de aplicar em todas as formações
sociais capitalistas a linha da guerra de libertação nacional liderada por Mao Tsé-Tung. Daí, a
ilusão trotsquista de que viveríamos em todo o mundo capitalista em fase de ‘crise final’,
como vivia o sistema semi-feudal da Rússia de 1905, quando Trotsky escreve seu livro
fundador “A Revolução Permanente na Rússia”. Daí, o voluntarismo e o subjetivismo como
métodos essenciais da teoria e da prática destas correntes. Métodos anti-marxistas.
Em princípio, a empreitada da retomada do marxismo que hoje a História nos impõe é
mais árdua que aquela enfrentada por Sachs e seus camaradas fundadores da Polop. Como
marxistas, sabemos contudo que a História se desenvolve por saltos, com a real possibilidade
de a atual crise capitalista configurar um poderoso impulso para o surgimento de condições
objetivas nas quais o marxismo certamente encontrará terreno fértil para plantar-se
firmemente no seio do proletariado. Mais árdua, menos árdua, a tarefa histórica não admite
adiamentos: é preciso retomar o marxismo sob pena de os mais heróicos esforços do
proletariado e de seus aliados resultarem em novas derrotas. É neste esforço que se alinha a
publicação deste livro.
Aproveito para agradecer aqui a muitas pessoas que de várias formas me ajudaram na
elaboração da dissertação que deu origem a este livro. Aos professores Eulália Maria
Lahmeyer Lobo e Daniel Aarão Reis Filho. Aos entrevistados ex-militantes fundadores da
Polop Ruy Mauro Marini, Aluízio Leite Filho, Emir Sader, Vânia Bambirra, Maria do Carmo
Brito e Michel Löwy. A Sérgio Paiva, Victor Meyer, Eduardo Stotz e Samuel Warth,
companheiros com quem tive a honra de militar na Polop. A Marcos Dantas e Paulo Monteiro
de Barros, que me deram preciosas informações relativas ao tema. Aos meus sogros Carmem
e Wilson Salim pelo apoio e estímulo. Aos meus amigos Fernando Cordeiro de Farias e sua
mulher Juliana Guimarães pelo decisivo apoio técnico-“informático”. À minha enteada
Sandra Soares, que digitou à época parte do texto da dissertação. E aos companheiros Priscila
Piotto, que colocou em linguagem digital atual os originais deste livro, e Tiago Haddad, que o
diagramou.
Belo Horizonte, novembro de 2011.
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Índice
I – INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7
II - OBJETIVO E MÉTODO.................................................................................................... 25
III – OLHAR SOBRE UM TEMPO ........................................................................................ 30
IV – O MONOPÓLIO REFORMISTA .................................................................................... 41
V – MONOPÓLIO AMEAÇADO ........................................................................................... 71
1. Emerge uma “velha” idéia ......................................................................................................... 71
2. Os núcleos iniciais ..................................................................................................................... 81
3. Eric Sachs ................................................................................................................................... 86
4. KOP ............................................................................................................................................ 89
VI – ESTRUTURAÇÃO DE UM IDEÁRIO ......................................................................... 100
1. O I Congresso........................................................................................................................... 100
2. Um Brasil capitalista ................................................................................................................ 107
3. Teoria da Dependência ........................................................................................................... 117
4. Uma revolução já socialista ..................................................................................................... 130
5. Estratégia: revolução ............................................................................................................... 134
VII – CONCLUSÃO .............................................................................................................. 151
VIII - Fontes ........................................................................................................................... 155
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I – INTRODUÇÃO
A história da esquerda brasileira da Era Golpe 1964 tem sido abordada a partir de
métodos, concepções e enfoques que mais dificultam que possibilitm uma real reflexão crítica
sobre as organizações de esquerda do país no período. Até a publicação, em junho de 1990, de
“A revolução faltou ao encontro” (1), de Daniel Aarão Reis Filho, aquela abordagem vinha-se
resumindo a relatórios empíricos sobre agrupamentos (ou mesmo sobre militantes,
individualmente), não raro descambando para peças de literatura autolaudatória. Mesmo que
se discorde das conclusões do autor – e delas discordo quando atribuem a derrota da esquerda
à adoção das propostas marxistas-leninistas (questão que discutirei adiante) –, sua intervenção
procura instalar a pesquisa no campo adequado da reflexão histórica científica. De lá para cá,
contudo, a historiografia sobre a esquerda foi-se tornando progressivamente escassa até o
ponto, hoje, de sumir no horizonte. Os poucos trabalhos que vieram a público, por marcados
pela metodologia posmoderna da “história das mentalidades”, recusam por princípio de
método o aprofundamento da investigação em busca das razões materiais – objetivamente
situadas no tempo e no espaço das práticas sociais, coletivas – que determinaram princípios
programáticos e ações dos agrupamentos de esquerda do período.
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desenvolvimento do grupo, remontaremos a acontecimentos, fatos, debates e personagens, a
nível nacional e internacional, que confluíram em linha direta na estruturação do
agrupamento.
Mesmo não sendo do âmbito das preocupações deste trabalho a discussão das causas
da derrota da esquerda brasileira na conjuntura do golpe de 1964 e seu desdobramento,
acreditamos serem pertinentes nesta introdução algumas reflexões acerca das conclusões a
que chegou Reis Filho no livro acima citado, em razão não das respostas que dá, mas das
perguntas que deixa no ar. Para o autor, o fracasso da esquerda no período já estava inscrito
em seu próprio código genético; seus erros, assim, não o deveriam ser buscados em eventuais
desvios, mas no eixo mesmo de suas concepções a respeito dos processos revolucionários e o
papel que teria a desempenhar neles. “... porque não procurar o fundamento das derrotas nos
pontos fortes das organizações comunistas, em suas linhas de resistências mais sólidas?”,
pergunta Reis Filho (Op. cit, pág. 18), para, em seguida, anunciar a composição destas linhas
de resistência: “... os mitos coesionadores (a revolução inevitável, a missão universal do
proletariado, o papel essencial do partido de vanguarda), a estratégia da tensão máxima
(conjunto de procedimentos destinados a estruturar a prática política) e o processo de
elitização no interior das organizações e em suas relações com a sociedade”. (Op. cit., pág.
19.) A conclusão geral é a de que a soma destes três fatores de origem acabou afastando os
comunistas da sociedade que pretendiam revolucionar, isolando-os da realidade e, em
conseqüência, tornando-os incapazes de uma ação vitoriosa. Nas palavras do autor:
“Entretanto, estes fatores de coesão, indispensáveis para o funcionamento e fortalecimento
das organizações comunistas, debilitam e enfraquecem simultaneamente a capacidade dos
comunistas de manterem um contato, uma troca, uma interação, vivas e ágeis, como o
processo histórico.” (Op. cit., pág. 183.)
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referências comparando a revolução a um ‘cataclisma natural’ que acontece independente
da vontade dos homens. Assim, eventuais derrotas deveriam ser compreendidas como
‘momentos de repouso’, que seriam logo – e fatalmente – substituídos por novas lutas, ‘mais
violentas ainda’.” (Op. cit., pág. 107, com as últimas aspas referentes a uma afirmação de
Engels no texto “Os movimentos de 1847”.) Mais adiante, na página 172, o autor dá sua
definição geral de marxismo-leninismo: “Como definir o marxismo-leninismo? Tantos o
invocam. Onde encontrar seus fundamentos? Em Marx? Na atualização Lênin? Na tradução
de Stalin? Em Mao? A confusão não impede dizer que se baseia numa certa concepção do
devir histórico (determinismo histórico, inevitabilidade da revolução), visão do papel
histórico da classe operária, messianismo operário e numa concepção dos comunistas como
vanguarda revolucionária, entre outras referências.”
Entre outras passagens de sua obra, no livro 3 de “O Capital” (2) Marx sintetiza com
clareza sua teoria a respeito da dinâmica do capitalismo, desenvolvendo a teoria dos ciclos
econômicos, que, por sua vez, compreende o conceito de crise. É fora de dúvida que Marx
fala da inevitabilidade do aguçamento das contradições essnnciais do capitalismo (inclusive e
principalmente aquela que dá base às demais, ou seja, o caráter social da produção posto
contra o caráter privado da apropriação da produção social), que, enquanto projeção teórica,
inviabilizariam o sistema historicamente. Na análise concreta do desenvolvimento do sistema
capitalista Marx vê na ocorrência dos ciclos e na eclosão das crises igualmente fatores de
revigoramento do sistema e, de outro lado, da possibilidade da erupção revolucionária. Aliás,
não é outra senão esta a base teórica em que assenta a polêmica reforma x revolução travada
de forma aguda entre ortodoxos e reformadores do marxismo na Alemanha e na Itália no
início deste século. Do lado dos reformistas (Berstein, Kautsky, Tasca), a crença em um
desenvolvimento linear do capitalismo em que caberia aos revolucionários operar no sentido
da obtenção de ganhos parciais (materiais, ideológicos, ou institucionais, conforme a
subcorrente que abraçava tal crença); ou, então preparar-se para dar o piparote final no dia em
que o capitalismo encontrasse sua hora da verdade, a sua morte anunciada. É curioso e
ilustrativo observar aqui que a visão da inevitabilidade da revolução (catastrofista) e a que se
refere ao avanço gradual dos trabalhadores em direção ao seu paraíso (reformista-gradualista)
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encontram sua base comum na concepção de um desenvolvimento linear do sistema
capitalista. Tal linearidade, contudo, não é autorizada em Marx. Vejamos.
É na Parte Terceira do Livro 3, capítulos XIII, XIV e XV, de “O Capital” que Marx
vai desenvolver a elaboração do conceito de crises cíclicas. O ponto de partida é a formulação
da lei da queda tendencial da taxa de lucro, que por sua vez parte dos conceitos de valor-
trabalho e mais-valia fixados no Livro 1. Pela lei, a dinâmica essencial do processo de
acumulação capitalista implica que a taxa de lucro tende a cair processualmente na medida do
próprio avanço contínuo das forças produtivas, exigência e característica estrutural da
dinâmica da acumulação, em função do aumento da composição orgânica do capital, ou seja,
da ampliação do uso da maquinaria (trabalho morto) em detrimento da utilização da força de
trabalho (trabalho vivo), esta a única força geradora do excedente que vai compor a
acumulação. Marx:
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resultado para o capitalista, podendo estar ligada à realização nula ou parcial da mais-valia
extorquida e mesmo a prejuízo parcial do capital. Não são idênticas as condições da exploração
imediata e as da realização dessa exploração. Diferem no tempo e no espaço e ainda em sua
natureza. As primeiras têm por limite apenas a força produtiva da sociedade, e as últimas, a
proporcionalidade entre os diferentes ramos e o poder de consumo da sociedade. Mas esse
poder não é determinado pela força produtiva absoluta e sim condicionada por relações
antagônicas de distribuição, que restringem o consumo da grande massa da sociedade a um
mínimo variável dentro de limites mais ou menos estritos. Além disso, limita-o a propensão a
acumular, a aumentar o capital e a produzir mais-valia em escala ampliada.” (“O Capital”, op.
cit., 3, IV, pág. 281.)
“Parte das mercadorias que estão no mercado só pode efetuar o processo de circulação e de
reprodução com enorme contração de preços, portanto por meio de depreciação do capital que
ela representa. Do mesmo modo depreciam-se mais ou menos os elementos do capital fixo.
Acresce que relações de preço determinadas, de antemão estabelecidas, condicionam o
processo de reprodução, e por isso a queda geral de preço estagna-o e desorganiza-o. Essa
perturbação e esta estagnação paralisam a função do meio de pagamento, exercida pelo
dinheiro, ligada ao desenvolvimento do capital e baseada sob aquelas relações de preços
pressupostas; interrompem em inúmeros pontos a cadeia das obrigações de pagamentos em
prazos determinados e se agravam com conseqüente desmoronamento do sistema de crédito
que se desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises violentas, agudas, em
depreciações bruscas, brutais, em estagnação e perturbação físicas do processo de reprodução e
por conseguinte em decréscimo real da produção.” (“O Capital”, 3, IV, pág. 292.)
Acabou o capitalismo? É chegado o momento da hecatombe? Não, isso não faz parte
do pensamento de Marx, que enfatiza logo no parágrafo seguinte:
“Mas, ao mesmo tempo, outros fatores estariam em jogo. A estagnação ocorrente da produção
teria desempregado parte da classe trabalhadora e assim colocado a parte empregada em
condições em que teria de conformar-se com redução de salário abaixo da média, daí
decorrendo para o capital o mesmo efeito que um aumento da mais-valia relativa ou absoluta,
sem alteração do salário médio... Além disso, a própria depreciação do capital constante seria
um fator que implicaria a elevação da taxa de lucro. A massa do capital constante aplicado teria
aumentado em relação a variável, mas o valor dessa massa poderia ter caído. A estagnação
sobrevinda à produção teria preparado a expansão posterior da produção, dentro dos limites
capitalistas. Assim, ter-se-ia percorrido todo o ciclo. Parte do capital que se depreciara, por
paralisar-se a função, recuperaria o valor antigo. Demais, com as condições de produção e
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mercado ampliados, com produtividade acrescida, voltaria a repertir-se o mesmo círculo
vicioso.” (“O Capital”, 3, IV, págs. 292/293.)
“Tasca dá a entender que a conquista do poder pode produzir-se sem violência quando o
proletariado tiver concluído a obra de preparação técnica e educação social que seria
precisamente o método revolucionário concreto propugnado pelos camaradas do ‘L’Ordine
Nuovo’. É necessário demonstrar que esta concepção tende ao reformismo e se distancia dos
princípios fundamentais do marxismo revolucionário, segundo os quais a revolução não está
determinada pela educação, a cultura ou a capacidade técnica do proletariado, mas pela crise no
interior do sistema de reprodução capitalista.” (“Para La constituición de los consejos obreros
en Itália”, in “Debate sobre los consejos de fabrica” (3), pág. 111, tradução nossa do espanhol.)
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Já em 1859, no “Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política” (4), Marx
sistematizava sua concepção geral dos processos de transformação social esboçada em
meados da década anterior na “Ideologia Alemã”: em determinado momento histórico, as
forças produtivas entram em choque com as relações de produção da sociedade, ou seja, com
as relações jurídicas de propriedade no interior das quais estas forças materiais de produção se
desenvolveram, abrindo, assim, uma época revolucionária. Interessa-nos mais
especificamente aqui, no entanto, uma passagem onde Marx trata ainda mais de perto da
questão do determinismo, da hipotética inevitabilidade da revolução:
“Quando se estudam essas revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais
ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão
própria das ciências naturais e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas,
numa palavra, as forma ideológicas em que os homens adquirem consciência deste conflito e
lutam por resolvê-lo.” (Prefácio à Contribuição...”, op. cit., págs 301/302, grifo nosso.)
Em seus escritos políticos – ou mais diretamente políticos, já que sua empreitada foi
essencialmente política –, Marx sempre fez presente a necessidade de, a partir de seu método
referir-se à concreticidade das lutas de classe e dos momentos históricos como base de
atuação política. Como na “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas” (5): “Não
resta a menor dúvida de que, com o desenvolvimento da revolução, a democracia pequeno-
burguesa obterá, na Alemanha, por algum tempo, uma influência predominante. A questão é,
pois, saber qual há de ser a atitude do proletariado da Liga diante da democracia pequeno-
burguesa.” (Op. cit. pág. 87.) O que se percebe é um Marx voltado para o andamento concreto
das lutas de classe, das formas do Estado, atento para a conformação das forças em combate,
para, no interior do complexo das contradições em jogo, posicionar suas próprias forças. Não
é de Marx, portanto, a postura do ataque permanente nem a de que o objetivo final está
sempre ao alcance da mão.
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E não estamos diante de circunstâncias, um posicionamento “conjuntural”, uma
citação isolada. Estamos falando de método. Nas “Teses sobre Feuerbach” (6), escritas na
primavera de 1845, Marx já deixara claro que seus pontos de partida se situavam em outro
campo que não o do materialismo mecanicista. Afirma a Terceira Tese: “A doutrina
materialista (feuerbachiana) da transformação das circunstancias e da educação esquece que
as circunstâncias têm que ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de
ser educado. Daí que ela tenha de cindir a sociedade em duas partes –uma das quais fica
elevada acima dela. A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou
autotransformação só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis
revolucionária.” (Op. cit., pág. 108. grifo original.)
“A crise industrial de 1847, que preparara a revolução de 1848, já fora superada. Começava um
período novo, até então nunca visto, de prosperidade industrial: quem tivesse olhos para ver e
fizesse uso deles tinha de convencer-se de que a tormenta revolucionária de 1848 se dissipava,
pouco a pouco. ‘Com esta prosperidade geral, em que as forças produtivas da sociedade
burguesa se desenvolvem com toda a exuberância que lhe permitem as condições burguesas,
não se pode de modo algum falar de uma verdadeira revolução. Uma tal revolução só pode
ocorrer naqueles períodos em que esses dois fatores, as forças produtivas modernas e as formas
burguesas de produção, entram em conflito. As diferentes disputas em que se arrastam e em
que se comprometem reciprocamente os representantes das diferentes frações do partido
continental da ordem, longe de dar margem a novas revoluções, pelo contrário, só são possíveis
porque a base das revoluções sociais é, por enquanto, tão segura e – coisa que não se ignora –
tão burguesa. Contra ela hão de esboroar-se todas as tentativas de reação para conter o
desenvolvimento burguês, assim como toda a indignação moral e todas as proclamações
entusiastas dos democratas’. Assim escrevíamos, Marx e eu, na revista de Maio a Outubro de
1850 da Nova Gazeta Renana, Revista Política e Econômica, cadernos V/VI, Hamburgo, 1850,
pág. 153. (“Contribuição à História...” op. cit. págs. 194/195, grifos originais.)
Onde, então, em Marx, a idéia da revolução como “cataclisma natural”, como alega
Reis Filho? Uma coisa foi e tem sido o uso aleatório de frases isoladas do campo do
marxismo para convalidar conveniências políticas e “táticas”, como aliás bem aponta o autor
em seu texto. O que não constitui privilégio da esquerda brasileira, diga-se a bem da verdade,
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e que não necessariamente reflete objetivos, declarados ou não, de coesionamento artificial
dos agrupamentos de revolucionários. Outra coisa é o próprio marxismo, cuja apreensão e
apropriação criadora vai depender de fatores mais estritamente ligados às conjunturas
nacionais e internacionais das lutas de classe, das quais, como formula Marx, a práxis
revolucionária é parte integrante. Partimos, assim, do ponto de vista de que as concepções dos
comunistas, ao contrário de expressarem princípios saídos da imaginação de algum
“reformador do mundo”, “são apenas expressão geral das condições reais de uma luta de
classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os nossos olhos.” Como
expressa o “Manifesto do Partido Comunista” (8).
Ora, estamos diante de uma visão geral, metodológica. E nada há aí que possa ser
entendido como um receituário dominado pela concepção de uma revolução inevitável e/ou
pronta para entrar em cena a cada entreato histórico. O que temos em frente, pelo contrário, é
uma reflexão que faz presente a tão cara, para Marx, “análise concreta da situação concreta”,
que, muito mais que corriqueiro senso de responsabilidade política, remete para a necessidade
da consideração dos fatores subjetivos e objetivos na conformação das viradas históricas;
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remete, pois, para práxis, caminho inverso daquele que “leva a teoria ao misticismo”, como
alertava Marx. Entendendo assim a dinâmica geral dos processos revolucionários é que Lênin
vai pensar alcance e limites da atuação dos partidos de vanguarda, sua relação com as massas
trabalhadoras, seu lugar na história, enfim. No mesmo “Esquerdismo”, ele alerta:
“A história em geral, e a das revoluções em particular, é sempre mais rica de conteúdo, mais
variada de formas e aspectos, mais viva e mais ‘astuta’ do que imaginam os melhores partidos,
as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas. E isso é compreensível, pois as
melhores vanguardas exprimem a consciência, a vontade, a paixão e a imaginação de dezenas
de milhões de homens, enquanto a revolução é feita por classes.” (Op. cit., pág. 111.)
“Além disso, deve-se trabalhar obrigatoriamente onde estejam as massas. É necessário saber
fazer todas as espécies de sacrifícios e transpor os maiores obstáculos para realizar uma
propaganda e uma agitação sistemática, pertinaz, perseverante e paciente exatamente nas
instituições, associações e sindicatos, por reacionários que sejam, onde haja massas proletárias
ou semi-proletárias.” (“Esquerdismo...”, op. cit., pág. 54, grifos originais.)
Esta diretriz, por cristalina, não autoriza a avaliação de Reis Filho, por ele tomada por
evidência: “É a lógica os estados-maiores revolucionários: viver a revolução, como um
processo iminente, à espreita da oportunidade favorável. De fato, de que valerá a intimidade
com processos sociais não revolucionários? Senão para diluir aspirações e corroer o ânimo
revolucionário?” (“A revolução...”, op. cit., pág. 19.) É certo que toda a esquerda brasileira –
alguns agrupamentos eventualmente, outros de forma sistemática – privilegiou o voluntarismo
enquanto método informador de suas práticas. Realmente, algumas organizações praticamente
resumiam a slogans voluntaristas (“o dever de todo revolucionário é fazer a revolução”, entre
outros poucos) seu programa, estratégia e tática. Mas, insistimos, o voluntarismo é
absolutamente estranho ao método marxista-leninista.
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consagradas. Igualmente capacitado metodologicamente para perceber o advento dos
momentos que impõem o recuo e aqueles em que cabe avançar, o mesmo Lênin que no
outono de 1916 afirmara que a revolução socialista era um acontecimento para ser vivido,
talvez, por seus netos, desembarca em abril de 1917 na Estação Finlândia de Petrogrado
convencido de que se aproximava a hora do assalto do proletariado ao poder, E com suas
“Teses de Abril” e “Cartas sobre Tática” (10) desenvolve uma reviravolta nos objetivos que
até então dirigiam a política dos bolcheviques, que continuavam presos à estratégia etapista de
uma revolução democrática hegemonizada por operários e camponeses sob a fórmula geral já
anunciada no projeto de programa do partido de 1899. Afinal, ocorrera uma revolução na
Rússia em fevereiro de 1917.
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Mas não é esta a principal reflexão que queremos fazer aqui sobre o trecho do “Que
Fazer?” acima citado, mas, sim, a consideração de que, ao relativizar (que aqui não significa
diminuir, diga-se) o papel do proletariado, Lênin abre espaço teórico para introduzir a
vanguarda revolucionária e o papel que tem a cumprir. Uma vanguarda que não substitui a
ação dos trabalhadores, mas se constitui na parte mais consciente deste proletariado, fundida
com seus interesses e suas fileiras, como já propunham Marx e Engels no “Manifesto”: “Os
comunistas... Não têm interesses que os separem do proletariado em geral. Não proclamam
princípios particulares segundo os quais pretenderiam modelar o movimento operário.” (Op.
cit., pág. 31.) É certo que nos momentos de descenso das lutas de classe e do próprio
movimento operário, a composição dos agrupamentos comunistas tende a possuir uma
maioria de quadros de origem intelectual – composição em que rigorosamente não se pode
falar em partido operário revolucionário –, reflexo dos modos particulares de apreensão da
teoria revolucionária próprios dos trabalhadores manuais, de um lado, e os trabalhadores
intelectuais, do outro, já considerados por Marx em sua polêmica com Proudhon. É
fundamental levar-se sempre em conta a formulação marxista-leninista de que o proletariado
somente assume uma consciência revolucionária (“consciência para si”) nos processos de
aprofundamento e radicalização dos embates de classe. O próprio exemplo da Revolução
Russa confirma esta tese, quando os bolcheviques viram suas fileiras engrossadas por levas de
milhares de trabalhadores com o afunilamento das lutas que resultou na revolução. Para o
marxismo, portanto, é neste terreno, o das lutas concretas dos trabalhadores, que se constrói o
partido revolucionário da classe operária. O que certamente não foi levado em conta pela
maioria da esquerda revolucionária do Brasil no pós-golpe, quando, ancoradas na abnegação e
na vontade e inspiradas em receituários que chegavam em alguns casos a se declarar
abertamente rompidos com as propostas marxistas e leninistas de construção partidária,
tentaram algumas organizações substituir os trabalhadores no processo revolucionário.
Somados voluntarismo e descenso, o que se viu como consequência foi a hegemonização
orgânica dos intelectuais no interior daqueles agrupamentos; quanto à composição numérica,
a hegemonias dos intelectuais não se restringiu às organizações político-militares e às
assumidamente debreístas (foquistas), já que o pano de fundo de toda a ação política no país
era, como dissemos, a ausência de lutas abertas de classes.
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metalúrgico. Mas tal critério não é garantia de condução vitoriosa das empreitadas
revolucionárias; nenhum operário nasce vacinado contra a possibilidade de assumir posições
burguesas e pequeno-burguesas. Os tempos atuais são fartos em exemplos, nacional e
internacionalmente. O que pensa Lênin sobre isso? Voltemos ao “Que fazer?”:
“Pelo contrário, a organização dos revolucionários deve englobar, antes de tudo e sobretudo,
pessoas cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso falo de uma organização de
revolucionários social-democratas). Perante esta característica geral dos membros de uma tal
organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais, para não falar da
distinção entre as diferentes profissões de uns e outros. Necessariamente, esta organização não deve ser
muito extensa, e é preciso que seja o mais clandestina possível.” (Op. cit., pág. 115, grifos originais.)
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É necessário enfatizar igualmente que a teoria da estruturação partidária leninista se
apresenta como um corolário de suas concepções gerais a respeito do lugar e papel da classe
operária na revolução, que – mesmo de caráter geral democrático na visão geral de então
(visão que seria formalmente abandonada em abril de 1917, o que instrumentalizou os
bolcheviques para o assalto ao poder com a bandeira da revolução socialista) – deveria ser
hegemonizada pelos trabalhadores; na base da teoria organizatória de Lênin, portanto,
evidencia-se a preocupação de manter a independência política e organizatória dos
trabalhadores em todo o processo revolucionário. Daí, sua proposta de partido. Daí, o abismo
que o separava, como ele próprio destacou, dos “economicistas” (reformistas) que, em nome
de uma religiosa fidelidade ao nível de consciência dos trabalhadores e alegando a
necessidade de se permanecer sempre “ao lado” das massas, se incorporavam a um projeto
burguês para a Rússia, abrindo mão da luta política, que preferiam confiar à burguesia.
Também com um abismo a separá-los de Lênin, os adeptos do “terrorismo excitativo”,
impacientes diante das idas e vindas da roda da história e, aí sim, imbuídos de convicções
dominadas pela onipotência em que se viam capacitados a despertar a consciência
revolucionária das massas da noite para o dia através de suas “ações exemplares”. Isso, como
vimos, não é leninismo.
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atribuir-lhe, é claro, a responsabilidade da conceituação do leninismo, estamos seguros de que
algumas de suas reflexões farão avançar o debate. Ao discutir a objetividade das ciências
sociais em seu “Método Dialético e Teoria Política” (13), Löwy, a partir de “O Capital”,
destaca o ponto de vista proletário que informou toda a elaboração teórica marxista,
significando isso, a nível do método, a adoção do princípio da contingência histórica,
entendida dialeticamente como conhecimento e, concomitantemente, ação transformadora de
seu objeto. Como recurso de contraposição, Löwy aponta em Bernstein, o papa do
revisionismo-reformismo, uma vertente metodológica positivista a sustentar toda a concepção
bernsteineana de ciência e desenvolvimento histórico: “A ciência econômica para Bernstein
deve estar acima dos conflitos de classe, empírica, não partidária, sem pressuposições, numa
palavra positiva: ‘Minha maneira de pensar teria me predisposto mais certamente para a
filosofia e para a sociologia positivistas’, declara ele num ensaio autobiográfico.” (“Método
Dialético...”, op. cit., pág. 100, grifo original.) Mais adiante, discutindo os aportes de Rosa
Luxemburgo ao corpo conceitual do marxismo, Löwy vai mais diretamente ao tema que nos
interessa mais de perto nesta introdução. Após retomar a afirmação de Lukacs segundo a qual
com Marx e Rosa ficara definitivamente superado o dilema das leis puras contra a ética das
intenções, afirma Löwy: “Mas isso não significa absolutamente que ela (Rosa) se incline para
uma concepção fatalista e economicista da história – como Kautski, em que o economicismo
mecanicista se misturava harmoniosamente com o evolucionismo darwinista, dando como
resultante política uma tática de espera da ruína necessária, inevitável e fatal do sistema
capitalista.” (“Método Dialético...”, op. cit., pág. 100, grifo original.)
“Em seu livro mais importante, ‘O Caminho do Poder’, ele (Kautski) insiste várias vezes
na idéia de que a revolução proletária é ‘irresistível’ e ‘inevitável’, ‘tão irresistível e
inevitável quanto o desenvolvimento incessante do capitalismo’, o que conduz a essa
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conclusão espantosa, a essa frase remarcável e translúcida, que resume admiravelmente
toda sua visão ‘oportunista’ da história: ‘O partido socialista é um partido
revolucionário; ele não é um partido que faz revoluções. Sabemos que nossos fins só
podem ser realizados por uma revolução, mas sabemos também que não está em nosso
poder fazer a revolução, como não está em poder de nossos adversários impedi-la.
Consequentemente, não sonhamos nunca em provocar ou preparar uma revolução’.”
(“Método Dialético...”, op. cit., pág. 117.)
Ante, de concluir esta Introdução, cabe uma rápida referência crítica à possibilidade de
se falar em derrota da esquerda revolucionária brasileira. Em primeiro lugar, não nos parece
apropriado isolar a derrota da esquerda da derrota dos trabalhadores e da revolução. Por mais
que nossa esquerda revolucionária não tenha obtido a tão almejada penetração entre os
trabalhadores, a apatia do movimento operário pós-golpe certamente jogou seu papel, quando
menos como alimentadora de equívocos; de toda forma, consideramos indispensável situar a
ação de qualquer agrupamento político no interior de um balanço em que os fatores de ordem
objetiva tenham maior peso. Levando-se em conta que algumas das suas ideias – como a
idéia-força da Polop de retomar a ortodoxia marxista como arma revolucionária – não
perderam vida, não o caso se falar em perdas totais. Não se presenciaram derrotas na Rússia
em 1907, em 1912 e mesmo em julho de 1917? O “Massacre de Xangai” de 1927 não foi
igualmente uma derrota? E o assalto a Moncada? Hoje, as derrotas impostas pelo
imperialismo à União Soviética e ao socialismo no Leste Europeu podem dar espaço a
especulações burguesas e pequeno-burguesas de ‘fim da história’, com a sensação de derrota
final. Mas; não seria esta uma sensação semelhante à sentida quando das fases da Restauração
nas revoluções burguesas na Inglaterra e na França?
22
Notas
1. Reis Filho, Daniel Aarão – A revolução faltou ao encontro. São Paulo, 1990,
Brasiliense
2. Marx, Karl – O Capital. Rio, 1988, Editora Bertrand
6. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Ideologia Alemã e Teses sobre Feurbach. São Paulo,
1984, Editora Moraes
10. Lênin, Vladimir – Teses de Abril e Cartas sobre Tática. (Folheto de divulgação sem
ficha Técnica)
12. Anderson, Perry – Considerações sobre o marxismo ocidental. Porto, 1976, Ed.
Afrontamento
23
13. Löwy, Michael – Método Dialético e Teoria Política. São Paulo, 1985, Paz e Terra.
24
II – QUEBRA DO MONOPÓLIO REFORMISTA
25
Polop, é certo, quem “descobriu” o Brasil capitalista; em 1945, desenvolvendo conceitos
formulados já na década anterior, Caio Prado Júnior contestava de frente a tese do Brasil
feudal em “História Econômica do Brasil” (2), coroando suas reflexões em 1967 com a
publicação de “A Revolução Brasileira” (3), um trabalho já voltado especificamente para o
combate àquela proposta.
26
historiador – do tempo, da duração, ao distinguir três níveis: o nível dos acontecimentos, da
história episódica, que se move na curta duração; o nível intermediário, da história
conjuntural, de ritmos mais lentos embora muito variáveis; e, por fim, o nível profundo da
história estrutural, de maior duração.” (Op. cit., pág. 27.) De lado a questão do Brasil feudal –
ninguém em pleno gozo de suas faculdade mentais se arriscaria a defender hoje tal proposta, o
que faz da crítica Polopena à sua formulação um fato histórico no campo do episódico
entendido na reflexão de Braudel retomada por Cardoso e Pérez –, as teses da revolução
socialista, de seu caráter de ruptura, a defesa do caminho não institucional, da não
incorporação de modelos internacionais pré-estabelecidos, entre outras, guardam uma relação
de referência a uma realidade estrutural (econômica, política e ideológica) presente; assim
vemos a questão da importância e relevância, na discussão da história da Polop, do fato
histórico pensado por Schaff.
Mas de que classe estamos falando? Para Schaff, são aquelas que, postas
historicamente na condição de classes revolucionárias, detêm as condições de igualmente
operar juízos mais aproximados à realidade objetiva. Nesta mesma linha, cara à tradição
marxista – é conhecido o aforisma de Gramsci segundo o qual “a verdade é sempre
revolucionária” –, é que Michael Löwy vai aprofundar a reflexão shaffeana, avançando na
consideração da era das revoluções proletárias como pano-de-fundo da emergência de uma
nova qualidade de verdades. Para Löwy, Schaff não dá o devido peso a que – à diferença da
burguesia, que a seu tempo de classe revolucionária tinha a defender interesses diferenciados
dos das grandes massas e por isso necessariamente se via forçada a ocultar seus verdadeiros
27
fins e o sentido do processo histórico –, o proletariado se constitui na primeira classe
revolucionária da história cujo interesse objetivo não implica ocultação ideológica, já que
incorpora historicamente o interesse da grande maioria e visa à própria extinção das classes.
Identificando o marxismo como ideologia histórica do proletariado, como o fazemos, afirma
Löwy: “As limitações que existem no ponto de vista do proletariado, no marxismo, só se
tornaram visíveis nesse momento (o da extinção das classes); toda tentativa de ‘ultrapassá-lo’
antes desse período, antes do advento da sociedade comunista mundial, não poderão ser senão
recaídas, retrocessos, para o ponto de vista de outras classes mais limitadas que o proletariado.
Nesse sentido, efetivamente, o marxismo é o horizonte científico de nossa época (Sartre
dixit).” (“Método dialético...”, op. cit., pág. 33, grifo original.)
28
Notas
1. Reis Filho, Daniel Aarão e Ferreira de Sá, Jair – Imagens da revolução. Rio,
1985 – ED. Marco Zero
2. Prado Junior, Caio – História Econômica do Brasil. São Paulo, 1990, Ed.
Brasiliense
3. Prado Júnior, Caio – A Revolução Brasileira. São Paulo, 1966, Ed. Civilização
Brasileira
4. Schaff, Adam – História e Verdade – São Paulo, 1987, Ed. Martins Fontes
29
III – UM TEMPO FÉRTIL
Que tempo viviam aqueles jovens? Em que terreno pisavam? O que ia pelo coração e
mente daquela geração?
Tais palavras, e o sentir que traduzem, podem hoje soar pálidas, gastas, piegas. Mas
apontam para a generosidade, a crença, a utopia de uma geração. E não estamos falando aqui
de saudosismo, de nostalgia. Falamos de uma utopia que, de tempos em tempos, a história faz
brotar no coração dos homens. Que, nos tempos modernos, floresceu no Renascimento, tomou
corpo na Era das Revoluções e, quando certo consenso utilitarista já a julgava definitivamente
enterrada em uma certa nova modernidade ensejada pelo desenvolvimento “pacífico” do
capitalismo na virada para este século, irrompeu na cena da Revolução de Outubro, abrindo
uma nova era na história das consciências.
30
As idéias nascem do tempo. E aquele tempo a que nos remete as palavras do repórter
de O Metropolitano era um tempo de decisão. Mais que uma crise político-econômica de tipo
conjuntural, o país vive na virada dos anos 50 para a década de 60 as manifestações do
aguçamento do processo de acumulação capitalista em que a própria reprodução do sistema é
colocada em xeque, desencadeando uma guerra que só se encerraria em 1964, com a vitória
das baionetas da burguesia. A fase de substituição de importações e consumo interindustrial,
que constituíra o centro dinâmico do sistema a partir dos anos 30 (alternando períodos de
maior ou menor aceleração) se depara por volta de 1959/60 com duas barreiras: o progressivo
estreitamento do mercado e a escassez de financiamentos. É neste espaço da conjuntura
política e econômica (cuja explicitação desenvolveremos adiante) que ocorre o embate e
desenvolvimento de todo um ideário aos níveis cultural e político.
Expressão e veículo desse florescimento foi este jornal da UME, que circulou de
forma sistemática de 1959 a 1964 como encarte dominical do “Diário de Notícias”, do Rio,
em edições de seis a oito páginas. Editado a partir de padrões gráficos que anteciparam a
chamada revolução gráfica na imprensa brasileira nos anos 60, O Metropolitano conseguiu
implantar – sob a direção de Paulo Alberto Monteiro de Barros (1959), Carlos Diegues (1960)
e César Guimarães (1961) – nos três anos que foram objeto de nossa pesquisa uma concepção
editorial capaz de captar e estimular toda a efervescência cultural e política do período. Sua
tiragem média foi de 170.000 exemplares.
31
Edição de 17/5/59 – Longa carta do então ministro da Educação, Clóvis Salgado,
dirigida ao jornal, dando esclarecimentos a respeito de uma reportagem da edição anterior
sobre o atraso nas obras da Cidade Universitária.
Edição de 7/6/59 – Editorial “Nacionalismo e desenvolvimento” defende a estratégia
nacionalista e abre debate em torno do tema nas páginas do jornal, estabelecendo a última
como tribuna aberta.
14/6/59 – Na página 6, vários artigos sobre nacionalismo, de autoria de Guerreiro
Ramos, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Alberto Pasquialini, Cândido Mendes de Almeida e
Jean-Marie Domenach, este editor-chefe da revista católica francesa “LEsprit”, de onde o
texto foi transcrito.
28/6/59 – O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Lídio Lunardi, declara
em entrevista: “Não está nas atribuições do FMI fazer exigências a países-membros.”
5/7/59 – Nelson Werneck Sodré, então professor no ISEB, dá entrevista defendendo o
nacionalismo e se declarando marxista. Pág. 6.
12/7/59 – Mário Pedrosa, em entrevista na página 8, declara: “O nacionalismo é uma
ideologia alienante.”
26/7/59 – Matéria sobre a fundação do Teatro Oficina, com o título “Oficina fabrica
teatro para operário” e entrevista com o produtor do grupo, Carlos Queiroz Teles.
13/12/59 – Máteria apresentando Carlos Lyra, que explica o que é a bossa-nova. Noel
Rosa, Caíme e Ari Barroso, sentencia ele, estão "totalmente ultrapassados". Pág. 2.
3/1/60 – Entrevista com Guerreiro Ramos, que afirma não ser a candidatura Lott capaz
de sintentizar o nacionalismo, podendo inclusive propiciar o advento de algum tipo de
bonapartismo; no entanto, ressalva, é preferível à de Jânio. Pág. 2.
Relação dos "Dez Melhores" (os dez melhores filmes de 1959, por D.E.N. (o cineasta
David Neves), por ordem cronológica de exibição no país: 1) "II Bidone" (A Trapaça), de
Fellini; 2) "Marianne de ma Jeunesse" (Mulher dos meus sonhos), de Julien Duvivier; 3)
"Vertigo" (Um corpo que cai), de Hitchcock; 4) "A face in the crowd" (Um rosto na
multidão), de Elia Kazan; 5) "Touch of evil" (A marca da maldade"), de Orson Welles; 6) "Le
notte de cabiria" (As noites de Cabíria), de Fellini, "A man is ten feet tall" (Um homem tem
três metros de altura), de Martin Ritt; 8) "Mon oncle" (Meu tio), de Jacques Tati; 9) "Les
aventures ede Arsène Lupin" (As aventuras de Arsène Lupin), de Jacques Becker; 10) "Un
condamné à mort s'est échapé" (Um condenado à morte escapou), de Robert Bresson. – Pág.
3.
32
Edição de 10/1/60 – Matéria sobre estudante baleado por policiais militares em
31/12/59 durante manifestação de protesto no "Calabouço" (restaurante para estudantes gerido
pela UME). Pág. 2.
28/2/60 – "Edição de carnaval". Entrevista com Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto):
"Não gosto de carnaval"; artigo de Eneida sobre o carnaval; artigo de Di Cavalcanti sobre o
carnaval (trecho de um livro de memórias); grande matéria sobre o "Bola Preta".
20/3/60 – Entrevista com Francisco Julião.
24/4/60 – Edição especial sobre Brasília, com pequenos artigos de opinião de: Carlos
Lacerda, Sérgio Magalhães, Roland Corbisier, Costa Lima, Sérgio Bernardes, Nelson
Werneck Sodré, Mário Pedrosa.
3/7/60 – Crônica de Paulo Alberto Monteiro de Barros (coluna fixa na página 3): "JUC
faz dez anos".
14/8/60 – Vinicius Caldeira Brant (então mombro da JUC e um dos fundadores da AP)
publica "Carta aberta a Gustavo Corção".
25/9/60 – Arnaldo Jabor entrevista Ionesco, que afirma: "Não gosto de Brecht".
2/10/60 – Editorial em página interna manifestando o apoio do jornal à candidatura
Lott. O editorial é publicado em forma de "box" de uma matéria paga de página inteira, que, a
exemplo das demais, a candidatura Lott mandara publicar no O Metropolitano.
9/10/60 – É registrada a vitória de Jânio.
20/10/60 – Artigo de Sérgio Augusto: "Cinema moderno e nouvelle vague".
5/3/61 – Sob a rubrica "corpo redatorial" são incluídos no expediente os nomes de
Aluizio Leite Filho, Ruy Mauro Marini (integrantes do núcleo fundador da Polop) e Raul
Landin Filho.
33
Edição de 1/5/60 – Coluna "Problemas e Opiniões" – "A autencidade do movimento
nacionalista", de Humberto Jansen.
29/5/60 – "Sobre a autencidade do movimento nacionalista", de Paulo Piragibe
(Piragibe de Castro), integrante do núcleo fundador da Polop, criticando o nacionalismo.
5/6/60 – "Democracia e colonialismo", de Carlos Guilherme, com a sustentação de
uma posição nacional-desenvolvimentista social-democrata.
3/7/60 – "A propósito do desenvolvimento econômico", de Paulo Piragibe, defendendo
a tese da ruptura revolucionária como condição de superação do subdesenvolvimento.
10/7/60 – "A perspectiva socialista do proletariado", de Bernardo Boris, trotsquista,
criticando a alternativa nacionalista como burguesa.
17/10/60 – "Adesismo e colaboracionismo", de Humberto Jansen, tachando Piragibe e
Boris de aliados objetivos da reação.
31/7/60 – "A perspectiva nacionalista do proletariado", de Sérgio Heitor Vauguerve,
em resposta ao artigo de Bernardo Boris. Reformista da linha PCB.
28/8/60 – "A velha esquerda e os novos católicos", de Simon Schwartzman, católico
de esquerda.
2/10/60 – "O ângulo econônico", de Paul Singer (então ligado ao grupo paulista que
viria a compor a Polop, analisando a disputa eleitoral de um ângulo histórico que remontava à
Revolução de 30).
Edições de 11, 18 e 28/12/60 – Série de três reportagens especiais de Ruy Mauro
Marini entitulada "Os caminhos da revolução cubana", com as matérias: "De São José a
Havana: o preço da incompreensão", "A revolução e suas realizações econômicas" e "A
verdadeira face da revolução cubana".
1/1/61 – Reportagem "De Galiléia a Santa Fé", de Luiz Cayo (pseudônimo com que
Aluizio Leite Filho também assinava suas matérias), sobre o aguçamento das lutas
camponesas no país.
8/1/61 – Artigo de Ruy Mauro Marini: "Argélia, conflito de duas Franças".
Reportagem "Curto-circuito no Congresso: aprovada a lei da Eletrobrás", de Luiz
Cayo.
Edições de 8, 22 e 29/1/61 – Série de três artigos de Ruy Mauro Marini sobre o
governo Kubitschek entitulada "Panorama de um governo": "Meta financeira: inflação", "O
desenvolvimento da desnacionalização" e "Problemas de política exterior".
12/3/61 – Reportagem "Nova perspectiva para a Argentina", de Aluizio Leite Filho,
que entrevista Marcos Maplan, escritor e político argentino, militante do MIR.
34
A alguns destes artigos e reportagens nos reportaremos neste trabalho (assim como a
outras referências) para a devida identificação da maturação das idéias da Polop, como o seu
choque, no nascedouro, com outras correntes de pensamento político.
35
na ampliação do mercado interno para seus produtos. O governo Vargas, então, é a própria
expressão destas contradições; a dinâmica da correlação de forças, com o fortalecimento do
movimento operário na onda grevista de 1953, o empurrava para a adoção de medidas que
progressivamente tornavam mais vivas as cores do nacional-desenvolvimentismo populista
quem marcavam a estratégia do seu segundo governo. A crise cambial advinda da queda dos
preços internacionais do café, em 1954, reflete-se na retomada do ritmo inflacionário,
provocando seguidas ondas grevistas. O equilibrio de Vargas fica cada vez mais instável. A
direita, que consolidara em 1952 seu domínio dos postos-chaves da hierarquia militar, passa a
“temer” o advento de uma “república sindicalista”. O PCB fizera suas as bandeiras erguidas
pelo nacional-desenvolvimentismo. Chega a hora de decidir. Em agosto de 1954,
praticamente deposto, Vargas se mata com um tiro no coração, passando o poder, então, para
as “forças da ordem” na pessoa de Café Filho, em uma espécie de ensaio geral da peça
encenada em 1964.
Crise contornada, porém não resolvida. A escassez de divisas, que vinha ameaçando o
desenvolvimento industrial, permanecera durante todo o “governo provisório” de Café Filho.
É somente com Jucelino Kubitschek, em 1956, que surge a Instrução 113, permitindo às
empresas estrangeiras estacionadas no país a importação de máquinas e equipamentos sem a
necessária cobertura cambial exigidas às brasileiras, o que resultou em mais de US$ 2 bilhões
em inversões diretas no período 1955-61. Com este novo compromisso, a burguesia industrial
põe de lado a bandeira nacionalista que empunhara na Era Vargas. Mas restava por
solucionar, ainda, um problema não menos importante: a estreiteza relativa do mercado
interno, cuja dinâmica de crescimento se fazia a proporções incompatíveis com o nível dos
investimentos, dados os limites impostos pela estrutura agrária dominada pelo latifúndio
improdutivo, incapaz, pois, de gerar emprego e renda. O período de vacas gordas propiciado
pelo ingresso dos capitais externos – originários principalmente dos Estados Unidos, que,
mesmo após as aplicações determinadas pelo Plano Marshal, continuaram ainda por algum
tempo à cata de mercados para aplicação dos dólares que ainda abarrotavam seus cofres no
balanço geral da Segunda Guerra – caracteriza, pois, uma acomodação dos interesses entre a
burguesia industrial e os do setor agrário exportador, mas não eliminava as contradições entre
os dois segmentos das classes dominantes, já que a estrutura agrária gerava, além da referida
estreiteza relativa do mercado interno então, a redução progressiva da oferta de produtos
agrícolas em um país em processo acelerado de urbanização, o que, por sua vez, viria a se
constituir elemento de alimentação inflacionária.
36
Com a maturação dos investimentos externos já por volta de 1959/60, o capital externo
passa a exigir a remessa de seus lucros, o que agrava a situação do balanço de pagamentos,
obrigando o governo a recorrer a constantes desvalorizações na moeda para estimular as
exportações e, assim, fazer frente aos compromissos externos e, de outro lado, obter divisas
para a importação de implementos industriais. Isso, é claro, vai engordar a inflação. Segundo
Marini, é este o quadro em que “se funda, do ponto de vista da burguesia industrial, o
binômio política externa independente-reforma agrária, que dominará o debate político a
partir de 1960”. (“Sub-desarollo...”, op. cit., pág. 37.)
37
taxa geral de investimentos passa a declinar em 1962 (cf. Marini, in “Subdesarollo...”, op. cit.,
pág. 47.), com a taxa de crescimento econômico fixando-se em 5,5% no ano, contra 7,7% em
1961, ao lado de uma taxa de crescimento demográfico de 3,1%; a inflação salta 37% em
1961 para a casa dos 51% em 1962 e fecha 1963 acima dos 80%, chegando a 87% anuais em
março de 1964. Some-se a tudo isso a aceleração contínua da taxa de crescimento da
população urbana, que já crescera 75% entre 1952 e 1961 (cf. Caio Navarro de Toledo in “O
governo Goulart e o golpe de 64” (22), e temos a base material da radicalização dos
movimentos dos trabalhadores e da pequena burguesia.
As classes médias, com seu nível de vida progressivamente achatado pela crise,
tornavam-se campo fértil para a propaganda de direita que apontava as reinvidicações
operárias como causa das suas dificuldades. As constantes greves nos transportes urbanos e
demais serviços públicos, a perspectiva de um caos iminente, faziam-nas acreditar estarem
diante de um governo firmemente comprometido com o diabo comunista, como se empenhava
em fazer crer a igreja católica conservadora. A inquietação nos quartéis já saltara para o
delicado terreno da quebra da hierarquia e da insubordinação, como no episódio da rebelião
dos sargentos em Brasília em setembro de 1963. A Goulart, vendo escapar-lhe ao controle os
fantasmas que soltara, não restou outra alternativa que aprofundar a opção reformista,
radicalizando-se à esquerda. Em 13 de março de 1964, diante de 500 mil pessoas no “Comício
da Central”, no Rio de Janeiro, divulga, entre outros, os decretos da nacionalização das
refinarias de petróleo, da limitação dos aluguéis urbanos e, o mais bombástico, o da
desapropriação das terras ao longo das rodovias como parte do programa da reforma agrária.
Quando, dias depois, um pelotão de marinheiros foi mandado para dissolver uma assembléia
no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e acabou confraternizando-se com os
trabalhadores e colocando-se a seu serviço, estava dando o sinal de que a situação não tinha
mais volta. A alta hierarquia militar exige a dissolução do CGT e liquidação dos grupos de
esquerda. Confiante em possuir ainda um esquema militar de respaldo institucional a suas
iniciativas, Goulart nega. Seu aparato militar se mostra frágil. O recurso a uma insurreição
proletária não fazia parte de sua estratégia, assim como estava ausente da maioria dos partidos
da esquerda, que, hegemonizada pelo PCB, se encontrava imobilizada pela opção pelo
caminho institucional, destinado às massas o papel de coadjuvante. Goulart, toda a esquerda e
os trabalhadores são derrotados. Era o 1°. de Abril.
38
39
Notas
40
IV – O MONOPÓLIO REFORMISTA
Na introdução do seu “Le marxisme en Amérique Latine de 1909 à nos jours” (1),
Michael Löwy observa que um dos principais problemas com que se defrontaram os
agrupamentos revolucionários latino-americanos que buscavam no marxismo o elemento de
instrumentalização de sua prática política foi o referente ao caráter da revolução no
subcontinente: “Toda uma série de questões políticas decisivas – alianças de classes, via
armada ou pacífica, etapas da luta etc. – está intimamente ligada a esta problemática
central: a natureza da revolução.” (“Le marxisme...”, op. cit., pág. 7.) A partir deste critério,
Löwy vai dividir a história do marxismo na AL em três períodos:
a) Período Revolucionário, dos anos 20 até 1935, cuja expressão teórica mais rica foi
a obra de José Carlos Mariátegui, cujo principal escrito, “Sete ensaios de interpretação da
realidade peruana”, de 1928, inaugura, segundo Löwy, as tentativas de análise marxista de
uma formação social na AL. “Este é o período em que os marxistas tendem a caracterizar a
revolução como ao mesmo tempo socialista e anti-imperalista.” (“Le marxisme...”, op. cit.,
pág. 8.) Alinhados a Mariátegui na proposta de uma revolução já socialista enquanto
estratégia continental, são destacadas as figuras de Julio Antonio Mella (1903-1929),
fundador do PC cubano em 1928, que propunha uma aliança operário-camponesa contra os
burgueses “indígenas” e estrangeiros, e a de Augusto Farabundo Marti (1893-1932), líder do
PC salvadorenho, que organizou a derrotada insurreição de massas em seu país em 1932. No
programa da Revolução Salvadorenha de 1932 estava inscrita a palavra de ordem estratégica
de “destruição implacável da burguesia nacional e do imperialismo”. (“Le marxisme...”, op.
cit., pág. 25.) Além destes, o autor destaca também o nome de Luiz Emilio Recabarren,
fundador do PC chileno, em 1922, que defendia a estratégia socialista. Segundo Löwy, esta
orientação revolucionária dos primeiros anos se baseia nas resoluções da III Internacional
(leninista), em particular dos documentos “Sobre a revolução na América Latina – Apelo à
classe operária das duas Américas”, de janeiro de 1921 e “Aos operários e camponeses da
América do Sul”, de janeiro de 1923. “Estes textos atribuem claramente à luta revolucionária
na América Latina tarefas ao mesmo tempo agrárias, anti-imperalistas e anticapitalista. A
idéia de uma etapa histórica de um capitalismo independente ‘nacional e democrático’ é
explicitamente negada e a cumplicidade das burguesias locais com o imperialismo é
sublinhada”, afirma Löwy.
41
b) Período Estalinista, de 1935 a 1959, em que prevalece a definição de uma etapa da
revolução como democrática e nacional. Na base dessas concepções, a política de Frente
Popular oficialmente sancionada no VII Congresso da IC, em julho de 1935, que, a pretexto
de uma aliança anti-facista à escala mundial, indicava a aliança do proletariado com a
burguesia nos “processos” revolucionários. Foi o que levou, lembra Löwy, a que o PC cubano
se aliasse a Batista em 1939 sob a alegação de que ele vinha desenvolvendo uma ‘colaboração
oficial de Cuba e dos EUA contra a ameaça facista’.
c) Novo Período Revolucionário, a partir de 1959 e inspirado na revolução cubana,
com Che Guevara como símbolo.
42
da revolução chinesa, do crescente isolamento político e diplomático da URSS e da
importância que passa a ter o imperialismo norte-americano nas análises da IC sobre as
perspectivas da revolução mundial.” (Op. cit., pág. 93.)
43
secundário e coadjuvante a estas massas no processo revolucionário, aí incluído o ato da
tomada do poder) só poderão ser bem entendidas se compreendidas como expressão daquelas
matrizes, que igualmente vão informar a opção pela via institucional fixada nos pós-guerra –
com o referido interregno do “Manifesto de Agosto” – e a estratégia geral reformista
nacional-desenvolvimentista consolidada a partir da segunda metade do segundo governo
Vargas e, passando pelo golpe, formalizada pelo VI Congresso do PCB em 1967.
44
ligados ao trotsquismo e outros que, mesmo assentados em alguns dos pressupostos gerais do
nacionalismo populista (PC do B e AP), não rezavam pela ortodoxia do catecismo reformista
do PCB – não adquiriu significado capaz de suplantar a hegemonia pecebista no movimento
dos trabalhadores urbanos e rurais. O movimento estudantil – apesar de ter sua entidade
nacional, a UNE (União Nacional dos Estudantes), liderada no período por forças não
reformistas (principalmente a AP e a Polop), não conseguiu obviamente superar suas
limitações de raiz enquanto expressão de uma fração da pequena burguesia radicalizada à
esquerda, a depender estruturalmente, portanto, dos caminhos gerais apontados pelo
movimento dos trabalhadores. Este era hegemonicamente reformista.
45
quadros. Apesar disso – ou por isso mesmo –, o PCB é jogado na ilegalidade por Dutra em
1947.
São significativos dois depoimentos transcritos por Lucília Delgado no livro citado.
Afirmou Prestes: “O Suicídio de Vargas nos levou a refletir sobre as nossas posições e
decidimos abandonar as teses esquerdistas e passamos a discutir o apoio a Juscelino
Kubitschek.” (Op. cit., pág. 166). Ivete Vargas: “Acontece que depois do 24 de agosto de 1954
os comunistas sentiram que tinham cometido um grande erro... Eles estavam dentro da
adoção de posições nacionalistas e então a aliança com a gente era fundamental. Aí, os
comunistas começaram a procurar e se aproximar de nós e tentaram se infiltrar dentro do
PTB.” (Op. cit., pág. 65.) A se infiltrar no PTB e a se misturar com ele, completamos,
sustentada a mesa de convivência dos dois partidos no tripé político-ideológico
reforma/nacionalismo/frente de classes.
46
O IV Congresso do PCB, realizado em novembro de 1954, viria sacramentar estas
posições. Mantida a concepção geral de “Frente Democrática de Libertação Nacional” que
informara o “Manifesto de Agosto”, o programa aprovado se concentrava em quatro grandes
teses: a) a luta contra o imperialismo em geral proposta nas definições anteriores era
substituída pela luta contra o “imperialismo norte-americano”, refletindo os tempos da guerra-
fria e evidenciando mais uma vez a incapacidade já então histórica do PCB em articular
revolucionariamente os cenários nacional e internacional das lutas de classe; b) a
nacionalização das grandes propriedades rurais e distribuição de terra aos camponeses; c) a
proposta de um governo de libertação nacional; d) a formação de uma frente anti-imperialista
e antifeudal como condutora da etapa de transição. Embora equivocado na identificação de
uma hipotética renúncia à postura militante e de um “abandono” de exigências
revolucionárias pelo PCB, Ronald A. Chilcote, em seu “Partido Comunista Brasileiro –
Conflito e Integração” (5), aponta um conjunto de reformulações pontuais que, com mais
propriedade, chamaríamos de manifestações legítimas da política geral pecebista, se
procurarmos, como afirmaria Lukacs, a ortodoxia do partido no seu método empírico-
determinista. Diz Chilcote:
“A política do PCB dera uma guinada à direita: de uma postura militante, em 1950, a uma
estratégia de reformas graduais quatro anos mais tarde, e isto ficava evidente em diversas comparações.
Em primeiro lugar, enquanto em 1950 o partido exigia o confisco indiscriminado de todas as ‘grandes’
propriedades rurais, em 1954 insistia apenas na redistribuição da propriedade latifundiária, excluindo a
propriedade daqueles que apoiavam a frente pela libertação nacional. Além disso, a burguesia nacional –
ignorada em 1950 – merecia um papel importante na formação da frente anti-imperalista em 1954. O
programa de 1954 refletia o abandono das exigências revolucionárias, uma tendência particularmente
efetiva a partir de 1952, quando os líderes operários do PCB começaram a colaborar com os sindicatos
oficialmente estabelecidos. Finalmente, em 1954 o PCB adotou a velha linha de preparar-se para a
participação eleitoral e foi até o ponto de tentar o registro legal no Tribunal Superior Eleitoral.” (Op.
cit., pág. 114.)
Insistimos: estas teses já não eram novas na história do partido e se encontram sob o
mesmo guarda-chuva metodológico que abrigou as concepções do PCB em toda sua trajetória.
Em março de 1958 o PCB colhia frutos diretos de seu apoio a Juscelino: as acusações
formais de “traidores” que pesavam contra Prestes e outros dirigentes partidários desde os
tempos do Estado Novo, espertamente utilizadas por Dutra para jogar o partido na
clandestinidade em 1947, foram retiradas dos tribunais. Surge, então, a “Declaração de
47
Março”, em que o PCB dirimia eventuais dúvidas sobre sua opção pelo caminho pacífico e
institucional. Resume Chilcote: “Defendendo uma frente nacionalista e democrática, o PCB
propunha a tomada do poder através ‘da pressão pacífica das massas populares e de todas
as correntes nacionalistas’, através da vitória eleitoral e da resistência das massas populares
aliadas às forças nacionalistas do Congresso.” (Op. cit., pág. 123.) Mas deixemos por conta
do próprio texto da “Declaração” a emergência, agora explicita, da concepção pecebista de
um desenvolvimento histórico linear, teleológico, sustentada no prevalecimento de etéreos
valores universais – metodologia com que o marxismo não tem parentesco sequer remoto:
“A democratização do regime político do país, que tomou impulso com os acontecimentos de 1930,
não segue o seu curso em linha reta, mas enfrentando a oposição de forças reacionárias e pró-
imperialistas, sofre, em certos momentos, retrocessos ou brutais interrupções, como sucedeu com o Estado
Novo, com a ofensiva reacionária de 1947 ou por ocasião do golpe de 1954. Mas o processo de
democratização é uma tendência permanente.” (Transcrito por Leandro Konder em “A democracia
e os comunistas no Brasil” (6), pág. 104.)
48
“Os comunistas reafirmam que o objetivo tático principal da classe operária é a luta por
soluções positivas e imediatas para os problemas do povo e a luta pela formação de um
governo nacionalista e democrático. Este governo pode ser constituído nos quadros do
atual regime e deverá ser capaz de iniciar as transformações de caráter antiimperialista e
antilatifundiário exigidas pelos interesses nacionais. Tal objetivo só poderá ser alcançado
mediante o fortalecimento da frente nacionalista e democrática, da qual participam a
classe operária, os camponeses e as camadas médias urbanas, forças básicas do
movimento pela libertação e o progresso do país, e a burguesia ligada aos interesses
nacionais. O governo nacionalista democrático deverá ser um governo de coalisão, que
represente as forças integrantes da frente única.” (Transcrição de M. Vinhas, op. cit., pág.
201.)
Os termos estratégia e tática são de origem militar, visto o primeiro como o conjunto
de procedimentos referentes aos fatores permanentes (número de soldados, qualidade do
armamento, nível de treinamento, comunicação, capacidade operacional, objetivo geral da
campanha etc.) e o segundo como integrante das iniciativas referentes aos fatores passageiros
(terreno da batalha, correlação de forças localizada, situação de avanço ou recuo, ânimo da
tropa, conquista de alvos parciais etc.). Visto isso – e tendo em conta ser a guerra a
“continuação da política por outros meios”, no axioma de Clausewicz incorporado pelo
49
marxismo –, fica clara metodologicamente a necessidade de se submeter a tática à estratégia;
mais que isso, a tática há de ser não mais que uma expressão da estratégia, e não a mera
fixação aleatória de objetivos imediatos, que, à falta de referência e vinculação aos objetivos
de largo prazo, deixa-se contaminar pela ideologia dominante. Instalada a confusão,
misturam-se objetivos, tomam-se inimigos por aliados.
Mas a confusão terminológica vem de longa data; ao dar o nome de “Duas Táticas da
Social-Democracia na Revolução Democrática” (grifo nosso) ao seu texto de 1906 em que
fixava o que julgava a etapa estratégica a ser cumprida pela revolução na Rússia, o próprio
Lênin acabou contribuindo para o aprofundamento da confusão terminológica; mais grave que
isso, deu espaço a que transcrições literais, acríticas, de seu texto servissem de base a
incompreensões e propostas das mais variadas conotações que, com a chancela de seu nome,
instrumentalizaram práticas de diluição dos interesses do proletariado em diversos lugares e
ocasiões. Um desses lugares e ocasiões foi o próprio cenário em que se operou a tomada do
poder pelos bolcheviques, somente concretizada a partir de posicionamentos e iniciativas
configuradoras de uma autocrítica prática de Lênin às concepções formuladas em “Duas
Táticas”. Voltaremos a esta questão, mas cabe adiantar, como próprio Lênin destacou em suas
“Cartas sobre Tática” (Op. cit.), não pertencer ao marxismo-leninismo a postura que vê na
doutrina um dogma e não contribuição essencial ao erguimento da teoria revolucionária do
nosso tempo.
Regressamos ao “objetivo tático” do PCB, suas origens, nos parece, vão remontar ao
taticismo feito norma por Stálin como metodologia oficiosa, encoberta, que passa a dominar o
cenário do movimento comunista internacional, via 3ª Internacional pós-Lênin, e praticamente
oficializado com a política das Frentes Populares, cuja materialização mais clara foi o
posicionamento da URSS diante da Guerra Civil Espanhola, que abordaremos com detalhes
mais à frente neste trabalho. E o taticismo serviu como uma luva à visão estalinista do
desenvolvimento do processo revolucionário mundial que privilegiava mecanicamente a
estabilidade da URSS em detrimento do avanço revolucionário do proletariado nos demais
países, procurando na conciliação um anteparo ao cerco imperialista ao país. E não estamos
nos referindo, é bom esclarecer à questão da controvérsia teórica a respeito da possibilidade
ou não da construção do “socialismo em um só país”, uma consigna que, para desconforto das
correntes trotsquistas, foi efetivamente formulada por Lênin no folheto “A respeito da palavra
de ordem dos Estados Unidos da Europa” (8), publicado em 1915:
50
“Como palavra de ordem independente, a palavra de ordem dos Estados Unidos do
mundo, todavia, dificilmente seria justa, em primeiro lugar porque ela se funde com o
socialismo; em segundo lugar, porque poderia dar lugar à falsa interpretação da
impossibilidade da vitória do socialismo num só país e das relações deste país com os
outros. A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do
capitalismo. Daí decorre que é possível a vitória do socialismo primeiramente em poucos
países ou mesmo num só país capitalista tomado por separado.” (Em “Obras Esolhidas 1”,
pág. 571.)
O que está em jogo, portanto, são “as relações deste país com os outros”, e não a
possibilidade histórica de seu surgimento; cabe pesquisar, assim, as características daquele
“país” (em particular o conteúdo das lutas de classe que se desenvolvem no interior de cada
estágio de seu desenvolvimento sócio-econômico e político) e, daí, a natureza daquelas
relações com os “outros” (o que implica a observação da conjuntura internacional em que se
move o imperialismo). É neste contexto que, acreditamos, devem-se buscar as causas mais
profundas do reformismo taticista do PCB – e, de resto, de todo o movimento comunista
internacional sob a égide da 3ª Internacional da era estalinista, que, lembre-se, não acaba com
Stálin – e não na alusão sempre superficial a fatores éticos geralmente embalados em
expressões tão sonoras quanto vazias grandiloquentes como “traição”, “oportunismo” e
assemelhadas.
51
E o pacifismo descamba de vez para a passividade. Que diferença da análise da guerra
e seu lugar na história feita pelos congressistas de Zimmerwald, em 1915, liderados por Lênin
e Rosa Luxemburgo! Que diferença da própria análise leninista do período de calmaria que se
seguiu à guerra, desencadeada pelos países imperialistas ao novo poder soviético! Que
diferença dos pressupostos de Lênin no encaminhamento das negociações de Brest-Litovski!
Que diferença das recomendações de Marx e Engels no “Manifesto” de que os comunistas
não dissimulam seus objetivos! Para o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, os
comunistas são agora “o esteio máximo da ordem e da lei” (doc. Cit., in Vinhas, op. cit., pág.
108.) No fecho discurso, o desnudamento total: “Nós, comunistas, não vacilamos. Já
escolhemos há muito o nosso caminho – união, democracia, desenvolvimento pacífico –, é o
melhor caminho, é o que indicamos ao nosso povo.” (In Vinhas, doc. Cit., op. cit., pág. 109.)
Este posicionamento não é isolado, não nasceu da cabeça de Prestes; pelo contrário, foi a
linha de ação que prevaleceu em toda a América Latina no pós-guerra, sistematizada, segundo
Michael Löwy (cf. “Le Marxisme...”, op. cit., pág. 42), na doutrina do “browderismo”
(referência a Earl Browder, autor da sistematização e secretário-geral do PC norte-americano),
fundada na suposta identidade histórica e estrutural entre os interesses da URSS, Estados
Unidos e Inglaterra, agrupados na categoria “Ocidente”.
52
preferido a companhia de Lênin à de Stalin-Browder-Prestes: Hiroshima-Nagasaki, a guerra
da Coréia, a do Vietname, o golpe indonésio de 1965, República Dominicana, Guatemala,
Brasil, Argentina, Chile, o “Setembro Negro”, os mais recentes massacres das populações
iraqueana e líbia pelos “aliados” etc. etc. não podem ser considerados exatamente exemplos
do desenvolvimento pacífico e da prosperidade geral trombeteados pelo reformismo
anunciador dos novos tempos.
Passados não mais que cinco anos, todo esse discurso a respeito das qualidades
paradisíacas do imperialismo é deixado de lado e substituído – provisoriamente, como vimos
– pelo “Manifesto de Agosto” de 1950. Acusado de querer dividir os brasileiros, o PCB fora
jogado na ilegalidade em 1947. O browderismo mostra ser o que sempre fora: um saco vazio.
O cenário internacional mostra-se irrefutavelmente marcado pela contradição capitalismo x
socialismo, que passa a dominar as relações internacionais até (quase) o final do século. (Aqui
entra outra questão, simbolizada na retirada da bandeira da foice e do martelo do Kremlin no
Natal de 1991, que não cabe analisar neste trabalho.) O PCB reage à sua maneira, ou seja, sem
abrir mão da metodologia do empirismo seguidista, incapaz portanto de operar análises
materialistas dialéticas das realidades que lhe surgiam aos olhos, mantendo a obsessão em
buscar nos modelos internacionais as respostas que tal método não lhe permitia produzir. E o
PCB foi à revolução Chinesa. No ensaio “O maoísmo e a trajetória dos marxistas brasileiros”
(in “História do marxismo no Brasil”, op. cit.), Daniel Aarão Reis Filho observa que a
colocação, no “Manifesto de Agosto”, da defesa de uma revolução agrária e anti-imperialista
como bandeira central tomava por empréstimo as palavras de ordem que mobilizaram as
53
massas chinesas em direção ao poder, finalmente conquistado em outubro de 1949. Analisa
Reis Filho: “Também observando o caminho trilhado pelos comunistas chineses, os
brasileiros propunham uma ‘ampla frente nacional’, acima de quaisquer diferenças – sociais,
políticas, ideológicas e religiosas. Além disso, as propostas de criação imediata de uma
Frente Democrática de Libertação Nacional e de um Exército Popular de Libertação
Nacional, instrumentos da luta por um Governo Democrático e Popular, faziam eco, em certa
medida, à experiência revolucionária dos chineses.” (Op. cit., pág. 121.)
54
vista capitalista, e ainda emergindo dos remanescentes do feudalismo pra o capitalismo.” (“A
revolução Brasileira”, op. cit., pág. 36.)
De fato, Spindel aponta com propriedade haver o PCB aberto mão explicitamente da
sua configuração enquanto um partido da classe operária, o que, se não o fizesse, significaria
colocar-se em oposição antagônica às classes dominantes. No entanto, é preciso ir mais fundo
na questão da origem.
55
sindicalista...”. (“O Partidão”, op. cit., pág. 6.) Acrescente-se a isso a conclusão a que chega
Evaristo de Moraes Filho no ensaio “A proto-história do marxismo no Brasil” (In “História do
marxismo no Brasil...”, op. cit.): “Na verdade, apesar de alguns exemplos isolados, mormente
depois de 1922, com a fundação do Partido Comunista, somente depois de 1930 é que a obra
de Marx começou a ser realmente divulgada no Brasil, quer em línguas estrangeiras, quer em
traduções, que se multiplicavam.” (Pág. 45.) Destaque-se ainda que muitos comunistas no
Brasil tiveram contado com um certo “marxismo” através de trabalhos de divulgação do tipo
“Princípios do materialismo dialético”, de Afanassiev, que a Editora Vitória, do PCB,
despejava na praça. Divulgações e condensações, como se disse, inevitavelmente filtradas.
Como visto, não procuramos desenvolver aqui uma crítica inquisitorial e moralista ao
Partido Comunista Brasileiro, seus líderes e militantes, não é por aí que anda o marxismo.
Fazer página em branco da trajetória do partido no que ela representou de comprometimento
de seus quadros na busca da utopia humanitária de um mundo de iguais, do “reino da
liberdade” de que falou Engels, fazer isso, seria se alinhar à ótica de uma direita pré-histórica
e de seus porta-vozes fantasiados de ‘posmodernos’.
“Companheiros; A situação que atravessamos exige, mais do que nunca, uma tomada de
consciência de nossas responsabilidades e de nossos deveres para com a massa
trabalhadora do país. ...Não insistiremos aqui na nossa divergência em relação às
possibilidades da burguesia nacional para engajar-se em uma política de fundo
antiimperialista e antifeudal. Frisamos sempre que os compromissos da burguesia
brasileira com o imperialismo e o latifúndio, decorrentes do próprio processo de sua
formação histórica, a incapacitam para isso enquanto classe. ...Diante disso que nos resta
fazer? A resposta é clara: se a esquerda pretende sobreviver, se pretende levar adiante
sua missão histórica, terá que renunciar a qualquer veleidade de aliança com a burguesia,
terá que partir para uma política revolucionária.” (Doc. Cit., págs. 30, 31 e 33, grifo
original.)
Estamos convencidos – e esta é a tese central deste trabalho – ter partido da Polop a
crítica mais global e consequente, do ponto de vista do marxismo, às teses e propostas do
reformismo, implicando isso necessariamente um esforço de incorporação da metodologia
marxista enquanto instrumento de elaboração política no país.
56
Será ainda relevante relatar – por sua importância histórica e seu virtual
desconhecimento por parte da historiografia referente ao tema – o surgimento no debate
interno que cercou a realização do V Congresso do PCB, realizado em 1960, de um conjunto
de teses e propostas elaboradas por Sebastião Dantas e Luiz Felipe Perdigão, militantes do
partido e majores da Aeronáutica à época, reunidas e publicadas posteriormente por eles em
fevereiro de 1962 no livro “Perspectivas da Revolução Brasileira – Para onde vai o
proletáriado? Reforma ou revolução?” (12), assinado pelos autores com o pseudônimo de
“Marcos Peri”. Dividido em duas partes, o livro, editado artesanalmente, é subdividido em
dez capítulos: “Dialética da crise do capitalismo”, em que é criticada a análise catastrofista-
determinista do desenvolvimento capitalista contida no livro “A crise geral do capitalismo”,
de M. Draguilev, oráculo do estalinismo para o assunto; “O desenvolvimento capitalista
atual”; “A questão colonial”; “A liquidação dos sistemas colonial e semicolonial; “Os desvios
de direita”; “As grandes questões práticas”, análise crítica da concepção da transição pacífica
ao socialismo e à “coexistência pacífica”, “A natureza do Estado brasileiro”, caracterizado
como Estado burguês; “A revolução burguesa no Brasil; “A consolidação do regime
burguês”; e “Que fazer”, em que é apontada a necessidade de um partido independente da
classe operária.
Estas teses, assim como a metodologia que dá base e informa sua formulação, são
praticamente as mesmas que, fora dos muros do PCB, documentos precursores e fundadores
da Polop já desenvolviam e vinham aprofundando na caracterização do conteúdo e caminho
da revolução socialista no país – como veremos adiante. As propostas de Dantas/Perdigão,
assim como as da Polop incluídas a conclamação da “Carta aberta de setembro de 1963, não
encontraram, então, eco no interior do PCB.
Luiz Felipe Perdigão, que passara à reserva em 1963 na patente de coronel, e que
lutara na 2ª Guerra contra o nazi-fascismo na Europa como piloto de caça, faleceu em um
acidente automobilístico em Arraial do Cabo (RJ) em 1986, aos 64 anos. Sebastião Dantas,
também passado para a reserva no posto de coronel em 1963, veio a formar-se em Direito, e
exerceu a advocacia por cerca de dez anos. Vivendo no Rio à época da elaboração da pesquisa
que deu origem a este livro, Sebastião Dantas não se dispôs ao dar uma entrevista diretamente
ao a mim. As informações sobre o encaminhamento de suas propostas no interior do PCB na
época nos foram fornecidas em depoimento direto por seu filho Marcos Dantas, jornalista e
ex-militante da esquerda revolucionária, que as obteve após uma série de longas e espaçadas
57
conversas com o pai, que, de todo modo, estava ciente de que tais informações se destinavam
a este trabalho.
58
e, não menos importante, violenta, o que, registremos, não constituída propriamente novidade
nas idas e vindas a que se viu submetida toda a trajetória do PCB no interior – e aqui vai uma
questão essencial – da mesma metodologia da cópia estratégica de modelos internacionais
devidamente ancorada em uma renitente incapacidade de recorrer ao marxismo na
compreensão da realidade do país. Como resultante geral, é mantida a velha crença em uma
etapa nacional e democrática para a revolução brasileira, que igualmente guardaria em seu
vagão uma cadeira cativa para a fração da burguesia “objetivamente” interessada em fazer
frente ao imperialismo até as últimas consequências.
59
“Suas reivindicações políticas não saem da velha e conhecida ladainha
democrática: Sufrágio universal, legislação direta, direito popular, milícia do povo etc.
São simples eco do Partido Popular burguês, da Liga pela Paz e a Liberdade. São, todas
elas, reivindicações que, quando não estão exageradas até ver-se convertidas em idéias
fantásticas, estão já realizadas.” (Crítica del Programa de Gotha” (13), pág. 24, grifo
original.)
60
filiação partidária, a tendência filosófica ou religiosa, a classe ou camada social a que
pertençam, os verdadeiros patriotas têm o dever irrecusável de se unir para ação comum
contra os inimigos da democracia e da soberania nacional. Esta em jogo os próprios destinos
da pátria.” (In “Imagens...” op. cit., pág. 65.)
O palco privilegiado desta guerra de libertação nacional seria o campo, restando aos
operários, ao lado de estudantes, intelectuais e donas-de-casa, a tarefa de “organizar
demonstrações contra a ditadura e a dominação ianque” (pág. 69) no quadro geral de uma
“guerra popular”: “A luta revolucionária em nosso país assumirá a forma de guerra popular.
Esta constatação dimana tanto da experiência internacional como do estudo da realidade
brasileira. ...A guerra popular é o caminho para emancipação dos povos oprimidos nas
novas condições do mundo.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 72.)
61
assumia formalmente a opção pelo socialismo e propunha a luta armada como caminho para o
poder. Em 1968, o grupo assume oficialmente o maoísmo; em 1971, logo após adotar a
denominação de Ação Popular Marxista-Leninista (APML), sua direção aprova a
incorporação ao PC do B, o que viria a se concretizado em 1973 apesar da forte oposição
interna, cujos integrantes acabaram optando pela cisão, decidindo manter a organização criada
em 1971.
62
contrário à posição reformista de aliança com a burguesia nacional que daria o alegado caráter
nacionalista à luta do proletariado; no entanto, ao fixar as tarefas do grupo para a fase que
denominou de “preparação”, o texto indica a necessidade de desenvolver a consciência e
organização do “povo” em uma “luta contra a dupla dominação capitalista (internacional e
nacional) e feudal.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 45, grifo nosso.)
63
É assim que, tendo por base tal confusão teórico-metodológica, a APML vai falar
adiante em uma também confusa “revolução ininterrupta por etapas” (“Imagens...”, pág. 298).
A pretexto da consideração do desenvolvimento desigual do capitalismo, expõe uma
concepção linear do desenvolvimento histórico em que sucessivas etapas cumpririam
“tarefas” não resolvidas pela etapa anterior, o que é, é preciso destacar, uma compreensão
teleológica absolutamente estranha ao marxismo. Para este, ao contrário, conforme
expressado por Marx e Engels na “A Ideologia Alemã” e aprofundado no “O Capital”, o que
marca a especificidade histórica do capitalismo é a capacidade deste sistema em fazer-se
mundial, submetendo as demais formações sociais do globo à sua dinâmica; julgamos
desnecessário citar aqui trechos destes clássicos do marxismo referentes à questão, mas é
importante registrar aquilo que é denominado de “programa mínimo” no “Programa Básico”
da APML: “No Brasil, país denominado pelo imperialismo norte-americano sob uma forma
semicolonial, com uma base técnica agroindustrial atrasada e uma formação social
complexa, que combina relações capitalistas com relações semifeudais e feudais, com a
predominância das relações capitalistas, faltam ainda certas condições objetivas, mas faltam
principalmente as condições subjetivas para a revolução socialista proletária e a
emancipação completa dos trabalhadores. Por isso, a tarefa imediata que o proletariado do
Brasil e sua vanguarda têm diante de si é a de unir-se aos camponeses, formando uma sólida
aliança operário-camponesa; unir-se também à pequena burguesia urbana e ganhar a
burguesia nacional para levar até o fim a revolução nacional e democrática do Brasil,
abrindo caminho e criando as condições objetivas e subjetivas para a passagem de nosso
país à estrada luminosa do socialismo.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 301.)
64
o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), a desempenharem papel importante
no quadro atual da esquerda no país. Ronald Chilcote (“Partido Comunista Brasileiro –
Conflito e Integração”, op. cit., cf. pág 245) relaciona um conjunto de agrupamentos
trotsquistas em atividade no país a partir dos anos 30: Grupo Comunista Lenine, Legião dos
Comunistas e Partido Operário Leninista, na década de 30; Partido Socialista Revolucionário
e Vanguarda Socialista, nos anos 40; e Partido Operário Revolucionário Trotsquista (PORT),
que realizou seu primeiro congresso nacional em 1963.
Raul Villa (nome pelo qual ficou conhecido na história da esquerda revolucionária
brasileira Eder Sader, um dos fundadores da Polop e um dos arquitetos de suas posições
estratégicas) refere-se ao espaço ocupado pelo PORT no texto “Para um balanço da PO” (14),
ao dar conta do cenário em que emergiram as idéias da Polop: “Assim, ao fazer crítica
classista do desenvolvimento capitalista, ao desenterrar o instrumental teórico do marxismo,
num quadro de abertura da crise capitalista de um lado e de desarme ideológico geral grente a
ela de outro, a PO abre um grande espaço para o seu desenvolvimento. O POR Trotsquista,
que hegemonizava a crítica de esquerda ao nacionalismo, será rapidamente superado pela
presença da PO.” (Doc. Cit., pág. 9.) Faremos à frente neste trabalho uma consideração mais
ampla do trotsquismo quando tratarmos do posicionamento geral da Polop em relação a esta
corrente do movimento comunista internacional. Por agora, cabe apreciar criticamente a
metodologia que informa textos básicos de duas organizações alinhadas com o trotsquismo,
conforme transcritos por Edgar Carone em “Movimento Operário no Brasil (1945-1964)”
(15): a coligação Democrática Radical (criada em 1945) e a Liga Socialista Independente
(fundada em 1956).
A Coligação, em seu “Plano Econômico”, propõe como primeiro item: “Urge que um
regime realmente democrático, constituído na base das liberdades políticas constantes deste
programa, interessando-se em elevar o standard de vida dos povos, tome imediatamente as
medidas necessárias para estatizar os bancos e as companhias concessionárias de serviços
públicos (transporte ferroviário ou marítmo, energia elétrica etc.).” (In “Movimento...”, op.
cit., pág. 62.) Sem entrar no mérito específico das medidas econômicas propostas no
programa, observa-se aqui uma perfeita integração entre o governo a que aspira a Coligação,
“um regime realmente democrático” e o espírito geral das medidas defendidas, a que se
seguem outras como “abolição dos impostos indiretos e revisão democrática do imposto sobre
a renda”, “seguro contra o desemprego” e outras. Este é um programa mínimo, apresentado
pela Coligação como Anteprojeto de Programa Técnico-Eleitoral. De toda forma, a exemplo
65
das alternativas de poder propostas então pelo PCB, a estrutura do Estado permanece
intocada, os titulares do seu exercimento os mesmos; no fundo, a mesma compreensão da
realidade do país e do conteúdo de suas lutas de classe: “O Brasil não foje à regra dos países
dependentes de regiões fadadas a serem apenas ‘complementação econômica’, isto é,
fornecedores de matérias-primas para os reis da indústria e da finança que imperam nas
potências de primeira categoria. Assim, pois, a Coligação Democrática Radical bater-se-á no
sentido de impedir o avassalamento do nosso país pelos monopólios, trustes e cartéis de
qualquer espécie, desarmando os seus agentes nacionais.” (In “Movimento...” op. cit., pág.
62.) Povo, avassalamento etc. etc. Ao que tudo indica, não parece ter pertencido à Coligação a
produção do que de mais elaborado pode ter saído da fornalha trotsquista no período.
Tal conceituação, parece claro, não autoriza a que se confunda estado com sociedade,
ou com a classe que o empolga direta ou indiretamente, dado o risco de se perder de vista o
eixo da teoria marxista do Estado, fundada na concepção da anterioridade – e, portanto,
determinação – da sociedade sobre o estado. É a incompreensão disso, aliás, que tem levado o
66
grosso das correntes trotsquistas a não situarem com propriedade o lugar e função da
burocracia nos estados do chamado socialismo real, cuja crítica tem-se constituído na
bandeira mais cara ao trotsquismo. Afirma Marx: “Hegel não desenvolve nenhum conteúdo
da burocracia e limita-se a citar algumas determinações genéricas de sua organização
‘formal’; ora, é certo que a burocracia é apenas o ‘formalismo’ de um conteúdo fora dela.”
(“Crítica...”, op. cit., pág. 70, grifo e aspas originais.)
67
‘verdadeiro’ socialismo”, que é criticado pelos criadores do marxismo por defender “não os
interesses do proletariado, mas os interesses do ser humano, do homem em geral, do homem
que não pertence a nenhuma classe em a realidade alguma e que só existe no céu brumoso da
fantasia filosófica.” (“Manifesto...”, op. cit., in “Textos III”, op. cit., pág. 41.)
O Partido Socialista Brasileiro (PSB) foi fundado formalmente em abril de 1947, mas
já atuava organizadamente em nível nacional desde 25 de agosto de 1945, data do manifesto
de fundação da Esquerda Democrática (ED), frente que deu origem ao partido, cuja assinatura
agrupava ecleticamente nomes como os de Juraci Magalhães e Arnon de Melo, Rubem Braga
e Evandro Lins e Silva, João Mangabeira e Osório Borba, além de Francisco Giraldes Filho,
Luís Neves e Marcelino Serrano, estes últimos remanescentes do ex-Partido Socialista
Brasileiro de 1932. Uma das linhas que confluíram na formação do PSB se originou do Grupo
Radical de Ação Popular (GRAP), criado em São Paulo em 1942 por um grupo de socialistas
composto por Paulo Emílio Sales Gomes, Antônio Costa Correa, Germinal Feijó, Paulo Zing,
Antônio Cândido de Melo e Souza e Eric Sachs. Este último, que viria a fundar a Polop,
“inspirava muito a nossa ação. Ele era culto e tinha experiência de luta política, tendo
inclusive vivido na União Soviética”, segundo depoimento de Antônio Cândido a Edgard
Carone transcrito em “República Liberal”. (Op. cit., pág. 317.)
68
restrita da UDS, que era um tanto radical, um tanto sectária, foi abandonada e nós marchamos
para a organização da Esquerda Democrática com vistas à formação de um partido.” (In
“República...”, op. cit., pág. 320.) E este partido veio a ser o PSB.
Não basta falar em socialismo. O que a história deixou claro é que somente com a
Polop que a alusão ao caráter socialista da revolução brasileira vem sustentada pelos
princípios constitutivos do marxismo-leninismo, sem os quais aquele caráter se transforma
inevitavelmente em caricatura.
Notas
69
11. Revista “Política Operária”, n. 7 – São Paulo, outubro/1963 – Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro-Centro de Memória de Movimentos Sociais
(CMMS) – Niterói/RJ
12. Dantas, Sebastio e Perdigo, Luiz Felipe (“Marcos Peri”) – Perspectivas da
Revolução Brasileira – para onde vai o proletáriado? Reforma ou Revolução?
São Paulo, 1962, Edição Própria
13. Marx, Karl – Crítica del Programa de Gotha. Moscou, s/ data, Ed. Progresso
14. Sader, Eder (“Raul Villa”) – Para um balanço da PO, in revista “Brasil
Socialista”. Bruxelas, outubro/1976
15. Carone, Edgard – Movimento Operário no Brasil (1945-1964). São Paulo,
1981, Ed. Difel
16. Marx, Karl – Crítica da Filosofia do Direiro de Hegel. Lisboa, S/data, Ed.
Presença
17. Carone, Edgard – República Liberal. São Paulo, 1985, Ed. Difel
18. Marx – Karl – O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, 1988, Ed.
Escriba
70
VII – MONOPÓLIO AMEAÇADO
71
declarando não ter a publicação qualquer vinculação orgânica e ser obra de grupo no
homogênio, afirma no item 8 de seus propósitos editoriais: “Finalmente, somos de opinião
que, a não ser para a publicação de um órgão marxista, não se justificariam os esforços para o
lançamento de uma revista.” (Doc. cit., pág. 3.) Esta discussão se referia a debates que vinham
sendo travadas no interior do PSB a respeito das divergências entre “amplos” e “estreitos”,
alinhados os integrantes do núcleo polopista entre os últimos; no debate que precedeu o
lançamento da revista, os primeiros defendiam a posição da incorporação de correntes
“progressistas não marxistas”, contra a opinião da corrente oposta segundo a qual o pretexto
da amplitude equivaleria a abandonar a bandeira do marxismo, provocando a diluição prática
das fronteiras de classe, acrescentando que “...Para aderir não precisamos do marxismo para
nada, e a burguesia, de sua parte, não precisa de nós já que ela já tem e forma seus próprios
ideólogos”, conforme está no editorial citado. Assim, a separação tornou-se inevitável.
72
contribuição de Marx, Engels e Lênin, delineando as condições concretas da evolução da
ideologia nacionalista, sua expressão nas diferentes etapas do desenvolvimento histórico das
lutas de classe nacionais e internacionais, as concepções e usos que dele fez o movimento
comunista internacional. Acreditamos poder considerar este texto a primeira publicação
sistematizada do ideário básico da Polop, com a exposição das linhas gerais do pensamento
coesionador do grupo a respeito de praticamente todas as questões estratégicas referentes ao
caráter e conteúdo da revolução socialista enquanto entendidos pela Polop. A ele, portanto,
recorremos outras vezes no transcorrer deste trabalho. Por ora, nos limitaremos à abordagem
de trechos mais diretamente referentes à conjuntura político-ideológica em que ermegiram as
idéias da organização.
73
forma, assim sintetiza Eric Sachs no balanço feito em 1981 como introdução à republicação
de documentos da organização (doc. citado.):
“Em primeiro lugar, o que originou e motivou os grupos de diversas partes do
país foi sua oposição à política de colaboração de classes dos partidos oficiais – PCB,
PSB e, evidentemente, PTB. O aprofundamento dos debates levou à rejeição das teses
pecebistas sobre o caráter burguês-democrático da revolução brasileira, do passado
feudal do Brasil – passado que ainda sobreviveria – e do pretenso anti-imperialismo da
burguesia nacional. O que reunia os grupos foi justamente o consenso de que ‘qualquer
futura revolução no Brasil será socialista ou não será revolução’.” (“Balanço EM-81”,
págs. 1,2.)
Segundo o relato de Aluizio Leite Filho, a Polop teve forte presença na imprensa
estudantil do Rio no período que se seguiu à criação do grupo original, aproveitando ainda
espaços no jornal nacionalista “O Semanário”, de Oswaldo Costa, e no “O Nacional”, editado
pela tendência liderada por Agildo Barata que se desligara do PCB em 1957. Acreditamos que
a referência a artigos e reportagens publicadas no “O Metropolitano” seja o suficiente para dar
um quadro das especificidades das teses e posições da organização em seus choques iniciais
com outras linhas do pensamento da esquerda à época.
Em 29/5/1960, Paulo Piragibe (nome com que Piragibe de Castro, um dos fundadores
do grupo, assinava seus artigos) publicava na coluna “Problemas e Opiniões” o artigo “Sobre
a autenticidade do movimento nacionalista” em contestação ao texto de Humberto Jansen
“Autenticidade do Movimento Nacionalista”, que saíra na mesma coluna na edição de 1/5/60.
A crítica de Piragibe parte da formulação de Jansen segundo a qual as tentativas de
radicalização das lutas de classe entre burguesia e proletariado no país estariam fadadas a
enfraquecer a luta contra o imperialismo em que estaria empenhada a burguesia nacional.
Piragibe sai, então, em busca das raízes históricas e metodológicas do posicionamento exibido
por Jansen, identificando, em primeiro lugar, a linha do pensamento deste com a de Alberto
Torres e Oliveira Viana, “ideólogos de uma burguesia industrial que então começava a dar os
primeiros passos, premida pelo capital financeiro internacional e quando a classe operária só
existia nas elucubrações de alguns revolucionários românticos”. É em um trecho seguinte, no
entanto, que Piragibe deixa mais clara sua própria vinculação com a metodologia marxista,
discutindo o conceito de nação como categoria histórica e, enquanto tal, submetida à dinâmica
das lutas de classes. Diz Piragibe: “Continuando a leitura, percebe-se como o raciocínio
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metafísico conduz a fabricar uma oposição ‘entre o capital estrangeiro colonizador e nação
brasileira’, por analogia com a situação metrópole-colônia, ou como já disseram outros
nacionalistas não menos talentosos, ‘entre nação e anti-nação’, usando Fichte, Jaspers e a
eloqüência notória dos carreiristas do ISEB, o que é demasiado fácil e cômodo, dado que no
aglomerado nação ficariam supressas as relações de produção capitalistas, as classes e
teríamos um paraíso social em que se confraternizariam todos, para o bem-estar geral da
burguesia e o combate emocional à dominação estrangeira.”
75
No dia 10/7/60, a mesma coluna do “O Metropolitano” publica o artigo “A perspectiva
socialista do proletariado”, de Bernardo Boris, o qual ao final do texto, diz ter exposto
“resumidamente as perspectivas que o movimento trotskista tem colocado”. O eixo das
análises é semelhante ao abordado pela Polop: a crítica à revolução por etapas, a defesa do
papel de vanguarda do proletariado, a condenação do nacionalismo enquanto ideologia da
burguesia etc. No entanto, no início do artigo, como “caput” do mesmo, é feita uma análise
das lutas de classes então em desenvolvimento no Japão em que fica evidenciada uma
metodologia vanguardista com que quase sempre operam as tendências trotsquistas, o que, na
raiz, sempre as separou das concepções gerais da Polop. Dominado pela visão catastrofista
que embasa a teoria da revolução pemanente – uma apropriação equivocada, diversa portanto,
da original formulada por Marx e Engels na “Mensagem do Comitê Central à Liga dos
Comunistas”, de 1850 (voltaremos a este assunto) –, Boris atribui a não eclosão de uma
revolução socialista no Japão à época unicamente ao comportamento do PC e do PS daquele
país.
Ora, quando a esquerda não reformista criticava o PCB, PTB etc. de colaboracionismo
de classes ela se referia a propostas e fatos concretos: a defesa de uma aliança estratégica com
a burguesia, participação direta em organismos estatais e paraestatais do governo burguês etc.
Já a bola devolvida pelo reformismo a seus críticos vinha murcha, impulsionada pelo aforisma
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primário de que “quem não está conosco está contra nós”, vazada no espírito de seita que se
fez alma de uma prática fundada na metodologia determinista e etapista por onde sempre
caminha o reformismo. Foi esta ideologia geral, aliás, que levou o PCB e aliados democratas
a acusar a esquerda armada no tempo da ditadura de responsável pela consolidação do regime
e endurecimento da repressão; em outros termos, a defesa indireta das paz dos cemitérios, o
catecismo da rendição política. Deixemos isso de lado.
Cabe deter aqui na alegação de que a esquerda anti-reformista seria isolacionista, daria
as costas ao movimento vivo, abandonaria a política. A Polop, em toda sua trajetória foi
escolhida alvo preferencial deste tipo de acusação, no apenas vinda do reformismo oficial,
como igualmente da “tática” democratista adotada pela maioria da esquerda, trotsquistas
incluídos, após o golpe e principalmente a seguir à derrota da luta armada; para todos, a Polop
padeceria do pecado original do “doutrinarismo”. Não está nos objetivos deste trabalho a
análise da atividade de intervenção prática na realidade concreta das lutas de classes
desenvolvida pela organização como afirmamos anteriormente. No entanto, ressalvávamos,
seriam feitas referências à prática quando isso fizesse necessário à melhor iluminação das
teses do grupo. Em primeiro lugar, é preciso constatar que, pelas razões e dados já alinhados
aqui, o PCB (e aqui pode-se incluir o PC do B quando da sua estruturação) já contava com
amplas bases de massas quando da fundação da Polop; a AP, por sua vez, mesmo criada
depois, já desembarcou no cenário de luta com uma volumosa bagagem de bases sociais no
movimento herdada das atividades desenvolvidas há mais de dez anos de forma organizada
pela esquerda cristã ancorada na estrutura da Igreja Católica. Em segundo lugar, dada a
especificidade qualitativa de suas preposições, a Polop certamente iria encontrar resistências
maiores – não de natureza estrutural, registre-se – em liderar movimentos de massa, no geral
dominados então pela ideologia reformista desenvolvimentista. E em terceiro lugar, é preciso
também registrar que a Polop no decorrer de sua trajetória teve montados núcleos e seções em
todos os Estados importantes do país (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo,
Rio, Goiás, Brasília, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Maranhão), e não apenas nas capitais, mas
também nos cinturões industriais que as cercam as capitais e em algumas cidades do interior,
além da presença no movimento camponês de Minas Gerais e Pernambuco antes do golpe. No
movimento estudantil, como expressão de sua influência no movimento em todo o país,
controlou entidades locais e regionais e foi uma das forças dirigentes da UNE até 1968,
mantendo influência no movimento semi-legal que se seguiu ao Al-5. Participou ativamente
da organização e estruturação das greves de Contagem (as duas) e Osasco em 1968. Esteve na
77
rebelião dos sargentos em Brasília em setembro de 1963. E hegemonizou o movimento dos
marinheiros no Rio no pré-golpe. Onde, portanto, o “doutrinarismo”?
Mas este tipo de acusação não data de tempos recentes. Já na década de 40 do século
passado, já cento e sessenta, portando, o neo-hegeliano Ruge descrevia o comunismo como
“uma triste atividade sem interesse político, um produto que havia nascido morto”, conforme
transcrição por Michael Löwy em seu “La teoria de la revolución en el joven Marx” (4), pág.
64. Entendiam os jovens hegelianos por apolítica a visão materialista que os comunistas
tinham, já então, das instituições do estado burguês, inclusive o democrático, na luta pela
emancipação do proletariado. Obseva Löwy: “Mediante esta desmistificação da esfera
política, em 1843, (Marx) contesta a Ruge e se volta já contra o estado como ‘verdade’ dos
problemas sociais, como a miséria etc. (posição que defendia já em seus artigos para o
Rheinische Zeitung), mas para o povo real, para a vida social. Desta maneira, se situa muito
próximo dos comunistas, como Hess, cujo lema era precisamente a primazia do social sobre o
político, tese que Marx desenvolverá nos Anais Franco-Alemães.” (“La teoria...”, op. cit., pág.
64.) Insistamos: para o marxismo, fazer política não significa ater-se aos dormentes que
suportam os trilhos por onde desliza o vai-vem do estado burguês e suas instituições, ora
democráticas, ora ditatoriais, de acordo com o lado para onde as empurram os ventos dos
interesses dos detentores do capital e as lutas de classes.
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revolução brasileira. O que há de mais essencial nas palavras de Schwartzman, seu método
filosófico, se manteve na base dos desdobramentos organizatórios da esquerda de origem
cristã no país. Hoje voltando diretamente às origens, temos a Teologia da Libertação, que,
considerada no interior dos processos gerais de desenvolvimento da consciência religiosa,
significa um avanço qualitativo. A esquerda cristã vem-se constituindo em aliado leal e
importante na luta dos trabalhadores do país e em toda a América Latina, uma contribuição
que consideramos imprescindível nos processos atuais e futuros da luta do proletariado no
continente. Mas atribuir ao movimento cristão de esquerda a função de vanguarda político-
ideológica de qualquer transformação revolucionária significaria, para quem é marxista, a
renúncia a todo um corpo metodológico da teoria marxista revolucionária, jogando por terra o
princípio leninista de que “sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”. Note-se
que Lênin não fala de uma teoria qualquer nem de uma prática qualquer.
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caberia à Polop um posicionamento mais concreto em relação à empresa, cuja criação, de
forma direta ou indireta, dizia respeito aos interesses gerais do proletariado. E, após propor a
participação dos operários na direção da empresa a ser criada, Aluizio conclui: “A longo
prazo, só existe uma solução para a questão da eletricidade: nacionalização da indústria em
todas as fases. Embora o projeto que criou a Eletrobrás não se guie por esta perspectiva,
poderá, a depender da atuação das forças populares, vir a se constituir em excelente
instrumento para tal finalidade.”
Outra coisa, e foi realmente esta a posição do grupo, foi a consideração da necessidade
de a revolução aprofundar política, teórica e organizatoriamente sua opção pelo socialismo
marxista como condição de sua própria sobrevivência e consolidação. Assim, Ruy Mauro
lembra no artigo que, embora suspensa provisoriamente então pelos dirigentes cubanos, a
Constituição de 1940 fora retomada pelos revolucionários como referência jurídico-
institucional; do outro lado, no entanto, o autor enfatiza o caráter extra-institucional do novo
exército que, ao lado das milícias populares formadas por operários, camponeses e estudantes,
constituíam “o modo de ser do povo cubano”. No entanto, insiste o autor, a rapidez com que
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se multiplicam as experiências políticas e econômicas não permitia falar em um regime
cristalizado. A conclusão geral do texto é a seguinte: “...A Revolução Cubana veio
demonstrar, em plena América Latina, que nenhuma luta anti-imperialista é válida se não
apresenta, simultaneamente, como esforço para destruir o que, no interior da sociedade,
consagra a espoliação e a injustiça. Para as nações proletárias, anti-imperialismo e revolução
social nada mais são que aspectos de uma só realidade.” Como se viu depois pelo desenvolver
da revolução cubana, o confronto com o imperialismo ocorreu no mesmo leito do
aprofundamento do socialismo na Ilha.
2. Os núcleos iniciais
No período que vai da criação do núcleo gerador do Rio, em 1958, até a estruturação
da organização, em janeiro de 1961, a Polop contou com a adesão de vários pequenos grupos
de marxistas em variados pontos do país, como Salvador, Ilhéus, Brasília, Recife, Curitiba e
Goiânia (cf. “Para um balanço da P.O.”, de Raul Villa, e o Balanço EM-81, de Eric Sachs,
docs. cits.). Vamos nos limitar, neste item, à abordagem da formação dos núcleos do Rio, São
Paulo e Belo horizonte, os quais, pela nossa pesquisa, se constituíram nos mais significativos
e dinamizadores da organização em construção.
Quanto ao grupo do Rio, acreditamos já haver nos referido aos principais episódios de
sua formação, especificamente na abertura do IV capítulo deste trabalho (“Monopólio
ameaçado”). Destacaremos aqui informações adicionais contidas nos depoimentos de Aluizio
Leite Filho e Ruy Mauro Marini nas entrevistas que me concederam. Atesta Aluizio: “A
Polop não existiria sem o Eric Sachs”, o que é confirmado, em outras palavras, em todos os
depoimentos que colhemos, não só no Rio como junto a militantes fundadores nos demais
núcleos. Não conseguimos identificar a data, nem mesmo o ano, em que Eric se mudou de
São Paulo, onde desembarcou no país, para o Rio; de toda forma, como vimos, em fins de
1958 ele concluía a primeira fase de seu trabalho com a reunião de formalização do núcleo do
Rio. As bases principais de atuação do grupo eram a Juventude Socialista do PSB e a Escola
Brasileira de Administração Pública (Ebap) da Fundação Getúlio Vargas, na Praia de
Botafogo, que tinha Piragibe de Castro entre seus professores e Aluizio e Ruy Mauro entre os
alunos. Relata Aluizio: “Entrei para a Ebap em 1957, vindo da militância do movimento
81
universitário, ingresso na Juventude Socialista, onde conheço Eric e Moniz Bandeira. O PCB
não me atraía desde já algum tempo: Já tinha lido Deutscher e nutria ‘certa antipatia’ pela
URSS, tanto assim, que o 20° Congresso não chegou a me abalar; já tinha a cabeça feita. Com
Eric, começa a minha formação marxista.”
Vânia Bambirra (5), membro do grupo fundador da Polop em Belo Horizonte, enfatiza
que a Revolução Cubana “foi o grande guarda-chuva ideológico” sob o qual se juntaram os
quadros do núcleo, originário basicamente da Juventude Trabalhista do PTB e militantes do
movimento estudantil. Além de Vânia, compunham o grupo mineiro: Theotônio dos Santos
Júnior, Guido Rocha, Juarez de Brito, Carlos Alberto Soares de Freitas, Chaim Samuel Katz,
Amaury de Souza Guimarães, Arnaldo Mourthé, Theodoro Alves Lamounier, Cláudio Galeno
82
Magalhães Linhares, Alaor Passos, José Thiago Cintra – todos estes vindos do movimento
estudantil --, o comerciário Said, os marceneiros Otavino de Oliveira e Ernesto Santos e os
metalúrgicos “Jair” e Alcides. Foi em Minas que a Polop conseguiu desenvolver uma
atividade mais abrangente no período pré e pós-fundação, com presença destacada no
movimento estudantil, de favelados, operário (marceneiros e metalúrgicos) e camponês. Nesta
área, segundo depoimento de Vânia Bambirra, chegou a liderar a organização das ligas
camponesas no Estado, com bases em Três Marias, Barão de Cocais e Governador Valadares.
Maria do Carmo enfatiza que não se pode dizer propriamente que a seção mineira da
Polop se originou da Juventude Trabalhista do PTB, por ela considerada não mais que uma
fachada legal de atuação do grupo, que, segundo afirma, amadureceu suas primeiras
discussões na Faculdade de Ciências Econômicas da então UMG, onde também era dado o
curso de Sociologia e Política, ampliando-se as discussões para a Engenharia, Filosofia,
Direito e outras unidades da universidade. “Formada por pessoas de muito bom nível
intelectual”, diz ela, “a visão da Polop era a de que era preciso criar o novo, não mudar o
83
velho.” Maria do Carmo dá conta de uma discussão importante travada no III Congresso da
Polop, realizado em março de 1964, às vésperas do golpe: “Uma corrente, com a qual me
alinhei, liderada por Eric, Ruy Mauro e Mourthé, defendia a tese de que o país caminhava
para a deflagração de um golpe militar de direita; outra posição, liderada por Theotônio,
falava da montagem de um golpe bonapartista por Jango. Venceu a tese Eric-Ruy Mauro-
Mourthé por um voto.”
O outro episódio foi obra e graça do grupo que integraria a Polop e teve em Theotônio
dos Santos Júnior o ator principal. Segundo depoimento de Vânia e Maria do Carmo, quando
da visita de Fidel Castro do Brasil, no final de abril/início de maio de 1959, o grupo divulgou
que o principal líder da revolução cubana iria a Belo Horizonte, onde, da sacada do Diretório
Central dos Estudantes, que dava para a mesma avenida Afonso Pena, a principal cidade, faria
um pronunciamento para o qual “toda a população” estava convidada. Fidel não veio, não
pôde vir. A “população”, cerca de mil pessoas, lá; firme, ansiosa, agitada. E Fidel, nada. Era
preciso, então, dar um jeito na situação. Alguém teve a feliz idéia de lembrar que Theotônio
até que era parecido com o herói de Sierra Maestra. Arrumaram-lhe às pressas uma túnica
verde-oliva e uma desajeitada barba conseguida junto ao pessoal da Escola de Teatro. E a
arrumação até parecia ter dado certo: num “portunhol” meio atravessado, Theotônio vinha-se
mostrando convincente no árduo papel, mesmo sem conseguir disfarçar o suor que lhe
escorria pela testa apesar dos frios do outono mineiro. E tão convincente foi que à certa altura
do seu inflamado discurso, um grupo de ex-integralistas que costumava reunir-se no Café
Pérola, ao lado, famoso por sediar intermináveis bate-bocas políticos, achou que era demais,
que era preciso dar um basta ao comunismo. O pau quebrou. Os galinhas-verdes tentaram
invadir o DCE para, ali mesmo, justiçar aquele assalariado de Moscou. Correria, pancadaria,
socos e pontapés. A “população” se desfaz e o inimigo ganha terreno. E eis que surge na
84
pradaria a cavalaria salvadora de uma tropa-de-choque do DOPS, que, com a diplomacia
característica deste tipo de destacamento e a delicadeza que a ocasião exigida, pôs fim à
baderna. O “Fidel das Alterosas” conseguiu escapar, felizmente ileso, por alguma saída
secreta.
O núcleo paulista foi vanguardeado por Eder Simão Sader, sobrinho de Aziz Simão,
este, companheiro de lutas de Eric Sachs nos tempos do Grupo Radical de Ação Popular. O
núcleo era integrado por alguns nomes da jovem intelectualidade de esquerda de São Paulo,
como Michael Löwy e Emir Sader (irmão de Eder), além de Paulo Singer (este caracterizado
como sempre “um pouco mais à direita” ou “austro-marxista”, segundo depoimentos que
colhemos), estendendo-se as discussões a marxistas isolados, como octávio Ianni, e outros
ligados a correntes trotsquistas, como Bóris e Ruy Fausto (PORT) e Hermínio Sachetta (Liga
Socialista Independente), correntes que acabaram não se integrando à organização, mas que
chegaram a contar com representantes no Congresso de fundação, como a LSI, que se recusou
a participar do novo agrupamento com a alegação de que se tratava de mais um grupo
“conciliador”. Emir Sader (8) alinha três fatos históricos que cercavam a construção da Polop:
a quebra da hegemonia absoluta do PCB, com o surgimento de movimentos sociais
autônomos, a crise do capitalismo brasileiro e a Revolução Cubana. Em sua avaliação, as
idéias centrais com que a organização se faz presente no cenário político giravam em torno da
concepção de uma revolução anti-capitalista, da necessidade da formação de um proletariado
independente orgânica, política e ideologicamente da burguesia, da crítica à aliança de classes
pregada pelo reformismo, assim como à estratégia nacionalista dominante. As fontes, segundo
Emir, a organização, que se propunha a tarefa de “reconquistar o marxismo”, ia buscar
diretamente nos clássicos: Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, “com a parte referente
aos princípios gerais ficando a cargo do Eric, e a economia brasileira com o Ruy Mauro”.
Sintetizou Emir: “A Polop foi o núcleo ideológico mais coeso que existiu no Brasil e que de
maneira pioneira desenvolveu uma concepção anticapitalista e, portanto, socialista da
revolução.
Michael Löwy (9) fez um balanço semelhante em 1990: “Participei da fundação da
Polop movido pelo sentimento de que era necessário desenvolver uma política marxista
revolucionária no país, de que o PCB eo PSB eram incapazes. Havia um vazio. Era preciso
colocar a questão da revolução socialista. A Polop foi núcleo da esquerda revolucionária
brasileira que, mesmo com debilidades táticas, detém este mérito histórico indiscutível. Acho
que no fundo o PT é herdeiro do que foi a idéia-base da Polop: a independência do
85
movimento operário.” Samuel Warth (10), ex-militante da seção do Rio que ingressou a
organização na segunda metade da década de 70 e que integrou a organização até a extinção
formal da estrutura do grupo, faz um balanço igualmente próximo do lugar, função e papel
históricos da Polop: “Acho que de alguma maneira a Polop se preservou da desintegração
ideológica da esquerda. A Polop possibilitou aos quadros que nela se formaram a capacidade
de operar sempre análises de classes da realidade. É possível perceber isso, hoje, como uma
concepção viva no interior do movimento operário, que caminha no sentido de sua
independência. A concepção marxista da sociedade é uma herança da Polop que deve ser
preservada na luta contra o Estado burguês e o reformismo.”
3. Eric Sachs
Eric Czaczkes, ou Sachs, idealizador, fundador, liderança maior e autor das teses
fundamentais da Polop, nasceu em Viena em 1922, filho único de uma família judia originária
de Tchenowitz (fronteira da Áustria-Hungria com a Rúsia até 1919). Seu pai era membro da
social-democracia austríaca e sua mãe, Sina Ida Czaczkes, era russa e irmã de um militante do
Partido Bolchevique. Em 1934, em consequência do recrudescimento das perseguições aos
judeus na Áustria, Eric acompanha sua mãe em viagem para a União Soviética, onde passa a
estudar na Escola Karl Liebknecht, de Moscou freqüentada principalmente por filhos de
refugiados alemães. Com quatorze para quinze anos toma, então, contato pela primeira vez
com o marxismo. Em 1938, em função de sua ligação com militantes de oposição, é expulso
da URSS. De volta à Áustria com sua mãe, logo percebe a impossibilidade de lá permanecer,
dada a intensificação das perseguições aos judeus; foge do país a pé, passa pela Alemanha e
Bélgica e chega finalmente à França. Em Paris, procura Talheimer e Brandler, líderes da
Oposição Comunista Alemã (KPO) no exílio, tornando-se o mais jovem militante da
organização, através da qual desenvolve contatos e discussões com militantes de vários
partidos comunistas, inclusive o POUM (partido Operário de Unificação Marxista) espanhol.
Trabalha em uma Escola de Agricultura destinada a jovens refugiados judeus e, em 1939, com
o início da guerra, emigra com sua mãe para o Brasil, desembarcando em São Paulo no
mesmo ano. Trabalhando inicialmente como gráfico (litógrafo), participa da categoria em São
Paulo.
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Diz a introdução biográfica da coletânea “Qual a herança da Revolução Russa? E
outros textos” (11), que reúne alguns de seus trabalhos: “Érico chegava ao Brasil trazendo
uma tradição ideológica inteiramente diversa, e não por acaso: o Partido Comunista Alemão
fora, durante toda a década de vinte, o mais forte partido depois do russo, o único que
incorporava sólida trajetória teórica e prática, mantendo por isso reservas internas de
autonomia frente ao rolo compressor da luta de facções na Rússia. Pesava, nesse sentido, a
tradição aberta por Rosa Luxemburgo e outros. Cindindo-se do partido alemão oficial
somente quando a convivência tornara-se impossível – ao ser decretada a política ultra
esquerdista da guerra contra o ‘social-fascísmo’ –, a Oposição Alemã tornou-se um baluarte
sobrevivente da convicção de que a luta do proletariado de qualquer país não pode se
submeter ao modelo de alguma revolução vitoriosa. Érico trouxe para o Brasil o fio condutor
dessa tradição de independência: cada nova revolução é uma fonte de novas experiências, mas
não cabe acatar o stalinismo, o trotskismo (nem o maoísmo ou o castrismo) como métodos ou
sistemas.” (“Qual a herança...”, op. cit., pág.6.)
Ao lado do trabalho sindical junto aos gráficos, Eric participa da criação do GRAP, a
que já nos referimos, ao final de 1942. Em meados de 1945, o grupo funda a União
Democrática Socialista. “O Eric não entrou, ficou sapeando. Ele era leninista revolucionário
mesmo!”, conta Antônio Cândido em entrevista concedida a Eder Sader e Eugênio Bucci para
a revista “Teoria e Debate” (12), página 30, número 2, de março de 1988. Quando, ainda em
1945, a UDS decide entrar para a “Esquerda Democrática” (que em 1947 se transformaria
oficialmente no PSB), Antônio Cândido se afasta do grupo. Segundo seu relato na entrevista
citada: “Não me desliguei, veja bem. Apenas me afastei porque fui trabalhar com o Eric na
organização de um grupo de gráficos socialistas. Nós tiramos um jornalzinho chamado
Política Operária, e, pelo nome, já se vê a liderança. As reuniões eram aos domingos, quase
sempre na minha casa, ou na sede do Brás da Esquerda Democrática, que ficava vazia de
manhã. A finalidade era agitar o Sindicato dos Gráficos por meio do jornalzinho. Os
companheiros eram todos operários, salvo eu e um Assistente de Estatística da Faculdade,
Eduardo Alcântara.” (Doc. cit., pág. 30)
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publicação suspensa durante a guerra, o “Arbeiterpolitik” circula até década de 1990 na
Alemanha em edições bimestrais.
Como dissemos, não conseguimos levantar a data em que Eric Sachs se transferiu de
São Paulo para o Rio de Janeiro, mas já em 1949 surgem os primeiros dos longos artigos de
análise da situação internacional que passou a publicar no “Correio da Manhã”, editado na
então capital federal, colaboração que se estendeu até 1951. Também são escassas nossas
informações sobre suas atividades políticas e profissionais até a montagem do núcleo
fundador da Polop no Rio, sabendo-se apenas que trabalhou como tradutor na embaixada
alemã, revisor e artista gráfico em editoras do Rio. O certo é que, mesmo sem ser membro
efetivo do PSB, sempre esteve na periferia do partido em busca de espaço político; foi lá que
foi encontrado por Aluizio Leite Filho (cf. dep. cit.) quando este se apresentou para filiar-se à
Juventude Socialista.
Em setembro de 1969, Eric é preso pelo DOPS do Rio, que o submete a torturas em
uma de suas salas do segundo andar da sede da Rua da Relação, no Centro da cidade; dias
depois – utilizando-se da mesma corda usada pela VPR na desapropriação do “cofre do
Adhemar”, apreendida pelos policiais nas diligências e largada em uma cela do DOPS –,
consegue fugir de madrugada, abrigando-se na casa de uma simpatizante da organização. Um
mês depois, consegue asilo para o México, em cujo consulado no Rio ingressa disfarçado de
mulher. Viaja a seguir para o México e de lá ruma para a Alemanha, instalando-se em
Heidelberg, onde obtém uma vaga de professor de Língua Portuguesa no Departamento de
Línguas Estrangeiras da universidade local. Mantém durante todo o período contatos com a
organização no Brasil, quer através de correspondência, quer por meio de militantes enviados
pela Polop à Alemanha em quatro viagens realizadas no período. Em 1981, Eric Sachs volta
ao Brasil e logo a seguir ingressa no Partido dos Trabalhadores, mantida a militância na
Polop. Em 9 de maio de 1986, vítima do agravamento do diabetes que o afligia há anos,
morre em condições precárias de assistência no Rio de Janeiro, no Hospital do INPS de
Bonsucesso, onde fora internado com o auxílio de um ex-militante da organização (já então
extinta enquanto estrutura centralizada), o médico recém-formado Samuel Warth. Segundo o
depoimento de Warth: “Eric morreu como um trabalhador morre nas mãos da Previdência
Social.” (Dep. cit.,)
88
Em sua atividade de estruturação e ampliação da Polop, Eric Sachs, além do trabalho
de organização e produção teórico-política, fazia constantes viagens pelo país, intensificando
discussões, consolidando contatos. Um de seus hábitos era presentear livros. Maria do Carmo
Brito conta em seu depoimento que à época de sua aproximação com a Polop em 1962,
recebeu de Eric em uma de suas viagens a Minas os livros “Do fundo da noite”, de Jean
Valtin, a biografia de Marx de Franz Mehring e o “Lênin”, de Gerhard Walter. E não era um
hábito novo. Antônio Cândido, na entrevista citada, conta a respeito dos tempos do GRAP:
“...Eric Sachs, litógrafo austríaco que trabalhava numa livraria, vivera na Rússia, era marxista
estrito e nos iniciava em teóricos desconhecidos, como Talheimer e ... Brandler. ‘Leia isso
que é importante’, dizia. Foi também ele que me fez ler o livro terrível de Krivitski sobre os
horrores do stalinismo.” (“Teoria e Debate”, doc. cit., pág. 29.)
4. KPO
89
desde o princípio, herdeira e continuadora das tradições da Internacional Comunista da época
de Lênin, isto é, até o 4° Congresso. Rejeitou igualmente a política da fase posterior, a das
chamadas frentes populares, quando a Internacional vegetava em função e à mercê da política
externa da URSS. Também nesse campo podíamos apoiar-nos nos trabalhos anteriores de
Talheimer, que antes da Segunda Guerra já se empenhara pela libertação do movimento
comunista do domínio e da influência das facções do partido russo.” (Doc. cit., pág. 3.)
90
Relata Steinberg: “Os resultados do 15° Congresso do PCUS e o acordo entre os
soviéticos e a delegação alemã no Comitê Executivo da IC na conclusão da 9ª Plenária deste
órgão em fevereiro de 1928, que teve como conteúdo procedimentos contundentes contra a
‘direita’ do partido, conduziu a que do lado da ‘direita’ do partido adquirisse impulso a
tendência a se organizar freqüentemente como fração.” (Doc. cit., pág. 1.) Segundo cálculos
de Steinberg, o grupo contava com cerca de 3.500 militantes, com uma estrutura organizatória
centralizada semelhante à do próprio KPD. Sua distribuição geográfica pelo país abrangia a
Grande Turínga, Saxônica Oriental e Ocidental, Erzgebirge-Vogtland e Hessen-Frankfurt, que
agrupavam a maioria dos filiados e o Médio e o Baixo Reno e a região do Rhur. Pouco antes
de os nazistas chegarem ao poder, o jornal oficial da KPO “Arbeiterpolitik” (Política Operária
em português) publicou um apelo ao KPD no sentido da formação de uma frente única
antifacista; dois dias depois, Hitler era nomeado chanceler do Reich. A KPO, então, organiza-
se para a clandestinidade, com a direção decidindo formar um Comitê Exterior composto por
Talheimer, Brandler, “Leo” e outros militantes, instalado em março em Estrasburgo e se
transferindo a seguir para Paris.
É importante ressaltar que as posições defendidas pela KPO buscavam resgatar e fazer
presentes as formulações essenciais do marxismo-leninismo diante dos conflitos de classe,
sempre presente a manutenção da independência do proletariado; sua proposta da formação de
uma frente anti-nazista passava pela unificação do movimento operário enquanto uma força
de resistência direcionada para a instalação do socialismo e, no caso concreto, a partir de
bases socialistas política, organizatória e ideologicamente já consolidadas; isso, insistimos,
nada tem a ver com a propostas reformistas, que jogam o socialismo para as calendas. Em seu
texto: “Vinte anos da revolução de outubro” (14), em que a crítica a burocratização do Estado
soviético, Talheimer deixa bem clara sua visão estratégica da questão ao abordar a atuação
dos partidos de esquerda na guerra civil espanhola: “talvez o significado real do que está
acontecendo atualmente mostra-se mais claramente na atitude dos partidos num país onde a
revolução proletária toma a forma mais aguda da luta de classes, guerra civil e terror – a
Espanha. Lá vemos socialdemocratas de direita e republicanos burgueses em aliança com o
Partido Comunista. Por outro lado, vemos um partido marxista, o POUM, o qual, no interesse
de luta contra o facismo, luta pela revolução proletária, e por isso torna-se objeto de terror
governamental e do Partido. E também vemos uma massa de trabalhadores revolucionários
aderindo ao anarco-sindicalismo.” (Doc. cit., pág. 1.)
91
Vê-se, pela citação acima, com clareza, de que frente fala Talheimer: uma frente de
esquerda, cujo objetivo maior é o da unificação do movimento operário pela base. Sua
preocupação central, a de não permitir que bases operárias caíssem sobre a hegemonia
político-ideológica da burguesia ou da pequena burguesia. E não é exatamente isso que Lênin
propõe no “Que Fazer?” quando fala da necessidade do desenvolvimento do trabalho entre as
massas atrasadas? Esta é uma questão-chave para o entendimento da política de frentes do
marxismo-leninismo: em primeiro lugar se pergunta pelo conteúdo de classe do partido para,
a partir daí, verificar a especificidade de cada ponto em torno dos quais a frente deverá juntar
forças. Isso não tem nada a ver com as frentes com a burguesia – com os partidos da
burguesia, em busca de objetivos de curto e longo prazos de interesse da burguesia –
patrocinadas pelo reformismo. Por não entender isso é que o “esquerdismo” do VI Congresso
da IC não passou, de fato, de um conjunto – meio eclético, é verdade – de recomendações
fundadas na mesma ideologia idealista-reformista que iria desaguar nas “Frentes Populares”
receitadas pelo VII Congresso, de 1935, já que ambas as formulações desconsideram a
especificidade dos interesses imediatos e históricos da classe operária na montagem de suas
propostas.
92
nacional; concretamente, isso vai significar, conclui Nin, a sujeição da revolução espanhola
aos interesses do bloco anglo-francês apoiado pela própria URSS.
“1) Conviria dedicar atenção aos camponeses, que pesam bastante num país agrário
como a Espanha. Seria de desejar a promulgação de decretos de caráter agrário e fiscal que
satisfizessem os interesses dos camponeses. Também conviria atraí-los ao exército e formar na
retaguarda dos exércitos fascistas grupos de guerrilheiros integrados por camponeses. Os
decretos em favor destes poderiam facilitar a questão.”
Sem dúvida, um conselho ditado pela experiência; melhor que decretos de caráter
agrário e fiscal, a estatização da terra e sua ocupação pelo campesinato, primeiro decreto
assinado por Lênin, foi essencial para motivar o camponês russo a se organizar em tropas
guerrilheiras para o combate aos exércitos aliados – invasores e brancos –, o que, do ponto de
vista militar, garantiu a sobrevivência do jovem Estado soviético. Este conselho de Stalin
perde sua força, no entanto, o confronto com os outros três. Prossigamos na carta:
93
“2) Conviria atrair a média e a pequena burguesia urbana para o lado do governo ou,
em todo caso, dar-lhes a possibilidade de adotarem uma atitude de neutralidade favorável ao
governo, protegendo-os dos intentos confiscatórios e assegurando-lhes na medida do possível a
liberdade de comércio. Caso contrário, estes setores acompanharão o fascismo.”
Atente-se para isso. Stalin não fala em atrair para o governo as centrais sindicais
Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e União Geral do Trabalho (UGT), que abrigava,
em conjunto cerca de 4.000.000 de trabalhadores, que, com suas famílias, somavam mais dois
terços da população espanhola de então. Pelo contrário, o que viria fazer a Frente Popular,
com o ativo apoio do PCE, foi enxotar os membros daquelas centrais de todos os organismos
ligados ao Estado. Vamos ao terceiro conselho:
“3) Não se deve repelir os dirigentes dos partidos republicanos, mas, ao contrário, atrí-
los, aproximá-los e associá-los ao esforço comum do governo. É particularmente necessário
garantir o apoio de Azana e seu grupo para o governo, fazendo todo o possível para ajudá-los a
pôr termo as suas vacilações. Isto também é necessário para impedir que os inimigos da
Espanha vejam nela uma república comunista e prevenir assim uma intervenção declarada, que
constitui o mais grave perigo para a Espanha republicana.”
“4) Poder-se-ia encontrar a oportunidade para declarar na imprensa que o governo da Espanha não
tolerará que ninguém atente contra a propriedade e os legítimos interesses dos estrangeiros na Espanha, dos
cidadãos dos países que não apóiam os facciosos. (ass.) Stálin, Molotov e Vorochilov.”
São desnecessários maiores comentários, aqui, sobre esta carta-estratégia. Mas será
importante identificar de onde a transcrevemos e o contexto de sua citação. Ela está no livro
“Eurocomunismo e Estado” (16), de Santiago Carrillo, um dos papas do chamado
eurocomunismo, onde ele invoca o Stálin reformista na tentativa de sustentar e sistematizar o
seu próprio revisionismo. Vejamos a lição que Carrillo tirou da transcrição: “Embora certas
pessoas tenham visto esta concepção como uma tática conjuntural do Partido Soviético – e,
tendo em conta coisas sucedidas e que viemos a conhecer posteriormente, é possível que
tivessem razão –, o certo é que muitos de nós levamos completamente a sério a possibilidade
desta via, logo que foi corroborada, de modo mais ou menos aperfeiçoado, pelo XX
Congresso do PCUS, e que corresponde à nossa concepção da marcha para o socialismo com
democracia.” (“Eurocomunismo...”, op. cit., pág. 114).) Que Stálin tivesse em mente “apenas”
uma tática, deixemos por conta da especulação e das coisas sucedidas que Carrillo veio a
conhecer. O que o marxismo conhece é que a proposta estalinista defende uma estratégia
94
reformista, envolvendo fatores básicos, essenciais, qualitativos, da revolução, tais como a
base social da transformação revolucionária e os meios estruturais e fundamentais através dos
quais ela deve ser efetivada. De todo episódio, cabe ainda uma pergunta adicional: de onde o
PC do B teria tirado a informação de que o revisionismo reformista teria começado só com
Kruschev?
“É voz corrente – e não somente em escala nacional – que o atual reformismo não é
mais que um produto da nova orientação de Kruschiev. ‘No tempo de Stálin as coisas não
eram assim...’, ouve-se de boca pequena até entre os altos funcionários do Partido. Trata-se
evidentemente, de uma explicação mais que simplória. Nos tempos de Stálin, discussões em
torno dos problemas fundamentais do comunismo, como se estão dando agora, eram
desconhecidas. Os críticos foram taxados de ‘traidores’, ‘agentes nazistas’, ‘trotskistas’, etc., e
toda derrota sofrida pôde, desse modo, ser transformada monoliticamente em vitória a longo
prazo. Foi justamente na época de Stálin que se inaugurou no movimento comunista a política
de colaboração de classes. Foi justamente nos tempos áureos de Stálin, na crise revolucionária
do pós-guerra na Europa, que os dois maiores partidos comunistas do Ocidente, o francês e o
italiano, desempenharam o mesmo papel que os social-democratas tinham representado em
1918. Em vez de liderar as massas para a revolução, eles sufocaram. Líderes comunistas
entraram em governos burgueses (geralmente como ministros do Trabalho), ajudaram a
reconstituir sua economia em decomposição – e foram chutados depois de terem prestado seus
serviços como pacificadores de massas radicais. Foi justamente a incapacidade dos
comunistas, sob a liderança de Stálin, de dar ao capitalismo europeu o golpe de misericórdia
(os chineses fizeram sua revolução contra a vontade de Stálin) que provocou a atual crise no
movimento comunista internacional. Coube a Kruschiev herdar esta crise, assim como herdara
a política de ‘coexistência pacífica’ inaugurada por Stálin.” (Pág. 46).
95
Segundo relato de K. H. Tjaden, em seu “Estrutura e atuação da KPD-Opposition
(KPO)” (17), os quadros remanescentes da organização e os que voltaram da emigração se
organizam na Alemanha do pós-guerra em torno da orientação política de Talheimer e
Brandler que, a partir do início de 1946 passaram a manter de seu exílio em Cuba, contatos
sistemáticos com os companheiros da Alemanha através de um emissário dinamarquês; desde
o final de 1946 eles enviam de lá o conjunto de análises e orientações que ficou conhecido
como “Cartas de Perto e de Longe”. Talheimer morre em setembro de 1948 em Cuba; no ano
seguinte, Brandler retorna à Alemanha. Na zona de Ocupação Ocidental (ZOO), as condições
de trabalho não diferiam muito daquelas da República de Weimar, segundo análise de Tjaden.
Na Zona de Ocupação Siviética (ZOS), o grupo se depara com duas alternativas, “...dois
caminhos possíveis: o primeiro, o mais rápido desenvolvimento da ação autônoma e da
capacidade de defesa da classe operária no país ocupado e, depois, a desocupação. O segundo
é o inverso: a alternativa de o domínio estrangeiro no país torna-se cada vez mais completo e
duradouro, com tudo o que isso significa. Essa segunda via poderia terminar apenas com uma
catástrofe para o país conquistado e um enfraquecimento contínuo, longo e profundo do
socialismo e do comunismo”, conforme formulara Talheimer em “Princípios e Fundamentos
da política Internacional após a 2ª Guerra Mundial”. (Trecho transcrito por Tjaden, op. cit.)
96
tomavam corpo divergências internas de natureza tática e, principalmente, na avaliação do
papel da URSS na Hungria, contra a posição de Brandler que argumentava ser a rebelião
húngara de natureza contra-revolucionária. O episódio acabou motivando a saída de Brandler
não só da redação da revista, como da direção do grupo, que, então, praticamente se
desestrutura.
97
Ao contrário de vários partidários exilados na URSS, impedidos de voltar a seu país
em razão do recrudescimento da luta contra a “direita” no interior do KPD, Talheimer recebe
autorização para retornar à Alemanha, “em caráter privado”, em meados de 1928. De volta,
lidera com Brandler a criação da KPO, no final do mesmo ano, permanecendo na direção do
grupo no país até a partida para o exílio na França. Em 1936, viaja à Espanha para aprofundar
discussões com o POUM. Em 1940, com as tropas nazistas apertando o certo sobre a França,
August Talheimer parte para o exílio em Cuba, ao lado de Brandler, que escreveu após a
morte do companheiro de lutas: “A memória de Augusto se tornará viva na medida em que o
nosso movimento se imponha e se fortaleça. Isso não é fácil, mas será alcançado porque
apenas alicerçado neste trabalho nosso movimento pode se fortalecer.” (In “Struktur...”, doc.
cit., pág. 11.)
Notas
98
2. Depoimento de Aluizio Leite Filho ao autor
3. Revista “Movimento Socialista” – rio, 1959 arq. Púb. Est. RJ – CMMS –
Niterói/RJ
4. Löwy, Michael – La teoría de la revolución en el joven Marx. México, 1972, Siglo
XXI
5. Depoimento de Vânia Bambirra ao autor
6. Depoimento de Maria do Carmo Brito ao autor
7. Depoimento de Ruy Mauro Marini ao autor
8. Depoimento de Emir Sader ao autor
9. Depoimento de Michael Löwy ao autor
10. Depoimento de Samuel Warth ao autor
11. Sachs, Eric – Qual a herança da Revolução Russa? E outros Textos. Salvador,
1988, Ed. Praxis
12. Revista “Teoria e Debate” 2 – S. Paulo, março/1988
13. Steinberg, Has-Josef – Resistência e Perseguição em Essen – Relato da fundação
da KPD-Oposição (KPO). Hannover, 1969, tradução Sérgio Paiva, Arquivo
Ernesto Martins 1
14. Talheimer, August – vinte anos da Revolução de Outubro, In “The New Leader”.
Londres, 5/11/37, trad. Sérgio Paiva, Arquivo Ernesto Martins 1
15. Nin, Andrés – O caráter da revolução espanhola, in “A guerra civil na Espanha”.
Rio, 1969, Ed. Laemmert
16. Carillo, Santiago – Eurocomunismo e Estado. São Paulo, 1978, Difel
17. Tjaden, K. H. – Struktur und funktion der KPD-Opposition. Erlangen,
Buchkanlung un Verlag Politladen, 1970 (1964), tradução Sérgio Paiva
99
VI – ESTRUTURAÇÃO DE UM IDEÁRIO
1. O I Congresso
100
(Argentina), representantes do PORT e da LSI, além de Andrew Gunder Frank, economista
norte-americano identificado com o grupo de Paul Sweezy. (cf. depoimentos de Aluizio Leite
Filho e Michael Löwy.) A maioria dos delegados era de estudantes universitários, incluindo
ainda professores e jornalistas, além do operário Otavino de Oliveira, marceneiro de Minas,
que viria a integrar a primeira direção nacional. Segundo afirmação de Eder Sader no seu
“Para um balanço da PO” (doc. cit.), havia um predomínio nítido de intelectuais na
organização, “embora desde o começo a presença de alguns grupos de operários permitisse
algum tipo de atividade regular na classe”. (Pág. 8.) Não conseguimos obter nenhum
documento do tipo declaração política produzido pelo I Congresso. Mas a “Convocatória para
o 1° Congresso da Polop” (1) sintetiza os pontos que fixaram a coesão da organização.
Mas o surgimento deste partido, capaz de alterar todo o panorama presente e futuro
das lutas de classes no país, não será conseqüência apenas da vontade dos revolucionários,
pondera o documento. Além da necessidade da incorporação e desenvolvimento da teoria
marxista, será imprescindível a presença no partido de quadros políticos operários, ao lado de
estudantes e intelectuais, na elaboração de suas propostas. Diz o texto: “Um partido desse
gênero requer uma base material para sua existência. Requer que os grupos de revolucionários
se liguem ao movimento operário existente e que este movimento amadureça o bastante para
fornecer os necessários quadros políticos a um partido.” (Pág. 2.) Temos aí uma síntese da
101
concepção marxista-leninista de um partido revolucionário operário, tal como lançada por
Marx e Engels (Manifesto, Mensagem do Comitê Central, Crítica ao Programa de Gotha) e
desenvolvida por Lênin no Que Fazer?, em que a relação entre a teoria e a prática, entre a
idéia e o movimento vivo, mais que mero jogo verbal, são constituintes orgânicas deste
partido. Por isso, insiste o documento, o partido não poderá ser resultado senão do processo
de desenvolvimento das lutas de classe, vista a intervenção da vanguarda revolucionária como
elemento deste processo.
102
ligada à produção, já representaria uma força material no cenário político do país e estaria em
condições de passar, em certos setores, da propaganda à ação revolucionária.” (Pág. 6.)
Mas mesmo a criação deste partido de quadros, a Polop não se julgava em condições
de vir e fazê-lo sozinha. (Pelo cálculo de alguns quadros que participaram da fundação, o
grupo deveria contar à época com cerca de cem militantes na concepção leninista do termo,
sem contar simpatizantes e áreas de influência. Às vésperas do golpe, seu jornal “Política
Operária” chegou a alcançar a tiragem de 10.000 exemplares, com cerca da metade vendida
em bancas.) Daí, a conclusão de que o conteúdo geral do trabalho do grupo era então de
propaganda entendida não como mera divulgação teórica dos clássicos, em salas fechadas,
mas política, referente ao movimento vivo, interpretando os acontecimentos e procurando
influir neles com a divulgação de propostas e palavras-de-ordem de natureza prática. Como
saldo geral da atuação do grupo até aquele momento, afirma a “Convocatória”: “A nossa
importância para o futuro do movimento é justamente o fato de termos levantado a bandeira
da política operária, oposta a todas as formas da política burguesa. Pelo que temos conseguido
nesse sentido, com nossos recursos precários, vemos que não fomos muito mal. Surgidos por
último, entre os pequenos grupos, tornamo-nos o mais numeroso e com a melhor
representação nacional. Esse auto-elogio não é para enganarmos a nós mesmos. O fato de
termos passado outros grupos mais antigos e mais pretensiosos foi possível em virtude da
fraqueza deles e não é ainda um sinal da nossa invulnerabilidade.” (Págs. 7 e 8.)
103
Como vemos, garantido um lugar privilegiado para a prática e a experiência no
trabalho de elaboração teórica. (O “Programa Socialista para o Brasil” vira a ser aprovado no
IV Congresso da Polop, em setembro de 1967.)
104
“Não devemos perder de vista que a luta pela ER e pelo partido operário, que
atualmente ainda é travada sob a forma de luta ideológica, principalmente, não abrange
mais que uma parcela da esquerda e atinge uma parte menor ainda do nosso
proletariado. Para despertar a classe para a ação revolucionária é necessário mais. É
preciso o exemplo da luta aberta contra a ditadura e contra o regime. Uma das formas de
ação que se impõe em nosso país e que conforme as circunstâncias pode se tornar
predominante é a luta de guerrilhas. Depois do golpe militar e o esgotamento das
possibilidades de atuação política por parte do proletariado e dos seus aliados no campo,
a guerrilha, quando enquadrada numa estratégia geral da luta revolucionária, torna-se
catalisadora da clop e o instrumento prático da aliança operário-camponesa no país. A
experiência da luta guerrilheira, que podemos colher nos últimos anos, mesmo na AL,
mostra que ela por si só não faz milagre – como freqüentemente se está inclinando a
acreditar. Temos a experiência da Colômbia, onde a luta de guerrilha perdura já mais de
20 anos sem que se conseguisse estabelecer ações comuns com o MO da cidade. Temos de
outro lado a experiência da Venezuela, onde a guerrilha ficou por muito tempo isolado do
movimento camponês e à mercê de alianças e coligações, freqüentemente duvidosas, da
cidade. Sem poder entrar aqui numa análise mais extensa, temos de ressaltar que a
guerrilha preencherá os requisitos de nossa luta sob as condições de: a) garantir sua
sobrevivência militar, e isso supõe que b) vá ao encontros das aspirações imediatas dos
camponeses que terá que mobilizar, direta e indiretamente; mas sua função em escala
nacional só se preencherá se c) se identificar politicamente com o movimento proletário
das cidades, cujo despertar é indispensável para o processo revolucionário. A guerrilha
tem uma função eminentemente política: a de conquistar, mediante a ação
revolucionária, a autoridade de liderança das massas exploradas do país.” (Doc. cit., pág.
2, grifos nossos.)
O primeiro diz respeito à questão geral da “luta contra a ditadura”, em torno da qual
toda a esquerda disparou um arsenal de críticas à Polop durante toda a vigência do regime
militar, acusando-a de “doutrinarista” por ter ela recusado engajar-se em um tipo de luta
hegemonizado pelo liberalismo. A divergência esteve inclusive na base dos argumentos
alinhados por uma fração originária da Polop, a “Fração Bolchevique”, criada em 1971, que
adotou em 1974 a denominação “Movimento pela Emancipação do Proletariado” (MEP),
mantendo o “Programa Socialista para o Brasil”. Este grupo veio a obter significativa
presença em algumas áreas do disperso movimento operário na segunda metade da década de
70 que antecedeu as grandes mobilizações do ABC paulista do final de 1977 em diante. A
esquerda acusava então, a Polop de “não fazer política”. Já tratamos desta questão quando
abordamos a polêmica travada nas páginas de “O Metropolitano”, especificamente em
referência a um artigo do nacionalista Humberto Jansen, quando lembramos que já na década
de 40 do século passado os neohegelianos criticavam os comunistas tachando-os de
“apolíticos”. Trata-se agora, de uma questão semelhante. Pela tese, observa-se que a Polop só
concebia a “luta contra a ditadura” se efetivada sob o ângulo da luta de classe, ou seja, sob a
105
hegemonia do proletariado e seus interesses, e jamais, como na realidade veio a transcorrer,
sob a hegemonia da burguesia e seu ideário institucional-democrático. Aí por volta de 1977,
quando a burguesia já agradecia aos militantes pelos serviços prestados, um militante que se
desligara da organização em função da divergência argumentou que era preciso “tomar a
bandeira da democracia das mãos da burguesia”, ao que a Polop contestou afirmando que
“não eram a esquerda e o proletariado que deveriam tirar as castanhas quentes da panela para
a burguesia”.
106
2. Um Brasil capitalista
107
dada a universalidade da ciência, vedadas quaisquer possibilidades de sucesso a físicos
brasileiros – segue o raciocínio comparativo – na tentativa de instalar fontes de energia
atômica no país se partissem das noções da física pré-nuclear. Talvez seja necessário ressaltar,
aqui, que em nenhuma das teses e propostas da Polop por nós estudadas encontramos algo
sequer próximo da adoção de idéias de alguma forma ligadas ao positivismo.
Em 1967 – antes, pois, do chamado “milagre” em que o país experimentou uma vaga
de crescimento econômico através do aprofundamento do modelo anterior e da composição
das classes dominantes que o sustentava e sustenta -, o “Programa Socialista para o Brasil”
sintetizava a visão geral da formação social do país: “O Brasil é hoje um país capitalista
industrial, cujo desenvolvimento encontra-se bloqueado. O desenvolvimento econômico
experimentado nas últimas décadas dotou-o de um parque industrial moderno que, juntamente
com o comércio e os transportes, participa com cerca de 50% da produção global, contra
apenas 26% da produção agropastoril. No campo, acelerou-se a penetração das relações
capitalistas. O modo de produção capitalista, que marca a economia brasileira, é a base em
que se sustenta a dominação: burguesia industrial, comercial, agrária e financeira.” (In
“Imagens...”, op. cit., pág. 97.) A crítica à visão reformista nacionalista de um antagonismo
entre a burguesia industrial e agrária, que, como se viu, não empolgava apenas o PCB, foi
formulada pela Polop a partir do conceito de complementaridade, que, remontando aos traços
essenciais da industrialização do país, vai identificar o surgimento do capital industrial através
da acumulação feita pelo latifúndio exportador em proporções que, mesmo variáveis no seu
processo de evolução, não eliminam o caráter complementar dos dois segmentos.
108
nunca as suas conclusões acerca das fases históricas percorridas por aqueles países e
povos.” (Op. cit., pág. 32.) Embora, como veremos adiante, não se possa concordar com que
Marx e os demais clássicos do marxismo não teriam se detido em abordar o desenvolvimento
de povos e nações fora do continente europeu e, muito menos, que o marxismo não tenha uma
concepção sistêmica da dinâmica do imperialismo a nível mundial, é indiscutível a afirmação
de Caio Prado de que jamais o marxismo se guiou por generalizações abstratas, estando
igualmente à margem do continente metodológico do marxismo a visão de um
desenvolvimento etapista da história.
109
idade, Caio Prado Júnior publica seu primeiro livro, “Evolução Política do Brasil – Ensaio de
interpretação materialista da História do Brasil”, no qual já enfatizava a inexistência do
feudalismo no país, o que lhe valeu, não sem alguma polêmica, o título de precursor da
interpretação marxista do processo histórico brasileiro. Suas posições sobre o caráter da
sociedade sempre se opuseram às orientações oficiais do PCB; em 1947, no debate
preparatório ao IV Congresso do PCB (que acabaria adiado com a decretação da ilegalidade
do partido), voltou a questionar de frente as teses oficiais sobre a questão agrária, reafirmando
a inexistência do feudalismo e criticando como ultrapassada a proposta de reforma agrária
contida na tese da direção. Foi nesta condição, uma espécie de quadro-contestador, que Caio
Prado vai fundar e dirigir, ao lado do primo Elias Chaves Neto (também do PCB), a “Revista
Brasiliense”, publicada pela editora do mesmo nome de propriedade da família e que circulou
de 1955 a 1964. Uma publicação de membros do PCB mas não uma revista do PCB, na
avaliação de Limongi, a “Revista Brasiliense” chegou a publicar textos que contrariaram o
reformismo nacionalista que dominava sua linha editorial; o primeiro deles, de autoria de
Michael Löwy, foi publicado no n° 31, de setembro/outubro de 1960, devidamente
acompanhado por nota explicativa de Chaves Neto que “as conclusões do presente artigo não
se enquadram na orientação da revista, que é nacionalista, conforme foi firmado em seu
manifesto de constituição”. (In Limongi, art. Cit., doc. cit., pág. 41.) Caio Prado Júnior, vai
observar Limongi adiante em seu texto, mantém-se fiel à proposta geral reformista apesar das
críticas que faz.
Encontramos os termos mais explícitos desde reformismo não oficial de Caio Prado
em “A Revolução Brasileira”, de 1967, a obra síntese de seu pensamento; abordá-los aqui é
importante, na identificação, por contraposição, da especificidade das idéias da Polop.
Partindo do pressuposto de que a crise econômico-social por que passava o país podia ser
resumida no círculo vicioso da falta de produção/falta de consumo – “Em suma, não temos
produção porque não temos consumo, e não temos consumo porque não dispomos de um
nível adequado de atividades produtivas.” (Pág. 158) – ele vai falar adiante da necessidade de
o Estado tomar nas mãos o processo de desenvolvimento e conter os “naturais impulsos”
(pág. 161) da iniciativa privada. Discutiremos adiante a polêmica em torno do par circulação
x produção na dinâmica do capitalismo, mas é certo, desde já, que o simplismo com que Caio
Prado coloca o problema incapacita sua tese sequer de ser considerada no interior da polêmica
maior acima referida. E é este simplismo que vai informar as conclusões e propostas
anunciadas adiante pelo autor, aproximando-o do nacional-desenvolvimentismo das teses
110
cepalinas, que, igualmente, encontram suas raízes na metodologia utilizada pelo reformismo
oficial. Diz ele:
Cabe ressaltar, de início, não se tratar de mera coincidência qualquer semelhança com
o programa explicitado pelo Partido dos trabalhadores em sua “Carta aos Brasileiros”, de
2002, com que acalmou a burguesia e ganhou seu apoio decisivo para vitória de Lula naquele
ano. Destaque-se que falamos aqui apenas em semelhança, já que a proposta e a ação petistas
se desenvolveram e se desenvolvem no interior da opção estratégica neoliberal do
capitalismo, o que levou e continua levando o PT e aliados a adotar uma espécie de social-
liberalismo, em que os ganhos salariais estruturantes do modelo socialdemocrata é substituído
pelas chamadas políticas compensatórias estatais, que, no final das contas, poderia também
ser legitimamente chamadas de políticas de esmolas.
De todo modo, a proposta de Caio Prado é a de superar a crise capitalista através do
...capitalismo, através da adoção de um modelo social-democrata que, por configuração
histórica e estruturação social, funcionou nos países centrais, que, como já notara Engels,
poderiam distribuir entre seus trabalhadores parte da mais-valia extorquida além-mar. Pela
proposta, o autor perde de vista uma de suas considerações básicas de que os processos
vividos pelos países centrais não se repetem historicamente nos países periféricos; o
desenvolvimento “integrado”, “harmônico”, de uns é subdesenvolvimento social de outros.
De fato, Caio Prado está abrindo mão de toda uma metodologia utilizada na caracterização da
formação social brasileira, incorporando na prática a tese da importação de modelos, idealista
na raiz de seu método, dando as costas para a concreticidade histórica e, por extensão, das
lutas de classe. É o que fica claro logo a seguir: “Não se pretende com isso eliminar a
iniciativa privada, e sim unicamente a livre iniciativa privada que, esta sim, não se harmoniza
com os interesses gerais e fundamentais do país e da grande maioria de sua população, por
não lhe assegurar suficiente perspectiva de progresso e melhoria de condições de vida.” (Pág.
111
165, grifo original.) O autor, como se vê, estabelece uma infundada diferença conceitual entre
iniciativa privada e livre iniciativa, no interior da estratégia de sua proposta de um estado de
bem-estar social. O socialismo fala em estatização dos meios de produção, como ele
reconhece a seguir: “A eliminação da iniciativa privada somente é possível com a implantação
do socialismo, o que na situação presente é desde logo algo irrealizável no Brasil por faltarem,
se outros motivos não houvesse, condições mínimas de consistência e estruturação
econômica, social, política e mesmo simplesmente administrativa, suficientes para
transformação daquele vulto e alcance.” (Pág. 165.)
112
trabalhadora apenas momentaneamente e como sinal prenunciador de uma crise.” (“O
Capital”, op. cit., livro 2, volume III, pág.439.)
113
está-se falando em modo de produção dominante, restando para o conceito de formação social
dar conta da concreticidade da realidade sócio-econômica estudada. Em “A questão agrária e
o capitalismo” (5), Samir Amin e Kostas Vergopoulos afirmam distinguir “as formações
capitalistas das pré-capitalistas no sentido em que a lei fundamental do modo capitalista
acarreta uma tendência do mesmo a desintegrar as outras e fazê-las desaparecer, o que não
ocorre nas formações pré-capitalistas.” (Op. cit., pág. 12.) Este conceito de dominação-
transformação faz parte do acervo marxista de análise da sociedade capitalista desde as
primeiras sistematizações contidas na “Ideologia Alemã, onde Marx e Engels dão como
característica própria do capitalismo, individualizadora do sistema, a propriedade de sua
dinâmica transformar a história em “História Universal”, o que vai significar, nas palavras de
Amin e Vergopoulos, “que nas formações capitalistas, os modos dominados – e por isso eles
subsistem – são profundamente alterados, transformados, desfigurados, às vezes esvaziados
de seu conteúdo.” (Op. cit., pág. 13.)
Segundo informação de Ruy Mauro Marini e Aloísio Leite Filho (depoimentos cits.),
Gunder Frank, na qualidade de pesquisador acadêmico no Brasil, manteve desde a fundação
da Polop contato regular com a organização até o golpe de 64, devendo parte de suas
concepções a este contato. No se pode dizer, é importante ressalvar, que há identidade
absoluta entre suas teses e conclusões gerais – principalmente no que diz respeito à análise
dos estágios de desenvolvimento econômico do país em suas relações com o capital externo –
com as concepções da organização. Especificamente, sua visão de um Brasil e uma AL como
pouco mais que entrepostos comerciais do capitalismo (primeiro mercantilista, depois
industrial e posteriormente financeiro) indicam um certo estruturalismo a-histórico, simplista,
114
portanto, não compartilhado pelas teses da Polop, conforme veremos adiante na discussão da
Teoria da Dependência. Apesar disso, Gunder Frank deu uma contribuição importante à tarefa
geral de compreensão da realidade brasileira e latino-americana com sua crítica rigorosa e
bem fundamentada ao desenvolvimentismo cepalino, especialmente à tal teoria dualista;
segundo afirma no ensaio acima, a interpretação da existência no Brasil e no continente
latino-americano de uma “sociedade dualista” tem seus primórdios no livro de Jacques
Lambert “Os dois Brasis”, do qual é transcrita uma passagem que diz viverem os brasileiros
divididos em dois sistemas sócio-econômicos. No transcorrer do seu trabalho, Frank vai
identificar nestes pressupostos os suportes da teoria geral do reformismo desenvolvimentista.
115
tendência do capital industrial em anexar regiões agrárias, contra sua (de Lênin) posição de
que se trata de um modo de ser do capitalismo, Lênin explicita o que considera essencial na
caracterização do imperialismo: “O que é característico do imperialismo não é o capital
industrial, mas o capital financeiro. ...O que é característico do imperialismo é precisamente
a tendência para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais
industriais...”. (In “Obras...”, op. cit., pág. 643.)
Mais adiante, Marx vai enfatizar a função do sistema colonial enquanto elemento
integrante do capitalismo, inclusive enquanto mercado: “O sistema colonial fez prosperar o
comércio e a navegação. As sociedades dotadas de monopólio, de que já falava Lutero, eram
poderosas alavancas de concentração de capital. As colônias asseguravam mercado às
manufaturas em expansão e, graças ao monopólio, uma acumulação acelerada. As riquezas
apresadas fora da Europa pela pilhagem, escravização e massacre refluíam para a metrópole
onde se transformavam em capital.” (“O Capital”, op. cit., pág. 871.) No capítulo XXV do
mesmo Livro 1, onde discute a “Teoria Moderna da Colonização”, após uma análise detalhada
do que chama de “verdadeiras colônias, terras virgens, colonizadas por imigrantes livres”,
Marx vai sintetizar sua avaliação da dinâmica capitalista enquanto tendência de
universalização do trabalho assalariado. Conclui ele assim o capítulo: “Mas não estamos
tratando aqui de examinar a situação das colônias. Interessa-nos apenas o segredo que a
economia política do Velho Mundo descobriu no Novo e proclamou bem alto: o modo
capitalista de produção e de acumulação e, portanto a propriedade privada capitalista exige,
como condição essencial, o aniquilamento da propriedade privada baseada no trabalho
116
próprio, isto é a expropriação do trabalhador.” (Pág. 894.) Este traço essencial do
capitalismo, o de universalizar as relações de produção, Marx já o identificara desde a década
de 1840. Pode-se ler no “Manifesto” (“Textos III”, op. cit., pág. 24.).
3. Teoria da Dependência
Mais que uma inversão, podemos acrescentar, a desconsideração da tese axial de Marx
a respeito do processo de produção de idéias, deixado de lado o conceito de filosofia da praxis
e conduzindo a reflexão para o perigoso “caminho que leva a teoria ao misticismo”. Segundo
Anderson, “Na ausência de um polo de atração criado por um movimento revolucionário de
classe, a tendência de toda a tradição voltou-se progressivamente para a cultura burguesa. A
relação original entre a teoria marxista e a prática revolucionária foi sutil mas firmemente
substituída por uma nova relação entre a teoria marxista e a teoria burguesa.” (Pág. 74.)
Anderson abre uma exceção para as reflexões de Trotsky e produções de intelectuais ligados
ao trotsquismo, que, de toda maneira, se referenciaram no movimento dos trabalhadores.
117
Mesmo assim, critica a tese mecanicista da “revolução permanente” – conceito-chave de
Trotsky e do trotsquismo. O livro (“Considerações ...”) é de 1976, com o autor identificando
uma “mudança de clima” (pág. 132) a partir do final da década de 60, quando teria sido aberto
um período de transição para uma possível retomada do marxismo no interior de uma
conjuntura de reanimação revolucionária das lutas de classe.
No “Balanço EM-81” (doc. cit.), Eric Sachs fala que entre as tarefas com que se
defrontava a Polop nos tempos de sua estruturação estava a de operar uma “análise do
imperialismo, que desde os tempos de Lênin e Luxemburgo não tinha parado de crescer e
adquirido traços novos.” (doc. cit., pág. 2) E foi na investigação desta realidade,
especialmente no que se refere às relações entre o centro e a periferia do sistema capitalista,
com destaque para o Brasil e a América Latina, que a Polop desenvolveu um conjunto de
teses que posteriormente seriam grupadas sobre a denominação da Teoria da Dependência. É
certo que a Teoria da Dependência, enquanto formulação global, não foi adotada formalmente
pela organização, chegando mesmo a se constituir em polêmica interna do grupo no final da
década de 70; é certo, contudo, que os conceitos fundamentais da teoria (dependência, arrocho
estrutural, superexploração e pauperização progressiva das massas) integraram as posições
básicas da organização – que, inclusive, propagandeou de forma sistemática textos e ensaios
integrantes do acervo da teoria, como “Dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil” e
“Contradições e conflitos do Brasil contemporâneo”, ambos de Ruy Mauro Marini e
publicados, o primeiro na revista da UME, em 1965, e o segundo editado pela própria
118
organização em 1971 através da “Editorial Vesper”; mais que isso, como veremos, tais
conceitos encontram suas raízes na própria ortodoxia marxista-leninista.
“O capital financeiro das metrópoles imperialistas conseguiu, desse modo, aumentar seus lucros
juntando a exploração de seus próprios operários à acumulação da mais-valia produzida pelos
trabalhadores dos países coloniais e semicoloniais.” (Pág. 91.)
“As empresas estrangeiras vieram explorar seus lucros, aqui mais gordos que em seus países de
origem, principalmente pela maior exploração dos trabalhadores.” (Pág. 100.)
119
“Por outro lado, a monopolização sofrida pela economia nacional acentua todas as contradições
do capitalismo. A introdução no país de técnicas mais avançadas aumenta de muito a desproporção entre
a capacidade produtiva do monopólio e a capacidade aquisitiva do povo. Ao mesmo tempo em que a
produção capitalista destrói as condições de sobrevivência dos pequenos produtores autônomos, jogando
milhares de seres humanos no mercado de trabalho, o avanço técnico limita as possibilidades de emprego
destas populações que, em boa parte, vão se constituir nos aglomerados miseráveis das favelas e
mocambos. E é ainda essa concentração das empresas e progresso técnico, com o respectivo aumento do
“exército industrial de reserva”, que deprime os salários ao mais baixo nível.” (Pág. 101.)
“Quando o imperialismo tomou conta das regiões mais atrasadas do globo e as integrou no mundo
capitalista na qualidade de regiões dependentes, ao mesmo tempo cortou suas possibilidades de repetir o
processo de desenvolvimento trilhado pelas nações capitalistas avançadas.” (Pág. 103.)
120
dependência e sua liquidação, conclui, “supõe necessariamente a supressão das relações de
produção que ela envolve.” (“Dialética...”, op. cit., pág. 18, trad. nossa.) O conceito, assim,
vem substanciado pela determinação de que a dependência é uma relação centro-periferia
própria do capitalismo industrial e financeiro e, igualmente importante, só podendo ser
superada com a superação das relações de produção que a configuram e originam. É preciso
deixar clara, aqui, a diferença da tese acima das formulações de Gunder Frank, já que críticas
apressadas e superficiais insistem em identificar os dois posicionamentos. O conceito de
superexploração vai ser desenvolvido a seguir por Ruy Mauro após uma referência crítica ao
conceito de intercâmbio desigual que, conforme expõe, apenas reflete diferentes taxas de
exploração da força de trabalho. Adiante, depois de assinalar historicamente o caráter
complementar do desenvolvimento das economias dependentes, destacando o fato de que sua
inserção no sistema mundial ocorrera no interior de um estágio mais avançado de
desenvolvimento das forças produtivas nos centros capitalistas, o autor situa o eixo em torno
do qual gira o mecanismo da dependência:
“Porém este processo estava marcado por uma profunda contradição: chamada a
coadjuvar a acumulação de capital com base na capacidade produtiva do trabalho nos
países centrais, a América Latina teve que fazê-lo mediante uma acumulação baseada na
superexploraçao do trabalhador. Nesta contradição está a essência da dependência latino-
americana.” (“Dialética...”, pág. 49.)
121
mais-valia extorquida em condições de superexploração através de seus investimentos diretos
ou indiretos nos países dependentes. Entre o que denomina de leis próprias da economia
dependente, Marini alinha: superexploraçãodo trabalho, a monopolização em favor da
indústria de bens de consumo suntuário e a integração dos sistemas de produção, e não uma
mera internacionalização do mercado interno como querem alguns, ressalta o autor.
Munidos, pois, destes conceitos, os países centrais, através da ONU, vão espalhar
“cepais” pela África, Ásia, Europa e América Latina. Aqui, dada a existência de um processo
de industrialização mais adiantado que em outras regiões periféricas, não se podendo falar,
portanto, em países recém-saídos da situação de colônias, as burguesias autóctones tinhas suas
reivindicações a fazer; daí, o desenvolvimentismo da Cepal haver assumido ares
122
reivindicativos, principalmente em relação aos termos do intercâmbio comercial com os
países de centro, sem, contudo, perder a característica central da teoria sintetizadas nos três
pontos acima. Com as dificuldades crescentes na obtenção de divisas para financiar a
industrialização, fenômeno aguçado na virada dos anos 50 para os 60, surge na Cepal uma
tendência propondo a ampliação dos mercados internos através de reformas, principalmente a
agrária, e um maior alívio frente aos compromissos financeiros internacionais, como redução
de juros da dívida externa e a regulamentação da remessa de lucros pelas empresas e
investimentos estrangeiros nos países da região.
123
estruturalmente interdependentes, sendo uma contrapartida da outra, sendo o
subdesenvolvimento uma condição tipificadora do desenvolvimento periférico: quanto mais
desenvolvimento capitalista, mais dependência, só podendo esta ser superada fora dos marcos
do capitalismo, ou seja, no socialismo. A segunda consideração é a de que o imperialismo não
é uma realidade externa às economias dependentes, mas parte constitutiva das mesmas, o que
vai implicar a identidade da luta antiimperialista e socialista; o terceiro ponto vai estabelecer
que a dependência não pode ser conceituada, nem principalmente nem fundamentalmente, no
campo das relações mercantis, como queria a Cepal, mas no do movimento de capitais através
das inversões diretas, empréstimos, financiamentos, ampliando-se o conceito à dependência
tecnológica e cultural.
124
Em Trabalho assalariado e capital (13) – conjunto de conferências pronunciadas por
Marx em dezembro de 1847 e publicadas em série na “Nova Gazeta Renana” em abril de
1849 – Marx já delineava os traços gerais da sua teoria econômica, detendo-se
especificamente nas relações entre o capital e o trabalho. O pronunciamento, como ele
anuncia no início, é uma resposta a críticas de que suas análises das lutas de classes no
estavam embasadas em análises das relações econômicas em que se sustentavam tais lutas.
Marx centra sua argumentação na demonstração de que, ao contrário do que afirmavam os
economistas burgueses, o desenvolvimento das forças produtivas não implicava melhoria de
vida dos assalariados, mas, pelo contrário, se constituía em fator histórico e progressivo de
compreensão dos salários. É esta sua conclusão geral: “Em resumo: quanto mais aumenta o
capital produtivo, tanto mais se estendem a divisão do trabalho e o emprego da máquina,
quanto mais a divisão do trabalho e o emprego do maquinismo aumentam, mais a
concorrência entre operários cresce e mais se contrai seu salário.” (In “Textos III”, op. cit.,
pág. 81.) Mais tarde, em “O Capital”, Marx vai aprofundar este conceito – fundamental em
toda sua obra – através da identificação da tendência da queda da taxa de lucro e das
condições concretas da acumulação ampliada. No Livro 1 de “O Capital”, onde estuda os
termos ideais do processo de produção capitalista, fica claro não ser estranha ao seu
conceituário geral a idéia da sub-remuneração da força de trabalho:
“Ao prolongar-se a jornada de trabalho, o preço da força de trabalho pode cair abaixo
de seu valor, embora permaneça nominalmente inalterado ou mesmo se eleve. O valor diário da
força de trabalho é calculado, conforme já vimos, pela duração média normal dessa força,ou
seja, pela duração normal da vida do trabalhador, e pela correspondente transformação normal
de substância vital em movimento, de conformidade com a natureza humana. Até certo ponto,
o desgaste da força de trabalho inseparável do prolongamento da jornada de trabalho pode ser
compensado com maior salário. Além desse ponto, o desgaste aumenta em processo
geométrica e se destroem ao mesmo tempo todas as condições normais para a reprodução e a
atividade de força de trabalho. O preço da força de trabalho e o grau de exploração desta
deixam de ser grandezas comensuráveis.” (“O Capital”, op. cit., 1, II, pág. 603/604.)
É assim, no interior de tais determinações, que Marx vai colocar a miserabilização das
massas enquanto tendência estrutural e absoluta do sistema capitalista, e não, como insistem
em fazer passar os revisionistas, como uma questão relativa, ou seja, que os salários não
cresceriam apenas na mesma proporção que a produtividade do sistema. Ainda no Livro 1,
Marx não deixa dúvidas a respeito da sua posição: “Quanto maiores a riqueza social, o
capital em função, a dimensão e energia de seu crescimento conseqüentemente a magnitude
absoluta do proletariado e da força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército
125
industrial de reserva ... E, ainda, quanto maior essa camada de lázaros da classe
trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia
oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista.” (“O Capital”,
op. cit., 1, II, pág. 747, grifo original.) Vê-se, portanto, que a formação do exército industrial
de reserva, da população de desempregados que comprime os níveis salariais, não é mero
acidente no capitalismo, fruto de crises eventuais ao final contornáveis por “retomadas de
crescimento econômico”, segundo um linguajar muito atual. Pelo contrário, para o marxismo
o crescimento gera miséria, como Marx deixa claro logo adiante:
126
Poderíamos citar outras passagens igualmente claras e enfáticas de Marx a respeito da
superexploração e da pauperização. Mas fiquemos por aqui; por ora, cabe afirmar que o que
fez a Teoria da Dependência foi exatamente, em Marx, identificar a concretização dos
conceitos formulados na era do capitalismo financeiro, o imperialismo, conforme
conceituação de Lênin, especificamente no que diz respeito à América Latina.
Uma leitura apressada e superficial deste trecho poderia até mesmo deduzir por um
Marx circulacionista, já que ele utiliza o conceito circulação em sentido amplo para
concretizar a razão de ser do capital, ou seja, poduzir lucro. No entanto, tal leitura não se
sustentaria dado que, como se vê, a circulação capitalista só existe enquanto tal na medida
em que se refere a mercadorias fabricadas através de um modo de produção capitalista, ou
seja, criadas com a interferência do trabalho assalariado e, portanto, portadoras de mais-valia,
condição sine qua non para se falar em reprodução ampliada, mecanismo próprio do
capitalismo industrial na concepção marxista. Para Marx, a compra e venda da força de
trabalho, embora pertencente à esfera da circulação, é que vai iniciar o processo de produção e
dar a este seu caráter específico, ressaltando, contudo, que o ato inicial de compra e venda da
força de trabalho se fundamenta exatamente na dissociação entre a força de trabalho como
mercadoria do trabalhador e os meios de produção como propriedade do não-trabalhador,
configurando esta relação um dado objetivo do desenvolvimento das forças produtivas e das
relações de produção capitalistas. Vamos encerrar as transcrições de “O Capital” a respeito da
questão produção-circular com uma citação de um curto trecho do Livro 3, na qual Marx
esclarece as próprias condições de produção da mais-valia: “O capital em sua marcha
127
completa é unidade do processo de produção e do de circulação, proporcionando por isso
determinada mais-valia em período dado.” (Op. cit., 3, V, pág. 451.) Destaque-se o conceito
de período dado como referente, em Marx, à reprodução cíclica e ampliada como dinâmica
essencial do sistema capitalista.
Outra crítica pouco rigorosa que tem sido feita à Teoria da Dependência é a que
pretende identificá-la como expressão do pensamento de Rosa Luxemburgo a respeito da
acumulação capitalista. Este pensamento, desenvolvido em sua obra “A acumulação do
capital” (14), surge em contraposição à empreitada revisionista da virada do século
direcionada para a desqualificação do marxismo, assumindo formas veladas em alguns casos e
totalmente escancaradas em outros, mas dominada em ambos os casos pela tentativa de
“limpar” o capitalismo de suas contradições antagônicas e transformá-lo por passe de mágica
na antevéspera do paraíso terrestre, cabendo à atividade política não mais que uma
arrumaçãozinha aqui, outra ali, um empurrãozinho cá, outro lá; enfim, o reformismo. É contra
a economia política desta corrente, pois, que se volta Rosa Luxemburgo. E é neste sentido que
sua obra assume tal importância para o marxismo que desautoriza a que alguém que se
considere marxista julgue suficiente descartá-la com a simples alusão de que se trataria de
posições “cujas deficiências teóricas são bastante conhecidas”, como o fazem Cardoso e
Brignoli em “Os métodos da História”. (op. cit., pág. 92.)
128
Como fica evidente em trechos já transcritos neste trabalho, especificamente nas
formulações de Ruy Mauro Marini, a Teoria da Dependência não dissocia mercado de
produção. A Teria da Dependência fala da internacionalização da produção, inclusive. Para a
Teoria da Dependência o mercado fundamental do sistema capitalista mundial é composto
pelo grosso da população dos países de centro mais as camadas privilegiadas constituídas pela
burguesia e classes médias altas dos países periféricos, expressando, insistimos, a própria
internacionalização da produção; daí, o conceito de subimperialismo formulado por Marini.
Repetimos que a palavra dependência não é propriedade de ninguém, a exemplo do que
ocorre com a expressão socialismo; o que não autoriza ninguém a identificar Owen, Saint-
Simon e Fourier, por exemplo, com Marx e Engels.
129
esquerda, guiou por anos a prática econômica da direita. A teoria foi uma coisa
essencialmente brasileira e por anos impediu que se pensasse claramente o planejamento
econômico do país.”
Esta proposta foi igualmente alvo de críticas segundo as quais ela não mais que
expressariam o tal caráter “teoricista” das teses polopeanas. É preciso, sustentavam aqueles
críticos, dar repostas concretas; e as “respostas concretas” da maioria deles, como é de se
esperar, não passavam de receitas democráticas reformistas de aliança de classe com a
burguesia. Antes de mais nada deve-se destacar que a proposta da ditadura do proletariado
nada tem de teoricista, mas, pelo contrário, constitui-se mesmo no eixo central da teoria
política do marxismo, como ficou explícito na célebre “Carta a Weidemeyer”, de Marx.
Agora, instalar esta ditadura com toda uma estrutura de poder nacional, regional e local, com
130
tudo que isso implica, não é de fato obra de um dia; vai depender da conjunção de fatores
objetivos e subjetivos, principalmente da maturação deste últimos, que só pode ser pensada no
interior da dinâmica das lutas de classe. Pode ocorrer que a crise da sociedade burguesa, em
todos os níveis, tenha atingido um estágio de desagregação do Estado burguês em que fica
obviamente colocada na ordem do dia a instalação do poder operário, sem, contudo, haver
ainda o proletariado desenvolvido na dinâmica de suas lutas organismos próprios e
permanentes de exercício da sua ditadura, de seu governo estável que aplainará o caminho à
sociedade sem classes. É nesse momento que se coloca a necessidade de um governo
provisório cujo conteúdo, programa e métodos de ação radicalizem as lutas em direção à
ditadura do proletariado. Que fique absolutamente claro: isto nada tem a ver com a proposta
trotsquista do “governo de transição”, fase estratégica pela qual passaria a revolução socialista
em todo o mundo na lógica delirante de uma “revolução permanente” no interior de uma
catastrofista “crise final do capitalismo” – tudo isso em campo antagônico à essência da teoria
marxista da história.
131
próprias massas, através de um governo que as represente, de um GOVERNO
REVOLUCIONÁRIO DOS TRABALHADORES DA CIDADE E DO CAMPO. Que
seria um tal governo? Seria simplesmente o Governo apoiado pelas massas, através de
seus organismos representativos (sindicatos operários e rurais, ligas camponesas,
associações estudantis e profissionais, comandos de sargentos, cabos e soldados), capaz
de expropriar os latifúndios, confiscar as propriedades imperialistas, encampar os
setores econômicos monopolísticos ou cartelizados, dar direito de voto às grandes
massas, denunciar tratados internacionais lesivos ao país, nacionalizar o sistema
bancário, promover a política de pleno emprego. (“Jornal “Política Operária”, n. 9 (16),
22/28 de janeiro de 1964, pág. 4, maiúsculas originais.)
“Mas a máxima contribuição para a vitória final será feita pelos próprios
operários alemães, tomando consciência dos seus interesses de classe, ocupando o quanto
antes uma posição independente de partido e impedindo que as frases hipócritas dos
democratas pequenos-burgueses os afastem por um instante sequer da tarefa de
organizar com toda independência o partido do proletariado. Seu grito de guerra há de
ser : a revolução permanente.” (In “Textos III, op. cit., pág. 92.)
132
Como se vê, Marx e Engels falam de uma revolução permanente em um momento em
que o movimento operário vem de uma derrota, destacando a necessidade da formação de um
partido próprio e preservação dos interesses específicos e históricos dos trabalhadores no
novo patamar estratégico para a luta operária colocado na cena histórica pela revolução de
1848/49, e não sugerindo como uma carreira desabalada em direção ao poder, em uma
absurdamente hipotética conjuntura revolucionária “permanente”, como é figurada na
interpretação trotsquista. E é exatamente esta interpretação, repetimos, que – desprezando
conceitos essenciais à metodologia marxista, tais como crise cíclica, análise concreta da
situação concreta, interação entre fatores objetivos e subjetivos e outros aos quais igualmente
já nos referimos neste trabalho – fará o trotsquismo incorporar uma metodologia catastrofista-
voluntarista em que todos os sucessos e insucessos do proletariado e da revolução vão-se
restringir ao âmbito da ação da vanguarda dirigente. Até mesmo a crítica à burocratização –
fenômeno, de resto, identificado já em suas primeiras manifestações por Lênin – é igualmente
obscurecida pela formulação de um diluído conceito de “casta”, que Trotsky julgou ver surgir
no partido e estado soviéticos, numa simplificação de fenômenos pertinentes à configuração
econômico-social de uma nova estratificação social desencadeada pela particularidade do
processo de construção do socialismo na URSS.
133
herdeiros de Lênin – e usada como principal arma nos embates no interior do partido
bolchevique e, posteriormente, da esquerda em todo o mundo.
5. Estratégia: revolução
“Nossa concepção estratégica geral era a de que a revolução seria violenta, com a
tomada do poder concretizada por uma insurreição proletária urbana. A base do poder
armado seria constituída pelas camadas inferiores das forças armadas burguesas,
fracionadas horizontalmente no quadro de aguçarnento da crise institucional. Assim, todo o
nosso trabalho na área militar se concentrou na formação de núcleos revolucionários nas
FFAA, baseado nas mesmas normas gerais de qualquer trabalho de classe fundamentado nos
134
objetivos de conscientizar e organizar em cima das reivindicações imediatas, com a
especificidade de que se tratava de trabalhadores armados. O resultado mais significativo foi
a liderança político-ideológica na Associação dos Marinheiros do Rio de Janeiro, onde
tínhamos trabalho efetivo desde 1963 e em cujas assembléias e reuniões no início de 1964 em
diante o jornal “Política Operária” era amplamente distribuído e discutido. Tínhamos
presença também no movimento de sargentos do Exército, ao lado de outras tendências, onde
o trabalho era concentrado junto a sargentos e sub-oficiais, já que soldados e cabos eram
provisórios na Arma, lá permanecendo no máximo dois anos, ao contrário da Marinha onde
os marinheiros e fuzileiros eram profissionais com engajamento médio de 10 a 15 anos. Até o
golpe, éramos contra o foco guerrilheiro. Com o golpe, o assumimos teórica e praticamente
como propagandístico e catalisador: a idéia era erguer uma bandeira capaz de reagrupar
forças do movimento operário em dispersão e catalisar o descontentamento com o golpe,
inclusive no interior das FFAA para depois fracioná-las horizontalmente, mantida, portanto,
a estratégia geral da insurreição. O local escolhido para a instalação do foco foi a Serra do
Caparaó, praticamente equidistante dos maiores centros industriais do país: Rio; São Paulo
e Belo Horizonte. Fizemos levantamentos e estudos (utilizados no ano seguinte em outra
tentativa, da qual não participamos, de instalação de foco no mesmo local por outras
tendências onde se incluíam brizolistas) e criamos uma espécie de comando geral, para o
qual trouxemos alguns militantes de Minas, entre os quais Beto, Arnaldo e Galeno. A direção
da Associação dos Marinheiros, já clandestina, estava na Polop. Éramos trinta e poucas
pessoas no esquema e já tínhamos estocada uma boa quantidade de armas leves de combate.
Os quadros clandestinos estavam alojados em três apartamentos em Copacabana, rede
montada pela militante Nazareth Rocha, que trabalhava em uma imobiliária. A queda
ocorreu em decorrência de uma infiltração do Cenimar no trabalho na Marinha. Eu caí em
um apartamento na rua Bulhões de Carvalho onde morava Luís Oscar, vice-presidente da
UNE e militante da organização, em julho de 1964.” (Dep. Cit.)
135
condições de luta impostas pela consolidação da ditadura militar, é definido o lugar do foco
guerrilheiro nesta estratégia como catalisador de um potencial revolucionário local para um
movimento em escala nacional. ( Cf. pág. 115.) A ênfase de ser dada ao pressuposto da
existência de um potencial revolucionário no local da instalação do foco, o que distancia a
concepção polopeana de foco da visão voluntarista de que caberia a um punhado de
revolucionários possam ‘criar’ através de seu exemplo de luta armada direta as lutas concretas
de classe a partir do nada, como pretendia a proposição debreísta. O “Programa” explicita,
portanto, que a guerrilha só poderá desempenhar seu papel essencial, o de desgastar o Estado
e o aparelho repressivo da burguesia política, econômica e militarmente, se desencadeada em
momento e condições em que sua ação possa acelerar o surgimento de situações
revolucionárias. (Cf. pág. 116.)
Em “Luta armada e luta de classes” (17), Ernesto Martins (Eric Sachs) aprofunda a
discussão em torno do foco centrando-se na crítica ao livro de Debray “Revolução na
revolução”. O texto de Sachs é do final de 1967 e foi publicado no início de 1968 na revista
“Marxismo Militante”, outra publicação da Polop, em seu número 1. Sachs divide o livro de
Debray em duas partes, a primeira tratando das particularidades da luta de guerrilha na
América Latina e a segunda dedicando-se à abordagem do papel político da guerrilha na luta
de classe; antecipando um balanço de sua crítica a Debray, Sachs considera positiva a
primeira parte do livro, especificamente no que diz respeito à distinção do caráter da luta no
campo na América Latina e as guerras travadas na Ásia, com China e Vietname tomados
como exemplos. Já na segunda parte, diz Sachs, Debray não é tão bem sucedido, centrada a
crítica no fato de haver o ex-revolucionário francês ter operado, ele próprio, uma observação
acrítica do processo cubano e, por conseqüência de uma abordagem superficial e deformada,
passado a apresentar a experiência da revolução cubana como modelo teórico. Factualmente,
segundo Sachs, a fragilidade da apreciação debreísta se expõe na virtual desconsideração do
papel da greve geral de dezembro de 1958 e da insurreição na tomada do poder, simbolizando
uma metodologia que relegou o movimento de massas a mero papel secundário e auxiliar. A
conclusão geral é de que este espontaneísmo dificilmente poderia reverter em novas vitórias
do proletariado no continente. Afirma Sachs: “A experiência viva da luta de guerrilhas no
Continente nos mostra que ela pode vencer no papel de catalisador de uma situação
revolucionária. Nesse sentido, acelera e reforça tendências objetivamente existentes. E isso
permite concluir que a guerrilha não poderá preencher esse papel em fases de expansão
econômica, numa conjuntura de prosperidade. Embora a situação oposta, a do declínio das
136
atividades econômicas, por si só, ainda não crie mecanicamente uma situação
revolucionária, ela é a única indicada para que o ‘foco insurreicional’ possa criar as
condições para uma revolução, como predisse Guevara.” (“Luta armada ...”, doc. cit.,
pág.10.)
Em outubro de 1968, a Polop publica o folheto de Raul Villa (Eder Sader) “A guerra
revolucionária no Brasil e os ensinamentos de Mao” (18), uma análise crítica do maoísmo no
país e da sua proposta de guerra popular. Assim Sader sintetiza o pensamento da Polop sobre
a questão da luta armada:
“A questão parece ter uma resposta óbvia e evidente: a posição nas lutas de classe
determina a política de um partido, que implica também numa posição diante da luta
armada (seja esta uma realidade ou ainda uma potencialidade). Mas essa continuidade
se desfez na consciência de muitos comunistas. A concepção vazia de‘luta armada’, vazia
em seu conteúdo social e político, é produto de um estágio de desenvolvimento de uma
luta ideológica contra o reformismo. Uma autocrítica pela metade produziu metade
apenas de uma estratégia revolucionária, uma estratégia aleijada.” (Pág. 10.)
137
partido, tendo em vista a experiência, primeiro da Revolução de Fevereiro e depois,
sobretudo, da Comuna de Paris, que pela primeira vez permitiu ao proletariado, durante
dois meses, a posse do poder político, este programa está agora envelhecido em alguns
pontos. A Comuna demonstrou principalmente que ‘não basta que a classe operária se
apodere da máquina do Estado existente para fazê-la servir a seus próprios fins’ (ver Der
Burgerkrieg en Frankreich, adresse des Generalrats der Internationalen
Arbeiterassoziation, pág. 19 da edição alemã, onde esta idéia é mais longamente
desenvolvida).” (In “Textos III, op. cit., págs. 13/14.)
Na obra citada, A guerra civil na França, Marx atribui a derrota da Comuna a não se
ter conseguido levar a cabo a destruição do estado burguês, o que, segundo as lições que tirou,
deixava evidente a inviabilidade de estratégias limitadas à simples apropriação do Estado
existente (estrutura política, forças armadas, administração, finanças etc.) Mesmo antes da
Comuna, analisando a experiência da revolução alemã de 1848/49, Marx e Engels já haviam
identificado a que ideologia correspondia a postulação reformista de preservação das
instituições do estado burguês:
E a seguir, após recomendarem não deverem os operários opor-se aos atos de violência
popular contra “indivíduos odiados ou edifícios públicos”, mas assumir a direção destes atos,
Marx e Engels propõem a constituição, ao lado dos novos governos oficiais, governos
operários revolucionários na forma de comitês representativos da massa como referência
ideológica para os trabalhadores e órgãos de fiscalização e pressão ao poder constituído.
(Desnecessário dizer que isto nada tem a ver com o “gabinete fantasma” inglês nem, muito
menos, com o “governo paralelo” do PT em meados dos ano 80.) Esta recomendação é feita a
partir da previsão de um aguçamento das disputas entre a pequena burguesia e o bloco
formado pela grande propriedade rural e o capital industrial em expansão, que empolgara o
poder. E a grande preocupação de Marx e Engels era a de preservar os interesses próprios dos
trabalhadores nas frentes eventuais com a pequena burguesia geradas objetivamente pela
dinâmica das lutas de classes. Marx e Engels se referiam, é certo, à pequena burguesia
proprietária, mas seu caráter de classe intermediária é comum a todas as suas formas de
existência social enquanto tal e se expressa na ideologia da conciliação de classes;
politicamente, isto vai significar uma vocação para o democratismo reformista. E para
138
garantir o poder de pressão do proletariado em defesa de seus interesses contra o poder da
democracia, Marx e Engels propõem o recurso às armas: “Mas para opor-se enérgica e
ameaçadoramente a este partido, cuja traição aos operários começará desde os primeiros
momentos da vitória, estes devem estar armados e organizados. Dever-se-á armar,
imediatamente, todo o proletariado, com fuzis, carabinas, canhões e munições. ... A nenhum
pretexto entregarão suas armas e munições; toda tentativa de desarmamento será rejeitada,
caso necessário, pela força das armas.” (“Mensagem in “Textos III”, op. cit., pág. 89.)
Pode-se afirmar, com toda certeza, que a história deste século vinte seria outra se o
estalinismo não instruísse os partidos comunistas, principalmente os da França e Itália, a
entregarem pacífica e obedientemente aos governos democráticos instituídos ao final da
Segunda Guerra as armas usadas na resistência ao nazismo. Em uma carta a Kugelmann, de
12 de abril de 1871, durante a Comuna, portanto, Marx se posiciona concretamente diante da
oposição reforma ou revolução; diz uma passagem da carta: “Se você atentar, para o último
capítulo do meu Dezoito Brumário, verá que exponho como próxima tentativa da revolução
francesa não apenas trocar de mãos a máquina burocrático-militar, mas demoli-la –
(sublinhado por Marx; no original: zerbrechen – nota de Lênin) – e esta é justamente a
condição prévia de toda verdadeira revolução popular no continente. Nisto, precisamente,
consiste a tentativa de nossos heróicos camaradas de Paris.” (Citado por Lênin em “O
Estado e a revolução” (19), pág. 36.)
É preciso ficar claro, no entanto, que Marx e o marxismo não fecham os olhos para o
estado burguês e suas instituições. O que está em jogo, contudo, são o lugar e a função dessas
instituições nas lutas de classes. Trata-se de uma discussão que, de certa forma, vai expressar
no campo da prática revolucionária as divergências em torno da questão reforma x revolução.
Discussão antiga no movimento comunista internacional, dividiu alas e facções no próprio
interior da IC na época de Lênin, quando se concluiu pelo uso tático do parlamento como um
dos instrumentos da luta do proletariado, não sem a configuração de divergências
significativas, como as posições de Amadeo Bordiga, que liderava uma corrente para a qual
nem a tal uso o parlamento burguês se prestava, constituindo-se estruturalmente, sempre, em
fator de atraso e diluição da luta dos trabalhadores e seus interesses; não se trata de
aprofundar tala discussão aqui, mas, de todo modo, acreditamos ser ela atual e urgente.
Fiquemos no campo maior de coesão do marxismo-leninismo, registrando, para o que nos
interessa neste trabalho, que é só com o estalinismo que surge a proposição política de um
139
papel estratégico do parlamento burguês, descartadas, é claro, a teoria clássica do
revisionismo bernsteineano e algumas passagens dos textos de Gramsci. Acreditamos ter
deixado clara a visão geral de Marx sobre o problema, consideradas as bases filosóficas e
históricas do seu pensamento a que vimos nos referindo. Caberia contudo, creio, acrescentar
um faceta específica do comportamento burguês e pequeno-burguês no parlamento
democrático: o “cretinismo parlamentar”, como o denomina Marx no O Dezoito Brumário de
Luís Bonaparte.(20) (Págs. 96/97, com grifo original.)
Outro aspecto referente à prática política que pode revestir a polêmica reforma x
revolução encontra-se no antagonismo entre os conceitos de violência revolucionária e
transição pacífica. Uma discussão materialista da questão irá, por certo, buscar as raízes
históricas, concretas, dos processos de lutas de classes para postular uma opção condizente
com o próprio método de onde se partiu para a análise da sociedade e sua transformação. É,
pois, ancorado em tais considerações metodológicas que Engels vai jogar por terra as
elucubrações idealistas a respeito da violência, despindo-a, já em 1878, quando publica seu
“Anti-Duhring” (21), de um hipotético caráter ligado à “essência do homem” em que busca se
sustentar, entre outras, a sub-filosofia nietzscheana tão em voga nos dias de hoje. Afirma
Engels:
“Para o Sr. Duhring, a violência é a maldade absoluta. O primeiro ato de força é,
em sua bíblia, o pecado original, reduzindo-se todo o seu arrazoado a um sermão
jeremíaco sobre o contágio do pecado original em todos os fatos históricos, e sobre a
infame deturpação de todas as leis naturais e sociais por esse poder satânico, que é a
força. Sabemos nós que a violência desempenha também um papel revolucionário;
sabemos que ela é também, para usar uma expressão de Marx, a parteira de toda a
sociedade antiga que traz em suas entranhas uma nova; que ela é um instrumento por
meio do qual se efetiva adinâmica social, fazendo saltar aos pedaços as formas políticas
fossilizadas e mortas.” (In “Textos II”, pág. 161.)
Temos, pois, que a violência não resulta de mera ação de homens maus sobre
sociedades compostas por homens essencialmente bons (como figurava Duhring) ou
expressão de um fantasmagórico espírito belicista que configuraria a casta dos super-homens
destinados a dominarem o mundo e portadores, enquanto cruéis e violentos, da suprema
pureza ética da melhor essência humana – como quis fazer passar o sr. Nietzsche.
Metodologicamente, Rousseau e Duhring, de um lado, e Hitler e Nietzsche, de outro,
140
compõem nada mais que verso e reverso da medalha da suposição de essências e espíritos
absolutos; eticamente, esclareça-se, os dois pares se opõem antagonicamente.
141
1895 (mesmo mês em que foi escrito), com uma seleção de "que podia servir para defender
uma tática de paz a todo custo e contrária à violência", segundo as palavras de Engels em
carta a Paul Lafargue de 3 de abril de 1895. Segundo a nota, assim se manifestara Engels a
Kaustsky em carta de 1º de abril daquele ano: "Vi hoje no 'Vorwaerts' um extrato de minha
'Introdução', publicado sem meu consentimento e arrumado de tal modo que surjo como um
pacífico adorador da legalidade a todo custo. Essa é mais uma razão para que deseje ver
publicada integralmente 'Introdução' na 'Neue Zeit', a fim de que seja dissipada essa
vergonhosa impressão." (In "Textos III”, op. cit., pág. 93, grifo original.) Ainda de acordo
com a nota da Alfa Omega, a versão original e integral do texto também não chegou a ser
publicada pela "Neue Zeit", dado que a direção do partido convenceu Engels a não fazê-lo
com a alusão à existência de uma ameaça de uma nova lei de exceção contra os socialistas;
com a morte de Engels,o texto integral foi "esquecido" pela direção social-democrata, que
continuou utilizando a edição mutilada, só vindo o original a ser publicado na União
Soviética, em 1950.
Não se pode negar que tal empreitada confusionista operada pelo revisionismo venha
rendendo frutos ao reformismo.
142
Tomado em seu conjunto, o pensamento de Lênin pode ser considerado uma poderosa
e substancial síntese da proposição de uma alternativa revolucionária à onda reformista. Seu
Que fazer? não somente ultrapassa, como se sabe, em muito o objetivo específico de traçar
uma estratégia de atuação para o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, mas constitui
também defesa intransigente da ruptura enquanto objetivo sintetizador da ação revolucionária
contra a teoria seguidista menchevique, Lênin foi essencialmente um político, significando
isso a atenção prioritária à configuração das lutas de classe diante do poder estatal. E foi tal
condição que, pode-se dizer, lhe informou um posicionamento revolucionário mesmo no
interior da estratégia geral do partido inclulída a própria fração bolchevique, que pressupunha,
até abril de 1917 – quando ocorre a reviravolta empreendida e liderada pelo próprio Lênin –,
uma estratégia geral democrático-burguesa. Mesmo o seu texto O desenvolvimento do
capitalismo na Rússia. de 1899, uma análise sócio-econômica da formação social do pais, é
elaborado para fazer frente à tese populista da inviabllidade de um desenvolvimento do
capitalismo na Rússia. Toda obra de Lênin, enfim, configura a opção pela revolução enquanto
ruptura.
143
atrás, mas uma República de Soviets de deputados operários, assalariados agrícolas e
camponeses de todo o país. Supressão da polícia, do exército e da burocracia.” (Op. cit., pág.
5.) Com esta palavra-de-ordem Lênin revoluciona toda a concepção da estratégia da revolução
russa que dominava o partido desde a sua fundação formal, em 1902, e presente em seu
próprio projeto de programa do partido de 1899. Não que anteriormente às “Teses” ele não
tenha se posicionado explícita e claramente pela ruptura – isso acreditamos já ter deixado
claro. O que importa destacar nas “Teses” é fundamentalmente a constatação ineludível de
que o fato histórico significativo (no caso, a formação dos soviets) só é perceptível pela
metodologia que considera as idéias no processo global de seu surgimento e desenvolvimento
material. E esta metodologia o marxismo a expressa da forma a mais elaborada entre as
correntes materialistas. O que nada tem a ver com o historicisrno de que alguns intelectuais
porta-vozes da burguesia, Karl Popper entre eles, acusam o marxismo; Marx fala
precisamente da percepção e atuação dos homens como fator do processo de transformação.
(Cf. “Prefácio à Contribuição ...”, op. cit., trecho cit.) É a história, viva, que desmascara o
dogma. Repetimos o trecho inicial da primeira carta sobre tática: “O marxismo exige que
tenhamos em conta com a maior precisão e comprovemos com toda a objetividade a
correlação de classes e as peculiaridades concretas de cada momento histórico. Nós, os
bolcheviques, sempre nos temos esforçado por ser fiéis a este princípio, incondicionalrnente
obrigatório se quer dar um fundamento científico à política.” (Op. cit., pág. 9.)
Na análise concreta que fez da situação, Lênin, no entanto, coloca a mudança que
defendia no campo da tática, face a eventos de curta duração portanto. Segundo afirma, existia
uma dualidade de poderes, com a dominação burguesa convivendo com a ditadura
democrático-revolucionária do proletariado (os sovietes), convertida esta “voluntariamente”
em apêndice daquela. A existência do duplo poder é indiscutível, assim como a correlação
histórico-revolucionária da resposta dada por Lênin sintetizada na palavra-de-ordem “Todo
poder aos sovietes”. Mas algumas questões ficam em aberto. Em primeiro lugar: não seria a
própria estratégia bolchevique que foi posta em xeque-mate pela história? Esta nos parece a
interpretação correta, já que, mais que um raio em céu azul, a formação dos sovietes – com
tudo que isso implica – há de ter sido expressão de potencialidades estruturais (históricas,
políticas e sociais) da realidade russa, o que desautoriza toda a formulação estratégica social-
democrata frente à organização do poder até abril de 1917. Sabemos das dificuldades
enfrentadas por Lênin e sua corrente então formada (Stálin e Trotsky entre as lideranças mais
importantes) para ganhar o partido para a nova posição; dificuldades, pode-se especular, que
144
assumiriam proporções ainda maiores se se anunciasse que a mudança era de tal
profundidade. Deixando de lado a suposição, no entanto, ficou clara a necessidade da
autocrítica. Ao não fazê-la de forma explícita no campo da própria teoria, Lênin deixou um
enorme flanco aberto ao revisionismo reformista.
O que não significa que Lênin não tenha insistido posteriormente na questão da
violência-ruptura revolucionária. Em La revolución proletária y el renegado Kautsky(26), de
1918, enfatizou: “Ao definir a ditadura, Kautsky fez todos os esforços possíveis para ocultar
do leitor o traço fundamental deste conceito: a violência revolucionária. E agora reluz a
verdade: trata-se da oposição entre revolução pacífica e revolução violenta. Aí está o ‘quid’.
Kautsky precisa de todos os subterfúgios, os sofismas e as falsificações de que se vale para se
proteger da revolução violenta, para ocultar que a renega, que se passa para o lado da
política operária liberal, ou seja, para o lado da burguesia. Aí está o ‘quid’.” (Pág. 16,
tradução nossa do espanhol.) Poderíamos, se isso fosse necessário, citar várias outras
passagens do Renegado... e outras produções de Lênin pós-revolução, inclusive com a
proposição de medidas repressivas que por certo surpreenderia algumas correntes mais
ingênuas e/ou mal intencionadas que afirmam, não se sabe baseadas em que, que a repressão
na União Soviética teria sido inspiração e obra exclusiva de Stalin. Para o que nos interessa
aqui, contudo, julgamos as referências acima suficientes.
145
é muitíssimo mais que um evento de natureza quantitativa na trajetória geral da luta proletária,
como sugere Bernstein, que opera uma minimização deste fato histórico, reconheçamos,
muito valiosa para seu esquema geral. Mas, pelo contrário, a tomada do poder opera uma
mudança no processo histórico, condicionando a partir daí o desenvolvimento das
contradições. Conquistar o poder é o ponto de partida e condição de uma nova
(qualitativamente nova) sociedade. Se isto não estava claro para a social-democracia alemã, é
que as coisas realmente andavam muito mal.
146
diferenciadas das duas correntes acerca da classe revolucionária e das condições da luta
insurreicional. Mas não se trata de aprofundar este tema aqui.
147
Entre as concepções fundamentais que alicerçam o conjunto de sua teoria política, o
marxismo deu historicamente ênfase (Marx/Engels e Lênin especialmente incluídos) ao
caráter de classe do estado capitalista, vistas suas instituições, inclusive a democrático-
parlamentar, como instrumentos políticos-ideológicos da dominação burguesa. Entre as
contribuições mais atuais, podemos encontrar em Perry Anderson uma observação aguda
sobre a relação instituição democrática/violência, como formulado em seu As antinomias de
Antonio Gramsci (29): “As condições normais de subordinação ideológica das grandes
massas – a rotina diária da democracia parlamentar – são elas próprias constituídas por uma
força silenciosa e ausente que lhes dá valor:; o monopólio da violência legitimada pelo
Estado.” (Op. cit., pág. 42.)
Notas
148
5. Amin, Samir e Vergopoulos Kostas – A questão agrário e o capitalismo. São Paulo,
1977, Ed. Paz e Terra
6. Revista Brasiliense nº 51 – São Paulo
7. Lênin, Vladimir – Imperialismo, fase superior ao capitalismo, in “Obras Escolhidas 1.
São Paulo, 1979, Alfa Omega
8. Revista “Política Operária/6” – Arq. Púb. Est. RJ – CCMS Niterói/RJ
9. Marini, Ruy Mauro – Dialéctica de la dependência. México, 1977, Editora Era
10. Marini, Ruy Mauro – La ideologia latinoamericana. Conferência pronunciada no
Centro de Investigaciones Economicas y Sociales, de Santiago (Chile), em outubro de
1990
11. Cardoso, Fernando Henrique e Faletto, Enzo – Dependência e desenvolvimento na
América Latina. Rio, s/data, Ed. Guanabara
12. Santos Júnior, Theotônio dos – Dependencia y cambio social. Buenos Aires, s/data,
Amorrutu Editores
13. Marx, Karl – Trabalho Assalariado e Capital, in “Textos III”. São Paulo, s/data, Alfa
Omega
14. Luxemburgo, Rosa – A acumulação do capital. Rio, 1976, Zahar
15. Urbina, Jaime Osorio – La teoria de la dependência y el desarollo latino-americano, in
“Revista Centroamericana de Economia”, janeiro/abril de 1984, Universidade
Autonoma de Honduras
16. Jornal “Política Operária” no. 9, de 22/28 de janeiro de 1964 – Arq. Púb. Est. RJ –
CMMS – Niterói/RJ
17. Sachs, Eric – Luta Armada e Luta de Classes. Setembro de 1967, Arq. Ernesto Martins
4
18. Sader, Eder – A guerra revolucionária no Brasil e os ensinamentos do Mao. Abril de
1968 Arq. Ernesto Martins 2
19. Lênin, Vladimir – El Estado y la Revolución. Moscou, s/data, Ed. Progresso
20. Marx, Karl – O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, 1988, Ed. Escriba
21. Engels, Friedrich – Anti-Duhring. Rio, 1976, Paz e Terra
22. Bernstein, Édouard – Las premissas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia.
México, 1982 – Siglo XXI
23. Engels, Friedrich – Introdução a “Lutas de Classes na França” de Marx, in “Textos
III”. São Paulo, 1976, A1fa Omega
24. Nota in “Karl Marx-Friedrich Engels – Textos III” São Paulo, 1976, Alfa Omega
149
25. Luxemburgo, Rosa – Reforma ou revolução? São Paulo, 1986, Editora Global
26. Lênin, Vladimir – La revolución proletaria y el renegado Kautsky. Moscou, 1980, Ed.
Progresso
27. Coutinho, Carlos Nelson – A democracia como valor universal, in “Encontros com a
Civilização Brasileira” nº 9 Rio, 1979, Civilização Brasileira
28. Coutinho, Cartos Nelson – Intervenção In “As esquerdas e a democracia”. Rio, 1986,
Paz e Terra
29. Anderson, Perry – As antinomias de Antonio Gramsci. São Paulo, 1986, Ed. Joruês
150
VII – CONCLUSÃO
Para estudar a história das idéias da Polop fomos levados a fazer presentes as idéias do
marxismo. E isto não foi uma exigência acidental, surgida no desenvolver do estudo. Pelo
contrário, expressa o conteúdo do nosso objetivo central, que damos como alcançado se, de
fato, tivermos comprovado nossa hipótese de que a Polop constituiu-se fundamentalmente em
uma iniciativa política de incorporação do marxismo à prática revolucionária no país.
Partindo da metodologia marxista de análise, fomos procurar a origem das idéias na sua
materialidade, única via pela qual, acreditamos, seria possível dar conta do essencial dessas
idéias. Afirmamos na Introdução deste trabalho que não tínhamos, como não temos, a
pretensão de ditar o que é ou não é ortodoxo no marxismo, mas não podemos fugir da
responsabilidade de procurar indicar o que, do nosso ponto de vista, estaria no campo daquela
ortodoxia. Daí, a ênfase na questão do método; daí, igualmente, o recurso às várias citações
que fizemos, mas sempre procurando situá-las criticamente e em seu contexto teórico, político
e histórico. Também integrou nosso método a compreensão de que aplicar o marxismo como
arma de interpretação e transformação de dada realidade exige, não simples transposição e
aplicação mecânicas, mas, sim, um trabalho próprio de elaboração teórica, tendo em vista que
o capitalismo existe enquanto formações histórico-sociais concretas e diferenciadas; é por isso
que a contribuição da Polop assume uma individualidade metodológica e – em consequência
– política em todo o cenário da esquerda brasileira, recusando a cópia a modelos e a
obediência a mandamentos e modismos.
151
Pretendemos, pois, que este trabalho venha a integrar um debate. E nesse tipo de
debate, necessariamente político, os limites do rigor e do bom senso são inevitavelmente
elásticos. A Polop foi fundada em 1961 e extinta enquanto estrutura em 1984 sem ter “feito” a
revolução; surgiria, então, a pergunta: porque, mesmo armada do marxismo enquanto teoria e
ciência revolucionária do proletariado, a organização fracassou no seu intento maior, razão de
ser de todo agrupamento que se diz revolucionário? A tal pergunta hipotética podemos
responder, de início, não ter sido objetivo deste trabalho fazer um balanço da Polop, mas, sim,
investigar a origem e especificidade de suas idéias. Trata-se esta, aliás, de uma tarefa a ser
cumprida, já que as tentativas existentes de análises críticas da organização foram feitas pela
ótica de tendências e posicionamentos coesionados em torno de teses divergentes às da Polop,
mas que, igualmente, amargaram uma derrota comum a toda a esquerda e ao proletariado
brasileiros. Podemos ainda argumentar que a Polop surgiu e se desenvolveu em uma
conjuntura do movimento de massas tipificada pelo domínio do populismo reformista, tendo
sua trajetória de ampliação de influência e enraizamento no movimento vivo dos
trabalhadores e seus aliados sido interrompida pelo golpe de 1964.
152
burguesia e seus aliados, alguns deles involuntários, conceda-se, como o ato final do
marxismo.
Mas mesmo tendo sido a sociedade socialista derrotada pelo imperialismo no Leste
Europeu e que venha a sê-lo nos demais países socialistas – consideremosa hipótese –, o
marxismo não terá perdido o seu vigor histórico enquanto alternativa revolucionária para os
explorados. Primeiro, por uma questão de lógica elementar: quando do surgimento e
consolidação da teoria marxista não existia sequer um país socialista no mundo. Mas o mais
importante é que, já no campo da materialidade histórica, o capitalismo e o imperialismo –
conforme configurados por Marx, Engels e Lênin, para ficar entre os clássicos mais
representativos – só fizeram evidenciar e aprofundar as características apontadas naquela
configuração: crises cíclicas, guerras, miséria progressiva das massas. E o fato “novo” da tão
propalada “revolução eletrônica” não mais que reforça a tendência à destruição e à miséria.
O marxismo vive.
Já nos referimos às dificuldades e empecilhos enfrentados pela teoria marxista em se
implantar como arma revolucionária dos trabalhadores do Brasil e da América Latina.
Mundialmente, e a América Latina tem que ser pensada neste contexto, assistimos no século
passado à ocorrência de uma série de fatores que, não considerados meramente
circunstanciais, pois nada na História o é, acabaram dando margem a que o marxismo sofresse
a deturpação a que se viu submetido. Entre estes fatores, está a versão estalinista, reformista,
que dominou o "marxismo oficial" durante praticamente todo o século, com um período de
transição com a morte de Lênin e abertamente a partir de 1936 com a instituição da política
das frentes únicas imposta por Stalin que, igualmente mais que uma coincidência, teve como
par interno na URSS a aprovação de uma Constituição que declarava extinta a luta de classes
no país e impunha o voto universal, jogando por terra formalmente o princípio básico da
ditadura do proletariado sobre o qual se erguera o poder soviético, dos sovietes. Acreditamos
que é nesta linha, inclusive, que devem ser procuradas as causas históricas da derrota dos
estados socialistas do Leste Europeu. Do outro lado, igualmente, grave a emergência do
trotsquismo enquanto uma falsa resposta ao reformismo estalinista. Como assegura Eric Sachs
em seu “A Herança da Revolução Russa”, trotsquismo e estalinismo são faces de uma mesma
moeda – a moeda da renúncia às teses revolucionárias originais do marxismo.
153
de uma proposição teórica clara, estruturada, de um estado proletário – configurados objetivos
gerais, organismos de poder e Justiça, direitos e deveres, tudo isso fundamentado em
parâmetros de classe – constitui uma lacuna importante, decisiva mesmo, do nosso ponto de
vista, na arquitetura teórica do marxismo-leninismo; preenchê-la é tarefa urgente a ser
cumprida pelos marxistas, sempre a partir do próprio Marx. As formulações de Lênin,
principalmente no O Estado e a Revolução neste sentido são esparsas e às vezes
contraditórias. Engels, no Do socialismo utópico ao socialismo científico, parte do Anti-
Duhring, chega a minimizar abertamente as contradições no interior do estado e sociedade
socialistas, qualificando-as de secundárias e não antagônicas. Marx tinha outra visão, ou, pelo
menos, ensejava outra visão. A questão chave, acreditamos, está na divisão entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual, que Lênin abordou em alguns de seus trabalhos menos
divulgados, com especificidade no folheto O Trabalho Comunista, de 1919.
154
VIII - Fontes
1. FONTES PRIMÁRIAS
A. Documentos
3. Talheimer. August - Vinte anos da Revolução de Outubro, in "The New Leader". Londres,
5/11/1937. Trad. S. Paiva, Arq: Ernesto Martins 1.
5. Série de artigos sobre política internacional escritos por Eric Sachs, publicados pelo
"Correio da Manhã ", duas vezes por semana, entre dezembro de 1949 e maio de 1950.
Arquivo Ernesto Martins 2.
6. Balanço da trajetória da Polop, de autoria de Eric Sachs ("Balanço EM-81 "), de janeiro de
1981. Arq. Ernesto Martins 2.
155
9. Primeiro de Maio - Editorial do jornal "Política Operária". Rio de Janeiro, maio de 1962,
Arq. Ernesto Martins 2.
13. Jornal "Política Operária". Ano I - Rio de Janeiro, abril de 1962, Nº 2 - Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro-Centro de Memória de Movimentos Sociais (CMMS). Niterói,
RJ.
14. Jornal "Política Operária", Ano I - Rio, maio/1962, No. 3 -Arq. Pub. RJ - CMMS. Niterói,
RJ.
15. Jornal "Política Operária", Ano III - São Paulo, 15/21 de janeiro de 1964 – Arq. Púb. RJ-
CMMS. Niterói, RJ.
16. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 9. São Paulo, 22/28 de janeiro de 1964 - Arq. Púb.
RJ-CMMS. Niterói, RJ.
17. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 10 - São Paulo, 24 de janeiro/4 de fevereiro de
1964 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói, RJ.
18. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 11 - São Paulo, 5/18 de fevereiro de 1964 - Arq.
Púb. RJ-CMMS. Niterói, RJ.
19. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 12 - São Paulo, 27 de fevereiro/4 de março de 1964
- Arq. Púb, RJ-CMMS. Niterói, RJ.
156
20. Jornal “Política Operária", Ano III, No. 13 - S.Paulo, 12/3/1964 - Arq. Púb. RJ-CMMS.
Niterói, RJ.
22. "Informe Nacional Política Operária Nº 48", de 18/11/1966 - Arq. Púb. RJ-CMMS.
Niterói, RJ.
23. “Informe Nacional Política Operária Nº 49”, de 28/11/1966 Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
RJ.
24. “lnforme Nacional Política Operária Nº 59”, de 8/4/1967 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
RJ.
25. "lnforme Nacional Política Operária Nº 61”, de 21/5/1967 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
RJ.
26. "Informe Nacional Política Operária Nº 63", de 10/6/1967 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
RJ.
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