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História da Polop

Da fundação à aprovação do

Programa Socialista para o Brasil

Leovegildo Pereira Leal


Para Erich Sachs, fundador da Polop, exemplo de militância e

caráter na luta pela libertação do proletariado e da humanidade.

Para minha mulher, Vera, e meus filhos Carlos Alberto e Leila


– inspiração e estímulo.

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Apresentação

Este livro se origina da dissertação de mestrado que defendi em 1992 no Curso de


História do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal Fluminense, em
Niterói. Sua publicação hoje, quase vinte anos depois, atende a uma necessidade que se torna
a cada dia mais impositiva: a retomada da ortodoxia marxista como instrumento de
conhecimento e transformação da realidade social. Pois foi este o objetivo da fundação, em
1961, da Organização Revolucionária Marxista, que logo passou a ser conhecida como P.O.
ou, mais frequentemente, Polop, formas abreviadas do nome de sua principal publicação, o
jornal Política Operária.
A confluência de múltiplos fatores históricos fez com que o reformismo clássico
sintetizasse à época da fundação os desvios e adulterações do marxismo. Que se enfatize,
contudo, que tais adulterações ainda eram feitas sem que se abjurasse abertamente a teoria
marxista. Negava-se o marxismo com livros e fotos de Marx nas mãos. Hoje a situação se
configura mais grave, muito mais grave. De lá para cá, o capitalismo percebeu que era
necessário levar a níveis muitíssimo mais agudos e agressivos sua luta política e ideológica
contra o marxismo, contra a arma teórica sem a qual, afirmou Lênin, não se pode falar
rigorosamente em prática revolucionária.
Desde o surgimento do estruturalismo, ainda nos anos 50, todo um arsenal de
especulações metafísicas vomitadas pela academia burguesa se dirigiu em selvagem cruzada
contra o marxismo. A estratégia foi e é de terra arrasada: manipulações teóricas, deturpações
históricas, calúnias, provocações. Mentiras. Como resultado, à ortodoxia marxista hoje sequer
é reconhecida a condição de ‘minoria’ – como são tratados segmentos sociais oprimidos, mas
despidos espertamente de sua natureza classista pelos ideólogos a serviço do capital. É
indiscutível que tal esmagadora vitória – passageira, asseguramos os comprometidos com a
libertação do proletariado – não teria acontecido não fosse a ofensiva política e militar
desencadeada pelos países imperialistas contra as sociedades socialistas em todo o mundo.
Uma guerra santa que teve na derrota imposta aos estados socialistas do Leste Europeu – já
enfraquecidos por vícios e contradições internas – seu maior triunfo.
As equivocadas alternativas à esquerda que se apresentaram à deturpação reformista
do marxismo mostraram-se vítimas do mesmo – e grave – erro de método identificado por
Luckaks em ensaio ao final dos anos 60: o taticismo. Foi o que aconteceu e acontece com as
duas correntes mais importantes que se empenharam na busca de respostas ao reformismo: o

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maoísmo e o trotsquismo, este hoje com maior presença no cenário da luta dos trabalhadores.
De fato, estas correntes de pensamento e de luta pelo socialismo tentam transformar em
princípios teórico-metodológicos posicionamentos programáticos estratégicos, e mesmo
táticos, adotados em momentos e lugares específicos e determinados da luta de classes –
únicos, portanto. Daí, a busca, necessariamente frustrada, de aplicar em todas as formações
sociais capitalistas a linha da guerra de libertação nacional liderada por Mao Tsé-Tung. Daí, a
ilusão trotsquista de que viveríamos em todo o mundo capitalista em fase de ‘crise final’,
como vivia o sistema semi-feudal da Rússia de 1905, quando Trotsky escreve seu livro
fundador “A Revolução Permanente na Rússia”. Daí, o voluntarismo e o subjetivismo como
métodos essenciais da teoria e da prática destas correntes. Métodos anti-marxistas.
Em princípio, a empreitada da retomada do marxismo que hoje a História nos impõe é
mais árdua que aquela enfrentada por Sachs e seus camaradas fundadores da Polop. Como
marxistas, sabemos contudo que a História se desenvolve por saltos, com a real possibilidade
de a atual crise capitalista configurar um poderoso impulso para o surgimento de condições
objetivas nas quais o marxismo certamente encontrará terreno fértil para plantar-se
firmemente no seio do proletariado. Mais árdua, menos árdua, a tarefa histórica não admite
adiamentos: é preciso retomar o marxismo sob pena de os mais heróicos esforços do
proletariado e de seus aliados resultarem em novas derrotas. É neste esforço que se alinha a
publicação deste livro.

Aproveito para agradecer aqui a muitas pessoas que de várias formas me ajudaram na
elaboração da dissertação que deu origem a este livro. Aos professores Eulália Maria
Lahmeyer Lobo e Daniel Aarão Reis Filho. Aos entrevistados ex-militantes fundadores da
Polop Ruy Mauro Marini, Aluízio Leite Filho, Emir Sader, Vânia Bambirra, Maria do Carmo
Brito e Michel Löwy. A Sérgio Paiva, Victor Meyer, Eduardo Stotz e Samuel Warth,
companheiros com quem tive a honra de militar na Polop. A Marcos Dantas e Paulo Monteiro
de Barros, que me deram preciosas informações relativas ao tema. Aos meus sogros Carmem
e Wilson Salim pelo apoio e estímulo. Aos meus amigos Fernando Cordeiro de Farias e sua
mulher Juliana Guimarães pelo decisivo apoio técnico-“informático”. À minha enteada
Sandra Soares, que digitou à época parte do texto da dissertação. E aos companheiros Priscila
Piotto, que colocou em linguagem digital atual os originais deste livro, e Tiago Haddad, que o
diagramou.
Belo Horizonte, novembro de 2011.

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Índice

I – INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7
II - OBJETIVO E MÉTODO.................................................................................................... 25
III – OLHAR SOBRE UM TEMPO ........................................................................................ 30
IV – O MONOPÓLIO REFORMISTA .................................................................................... 41
V – MONOPÓLIO AMEAÇADO ........................................................................................... 71
1. Emerge uma “velha” idéia ......................................................................................................... 71
2. Os núcleos iniciais ..................................................................................................................... 81
3. Eric Sachs ................................................................................................................................... 86
4. KOP ............................................................................................................................................ 89
VI – ESTRUTURAÇÃO DE UM IDEÁRIO ......................................................................... 100
1. O I Congresso........................................................................................................................... 100
2. Um Brasil capitalista ................................................................................................................ 107
3. Teoria da Dependência ........................................................................................................... 117
4. Uma revolução já socialista ..................................................................................................... 130
5. Estratégia: revolução ............................................................................................................... 134
VII – CONCLUSÃO .............................................................................................................. 151
VIII - Fontes ........................................................................................................................... 155

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I – INTRODUÇÃO

Por uma história crítica da esquerda

A história da esquerda brasileira da Era Golpe 1964 tem sido abordada a partir de
métodos, concepções e enfoques que mais dificultam que possibilitm uma real reflexão crítica
sobre as organizações de esquerda do país no período. Até a publicação, em junho de 1990, de
“A revolução faltou ao encontro” (1), de Daniel Aarão Reis Filho, aquela abordagem vinha-se
resumindo a relatórios empíricos sobre agrupamentos (ou mesmo sobre militantes,
individualmente), não raro descambando para peças de literatura autolaudatória. Mesmo que
se discorde das conclusões do autor – e delas discordo quando atribuem a derrota da esquerda
à adoção das propostas marxistas-leninistas (questão que discutirei adiante) –, sua intervenção
procura instalar a pesquisa no campo adequado da reflexão histórica científica. De lá para cá,
contudo, a historiografia sobre a esquerda foi-se tornando progressivamente escassa até o
ponto, hoje, de sumir no horizonte. Os poucos trabalhos que vieram a público, por marcados
pela metodologia posmoderna da “história das mentalidades”, recusam por princípio de
método o aprofundamento da investigação em busca das razões materiais – objetivamente
situadas no tempo e no espaço das práticas sociais, coletivas – que determinaram princípios
programáticos e ações dos agrupamentos de esquerda do período.

É, pois, no quadro da preocupação de reinstalar não apenas o tema, como


principalmente, o compromisso com o método do materialismo histórico no seu
enfrentamento, é que se insere este trabalho a respeito da fundação, princípios programáticos
e lugar histórico da Organização Revolucionária Marxista-Política Operária/Polop, abordando
o período que vai da fundação do grupo, em 1961, até a aprovação do seu “Programa
Socialista para o Brasil”, em 1967. A organização manteve uma prática estruturada até 1984,
mas foi no período acima que consolidou suas principais teses e propostas para uma revolução
socialista no país, sintetizadas no próprio “Programa”. Este estudo não se propõe investigar a
atividade prática do agrupamento, entendida enquanto intervenção direta nas lutas de classes,
limitando-se a referência a esta intervenção à necessidade de situar o surgimento,
desenvolvimento e formulação das idéias da organização: suas conceituações, teses e
propostas. Na identificação dos antecedentes históricos, políticos e teóricos da fundação e

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desenvolvimento do grupo, remontaremos a acontecimentos, fatos, debates e personagens, a
nível nacional e internacional, que confluíram em linha direta na estruturação do
agrupamento.
Mesmo não sendo do âmbito das preocupações deste trabalho a discussão das causas
da derrota da esquerda brasileira na conjuntura do golpe de 1964 e seu desdobramento,
acreditamos serem pertinentes nesta introdução algumas reflexões acerca das conclusões a
que chegou Reis Filho no livro acima citado, em razão não das respostas que dá, mas das
perguntas que deixa no ar. Para o autor, o fracasso da esquerda no período já estava inscrito
em seu próprio código genético; seus erros, assim, não o deveriam ser buscados em eventuais
desvios, mas no eixo mesmo de suas concepções a respeito dos processos revolucionários e o
papel que teria a desempenhar neles. “... porque não procurar o fundamento das derrotas nos
pontos fortes das organizações comunistas, em suas linhas de resistências mais sólidas?”,
pergunta Reis Filho (Op. cit, pág. 18), para, em seguida, anunciar a composição destas linhas
de resistência: “... os mitos coesionadores (a revolução inevitável, a missão universal do
proletariado, o papel essencial do partido de vanguarda), a estratégia da tensão máxima
(conjunto de procedimentos destinados a estruturar a prática política) e o processo de
elitização no interior das organizações e em suas relações com a sociedade”. (Op. cit., pág.
19.) A conclusão geral é a de que a soma destes três fatores de origem acabou afastando os
comunistas da sociedade que pretendiam revolucionar, isolando-os da realidade e, em
conseqüência, tornando-os incapazes de uma ação vitoriosa. Nas palavras do autor:
“Entretanto, estes fatores de coesão, indispensáveis para o funcionamento e fortalecimento
das organizações comunistas, debilitam e enfraquecem simultaneamente a capacidade dos
comunistas de manterem um contato, uma troca, uma interação, vivas e ágeis, como o
processo histórico.” (Op. cit., pág. 183.)

É de posse deste referencial metodológico que Reis Filho desenvolve no transcorrer de


sua obra uma análise dos agrupamentos de esquerda no país no período que se propôs estudar,
tentando identificar na teoria e na prática de cada agrupamento posturas que, do nosso ponto
de vista, ficariam mais bem denotadas se agrupadas sob a conceituação geral de
vanguardismo e, de outro lado, reboquismo. Ao atribuir, no entanto, a tais posturas a
qualidade de idéias-força (ou expressões destas) do corpo conceitual marxismo-leninismo, o
autor abre um flanco de enfraquecimento de suas reflexões. Assegura Reis Filho: “Para o
maarxismo-leninismo, a revolução é sempre figurada como algo imanente do processo
histórico, não passa de um desdobramento orgânico do regime capitalista e não faltam

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referências comparando a revolução a um ‘cataclisma natural’ que acontece independente
da vontade dos homens. Assim, eventuais derrotas deveriam ser compreendidas como
‘momentos de repouso’, que seriam logo – e fatalmente – substituídos por novas lutas, ‘mais
violentas ainda’.” (Op. cit., pág. 107, com as últimas aspas referentes a uma afirmação de
Engels no texto “Os movimentos de 1847”.) Mais adiante, na página 172, o autor dá sua
definição geral de marxismo-leninismo: “Como definir o marxismo-leninismo? Tantos o
invocam. Onde encontrar seus fundamentos? Em Marx? Na atualização Lênin? Na tradução
de Stalin? Em Mao? A confusão não impede dizer que se baseia numa certa concepção do
devir histórico (determinismo histórico, inevitabilidade da revolução), visão do papel
histórico da classe operária, messianismo operário e numa concepção dos comunistas como
vanguarda revolucionária, entre outras referências.”

Não consideramos frutífera a intenção de estabelecerem algumas palavras o conteúdo


essencial do marxismo-leninismo. De todo modo, consideramos útil trazer à discussão
citações e reflexões de seus fundadores.

Entre outras passagens de sua obra, no livro 3 de “O Capital” (2) Marx sintetiza com
clareza sua teoria a respeito da dinâmica do capitalismo, desenvolvendo a teoria dos ciclos
econômicos, que, por sua vez, compreende o conceito de crise. É fora de dúvida que Marx
fala da inevitabilidade do aguçamento das contradições essnnciais do capitalismo (inclusive e
principalmente aquela que dá base às demais, ou seja, o caráter social da produção posto
contra o caráter privado da apropriação da produção social), que, enquanto projeção teórica,
inviabilizariam o sistema historicamente. Na análise concreta do desenvolvimento do sistema
capitalista Marx vê na ocorrência dos ciclos e na eclosão das crises igualmente fatores de
revigoramento do sistema e, de outro lado, da possibilidade da erupção revolucionária. Aliás,
não é outra senão esta a base teórica em que assenta a polêmica reforma x revolução travada
de forma aguda entre ortodoxos e reformadores do marxismo na Alemanha e na Itália no
início deste século. Do lado dos reformistas (Berstein, Kautsky, Tasca), a crença em um
desenvolvimento linear do capitalismo em que caberia aos revolucionários operar no sentido
da obtenção de ganhos parciais (materiais, ideológicos, ou institucionais, conforme a
subcorrente que abraçava tal crença); ou, então preparar-se para dar o piparote final no dia em
que o capitalismo encontrasse sua hora da verdade, a sua morte anunciada. É curioso e
ilustrativo observar aqui que a visão da inevitabilidade da revolução (catastrofista) e a que se
refere ao avanço gradual dos trabalhadores em direção ao seu paraíso (reformista-gradualista)

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encontram sua base comum na concepção de um desenvolvimento linear do sistema
capitalista. Tal linearidade, contudo, não é autorizada em Marx. Vejamos.

É na Parte Terceira do Livro 3, capítulos XIII, XIV e XV, de “O Capital” que Marx
vai desenvolver a elaboração do conceito de crises cíclicas. O ponto de partida é a formulação
da lei da queda tendencial da taxa de lucro, que por sua vez parte dos conceitos de valor-
trabalho e mais-valia fixados no Livro 1. Pela lei, a dinâmica essencial do processo de
acumulação capitalista implica que a taxa de lucro tende a cair processualmente na medida do
próprio avanço contínuo das forças produtivas, exigência e característica estrutural da
dinâmica da acumulação, em função do aumento da composição orgânica do capital, ou seja,
da ampliação do uso da maquinaria (trabalho morto) em detrimento da utilização da força de
trabalho (trabalho vivo), esta a única força geradora do excedente que vai compor a
acumulação. Marx:

“Essa tendência produz, simultaneamente com o decréscimo relativo do capital variável em


relação ao constante, cada vez mais elevada composição orgânica do capital global, daí
resultando diretamente que taxa de mais-valia sem variar e mesmo elevando-se o grau de
exploração do trabalho, se expresse na taxa geral de lucro em decréscimo contínuo (mais
adiante veremos por que esse decréscimo não se concretiza nessa forma absoluta, mais em
tendência à queda progressiva). A tendência gradual para cair, da taxa geral de lucro é portanto
apenas expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do progresso da produtividade
social do trabalho. A taxa de lucro pode, sem dúvida, cair em virtude de outras causas de
natureza temporária, mas ficou demonstrado que é da essência do modo capitalista de
produção, constituindo necessidade evidente, que, ao desenvolver-se ele, a taxa média geral da
mais-valia tenha de exprimir-se em taxa geral cadente de lucro.” (“O Capital”, op. cit., Livro 3,
vol. IV, pág. 243, grifos originais.)

Após explicitar toda uma demonstração dos fatores concretos contratendenciais à


queda da taxa de lucro, com destaque para o aumento quantitativo da produção e a ampliação
da jornada de trabalho, Marx aborda o ponto nevrálgico do entrave à acumulação capitalista,
ou seja, o caráter social da produção em contradição com o caráter privado da apropriação nos
termos em que tal antagonismo ocorre no modo de produção capitalista, condicionado por
suas especificidades. Afirma Marx:

“À medida que o processo se desenvolve, expressando-se na taxa cadente de lucro, expande-se


imensamente a massa de mais-valia assim produzida. Começa então o segundo ato do
processo. Tem que ser vendida toda a massa de mercadorias, todo o produto, tanto a parte que
repõe o capital constante e a variável, quanto a que representa a mais-valia. Senão houver esta
venda ou se ela ocorrer apenas em parte ou a preços que estejam abaixo dos preços de
produção, terá o trabalhador sido explorado, mas essa exploração não se concretizará em

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resultado para o capitalista, podendo estar ligada à realização nula ou parcial da mais-valia
extorquida e mesmo a prejuízo parcial do capital. Não são idênticas as condições da exploração
imediata e as da realização dessa exploração. Diferem no tempo e no espaço e ainda em sua
natureza. As primeiras têm por limite apenas a força produtiva da sociedade, e as últimas, a
proporcionalidade entre os diferentes ramos e o poder de consumo da sociedade. Mas esse
poder não é determinado pela força produtiva absoluta e sim condicionada por relações
antagônicas de distribuição, que restringem o consumo da grande massa da sociedade a um
mínimo variável dentro de limites mais ou menos estritos. Além disso, limita-o a propensão a
acumular, a aumentar o capital e a produzir mais-valia em escala ampliada.” (“O Capital”, op.
cit., 3, IV, pág. 281.)

Gostaríamos de – adicionalmente à reflexão metodológica de que nos ocupamos agora


a respeito da visão marxista da história – destacar na citação acima a impropriedade dos
pontos de vista daqueles que buscam relegar a um segundo plano os processos de circulação
na análise marxista da dinâmica do capitalismo. Como se vê, produção e circulação integram
um só processo, se complementam. Voltaremos a este assunto.

Visto, assim, o conflito entre o aumento da produtividade e a produção relativa da base


do consumo, Marx tipifica os fenômenos da crise cíclica:

“Parte das mercadorias que estão no mercado só pode efetuar o processo de circulação e de
reprodução com enorme contração de preços, portanto por meio de depreciação do capital que
ela representa. Do mesmo modo depreciam-se mais ou menos os elementos do capital fixo.
Acresce que relações de preço determinadas, de antemão estabelecidas, condicionam o
processo de reprodução, e por isso a queda geral de preço estagna-o e desorganiza-o. Essa
perturbação e esta estagnação paralisam a função do meio de pagamento, exercida pelo
dinheiro, ligada ao desenvolvimento do capital e baseada sob aquelas relações de preços
pressupostas; interrompem em inúmeros pontos a cadeia das obrigações de pagamentos em
prazos determinados e se agravam com conseqüente desmoronamento do sistema de crédito
que se desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises violentas, agudas, em
depreciações bruscas, brutais, em estagnação e perturbação físicas do processo de reprodução e
por conseguinte em decréscimo real da produção.” (“O Capital”, 3, IV, pág. 292.)

Acabou o capitalismo? É chegado o momento da hecatombe? Não, isso não faz parte
do pensamento de Marx, que enfatiza logo no parágrafo seguinte:

“Mas, ao mesmo tempo, outros fatores estariam em jogo. A estagnação ocorrente da produção
teria desempregado parte da classe trabalhadora e assim colocado a parte empregada em
condições em que teria de conformar-se com redução de salário abaixo da média, daí
decorrendo para o capital o mesmo efeito que um aumento da mais-valia relativa ou absoluta,
sem alteração do salário médio... Além disso, a própria depreciação do capital constante seria
um fator que implicaria a elevação da taxa de lucro. A massa do capital constante aplicado teria
aumentado em relação a variável, mas o valor dessa massa poderia ter caído. A estagnação
sobrevinda à produção teria preparado a expansão posterior da produção, dentro dos limites
capitalistas. Assim, ter-se-ia percorrido todo o ciclo. Parte do capital que se depreciara, por
paralisar-se a função, recuperaria o valor antigo. Demais, com as condições de produção e

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mercado ampliados, com produtividade acrescida, voltaria a repertir-se o mesmo círculo
vicioso.” (“O Capital”, 3, IV, págs. 292/293.)

Ao final do capítulo XV (“As contradições internas da lei”), fechando a terceira parte


do Livro 3, Marx conclui que “três fatores fundamentais marcam a produção capitalista”: a
concentração dos meios de produção em poucas mãos, a divisão do trabalho e sua organização
social cooperativa e a constituição de um mercado mundial. Com a transcrição deste terceiro
item fechamos essa série de citações de “O Capital” sobre a crise capitalista, as quais, nos
parece, desautorizam a suposição de um mecanismo catastrofista-teleológico na teoria
marxista da história. Conclui Marx: “(3) Constituição de um mercado mundial. No modo
capitalista de produção, relativamente à população, desenvolve-se em demasia a
produtividade e, embora sem atingir a mesma proporção, aumentam os valores-capital (e não
só o substrato material desses valores) de maneira mais rápida que a população. Os dois
fatos colidem com a base - que em relação à riqueza crescente, é cada vez mais estreita, e
para a qual opera esse produtividade imensa – e com as condições de valorização do capital
que se expande. Daí as crises.” (“O Capital”, 3, IX, pág. 305.)
É com base, pois, nesta metodologia – marxista – que se alinharam os integrantes da
corrente ortodoxa (Lênin, Rosa Luxemburgo, Bordiga), defendendo a tese da ocorrência da
crise revolucionária no interior das crises econômicas cíclicas, como cenário privilegiado da
revolução. Amadeo Bordiga, um dos fundadores do Partido Comunista da Itália, líder da ala
esquerda que viria a perder a hegemonia no partido para a tendência gramsciana, sintetiza
com precisão os termos do choque político decorrente das duas diferentes visões históricas;
em artigo integrante de uma série publicada entre 4 de janeiro e 22 de fevereiro de 1920 no “II
Soviet”, Bordiga critica as posições assumidas por Angelo Tasca no “L’Ordine Nuovo”:

“Tasca dá a entender que a conquista do poder pode produzir-se sem violência quando o
proletariado tiver concluído a obra de preparação técnica e educação social que seria
precisamente o método revolucionário concreto propugnado pelos camaradas do ‘L’Ordine
Nuovo’. É necessário demonstrar que esta concepção tende ao reformismo e se distancia dos
princípios fundamentais do marxismo revolucionário, segundo os quais a revolução não está
determinada pela educação, a cultura ou a capacidade técnica do proletariado, mas pela crise no
interior do sistema de reprodução capitalista.” (“Para La constituición de los consejos obreros
en Itália”, in “Debate sobre los consejos de fabrica” (3), pág. 111, tradução nossa do espanhol.)

A crítica se dirige, como visto, à estratégia da “guerra de posições” e é bastante atual,


inclusive no Brasil, onde defensores daquele gradualismo insistem em se dizerem marxistas.

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Já em 1859, no “Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política” (4), Marx
sistematizava sua concepção geral dos processos de transformação social esboçada em
meados da década anterior na “Ideologia Alemã”: em determinado momento histórico, as
forças produtivas entram em choque com as relações de produção da sociedade, ou seja, com
as relações jurídicas de propriedade no interior das quais estas forças materiais de produção se
desenvolveram, abrindo, assim, uma época revolucionária. Interessa-nos mais
especificamente aqui, no entanto, uma passagem onde Marx trata ainda mais de perto da
questão do determinismo, da hipotética inevitabilidade da revolução:

“Quando se estudam essas revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais
ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão
própria das ciências naturais e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas,
numa palavra, as forma ideológicas em que os homens adquirem consciência deste conflito e
lutam por resolvê-lo.” (Prefácio à Contribuição...”, op. cit., págs 301/302, grifo nosso.)

Estamos, pois em Marx, muito distantes de uma visão mecanicista do


desenvolvimento histórico alegada por Reis Filho, mas pelo contrário, no interior de uma
concepção que ressalta qualitativamente a interação de fatores objetivos e subjetivos,
entendida esta subjetividade, fica claro, como elemento de efetividade somente e apenas se
combinada com seu par dialético objetividade; com isso, fica igualmente excluída a
substância de apreciações do marxismo que o desqualificam (como pretendeu Bernstein)
como mero voluntarismo blanquista – melhor dizendo, tentam desqualificá-lo.

Em seus escritos políticos – ou mais diretamente políticos, já que sua empreitada foi
essencialmente política –, Marx sempre fez presente a necessidade de, a partir de seu método
referir-se à concreticidade das lutas de classe e dos momentos históricos como base de
atuação política. Como na “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas” (5): “Não
resta a menor dúvida de que, com o desenvolvimento da revolução, a democracia pequeno-
burguesa obterá, na Alemanha, por algum tempo, uma influência predominante. A questão é,
pois, saber qual há de ser a atitude do proletariado da Liga diante da democracia pequeno-
burguesa.” (Op. cit. pág. 87.) O que se percebe é um Marx voltado para o andamento concreto
das lutas de classe, das formas do Estado, atento para a conformação das forças em combate,
para, no interior do complexo das contradições em jogo, posicionar suas próprias forças. Não
é de Marx, portanto, a postura do ataque permanente nem a de que o objetivo final está
sempre ao alcance da mão.

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E não estamos diante de circunstâncias, um posicionamento “conjuntural”, uma
citação isolada. Estamos falando de método. Nas “Teses sobre Feuerbach” (6), escritas na
primavera de 1845, Marx já deixara claro que seus pontos de partida se situavam em outro
campo que não o do materialismo mecanicista. Afirma a Terceira Tese: “A doutrina
materialista (feuerbachiana) da transformação das circunstancias e da educação esquece que
as circunstâncias têm que ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de
ser educado. Daí que ela tenha de cindir a sociedade em duas partes –uma das quais fica
elevada acima dela. A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou
autotransformação só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis
revolucionária.” (Op. cit., pág. 108. grifo original.)

E é porque se trata de um método, ou seja, de um conjunto de conceitos gerais de


instrumentalização de análise, conhecimento e transformação da realidade, que o marxismo se
ergue para além das formulações episódicas de eficácia restrita ao eventual. Assim é que
Engels, em 1885, já morto Marx, serve-se do mesmo instrumento metodológico para analisar
os eventos da Revolução Alemã de 1848, na “Contribuição à História da Liga dos
Comunistas” (7):

“A crise industrial de 1847, que preparara a revolução de 1848, já fora superada. Começava um
período novo, até então nunca visto, de prosperidade industrial: quem tivesse olhos para ver e
fizesse uso deles tinha de convencer-se de que a tormenta revolucionária de 1848 se dissipava,
pouco a pouco. ‘Com esta prosperidade geral, em que as forças produtivas da sociedade
burguesa se desenvolvem com toda a exuberância que lhe permitem as condições burguesas,
não se pode de modo algum falar de uma verdadeira revolução. Uma tal revolução só pode
ocorrer naqueles períodos em que esses dois fatores, as forças produtivas modernas e as formas
burguesas de produção, entram em conflito. As diferentes disputas em que se arrastam e em
que se comprometem reciprocamente os representantes das diferentes frações do partido
continental da ordem, longe de dar margem a novas revoluções, pelo contrário, só são possíveis
porque a base das revoluções sociais é, por enquanto, tão segura e – coisa que não se ignora –
tão burguesa. Contra ela hão de esboroar-se todas as tentativas de reação para conter o
desenvolvimento burguês, assim como toda a indignação moral e todas as proclamações
entusiastas dos democratas’. Assim escrevíamos, Marx e eu, na revista de Maio a Outubro de
1850 da Nova Gazeta Renana, Revista Política e Econômica, cadernos V/VI, Hamburgo, 1850,
pág. 153. (“Contribuição à História...” op. cit. págs. 194/195, grifos originais.)

Onde, então, em Marx, a idéia da revolução como “cataclisma natural”, como alega
Reis Filho? Uma coisa foi e tem sido o uso aleatório de frases isoladas do campo do
marxismo para convalidar conveniências políticas e “táticas”, como aliás bem aponta o autor
em seu texto. O que não constitui privilégio da esquerda brasileira, diga-se a bem da verdade,

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e que não necessariamente reflete objetivos, declarados ou não, de coesionamento artificial
dos agrupamentos de revolucionários. Outra coisa é o próprio marxismo, cuja apreensão e
apropriação criadora vai depender de fatores mais estritamente ligados às conjunturas
nacionais e internacionais das lutas de classe, das quais, como formula Marx, a práxis
revolucionária é parte integrante. Partimos, assim, do ponto de vista de que as concepções dos
comunistas, ao contrário de expressarem princípios saídos da imaginação de algum
“reformador do mundo”, “são apenas expressão geral das condições reais de uma luta de
classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os nossos olhos.” Como
expressa o “Manifesto do Partido Comunista” (8).

Se se agrega o nome de Lênin ao de Marx na denominação da teoria da revolução


proletária e construção da sociedade socialista, formulada em seus princípios fundamentais e
contornos gerais por Marx e Engels, é porque, além de líder da maior revolução do século,
que teve naqueles princípios os pilares de seu ideário básico, Lênin fez da rigorosa
observância ao método marxista a mais afiada das armas com que operou o desenvolvimento
de todo um arsenal teórico (e aqui nos referimos especificamente à teoria do partido e ao lugar
dos fatores subjetivos no desencadeamento dos processos revolucionários), que possibilitou o
alargamento das fronteiras do marxismo em direção à compreensão da realidade e,
fundamentalmente, à sua transformação. Daí poder-se falar com propriedade em marxismo-
leninismo.

Dito isso, vamos a Lênin:


“A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e em particular pelas três
revoluções russas do século XX, consiste no seguinte: para a revolução não basta que as
massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo
como vivem e exijam transformações; para a revolução é necessário que os exploradores não
possam continuar vivendo e governando como vivem e governam. Só quando os ‘de baixo’ não
querem e os ‘de cima’ não podem continuar vivendo à moda antiga é que a revolução pode
triunfar. Em outras palavras, esta verdade exprime-se do seguinte modo: a revolução é
impossível sem uma crise nacional geral (que afete explorados e exploradores).”
(“Esquerdismo, doença infantil do consumismo” (9), págs. 96/97.)

Ora, estamos diante de uma visão geral, metodológica. E nada há aí que possa ser
entendido como um receituário dominado pela concepção de uma revolução inevitável e/ou
pronta para entrar em cena a cada entreato histórico. O que temos em frente, pelo contrário, é
uma reflexão que faz presente a tão cara, para Marx, “análise concreta da situação concreta”,
que, muito mais que corriqueiro senso de responsabilidade política, remete para a necessidade
da consideração dos fatores subjetivos e objetivos na conformação das viradas históricas;

15
remete, pois, para práxis, caminho inverso daquele que “leva a teoria ao misticismo”, como
alertava Marx. Entendendo assim a dinâmica geral dos processos revolucionários é que Lênin
vai pensar alcance e limites da atuação dos partidos de vanguarda, sua relação com as massas
trabalhadoras, seu lugar na história, enfim. No mesmo “Esquerdismo”, ele alerta:

“A história em geral, e a das revoluções em particular, é sempre mais rica de conteúdo, mais
variada de formas e aspectos, mais viva e mais ‘astuta’ do que imaginam os melhores partidos,
as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas. E isso é compreensível, pois as
melhores vanguardas exprimem a consciência, a vontade, a paixão e a imaginação de dezenas
de milhões de homens, enquanto a revolução é feita por classes.” (Op. cit., pág. 111.)

Longe de despachar os revolucionários para o nirvana histórico onde a tomada do


poder integraria sempre o rol das providências da próxima alvorada, Lênin recomenda a ida às
massas.

“Além disso, deve-se trabalhar obrigatoriamente onde estejam as massas. É necessário saber
fazer todas as espécies de sacrifícios e transpor os maiores obstáculos para realizar uma
propaganda e uma agitação sistemática, pertinaz, perseverante e paciente exatamente nas
instituições, associações e sindicatos, por reacionários que sejam, onde haja massas proletárias
ou semi-proletárias.” (“Esquerdismo...”, op. cit., pág. 54, grifos originais.)

Esta diretriz, por cristalina, não autoriza a avaliação de Reis Filho, por ele tomada por
evidência: “É a lógica os estados-maiores revolucionários: viver a revolução, como um
processo iminente, à espreita da oportunidade favorável. De fato, de que valerá a intimidade
com processos sociais não revolucionários? Senão para diluir aspirações e corroer o ânimo
revolucionário?” (“A revolução...”, op. cit., pág. 19.) É certo que toda a esquerda brasileira –
alguns agrupamentos eventualmente, outros de forma sistemática – privilegiou o voluntarismo
enquanto método informador de suas práticas. Realmente, algumas organizações praticamente
resumiam a slogans voluntaristas (“o dever de todo revolucionário é fazer a revolução”, entre
outros poucos) seu programa, estratégia e tática. Mas, insistimos, o voluntarismo é
absolutamente estranho ao método marxista-leninista.

Na condição de líder revolucionário, de dirigente principal da fração bolchevique do


Partido Operário Social-Democrata da Rússia, Lênin deixou exemplos capitais de haver
incorporado o marxismo para muito além de seu anúncio teórico, os olhos voltados para a
realidade da dinâmica viva das lutas de classes, sem compromissos com fórmulas

16
consagradas. Igualmente capacitado metodologicamente para perceber o advento dos
momentos que impõem o recuo e aqueles em que cabe avançar, o mesmo Lênin que no
outono de 1916 afirmara que a revolução socialista era um acontecimento para ser vivido,
talvez, por seus netos, desembarca em abril de 1917 na Estação Finlândia de Petrogrado
convencido de que se aproximava a hora do assalto do proletariado ao poder, E com suas
“Teses de Abril” e “Cartas sobre Tática” (10) desenvolve uma reviravolta nos objetivos que
até então dirigiam a política dos bolcheviques, que continuavam presos à estratégia etapista de
uma revolução democrática hegemonizada por operários e camponeses sob a fórmula geral já
anunciada no projeto de programa do partido de 1899. Afinal, ocorrera uma revolução na
Rússia em fevereiro de 1917.

E Lênin recorre a Marx, retoma a essência do sistema marxista, para compreender os


novos tempos e convencer seus companheiros: “O marxismo exige que tenhamos em conta
com a maior precisão e comprovemos com toda a objetividade a correlação de classes e as
peculiaridades concretas de cada momento histórico. Nós, os bolcheviques, sempre nos temos
esforçado por ser fiéis a este princípio, incondicionalmente obrigatório se se quer dar um
fundamento científico à política. ‘A nossa doutrina não é um dogma, mas sim um guia para a
ação’, diziam sempre Marx e Engels...” (“Carta Primeira/Apreciação do Momento”, in
“Cartas sobre Tática, op. cit., pág. 9.) Que se mudem as concepções específicas, mantido o
método. E este método, que subordina dialeticamente a ação partidária à concreticidade das
lutas de classe, foi o fio com que Lênin tecera o primeiro dos seus trabalhos políticos mais
sistematizados, o “Que Fazer?” (11), de 1902. “O movimento operário espontâneo não pode
criar por si só senão o trade-unionismo (e cria-o inevitavelmente), e a política trade-
unionista da classe operária não é mais do que a política burguesa da classe operária.”
(“Que Fazer?”, op. cit., pág. 99.) Não seria esta passagem suficientemente clara para
desautorizar a conclusão de Reis Filho de que o marxismo-leninismo implicaria uma espécie
de “messianismo operário”? É fora de dúvida, se é isso que quis dizer o autor, que o
marxismo-leninismo considera a classe operária a força-motriz da revolução socialista;
porém, atribuir tal função messiânica a um proletariado tomado apenas como categoria sócio-
econômica em um processo “histórico” linear (e não dialeticamente contraditório e
multifacetado, como o figura o marxismo) de superação da sociedade burguesa fatalmente
jogaria o marxismo-leninismo para outra seara – a dos mencheviques ou a do revisionismo
bernsteineano-kautskista.

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Mas não é esta a principal reflexão que queremos fazer aqui sobre o trecho do “Que
Fazer?” acima citado, mas, sim, a consideração de que, ao relativizar (que aqui não significa
diminuir, diga-se) o papel do proletariado, Lênin abre espaço teórico para introduzir a
vanguarda revolucionária e o papel que tem a cumprir. Uma vanguarda que não substitui a
ação dos trabalhadores, mas se constitui na parte mais consciente deste proletariado, fundida
com seus interesses e suas fileiras, como já propunham Marx e Engels no “Manifesto”: “Os
comunistas... Não têm interesses que os separem do proletariado em geral. Não proclamam
princípios particulares segundo os quais pretenderiam modelar o movimento operário.” (Op.
cit., pág. 31.) É certo que nos momentos de descenso das lutas de classe e do próprio
movimento operário, a composição dos agrupamentos comunistas tende a possuir uma
maioria de quadros de origem intelectual – composição em que rigorosamente não se pode
falar em partido operário revolucionário –, reflexo dos modos particulares de apreensão da
teoria revolucionária próprios dos trabalhadores manuais, de um lado, e os trabalhadores
intelectuais, do outro, já considerados por Marx em sua polêmica com Proudhon. É
fundamental levar-se sempre em conta a formulação marxista-leninista de que o proletariado
somente assume uma consciência revolucionária (“consciência para si”) nos processos de
aprofundamento e radicalização dos embates de classe. O próprio exemplo da Revolução
Russa confirma esta tese, quando os bolcheviques viram suas fileiras engrossadas por levas de
milhares de trabalhadores com o afunilamento das lutas que resultou na revolução. Para o
marxismo, portanto, é neste terreno, o das lutas concretas dos trabalhadores, que se constrói o
partido revolucionário da classe operária. O que certamente não foi levado em conta pela
maioria da esquerda revolucionária do Brasil no pós-golpe, quando, ancoradas na abnegação e
na vontade e inspiradas em receituários que chegavam em alguns casos a se declarar
abertamente rompidos com as propostas marxistas e leninistas de construção partidária,
tentaram algumas organizações substituir os trabalhadores no processo revolucionário.
Somados voluntarismo e descenso, o que se viu como consequência foi a hegemonização
orgânica dos intelectuais no interior daqueles agrupamentos; quanto à composição numérica,
a hegemonias dos intelectuais não se restringiu às organizações político-militares e às
assumidamente debreístas (foquistas), já que o pano de fundo de toda a ação política no país
era, como dissemos, a ausência de lutas abertas de classes.

Outra questão é a que se refere a hipotéticos empecilhos estruturais a que operários de


origem venham a ocupar postos de liderança na estrutura partidária ou mesmo no poder. De
início, poderíamos argumentar que Stálin foi sapateiro, Kruschev mineiro e Brejnev

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metalúrgico. Mas tal critério não é garantia de condução vitoriosa das empreitadas
revolucionárias; nenhum operário nasce vacinado contra a possibilidade de assumir posições
burguesas e pequeno-burguesas. Os tempos atuais são fartos em exemplos, nacional e
internacionalmente. O que pensa Lênin sobre isso? Voltemos ao “Que fazer?”:

“Pelo contrário, a organização dos revolucionários deve englobar, antes de tudo e sobretudo,
pessoas cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso falo de uma organização de
revolucionários social-democratas). Perante esta característica geral dos membros de uma tal
organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais, para não falar da
distinção entre as diferentes profissões de uns e outros. Necessariamente, esta organização não deve ser
muito extensa, e é preciso que seja o mais clandestina possível.” (Op. cit., pág. 115, grifos originais.)

Estaria aí o Lênin – e o marxismo-leninismo – elitista, fadado a se alhear da classe que


pretende conduzir ao poder? Em nome da qual, e apenas em nome da qual, pretende
desencadear uma revolução socialista?

Devolvamos a palavra a Lênin, ainda no “Que Fazer?”:

“E a concentração de todas as funções clandestinas nas mãos do menos número possível


de revolucionários profissionais não significa, de maneira alguma, que estes últimos
‘pensarão por todos’, que a multidão não tomará uma parte ativa no movimento. Pelo
contrário, a multidão fará surgir do seu seio um número cada vez maior de
revolucionários profissionais, porque saberá que não basta que alguns estudantes e
operários, que lutam no terreno econômico, se reunam para constituir um comitê, mas é
necessário através dos anos, educá-los como revolucionários profissionais, e ‘pensará’ não
só nos métodos artesanais de trabalho, mas precisamente nesta formação. A centralização
das funções clandestinas da organização não implica, de maneira alguma, a centralização
de todas as funções do movimento. A colaboração ativa das mais amplas massas nas
publicações ilegais, longe de diminuir, decuplicará, quando uma ‘dezena’ de
revolucionários profissionais centralizem as funções clandestinas dessa mesma
atividade.” (Op. cit., pág. 126, grifos e aspas originais.)

Se nos fosse dada a possibilidade de resumir o pensamento de Lênin no que diz


respeito às relações partido-massa, é certo que encontraríamos na proposta da formação de um
partido destacado da consciência e organização espontânea dessas massas o eixo das demais
premissas de suas teses. É preciso enfatizar, ainda, que as propostas específicas do “Que
Fazer?” a respeito das relações entre o trabalho clandestino e o trabalho legal partem da
avaliação das condições gerais de trabalho frente à máquina repressiva do Estado na Rússia de
então.

19
É necessário enfatizar igualmente que a teoria da estruturação partidária leninista se
apresenta como um corolário de suas concepções gerais a respeito do lugar e papel da classe
operária na revolução, que – mesmo de caráter geral democrático na visão geral de então
(visão que seria formalmente abandonada em abril de 1917, o que instrumentalizou os
bolcheviques para o assalto ao poder com a bandeira da revolução socialista) – deveria ser
hegemonizada pelos trabalhadores; na base da teoria organizatória de Lênin, portanto,
evidencia-se a preocupação de manter a independência política e organizatória dos
trabalhadores em todo o processo revolucionário. Daí, sua proposta de partido. Daí, o abismo
que o separava, como ele próprio destacou, dos “economicistas” (reformistas) que, em nome
de uma religiosa fidelidade ao nível de consciência dos trabalhadores e alegando a
necessidade de se permanecer sempre “ao lado” das massas, se incorporavam a um projeto
burguês para a Rússia, abrindo mão da luta política, que preferiam confiar à burguesia.
Também com um abismo a separá-los de Lênin, os adeptos do “terrorismo excitativo”,
impacientes diante das idas e vindas da roda da história e, aí sim, imbuídos de convicções
dominadas pela onipotência em que se viam capacitados a despertar a consciência
revolucionária das massas da noite para o dia através de suas “ações exemplares”. Isso, como
vimos, não é leninismo.

Perry Anderson, em suas “Considerações sobre o marxismo ocidental” (12), aponta


para todo um ciclo histórico em que o desenvolvimento da teoria marxista – e por
consequência seu próprio conhecimento, para se ser fiel à concepção marxista de práxis -
esteve obstaculizado por um conjunto de entraves materiais oriundos dos termos do
desenvolvimento mundial do capitalismo e das lutas de classes internacional praticamente em
todo o período que se segue à ocorrência da Revolução Russa; em resumo, Anderson alude a
que o marxismo, não encontrando terreno fértil no interior de uma larga conjuntura que o
colocava na defensiva frente à hegemonia do par capitalismo-burocracia que dominou o
cenário internacional na etapa considerada, como que se refugiou em instituições
(basicamente universitárias) da burguesia e da pequena burguesia, perdendo assim a
vitalidade, sintetizada na na ação prático-teórica leninista, que garantiria seu crescimento.
Ironicamente, Anderson é um acadêmico.

Como acadêmico é o marxista Michael Löwy, professor da Universidade de Paris-


VIII, brasileiro, integrante do núcleo inicial que fundou a Polop. Löwy aprofundou estudos
em busca dos fundamentos filosóficos e metodológicos do marxismo e do leninismo. Sem

20
atribuir-lhe, é claro, a responsabilidade da conceituação do leninismo, estamos seguros de que
algumas de suas reflexões farão avançar o debate. Ao discutir a objetividade das ciências
sociais em seu “Método Dialético e Teoria Política” (13), Löwy, a partir de “O Capital”,
destaca o ponto de vista proletário que informou toda a elaboração teórica marxista,
significando isso, a nível do método, a adoção do princípio da contingência histórica,
entendida dialeticamente como conhecimento e, concomitantemente, ação transformadora de
seu objeto. Como recurso de contraposição, Löwy aponta em Bernstein, o papa do
revisionismo-reformismo, uma vertente metodológica positivista a sustentar toda a concepção
bernsteineana de ciência e desenvolvimento histórico: “A ciência econômica para Bernstein
deve estar acima dos conflitos de classe, empírica, não partidária, sem pressuposições, numa
palavra positiva: ‘Minha maneira de pensar teria me predisposto mais certamente para a
filosofia e para a sociologia positivistas’, declara ele num ensaio autobiográfico.” (“Método
Dialético...”, op. cit., pág. 100, grifo original.) Mais adiante, discutindo os aportes de Rosa
Luxemburgo ao corpo conceitual do marxismo, Löwy vai mais diretamente ao tema que nos
interessa mais de perto nesta introdução. Após retomar a afirmação de Lukacs segundo a qual
com Marx e Rosa ficara definitivamente superado o dilema das leis puras contra a ética das
intenções, afirma Löwy: “Mas isso não significa absolutamente que ela (Rosa) se incline para
uma concepção fatalista e economicista da história – como Kautski, em que o economicismo
mecanicista se misturava harmoniosamente com o evolucionismo darwinista, dando como
resultante política uma tática de espera da ruína necessária, inevitável e fatal do sistema
capitalista.” (“Método Dialético...”, op. cit., pág. 100, grifo original.)

Não é, portanto, em Marx, nem no marxismo-leninismo, que poderemos encontrar esta


concepção determinista, mecânica, de uma revolução que eclodiria como uma catástrofe
natural. Esta metodologia subjacente, fator de alimentação de práticas na esquerda brasileira,
encontra contudo suas formulações mais explícitas e bem acabadas na pena daqueles que se
propuseram abertamente a tarefa de rever o marxismo. No caso brasileiro – e não só no caso
brasileiro, repetimos –, este método provocou erros à esquerda e à direita. E na crítica a esta
metodologia, vista como instrumentalizadora de estratégias reformistas, Löwy ilumina com
precisão a presença deste determinismo catastrofista no pensamento kautskista:

“Em seu livro mais importante, ‘O Caminho do Poder’, ele (Kautski) insiste várias vezes
na idéia de que a revolução proletária é ‘irresistível’ e ‘inevitável’, ‘tão irresistível e
inevitável quanto o desenvolvimento incessante do capitalismo’, o que conduz a essa

21
conclusão espantosa, a essa frase remarcável e translúcida, que resume admiravelmente
toda sua visão ‘oportunista’ da história: ‘O partido socialista é um partido
revolucionário; ele não é um partido que faz revoluções. Sabemos que nossos fins só
podem ser realizados por uma revolução, mas sabemos também que não está em nosso
poder fazer a revolução, como não está em poder de nossos adversários impedi-la.
Consequentemente, não sonhamos nunca em provocar ou preparar uma revolução’.”
(“Método Dialético...”, op. cit., pág. 117.)

Ante, de concluir esta Introdução, cabe uma rápida referência crítica à possibilidade de
se falar em derrota da esquerda revolucionária brasileira. Em primeiro lugar, não nos parece
apropriado isolar a derrota da esquerda da derrota dos trabalhadores e da revolução. Por mais
que nossa esquerda revolucionária não tenha obtido a tão almejada penetração entre os
trabalhadores, a apatia do movimento operário pós-golpe certamente jogou seu papel, quando
menos como alimentadora de equívocos; de toda forma, consideramos indispensável situar a
ação de qualquer agrupamento político no interior de um balanço em que os fatores de ordem
objetiva tenham maior peso. Levando-se em conta que algumas das suas ideias – como a
idéia-força da Polop de retomar a ortodoxia marxista como arma revolucionária – não
perderam vida, não o caso se falar em perdas totais. Não se presenciaram derrotas na Rússia
em 1907, em 1912 e mesmo em julho de 1917? O “Massacre de Xangai” de 1927 não foi
igualmente uma derrota? E o assalto a Moncada? Hoje, as derrotas impostas pelo
imperialismo à União Soviética e ao socialismo no Leste Europeu podem dar espaço a
especulações burguesas e pequeno-burguesas de ‘fim da história’, com a sensação de derrota
final. Mas; não seria esta uma sensação semelhante à sentida quando das fases da Restauração
nas revoluções burguesas na Inglaterra e na França?

22
Notas

1. Reis Filho, Daniel Aarão – A revolução faltou ao encontro. São Paulo, 1990,
Brasiliense
2. Marx, Karl – O Capital. Rio, 1988, Editora Bertrand

3. Bordiga, Amadeo – Para lá constitución de los consejos obreros en Itália, in “Debate


sobre los consejos de fábrica”. Barcelona, 1977, Ed. Anagrama

4. Marx, Karl – Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política, in “Karl


Marx/Friedrich Engel – Textos III”. São Paulo, 1976, Alfa Omega

5. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Mensagem do Comitê Central à Liga dos


Comunistas, in “Karl Marx/Friedrich Engels – Textos III”. São Paulo, 1976, Alfa
Omega

6. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Ideologia Alemã e Teses sobre Feurbach. São Paulo,
1984, Editora Moraes

7. Engels, Friedrich – Contribuição à História da Liga dos Comunistas, in “Karl


Marx/Friedrich Engels – Textos II”. São Paulo, 1976, Alfa Omega

8. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Manifesto do Partido Comunista, in “Karl


Marx/Friedrich Engels – Textos III” – São Paulo, 1976, Alfa Omega

9. Lênin, Vladimir – Esquerdismo, doença infantil do comunismo, in “Obras


Escolhidas”. São Paulo, 1979, Alfa Omega

10. Lênin, Vladimir – Teses de Abril e Cartas sobre Tática. (Folheto de divulgação sem
ficha Técnica)

11. Lênin, Vladimir – Que fazer? Lisboa, 1973, Ed. Estampa

12. Anderson, Perry – Considerações sobre o marxismo ocidental. Porto, 1976, Ed.
Afrontamento

23
13. Löwy, Michael – Método Dialético e Teoria Política. São Paulo, 1985, Paz e Terra.

24
II – QUEBRA DO MONOPÓLIO REFORMISTA

A Polop se instala no quadro da esquerda brasileira fincando dois maros decisivos na


estratégia da luta pelo socialismo no país: a identificação do caráter já capitalista da sociedade
brasileira e caracterização da revolução pela qual se lutava como já socialista, sem quaisquer
fases históricas de transição. Como registram Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá,
em “Imagens da Revolução” (1), a respeito da fundação da organização em janeiro de 1961:
“Era o primeiro elo de uma corrente que, desde então, não mais cessaria, quebrando o
monopólio de representação política a que pretendia o PCB desde 1922.” (Op. cit., pág. 12.)
Mais que um marco temporal, a fundação da Polop significou um esforço pioneiro, política e
organizatoriamente, de incorporação do marxismo ortodoxo enquanto instrumento da luta do
proletariado.
A Polop introduz no país, enquanto agrupamento político organizado, a tese do caráter
socialista da revolução brasileira não meramente de forma circunstancial, episódica ou parcial
a partir de postulações de palavras-de-ordem táticas, mas a partir de uma análise da formação
social, do seu desenvolvimento histórico, metodologicamente amparada em um corpo de
conceitos que a organização apontava como elementos fundamentais do marxismo, a cuja
incorporação convocou as demais correntes da esquerda; seu próprio nome – Organização
Revolucionária Marxista – já indicava a direção do compromisso com a retomada do
marxismo. Sua principal publicação, “Política Operária”, circulou como boletim antes da
fundação oficial do grupo, depois como jornal mensal, a seguir como revista (1963),
posteriormente como jornal semanal de janeiro de 1964 até o golpe e, clandestinamente, daí
até a desestruturação do grupo em 1984.
No campo estrito das concepções políticas o surgimento da Polop significou a ruptura
com a política e a ideologia reformistas, então dominante na esquerda, estruturada em torno
da estratégia de que a revolução brasileira teria que cumprir uma etapa democrático-burguesa
antes de se colocar tarefas socialistas. A proposta Polopeana da revolução socialista vinha
ancorada em um conjunto de estudos e reflexões que rompiam com as análises que, mais ou
menos abertamente, postulavam a existência de um Brasil feudal ou semi-feudal, devidamente
encaixado no modelo fixado pela Internacional Comunista em 1928. Para a Polop, o Brasil
era um país capitalista, subdesenvolvido e dependente, mas capitalista, só podendo as amarras
do subdesenvolvimento e da dependência ser rompidas pela revolução socialista. Não foi a

25
Polop, é certo, quem “descobriu” o Brasil capitalista; em 1945, desenvolvendo conceitos
formulados já na década anterior, Caio Prado Júnior contestava de frente a tese do Brasil
feudal em “História Econômica do Brasil” (2), coroando suas reflexões em 1967 com a
publicação de “A Revolução Brasileira” (3), um trabalho já voltado especificamente para o
combate àquela proposta.

É, no entanto, com a Polop que a tese da revolução-socialista-em-um-Brasil-capitalista


– postulado o conceito da revolução como ruptura, oposta à idéia de um avanço processual –
assume caráter unificado, estruturado em prática política e definidor, portanto, de uma
proposta de intervenção qualitativamente diferenciada na realidade. E por isso mesmo
informadora e referência teórica na formulação de posicionamentos assumidos e propagados
pela organização: independência política, ideológica e organizatória do proletariado frente às
classes dominantes, a tomada do poder pela via não institucional e outras propostas, práticas e
posicionamentos frente à realidade concreta das lutas de classe.

Cabe inicialmente perguntar se estas concepções e propostas da Polop têm relevância


histórica, se tem importância para o processo histórico, enfim, se constituem um fato
histórico. Como formula Adam Schaff em “História e Verdade” (4) em sua conceituação da
ontologia do fato histórico: “Verifica-se portanto que os fatos históricos são manifestações da
vida dos indivíduos e das sociedades que são escolhidas dentre muitas outras manifestações
pertencentes com frequência a uma mesma categoria devido às suas relações de causa e
efeito e da sua ação no quadro das maiores totalidades. O critério da escolha é aqui a
importância, a significação do acontecimento dado, do processo ou dos seus produtos.” (Op.
cit., pág. 211.)
Em primeiro lugar, cabe enfatizar a citada condição de marco da história da esquerda
brasileira atribuída por Reis Filho e Ferreira de Sá à fundação da Polop e à influência de
algumas de suas teses como pontos de partida de processos de discussão que resultaram na
criação de outros agrupamentos no período pós-golpe. Em segundo lugar, e aprofundando na
busca da conceituação e compreensão do ser histórico através da incorporação do fator tempo
enquanto tipificador da reflexão histórica, temos que as idéias da Polop se situam em uma
contemporaneidade estrutural que, no mínimo, lhe conferem o benefício da expectativa
quanto à sua importância e permanência. Em “Os métodos da História” (5), Ciro Flamarion
Cardoso e Héctor Perez Brignoli destacam: “Fernand Braudel foi o historiador que soube
perceber e sintetizar as implicações de tal evolução quanto ao problema – essencial para o

26
historiador – do tempo, da duração, ao distinguir três níveis: o nível dos acontecimentos, da
história episódica, que se move na curta duração; o nível intermediário, da história
conjuntural, de ritmos mais lentos embora muito variáveis; e, por fim, o nível profundo da
história estrutural, de maior duração.” (Op. cit., pág. 27.) De lado a questão do Brasil feudal –
ninguém em pleno gozo de suas faculdade mentais se arriscaria a defender hoje tal proposta, o
que faz da crítica Polopena à sua formulação um fato histórico no campo do episódico
entendido na reflexão de Braudel retomada por Cardoso e Pérez –, as teses da revolução
socialista, de seu caráter de ruptura, a defesa do caminho não institucional, da não
incorporação de modelos internacionais pré-estabelecidos, entre outras, guardam uma relação
de referência a uma realidade estrutural (econômica, política e ideológica) presente; assim
vemos a questão da importância e relevância, na discussão da história da Polop, do fato
histórico pensado por Schaff.

Também com Schaff podemos abrir a reflexão acerca da verdade na história.


Retomando uma formulação de Engels, no “Anti-Duhring”, segundo qual a hipótese de se
operar com verdades eternas implicaria um absurdo esgotamento da infinitude, Schaff chega
ao conceito de “verdades parciais objetivas”: “O conhecimento científico, se bem que
submetido ao condicionamento de classe, é um conhecimento objetivo e suas produções são
as verdades parciais objetivas.” (“História e Verdade”, op. cit., pág. 185.) Em história, como
de resto em todas as ciências sociais, a verdade há de ser sempre de classe. Se modificadas as
relações estruturais entre estas, instaura-se um novo tempo do repensar da gnoseologia e da
metodologia próprio das grandes viradas históricas, a exemplo do que aconteceu ao final da
Idade Média, com a relativa desideologização das ciências naturais. Afinal, a própria teoria da
ciência e suas disciplinas são igualmente históricas.

Mas de que classe estamos falando? Para Schaff, são aquelas que, postas
historicamente na condição de classes revolucionárias, detêm as condições de igualmente
operar juízos mais aproximados à realidade objetiva. Nesta mesma linha, cara à tradição
marxista – é conhecido o aforisma de Gramsci segundo o qual “a verdade é sempre
revolucionária” –, é que Michael Löwy vai aprofundar a reflexão shaffeana, avançando na
consideração da era das revoluções proletárias como pano-de-fundo da emergência de uma
nova qualidade de verdades. Para Löwy, Schaff não dá o devido peso a que – à diferença da
burguesia, que a seu tempo de classe revolucionária tinha a defender interesses diferenciados
dos das grandes massas e por isso necessariamente se via forçada a ocultar seus verdadeiros

27
fins e o sentido do processo histórico –, o proletariado se constitui na primeira classe
revolucionária da história cujo interesse objetivo não implica ocultação ideológica, já que
incorpora historicamente o interesse da grande maioria e visa à própria extinção das classes.
Identificando o marxismo como ideologia histórica do proletariado, como o fazemos, afirma
Löwy: “As limitações que existem no ponto de vista do proletariado, no marxismo, só se
tornaram visíveis nesse momento (o da extinção das classes); toda tentativa de ‘ultrapassá-lo’
antes desse período, antes do advento da sociedade comunista mundial, não poderão ser senão
recaídas, retrocessos, para o ponto de vista de outras classes mais limitadas que o proletariado.
Nesse sentido, efetivamente, o marxismo é o horizonte científico de nossa época (Sartre
dixit).” (“Método dialético...”, op. cit., pág. 33, grifo original.)

28
Notas

1. Reis Filho, Daniel Aarão e Ferreira de Sá, Jair – Imagens da revolução. Rio,
1985 – ED. Marco Zero

2. Prado Junior, Caio – História Econômica do Brasil. São Paulo, 1990, Ed.
Brasiliense

3. Prado Júnior, Caio – A Revolução Brasileira. São Paulo, 1966, Ed. Civilização
Brasileira

4. Schaff, Adam – História e Verdade – São Paulo, 1987, Ed. Martins Fontes

5. Cardoso, Ciro Flamarion e Pérez Brignoli, Hector – Os métodos da história.


Rio, s/data – Ed. Graal (4a. Edição)

29
III – UM TEMPO FÉRTIL

Em 1981, em um balanço introdutório – a que passamos denominar “Balanço EM-81”


(1) neste trabalho – à republicação de uma série de documentos da Polop, escreveu Eric
Sachs: “Há vinte anos, entre 16 e 19 de janeiro de 1961, um grupo de jovens, em sua maior
parte em torno de vinte anos, estava reunido em Jundiaí (SP) para fundar a Organização
Revolucionária Marxista-Política Operária, conhecida também durante os anos futuros como
Polop.”

Que tempo viviam aqueles jovens? Em que terreno pisavam? O que ia pelo coração e
mente daquela geração?

Na edição do dia 17 de maio de 1959, o jornal O Metropolitano (2), editado pela


União Metropolitana do Estudantes (UME) do Rio de Janeiro, publicava a matéria
“Recuperação do extuberculoso”, assinada por Ulisses Resende. Dizia o texto: “Ainda há
idealistas no mundo. Em todos os campos de ação, há sempre um punhado de idealistas
lutando em prol da melhoria das condições humanas. São sempre uma minoria, mas
constituem um testemunho que o mundo progride e caminha para a perfeição. Em nossa visita
ao ISARE (Instituto Social de Amparo e Readaptação do Egresso) tivemos a oportunidade de
mais uma vez comprovar o trabalho silencioso, mas entusiasta, desses abnegados que tudo
envidam pelo bem geral.” (Pág. 3)

Tais palavras, e o sentir que traduzem, podem hoje soar pálidas, gastas, piegas. Mas
apontam para a generosidade, a crença, a utopia de uma geração. E não estamos falando aqui
de saudosismo, de nostalgia. Falamos de uma utopia que, de tempos em tempos, a história faz
brotar no coração dos homens. Que, nos tempos modernos, floresceu no Renascimento, tomou
corpo na Era das Revoluções e, quando certo consenso utilitarista já a julgava definitivamente
enterrada em uma certa nova modernidade ensejada pelo desenvolvimento “pacífico” do
capitalismo na virada para este século, irrompeu na cena da Revolução de Outubro, abrindo
uma nova era na história das consciências.

30
As idéias nascem do tempo. E aquele tempo a que nos remete as palavras do repórter
de O Metropolitano era um tempo de decisão. Mais que uma crise político-econômica de tipo
conjuntural, o país vive na virada dos anos 50 para a década de 60 as manifestações do
aguçamento do processo de acumulação capitalista em que a própria reprodução do sistema é
colocada em xeque, desencadeando uma guerra que só se encerraria em 1964, com a vitória
das baionetas da burguesia. A fase de substituição de importações e consumo interindustrial,
que constituíra o centro dinâmico do sistema a partir dos anos 30 (alternando períodos de
maior ou menor aceleração) se depara por volta de 1959/60 com duas barreiras: o progressivo
estreitamento do mercado e a escassez de financiamentos. É neste espaço da conjuntura
política e econômica (cuja explicitação desenvolveremos adiante) que ocorre o embate e
desenvolvimento de todo um ideário aos níveis cultural e político.

Expressão e veículo desse florescimento foi este jornal da UME, que circulou de
forma sistemática de 1959 a 1964 como encarte dominical do “Diário de Notícias”, do Rio,
em edições de seis a oito páginas. Editado a partir de padrões gráficos que anteciparam a
chamada revolução gráfica na imprensa brasileira nos anos 60, O Metropolitano conseguiu
implantar – sob a direção de Paulo Alberto Monteiro de Barros (1959), Carlos Diegues (1960)
e César Guimarães (1961) – nos três anos que foram objeto de nossa pesquisa uma concepção
editorial capaz de captar e estimular toda a efervescência cultural e política do período. Sua
tiragem média foi de 170.000 exemplares.

Edição de 4/1/1959 – Na seção “Bilhete da Semana” (pequeno editorial na página 2


sob a forma de recados, críticas e alusões a fatos da semana), uma “saudação” ao ditador
cubano Fulgêncio Batista, derrubado do poder pela revolução no primeiro dia do ano:
“Fugiste, Fulgêncio?/ Bateste bastante, Batista?/ Basta, Bastista! Batente precisas.../ ‘Bye-
Bye’, ‘Tista’ e Boa Viagem...”
Edição de 11/1/59 – Entrevista com Carlos Lacerda.
Edição de 22/2/59 – Agradecimento às Indústrias Klabin por haverem financiado esta
edição (“ajuda desinteressada que nos possibilitou esta tiragem”).
Edições de 5 e 12/4/59 – Noticiário sobre a visita de uma delegação do novo governo
cubano ao Brasil, com editorial no dia 5 saudando a visita. Observação: no dia 30/4/59, Fidel
chega ao Brasil para uma visita de uma semana.
Edição de 10/5/59 – Noticiário sobre discurso de Fidel no Rio para 3.000 pessoas no
dia 6. Entrevista com Célia Sanchez.

31
Edição de 17/5/59 – Longa carta do então ministro da Educação, Clóvis Salgado,
dirigida ao jornal, dando esclarecimentos a respeito de uma reportagem da edição anterior
sobre o atraso nas obras da Cidade Universitária.
Edição de 7/6/59 – Editorial “Nacionalismo e desenvolvimento” defende a estratégia
nacionalista e abre debate em torno do tema nas páginas do jornal, estabelecendo a última
como tribuna aberta.
14/6/59 – Na página 6, vários artigos sobre nacionalismo, de autoria de Guerreiro
Ramos, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Alberto Pasquialini, Cândido Mendes de Almeida e
Jean-Marie Domenach, este editor-chefe da revista católica francesa “LEsprit”, de onde o
texto foi transcrito.
28/6/59 – O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Lídio Lunardi, declara
em entrevista: “Não está nas atribuições do FMI fazer exigências a países-membros.”
5/7/59 – Nelson Werneck Sodré, então professor no ISEB, dá entrevista defendendo o
nacionalismo e se declarando marxista. Pág. 6.
12/7/59 – Mário Pedrosa, em entrevista na página 8, declara: “O nacionalismo é uma
ideologia alienante.”
26/7/59 – Matéria sobre a fundação do Teatro Oficina, com o título “Oficina fabrica
teatro para operário” e entrevista com o produtor do grupo, Carlos Queiroz Teles.
13/12/59 – Máteria apresentando Carlos Lyra, que explica o que é a bossa-nova. Noel
Rosa, Caíme e Ari Barroso, sentencia ele, estão "totalmente ultrapassados". Pág. 2.
3/1/60 – Entrevista com Guerreiro Ramos, que afirma não ser a candidatura Lott capaz
de sintentizar o nacionalismo, podendo inclusive propiciar o advento de algum tipo de
bonapartismo; no entanto, ressalva, é preferível à de Jânio. Pág. 2.
Relação dos "Dez Melhores" (os dez melhores filmes de 1959, por D.E.N. (o cineasta
David Neves), por ordem cronológica de exibição no país: 1) "II Bidone" (A Trapaça), de
Fellini; 2) "Marianne de ma Jeunesse" (Mulher dos meus sonhos), de Julien Duvivier; 3)
"Vertigo" (Um corpo que cai), de Hitchcock; 4) "A face in the crowd" (Um rosto na
multidão), de Elia Kazan; 5) "Touch of evil" (A marca da maldade"), de Orson Welles; 6) "Le
notte de cabiria" (As noites de Cabíria), de Fellini, "A man is ten feet tall" (Um homem tem
três metros de altura), de Martin Ritt; 8) "Mon oncle" (Meu tio), de Jacques Tati; 9) "Les
aventures ede Arsène Lupin" (As aventuras de Arsène Lupin), de Jacques Becker; 10) "Un
condamné à mort s'est échapé" (Um condenado à morte escapou), de Robert Bresson. – Pág.
3.

32
Edição de 10/1/60 – Matéria sobre estudante baleado por policiais militares em
31/12/59 durante manifestação de protesto no "Calabouço" (restaurante para estudantes gerido
pela UME). Pág. 2.
28/2/60 – "Edição de carnaval". Entrevista com Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto):
"Não gosto de carnaval"; artigo de Eneida sobre o carnaval; artigo de Di Cavalcanti sobre o
carnaval (trecho de um livro de memórias); grande matéria sobre o "Bola Preta".
20/3/60 – Entrevista com Francisco Julião.
24/4/60 – Edição especial sobre Brasília, com pequenos artigos de opinião de: Carlos
Lacerda, Sérgio Magalhães, Roland Corbisier, Costa Lima, Sérgio Bernardes, Nelson
Werneck Sodré, Mário Pedrosa.
3/7/60 – Crônica de Paulo Alberto Monteiro de Barros (coluna fixa na página 3): "JUC
faz dez anos".
14/8/60 – Vinicius Caldeira Brant (então mombro da JUC e um dos fundadores da AP)
publica "Carta aberta a Gustavo Corção".
25/9/60 – Arnaldo Jabor entrevista Ionesco, que afirma: "Não gosto de Brecht".
2/10/60 – Editorial em página interna manifestando o apoio do jornal à candidatura
Lott. O editorial é publicado em forma de "box" de uma matéria paga de página inteira, que, a
exemplo das demais, a candidatura Lott mandara publicar no O Metropolitano.
9/10/60 – É registrada a vitória de Jânio.
20/10/60 – Artigo de Sérgio Augusto: "Cinema moderno e nouvelle vague".
5/3/61 – Sob a rubrica "corpo redatorial" são incluídos no expediente os nomes de
Aluizio Leite Filho, Ruy Mauro Marini (integrantes do núcleo fundador da Polop) e Raul
Landin Filho.

Grosso modo, O Metropolitano se dividia por seções em: editorial, artes/cultura,


política, reportagens especiais (com temas sociais, políticos e de serviço) e esportes
universitários, esta com uma página. Para o que mais de perto interessa ao nosso trabalho, o
destaque fica para a coluna "Problemas e Opiniões", na página 3, que publicava longos artigos
assinados – quase ensaios – registrando o debate entre as concepções das diversas tendências
da esquerda e as apreciações e propostas gerais de cada uma delas sobre o caráter e caminho
da transformação da sociedade. Abaixo, uma relação dos principais artigos desta coluna no
período e, a seguir, de algumas reportagens especiais assinadas por membros do núcleo inicial
da Polop:

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Edição de 1/5/60 – Coluna "Problemas e Opiniões" – "A autencidade do movimento
nacionalista", de Humberto Jansen.
29/5/60 – "Sobre a autencidade do movimento nacionalista", de Paulo Piragibe
(Piragibe de Castro), integrante do núcleo fundador da Polop, criticando o nacionalismo.
5/6/60 – "Democracia e colonialismo", de Carlos Guilherme, com a sustentação de
uma posição nacional-desenvolvimentista social-democrata.
3/7/60 – "A propósito do desenvolvimento econômico", de Paulo Piragibe, defendendo
a tese da ruptura revolucionária como condição de superação do subdesenvolvimento.
10/7/60 – "A perspectiva socialista do proletariado", de Bernardo Boris, trotsquista,
criticando a alternativa nacionalista como burguesa.
17/10/60 – "Adesismo e colaboracionismo", de Humberto Jansen, tachando Piragibe e
Boris de aliados objetivos da reação.
31/7/60 – "A perspectiva nacionalista do proletariado", de Sérgio Heitor Vauguerve,
em resposta ao artigo de Bernardo Boris. Reformista da linha PCB.
28/8/60 – "A velha esquerda e os novos católicos", de Simon Schwartzman, católico
de esquerda.
2/10/60 – "O ângulo econônico", de Paul Singer (então ligado ao grupo paulista que
viria a compor a Polop, analisando a disputa eleitoral de um ângulo histórico que remontava à
Revolução de 30).
Edições de 11, 18 e 28/12/60 – Série de três reportagens especiais de Ruy Mauro
Marini entitulada "Os caminhos da revolução cubana", com as matérias: "De São José a
Havana: o preço da incompreensão", "A revolução e suas realizações econômicas" e "A
verdadeira face da revolução cubana".
1/1/61 – Reportagem "De Galiléia a Santa Fé", de Luiz Cayo (pseudônimo com que
Aluizio Leite Filho também assinava suas matérias), sobre o aguçamento das lutas
camponesas no país.
8/1/61 – Artigo de Ruy Mauro Marini: "Argélia, conflito de duas Franças".
Reportagem "Curto-circuito no Congresso: aprovada a lei da Eletrobrás", de Luiz
Cayo.
Edições de 8, 22 e 29/1/61 – Série de três artigos de Ruy Mauro Marini sobre o
governo Kubitschek entitulada "Panorama de um governo": "Meta financeira: inflação", "O
desenvolvimento da desnacionalização" e "Problemas de política exterior".
12/3/61 – Reportagem "Nova perspectiva para a Argentina", de Aluizio Leite Filho,
que entrevista Marcos Maplan, escritor e político argentino, militante do MIR.

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A alguns destes artigos e reportagens nos reportaremos neste trabalho (assim como a
outras referências) para a devida identificação da maturação das idéias da Polop, como o seu
choque, no nascedouro, com outras correntes de pensamento político.

Retornemos, pois, ao desenvolvimento da conjuntura político-econômica, terreno em


que floresceram as idéias.

O golpe de 1° de abril de 1964, enquanto síntese e resolução de um intrincado feixe de


contradições que marcaram o desenvolvimento das lutas de classes no país neste século,
preenche as condições requeridas por Schaff na configuração do fato histórico. O
entendimento de suas origens e processo de maturação possibilita a identificação das linhas
configuratórias da conjuntura que o precedeu e nele desembocou. Em seu "Subdesarollo Y
revolución" (21), Ruy Mauro Marini divide a história brasileira neste século até o golpe de
1964 em dois períodos. O primeiro vai de 1922 a 1950 e tem seus antecedentes na década de
1910, cujo marco principal, a guerra de 1914-1918, implica o advento de um processo de
substituição de importações que, reforçado pela crise mundial de 1929, faz emergir no cenário
sócio-econômico do país uma burguesia industrial e um novo proletariado, cujas lutas para se
firmarem neste cenário encontram-se na raiz da Revolução de 30 e na implantação, em 1937,
do Estado Novo.
Apesar da queda da ditadura Vargas, em 1945, sustenta Marini, esta espécie de
“contrato social” se mantém mais ou menos estável até 1950, quando irrompe um novo
período de aguçamento das lutas de classe que, passando pelo suicídio de Vargas em 1954, é
fechado pelo golpe militar de 64. Na base dessas lutas, as tentativas da burguesia industrial
em ampliar sua fatia de participação no poder e garantir, assim, uma maior parcela dos
recursos oficiais e sociais disponíveis. A nível econômico, este intento resultou, segundo
Marini, das “dificuldades que, aparecendo primeiro no setor externo, fizeram com que a
complementariedade até então existente entre desenvolvimento industrial e as atividades
agro-exportadoras se convertessem em uma verdadeira oposição.” (“Subdesarollo...”, op.
cit., pág. 28.)

Ao lado da deterioração das relações entre as próprias classes dominantes, o


proletariado passa a intensificar suas lutas em busca de novos benefícios sociais, empreitada
em que chega a contar com o apoio de segmentos da burguesia mais diretamente interessados

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na ampliação do mercado interno para seus produtos. O governo Vargas, então, é a própria
expressão destas contradições; a dinâmica da correlação de forças, com o fortalecimento do
movimento operário na onda grevista de 1953, o empurrava para a adoção de medidas que
progressivamente tornavam mais vivas as cores do nacional-desenvolvimentismo populista
quem marcavam a estratégia do seu segundo governo. A crise cambial advinda da queda dos
preços internacionais do café, em 1954, reflete-se na retomada do ritmo inflacionário,
provocando seguidas ondas grevistas. O equilibrio de Vargas fica cada vez mais instável. A
direita, que consolidara em 1952 seu domínio dos postos-chaves da hierarquia militar, passa a
“temer” o advento de uma “república sindicalista”. O PCB fizera suas as bandeiras erguidas
pelo nacional-desenvolvimentismo. Chega a hora de decidir. Em agosto de 1954,
praticamente deposto, Vargas se mata com um tiro no coração, passando o poder, então, para
as “forças da ordem” na pessoa de Café Filho, em uma espécie de ensaio geral da peça
encenada em 1964.

Crise contornada, porém não resolvida. A escassez de divisas, que vinha ameaçando o
desenvolvimento industrial, permanecera durante todo o “governo provisório” de Café Filho.
É somente com Jucelino Kubitschek, em 1956, que surge a Instrução 113, permitindo às
empresas estrangeiras estacionadas no país a importação de máquinas e equipamentos sem a
necessária cobertura cambial exigidas às brasileiras, o que resultou em mais de US$ 2 bilhões
em inversões diretas no período 1955-61. Com este novo compromisso, a burguesia industrial
põe de lado a bandeira nacionalista que empunhara na Era Vargas. Mas restava por
solucionar, ainda, um problema não menos importante: a estreiteza relativa do mercado
interno, cuja dinâmica de crescimento se fazia a proporções incompatíveis com o nível dos
investimentos, dados os limites impostos pela estrutura agrária dominada pelo latifúndio
improdutivo, incapaz, pois, de gerar emprego e renda. O período de vacas gordas propiciado
pelo ingresso dos capitais externos – originários principalmente dos Estados Unidos, que,
mesmo após as aplicações determinadas pelo Plano Marshal, continuaram ainda por algum
tempo à cata de mercados para aplicação dos dólares que ainda abarrotavam seus cofres no
balanço geral da Segunda Guerra – caracteriza, pois, uma acomodação dos interesses entre a
burguesia industrial e os do setor agrário exportador, mas não eliminava as contradições entre
os dois segmentos das classes dominantes, já que a estrutura agrária gerava, além da referida
estreiteza relativa do mercado interno então, a redução progressiva da oferta de produtos
agrícolas em um país em processo acelerado de urbanização, o que, por sua vez, viria a se
constituir elemento de alimentação inflacionária.

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Com a maturação dos investimentos externos já por volta de 1959/60, o capital externo
passa a exigir a remessa de seus lucros, o que agrava a situação do balanço de pagamentos,
obrigando o governo a recorrer a constantes desvalorizações na moeda para estimular as
exportações e, assim, fazer frente aos compromissos externos e, de outro lado, obter divisas
para a importação de implementos industriais. Isso, é claro, vai engordar a inflação. Segundo
Marini, é este o quadro em que “se funda, do ponto de vista da burguesia industrial, o
binômio política externa independente-reforma agrária, que dominará o debate político a
partir de 1960”. (“Sub-desarollo...”, op. cit., pág. 37.)

No campo, a introdução de equipamentos industriais e fertilizantes, longe de melhorar


a situação dos trabalhadores, é fator de desemprego e concentração de propriedade da terra,
provocando a emigração do trabalhador rural para as cidades, ampliando portanto a oferta de
mão-de-obra e pressionando em consequência os salários urbanos para baixo. A resposta dos
trabalhadores foi a intensificação da luta reivindicatória, que, no quadro do aguçamento da
crise, assumia as cores vivas de luta política. Do lado dos camponeses, precedido pela criação,
por Francisco Julião, da Liga Camponesa da Galiléia, em Pernambuco, em 1958 – forma de
organização e instrumento de luta que logo se espalha por outros Estados do Nordeste e Minas
Gerais –, o fato mais significativo foi a realização em Belo Horizonte, em 1961, do Congresso
Nacional dos Trabalhadores Rurais, que reuniu cerca de três mil líderes de todo o país
coesionados em torno da palavra de ordem da reforma agrária radical (“na lei ou na marra”).
Nas cidades, o resultado da intensificação das mobilizações em defesa do salário – com
destaque para o sucesso de greves desencadeadas por ferroviários, estivadores e funcionários
da Petrobrás durante o ano de 1960 – foi a fundação, em 1962, do Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT), que, mesmo sob a hegemonia de forças (PTB e PCB) identificadas com
o projeto janguista de oficializar e domesticar o movimento sindical, significou o rompimento
objetivo das amarras organizatórias a que se via atado o movimento operário desde o Estado
Novo.

Este revigoramento do movimento de massas acabou resultando na recuperação


relativa dos salários a partir de 1961, quando o salário mínimo passa a ser reajustado
anualmente, tornando-se o reajuste semestral de 1963 até o golpe. Reajustes repassados
desproporcional e imediatamente aos preços pelo empresariado e por isso mesmo
realimentadores da ciranda inflacionária. Expressão e elemento constitutivo da crise global, a

37
taxa geral de investimentos passa a declinar em 1962 (cf. Marini, in “Subdesarollo...”, op. cit.,
pág. 47.), com a taxa de crescimento econômico fixando-se em 5,5% no ano, contra 7,7% em
1961, ao lado de uma taxa de crescimento demográfico de 3,1%; a inflação salta 37% em
1961 para a casa dos 51% em 1962 e fecha 1963 acima dos 80%, chegando a 87% anuais em
março de 1964. Some-se a tudo isso a aceleração contínua da taxa de crescimento da
população urbana, que já crescera 75% entre 1952 e 1961 (cf. Caio Navarro de Toledo in “O
governo Goulart e o golpe de 64” (22), e temos a base material da radicalização dos
movimentos dos trabalhadores e da pequena burguesia.

As classes médias, com seu nível de vida progressivamente achatado pela crise,
tornavam-se campo fértil para a propaganda de direita que apontava as reinvidicações
operárias como causa das suas dificuldades. As constantes greves nos transportes urbanos e
demais serviços públicos, a perspectiva de um caos iminente, faziam-nas acreditar estarem
diante de um governo firmemente comprometido com o diabo comunista, como se empenhava
em fazer crer a igreja católica conservadora. A inquietação nos quartéis já saltara para o
delicado terreno da quebra da hierarquia e da insubordinação, como no episódio da rebelião
dos sargentos em Brasília em setembro de 1963. A Goulart, vendo escapar-lhe ao controle os
fantasmas que soltara, não restou outra alternativa que aprofundar a opção reformista,
radicalizando-se à esquerda. Em 13 de março de 1964, diante de 500 mil pessoas no “Comício
da Central”, no Rio de Janeiro, divulga, entre outros, os decretos da nacionalização das
refinarias de petróleo, da limitação dos aluguéis urbanos e, o mais bombástico, o da
desapropriação das terras ao longo das rodovias como parte do programa da reforma agrária.
Quando, dias depois, um pelotão de marinheiros foi mandado para dissolver uma assembléia
no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e acabou confraternizando-se com os
trabalhadores e colocando-se a seu serviço, estava dando o sinal de que a situação não tinha
mais volta. A alta hierarquia militar exige a dissolução do CGT e liquidação dos grupos de
esquerda. Confiante em possuir ainda um esquema militar de respaldo institucional a suas
iniciativas, Goulart nega. Seu aparato militar se mostra frágil. O recurso a uma insurreição
proletária não fazia parte de sua estratégia, assim como estava ausente da maioria dos partidos
da esquerda, que, hegemonizada pelo PCB, se encontrava imobilizada pela opção pelo
caminho institucional, destinado às massas o papel de coadjuvante. Goulart, toda a esquerda e
os trabalhadores são derrotados. Era o 1°. de Abril.

Que esquerda é esta? Quais são suas linhas centrais?

38
39
Notas

1. “Balanço EM-81”, de janeiro de 1981 – Arquivo Ernesto Martins 2

2. “O Metropolitano” (Encarte dominical do “Diário de Notícias”) –


Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro

3. Marini, Ruy Mauro – Subdesarollo y Revolución. México, 1976, Ed.


Siglo XXI

4. Toledo, Caio Navarro de – O governo Goulart e o golpe de 64, são


Paulo, 1983, Ed. Brasiliense

40
IV – O MONOPÓLIO REFORMISTA

Na introdução do seu “Le marxisme en Amérique Latine de 1909 à nos jours” (1),
Michael Löwy observa que um dos principais problemas com que se defrontaram os
agrupamentos revolucionários latino-americanos que buscavam no marxismo o elemento de
instrumentalização de sua prática política foi o referente ao caráter da revolução no
subcontinente: “Toda uma série de questões políticas decisivas – alianças de classes, via
armada ou pacífica, etapas da luta etc. – está intimamente ligada a esta problemática
central: a natureza da revolução.” (“Le marxisme...”, op. cit., pág. 7.) A partir deste critério,
Löwy vai dividir a história do marxismo na AL em três períodos:
a) Período Revolucionário, dos anos 20 até 1935, cuja expressão teórica mais rica foi
a obra de José Carlos Mariátegui, cujo principal escrito, “Sete ensaios de interpretação da
realidade peruana”, de 1928, inaugura, segundo Löwy, as tentativas de análise marxista de
uma formação social na AL. “Este é o período em que os marxistas tendem a caracterizar a
revolução como ao mesmo tempo socialista e anti-imperalista.” (“Le marxisme...”, op. cit.,
pág. 8.) Alinhados a Mariátegui na proposta de uma revolução já socialista enquanto
estratégia continental, são destacadas as figuras de Julio Antonio Mella (1903-1929),
fundador do PC cubano em 1928, que propunha uma aliança operário-camponesa contra os
burgueses “indígenas” e estrangeiros, e a de Augusto Farabundo Marti (1893-1932), líder do
PC salvadorenho, que organizou a derrotada insurreição de massas em seu país em 1932. No
programa da Revolução Salvadorenha de 1932 estava inscrita a palavra de ordem estratégica
de “destruição implacável da burguesia nacional e do imperialismo”. (“Le marxisme...”, op.
cit., pág. 25.) Além destes, o autor destaca também o nome de Luiz Emilio Recabarren,
fundador do PC chileno, em 1922, que defendia a estratégia socialista. Segundo Löwy, esta
orientação revolucionária dos primeiros anos se baseia nas resoluções da III Internacional
(leninista), em particular dos documentos “Sobre a revolução na América Latina – Apelo à
classe operária das duas Américas”, de janeiro de 1921 e “Aos operários e camponeses da
América do Sul”, de janeiro de 1923. “Estes textos atribuem claramente à luta revolucionária
na América Latina tarefas ao mesmo tempo agrárias, anti-imperalistas e anticapitalista. A
idéia de uma etapa histórica de um capitalismo independente ‘nacional e democrático’ é
explicitamente negada e a cumplicidade das burguesias locais com o imperialismo é
sublinhada”, afirma Löwy.

41
b) Período Estalinista, de 1935 a 1959, em que prevalece a definição de uma etapa da
revolução como democrática e nacional. Na base dessas concepções, a política de Frente
Popular oficialmente sancionada no VII Congresso da IC, em julho de 1935, que, a pretexto
de uma aliança anti-facista à escala mundial, indicava a aliança do proletariado com a
burguesia nos “processos” revolucionários. Foi o que levou, lembra Löwy, a que o PC cubano
se aliasse a Batista em 1939 sob a alegação de que ele vinha desenvolvendo uma ‘colaboração
oficial de Cuba e dos EUA contra a ameaça facista’.
c) Novo Período Revolucionário, a partir de 1959 e inspirado na revolução cubana,
com Che Guevara como símbolo.

É importante destacar o rigor metodológico da análise do autor, que, com o marxismo,


buscou na determinação material das lutas de classe, nacional e internacionalmente, o
desenvolvimento dinâmico e contraditório destas idéias, sua origem e evolução. Foi, aliás, a
partir da mesma metodologia que a Polop ergueu, como veremos, a necessidade de
desenvolver a análise concreta da situação concreta sem se prender a modelos e esquema pré-
determinados como pressuposto de suas propostas. Outra questão diz respeito a não
concordarmos com que o terceiro período apontado pelo autor tenha obtido tal domínio
absoluto no seio da esquerda rompida com o reformismo/estalinismo, já que, apesar de
majoritária na etapa apontada (o livro de Löwy é de 1970), a esquerda inspirada no
guevarismo foquista não incluía todo o leque de agrupamentos anti-reformistas. Mais que
isso, o fato de basear-se no mesmo esquema de importação de modelos coloca a esquerda
guevarista no interior da mesma equivocada metodologia mecanicista.

Ao discutir o pensamento revolucionário no Brasil no quadro geral do movimento


comunista internacional, Michel Zaidán, no ensaio “O grande tournant: o VI Congresso da
Internacional Comunista (1928-1929”, que integra a coletânea “história do Marxismo no
Brasil – Impacto das Revoluções” (2), afirma que somente com o VI Congresso da IC é que o
movimento comunista internacional passa a considerar com especificidade a temática latino-
americana: “Até então, ignorados pelo movimento comunista internacional, que os
subordinava ao entendimento que se tinha dos problemas das revoluções em países como a
China, a Índia ou a Turquia, os países latino-americanos eram genericamente classificados
como coloniais ou neocoloniais, sem nenhuma atenção para suas especificidades históricas
ou políticas. Embora essa classificação seja mantida no essencial, o fato de o Congresso ter
dedicado toda uma seção aos países latino-americanos deve ser interpretado à luz da derrota

42
da revolução chinesa, do crescente isolamento político e diplomático da URSS e da
importância que passa a ter o imperialismo norte-americano nas análises da IC sobre as
perspectivas da revolução mundial.” (Op. cit., pág. 93.)

Os documentos de janeiro de 1921 e 1923 da Interncional Comunista referentes à AL,


citados por Michael Löwy, propiciam a reflexão de que, além das causas alinhadas por
Zaidán, foi a consideração geral dos processos revolucionários que passa a prevalecer com a
ascensão do estalinismo na URSS em 1924 que, após “abandonar” a AL por cinco anos, que
vai tentar ditar para o continente uma suposta “ortodoxia” marxista. As teses do VI Congresso
da IC, apesar do catastrofismo bukharinista alusivo a um “terceiro período” de convulsões
revolucionárias – ou em consequência desta visão catastrofista, ou no interior de seu
determinismo –, do nosso ponto de vista significam não mais que uma fase de transição para
o revisionismo reformista abertamente adotado pela IC a partir de 1935. Apesar dos apelos
grandiloquentes das teses de 1928/29, dando margem a elaborações que, como as teses do III
Congresso do PC brasileiro, de 1929, falam da “capitulação” da burguesia nacional diante do
imperialismo, o que prevalece é uma visão geral de uma revolução etapista, em que ao
proletariado não resta mais que apoiar um movimento objetivamente em um curso. Muito
menos que uma “bolchevização dos partidos comunistas e a construção de uma ortodoxia
marxista-leninista”, como quer Zaidán (op. cit., pág. 103), trata-se, julgamos, de uma
retomada disfarçada da estratégia bolchevique pré-abril de 1917, à qual, Lênin à frente, o
partido renunciou, fazendo desta renúncia o ponto de partida em direção à tomada do poder.
Não desconsideramos o corte temporal de Zaidán, mas vemos 1928/29 como ante-sala de
1935: uma escala em direção ao reformismo aberto das Frente Populares.

De toda forma, diferenças de interpretação historiográfica quanto a datas à parte, a


trajetória do reformismo no país se consubstancia fundamentalmente em duas matrizes: a
incapacidade de produzir uma reflexão marxista a respeito da realidade histórica, social e
econômica da formação social (resultando daí sua visão distorcida do caráter da sociedade) e
a destinação de um papel sempre subalterno e auxiliar para o proletariado no processo
revolucionário (o que implicou uma visão sempre seguidista do caráter da revolução). Mesmo
o “Manifesto de Agosto” de 1950 do PCB, com a política que imediatamente lhe seguiu, e a
tentativa de insurreição militar de novembro de 1935 (a chamada “Intentona”, esta, uma
mistura de vaguardismo e putchismo militarista, cuja essência metodológica está no desprezo
à consciência real do movimento de massas e, mais grave, na destinação de um papel

43
secundário e coadjuvante a estas massas no processo revolucionário, aí incluído o ato da
tomada do poder) só poderão ser bem entendidas se compreendidas como expressão daquelas
matrizes, que igualmente vão informar a opção pela via institucional fixada nos pós-guerra –
com o referido interregno do “Manifesto de Agosto” – e a estratégia geral reformista
nacional-desenvolvimentista consolidada a partir da segunda metade do segundo governo
Vargas e, passando pelo golpe, formalizada pelo VI Congresso do PCB em 1967.

Assim, quando o movimento reivindicado dos trabalhadores se intensifica a partir de


1960, caminhando rumo à inevitável politização no quadro geral de aguçamento da crise
nacional, possibilidade em que, no dizer de Lênin, encontraria as condições de, através da
intervenção dos comunistas, deixar de ser um “um movimento burguês do proletariado”, a
alternativa de unificação encaminhada pelo reformismo ocorre no sentido exato de atrelar
politicamente aquele movimento a uma perspectiva originária da própria burguesia e
domindas ideologicamente pelas concepções desta. Quando, na virada dos anos 50 para 60, se
multiplicam as uniões sindicais, como o PUA (Pacto de Unidade e Ação) e o Fórum Sindical
de Debates de Santos, entre outros, o reformismo vai forjar a unidade do movimento sindical
brasileiro com a criação, em julho de 1962, de um Comando Geral de Greve para coordenar
uma paralisação nacional em defesa de um “gabinete nacionalista”. Um mês depois, no IV
Encontro Sindical Nacional, o CGG é transformado no Comando Geral dos Trabalhadores
(CGT). Sua ação é assim sintetizada por Caio Navarro de Toledo: “Para afronta dos setores
de direita, os líderes do CGT eram frequentemente reconhecidos como interlocutores do
presidente da República e de importantes lideranças políticas do país. Daí a fama que
passaram a ter de ‘Quarto Poder’ da República. Não obstante tenha demonstrado uma
relativa independência face ao comando de Goulart e de sua assessoria sindical –
particularmente por ocasião de algumas crises e durante a realização de algumas greves –, o
CGT colaborou estreitamente com o governo, apoiando-o publicamente na maioria de suas
iniciativas políticas. Tal compromisso era justificado pelo fato de a ideologia nacional-
reformista elaborada pelo PCB e hegemônica dentro do CGT ser convergente com as
propostas reformistas do governo Goulart.” (“O governo Goulart e...”, op. cit., pág. 74.

A criação da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e sua


filiação ao CGT, em dezembro de 1963, expressam a decisão reformista de atrelar o
movimento camponês à estratégia nacional-reformista. Note-se que, por reduzida e localizada,
a influência de grupos de esquerda – Polop, Movimento Revolucionário Tiradentes, grupos

44
ligados ao trotsquismo e outros que, mesmo assentados em alguns dos pressupostos gerais do
nacionalismo populista (PC do B e AP), não rezavam pela ortodoxia do catecismo reformista
do PCB – não adquiriu significado capaz de suplantar a hegemonia pecebista no movimento
dos trabalhadores urbanos e rurais. O movimento estudantil – apesar de ter sua entidade
nacional, a UNE (União Nacional dos Estudantes), liderada no período por forças não
reformistas (principalmente a AP e a Polop), não conseguiu obviamente superar suas
limitações de raiz enquanto expressão de uma fração da pequena burguesia radicalizada à
esquerda, a depender estruturalmente, portanto, dos caminhos gerais apontados pelo
movimento dos trabalhadores. Este era hegemonicamente reformista.

O passo do PCB no caminho direto que o levaria a praticamente se fundir com o


trabalhismo nacionalista parece ter sido dado em agosto de 1943. Naquele ano, reunido no
“Congresso da Mantiqueira” (no município de Engenheiro Passos-RJ), o PCB aprovou uma
política de união nacional em torno de Getúlio Vargas, expressando assim em nível interno a
linha tática do movimento comunista internacional (estalinista) que, alegando privilegiar a
derrota do nazifacismo, simplesmente desconsiderava as oposições de classe nos processos
políticos nacionais. Além disso, percebendo que a oposição à ditadura estadonovista fora
encampada pelas forças que viriam a constituir a UDN, com tudo que isso representava de
anticomunismo e elitismo, o PCB concluiu que a trilha que levava às massas passava por
Getúlio, não por cima de Getúlio. A decisão de 1943 é, então, implementada à risca, coroando
com a adesão de corpo e alma à campanha queremista de 1945. Cimentando toda a estratégia,
a teoria de que o país, que seria “semi-colonial”, teria que cumprir uma etapa revolucionária
democrático-burguesa sustentada por uma “união nacional” – como conclamou Prestes, já
secretário-geral do partido, em discurso no estádio do Vasco da Gama, no Rio, em 23 de maio
de 1945, em defesa da eleição de uma assembléia nacional constituinte com Vargas no poder.
Não é possível dimensionar em números os resultados do caminho adotado. De fato, o
queremismo (“Queremos uma Constituinte com Vargas” foi o slogan do movimento
queremista) conseguiu arrastar multidões às praças em todo país; exatamente quanto dessa
água o PCB conseguiu desviar para o seu moinho é difícil saber. Dados apresentados por
Dênis Moraes e Francisco Viana em “Prestes: lutas e auto-críticas” (3) informam que o
partido cresceu de 5.000 para 180.000 militantes de 1945 a 1947 (cf. pág. 103), época em que
a população do país girava em torno dos 40 milhões de habitantes; hoje, com a população na
casa dos 190 milhões, aqueles 180.000 militantes corresponderiam a cerca de 800.000

45
quadros. Apesar disso – ou por isso mesmo –, o PCB é jogado na ilegalidade por Dutra em
1947.

Clandestino, o PCB adota a proposta em torno da necessidade da formação de uma


estrutura sindical paralela, passando a serem vistos os sindicatos existentes como não mais
que órgãos do estado de burgueses e latifundiários. O ápice de tal arroubo esquerdista ocorre
com o “Manifesto de Agosto”, com o qual o PCB dizia abandonar definitivamente a proposta
de união nacional do “Congresso da Mantiqueira”. Vargas é pintado então como “agente do
imperialismo”, imperialismo que deveria ter seus bens confiscados por um governo
“democrático e popular” sustentado pelas armas de um “exército popular de libertação
nacional”. Voltaremos ao “Manifesto de Agosto” mais adiante. A registrar agora, a
permanência da mesma metodologia determinista, igualmente geradora de propostas ecléticas
e espontaneístas. Sem base metodológica, longe do marxismo o PCB não tardará a retomar
abertamente antigos eixos. Em 1952, já com Vargas de volta ao poder, é aprovada a
“Resolução Correa-Morena” (iniciativa de dois líderes históricos do partido, Hércules Correa
e Roberto Morena), que determina a participação nos movimentos reivindicatórios, a luta pela
unidade sindical e a “aliança com as forças atuantes no movimento sindical, especialmente
com o PTB”, conforme transcrição de Lucília de Almeida Neves Delgado em “PTB: do
getulismo ao reformismo” (4). A comoção nacional, com intensas manifestações populares,
provocada pelo suicídio de Vargas reforçou a convicção pecebista de que o caminho era
aquele mesmo. A ideologia determinista-positivista, que levara o papa do revisionismo,
Bernstein, a formular sua célebre frase “O movimento é tudo; os objetivos, nada”, tomava de
vez a cena.

São significativos dois depoimentos transcritos por Lucília Delgado no livro citado.
Afirmou Prestes: “O Suicídio de Vargas nos levou a refletir sobre as nossas posições e
decidimos abandonar as teses esquerdistas e passamos a discutir o apoio a Juscelino
Kubitschek.” (Op. cit., pág. 166). Ivete Vargas: “Acontece que depois do 24 de agosto de 1954
os comunistas sentiram que tinham cometido um grande erro... Eles estavam dentro da
adoção de posições nacionalistas e então a aliança com a gente era fundamental. Aí, os
comunistas começaram a procurar e se aproximar de nós e tentaram se infiltrar dentro do
PTB.” (Op. cit., pág. 65.) A se infiltrar no PTB e a se misturar com ele, completamos,
sustentada a mesa de convivência dos dois partidos no tripé político-ideológico
reforma/nacionalismo/frente de classes.

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O IV Congresso do PCB, realizado em novembro de 1954, viria sacramentar estas
posições. Mantida a concepção geral de “Frente Democrática de Libertação Nacional” que
informara o “Manifesto de Agosto”, o programa aprovado se concentrava em quatro grandes
teses: a) a luta contra o imperialismo em geral proposta nas definições anteriores era
substituída pela luta contra o “imperialismo norte-americano”, refletindo os tempos da guerra-
fria e evidenciando mais uma vez a incapacidade já então histórica do PCB em articular
revolucionariamente os cenários nacional e internacional das lutas de classe; b) a
nacionalização das grandes propriedades rurais e distribuição de terra aos camponeses; c) a
proposta de um governo de libertação nacional; d) a formação de uma frente anti-imperialista
e antifeudal como condutora da etapa de transição. Embora equivocado na identificação de
uma hipotética renúncia à postura militante e de um “abandono” de exigências
revolucionárias pelo PCB, Ronald A. Chilcote, em seu “Partido Comunista Brasileiro –
Conflito e Integração” (5), aponta um conjunto de reformulações pontuais que, com mais
propriedade, chamaríamos de manifestações legítimas da política geral pecebista, se
procurarmos, como afirmaria Lukacs, a ortodoxia do partido no seu método empírico-
determinista. Diz Chilcote:
“A política do PCB dera uma guinada à direita: de uma postura militante, em 1950, a uma
estratégia de reformas graduais quatro anos mais tarde, e isto ficava evidente em diversas comparações.
Em primeiro lugar, enquanto em 1950 o partido exigia o confisco indiscriminado de todas as ‘grandes’
propriedades rurais, em 1954 insistia apenas na redistribuição da propriedade latifundiária, excluindo a
propriedade daqueles que apoiavam a frente pela libertação nacional. Além disso, a burguesia nacional –
ignorada em 1950 – merecia um papel importante na formação da frente anti-imperalista em 1954. O
programa de 1954 refletia o abandono das exigências revolucionárias, uma tendência particularmente
efetiva a partir de 1952, quando os líderes operários do PCB começaram a colaborar com os sindicatos
oficialmente estabelecidos. Finalmente, em 1954 o PCB adotou a velha linha de preparar-se para a
participação eleitoral e foi até o ponto de tentar o registro legal no Tribunal Superior Eleitoral.” (Op.
cit., pág. 114.)
Insistimos: estas teses já não eram novas na história do partido e se encontram sob o
mesmo guarda-chuva metodológico que abrigou as concepções do PCB em toda sua trajetória.

Em março de 1958 o PCB colhia frutos diretos de seu apoio a Juscelino: as acusações
formais de “traidores” que pesavam contra Prestes e outros dirigentes partidários desde os
tempos do Estado Novo, espertamente utilizadas por Dutra para jogar o partido na
clandestinidade em 1947, foram retiradas dos tribunais. Surge, então, a “Declaração de

47
Março”, em que o PCB dirimia eventuais dúvidas sobre sua opção pelo caminho pacífico e
institucional. Resume Chilcote: “Defendendo uma frente nacionalista e democrática, o PCB
propunha a tomada do poder através ‘da pressão pacífica das massas populares e de todas
as correntes nacionalistas’, através da vitória eleitoral e da resistência das massas populares
aliadas às forças nacionalistas do Congresso.” (Op. cit., pág. 123.) Mas deixemos por conta
do próprio texto da “Declaração” a emergência, agora explicita, da concepção pecebista de
um desenvolvimento histórico linear, teleológico, sustentada no prevalecimento de etéreos
valores universais – metodologia com que o marxismo não tem parentesco sequer remoto:
“A democratização do regime político do país, que tomou impulso com os acontecimentos de 1930,
não segue o seu curso em linha reta, mas enfrentando a oposição de forças reacionárias e pró-
imperialistas, sofre, em certos momentos, retrocessos ou brutais interrupções, como sucedeu com o Estado
Novo, com a ofensiva reacionária de 1947 ou por ocasião do golpe de 1954. Mas o processo de
democratização é uma tendência permanente.” (Transcrito por Leandro Konder em “A democracia
e os comunistas no Brasil” (6), pág. 104.)

O V Congresso do partido, em 1960, convalida e explicita os pontos expressos na


“Declaração de Março”, como determinam suas teses: a “conquista das reformas de base e do
governo nacionalista e democrático” (3ª Tese); a realização de uma política de “frente única
com a burguesia nacional” (item da 3ª Tese); e a consideração do choque de classes como
mero acidente no interior do desenvolvimento pacífico, como na formulação da 5ª Tese: “O
caminho pacífico, oportuno nas mais variadas formas de luta, exige que se chegue, em certas
circunstâncias, a choques violentos com a reação”. (Conforme transcrição de Moisés Vinhas
em “O Partido” (7), págs. 194/95.) Novidade?

Em 1946, a publicação do “Informe político da Comissão Executiva ao Pleno do


Comitê Nacional de dezembro de 1944” rezava: “É lutando assim, pacificamente, e pelos
meios mais estritamente legais que poderemos chegar à democracia progressiva capaz de
assegurar a solução progressiva dos mais sérios problemas de nosso povo.” (Transcrição de
M. Vinhas, op. cit., pág. 124.) Não vemos, pois, qualquer ruptura de método em toda a
trajetória. É o mesmo espírito seguidista, cego diante de dinâmica das lutas de classes, que, já
em dezembro de 1962, com os segmentos nacionais da burguesia arreganhando os dentes para
o movimento de massas, afirmava na 7ª Tese da Resolução Política aprovada na Conferência
Nacional do PCB:

48
“Os comunistas reafirmam que o objetivo tático principal da classe operária é a luta por
soluções positivas e imediatas para os problemas do povo e a luta pela formação de um
governo nacionalista e democrático. Este governo pode ser constituído nos quadros do
atual regime e deverá ser capaz de iniciar as transformações de caráter antiimperialista e
antilatifundiário exigidas pelos interesses nacionais. Tal objetivo só poderá ser alcançado
mediante o fortalecimento da frente nacionalista e democrática, da qual participam a
classe operária, os camponeses e as camadas médias urbanas, forças básicas do
movimento pela libertação e o progresso do país, e a burguesia ligada aos interesses
nacionais. O governo nacionalista democrático deverá ser um governo de coalisão, que
represente as forças integrantes da frente única.” (Transcrição de M. Vinhas, op. cit., pág.
201.)

A discutir na citação acima, a questão do taticismo, outra das marcas ideologia


reformista, em que os objetivos gerais estratégicos, são sacrificados em nome da “urgência”
tática do imediato. Politicamente, vai significar o rabaixamento e submissão dos interesses do
proletariado às propostas das classes dominantes, vistas por tal ótica como “realidade
objetiva”; enquanto dominantes por serem as idéias da classe dominante, as idéias da
burguesia acabam sendo (mal) compreendidas como expressão única e possível da
potencialidade contida no estágio histórico considerado – não ocorrendo aos taticistas a
evidência destacada por Marx no trecho citado do “Prefácio à Contribuição à Crítica da
Economia Política” de que cabe à ação dos homens, balizados por pontos de vista ligados às
diferentes classes a que se vinculam, a formulação e o entendimento das idéias referentes ao
tempo histórico em que vivem. É neste nível que se situa, ainda em Marx, a instância político-
ideológica da sociedade, relativamente autônoma em relação à infraestrutura. A
desconsideração pecebista de tais presupostos do marxismo, com o consequente enredar-se
nesta “metodologia” taticista não há de dever-se, é claro, a uma eventual indigência
intelectual de seus militantes; sabemos ter o PCB reunido entre seus quadros algumas das
inteligências mais brilhantes surgidas no Brasil de seu tempo. Permanecendo em Marx, para
quem as idéias não surgem do nada na cabeça dos homens, é preciso recorrer à objetividade
das lutas de classe na identificação das origens do fenômeno.

Os termos estratégia e tática são de origem militar, visto o primeiro como o conjunto
de procedimentos referentes aos fatores permanentes (número de soldados, qualidade do
armamento, nível de treinamento, comunicação, capacidade operacional, objetivo geral da
campanha etc.) e o segundo como integrante das iniciativas referentes aos fatores passageiros
(terreno da batalha, correlação de forças localizada, situação de avanço ou recuo, ânimo da
tropa, conquista de alvos parciais etc.). Visto isso – e tendo em conta ser a guerra a
“continuação da política por outros meios”, no axioma de Clausewicz incorporado pelo

49
marxismo –, fica clara metodologicamente a necessidade de se submeter a tática à estratégia;
mais que isso, a tática há de ser não mais que uma expressão da estratégia, e não a mera
fixação aleatória de objetivos imediatos, que, à falta de referência e vinculação aos objetivos
de largo prazo, deixa-se contaminar pela ideologia dominante. Instalada a confusão,
misturam-se objetivos, tomam-se inimigos por aliados.

Mas a confusão terminológica vem de longa data; ao dar o nome de “Duas Táticas da
Social-Democracia na Revolução Democrática” (grifo nosso) ao seu texto de 1906 em que
fixava o que julgava a etapa estratégica a ser cumprida pela revolução na Rússia, o próprio
Lênin acabou contribuindo para o aprofundamento da confusão terminológica; mais grave que
isso, deu espaço a que transcrições literais, acríticas, de seu texto servissem de base a
incompreensões e propostas das mais variadas conotações que, com a chancela de seu nome,
instrumentalizaram práticas de diluição dos interesses do proletariado em diversos lugares e
ocasiões. Um desses lugares e ocasiões foi o próprio cenário em que se operou a tomada do
poder pelos bolcheviques, somente concretizada a partir de posicionamentos e iniciativas
configuradoras de uma autocrítica prática de Lênin às concepções formuladas em “Duas
Táticas”. Voltaremos a esta questão, mas cabe adiantar, como próprio Lênin destacou em suas
“Cartas sobre Tática” (Op. cit.), não pertencer ao marxismo-leninismo a postura que vê na
doutrina um dogma e não contribuição essencial ao erguimento da teoria revolucionária do
nosso tempo.

Regressamos ao “objetivo tático” do PCB, suas origens, nos parece, vão remontar ao
taticismo feito norma por Stálin como metodologia oficiosa, encoberta, que passa a dominar o
cenário do movimento comunista internacional, via 3ª Internacional pós-Lênin, e praticamente
oficializado com a política das Frentes Populares, cuja materialização mais clara foi o
posicionamento da URSS diante da Guerra Civil Espanhola, que abordaremos com detalhes
mais à frente neste trabalho. E o taticismo serviu como uma luva à visão estalinista do
desenvolvimento do processo revolucionário mundial que privilegiava mecanicamente a
estabilidade da URSS em detrimento do avanço revolucionário do proletariado nos demais
países, procurando na conciliação um anteparo ao cerco imperialista ao país. E não estamos
nos referindo, é bom esclarecer à questão da controvérsia teórica a respeito da possibilidade
ou não da construção do “socialismo em um só país”, uma consigna que, para desconforto das
correntes trotsquistas, foi efetivamente formulada por Lênin no folheto “A respeito da palavra
de ordem dos Estados Unidos da Europa” (8), publicado em 1915:

50
“Como palavra de ordem independente, a palavra de ordem dos Estados Unidos do
mundo, todavia, dificilmente seria justa, em primeiro lugar porque ela se funde com o
socialismo; em segundo lugar, porque poderia dar lugar à falsa interpretação da
impossibilidade da vitória do socialismo num só país e das relações deste país com os
outros. A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do
capitalismo. Daí decorre que é possível a vitória do socialismo primeiramente em poucos
países ou mesmo num só país capitalista tomado por separado.” (Em “Obras Esolhidas 1”,
pág. 571.)

O que está em jogo, portanto, são “as relações deste país com os outros”, e não a
possibilidade histórica de seu surgimento; cabe pesquisar, assim, as características daquele
“país” (em particular o conteúdo das lutas de classe que se desenvolvem no interior de cada
estágio de seu desenvolvimento sócio-econômico e político) e, daí, a natureza daquelas
relações com os “outros” (o que implica a observação da conjuntura internacional em que se
move o imperialismo). É neste contexto que, acreditamos, devem-se buscar as causas mais
profundas do reformismo taticista do PCB – e, de resto, de todo o movimento comunista
internacional sob a égide da 3ª Internacional da era estalinista, que, lembre-se, não acaba com
Stálin – e não na alusão sempre superficial a fatores éticos geralmente embalados em
expressões tão sonoras quanto vazias grandiloquentes como “traição”, “oportunismo” e
assemelhadas.

Mesmo sem nos aprofundarmos a busca da origem do reformismo taticista no contexto


das lutas de classes na União Soviética, é valioso registrar a materialização daquela
metodologia na conformação da política externa estalinista sintetizada no mandamento da
“coexistência pacífica”. E uma explicação preciosa e significativa de tal política foi efetivada
por Prestes em seu acima referido discurso no estádio do Vasco da Gama, no Rio, em 1945,
em que as fronteiras de classe que separam o socialismo do capitalismo foram magicamente
banidas do cenário internacional:
“Foi gigantesca a obra dos três maiores estadistas de nossa época – o presidente Roosevelt, o
Primeiro-ministro Churchill e o Marechal Stálin. ...É que a aliança das três grandes nações se baseava,
não em motivos acidentais ou temporários, mas em interesses vitais e permanentes, objetivos e
fundamentais, que asseguram, agora, mais que antes a possibilidade de que elas continuem juntas para a
paz, para o período histórico que se inicia de desenvolvimento pacífico para os povos do mundo inteiro.
...Enquanto as três grandes potências continuarem unidas, teremos paz no mundo. Separadas, voltaríamos
à guerra, guerra internacional e guerras civis, ao caos e à destruição de povos inteiros.” (In Vinhas, op,
cit., págs. 99/100.)

51
E o pacifismo descamba de vez para a passividade. Que diferença da análise da guerra
e seu lugar na história feita pelos congressistas de Zimmerwald, em 1915, liderados por Lênin
e Rosa Luxemburgo! Que diferença da própria análise leninista do período de calmaria que se
seguiu à guerra, desencadeada pelos países imperialistas ao novo poder soviético! Que
diferença dos pressupostos de Lênin no encaminhamento das negociações de Brest-Litovski!
Que diferença das recomendações de Marx e Engels no “Manifesto” de que os comunistas
não dissimulam seus objetivos! Para o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, os
comunistas são agora “o esteio máximo da ordem e da lei” (doc. Cit., in Vinhas, op. cit., pág.
108.) No fecho discurso, o desnudamento total: “Nós, comunistas, não vacilamos. Já
escolhemos há muito o nosso caminho – união, democracia, desenvolvimento pacífico –, é o
melhor caminho, é o que indicamos ao nosso povo.” (In Vinhas, doc. Cit., op. cit., pág. 109.)
Este posicionamento não é isolado, não nasceu da cabeça de Prestes; pelo contrário, foi a
linha de ação que prevaleceu em toda a América Latina no pós-guerra, sistematizada, segundo
Michael Löwy (cf. “Le Marxisme...”, op. cit., pág. 42), na doutrina do “browderismo”
(referência a Earl Browder, autor da sistematização e secretário-geral do PC norte-americano),
fundada na suposta identidade histórica e estrutural entre os interesses da URSS, Estados
Unidos e Inglaterra, agrupados na categoria “Ocidente”.

Mas foi a seguir, em um informe ao Comitê Nacional do PCB, em 7 de agosto de 1945


entitulado “Os comunistas na luta pela democracia”, que o secretário-geral do partido levaria
às últimas consequências a exposição de uma nova teoria “marxista” do imperialismo em uma
absurda nova era histórica de paz e prosperidade sem fim. Diz o informe: “E o próprio
caráter democrático dos maiores países capitalistas, onde se concentra o grande capital
financeiro, enfraquece a catadura reacionária e colonizadora do imperialismo, abrindo para
os povos dependentes novas perspectivas mais promissoras no caminho da luta pela
emancipação nacional.” (Transcrito por Edgard Carone em “PCB – 1943 a 1964” (9), pág.
47.) Qualquer tentativa de sequer aproximar isso das reflexões de Marx e Lênin sobre o
imperialismo seria por certo um trabalho para Hércules (não o Correa, é claro). Na polêmica
com Kautsky que permeia todo o seu “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, Lênin é
enfático em apontar o caráter necessariamente bélico do imperialismo enquanto forma de
existência do capitalismo na era do grande capital financeiro, no que, aliás, não mais que
desdobrava e aprofundava as reflexões de Marx a respeito da dinâmica essencial do sistema,
entendido o belicismo como componente inarredável desta dinâmica. E a história parece ter

52
preferido a companhia de Lênin à de Stalin-Browder-Prestes: Hiroshima-Nagasaki, a guerra
da Coréia, a do Vietname, o golpe indonésio de 1965, República Dominicana, Guatemala,
Brasil, Argentina, Chile, o “Setembro Negro”, os mais recentes massacres das populações
iraqueana e líbia pelos “aliados” etc. etc. não podem ser considerados exatamente exemplos
do desenvolvimento pacífico e da prosperidade geral trombeteados pelo reformismo
anunciador dos novos tempos.

E quem ousasse criticar a nova lógica era imediatamente estigmatizado de “fascista”


ou ou desqualificações semelhantes. Diz o mesmo informe: “O que todos eles querem – está
bem claro – é dividir o povo, impedir a marcha para a democracia, lançar mais uma vez
brasileiros contra brasileiros em benefício dos piores exploradores do povo, nacionais e
estrangeiros, do fascismo e da quinta-coluna no país.” (In Carone, op., cit., pág. 55) A
tragicômica acusação de que os críticos do reformismo estariam empenhados em “lançar mais
uma vez brasileiros contra brasileiros” ficaria certamente melhor na boca dos arautos das
ordens-do-dia lidas nos quartéis nas vésperas do primeiro de abril de 1964. Não foi, aliás, de
tal intento malévolo que foram acusados os integrantes do PCB nos processos que se
seguiram à chamada “Intentona” de 1935, o mesmo discurso que emprestou palavras à
redação do “Plano Cohen”? Ironias da história...

Passados não mais que cinco anos, todo esse discurso a respeito das qualidades
paradisíacas do imperialismo é deixado de lado e substituído – provisoriamente, como vimos
– pelo “Manifesto de Agosto” de 1950. Acusado de querer dividir os brasileiros, o PCB fora
jogado na ilegalidade em 1947. O browderismo mostra ser o que sempre fora: um saco vazio.
O cenário internacional mostra-se irrefutavelmente marcado pela contradição capitalismo x
socialismo, que passa a dominar as relações internacionais até (quase) o final do século. (Aqui
entra outra questão, simbolizada na retirada da bandeira da foice e do martelo do Kremlin no
Natal de 1991, que não cabe analisar neste trabalho.) O PCB reage à sua maneira, ou seja, sem
abrir mão da metodologia do empirismo seguidista, incapaz portanto de operar análises
materialistas dialéticas das realidades que lhe surgiam aos olhos, mantendo a obsessão em
buscar nos modelos internacionais as respostas que tal método não lhe permitia produzir. E o
PCB foi à revolução Chinesa. No ensaio “O maoísmo e a trajetória dos marxistas brasileiros”
(in “História do marxismo no Brasil”, op. cit.), Daniel Aarão Reis Filho observa que a
colocação, no “Manifesto de Agosto”, da defesa de uma revolução agrária e anti-imperialista
como bandeira central tomava por empréstimo as palavras de ordem que mobilizaram as

53
massas chinesas em direção ao poder, finalmente conquistado em outubro de 1949. Analisa
Reis Filho: “Também observando o caminho trilhado pelos comunistas chineses, os
brasileiros propunham uma ‘ampla frente nacional’, acima de quaisquer diferenças – sociais,
políticas, ideológicas e religiosas. Além disso, as propostas de criação imediata de uma
Frente Democrática de Libertação Nacional e de um Exército Popular de Libertação
Nacional, instrumentos da luta por um Governo Democrático e Popular, faziam eco, em certa
medida, à experiência revolucionária dos chineses.” (Op. cit., pág. 121.)

É definitivamente espantosa esta capacidade demonstrada pelo reformismo em fazer


letra morta a história do Brasil, os traços essenciais da sua transformação social e a trajetória
concreta das lutas de classes no país ao adotar uma estratégia fundamentada não mais que
uma troca de mapas: sai o do Brasil, entra o da China. Na base da transmutação mecanicista, o
equívoco na consideração do caráter da sociedade, que vai fazer mais adiante da principal
cisão pecebista, o PC do B, mais uma refém da metodologia da transposição mecânica na
análise da realidade social. Referências específicas? Quem sabe os frutos colhidos na
empreitada da “Coluna Prestes”, que a partir de meados dos anos 20 fez da tarefa de
“conhecer o Brasil” um dos seus objetivos? Aos olhos, por si sós, não é dado no entanto o
poder do conhecimento de objetos complexos. Para o marxismo (cf. 1ª Tese sobre Feuerbach,
in “Ideologia Alemã”, op. cit., pág. 107), o conhecimento não é dado, mas sim produzido; e
produzido a partir de condicionantes teóricas, históricas e sociais. O contrário disso é o
método empirista e, como tal, não marxista. De todo modo, acreditamos, sequer as pálidas
lembranças remanescentes das observações colhidas na caminhada da “Coluna” autorizam a
absurda identificação da realidade brasileira com a chinesa caso um raio apenas da luz da
metodologia marxista iluminasse o pensamento pecebista, sempre alicerçado na idéia
evolucionista-etapista do desenvolvimento histórico.
Após enfatizar como estranha ao marxismo a idéia de que a história da humanidade
evoluiria através de etapas invariáveis e predeterminadas, Caio Prado Júnior registra a
“origem internacional” dos termos da análise pecebista situando-a no Programa Internacional
Comunista aprovado em seu VI Congresso, em 1928, em que todos os países de periferia do
sistema capitalista mundial eram lançados no mesmo saco de uma hipotética fase de transição
do feudalismo ao capitalismo, o Brasil junto: “A sua etapa revolucionária seria, portanto,
sempre dentro do mesmo esquema consagrado, o da revolução ‘democrático-burguesa’,
segundo o modelo leninista relativo à Rússia tzarista, também país atrasado, do ponto de

54
vista capitalista, e ainda emergindo dos remanescentes do feudalismo pra o capitalismo.” (“A
revolução Brasileira”, op. cit., pág. 36.)

Arnaldo Spindel, em seu “O Partido Comunista na gênese do populismo” (10), procura


igualmente estabelecer as interações entre os aspectos nacionais e internacionais na fixação da
formação embrionária da estratégia reboquista do PCB. A reflexão do autor traz à luz
elementos importantes. Diz ele:

“Pessoalmente, preferimos afirmar que o PCB, a partir de sua reorganização em 1943,


não se define como partido da classe operária e nem tenta firmar-se enquanto
organização superior desta classe. Os resultados dos processos de migração e urbanização
induzem o PCB a definir seu público como sendo a massa urbana. É a partir da
identificação desse público e do fato que, devido ao prestismo, um fascínio pela ideologia
do Estado permeava toda a cúpula do partido, que o PCB pôde conceber, coerente com as
diretrizes estalinistas, sua aliança com Vargas e sua inserção no sistema político. A
continuação de obediência a esta diretriz quando do trabalho comunista no interior do
sistema institucional está longe de, como parecem querer outros analistas, sua
transformação em intocável dogma. Se olharmos com atenção percebemos claramente
que a política pregada por Stálin adequava-se perfeitamente àquilo que o PCB
considerava suas necessidades frente ao cenário político brasileiro.” (Op. cit., pág. 54.)

De fato, Spindel aponta com propriedade haver o PCB aberto mão explicitamente da
sua configuração enquanto um partido da classe operária, o que, se não o fizesse, significaria
colocar-se em oposição antagônica às classes dominantes. No entanto, é preciso ir mais fundo
na questão da origem.

A própria fundação do partido, como a dos co-irmãos de toda a América Latina, se dá


na esteira da eclosão da Revolução Russa, cujo desdobramento, mais tempo menos tempo,
viria instrumentalizar, acriticamente, a prática de todos esses partidos; mais que isso, e
igualmente grave quanto isso, o “marxismo” aprendido pelo PCB e congêneres acabou por
reduzir-se a um conjunto de formulações devidamente filtradas por aquilo que o devir da
Revolução Russa (via Internacionais) ditava ser o marxismo. Significativo também é o fato de
que, como lembra M. Vinhas, “Dos nove intelectuais e operários que se reuniam nos dias 25,
26 e 27 de março de 1922 nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói, representando 73
comunistas organizados em grupos em São Paulo, Recife, Porto Alegre, Niterói, Rio de
Janeiro e Cruzeiro, além de Santos e Juiz de Fora, que não puderam mandar delegados,
apenas o alfaiate espanhol Manuel Cendón era engresso das fileiras socialistas, onde
aprendera rudimentos da teoria marxista. Os demais provinham da militância anarco-

55
sindicalista...”. (“O Partidão”, op. cit., pág. 6.) Acrescente-se a isso a conclusão a que chega
Evaristo de Moraes Filho no ensaio “A proto-história do marxismo no Brasil” (In “História do
marxismo no Brasil...”, op. cit.): “Na verdade, apesar de alguns exemplos isolados, mormente
depois de 1922, com a fundação do Partido Comunista, somente depois de 1930 é que a obra
de Marx começou a ser realmente divulgada no Brasil, quer em línguas estrangeiras, quer em
traduções, que se multiplicavam.” (Pág. 45.) Destaque-se ainda que muitos comunistas no
Brasil tiveram contado com um certo “marxismo” através de trabalhos de divulgação do tipo
“Princípios do materialismo dialético”, de Afanassiev, que a Editora Vitória, do PCB,
despejava na praça. Divulgações e condensações, como se disse, inevitavelmente filtradas.

Como visto, não procuramos desenvolver aqui uma crítica inquisitorial e moralista ao
Partido Comunista Brasileiro, seus líderes e militantes, não é por aí que anda o marxismo.
Fazer página em branco da trajetória do partido no que ela representou de comprometimento
de seus quadros na busca da utopia humanitária de um mundo de iguais, do “reino da
liberdade” de que falou Engels, fazer isso, seria se alinhar à ótica de uma direita pré-histórica
e de seus porta-vozes fantasiados de ‘posmodernos’.

E foi certamente partindo de consideração semelhante, da crença nestes princípios, que


a Polop lança uma “Carta Aberta ao PCB” no número 7 da revista “Política Operária” (11), de
outubro de 1963, convocando o partido a rever suas posições no quadro do aguçamento das
lutas de classe. Conclamava a carta:

“Companheiros; A situação que atravessamos exige, mais do que nunca, uma tomada de
consciência de nossas responsabilidades e de nossos deveres para com a massa
trabalhadora do país. ...Não insistiremos aqui na nossa divergência em relação às
possibilidades da burguesia nacional para engajar-se em uma política de fundo
antiimperialista e antifeudal. Frisamos sempre que os compromissos da burguesia
brasileira com o imperialismo e o latifúndio, decorrentes do próprio processo de sua
formação histórica, a incapacitam para isso enquanto classe. ...Diante disso que nos resta
fazer? A resposta é clara: se a esquerda pretende sobreviver, se pretende levar adiante
sua missão histórica, terá que renunciar a qualquer veleidade de aliança com a burguesia,
terá que partir para uma política revolucionária.” (Doc. Cit., págs. 30, 31 e 33, grifo
original.)

Estamos convencidos – e esta é a tese central deste trabalho – ter partido da Polop a
crítica mais global e consequente, do ponto de vista do marxismo, às teses e propostas do
reformismo, implicando isso necessariamente um esforço de incorporação da metodologia
marxista enquanto instrumento de elaboração política no país.

56
Será ainda relevante relatar – por sua importância histórica e seu virtual
desconhecimento por parte da historiografia referente ao tema – o surgimento no debate
interno que cercou a realização do V Congresso do PCB, realizado em 1960, de um conjunto
de teses e propostas elaboradas por Sebastião Dantas e Luiz Felipe Perdigão, militantes do
partido e majores da Aeronáutica à época, reunidas e publicadas posteriormente por eles em
fevereiro de 1962 no livro “Perspectivas da Revolução Brasileira – Para onde vai o
proletáriado? Reforma ou revolução?” (12), assinado pelos autores com o pseudônimo de
“Marcos Peri”. Dividido em duas partes, o livro, editado artesanalmente, é subdividido em
dez capítulos: “Dialética da crise do capitalismo”, em que é criticada a análise catastrofista-
determinista do desenvolvimento capitalista contida no livro “A crise geral do capitalismo”,
de M. Draguilev, oráculo do estalinismo para o assunto; “O desenvolvimento capitalista
atual”; “A questão colonial”; “A liquidação dos sistemas colonial e semicolonial; “Os desvios
de direita”; “As grandes questões práticas”, análise crítica da concepção da transição pacífica
ao socialismo e à “coexistência pacífica”, “A natureza do Estado brasileiro”, caracterizado
como Estado burguês; “A revolução burguesa no Brasil; “A consolidação do regime
burguês”; e “Que fazer”, em que é apontada a necessidade de um partido independente da
classe operária.
Estas teses, assim como a metodologia que dá base e informa sua formulação, são
praticamente as mesmas que, fora dos muros do PCB, documentos precursores e fundadores
da Polop já desenvolviam e vinham aprofundando na caracterização do conteúdo e caminho
da revolução socialista no país – como veremos adiante. As propostas de Dantas/Perdigão,
assim como as da Polop incluídas a conclamação da “Carta aberta de setembro de 1963, não
encontraram, então, eco no interior do PCB.

Luiz Felipe Perdigão, que passara à reserva em 1963 na patente de coronel, e que
lutara na 2ª Guerra contra o nazi-fascismo na Europa como piloto de caça, faleceu em um
acidente automobilístico em Arraial do Cabo (RJ) em 1986, aos 64 anos. Sebastião Dantas,
também passado para a reserva no posto de coronel em 1963, veio a formar-se em Direito, e
exerceu a advocacia por cerca de dez anos. Vivendo no Rio à época da elaboração da pesquisa
que deu origem a este livro, Sebastião Dantas não se dispôs ao dar uma entrevista diretamente
ao a mim. As informações sobre o encaminhamento de suas propostas no interior do PCB na
época nos foram fornecidas em depoimento direto por seu filho Marcos Dantas, jornalista e
ex-militante da esquerda revolucionária, que as obteve após uma série de longas e espaçadas

57
conversas com o pai, que, de todo modo, estava ciente de que tais informações se destinavam
a este trabalho.

Segundo Sebastião Dantas, os documentosem que expunham suas posições foram


entregues ao assistente de sua célula para o encaminhamento direto à direção do partido. Na
primeira reunião com o assistente da célula ficou estabelecido o envio de outro assistente
especial, mais bem qualificado para o debate proposto. O novo enviado da direção foi
Giocondo Dias, que, de concreto, acertou a realização de uma reunião com a presença do
secretário-geral Luiz Carlos Prestes, a que estariam presentes também Dias e os outros dois
assistentes. A nova reunião resultou igualmente infrutífera quanto ao propósito de abertura do
novo debate no partido, restando apenas ao seu final, afirma Dantas, a impressão de que
Prestes sequer lera os documentos. Detalhe destacado por Sebastião Dantas: todos os quatro
assistentes eram antigos quadros militares do partido e participaram do levante militar de
1935, a chamada “Intentona Comunista”. Meses depois da realização do Congresso, um
médico psicanalista paulista, não filiado ao partido mas parente de um dos autores, fez
circular cópias dos documentos entre alguns comunistas de São Paulo que se empenharam na
publicação dos textos em forma de livro, editado em 1962.

V – CRÍTICA À PROPOSTA DE UM A REVOLUÇÃO NACIONAL-POPULAR

A Revolução Chinesa desembarca no Brasil em 1950, com o passaporte carimbado


pelo “Manifesto de Agosto” do PCB, como vimos. Com o aprofundamento da cisão sino-
soviética deflagrada no 20º Congresso do PCUS, em 1956 os dissidentes das teses da
“Declaração de Março”, de 1958, passam a contar com um farol de um modelo que
progressivamente ganha seus próprios contornos e identidade no cenário internacional das
lutas de classe, enquanto instituição de direito, inclusive. A República Popular da China toma
corpo. O maoísmo se transforma em doutrina. Assim, quando, autorizada pelo Congresso de
1960, a direção do PCB delibera a mudança do nome oficial do partido de “Partido Comunista
do Brasil – Seção da Internacional Comunista” para “Partido Comunista Brasileiro” – com o
objetivo de se livrar da acusação de “títere de forças alienígenas”, pretexto da cassação de seu
registro em 1947, e assim aplainar o caminho à aceitação do partido no seio da
institucionalidade –, aqueles dissidentes concluíram que era chegada a hora do rompimento
organizatório. É (re)fundado formalmente, em agosto de 1962, o Partido Comunista do Brasil
(PC do B). Na base de suas idéias, a concepção de uma revolução predominantemente agrária

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e, não menos importante, violenta, o que, registremos, não constituída propriamente novidade
nas idas e vindas a que se viu submetida toda a trajetória do PCB no interior – e aqui vai uma
questão essencial – da mesma metodologia da cópia estratégica de modelos internacionais
devidamente ancorada em uma renitente incapacidade de recorrer ao marxismo na
compreensão da realidade do país. Como resultante geral, é mantida a velha crença em uma
etapa nacional e democrática para a revolução brasileira, que igualmente guardaria em seu
vagão uma cadeira cativa para a fração da burguesia “objetivamente” interessada em fazer
frente ao imperialismo até as últimas consequências.

Em seu “Manifesto-Programa”, de fevereiro de 1962, espinha dorsal em que se vinha


estruturando o partido, o PC do B lista os compromissos do governo que pretende implantar:
“Um governo popular revolucionário defenderá a indústria nacional. Facilitará a aquisição
de equipamentos e matérias-primas. Estimulará a criação de novas indústrias nas áreas
atrasadas, objetivando reduzir e depois extinguir as desigualdades no desenvolvimento
econômico das diferentes regiões do país. Ampliará os meios de transporte e comunicações.
Confiscará os capitais e as empresas dos grandes capitalistas brasileiros que estiverem
aliados aos imperialistas norte-americanos.” (In “Imagens da Revolução”, op. cit., pág. 31,
grifo original.) As fronteiras de classe permanecem diluídas. Garantidas, de antemão, não
apenas a defesa como igualmente a ajuda a pequenos e médios empresários. Aos grandes
capitalistas nacionais que demonstrarem a boa vontade de se alinhar ao campesinato e ao
proletáriado contra os imperialistas norte-americanos será garantida a intocabilidade de sua
propriedade privada. A configuração, como se vê, não e a de uma revolução de trabalhadores,
mas a de uma revolução democrático-burguesa. Onde uma ruptura essencial?

Mas é o trato da organização do Estado em suas relações com as classes que o


“Manifesto-Programa” evidencia um ideário que no essencial não o distingue das propostas
do partido com que rompia: “Finalmente, um governo popular revolucionário, fiel intérprete
da soberania do povo, assegurará a plena democracia da vida política brasileira, garantindo
ampla liberdade da palavra, de reunião, de associação, de greve, de imprensa, de culto
religioso. Outorgará o direito de voto a todo cidadão, independentemente de nacionalidade e
instrução, abolirá as discriminações que existem em relação às mulheres. Combaterá todas
as formas de racismo. Suprimirá os órgãos de repressão contra o povo.” (In “Imagens...”, op.
cit., pág. 32, grifo original.) Povo ou classe? Saltemos para Marx. Vejamos o que ele disse a
respeito de um programa semelhante:

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“Suas reivindicações políticas não saem da velha e conhecida ladainha
democrática: Sufrágio universal, legislação direta, direito popular, milícia do povo etc.
São simples eco do Partido Popular burguês, da Liga pela Paz e a Liberdade. São, todas
elas, reivindicações que, quando não estão exageradas até ver-se convertidas em idéias
fantásticas, estão já realizadas.” (Crítica del Programa de Gotha” (13), pág. 24, grifo
original.)

Este texto, escrito por Marx em 1875, já incorporada portanto a experiência de


Comuna de Paris, critica a proposta de programa que unificaria eisenachianos e lassaleanos na
estruturação do Partido Socialista Operário da Alemanha, uma Alemanha que, então, se
assemelharia ao Brasil já à época do “Manifesto-Programa” do PC do B em termos da
configuração sócio-econômica de suas classes em luta no processo histórico, ou seja,
proletariado e burguesia já se encontravam em ambos os países delineados objetivamente
enquanto portadores de interesses próprios – e antagônicos.

Em 1966, já como representante máximo da “linha chinesa” no país e ungido o


maoísmo à condição de doutrina oficial e inspiradora da revolução mundial na visão do
partido, o PC do B produz, em junho, o documento “A união dos brasileiros para livrar o país
da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”. O decalque da experiência chinesa assume
cores de religião. O golpe de 64, quem sabe, um mero acidente, já que o refletir sobre suas
causas e origens, seu conteúdo de classe, não parece ter feito parte das preocupações do PC do
B. Os enventos de golpe são artificialmente invocados para convalidar o ‘acerto’ das posições
anteriormente definidas, vista a derrota de 64 como um “duro revés” sofrido pelo “povo”
brasileiro, uma massa socialmente amorfa a se julgar pela análise do partido que se limitava a
uma caracterização falsa da estratificação social do país – a partir de dados equivocados, já
que, mesmo àquela época, estatísticas amplamente divulgadas desautorizavam a
predominância do Brasil agrário detectado pelas lentes do PC do B, que insistiam em ver no
Brasil uma China latino-americana, reservado para o imperialismo norte-americano o mesmo
papel jogado pela agressão imperialista armada do Japão no cenário histórico em que
desenvolveu inicialmente a Revolução Chinesa. Somam-se, então, apelos ao “povo” em
defesa da “independência nacional”, do “progresso” e da “liberdade”. Reza o documento:
“Está colocada na ordem do dia a necessidade de organizar a mais ampla união patriótica
que, sob o lema da independência, do progresso e liberdade, possa aglutinar em um
impetuoso movimento nacional as forças populares e as correntes democráticas. É a união
para aniquilar a ditadura e postular transformações progressistas. Qualquer que seja a

60
filiação partidária, a tendência filosófica ou religiosa, a classe ou camada social a que
pertençam, os verdadeiros patriotas têm o dever irrecusável de se unir para ação comum
contra os inimigos da democracia e da soberania nacional. Esta em jogo os próprios destinos
da pátria.” (In “Imagens...” op. cit., pág. 65.)

O palco privilegiado desta guerra de libertação nacional seria o campo, restando aos
operários, ao lado de estudantes, intelectuais e donas-de-casa, a tarefa de “organizar
demonstrações contra a ditadura e a dominação ianque” (pág. 69) no quadro geral de uma
“guerra popular”: “A luta revolucionária em nosso país assumirá a forma de guerra popular.
Esta constatação dimana tanto da experiência internacional como do estudo da realidade
brasileira. ...A guerra popular é o caminho para emancipação dos povos oprimidos nas
novas condições do mundo.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 72.)

Em fevereiro de 1963, o socialismo cristão decide estruturar-se em organização


política, com a realização, em Salvador do congresso de fundação da Ação Popular (AP). O
Congresso (o I Congresso, na história do agrupamento) culminava um trabalho de
proselitismo em torno do humanitarismo cristão que vinha sendo realizado já mais de uma
década pela ala esquerda da Igreja Católica junto a estudantes, principalmente, e trabalhadores
urbanos e rurais e que tinha como estrutura agrupamentos por setores, dos quais o mais
importante – a matriz das idéias políticas no país da nova organização –, a Juventude
Universitária Católica (JUC), criada em 1950, conseguira expandir sua pregação para além do
movimento estudantil, sempre contando com a estrutura da Igreja, atingindo frações do
proletariado das grandes cidades, principalmente na área de serviços e junto aos movimentos
por habitação, condições de moradia etc. No interior do país, a JEC (Juventude Estudantil
Católica), que congregava os secundaristas, conseguia estender sua influência a segmentos do
movimento camponês.

Toda esta estrutura proporcionou ao socialismo cristão condições de exercer, como de


fato exerceu, uma significativa influência nos movimentos de massa na conjuntura que
precedeu o golpe de 1964 e mesmo depois dele. Esta influência, no entanto, esteve sempre
marcada pelo ecletismo filosófico-metodológico que caracterizou toda a trajetória do grupo
até sua extinção, na segunda metade dos anos 70. A fundação da AP, ainda assim, significou
bem mais que simples ajuntamento organizatório do proselitismo anterior, já que, além da
própria estruturação política, ou seja, a colocação do poder como meta, a esquerda cristã

61
assumia formalmente a opção pelo socialismo e propunha a luta armada como caminho para o
poder. Em 1968, o grupo assume oficialmente o maoísmo; em 1971, logo após adotar a
denominação de Ação Popular Marxista-Leninista (APML), sua direção aprova a
incorporação ao PC do B, o que viria a se concretizado em 1973 apesar da forte oposição
interna, cujos integrantes acabaram optando pela cisão, decidindo manter a organização criada
em 1971.

Concretamente, o ecletismo que dominou o pensamento da AP significou uma


continuada tentativa de casar o marxismo com o cristianismo, o que sempre resultou na
predominância do idealismo; como observara Engels, o ecletismo não é senão uma das formas
do próprio idealismo. Assim, no “Documento-Base”, do congresso de fundação do grupo, a
questão do Estado em suas relações com a sociedade é pensada pela AP no interior de uma
concepção neo-hegeliana em que o Estado socialista é visto quase como acidente e uma
imperfeição na luta do proletariado; ao contrário, pois, do pensamento de Marx em toda sua
trajerória, desde a “Crítica à filosofia do direito de Hegel”, passando pela A Ideologia Alemã,
Luta de classes na França, Mensagem do Comitê Central, Dezoito Brumário, Guerra Civil na
França e Crítica ao Programa de Gotha, nos quais não dá margens a dúvidas quanto à
proposição da necessidade de o proletariado construir seu Estado como força de repressão e
instrumento de construção da nova sociedade.

Afirma o “Documento-Base”, em um esboço de crítica ao marxismo: “Este processo


não é inerente ao socialismo, mas é a característica de uma fase, fruto da necessidade de sua
implantação em clima de isolamento e autodefesa, mas que também provém de uma
orientação ideológica que, não dando à consciência a possibilidade de transcender a
História, a vê como consciência-reflexo e a submete às leis massificadas do poder político de
controle restrito.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 39.) Apesar de o marxismo, ao contrário do
que supunha a AP, não ver a consciência como mero reflexo, é verdade que a “orientação
ideológica” marxista, realmente, não é partidária de uma consciência historicamente
transcendente; isso, de fato, já é Hegel, não Marx. Como é hegeliana a concepção filosófica
que embasa outra formulação do documento: “A liberdade, sendo pessoal, é essencialmente
social, tem como referência uma função social. Portanto, garantir a liberdade é fazer com
que o Estado seja a convergência das decisões socialmente assumidas.” (In “Imagens...”, op.
cit., pág. 40.) Por outro lado, e como expressão do seu ecletismo, o documento chega a
criticar a visão etapista da revolução brasileira sustentada pelo PC do B e se manifesta

62
contrário à posição reformista de aliança com a burguesia nacional que daria o alegado caráter
nacionalista à luta do proletariado; no entanto, ao fixar as tarefas do grupo para a fase que
denominou de “preparação”, o texto indica a necessidade de desenvolver a consciência e
organização do “povo” em uma “luta contra a dupla dominação capitalista (internacional e
nacional) e feudal.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 45, grifo nosso.)

No “Programa Básico”, de março de 1971, já como APML, o grupo faz um rápido


balanço de sua trajetória em que diz haver surgido de um “partido pequeno-burgês”, fundado
em 1962, que se transformou “de um partido pequeno-burgês reformista (1962-1964) num
partido pequeno-burguês revolucionário (1965-1967) e depois, através de uma árdua luta
teórica e prática (1967-1969), numa organização marxista-leninista (a partir do segundo
semestre de 1969.”) (In “Imagens...”, op. cit., pág. 293.) Ora, a se julgar pelo conteúdo do
próprio “Programa Básico”, não nos parece possível concordar com a qualificação dada pelo
texto ao período aberto em 1969. A começar pela base teórica assumida pela APML enquanto
“princípios universais do marxismo-leninismo-maoísmo”, explicada com a alegação, logo a
seguir, de que o pensamento de Mao Tse-Tung seria uma continuação e uma nova etapa do
marxismo-leninismo, a terceira etapa do marxismo, “o marxismo-leninismo de nossa época”,
atribuindo a Mao a condição de líder “incontestável” do proletariado mundial.

Pelas mesmas razões que alinhamos anteriormente ao defender a propriedade do uso


da expressão marxismo-leninismo, não encontramos razão que autorize a adição do termo
maoísmo à expressão conceitual. Em primeiro lugar, porque a fase imperialista do capitalismo
referida por Lênin como a era da predominância do capital financeiro não está ultrapassada, o
que faz cair por terra qualquer alusão a uma suposta nova fase do sistema ou coisa que o
valha; aliás, o pensamento e a atividade revolucionária operados por Mao se desenvolvem no
interior da dinâmica imperialista conceituada por Lênin no seu “Imperialismo, fase superior
do capitalismo”. Além disso, e agora no campo especificamente teórico, a obra de Mao, a se
julgar pelos seus principais trabalhos “Sobre as contradições” e “Sobre a prática”, por maiores
que sejam as contribuições que possam ter aportado ao marxismo, não se eleva à condição de
uma reflexão qualitativa em termos metodológicos, quer no que se refere à teoria em si, quer
na proposição de uma concepção inovadora de organização da luta política enquanto princípio
geral.

63
É assim que, tendo por base tal confusão teórico-metodológica, a APML vai falar
adiante em uma também confusa “revolução ininterrupta por etapas” (“Imagens...”, pág. 298).
A pretexto da consideração do desenvolvimento desigual do capitalismo, expõe uma
concepção linear do desenvolvimento histórico em que sucessivas etapas cumpririam
“tarefas” não resolvidas pela etapa anterior, o que é, é preciso destacar, uma compreensão
teleológica absolutamente estranha ao marxismo. Para este, ao contrário, conforme
expressado por Marx e Engels na “A Ideologia Alemã” e aprofundado no “O Capital”, o que
marca a especificidade histórica do capitalismo é a capacidade deste sistema em fazer-se
mundial, submetendo as demais formações sociais do globo à sua dinâmica; julgamos
desnecessário citar aqui trechos destes clássicos do marxismo referentes à questão, mas é
importante registrar aquilo que é denominado de “programa mínimo” no “Programa Básico”
da APML: “No Brasil, país denominado pelo imperialismo norte-americano sob uma forma
semicolonial, com uma base técnica agroindustrial atrasada e uma formação social
complexa, que combina relações capitalistas com relações semifeudais e feudais, com a
predominância das relações capitalistas, faltam ainda certas condições objetivas, mas faltam
principalmente as condições subjetivas para a revolução socialista proletária e a
emancipação completa dos trabalhadores. Por isso, a tarefa imediata que o proletariado do
Brasil e sua vanguarda têm diante de si é a de unir-se aos camponeses, formando uma sólida
aliança operário-camponesa; unir-se também à pequena burguesia urbana e ganhar a
burguesia nacional para levar até o fim a revolução nacional e democrática do Brasil,
abrindo caminho e criando as condições objetivas e subjetivas para a passagem de nosso
país à estrada luminosa do socialismo.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 301.)

Outra corrente que se situava à margem do reformismo pecebista foi o trotsquismo. A


bibliografia referente ao trotsquismo no Brasil, e em especial ao período de que tratamos, é
escassa e pouco divulgada. Contudo, pode-se dizer que sua presença no movimento de massas
– praticamente restrita ao que representavam na composição da direção da UNE e entidades
estudantis isoladas e de menos expressão militantes identificados com a ideologia geral da
corrente – não adquiriu maior significado no período. Do ponto de vista da produção e
divulgação de idéias referentes à revolução no país – o que mais de perto interessa a este
trabalho – sua contribuição enquanto corrente não chegou igualmente a assumir peso no
período. Foi somente a partir de meados da década de 70 e principalmente no decorrer dos
anos 80 que o trotsquismo conseguiu se impor como elemento considerável no desenrolar das
lutas de classes no país, assistindo-se hoje a algumas de suas tendências, como principalmente

64
o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), a desempenharem papel importante
no quadro atual da esquerda no país. Ronald Chilcote (“Partido Comunista Brasileiro –
Conflito e Integração”, op. cit., cf. pág 245) relaciona um conjunto de agrupamentos
trotsquistas em atividade no país a partir dos anos 30: Grupo Comunista Lenine, Legião dos
Comunistas e Partido Operário Leninista, na década de 30; Partido Socialista Revolucionário
e Vanguarda Socialista, nos anos 40; e Partido Operário Revolucionário Trotsquista (PORT),
que realizou seu primeiro congresso nacional em 1963.
Raul Villa (nome pelo qual ficou conhecido na história da esquerda revolucionária
brasileira Eder Sader, um dos fundadores da Polop e um dos arquitetos de suas posições
estratégicas) refere-se ao espaço ocupado pelo PORT no texto “Para um balanço da PO” (14),
ao dar conta do cenário em que emergiram as idéias da Polop: “Assim, ao fazer crítica
classista do desenvolvimento capitalista, ao desenterrar o instrumental teórico do marxismo,
num quadro de abertura da crise capitalista de um lado e de desarme ideológico geral grente a
ela de outro, a PO abre um grande espaço para o seu desenvolvimento. O POR Trotsquista,
que hegemonizava a crítica de esquerda ao nacionalismo, será rapidamente superado pela
presença da PO.” (Doc. Cit., pág. 9.) Faremos à frente neste trabalho uma consideração mais
ampla do trotsquismo quando tratarmos do posicionamento geral da Polop em relação a esta
corrente do movimento comunista internacional. Por agora, cabe apreciar criticamente a
metodologia que informa textos básicos de duas organizações alinhadas com o trotsquismo,
conforme transcritos por Edgar Carone em “Movimento Operário no Brasil (1945-1964)”
(15): a coligação Democrática Radical (criada em 1945) e a Liga Socialista Independente
(fundada em 1956).

A Coligação, em seu “Plano Econômico”, propõe como primeiro item: “Urge que um
regime realmente democrático, constituído na base das liberdades políticas constantes deste
programa, interessando-se em elevar o standard de vida dos povos, tome imediatamente as
medidas necessárias para estatizar os bancos e as companhias concessionárias de serviços
públicos (transporte ferroviário ou marítmo, energia elétrica etc.).” (In “Movimento...”, op.
cit., pág. 62.) Sem entrar no mérito específico das medidas econômicas propostas no
programa, observa-se aqui uma perfeita integração entre o governo a que aspira a Coligação,
“um regime realmente democrático” e o espírito geral das medidas defendidas, a que se
seguem outras como “abolição dos impostos indiretos e revisão democrática do imposto sobre
a renda”, “seguro contra o desemprego” e outras. Este é um programa mínimo, apresentado
pela Coligação como Anteprojeto de Programa Técnico-Eleitoral. De toda forma, a exemplo

65
das alternativas de poder propostas então pelo PCB, a estrutura do Estado permanece
intocada, os titulares do seu exercimento os mesmos; no fundo, a mesma compreensão da
realidade do país e do conteúdo de suas lutas de classe: “O Brasil não foje à regra dos países
dependentes de regiões fadadas a serem apenas ‘complementação econômica’, isto é,
fornecedores de matérias-primas para os reis da indústria e da finança que imperam nas
potências de primeira categoria. Assim, pois, a Coligação Democrática Radical bater-se-á no
sentido de impedir o avassalamento do nosso país pelos monopólios, trustes e cartéis de
qualquer espécie, desarmando os seus agentes nacionais.” (In “Movimento...” op. cit., pág.
62.) Povo, avassalamento etc. etc. Ao que tudo indica, não parece ter pertencido à Coligação a
produção do que de mais elaborado pode ter saído da fornalha trotsquista no período.

Já a Liga Socialista Independente desenvolve em sua “Declaração de Princípios” uma


série de posicionamentos que dá conta de uma reflexão mais comprometida com a
concretividade histórica das lutas de classe no seu desenvolvimento objetivo a nível nacional
e internacional. O que, no entanto, não impede que a proposta incorpore pontos de vista e
método contrários às formulações marxistas. Já no primeiro item da declaração podemos ler:
“A Liga Socialista Independente tem como objetivo histórico a transformação do Estado
Capitalista em Sociedade Socialista.” (In “Movimento...”, op. cit., pág. 67.) Mais que uma
mera confusão terminológica, e mais grave que isso, o uso pouco rigoroso de categorias
consideradas essencias pelos criadores do marxismo-leninismo vão permear o espírito de toda
a declaração, abrindo espaço aqui e ali à incorporação de teses ora próximas ao anarquismo,
ora ao liberal democratismo. Já o “jovem” Marx, em sua “Crítica à filosofia do Direito de
Hengel” (16), se empenhara em demonstrar ser o Estado uma expressão de relações sociais
determinadas historicamente. Não se pode, com o marxismo, opor uma sociedade sociedade
socialista a um estado capitalista, mas, sim, à sociedade capitalista. Quando Lênin, em
“Imperialismo...”, fala em capitalismo monopolista de Estado ele está-se referindo,
evidentemente, a uma fase em que o Estado perde seu distanciamento relativo da burguesia
como na época do capitalismo liberal, para instrumentalizar diretamente o desenvolvimento
do sistema econômico, inclusive como investidor direto.

Tal conceituação, parece claro, não autoriza a que se confunda estado com sociedade,
ou com a classe que o empolga direta ou indiretamente, dado o risco de se perder de vista o
eixo da teoria marxista do Estado, fundada na concepção da anterioridade – e, portanto,
determinação – da sociedade sobre o estado. É a incompreensão disso, aliás, que tem levado o

66
grosso das correntes trotsquistas a não situarem com propriedade o lugar e função da
burocracia nos estados do chamado socialismo real, cuja crítica tem-se constituído na
bandeira mais cara ao trotsquismo. Afirma Marx: “Hegel não desenvolve nenhum conteúdo
da burocracia e limita-se a citar algumas determinações genéricas de sua organização
‘formal’; ora, é certo que a burocracia é apenas o ‘formalismo’ de um conteúdo fora dela.”
(“Crítica...”, op. cit., pág. 70, grifo e aspas originais.)

Note-se que, metodologicamente, Marx caminha no campo do materialismo em


contraposição a um Hegel postado no terreno do idealismo objetivo. Não por acaso, presa a
este método hegeliano, a Liga Socialista Independente vai pensar a questão da liberdade no
interior de uma reflexão idealista. Assim, diz a “Declaração”: “Dentro das possibilidades e
peculiaridades históricas oferecidas pelo desenvolvimento das forças produtivas, o Socialismo
considera a moral como o sistema de normas historicamente determinadas que objetivam o
florescimento pleno do ser humano. Os princípios básicos dessa moral são a Liberdade, a
Igualdade e a Fraternidade efetivamente assegurados a todos os homens e efetivamente
aplicados a todas as atividades humanas.” (In “Movimento...”, op. cit., pág. 71.) Como vemos,
a deferência à concreticidade histórica do início do trecho citado não passa de uma moldura
dourada por tintas palidamente materialistas de um pergaminho indisfarçavelmente dominado
pelo traço idealista. Ora, mesmo descartada por ociosa a necessidade de retomar aqui as
considerações da filosofia marxista a respeito da categoria homem, é de se perguntar à Liga
quem lhe atribuiu o direito de ditar os deveres universais do homem, de cada homem. Quem
sabe, o humanismo neo-hegeliano de Feuerbach? É indiscutível, insista-se, que o marxismo é
um projeto humanista libertário. Mas um projeto que toma o homem e sua liberdade no
interior de conflitos de classes situados historicamente, cabendo a elaboração específica de
uma nova ontologia existencial para além do horizonte renascentista – que é quando emergem
as bases do humanismo marxista onde se inclui o ideário da liberdade e da igualdade, a seguir
deturpado pelo engessamento democrático operado pelo iluminismo burguês – somente
quando as classes já estiverem varridas do cenário histórico. Como as classes e a história das
lutas de classes ainda não ficaram para trás, não se pode casar o marxismo com uma visão não
classista e a-histórica dos homens e suas lutas, nem, muito menos, erguer catedrais em torno
de devaneios do tipo “essência do homem”, “valores universais” etc.

No “Manifesto do Partido Comunista”, Marx e Engels já criticavam essa “especulação


ociosa sobre a realização da natureza humana” na abordagem do “socialismo alemão ou o

67
‘verdadeiro’ socialismo”, que é criticado pelos criadores do marxismo por defender “não os
interesses do proletariado, mas os interesses do ser humano, do homem em geral, do homem
que não pertence a nenhuma classe em a realidade alguma e que só existe no céu brumoso da
fantasia filosófica.” (“Manifesto...”, op. cit., in “Textos III”, op. cit., pág. 41.)

VI – RECONHECENDO O TERRENO: GRUPO RADICAL DE AÇÃO POPULAR

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) foi fundado formalmente em abril de 1947, mas
já atuava organizadamente em nível nacional desde 25 de agosto de 1945, data do manifesto
de fundação da Esquerda Democrática (ED), frente que deu origem ao partido, cuja assinatura
agrupava ecleticamente nomes como os de Juraci Magalhães e Arnon de Melo, Rubem Braga
e Evandro Lins e Silva, João Mangabeira e Osório Borba, além de Francisco Giraldes Filho,
Luís Neves e Marcelino Serrano, estes últimos remanescentes do ex-Partido Socialista
Brasileiro de 1932. Uma das linhas que confluíram na formação do PSB se originou do Grupo
Radical de Ação Popular (GRAP), criado em São Paulo em 1942 por um grupo de socialistas
composto por Paulo Emílio Sales Gomes, Antônio Costa Correa, Germinal Feijó, Paulo Zing,
Antônio Cândido de Melo e Souza e Eric Sachs. Este último, que viria a fundar a Polop,
“inspirava muito a nossa ação. Ele era culto e tinha experiência de luta política, tendo
inclusive vivido na União Soviética”, segundo depoimento de Antônio Cândido a Edgard
Carone transcrito em “República Liberal”. (Op. cit., pág. 317.)

O GRAP se transforma, em março de 1945, em União Democrática Socialista (UDS),


que incorpora a seus quadros militantes de expresso oriundos do PCB e do trotsquismo, com
Febus Gikovate, Aziz Simão, Arnaldo Pedroso Horta e Fúlvio Abramo, entre outros. Eric
Sachs, que defendia a criação de um agrupamento marxista, prefere ficar à margem da UDS.
Em maio de 1945 começa a estruturar-se, a partir do Rio de Janeiro, a Esquerda Democrática,
em resposta à nova lei eleitoral que exigia a condição de partido nacional a quem se
dispusesse disputar eleições. Após discussões (cujo conteúdo específico e intensidade não
consegui levantar), a UDS opta por se integrar à ED; cabe, no entanto, transcrever, pela
ordem, dois depoimentos, de Antônio Cândido e de Antônio Correa Costa, colhidos por
Carone e citados em “República Leberal”: (A ED era) “muito menos avançada do que a UDS,
pois para nós esta possuía um cunho revolucionário”. “...assim, aquela organização mais

68
restrita da UDS, que era um tanto radical, um tanto sectária, foi abandonada e nós marchamos
para a organização da Esquerda Democrática com vistas à formação de um partido.” (In
“República...”, op. cit., pág. 320.) E este partido veio a ser o PSB.

Não basta falar em socialismo. O que a história deixou claro é que somente com a
Polop que a alusão ao caráter socialista da revolução brasileira vem sustentada pelos
princípios constitutivos do marxismo-leninismo, sem os quais aquele caráter se transforma
inevitavelmente em caricatura.

Notas

1. Löwy, Michael – Le marxisme en Amérique Latine. Paris, 1980, Ed. Françãois


Maspero
2. Reis Filho, Daniel Aarão (coordenador) – História do comunismo no Brassil –
Impacto das Revoluções. Rio, 1991, Paz e Terra
3. Moraes, Denis e Viana, Francisco – Prestes: Lutas e Autocríticas. Petrópilis,
1982, Ed. Vozes
4. Delgado, Lucília de Almeida Neves – PTB: do getulismo ao reformismo
(1945-1964) – são Paulo, 1989, Ed. Brasiliense
5. Chilcote, Ronald H. – Partido comunista Brasileiro – Conflito e Integração. Rio
de Janeiro, 1982, Ed. Graal
6. Konder, Leandro – a democracia e os comunistas no Brasil. Rio de Janeiro,
1982, Ed. Graal
7. Vinhas, Moisés – O Partidão. São Paulo, 1982, Ed. Hucitec
8. Lênin, Vladimir – a respeito da palavra de ordem dos Estados Unidos da
Europa, in “Obras Escolhidas 1”. São Paulo, 1979, Ed. Alfa Omega
9. Carone, Edgard – O PCB – 1943 a 1964 (vol 2), in “Corpo e Alma do Brasil”.
São Paulo, 1982, Ed. Difel
10. Spindel, Arnaldo – O Partido Comunista na gênese do populismo. São Paulo,
1979, Ed. Símbolo

69
11. Revista “Política Operária”, n. 7 – São Paulo, outubro/1963 – Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro-Centro de Memória de Movimentos Sociais
(CMMS) – Niterói/RJ
12. Dantas, Sebastio e Perdigo, Luiz Felipe (“Marcos Peri”) – Perspectivas da
Revolução Brasileira – para onde vai o proletáriado? Reforma ou Revolução?
São Paulo, 1962, Edição Própria
13. Marx, Karl – Crítica del Programa de Gotha. Moscou, s/ data, Ed. Progresso
14. Sader, Eder (“Raul Villa”) – Para um balanço da PO, in revista “Brasil
Socialista”. Bruxelas, outubro/1976
15. Carone, Edgard – Movimento Operário no Brasil (1945-1964). São Paulo,
1981, Ed. Difel
16. Marx, Karl – Crítica da Filosofia do Direiro de Hegel. Lisboa, S/data, Ed.
Presença
17. Carone, Edgard – República Liberal. São Paulo, 1985, Ed. Difel
18. Marx – Karl – O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, 1988, Ed.
Escriba

70
VII – MONOPÓLIO AMEAÇADO

1. Emerge uma “velha” idéia

No dia 3 de maio de 1959, o jornal Correio da Manhã, do Rio, publicava na página 6


um editorial intitulado “Libertação” (1). Afirmava o texto.

“A festa do Trabalho, 1° de maio, já foi no Brasil monopólio da ditadura getulista, que se


arvorou em porta-voz do operariado. Depois, o Partido Trabalhista Brasileiro quis
monopolizar a data. Mas já perdeu o monopólio. Na sexta-feira apareceu no plano o
Partido Socialista Brasileiro, reforçado por um grupo de ativistas da juventude Socialista,
exigindo liberdade dos sindicatos, abolição do Fundo Sindical, direito de greve,
terminando o dia com uma comemoração dos mortos de Chicago. Este último item não
dirá provavelmente nada às gerações de hoje, no entanto, a matança de operários pela
polícia numa manifestação em Chicago foi motivo para a Segunda Internacional
estabelecer, em 1890, o dia 1° de Maio como Festa do Trabalho.”

Aquele ‘grupo de ativistas’ era, na verdade, o núcleo inicial da Organização


Revolucionária Marxista-Política Operária, a Polop, criado formalmente em fins de 1958 em
uma reunião realizada em um apartamento no Posto 6, Copacabana, Rio de Janeiro, com a
presença de Eric Sachs, Aluizio Leite Filho, Piragibe de Castro e Luiz Alberto Moniz
Bandeira, entre outros. Conta Aluizio:
“Aquele Primeiro de Maio pode ser considerado a primeira ação de massa, de
agitação e propaganda, da Polop. Cobrimos várias ruas do Centro da cidade de
bandeiras vermelhas e faixas com palavras-de-ordem propugnando a independência
político-ideológica do proletariado, denunciando a apropriação da data pela burguesia,
empenhada em transformar a luta em festa de confraternização de classes. Fizemos
vários comícios-relâmpagos durante o dia e, à noite, fechamos com um ato
comemorativo na sede do PSB.” (Depoimento de Aluizio Leite Filho (2) ao autor.)

Indepedência do movimento operário e revolução socialista. Estas, as idéias-força da


Polop. Em meados de 1959, o grupo publicava o primeiro número da revista Movimento
Socialista (3), cujo editorial “As razões e a missão do ‘Movimento Socialista’”, embora

71
declarando não ter a publicação qualquer vinculação orgânica e ser obra de grupo no
homogênio, afirma no item 8 de seus propósitos editoriais: “Finalmente, somos de opinião
que, a não ser para a publicação de um órgão marxista, não se justificariam os esforços para o
lançamento de uma revista.” (Doc. cit., pág. 3.) Esta discussão se referia a debates que vinham
sendo travadas no interior do PSB a respeito das divergências entre “amplos” e “estreitos”,
alinhados os integrantes do núcleo polopista entre os últimos; no debate que precedeu o
lançamento da revista, os primeiros defendiam a posição da incorporação de correntes
“progressistas não marxistas”, contra a opinião da corrente oposta segundo a qual o pretexto
da amplitude equivaleria a abandonar a bandeira do marxismo, provocando a diluição prática
das fronteiras de classe, acrescentando que “...Para aderir não precisamos do marxismo para
nada, e a burguesia, de sua parte, não precisa de nós já que ela já tem e forma seus próprios
ideólogos”, conforme está no editorial citado. Assim, a separação tornou-se inevitável.

Surge a Movimento Socialista marxista. Sua redação, também sede do grupo, se


instala em uma sala, cedida pelos anarquistas, na Avenida 13 de Maio, sala 922, esquina com
rua Almirante Barroso, no Centro do Rio. Os compromissos gerais da revista, sintetizados na
conclusão do editorial: “Outro aspecto se relaciona com o caráter crítico e polêmico próprio
de uma revista marxista. Particularmente agora a defesa do marxismo exige ‘limpar a
estrebaria das águas’. Não nos deteremos ante o terrorismo ideológico da calúnia organizada e
erigida em método político. Não vacilaremos em desmascarar as traições ao proletariado e à
sua teoria revolucionária. Nossa crítica é uma crítica de esquerda, do ponto de vista dos
interesses permanentes da classe operária. ...Temos a noção perfeita de que podemos ficar
entre os fogos de duas hostilidades – a do dogma e a da revisão. Isso não será novo. Ambas
sempre se auxiliaram mutuamente. De nossa parte, depositamos a confiança no êxito da
iniciativa no apoio dos adeptos do materialismo dialético aos quais oferecemos um
instrumento de aproximação, de discussão e debate que nos cabe a todos, na conjuntura atual.
Depois de cumpri-la, será mais fácil realizar o resto.” (In Movimento..., doc. cit., pág. 4.)

Além de cinco outros artigos tratando de temas nacionais e internacionais, a revista


publicou um longo texto intitulado “Marxismo ou apologética nacionalista?”, de autoria de
Eric Sachs, que se assinou Eurico Mendes. (Além deste ‘nome de guerra’, Sachs adotou em
seus escritos e militância os nomes, entre outros, de Érico Linhares e Ernesto Martins, este o
mais utilizado e pelo qual ficou conhecido na esquerda.) No artigo, na realidade um breve mas
denso ensaio, Sachs opera uma ampla análise do fenômeno nacionalista a partir da

72
contribuição de Marx, Engels e Lênin, delineando as condições concretas da evolução da
ideologia nacionalista, sua expressão nas diferentes etapas do desenvolvimento histórico das
lutas de classe nacionais e internacionais, as concepções e usos que dele fez o movimento
comunista internacional. Acreditamos poder considerar este texto a primeira publicação
sistematizada do ideário básico da Polop, com a exposição das linhas gerais do pensamento
coesionador do grupo a respeito de praticamente todas as questões estratégicas referentes ao
caráter e conteúdo da revolução socialista enquanto entendidos pela Polop. A ele, portanto,
recorremos outras vezes no transcorrer deste trabalho. Por ora, nos limitaremos à abordagem
de trechos mais diretamente referentes à conjuntura político-ideológica em que ermegiram as
idéias da organização.

Assim, já temos no primeiro parágrafo a identificação do terreno material onde


floresceu a ideologia nacionalista: “A idéia reinante do nacionalismo é por natureza a idéia da
classe dominante e, se ela se impõe, hoje, com vigor, esse fenômeno reflete meramente o
processo de industrialização do país e a maior auto-confiança da burguesia nacional.” (Pág.
38). E após identificar a vertente pequeno-burguesa do nacionalismo como expressão até
positiva de uma classe estruturalmente privada de interesses históricos próprios – e, portanto,
na dependência da polarização das lutas entre as classes fundamentais da sociedade capitalista
para, então, delinear com mais clareza seus objetivos –, o texto trata do papel desempenhado
pela esquerda face à questão nacionalista: “Agrava tal situação, todavia, a atuação da chamada
‘esquerda’ e de sua imprensa, que, em nome de ‘alianças’ e ‘frentes’, defendem a tutela
ideológica da burguesia sobre o proletariado. O que todas essas facções, que vão dos
remanescentes do P.C. até os teóricos do ISEB, têm em comum é a defesa de uma
colaboração de classes sob o rótulo do nacionalismo, na qual o sacrifício das reivindicações
do proletariado é tido como condição ‘sine qua non’ da luta anti-imperialista. Temos aqui toda
uma escola de nacional-reformistas que, com maior ou menor ênfase, procuram justificar-se
com argumentos ‘marxistas’.” (Pág. 38.)

Como se vê, a mesma metodologia de análise desenvolvida por Marx no “Prefácio à


Contribuição...”, em que, identificado o terreno histórico da construção das idéias, torna-se
preciso igualmente identificá-las na especificidade de suas manifestações no interior do
conflito político e na maneira como os homens “lutam para resolvê-lo”. O “Prefácio...” é de
1859. Cem anos depois, em 1959, emerge uma “velha” idéia na esquerda brasileira. Desta

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forma, assim sintetiza Eric Sachs no balanço feito em 1981 como introdução à republicação
de documentos da organização (doc. citado.):
“Em primeiro lugar, o que originou e motivou os grupos de diversas partes do
país foi sua oposição à política de colaboração de classes dos partidos oficiais – PCB,
PSB e, evidentemente, PTB. O aprofundamento dos debates levou à rejeição das teses
pecebistas sobre o caráter burguês-democrático da revolução brasileira, do passado
feudal do Brasil – passado que ainda sobreviveria – e do pretenso anti-imperialismo da
burguesia nacional. O que reunia os grupos foi justamente o consenso de que ‘qualquer
futura revolução no Brasil será socialista ou não será revolução’.” (“Balanço EM-81”,
págs. 1,2.)

Segundo o relato de Aluizio Leite Filho, a Polop teve forte presença na imprensa
estudantil do Rio no período que se seguiu à criação do grupo original, aproveitando ainda
espaços no jornal nacionalista “O Semanário”, de Oswaldo Costa, e no “O Nacional”, editado
pela tendência liderada por Agildo Barata que se desligara do PCB em 1957. Acreditamos que
a referência a artigos e reportagens publicadas no “O Metropolitano” seja o suficiente para dar
um quadro das especificidades das teses e posições da organização em seus choques iniciais
com outras linhas do pensamento da esquerda à época.

Em 29/5/1960, Paulo Piragibe (nome com que Piragibe de Castro, um dos fundadores
do grupo, assinava seus artigos) publicava na coluna “Problemas e Opiniões” o artigo “Sobre
a autenticidade do movimento nacionalista” em contestação ao texto de Humberto Jansen
“Autenticidade do Movimento Nacionalista”, que saíra na mesma coluna na edição de 1/5/60.
A crítica de Piragibe parte da formulação de Jansen segundo a qual as tentativas de
radicalização das lutas de classe entre burguesia e proletariado no país estariam fadadas a
enfraquecer a luta contra o imperialismo em que estaria empenhada a burguesia nacional.
Piragibe sai, então, em busca das raízes históricas e metodológicas do posicionamento exibido
por Jansen, identificando, em primeiro lugar, a linha do pensamento deste com a de Alberto
Torres e Oliveira Viana, “ideólogos de uma burguesia industrial que então começava a dar os
primeiros passos, premida pelo capital financeiro internacional e quando a classe operária só
existia nas elucubrações de alguns revolucionários românticos”. É em um trecho seguinte, no
entanto, que Piragibe deixa mais clara sua própria vinculação com a metodologia marxista,
discutindo o conceito de nação como categoria histórica e, enquanto tal, submetida à dinâmica
das lutas de classes. Diz Piragibe: “Continuando a leitura, percebe-se como o raciocínio

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metafísico conduz a fabricar uma oposição ‘entre o capital estrangeiro colonizador e nação
brasileira’, por analogia com a situação metrópole-colônia, ou como já disseram outros
nacionalistas não menos talentosos, ‘entre nação e anti-nação’, usando Fichte, Jaspers e a
eloqüência notória dos carreiristas do ISEB, o que é demasiado fácil e cômodo, dado que no
aglomerado nação ficariam supressas as relações de produção capitalistas, as classes e
teríamos um paraíso social em que se confraternizariam todos, para o bem-estar geral da
burguesia e o combate emocional à dominação estrangeira.”

Na edição de 3/7/60, “Problemas e Opiniões” traz um novo artigo de Piragibe, “A


propósito do desenvolvimento econômico”, em que o autor vai especificar os termos da
relação capital estrangeiro-capital nacional no interior da visão geral da questão adotada pela
Polop e que viria a ser estruturada e desenvolvida, sob a denominação de “Teoria da
Dependência”, por Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos Júnior e Vânia Bambirra, todos
militantes históricos fundadores da Polop. Afirmava, então, Piragibe: “Por outro lado, a
industrialização do Brasil dependeu, desde o início, de capitais estrangeiros, quando a Europa
para aqui exportou capitais, bem sucedidos, desde que a taxa de lucros compensadora lhes
permitia remessas avultadas. Com o tempo, os excedentes capitais americanos foram, mais ou
menos, substituindo os europeus, que passaram a girar nas colônias da África e Ásia,
principalmente. Assim, a América Latina se torna zona de influência tipicamente ianque. Mas
a penetração não se verifica apenas a partir da implantação de empresas e dos trustes – a par
com esta, se realiza uma fusão de capitais, em que o capitalista nacional tem que ceder,
tornando-se sócio do capital colonizador. “Deve-se destacar, aqui, a existência de uma grande
polêmica historiográfica a respeito da origem dos capitais investidos nos primeiros ciclos de
industrialização do país. Uma corrente de peso significativo sustenta a tese da origem interna
daqueles capitais, principalmente os aplicados na produção de bens de consumo duráveis e
não duráveis, dirigindo-se os capitais externos, tidos praticamente como os únicos na análise
da corrente contrária, aos segmentos de infra-estrutura e serviços (gás, eletricidade,
transportes). O destaque para os capitais de origem interna, decisivo na crítica à visão de um
Brasil como mero entreposto comercial nas relações capitalistas internacionais, faz presente a
metodologia da análise concreta da situação concreta, tão cara ao marxismo, e, ainda remete
para a consideração do conceito de formação social na análise do sistema capitalista mundial.
É nesta linha, como veremos adiante, que trabalha a Teoria da Dependência.

75
No dia 10/7/60, a mesma coluna do “O Metropolitano” publica o artigo “A perspectiva
socialista do proletariado”, de Bernardo Boris, o qual ao final do texto, diz ter exposto
“resumidamente as perspectivas que o movimento trotskista tem colocado”. O eixo das
análises é semelhante ao abordado pela Polop: a crítica à revolução por etapas, a defesa do
papel de vanguarda do proletariado, a condenação do nacionalismo enquanto ideologia da
burguesia etc. No entanto, no início do artigo, como “caput” do mesmo, é feita uma análise
das lutas de classes então em desenvolvimento no Japão em que fica evidenciada uma
metodologia vanguardista com que quase sempre operam as tendências trotsquistas, o que, na
raiz, sempre as separou das concepções gerais da Polop. Dominado pela visão catastrofista
que embasa a teoria da revolução pemanente – uma apropriação equivocada, diversa portanto,
da original formulada por Marx e Engels na “Mensagem do Comitê Central à Liga dos
Comunistas”, de 1850 (voltaremos a este assunto) –, Boris atribui a não eclosão de uma
revolução socialista no Japão à época unicamente ao comportamento do PC e do PS daquele
país.

Em 17/7/60, Humberto Jansen volta à carga com o artigo “Adesismo e


Colaboracionismo”, em que despeja críticas a Piragibe e Boris. Após uma consideração da
situação mundial informada pela idéia central da coexistência pacífica estalinista, afirma que
os países socialistas e os subdesenvolvidos “lutam pela coexistência pacífica, pela construção
de uma economia livre e a serviço dos povos”, de onde conclui que “o ponto de partida para
qualquer solução progressista e democrática é o nacionalismo”. Idéias conhecidas, já vimos.
O destaque do texto, como indica o título, deve ficar para a questão do colaboracionismo e
isolacionismo: “Quais são os colaboracionistas? Os que participam da luta e marcham para
assumir-lhe o comando ou os que se afastam, se omitem, deixando o campo aberto aos mais
reacionários e inconseqüentes? Nessas posições isolacionistas há um sintoma muito grave: o
medo da atuação política junto às massas e suas organizações. Note-se que as pregações pela
‘revolução imediata’, pela ‘revolução permanente’ (vide Bernardo Boris em 10-6-60, nesta
coluna), pela luta contra os ‘social-reformistas do tipo Vargas’ (Paulo Piragibe), todas elas
omitem sempre o trabalho político nas organizações de massas existentes.”

Ora, quando a esquerda não reformista criticava o PCB, PTB etc. de colaboracionismo
de classes ela se referia a propostas e fatos concretos: a defesa de uma aliança estratégica com
a burguesia, participação direta em organismos estatais e paraestatais do governo burguês etc.
Já a bola devolvida pelo reformismo a seus críticos vinha murcha, impulsionada pelo aforisma

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primário de que “quem não está conosco está contra nós”, vazada no espírito de seita que se
fez alma de uma prática fundada na metodologia determinista e etapista por onde sempre
caminha o reformismo. Foi esta ideologia geral, aliás, que levou o PCB e aliados democratas
a acusar a esquerda armada no tempo da ditadura de responsável pela consolidação do regime
e endurecimento da repressão; em outros termos, a defesa indireta das paz dos cemitérios, o
catecismo da rendição política. Deixemos isso de lado.

Cabe deter aqui na alegação de que a esquerda anti-reformista seria isolacionista, daria
as costas ao movimento vivo, abandonaria a política. A Polop, em toda sua trajetória foi
escolhida alvo preferencial deste tipo de acusação, no apenas vinda do reformismo oficial,
como igualmente da “tática” democratista adotada pela maioria da esquerda, trotsquistas
incluídos, após o golpe e principalmente a seguir à derrota da luta armada; para todos, a Polop
padeceria do pecado original do “doutrinarismo”. Não está nos objetivos deste trabalho a
análise da atividade de intervenção prática na realidade concreta das lutas de classes
desenvolvida pela organização como afirmamos anteriormente. No entanto, ressalvávamos,
seriam feitas referências à prática quando isso fizesse necessário à melhor iluminação das
teses do grupo. Em primeiro lugar, é preciso constatar que, pelas razões e dados já alinhados
aqui, o PCB (e aqui pode-se incluir o PC do B quando da sua estruturação) já contava com
amplas bases de massas quando da fundação da Polop; a AP, por sua vez, mesmo criada
depois, já desembarcou no cenário de luta com uma volumosa bagagem de bases sociais no
movimento herdada das atividades desenvolvidas há mais de dez anos de forma organizada
pela esquerda cristã ancorada na estrutura da Igreja Católica. Em segundo lugar, dada a
especificidade qualitativa de suas preposições, a Polop certamente iria encontrar resistências
maiores – não de natureza estrutural, registre-se – em liderar movimentos de massa, no geral
dominados então pela ideologia reformista desenvolvimentista. E em terceiro lugar, é preciso
também registrar que a Polop no decorrer de sua trajetória teve montados núcleos e seções em
todos os Estados importantes do país (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo,
Rio, Goiás, Brasília, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Maranhão), e não apenas nas capitais, mas
também nos cinturões industriais que as cercam as capitais e em algumas cidades do interior,
além da presença no movimento camponês de Minas Gerais e Pernambuco antes do golpe. No
movimento estudantil, como expressão de sua influência no movimento em todo o país,
controlou entidades locais e regionais e foi uma das forças dirigentes da UNE até 1968,
mantendo influência no movimento semi-legal que se seguiu ao Al-5. Participou ativamente
da organização e estruturação das greves de Contagem (as duas) e Osasco em 1968. Esteve na

77
rebelião dos sargentos em Brasília em setembro de 1963. E hegemonizou o movimento dos
marinheiros no Rio no pré-golpe. Onde, portanto, o “doutrinarismo”?

Mas este tipo de acusação não data de tempos recentes. Já na década de 40 do século
passado, já cento e sessenta, portando, o neo-hegeliano Ruge descrevia o comunismo como
“uma triste atividade sem interesse político, um produto que havia nascido morto”, conforme
transcrição por Michael Löwy em seu “La teoria de la revolución en el joven Marx” (4), pág.
64. Entendiam os jovens hegelianos por apolítica a visão materialista que os comunistas
tinham, já então, das instituições do estado burguês, inclusive o democrático, na luta pela
emancipação do proletariado. Obseva Löwy: “Mediante esta desmistificação da esfera
política, em 1843, (Marx) contesta a Ruge e se volta já contra o estado como ‘verdade’ dos
problemas sociais, como a miséria etc. (posição que defendia já em seus artigos para o
Rheinische Zeitung), mas para o povo real, para a vida social. Desta maneira, se situa muito
próximo dos comunistas, como Hess, cujo lema era precisamente a primazia do social sobre o
político, tese que Marx desenvolverá nos Anais Franco-Alemães.” (“La teoria...”, op. cit., pág.
64.) Insistamos: para o marxismo, fazer política não significa ater-se aos dormentes que
suportam os trilhos por onde desliza o vai-vem do estado burguês e suas instituições, ora
democráticas, ora ditatoriais, de acordo com o lado para onde as empurram os ventos dos
interesses dos detentores do capital e as lutas de classes.

E por falar em jovens hegelianos, a coluna “Problemas e Opiniões” publica em


28/8/60 o artigo “A velha esquerda e os novos católicos”, de Simon Schwartzman, em que são
expostos os princípios gerais que norteiam a atividade política da esquerda cristã. Diz o texto:
“É este o caminho aberto por Hegel, é este o caminho desenvolvido por Marx e os jovens
hegelianos, e é a ele, conscientemente ou não, que se orientam os jovens da esquerda católica
no Brasil, nada mais fazendo que seguir o exemplo da já madura vanguarda da esquerda
católica européia, cujos nomes seriam desnecessário citar.” Entre estes nomes, por certo,
estariam Teillard de Chardin, com a descoberta de seu “ponto ômega”, em que o espírito dos
homens purificado pela história se encontraria com Deus – mera transcrição de Hegel, como
se vê – e Ignace Lepp, que, com seu “Intinerário de Marx a Cristo”, dá conta de sua conversão
ao catolicismo a partir do momento em que não encontra no marxismo resposta às suas
inquietações metafísicas. Hegel, Marx, novos hegelianos: já sabemos o que significa política e
metodologicamente tal mistura quando abordamos o posicionamento da AP, mas insistimos
não se tratar de um instrumental marxista de conhecimento dos caminhos e caráter da

78
revolução brasileira. O que há de mais essencial nas palavras de Schwartzman, seu método
filosófico, se manteve na base dos desdobramentos organizatórios da esquerda de origem
cristã no país. Hoje voltando diretamente às origens, temos a Teologia da Libertação, que,
considerada no interior dos processos gerais de desenvolvimento da consciência religiosa,
significa um avanço qualitativo. A esquerda cristã vem-se constituindo em aliado leal e
importante na luta dos trabalhadores do país e em toda a América Latina, uma contribuição
que consideramos imprescindível nos processos atuais e futuros da luta do proletariado no
continente. Mas atribuir ao movimento cristão de esquerda a função de vanguarda político-
ideológica de qualquer transformação revolucionária significaria, para quem é marxista, a
renúncia a todo um corpo metodológico da teoria marxista revolucionária, jogando por terra o
princípio leninista de que “sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”. Note-se
que Lênin não fala de uma teoria qualquer nem de uma prática qualquer.

No dia 8 de janeiro de 1961, “O Metropolitano” trazia na página 8 uma ampla


reportagem intitulada “Curto-circuito no Congresso: aprovada a lei da Eletrobrás”, de autoria
de Luiz Cayo (Aluizio Leite Filho). Será interessante abordá-la na medida em que representa
uma análise da Polop a respeito de um evento concreto da realidade política desta época que
estamos considerando como de florescimento e consolidação das idéias da organização. Após
reportar historicamente as brigas entre as facções das classes dominantes e o Estado na
distribuição e uso dos recursos naturais e de infra-estrutura disponíveis no país, Aluizio
afirma: “A burguesia nacional está atingindo – embora através de um meio-desenvolvimento
que lhe impõe a situação – a maioridade. No Rio Grande do Sul, a encampação da subsidiária
da Bond and Share (em 1959, por Brizola) reafirmou este fato: a indústria precisa de
eletricidade venha ela de onde vier. Se as empresas estrangeiras lhe dão esta eletricidade,
muito bem: não são quebrados os compromissos; se não, mobiliza-se a opinião pública e o
agir radical surge e desaparece como passe de mágica.” Como se vê, ao contrário de cantar
loas a uma hipotética e gloriosa vitória do “povo” contra o “imperialismo”, a Polop vai buscar
nos interesses de classes o gerador dos fatos históricos. Na definição da empresa criada pela
nova lei – que na realidade só viria a ser montada depois do golpe -, o autor destaca não ser
ela “nenhum instrumento de revolução. É uma sociedade de economia mista, destinada à
execução dos empreendimentos da União no setor de energia elétrica”. De fato, enquanto
produto da usina de idéias nacional-desenvolvimentistas em que constituiu a Assessoria
Econômica de Vargas em seu segundo governo, chefiada por Rômulo de Almeida, a
Eletrobrás não poderia ter sido mesmo um empreendimento revolucionário. De toda forma,

79
caberia à Polop um posicionamento mais concreto em relação à empresa, cuja criação, de
forma direta ou indireta, dizia respeito aos interesses gerais do proletariado. E, após propor a
participação dos operários na direção da empresa a ser criada, Aluizio conclui: “A longo
prazo, só existe uma solução para a questão da eletricidade: nacionalização da indústria em
todas as fases. Embora o projeto que criou a Eletrobrás não se guie por esta perspectiva,
poderá, a depender da atuação das forças populares, vir a se constituir em excelente
instrumento para tal finalidade.”

Resta comentar no fecho desta resenha histórica de posicionamentos fixados nas


páginas de “O Metropolitano” o artigo “A verdadeira face da revolução” (edição de 20/12/60,
página 6), de Ruy Mauro Marini, o terceiro da série “Os caminhos da revolução cubana”, no
qual a Polop se pronuncia sobre o conteúdo e o caráter do movimento, especificamente sobre
a estruturação política do estado após a tomada do poder e antes do episódio da “Baía dos
Porcos”, propulsor de uma virada qualitativa na configuração do estado cubano
revolucionário. O artigo, após abordar alguns eventos do desenvolvimento do novo regime
nas áreas da habitação e educação, vai perguntar exatamente pelo seu caráter político, isto é,
pela natureza das instituições em que se apóia. E a conclusão a que chega Ruy Mauro é a de
que: “Ajuntemos a isso o fato de se encontrar o país em virtual guerra com os Estados Unidos
e concluiremos pela justificação do caráter provisório excepcional do regime.” Segundo
observações de alguns estudiosos e militantes da esquerda, a Polop teria criticado o regime
cubano pré-Baía dos Porcos, com o verbo criticar assumido a conotação do condenar. Isto,
rigorosamente, não corresponde à verdade. Não só em seus textos de análise, como em
atividades de agitação e propaganda, a organização sempre se posicionou ideologicamente ao
lado do novo regime, considerando-o um marco qualitativo nas lutas de classe no continente
latino-americano.

Outra coisa, e foi realmente esta a posição do grupo, foi a consideração da necessidade
de a revolução aprofundar política, teórica e organizatoriamente sua opção pelo socialismo
marxista como condição de sua própria sobrevivência e consolidação. Assim, Ruy Mauro
lembra no artigo que, embora suspensa provisoriamente então pelos dirigentes cubanos, a
Constituição de 1940 fora retomada pelos revolucionários como referência jurídico-
institucional; do outro lado, no entanto, o autor enfatiza o caráter extra-institucional do novo
exército que, ao lado das milícias populares formadas por operários, camponeses e estudantes,
constituíam “o modo de ser do povo cubano”. No entanto, insiste o autor, a rapidez com que

80
se multiplicam as experiências políticas e econômicas não permitia falar em um regime
cristalizado. A conclusão geral do texto é a seguinte: “...A Revolução Cubana veio
demonstrar, em plena América Latina, que nenhuma luta anti-imperialista é válida se não
apresenta, simultaneamente, como esforço para destruir o que, no interior da sociedade,
consagra a espoliação e a injustiça. Para as nações proletárias, anti-imperialismo e revolução
social nada mais são que aspectos de uma só realidade.” Como se viu depois pelo desenvolver
da revolução cubana, o confronto com o imperialismo ocorreu no mesmo leito do
aprofundamento do socialismo na Ilha.

2. Os núcleos iniciais

No período que vai da criação do núcleo gerador do Rio, em 1958, até a estruturação
da organização, em janeiro de 1961, a Polop contou com a adesão de vários pequenos grupos
de marxistas em variados pontos do país, como Salvador, Ilhéus, Brasília, Recife, Curitiba e
Goiânia (cf. “Para um balanço da P.O.”, de Raul Villa, e o Balanço EM-81, de Eric Sachs,
docs. cits.). Vamos nos limitar, neste item, à abordagem da formação dos núcleos do Rio, São
Paulo e Belo horizonte, os quais, pela nossa pesquisa, se constituíram nos mais significativos
e dinamizadores da organização em construção.

Quanto ao grupo do Rio, acreditamos já haver nos referido aos principais episódios de
sua formação, especificamente na abertura do IV capítulo deste trabalho (“Monopólio
ameaçado”). Destacaremos aqui informações adicionais contidas nos depoimentos de Aluizio
Leite Filho e Ruy Mauro Marini nas entrevistas que me concederam. Atesta Aluizio: “A
Polop não existiria sem o Eric Sachs”, o que é confirmado, em outras palavras, em todos os
depoimentos que colhemos, não só no Rio como junto a militantes fundadores nos demais
núcleos. Não conseguimos identificar a data, nem mesmo o ano, em que Eric se mudou de
São Paulo, onde desembarcou no país, para o Rio; de toda forma, como vimos, em fins de
1958 ele concluía a primeira fase de seu trabalho com a reunião de formalização do núcleo do
Rio. As bases principais de atuação do grupo eram a Juventude Socialista do PSB e a Escola
Brasileira de Administração Pública (Ebap) da Fundação Getúlio Vargas, na Praia de
Botafogo, que tinha Piragibe de Castro entre seus professores e Aluizio e Ruy Mauro entre os
alunos. Relata Aluizio: “Entrei para a Ebap em 1957, vindo da militância do movimento

81
universitário, ingresso na Juventude Socialista, onde conheço Eric e Moniz Bandeira. O PCB
não me atraía desde já algum tempo: Já tinha lido Deutscher e nutria ‘certa antipatia’ pela
URSS, tanto assim, que o 20° Congresso não chegou a me abalar; já tinha a cabeça feita. Com
Eric, começa a minha formação marxista.”

Aluizio, além de seu trabalho teórico como um dos elaboradores e divulgadores


daquelas idéias em maturação da Polop, era uma espécie de “pau-pra-toda-obra” do grupo:
“Ele era visto pra cima e pra baixo ao volante de sua Rural Willys, levando gente, entrando e
saindo de reuniões, agitando”, rememora Paulo Alberto Monteiro de Barros, então ligado à
JUC e diretor de “O Metropolitano”. Entre as ações no trabalho de massa desenvolvidas pela
nascente Polop, Aluizio destaca a montagem da peça “Waiting for left”, na virada de 1959
para 1960 no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, onde o grupo conseguiria chegar
através de um trabalho próprio com operários da categoria em Bangu, bairro da Zona Oeste da
cidade. Também no Sindicato dos Metalúrgicos é que foi pintado um enorme retrato de Fidel
Castro, com a inscrição “We like Fidel”, com o qual os militantes do grupo cobriram a
fachada do prédio da UNE, na Praia do Flamengo, por onde passou a comitiva de Eisenhower
durante visita ao país em 1960. Outra manifestação liderada pela Polop foi a “Passeata da
Barba” (na época da “Baía dos Porcos”), na qual centenas de estudantes – vários deles
devidamente paramentados com barbas postiças – desfilaram pela avenida Rio Branco, no
Centro do Rio, aos gritos de “Cuba si; ianque no”, a palavra de ordem internacional de então
de apoio à Revolução Cubana. Quanto ao ideário geral da organização, resume Aluizio: “A
idéia da Polop era a criação de um partido marxista de fato no Brasil. A crítica da organização
se centrava em duas realidades: a revolução não passaria principalmente pelo PCB e, do ponto
de vista ideológico, a URSS deixara de ser fonte geradora de marxismo. A URSS fazia um
jogo de grande potência; daí, a grande importância de Cuba, que quebrou isso. A Polop não
chegou a se constituir em um grande grupo de massa, mas teve grande importância política na
época; acho que por ela passaram algumas das melhores cabeças da esquerda brasileira.”

Vânia Bambirra (5), membro do grupo fundador da Polop em Belo Horizonte, enfatiza
que a Revolução Cubana “foi o grande guarda-chuva ideológico” sob o qual se juntaram os
quadros do núcleo, originário basicamente da Juventude Trabalhista do PTB e militantes do
movimento estudantil. Além de Vânia, compunham o grupo mineiro: Theotônio dos Santos
Júnior, Guido Rocha, Juarez de Brito, Carlos Alberto Soares de Freitas, Chaim Samuel Katz,
Amaury de Souza Guimarães, Arnaldo Mourthé, Theodoro Alves Lamounier, Cláudio Galeno

82
Magalhães Linhares, Alaor Passos, José Thiago Cintra – todos estes vindos do movimento
estudantil --, o comerciário Said, os marceneiros Otavino de Oliveira e Ernesto Santos e os
metalúrgicos “Jair” e Alcides. Foi em Minas que a Polop conseguiu desenvolver uma
atividade mais abrangente no período pré e pós-fundação, com presença destacada no
movimento estudantil, de favelados, operário (marceneiros e metalúrgicos) e camponês. Nesta
área, segundo depoimento de Vânia Bambirra, chegou a liderar a organização das ligas
camponesas no Estado, com bases em Três Marias, Barão de Cocais e Governador Valadares.

De acordo com o depoimento de Maria do Carmo Brito (6) – que ingressaria na


organização em 1962 após uma militância de um ano no PCB, mesmo já casada com Juarez –,
a grande “virada” da Polop no movimento camponês se deu durante a realização em Belo
Horizonte, em fins de 1961, do Congresso Nacional Camponês, com a presença de mais de
três mil delegados, ocasião em que Tancredo Neves (então secretário da Agricultura do
Estado) foi praticamente expulso do auditório da Secretaria de Saúde, sede do evento, e
Francisco Julião, que fora recepcionado em Belo Horizonte pela Polop e se hospedara na casa
de um de seus militantes, estreita contatos formais com a organização. Em abril do ano
seguinte, Julião cria, em Ouro Preto, o Movimento Revolucionário Tiradentes, para o
desenvolvimento da luta guerrilheira, que inicia o trabalho de instalação de focos no país
pelos Estados de Minas (na cidade de Pedra Azul, no Nordeste do Estado), Pernambuco e
Goiás, para onde Maria do Carmo se deslocaria em 1963 em decorrência deste trabalho no
campo. “Não sei da relação orgânica da Polop com o Movimento Tiradentes”, afirma Maria
do Carmo. Segundo Ruy Mauro Marini (7), tal relação orgânica nunca existiu, limitando-se as
relações entre os dois grupos a um trabalho de frente: “A decisão de se ligar às atividades do
Movimento Tiradentes foi iniciativa individual de alguns militantes de Minas, contrária à
orientação da organização. A Polop sempre teve concepção insurrecional urbana da luta
armada como forma da tomada do poder”, informa ele.

Maria do Carmo enfatiza que não se pode dizer propriamente que a seção mineira da
Polop se originou da Juventude Trabalhista do PTB, por ela considerada não mais que uma
fachada legal de atuação do grupo, que, segundo afirma, amadureceu suas primeiras
discussões na Faculdade de Ciências Econômicas da então UMG, onde também era dado o
curso de Sociologia e Política, ampliando-se as discussões para a Engenharia, Filosofia,
Direito e outras unidades da universidade. “Formada por pessoas de muito bom nível
intelectual”, diz ela, “a visão da Polop era a de que era preciso criar o novo, não mudar o

83
velho.” Maria do Carmo dá conta de uma discussão importante travada no III Congresso da
Polop, realizado em março de 1964, às vésperas do golpe: “Uma corrente, com a qual me
alinhei, liderada por Eric, Ruy Mauro e Mourthé, defendia a tese de que o país caminhava
para a deflagração de um golpe militar de direita; outra posição, liderada por Theotônio,
falava da montagem de um golpe bonapartista por Jango. Venceu a tese Eric-Ruy Mauro-
Mourthé por um voto.”

Dois episódios dos depoimentos de Maria do Carmo e Vânia Bambirra valem


transcrição pelo que têm de pitoresco e de indicadores de um espírito da época que empolgava
a nova esquerda. O primeiro tem como personagem central Herbert José de Sousa (o
“Betinho”, o “irmão de Henfil” de que fala a música de Aldir Blanc e João Bosco), então
dirigente da JUC e futuro fundador da AP. Em meados de 1960, para protestar conta a ação da
Hanna Corporation – que desmanchava os morros que cercavam a capital das “Minas Gerais”
para extrair minério de ferro –, Herbert arrumou uma tropa de burros carregados de terra e os
fez desfilar pela Avenida Afonso Pena devidamente paramentados com a cartola do Tio Sam.

O outro episódio foi obra e graça do grupo que integraria a Polop e teve em Theotônio
dos Santos Júnior o ator principal. Segundo depoimento de Vânia e Maria do Carmo, quando
da visita de Fidel Castro do Brasil, no final de abril/início de maio de 1959, o grupo divulgou
que o principal líder da revolução cubana iria a Belo Horizonte, onde, da sacada do Diretório
Central dos Estudantes, que dava para a mesma avenida Afonso Pena, a principal cidade, faria
um pronunciamento para o qual “toda a população” estava convidada. Fidel não veio, não
pôde vir. A “população”, cerca de mil pessoas, lá; firme, ansiosa, agitada. E Fidel, nada. Era
preciso, então, dar um jeito na situação. Alguém teve a feliz idéia de lembrar que Theotônio
até que era parecido com o herói de Sierra Maestra. Arrumaram-lhe às pressas uma túnica
verde-oliva e uma desajeitada barba conseguida junto ao pessoal da Escola de Teatro. E a
arrumação até parecia ter dado certo: num “portunhol” meio atravessado, Theotônio vinha-se
mostrando convincente no árduo papel, mesmo sem conseguir disfarçar o suor que lhe
escorria pela testa apesar dos frios do outono mineiro. E tão convincente foi que à certa altura
do seu inflamado discurso, um grupo de ex-integralistas que costumava reunir-se no Café
Pérola, ao lado, famoso por sediar intermináveis bate-bocas políticos, achou que era demais,
que era preciso dar um basta ao comunismo. O pau quebrou. Os galinhas-verdes tentaram
invadir o DCE para, ali mesmo, justiçar aquele assalariado de Moscou. Correria, pancadaria,
socos e pontapés. A “população” se desfaz e o inimigo ganha terreno. E eis que surge na

84
pradaria a cavalaria salvadora de uma tropa-de-choque do DOPS, que, com a diplomacia
característica deste tipo de destacamento e a delicadeza que a ocasião exigida, pôs fim à
baderna. O “Fidel das Alterosas” conseguiu escapar, felizmente ileso, por alguma saída
secreta.

O núcleo paulista foi vanguardeado por Eder Simão Sader, sobrinho de Aziz Simão,
este, companheiro de lutas de Eric Sachs nos tempos do Grupo Radical de Ação Popular. O
núcleo era integrado por alguns nomes da jovem intelectualidade de esquerda de São Paulo,
como Michael Löwy e Emir Sader (irmão de Eder), além de Paulo Singer (este caracterizado
como sempre “um pouco mais à direita” ou “austro-marxista”, segundo depoimentos que
colhemos), estendendo-se as discussões a marxistas isolados, como octávio Ianni, e outros
ligados a correntes trotsquistas, como Bóris e Ruy Fausto (PORT) e Hermínio Sachetta (Liga
Socialista Independente), correntes que acabaram não se integrando à organização, mas que
chegaram a contar com representantes no Congresso de fundação, como a LSI, que se recusou
a participar do novo agrupamento com a alegação de que se tratava de mais um grupo
“conciliador”. Emir Sader (8) alinha três fatos históricos que cercavam a construção da Polop:
a quebra da hegemonia absoluta do PCB, com o surgimento de movimentos sociais
autônomos, a crise do capitalismo brasileiro e a Revolução Cubana. Em sua avaliação, as
idéias centrais com que a organização se faz presente no cenário político giravam em torno da
concepção de uma revolução anti-capitalista, da necessidade da formação de um proletariado
independente orgânica, política e ideologicamente da burguesia, da crítica à aliança de classes
pregada pelo reformismo, assim como à estratégia nacionalista dominante. As fontes, segundo
Emir, a organização, que se propunha a tarefa de “reconquistar o marxismo”, ia buscar
diretamente nos clássicos: Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, “com a parte referente
aos princípios gerais ficando a cargo do Eric, e a economia brasileira com o Ruy Mauro”.
Sintetizou Emir: “A Polop foi o núcleo ideológico mais coeso que existiu no Brasil e que de
maneira pioneira desenvolveu uma concepção anticapitalista e, portanto, socialista da
revolução.
Michael Löwy (9) fez um balanço semelhante em 1990: “Participei da fundação da
Polop movido pelo sentimento de que era necessário desenvolver uma política marxista
revolucionária no país, de que o PCB eo PSB eram incapazes. Havia um vazio. Era preciso
colocar a questão da revolução socialista. A Polop foi núcleo da esquerda revolucionária
brasileira que, mesmo com debilidades táticas, detém este mérito histórico indiscutível. Acho
que no fundo o PT é herdeiro do que foi a idéia-base da Polop: a independência do

85
movimento operário.” Samuel Warth (10), ex-militante da seção do Rio que ingressou a
organização na segunda metade da década de 70 e que integrou a organização até a extinção
formal da estrutura do grupo, faz um balanço igualmente próximo do lugar, função e papel
históricos da Polop: “Acho que de alguma maneira a Polop se preservou da desintegração
ideológica da esquerda. A Polop possibilitou aos quadros que nela se formaram a capacidade
de operar sempre análises de classes da realidade. É possível perceber isso, hoje, como uma
concepção viva no interior do movimento operário, que caminha no sentido de sua
independência. A concepção marxista da sociedade é uma herança da Polop que deve ser
preservada na luta contra o Estado burguês e o reformismo.”

3. Eric Sachs

Eric Czaczkes, ou Sachs, idealizador, fundador, liderança maior e autor das teses
fundamentais da Polop, nasceu em Viena em 1922, filho único de uma família judia originária
de Tchenowitz (fronteira da Áustria-Hungria com a Rúsia até 1919). Seu pai era membro da
social-democracia austríaca e sua mãe, Sina Ida Czaczkes, era russa e irmã de um militante do
Partido Bolchevique. Em 1934, em consequência do recrudescimento das perseguições aos
judeus na Áustria, Eric acompanha sua mãe em viagem para a União Soviética, onde passa a
estudar na Escola Karl Liebknecht, de Moscou freqüentada principalmente por filhos de
refugiados alemães. Com quatorze para quinze anos toma, então, contato pela primeira vez
com o marxismo. Em 1938, em função de sua ligação com militantes de oposição, é expulso
da URSS. De volta à Áustria com sua mãe, logo percebe a impossibilidade de lá permanecer,
dada a intensificação das perseguições aos judeus; foge do país a pé, passa pela Alemanha e
Bélgica e chega finalmente à França. Em Paris, procura Talheimer e Brandler, líderes da
Oposição Comunista Alemã (KPO) no exílio, tornando-se o mais jovem militante da
organização, através da qual desenvolve contatos e discussões com militantes de vários
partidos comunistas, inclusive o POUM (partido Operário de Unificação Marxista) espanhol.
Trabalha em uma Escola de Agricultura destinada a jovens refugiados judeus e, em 1939, com
o início da guerra, emigra com sua mãe para o Brasil, desembarcando em São Paulo no
mesmo ano. Trabalhando inicialmente como gráfico (litógrafo), participa da categoria em São
Paulo.

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Diz a introdução biográfica da coletânea “Qual a herança da Revolução Russa? E
outros textos” (11), que reúne alguns de seus trabalhos: “Érico chegava ao Brasil trazendo
uma tradição ideológica inteiramente diversa, e não por acaso: o Partido Comunista Alemão
fora, durante toda a década de vinte, o mais forte partido depois do russo, o único que
incorporava sólida trajetória teórica e prática, mantendo por isso reservas internas de
autonomia frente ao rolo compressor da luta de facções na Rússia. Pesava, nesse sentido, a
tradição aberta por Rosa Luxemburgo e outros. Cindindo-se do partido alemão oficial
somente quando a convivência tornara-se impossível – ao ser decretada a política ultra
esquerdista da guerra contra o ‘social-fascísmo’ –, a Oposição Alemã tornou-se um baluarte
sobrevivente da convicção de que a luta do proletariado de qualquer país não pode se
submeter ao modelo de alguma revolução vitoriosa. Érico trouxe para o Brasil o fio condutor
dessa tradição de independência: cada nova revolução é uma fonte de novas experiências, mas
não cabe acatar o stalinismo, o trotskismo (nem o maoísmo ou o castrismo) como métodos ou
sistemas.” (“Qual a herança...”, op. cit., pág.6.)

Ao lado do trabalho sindical junto aos gráficos, Eric participa da criação do GRAP, a
que já nos referimos, ao final de 1942. Em meados de 1945, o grupo funda a União
Democrática Socialista. “O Eric não entrou, ficou sapeando. Ele era leninista revolucionário
mesmo!”, conta Antônio Cândido em entrevista concedida a Eder Sader e Eugênio Bucci para
a revista “Teoria e Debate” (12), página 30, número 2, de março de 1988. Quando, ainda em
1945, a UDS decide entrar para a “Esquerda Democrática” (que em 1947 se transformaria
oficialmente no PSB), Antônio Cândido se afasta do grupo. Segundo seu relato na entrevista
citada: “Não me desliguei, veja bem. Apenas me afastei porque fui trabalhar com o Eric na
organização de um grupo de gráficos socialistas. Nós tiramos um jornalzinho chamado
Política Operária, e, pelo nome, já se vê a liderança. As reuniões eram aos domingos, quase
sempre na minha casa, ou na sede do Brás da Esquerda Democrática, que ficava vazia de
manhã. A finalidade era agitar o Sindicato dos Gráficos por meio do jornalzinho. Os
companheiros eram todos operários, salvo eu e um Assistente de Estatística da Faculdade,
Eduardo Alcântara.” (Doc. cit., pág. 30)

Política Operária. Pela primeira vez o nome aparece na imprensa de esquerda no


Brasil. Em alemão, “Arbeiterpolitik”, nome do jornal publicado a partir de 1929 pela KPO
(Oposição do Partido Comunista), fundada por August Talheimer e Heinrich Brandler; com a

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publicação suspensa durante a guerra, o “Arbeiterpolitik” circula até década de 1990 na
Alemanha em edições bimestrais.

Como dissemos, não conseguimos levantar a data em que Eric Sachs se transferiu de
São Paulo para o Rio de Janeiro, mas já em 1949 surgem os primeiros dos longos artigos de
análise da situação internacional que passou a publicar no “Correio da Manhã”, editado na
então capital federal, colaboração que se estendeu até 1951. Também são escassas nossas
informações sobre suas atividades políticas e profissionais até a montagem do núcleo
fundador da Polop no Rio, sabendo-se apenas que trabalhou como tradutor na embaixada
alemã, revisor e artista gráfico em editoras do Rio. O certo é que, mesmo sem ser membro
efetivo do PSB, sempre esteve na periferia do partido em busca de espaço político; foi lá que
foi encontrado por Aluizio Leite Filho (cf. dep. cit.) quando este se apresentou para filiar-se à
Juventude Socialista.

Em setembro de 1969, Eric é preso pelo DOPS do Rio, que o submete a torturas em
uma de suas salas do segundo andar da sede da Rua da Relação, no Centro da cidade; dias
depois – utilizando-se da mesma corda usada pela VPR na desapropriação do “cofre do
Adhemar”, apreendida pelos policiais nas diligências e largada em uma cela do DOPS –,
consegue fugir de madrugada, abrigando-se na casa de uma simpatizante da organização. Um
mês depois, consegue asilo para o México, em cujo consulado no Rio ingressa disfarçado de
mulher. Viaja a seguir para o México e de lá ruma para a Alemanha, instalando-se em
Heidelberg, onde obtém uma vaga de professor de Língua Portuguesa no Departamento de
Línguas Estrangeiras da universidade local. Mantém durante todo o período contatos com a
organização no Brasil, quer através de correspondência, quer por meio de militantes enviados
pela Polop à Alemanha em quatro viagens realizadas no período. Em 1981, Eric Sachs volta
ao Brasil e logo a seguir ingressa no Partido dos Trabalhadores, mantida a militância na
Polop. Em 9 de maio de 1986, vítima do agravamento do diabetes que o afligia há anos,
morre em condições precárias de assistência no Rio de Janeiro, no Hospital do INPS de
Bonsucesso, onde fora internado com o auxílio de um ex-militante da organização (já então
extinta enquanto estrutura centralizada), o médico recém-formado Samuel Warth. Segundo o
depoimento de Warth: “Eric morreu como um trabalhador morre nas mãos da Previdência
Social.” (Dep. cit.,)

88
Em sua atividade de estruturação e ampliação da Polop, Eric Sachs, além do trabalho
de organização e produção teórico-política, fazia constantes viagens pelo país, intensificando
discussões, consolidando contatos. Um de seus hábitos era presentear livros. Maria do Carmo
Brito conta em seu depoimento que à época de sua aproximação com a Polop em 1962,
recebeu de Eric em uma de suas viagens a Minas os livros “Do fundo da noite”, de Jean
Valtin, a biografia de Marx de Franz Mehring e o “Lênin”, de Gerhard Walter. E não era um
hábito novo. Antônio Cândido, na entrevista citada, conta a respeito dos tempos do GRAP:
“...Eric Sachs, litógrafo austríaco que trabalhava numa livraria, vivera na Rússia, era marxista
estrito e nos iniciava em teóricos desconhecidos, como Talheimer e ... Brandler. ‘Leia isso
que é importante’, dizia. Foi também ele que me fez ler o livro terrível de Krivitski sobre os
horrores do stalinismo.” (“Teoria e Debate”, doc. cit., pág. 29.)

4. KPO

Como temos destacado, a Polop fez da independência frente a correntes e modelos


internacionais uma das suas idéias fundamentais. Mas, como igualmente temos visto não só
pela trajetória política de Eric Sachs sintetizada acima, como pelo próprio conteúdo das
posições da organização, esta obteve suas referências mais gerais em torno da questão
internacional, e seus corolários metodológicos específicos, de teses desenvolvidas pela KPO,
sem que isso implicasse vinculação orgânica ou dependência político-ideológica. Afirma Eric
Sachs no “Balanço EM-81” a respeito do desenvolvimento teórico da organização: “No plano
internacional eram dois os problemas que nos ocupavam principalmente: 1) A análise do
imperialismo, que desde os tempos de Lênin e Luxemburgo não tinha parado de crescer e
havia adquirido traços novos. O pós-guerra tinha mostrado que as grandes potências
ocidentais não precisavam mais (nem podiam mais) solucionar suas contradições por meio de
guerras inter-imperialistas, Tampouco dependia agora a existência do imperialismo do
exercício de um domínio colonial direto. Tratava-se de dois axiomas de qualquer análise do
imperialismo de antes da guerra. O que nos ajudou a interpretar esse novo aspecto do
desenvolvimento do imperialismo foram os trabalhos de August Talheimer, que antes de sua
morte no exílio em Cuba, já constatara que o mundo imperialista entrara, com o desfecho da
Segunda Guerra Mundial, nunca fase de cooperação antagônica – com todas as consequências
econômicas, políticas e militares – face à expansão do campo socialista e ao processo
revolucionário mundial. 2) No que diz respeito ao cenário mundial, a Polop considerou-se,

89
desde o princípio, herdeira e continuadora das tradições da Internacional Comunista da época
de Lênin, isto é, até o 4° Congresso. Rejeitou igualmente a política da fase posterior, a das
chamadas frentes populares, quando a Internacional vegetava em função e à mercê da política
externa da URSS. Também nesse campo podíamos apoiar-nos nos trabalhos anteriores de
Talheimer, que antes da Segunda Guerra já se empenhara pela libertação do movimento
comunista do domínio e da influência das facções do partido russo.” (Doc. cit., pág. 3.)

Esta concepção geral do imperialismo que, partindo de Lênin, situava o quadro


internacional das lutas de classe no pós-guerra, constituindo-se em conceituação decisiva na
consideração do lugar do fator nacional na luta pela revolução socialista, seria formalmente
incorporada ao ideário da Polop pelo “Programa socialista para o Brasil”, aprovado no IV
Congresso da organização em setembro de 1967: “Com o desenvolvimento do pós-guerra, o
sistema imperialista entrou na fase de cooperação antagônica. Trata-se de uma cooperação
visando à conservação do sistema e que tem a sua base no próprio processo de centralização
do capital, e que não elimina os antagonismos inerentes ao mundo imperialista. A cooperação
precalece e prevalecerá sobre os antagonismos. Mesmo a rebeldia francesa em seu ponto mais
extremo não põe em cheque a cooperação antagônica; visa, em última análise, melhores
condições dentro da associação imperialista mundial.” (In “Imagens...”, op. cit., págs. 91/92.)

A KPO constituiu-se em grupo independente, com estrutura própria, em uma


conferência realizada em Berlim em 30 de Dezembro de 1928, na qual estiveram presentes 74
delegados representando 16 circunscrições do KPD (Partido Comunista da Alemanha). A
oposição, qualificada de “de direita” pelos adversários no partido, cresceu como um
movimento de resistência à política ultra esquerdista, que vinha dominando o KPD e a própria
IC mesmo antes da adoção das teses bukharinistas do “3° Periodo” pela IC em setembro de
1928, e ao seu desdobramento na política do “social-facismo” até 1933. Segundo análise de
Hans-Josef Steinberg, no trabalho “Resistência e perseguição em Essen” (13), a Oposição foi
levada à cisão em decorrência de sua proposta central – a de criar um partido revolucionário
de massas através de um movimento de frente única no movimento operário – ter sua difusão
e discussão vetadas no interior do KPD. Em síntese, os “direitistas” insistiam na necessidade
do desenvolvimento do trabalho pelos comunistas mesmo entre os sindicatos controlados pelo
reformismo oficial da social-democracia.

90
Relata Steinberg: “Os resultados do 15° Congresso do PCUS e o acordo entre os
soviéticos e a delegação alemã no Comitê Executivo da IC na conclusão da 9ª Plenária deste
órgão em fevereiro de 1928, que teve como conteúdo procedimentos contundentes contra a
‘direita’ do partido, conduziu a que do lado da ‘direita’ do partido adquirisse impulso a
tendência a se organizar freqüentemente como fração.” (Doc. cit., pág. 1.) Segundo cálculos
de Steinberg, o grupo contava com cerca de 3.500 militantes, com uma estrutura organizatória
centralizada semelhante à do próprio KPD. Sua distribuição geográfica pelo país abrangia a
Grande Turínga, Saxônica Oriental e Ocidental, Erzgebirge-Vogtland e Hessen-Frankfurt, que
agrupavam a maioria dos filiados e o Médio e o Baixo Reno e a região do Rhur. Pouco antes
de os nazistas chegarem ao poder, o jornal oficial da KPO “Arbeiterpolitik” (Política Operária
em português) publicou um apelo ao KPD no sentido da formação de uma frente única
antifacista; dois dias depois, Hitler era nomeado chanceler do Reich. A KPO, então, organiza-
se para a clandestinidade, com a direção decidindo formar um Comitê Exterior composto por
Talheimer, Brandler, “Leo” e outros militantes, instalado em março em Estrasburgo e se
transferindo a seguir para Paris.

É importante ressaltar que as posições defendidas pela KPO buscavam resgatar e fazer
presentes as formulações essenciais do marxismo-leninismo diante dos conflitos de classe,
sempre presente a manutenção da independência do proletariado; sua proposta da formação de
uma frente anti-nazista passava pela unificação do movimento operário enquanto uma força
de resistência direcionada para a instalação do socialismo e, no caso concreto, a partir de
bases socialistas política, organizatória e ideologicamente já consolidadas; isso, insistimos,
nada tem a ver com a propostas reformistas, que jogam o socialismo para as calendas. Em seu
texto: “Vinte anos da revolução de outubro” (14), em que a crítica a burocratização do Estado
soviético, Talheimer deixa bem clara sua visão estratégica da questão ao abordar a atuação
dos partidos de esquerda na guerra civil espanhola: “talvez o significado real do que está
acontecendo atualmente mostra-se mais claramente na atitude dos partidos num país onde a
revolução proletária toma a forma mais aguda da luta de classes, guerra civil e terror – a
Espanha. Lá vemos socialdemocratas de direita e republicanos burgueses em aliança com o
Partido Comunista. Por outro lado, vemos um partido marxista, o POUM, o qual, no interesse
de luta contra o facismo, luta pela revolução proletária, e por isso torna-se objeto de terror
governamental e do Partido. E também vemos uma massa de trabalhadores revolucionários
aderindo ao anarco-sindicalismo.” (Doc. cit., pág. 1.)

91
Vê-se, pela citação acima, com clareza, de que frente fala Talheimer: uma frente de
esquerda, cujo objetivo maior é o da unificação do movimento operário pela base. Sua
preocupação central, a de não permitir que bases operárias caíssem sobre a hegemonia
político-ideológica da burguesia ou da pequena burguesia. E não é exatamente isso que Lênin
propõe no “Que Fazer?” quando fala da necessidade do desenvolvimento do trabalho entre as
massas atrasadas? Esta é uma questão-chave para o entendimento da política de frentes do
marxismo-leninismo: em primeiro lugar se pergunta pelo conteúdo de classe do partido para,
a partir daí, verificar a especificidade de cada ponto em torno dos quais a frente deverá juntar
forças. Isso não tem nada a ver com as frentes com a burguesia – com os partidos da
burguesia, em busca de objetivos de curto e longo prazos de interesse da burguesia –
patrocinadas pelo reformismo. Por não entender isso é que o “esquerdismo” do VI Congresso
da IC não passou, de fato, de um conjunto – meio eclético, é verdade – de recomendações
fundadas na mesma ideologia idealista-reformista que iria desaguar nas “Frentes Populares”
receitadas pelo VII Congresso, de 1935, já que ambas as formulações desconsideram a
especificidade dos interesses imediatos e históricos da classe operária na montagem de suas
propostas.

Andrés Nin – em “O caráter da revolução espanhola” (In “A guerra civil na Espanha”


(15), preparado em abril de 1937 enquanto tese para a convenção do POUM, que acabou não
se realizando em virtude de o partido ter sido posto na ilegalidade pelo governo da Frente
Popular, com vários de seus membros presos, inclusive Nin, que foi assassinado na prisão –,
defende a tese de que a luta na Espanha não era fundamentalmente entre fascismo e
democracia, mas entre fascismo e o socialismo, criticando a fórmula usada pelo PC e pelo PS
segundo a qual era necessário primeiro ganhar a guerra para depois lutar pelo socialismo;
argumentava Nin: “O adiamento da revolução para depois de ganhar a guerra significa deixar
que a burguesia domine livremente e se aproveite do esfriamento da tensão revolucionária,
restabeleça sua máquina de repressão no preparo da restauração sistemática do regime
capitalista.” (Op. cit., pág. 38.) Foi esta a mesma linha de pensamento que comandou os
bolcheviques em 1917, em que, condenando a guerra nacional e patriótica da burguesia e
colocando em seu lugar a guerra de classes, lideraram a insurreição proletária em direção ao
poder. Segundo Nin, o abandono pela IC do ideário anti-reformista de sua própria criação
significou o sacrifício da política revolucionária da classe operária em favor de composições
com partidos democráticos burgueses, sintetizado em palavras-de-ordem com as que
recomendavam o combate pela república democrática parlamentar e pela independência

92
nacional; concretamente, isso vai significar, conclui Nin, a sujeição da revolução espanhola
aos interesses do bloco anglo-francês apoiado pela própria URSS.

No curso da guerra civil na Espanha, duas alternativas se opunham ao avanço das


hordas fascistas de Franco: a Frente Popular, no poder, representando “todo o povo” espanhol,
composta por partidos burgueses, socialistas e pelo Partido Comunista da Espanha, que tinha
membros no ministério; e as forças proletárias, vanguardeadas pelo POUM – com forte
representatividade entre o proletariado urbano e mineiro, principalmente na Catalunha e em
Valência –, que defendiam a frente proletária contra o fascismo, a exemplo da posição
assumida pela KPO já na década anterior na Alemanha. Para a Frente Popular, derrotar
Franco e, depois, pensar no avanço gradual da revolução socialista; para o POUM, instalar o
poder proletário no mesmo processo de aniquilamento do fascismo. Como se vê, duas
estratégias antagônicas, a reformista e a proletária. E Stalin optou pela primeira. Como ele via
o processo? Há um episódio altamente significativo. Em dezembro de 1936, Stalin envia a
Largo Caballero, primeiro-ministro socialista, uma carta oferecendo conselheiros militares
para ajudar a combater Franco. Vejamos algumas passagens desta carta:

“A revolução espanhola abre-se caminhos que, em muitos aspectos, diferem do


caminho percorrido pela Rússia. Assim o determina a diferença de premissas de ordem social,
histórica e geográfica, as exigências da situação internacional, diversas das que teve diante de
si a revolução russa. É bem possível que a via parlamentar origine um processo de
desenvolvimento revolucionário mais eficaz na Espanha do que o foi na Rússia.”

A seguir, Stalin se permite dar a Caballero o que chamou de “quatro conselhos


amistosos”. São eles:

“1) Conviria dedicar atenção aos camponeses, que pesam bastante num país agrário
como a Espanha. Seria de desejar a promulgação de decretos de caráter agrário e fiscal que
satisfizessem os interesses dos camponeses. Também conviria atraí-los ao exército e formar na
retaguarda dos exércitos fascistas grupos de guerrilheiros integrados por camponeses. Os
decretos em favor destes poderiam facilitar a questão.”

Sem dúvida, um conselho ditado pela experiência; melhor que decretos de caráter
agrário e fiscal, a estatização da terra e sua ocupação pelo campesinato, primeiro decreto
assinado por Lênin, foi essencial para motivar o camponês russo a se organizar em tropas
guerrilheiras para o combate aos exércitos aliados – invasores e brancos –, o que, do ponto de
vista militar, garantiu a sobrevivência do jovem Estado soviético. Este conselho de Stalin
perde sua força, no entanto, o confronto com os outros três. Prossigamos na carta:

93
“2) Conviria atrair a média e a pequena burguesia urbana para o lado do governo ou,
em todo caso, dar-lhes a possibilidade de adotarem uma atitude de neutralidade favorável ao
governo, protegendo-os dos intentos confiscatórios e assegurando-lhes na medida do possível a
liberdade de comércio. Caso contrário, estes setores acompanharão o fascismo.”

Atente-se para isso. Stalin não fala em atrair para o governo as centrais sindicais
Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e União Geral do Trabalho (UGT), que abrigava,
em conjunto cerca de 4.000.000 de trabalhadores, que, com suas famílias, somavam mais dois
terços da população espanhola de então. Pelo contrário, o que viria fazer a Frente Popular,
com o ativo apoio do PCE, foi enxotar os membros daquelas centrais de todos os organismos
ligados ao Estado. Vamos ao terceiro conselho:

“3) Não se deve repelir os dirigentes dos partidos republicanos, mas, ao contrário, atrí-
los, aproximá-los e associá-los ao esforço comum do governo. É particularmente necessário
garantir o apoio de Azana e seu grupo para o governo, fazendo todo o possível para ajudá-los a
pôr termo as suas vacilações. Isto também é necessário para impedir que os inimigos da
Espanha vejam nela uma república comunista e prevenir assim uma intervenção declarada, que
constitui o mais grave perigo para a Espanha republicana.”

Passemos ao quarto conselho:

“4) Poder-se-ia encontrar a oportunidade para declarar na imprensa que o governo da Espanha não
tolerará que ninguém atente contra a propriedade e os legítimos interesses dos estrangeiros na Espanha, dos
cidadãos dos países que não apóiam os facciosos. (ass.) Stálin, Molotov e Vorochilov.”

São desnecessários maiores comentários, aqui, sobre esta carta-estratégia. Mas será
importante identificar de onde a transcrevemos e o contexto de sua citação. Ela está no livro
“Eurocomunismo e Estado” (16), de Santiago Carrillo, um dos papas do chamado
eurocomunismo, onde ele invoca o Stálin reformista na tentativa de sustentar e sistematizar o
seu próprio revisionismo. Vejamos a lição que Carrillo tirou da transcrição: “Embora certas
pessoas tenham visto esta concepção como uma tática conjuntural do Partido Soviético – e,
tendo em conta coisas sucedidas e que viemos a conhecer posteriormente, é possível que
tivessem razão –, o certo é que muitos de nós levamos completamente a sério a possibilidade
desta via, logo que foi corroborada, de modo mais ou menos aperfeiçoado, pelo XX
Congresso do PCUS, e que corresponde à nossa concepção da marcha para o socialismo com
democracia.” (“Eurocomunismo...”, op. cit., pág. 114).) Que Stálin tivesse em mente “apenas”
uma tática, deixemos por conta da especulação e das coisas sucedidas que Carrillo veio a
conhecer. O que o marxismo conhece é que a proposta estalinista defende uma estratégia

94
reformista, envolvendo fatores básicos, essenciais, qualitativos, da revolução, tais como a
base social da transformação revolucionária e os meios estruturais e fundamentais através dos
quais ela deve ser efetivada. De todo episódio, cabe ainda uma pergunta adicional: de onde o
PC do B teria tirado a informação de que o revisionismo reformista teria começado só com
Kruschev?

O artigo “Política Operária e as divergências sino-soviéticas – Restabelecer os


ensinamentos de Marx e Lênin”, publicado na revista “Política Operária”, número 7, de
outubro de 1963 (doc. cit.), discutia a questão fazendo, inclusive, uma crítica ao PCCh em
suas tentativas de fazer coincidir com a morte de Stálin com o advento do reformismo na
URSS e, por extensão, no movimento comunista internacional. Ressalvando não pretender
fazer do sucessor de Lênin o bode expiatório de todos os desvios do MCI, o artigo analisa a
“contribuição” de Stálin ao reformismo, com enfoque especial dos tempos que se seguiram à
Segunda Guerra:

“É voz corrente – e não somente em escala nacional – que o atual reformismo não é
mais que um produto da nova orientação de Kruschiev. ‘No tempo de Stálin as coisas não
eram assim...’, ouve-se de boca pequena até entre os altos funcionários do Partido. Trata-se
evidentemente, de uma explicação mais que simplória. Nos tempos de Stálin, discussões em
torno dos problemas fundamentais do comunismo, como se estão dando agora, eram
desconhecidas. Os críticos foram taxados de ‘traidores’, ‘agentes nazistas’, ‘trotskistas’, etc., e
toda derrota sofrida pôde, desse modo, ser transformada monoliticamente em vitória a longo
prazo. Foi justamente na época de Stálin que se inaugurou no movimento comunista a política
de colaboração de classes. Foi justamente nos tempos áureos de Stálin, na crise revolucionária
do pós-guerra na Europa, que os dois maiores partidos comunistas do Ocidente, o francês e o
italiano, desempenharam o mesmo papel que os social-democratas tinham representado em
1918. Em vez de liderar as massas para a revolução, eles sufocaram. Líderes comunistas
entraram em governos burgueses (geralmente como ministros do Trabalho), ajudaram a
reconstituir sua economia em decomposição – e foram chutados depois de terem prestado seus
serviços como pacificadores de massas radicais. Foi justamente a incapacidade dos
comunistas, sob a liderança de Stálin, de dar ao capitalismo europeu o golpe de misericórdia
(os chineses fizeram sua revolução contra a vontade de Stálin) que provocou a atual crise no
movimento comunista internacional. Coube a Kruschiev herdar esta crise, assim como herdara
a política de ‘coexistência pacífica’ inaugurada por Stálin.” (Pág. 46).

95
Segundo relato de K. H. Tjaden, em seu “Estrutura e atuação da KPD-Opposition
(KPO)” (17), os quadros remanescentes da organização e os que voltaram da emigração se
organizam na Alemanha do pós-guerra em torno da orientação política de Talheimer e
Brandler que, a partir do início de 1946 passaram a manter de seu exílio em Cuba, contatos
sistemáticos com os companheiros da Alemanha através de um emissário dinamarquês; desde
o final de 1946 eles enviam de lá o conjunto de análises e orientações que ficou conhecido
como “Cartas de Perto e de Longe”. Talheimer morre em setembro de 1948 em Cuba; no ano
seguinte, Brandler retorna à Alemanha. Na zona de Ocupação Ocidental (ZOO), as condições
de trabalho não diferiam muito daquelas da República de Weimar, segundo análise de Tjaden.
Na Zona de Ocupação Siviética (ZOS), o grupo se depara com duas alternativas, “...dois
caminhos possíveis: o primeiro, o mais rápido desenvolvimento da ação autônoma e da
capacidade de defesa da classe operária no país ocupado e, depois, a desocupação. O segundo
é o inverso: a alternativa de o domínio estrangeiro no país torna-se cada vez mais completo e
duradouro, com tudo o que isso significa. Essa segunda via poderia terminar apenas com uma
catástrofe para o país conquistado e um enfraquecimento contínuo, longo e profundo do
socialismo e do comunismo”, conforme formulara Talheimer em “Princípios e Fundamentos
da política Internacional após a 2ª Guerra Mundial”. (Trecho transcrito por Tjaden, op. cit.)

Até 1947, os membros da KPO puderam defender e propagar a tese Talheimer-Bradler


na ZOS, mas já em julho um membro da seção da organização em Erfurt, Alfred Schmidt, foi
preso e posteriormente condenado por um tribunal soviético, em dezembro do mesmo ano, em
Weimar, a 25 anos de trabalhos forçados; Schmidt passara parte dos tempos do nazismo
confinado em um campo de concentração. Com sua condenação, ficava clara a
impossibilidade da continuidade da atuação do grupo no lado oriental da Alemanha.

Na banda ocidental, no entanto, a organização conseguiu reestruturar-se. A edição do


“Arbeiterpolitik” é retomada no início de 1948 em Stuttgart, sob a forma de revista
mimeografada, tornando-se mensal a partir de novembro e a cada 40 dias e impressa de 1950
em diante. Desde a volta de Bradler à Alemanha, em maio de 1949, reintegrando-se à redação
da publicação e à direção do grupo, este passara a chamar-se “Grupo Arbeiterpolitik”, com
suas seções mais importantes em Bremen, Hamburgo, Stuttgard, Nuremberg, Mannheim e
Saltzinger. Com o descenso do movimento operário no país a partir do início dos anos 50, o
grupo viu sua área de influência diminuir progressivamente, na proporção inversa em que

96
tomavam corpo divergências internas de natureza tática e, principalmente, na avaliação do
papel da URSS na Hungria, contra a posição de Brandler que argumentava ser a rebelião
húngara de natureza contra-revolucionária. O episódio acabou motivando a saída de Brandler
não só da redação da revista, como da direção do grupo, que, então, praticamente se
desestrutura.

Em 1960, os simpatizantes da ala Brandler retomam a publicação do jornal


“Arbeiterpolitik”, em Bremen, mantida em edições bimestrais até a década de 1990. Em
março de 1984 o jornal publica uma longa matéria “Sobre o centésimo aniversário de August
Tlheimer”, com uma biografia do líder histórico do grupo. Nascido em 18 de março de 1884,
em Affaltrach, filho do tesoureiro da seção local do SPD, ingressa em 1910 no trabalho
partidário como redator do “Leipziger Volkszeitung” e a seguir do “Gropinger Freien
Volkszeitung”, de onde é demitido em 1912 em função de seu posicionamento ao lado da
esquerda do partido (Clara Zetkin, Fritz Westmeyer, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo),
que se opunha à política de conciliação de classes posta em prática pela direção. Em 1916,
participa da 1ª Conferência Nacional da Liga Espartaquista, sendo a seguir processado e
convocado para o serviço militar por participação em movimentos grevistas. Com o final da
guerra, a Liga Espartaquista, abrigada desde o início de 1917 no USOD (Partido Socialista
Unificado), decide transformar-se em KPD, fundado na passagem de 1918 para 1919. Após o
assassinato de Luxemburgo, Liebknecht e Jogiches, da morte de Franz Mehring e da saída de
Paul Levi para o SPD, August Talheimer passa a integrar a direção do KPD, o qual, ganhando
importantes bases de massas do USPD, chega ao Congresso de Unificação de 1920 como um
forte partido de massas.
Em 1923, após uma tentativa abortada de insurreição – levada adiante apenas pela
seção de Hamburgo do partido, que não fora avisada a tempo da suspensão da execução de
um plano para a tomada do poder –, a burguesia instala uma ditadura militar e joga o KPD na
ilegalidade. Talheimer, junto com Brandler, vai para a União Soviética, torna-se membro do
PCUS e passa a dar aulas de economia política, dialética e história na Universidade Sun-Yat-
Sen, em Moscou. Fica até 1928 na URSS, onde, na qualidade de membro da direção da IC,
expõe sua divergência à política da Internacional Sindical Vermelha que recomendava a
criação de sindicatos partidários, “próprios”, no interior das concepções gerais oficializadas
no VI congresso da IC que consagrou a tese do “social-fascismo”.

97
Ao contrário de vários partidários exilados na URSS, impedidos de voltar a seu país
em razão do recrudescimento da luta contra a “direita” no interior do KPD, Talheimer recebe
autorização para retornar à Alemanha, “em caráter privado”, em meados de 1928. De volta,
lidera com Brandler a criação da KPO, no final do mesmo ano, permanecendo na direção do
grupo no país até a partida para o exílio na França. Em 1936, viaja à Espanha para aprofundar
discussões com o POUM. Em 1940, com as tropas nazistas apertando o certo sobre a França,
August Talheimer parte para o exílio em Cuba, ao lado de Brandler, que escreveu após a
morte do companheiro de lutas: “A memória de Augusto se tornará viva na medida em que o
nosso movimento se imponha e se fortaleça. Isso não é fácil, mas será alcançado porque
apenas alicerçado neste trabalho nosso movimento pode se fortalecer.” (In “Struktur...”, doc.
cit., pág. 11.)

Notas

1. “Correio da Manhã” – Rio, 3/5/1959 – Pág. 6

98
2. Depoimento de Aluizio Leite Filho ao autor
3. Revista “Movimento Socialista” – rio, 1959 arq. Púb. Est. RJ – CMMS –
Niterói/RJ
4. Löwy, Michael – La teoría de la revolución en el joven Marx. México, 1972, Siglo
XXI
5. Depoimento de Vânia Bambirra ao autor
6. Depoimento de Maria do Carmo Brito ao autor
7. Depoimento de Ruy Mauro Marini ao autor
8. Depoimento de Emir Sader ao autor
9. Depoimento de Michael Löwy ao autor
10. Depoimento de Samuel Warth ao autor
11. Sachs, Eric – Qual a herança da Revolução Russa? E outros Textos. Salvador,
1988, Ed. Praxis
12. Revista “Teoria e Debate” 2 – S. Paulo, março/1988
13. Steinberg, Has-Josef – Resistência e Perseguição em Essen – Relato da fundação
da KPD-Oposição (KPO). Hannover, 1969, tradução Sérgio Paiva, Arquivo
Ernesto Martins 1
14. Talheimer, August – vinte anos da Revolução de Outubro, In “The New Leader”.
Londres, 5/11/37, trad. Sérgio Paiva, Arquivo Ernesto Martins 1
15. Nin, Andrés – O caráter da revolução espanhola, in “A guerra civil na Espanha”.
Rio, 1969, Ed. Laemmert
16. Carillo, Santiago – Eurocomunismo e Estado. São Paulo, 1978, Difel
17. Tjaden, K. H. – Struktur und funktion der KPD-Opposition. Erlangen,
Buchkanlung un Verlag Politladen, 1970 (1964), tradução Sérgio Paiva

99
VI – ESTRUTURAÇÃO DE UM IDEÁRIO

1. O I Congresso

No ultimo parágrafo da introdução à republicação de alguns documentos básicos da


Polop, a que estamos chamando “Balanço EM-81”, Eric Sachs vai-se referir à questão
metodológica a que vimos dando destaque neste trabalho como alicerce do muro que dividiu
as posições da organização dos demais agrupamentos da esquerda no Brasil, quer reformistas,
quer anti-reformistas. Foi de posse desta metodologia, identificada com as premissas
fundamentais do marxismo-leninismo, que a Polop formulou suas teses centrais a respeito do
caráter da sociedade e da revolução e das forças sociais e políticas em luta. Julgamos
importante transcrever a íntegra do parágrafo, síntese do modo como a organização via o
marxismo-leninismo e o processo gnoseológico de sua incorporação na compreensão da
realidade e intervenção nas lutas de classes. Diz o texto:

“Finalmente, havia outro problema que dominava os debates e as análises da


Polop. O fato de nós o citarmos em último lugar não quer dizer que seja o menos
importante. Talvez, até, devíamos tê-lo colocado na cabeça desta introdução. Trata-se do
problema do método de abordagem e do enfrentamento dos problemas das lutas de
classes. Evidentemente, todos os que se tenham como marxistas afirmam que seu método
é materialista e dialético. Por isso mesmo, nós nos empenhamos para desmistificar as
palavras, para libertá-las do caráter de chavões e restabelecer seu conteúdo. Servindo-nos
de uma linguagem simples, método materialista na prática da militância significa usar a
cabeça para traduzir uma realidade existente e adaptar nela a experiência viva da luta.
Não significa querer usar a cabeça para inventar sistemas, esquemas ou ‘estratégias’. E o
lado dialético deste materialismo consiste na compreensão do processo todo, de cada
momento da luta e de cada mudança da situação. Evita que formulações de determinado
momento ou fase de luta sejam generalizadas ou aplicadas sem critérios a outras, já
diferentes. Evita que a vontade subjetiva do revolucionário se sobreponha à realidade
existente. Isso tem que ser aprendido, tanto na teoria como na prática. Nem sempre a
Organização conseguiu movimentar-se dentro desses padrões. Em fases posteriores, cuja
apreciação ultrapassa os limites desta introdução, o método materialista foi abandonado.
Hoje assistimos uma volta às origens. Só podemos estimar que a publicação destes
documentos, já históricos, ajude a retomar a bandeira. Janeiro de 1981.” (Doc. cit., pág.
4.)

O I Congresso da Polop foi realizado de 16 a 19 de janeiro de 1961 no centro de


convenções denominado Palácio da Uva, na cidade de Jundiaí, no Estado de São Paulo, a
cerca de cinquenta quilômetros da capital. O encontro reuniu aproximadamente vinte
delegados (representando basicamente os Estados do Rio, Minas, São Paulo e Bahia), além de
convidados: um membro do PS Espanhol no exílio, um militante do grupo de Sylvio Frondizi

100
(Argentina), representantes do PORT e da LSI, além de Andrew Gunder Frank, economista
norte-americano identificado com o grupo de Paul Sweezy. (cf. depoimentos de Aluizio Leite
Filho e Michael Löwy.) A maioria dos delegados era de estudantes universitários, incluindo
ainda professores e jornalistas, além do operário Otavino de Oliveira, marceneiro de Minas,
que viria a integrar a primeira direção nacional. Segundo afirmação de Eder Sader no seu
“Para um balanço da PO” (doc. cit.), havia um predomínio nítido de intelectuais na
organização, “embora desde o começo a presença de alguns grupos de operários permitisse
algum tipo de atividade regular na classe”. (Pág. 8.) Não conseguimos obter nenhum
documento do tipo declaração política produzido pelo I Congresso. Mas a “Convocatória para
o 1° Congresso da Polop” (1) sintetiza os pontos que fixaram a coesão da organização.

A convocatória, datada de 24 de julho de 1960, parte da consideração da inexistência


de um partido operário revolucionário no país, já que o PC falhara historicamente na tentativa
de tornar-se este partido, o PSB nunca tivera tal preocupação e o PTB não passava, segundo o
documento, de um representante da burguesia no movimento operário. Para fundamentar a
necessidade da criação do partido, um consenso preliminar à própria realização do congresso
(cf. depoimentos. cits.), a “Convocatória” retoma Engels, transcrevendo a afirmação de que “a
nossa tática tem uma coisa em comum em todos os países modernos e em todas as
circunstâncias: levar os operários à formação de um partido independente e oposto a todos os
partidos da burguesia.” (“Convocatória”, doc. cit., pág. 1.) Por países modernos, ressalta o
texto, deve-se entender aqueles caracterizados por relações sociais capitalista de produção,
com burguesia e proletariado polarizando as contradições econômico-sociais, com a
conseqüência estratégica de que em todas as crises do sistema social, quando ficam em jogo
as próprias relações de produção, inevitavelmente todas as facções da burguesia vão-se unir
para salvar o sistema. Daí, a necessidade do partido revolucionário da classe operária.

Mas o surgimento deste partido, capaz de alterar todo o panorama presente e futuro
das lutas de classes no país, não será conseqüência apenas da vontade dos revolucionários,
pondera o documento. Além da necessidade da incorporação e desenvolvimento da teoria
marxista, será imprescindível a presença no partido de quadros políticos operários, ao lado de
estudantes e intelectuais, na elaboração de suas propostas. Diz o texto: “Um partido desse
gênero requer uma base material para sua existência. Requer que os grupos de revolucionários
se liguem ao movimento operário existente e que este movimento amadureça o bastante para
fornecer os necessários quadros políticos a um partido.” (Pág. 2.) Temos aí uma síntese da

101
concepção marxista-leninista de um partido revolucionário operário, tal como lançada por
Marx e Engels (Manifesto, Mensagem do Comitê Central, Crítica ao Programa de Gotha) e
desenvolvida por Lênin no Que Fazer?, em que a relação entre a teoria e a prática, entre a
idéia e o movimento vivo, mais que mero jogo verbal, são constituintes orgânicas deste
partido. Por isso, insiste o documento, o partido não poderá ser resultado senão do processo
de desenvolvimento das lutas de classe, vista a intervenção da vanguarda revolucionária como
elemento deste processo.

Do lado do proletariado, a “Convocatória” o vê submetido àquele momento (situação


que, grosso modo, permanece) à dominação orgânica e ideológica da burguesia, com a
primeira exercida pela legislação sindical herdada do Estado Novo e pela máquina repressora
do Estado, e a segunda pelas concepções que, direta ou indiretamente, defendem a existência
de uma identidade de interesses entre a burguesia e o proletariado, à época representadas pelas
ideologias do nacionalismo e desenvolvimentismo, esta sempre presente nos quadros de
aguçamento das crises recessivas do capitalismo, quando, ideologicamente desarmado, o
proletariado se deixa embarcar na canoa furada de palavras-de-ordem do tipo “é preciso
retomar o crescimento”, a exemplo do que assistimos atualmente mesmo entre as frações ditas
mais avançadas do movimento sindical. Esta tutela ideológica burguesa sobre o proletariado,
observa o documento, se mantém principalmente em decorrência de que os chamados partidos
de com acesso ao movimento a defendem e propagam direta ou indiretamente, na teoria e/ou
na prática, entre o proletariado.

Neste quadro, a “Convocatória” propõe duas tarefas centrais: de um lado, a tomada de


providências em direção à formação do partido especificamente relacionadas com o trabalho
no campo da esquerda, como fortalecimento da própria Polop, o aprofundamento teórico e a
propagação das idéias do grupo, principalmente no meio operário; além disso, como parte da
mesma tarefa, é enfatizada a necessidade de buscar a influência sobre grupos e movimentos
novos e tendências no interior dos partidos tradicionais. A segunda tarefa proposta é a de
procurar influenciar “com todos os meios de que dispomos” a evolução política da classe
operária, apoiando suas lutas econômicas e suas manifestações de amadurecimento enquanto
classe. Como um passo no sentido da criação de um partido operário, a “convocatória” fala da
possibilidade, nas condições das lutas de classes de então, da formação de um “partido de
quadros”: “Um grupo de 4.000 a 5.000 militantes já poderia se apresentar na luta como um
partido, sem cair no charlatanismo político. Dispondo de uma boa representação operária,

102
ligada à produção, já representaria uma força material no cenário político do país e estaria em
condições de passar, em certos setores, da propaganda à ação revolucionária.” (Pág. 6.)

Mas mesmo a criação deste partido de quadros, a Polop não se julgava em condições
de vir e fazê-lo sozinha. (Pelo cálculo de alguns quadros que participaram da fundação, o
grupo deveria contar à época com cerca de cem militantes na concepção leninista do termo,
sem contar simpatizantes e áreas de influência. Às vésperas do golpe, seu jornal “Política
Operária” chegou a alcançar a tiragem de 10.000 exemplares, com cerca da metade vendida
em bancas.) Daí, a conclusão de que o conteúdo geral do trabalho do grupo era então de
propaganda entendida não como mera divulgação teórica dos clássicos, em salas fechadas,
mas política, referente ao movimento vivo, interpretando os acontecimentos e procurando
influir neles com a divulgação de propostas e palavras-de-ordem de natureza prática. Como
saldo geral da atuação do grupo até aquele momento, afirma a “Convocatória”: “A nossa
importância para o futuro do movimento é justamente o fato de termos levantado a bandeira
da política operária, oposta a todas as formas da política burguesa. Pelo que temos conseguido
nesse sentido, com nossos recursos precários, vemos que não fomos muito mal. Surgidos por
último, entre os pequenos grupos, tornamo-nos o mais numeroso e com a melhor
representação nacional. Esse auto-elogio não é para enganarmos a nós mesmos. O fato de
termos passado outros grupos mais antigos e mais pretensiosos foi possível em virtude da
fraqueza deles e não é ainda um sinal da nossa invulnerabilidade.” (Págs. 7 e 8.)

A seguir, a “Convocatória” alinha as principais tarefas que a organização tem pela


frente. A primeira delas se refere à criação de um programa. É importante transcrever o seu
enunciado, já que traz implícita a concepção do grupo a respeito da metodologia a ser seguida.
Diz o texto:
“Temos de criar um programa para um partido operário no Brasil. Não vemos
essa tarefa como simples elaboração de um documento. Antes de chegar a esse ponto,
teremos de estudar e interpretar a realidade brasileira sob um ângulo marxista e
teremos de analisar a situação mundial e, não por último, assimilar boa parte da
experiência da luta de classes em escala internacional. Na medida em que prosseguimos
nessa obra, forneceremos ao movimento revolucionário metas mais claras e
permitiremos aos militantes interpretar os problemas diários sem perder de mira o
objetivo final.” (Pág. 8.)

103
Como vemos, garantido um lugar privilegiado para a prática e a experiência no
trabalho de elaboração teórica. (O “Programa Socialista para o Brasil” vira a ser aprovado no
IV Congresso da Polop, em setembro de 1967.)

As demais tarefas especificadas no documento dizem respeito ao recrutamento de


militantes operários e à intensificação das atividades sobre o desenrolar concreto das lutas de
classe, buscando influenciá-lo, para o que é proposta a criação do jornal impresso. Como
síntese de toda a concepção, o texto afirma que o partido revolucionário da classe operária
sempre foi produto de dois fatores, o marxismo e o movimento espontâneo do proletariado:
“O próprio Marx não fez outra coisa senão difundir o socialismo, em bases científicas, no
movimento operário vivo.” (Pág. 8.) Ao final, dando conta das possibilidades reais da
revolução socialista na América Latina, a “Convocatória” vai invocar a Revolução Cubana. E
mais uma vez a transcrição se faz aqui necessária face a certas interpretações da trajetória da
Polop que equivocadamente identificam suas análises sobre os processos iniciais da revolução
como de crítica negativa ao movimento:
“O exemplo de Cuba indica hoje os rumos da revolução na América Latina. O
anti-imperialismo latente neste hemisfério encontrou um primeiro auge na Guatemala.
Sufocado o movimento, estourou, anos mais tarde, sob forma muito mais radical em
Cuba. ...Já agora, a revolução cubana, que nasceu como movimento da classe média,
está tomando medidas que ultrapassam os métodos tradicionais da pequena-burguesia
latino-americana e, no campo externo, aceita ajuda material do mundo socialista para
sobreviver.” (Pág. 10.)

Em abril de 1966, já incorporadas as experiências da derrota imposta pela burguesia


com o golpe de abril de 1964, a Polop publica as “Teses Tiradentes” (2), numeradas de um a
dez, que, sob a forma de curtos enunciados, abordam de forma sistemática e sucinta as novas
condições das lutas de classe que delimitarão o trabalho do grupo. Após identificar, na Tese 1,
na ausência de um movimento operário independente o traço essencial da política nacional
antes do golpe e que possibilitou a instauração da ditadura sem resistência das massas e dos
partidos de esquerda, o texto se desenvolve na linda da permanência da necessidade
estratégica da independência da classe e da formação, processualmente simultânea, do seu
partido revolucionário. A tese 8 comporta um conjunto de conceitos da organização a respeito
da luta contra a ditadura, ou seja, em condições de supressão do movimento de massas
unificado operada pela ditadura:

104
“Não devemos perder de vista que a luta pela ER e pelo partido operário, que
atualmente ainda é travada sob a forma de luta ideológica, principalmente, não abrange
mais que uma parcela da esquerda e atinge uma parte menor ainda do nosso
proletariado. Para despertar a classe para a ação revolucionária é necessário mais. É
preciso o exemplo da luta aberta contra a ditadura e contra o regime. Uma das formas de
ação que se impõe em nosso país e que conforme as circunstâncias pode se tornar
predominante é a luta de guerrilhas. Depois do golpe militar e o esgotamento das
possibilidades de atuação política por parte do proletariado e dos seus aliados no campo,
a guerrilha, quando enquadrada numa estratégia geral da luta revolucionária, torna-se
catalisadora da clop e o instrumento prático da aliança operário-camponesa no país. A
experiência da luta guerrilheira, que podemos colher nos últimos anos, mesmo na AL,
mostra que ela por si só não faz milagre – como freqüentemente se está inclinando a
acreditar. Temos a experiência da Colômbia, onde a luta de guerrilha perdura já mais de
20 anos sem que se conseguisse estabelecer ações comuns com o MO da cidade. Temos de
outro lado a experiência da Venezuela, onde a guerrilha ficou por muito tempo isolado do
movimento camponês e à mercê de alianças e coligações, freqüentemente duvidosas, da
cidade. Sem poder entrar aqui numa análise mais extensa, temos de ressaltar que a
guerrilha preencherá os requisitos de nossa luta sob as condições de: a) garantir sua
sobrevivência militar, e isso supõe que b) vá ao encontros das aspirações imediatas dos
camponeses que terá que mobilizar, direta e indiretamente; mas sua função em escala
nacional só se preencherá se c) se identificar politicamente com o movimento proletário
das cidades, cujo despertar é indispensável para o processo revolucionário. A guerrilha
tem uma função eminentemente política: a de conquistar, mediante a ação
revolucionária, a autoridade de liderança das massas exploradas do país.” (Doc. cit., pág.
2, grifos nossos.)

São vários os pontos a destacar no texto.

O primeiro diz respeito à questão geral da “luta contra a ditadura”, em torno da qual
toda a esquerda disparou um arsenal de críticas à Polop durante toda a vigência do regime
militar, acusando-a de “doutrinarista” por ter ela recusado engajar-se em um tipo de luta
hegemonizado pelo liberalismo. A divergência esteve inclusive na base dos argumentos
alinhados por uma fração originária da Polop, a “Fração Bolchevique”, criada em 1971, que
adotou em 1974 a denominação “Movimento pela Emancipação do Proletariado” (MEP),
mantendo o “Programa Socialista para o Brasil”. Este grupo veio a obter significativa
presença em algumas áreas do disperso movimento operário na segunda metade da década de
70 que antecedeu as grandes mobilizações do ABC paulista do final de 1977 em diante. A
esquerda acusava então, a Polop de “não fazer política”. Já tratamos desta questão quando
abordamos a polêmica travada nas páginas de “O Metropolitano”, especificamente em
referência a um artigo do nacionalista Humberto Jansen, quando lembramos que já na década
de 40 do século passado os neohegelianos criticavam os comunistas tachando-os de
“apolíticos”. Trata-se agora, de uma questão semelhante. Pela tese, observa-se que a Polop só
concebia a “luta contra a ditadura” se efetivada sob o ângulo da luta de classe, ou seja, sob a

105
hegemonia do proletariado e seus interesses, e jamais, como na realidade veio a transcorrer,
sob a hegemonia da burguesia e seu ideário institucional-democrático. Aí por volta de 1977,
quando a burguesia já agradecia aos militantes pelos serviços prestados, um militante que se
desligara da organização em função da divergência argumentou que era preciso “tomar a
bandeira da democracia das mãos da burguesia”, ao que a Polop contestou afirmando que
“não eram a esquerda e o proletariado que deveriam tirar as castanhas quentes da panela para
a burguesia”.

Outra questão é a do lugar da guerrilha, sua função no processo de lutas. Discutiremos


adiante no item “Foco de Copacabana” a concepção geral de luta armada da organização.
Aqui a abordaremos pontualmente, como se encontra nas “Teses de Tiradentes”. O primeiro
ponto a considerar é que, mesmo assumindo termos como “despertar” e “exemplo”,
integrantes de uma linguagem que a seguir iria compor o eixo teórico-político-ideológico das
organizações que adotaram a luta armada em linha direta ou indireta com as formulações do
debreísmo (termo originado do nome do militante francês Régis Debray, autor do livro “A
revolução na revolução”, em que teoriza e defende o foco guerrilheiro em substituição ao
partido leninista), a Polop fala da guerrilha no país como uma possibilidade circunstancial,
condicionada, em primeiro lugar, pelo seu próprio sucesso militar. Ora, o sucesso militar – a
exemplo do que ocorreu em Cuba, apesar de análises superficiais insistirem no contrário – é
função do sucesso político, e o correto entendimento deste sucesso, vistos os revezes
localizados como inevitáveis em qualquer embate, necessariamente remeterá para a análise
concreta da situação concreta, nos termos da compreensão do materialismo dialético
conforme enunciado por Eric Sachs no trecho do “Balanço EM-81” (Doc. cit.) a que nos
referimos. Assim é que pode ser compreendida com clareza a formulação feita pela tese de
que a guerrilha deve ser enquadrada na estratégia geral da luta revolucionária, e não como um
recurso milagroso a que se pode recorrer a qualquer hora e momento. Especificamente, e aqui
já entramos em um terceiro ponto; trata-se da necessidade de a guerrilha estar identificada
politicamente com o movimento proletário urbano, significando isso, em primeiro lugar, que
tal movimento tem obviamente que existir pelo menos enquanto potencial na conjuntura; em
segundo, que esta identificação ultrapasse os limites do compromisso ideológico geral,
fixados e articulados objetivos comuns.

106
2. Um Brasil capitalista

A caracterização da formação social brasileira como capitalista é, como vimos, um dos


pilares da idéias da Polop, compondo com a defesa do caráter socialista da revolução e a
proposta da organização (sindical e política) independente da classe trabalhadora o tripé em
que se baseiam as teses da organização, que buscou na ortodoxia marxista-leninista o cimento
de montagem de toda uma estrutura de pensamento que individualiza a Polop no cenário da
esquerda brasileira. Qual a trajetória, então, da formulação de que o Brasil era (é) um país
capitalista? Quais os componentes específicos da idéia? Como estes se articulam entre si em
com as propostas gerais do marxismo-leninismo?

No citado artigo “Marxismo ou apologética nacionalista?”, de 1959, Eric Sachs


apontava o uso aleatório que a esquerda fazia do conceito subdesenvolvimento uma das
matrizes da teoria e da prática do nacionalismo reformista. Em sua argumentação, Sachs
afirmava que própria imprecisão do termo (do qual a organização viria, depois, a formular
uma definição mais rigorosa no campo da Teoria da Independência) dava margem a que
fossem jogados na mesma categoria formações sociais tão distintas quanto Arábia Saudita,
Afeganistão, Ghana, Etiópia e mesmo a China, misturando colônias, países recém-saídos da
condição de posses coloniais e outros até que tinham feito sua revolução socialista. O texto
alinha a seguir três fatores que, segundo o autor, tipificariam a sociedade brasileira,
aproximando-a mais de algumas nações Européias que de um país africano médio.

O primeiro deles se referia à existência de um proletariado industrial e uma burguesia


bem definidos histórica e socialmente; em segundo lugar, a evidência de que o Brasil não era
um nação ocupada por nenhuma potência colonialista, datando sua independência de época
não muito distante da dos próprios Estados Unidos; em terceiro lugar, a análise da dinâmica
do sistema apontava em direção ao crescimento absoluto e relativo do trabalho assalariado na
cidade e no campo. “Não negamos o atraso existente. O que combatemos é a tentativa de
conservação de noções políticas atrasadas. A existência de um proletariado industrial criou as
condições para a formação de uma escola marxista o Brasil, isto é, de um socialismo em
padrões científicos.”, diz o texto (pág. 42), recorrendo à metodologia que estabelece a relação
entre as idéias e as coisas com a qual o grupo sempre procurava sustentar suas formulações.
Assim, afirma o texto, não havia sentido em falar de um “marxismo subdesenvolvido” pelas
mesmas razões que tornaria absurda a consideração de uma teoria atômica “subdesenvolvida”,

107
dada a universalidade da ciência, vedadas quaisquer possibilidades de sucesso a físicos
brasileiros – segue o raciocínio comparativo – na tentativa de instalar fontes de energia
atômica no país se partissem das noções da física pré-nuclear. Talvez seja necessário ressaltar,
aqui, que em nenhuma das teses e propostas da Polop por nós estudadas encontramos algo
sequer próximo da adoção de idéias de alguma forma ligadas ao positivismo.

Em 1967 – antes, pois, do chamado “milagre” em que o país experimentou uma vaga
de crescimento econômico através do aprofundamento do modelo anterior e da composição
das classes dominantes que o sustentava e sustenta -, o “Programa Socialista para o Brasil”
sintetizava a visão geral da formação social do país: “O Brasil é hoje um país capitalista
industrial, cujo desenvolvimento encontra-se bloqueado. O desenvolvimento econômico
experimentado nas últimas décadas dotou-o de um parque industrial moderno que, juntamente
com o comércio e os transportes, participa com cerca de 50% da produção global, contra
apenas 26% da produção agropastoril. No campo, acelerou-se a penetração das relações
capitalistas. O modo de produção capitalista, que marca a economia brasileira, é a base em
que se sustenta a dominação: burguesia industrial, comercial, agrária e financeira.” (In
“Imagens...”, op. cit., pág. 97.) A crítica à visão reformista nacionalista de um antagonismo
entre a burguesia industrial e agrária, que, como se viu, não empolgava apenas o PCB, foi
formulada pela Polop a partir do conceito de complementaridade, que, remontando aos traços
essenciais da industrialização do país, vai identificar o surgimento do capital industrial através
da acumulação feita pelo latifúndio exportador em proporções que, mesmo variáveis no seu
processo de evolução, não eliminam o caráter complementar dos dois segmentos.

Como já afirmamos, não pertence à Polop o mérito de ter “descoberto” o Brasil


capitalista – residindo porém a originalidade de sua contribuição não só no aprofundamento e
explicação dos termos desta consideração, como sua articulação necessária com o caráter da
revolução, entendida esta como ruptura, e o lugar e o papel da classe operária no processo
revolucionário. Em seu “A Revolução Brasileira” (op. cit.), Caio Prado Júnior discute a
concepção histórica de acordo com a qual o desenvolvimento da humanidade necessariamente
teria que cumprir determinadas etapas antes de poder chegar ao socialismo; e observa: “A
idéia de que a evolução histórica da humanidade se realiza através de etapas invariáveis e
predeterminadas é inteiramente estranha a Marx, Engels e demais clássicos do marxismo,
cujas atenções, no que nos interessa aqui, se voltaram sempre, exclusiva e particularmente
para o caso dos países e povos europeus. É deles que se ocuparam, e não generalizaram

108
nunca as suas conclusões acerca das fases históricas percorridas por aqueles países e
povos.” (Op. cit., pág. 32.) Embora, como veremos adiante, não se possa concordar com que
Marx e os demais clássicos do marxismo não teriam se detido em abordar o desenvolvimento
de povos e nações fora do continente europeu e, muito menos, que o marxismo não tenha uma
concepção sistêmica da dinâmica do imperialismo a nível mundial, é indiscutível a afirmação
de Caio Prado de que jamais o marxismo se guiou por generalizações abstratas, estando
igualmente à margem do continente metodológico do marxismo a visão de um
desenvolvimento etapista da história.

A seguir, Caio Prado transcreve a caracterização das formações sociais do Brasil e da


América Latina incluída no “Programa da Internacional Comunista” adotado pelo VI
Congresso da IC em 1928; em função da importância que vimos atribuindo neste trabalho à
adoção de “regras” internacionais pelas estratégias nacional-reformistas no país, e lembrando
que esta tese da IC retoma a estratégia social-democrata dos “velhos bolcheviques” anteriores
a abril de 1917, consideramos importante incluir aqui a transcrição de Caio Prado do
“Programa” da IC:

“Países coloniais e semicoloniais (China, Índia etc.) e países dependentes


(Argentina, Brasil e outros) que possuem um embrião de indústria, às vezes mesmo uma
indústria desenvolvida, insuficiente, na maioria dos casos para a edificação independente
do socialismo; países onde predominam relações sociais da Idade Média feudal ou o
‘modo de produção asiático’ tanto na vida econômica, como na superestrutura política;
países enfim onde as principais empresas industriais, comerciais, bancárias, os principais
meios de transporte, as maiores propriedade, as maiores plantações, etc. se acham nas
mãos de grupos imperialistas estrangeiros. A luta contra o feudalismo e contra as formas
pré-capitalistas de exploração e revolução agrária promovida pelo espírito de
continuidade, de um lado; a luta contra o imperialismo estrangeiro, pela independência
nacional, doutro lado, têm aqui uma importância primordial. A passagem à ditadura do
proletariado não é possível nesses países, em regra geral, senão através de uma série de
etapas preparatórias, por todo um período de desenvolvimento da revolução
democrático-burguesa em revolução socialista; o sucesso da edificação socialista é, na
maioria dos casos, condicionado pelo apoio direto dos países de ditadura proletária.” (In
“A Revolução Brasileira”, op. cit., pág. 65.)

Militante histórico do PCB, tendo ocupado inclusive a vice-presidência da seção


paulista da Aliança Libertadora Nacional (ALN), o que lhe acarretou a prisão e um exílio de
dois anos na Europa, Caio Prado Júnior, morto em 1989, já pode ser considerado modelo de
intelectual revolucionário no país. Sua contribuição para o conhecimento da realidade
brasileira é insubstituível. Fernando Papaterra Limongi – no ensaio “Marxismo, Nacionalismo
e Cultura: Caio Prado Jr. e a Revista Brasiliense”, publicado no n° 5, de outubro de 1987, da
“Revista Brasileira de Ciências Sociais” (3) – afirma que em 1933, com apenas 23 anos de

109
idade, Caio Prado Júnior publica seu primeiro livro, “Evolução Política do Brasil – Ensaio de
interpretação materialista da História do Brasil”, no qual já enfatizava a inexistência do
feudalismo no país, o que lhe valeu, não sem alguma polêmica, o título de precursor da
interpretação marxista do processo histórico brasileiro. Suas posições sobre o caráter da
sociedade sempre se opuseram às orientações oficiais do PCB; em 1947, no debate
preparatório ao IV Congresso do PCB (que acabaria adiado com a decretação da ilegalidade
do partido), voltou a questionar de frente as teses oficiais sobre a questão agrária, reafirmando
a inexistência do feudalismo e criticando como ultrapassada a proposta de reforma agrária
contida na tese da direção. Foi nesta condição, uma espécie de quadro-contestador, que Caio
Prado vai fundar e dirigir, ao lado do primo Elias Chaves Neto (também do PCB), a “Revista
Brasiliense”, publicada pela editora do mesmo nome de propriedade da família e que circulou
de 1955 a 1964. Uma publicação de membros do PCB mas não uma revista do PCB, na
avaliação de Limongi, a “Revista Brasiliense” chegou a publicar textos que contrariaram o
reformismo nacionalista que dominava sua linha editorial; o primeiro deles, de autoria de
Michael Löwy, foi publicado no n° 31, de setembro/outubro de 1960, devidamente
acompanhado por nota explicativa de Chaves Neto que “as conclusões do presente artigo não
se enquadram na orientação da revista, que é nacionalista, conforme foi firmado em seu
manifesto de constituição”. (In Limongi, art. Cit., doc. cit., pág. 41.) Caio Prado Júnior, vai
observar Limongi adiante em seu texto, mantém-se fiel à proposta geral reformista apesar das
críticas que faz.

Encontramos os termos mais explícitos desde reformismo não oficial de Caio Prado
em “A Revolução Brasileira”, de 1967, a obra síntese de seu pensamento; abordá-los aqui é
importante, na identificação, por contraposição, da especificidade das idéias da Polop.
Partindo do pressuposto de que a crise econômico-social por que passava o país podia ser
resumida no círculo vicioso da falta de produção/falta de consumo – “Em suma, não temos
produção porque não temos consumo, e não temos consumo porque não dispomos de um
nível adequado de atividades produtivas.” (Pág. 158) – ele vai falar adiante da necessidade de
o Estado tomar nas mãos o processo de desenvolvimento e conter os “naturais impulsos”
(pág. 161) da iniciativa privada. Discutiremos adiante a polêmica em torno do par circulação
x produção na dinâmica do capitalismo, mas é certo, desde já, que o simplismo com que Caio
Prado coloca o problema incapacita sua tese sequer de ser considerada no interior da polêmica
maior acima referida. E é este simplismo que vai informar as conclusões e propostas
anunciadas adiante pelo autor, aproximando-o do nacional-desenvolvimentismo das teses

110
cepalinas, que, igualmente, encontram suas raízes na metodologia utilizada pelo reformismo
oficial. Diz ele:

“No Brasil, e nas condições atuais, a questão se propõe de forma diferente,


porque falta aqui, por efeito precisamente dos vícios orgânicos de nossa estrutura
econômica e social que apontamos acima, uma demanda suficiente em consonância com
as necessidades fundamentais e gerais, e capaz por isso mesmo de permanentemente
incentivar uma atividade produtiva que, em ação de retorno, viesse ampliá-la ainda mais.
É isso que nos falta, e é por aí, em conseqüência, que se há de essencialmente atacar a
reforma do sistema a fim de impulsionar o seu funcionamento no sentido de um
desenvolvimento geral e sustentado. ...Em suma, o sentido do processo econômico do
desenvolvimento capitalista originário, tal como ele se apresentou na Europa no século
passado, foi essencialmente o da produção. No Brasil, ele deve ser essencialmente o da
distribuição. (Pág. 164, grifo original.)

Cabe ressaltar, de início, não se tratar de mera coincidência qualquer semelhança com
o programa explicitado pelo Partido dos trabalhadores em sua “Carta aos Brasileiros”, de
2002, com que acalmou a burguesia e ganhou seu apoio decisivo para vitória de Lula naquele
ano. Destaque-se que falamos aqui apenas em semelhança, já que a proposta e a ação petistas
se desenvolveram e se desenvolvem no interior da opção estratégica neoliberal do
capitalismo, o que levou e continua levando o PT e aliados a adotar uma espécie de social-
liberalismo, em que os ganhos salariais estruturantes do modelo socialdemocrata é substituído
pelas chamadas políticas compensatórias estatais, que, no final das contas, poderia também
ser legitimamente chamadas de políticas de esmolas.
De todo modo, a proposta de Caio Prado é a de superar a crise capitalista através do
...capitalismo, através da adoção de um modelo social-democrata que, por configuração
histórica e estruturação social, funcionou nos países centrais, que, como já notara Engels,
poderiam distribuir entre seus trabalhadores parte da mais-valia extorquida além-mar. Pela
proposta, o autor perde de vista uma de suas considerações básicas de que os processos
vividos pelos países centrais não se repetem historicamente nos países periféricos; o
desenvolvimento “integrado”, “harmônico”, de uns é subdesenvolvimento social de outros.
De fato, Caio Prado está abrindo mão de toda uma metodologia utilizada na caracterização da
formação social brasileira, incorporando na prática a tese da importação de modelos, idealista
na raiz de seu método, dando as costas para a concreticidade histórica e, por extensão, das
lutas de classe. É o que fica claro logo a seguir: “Não se pretende com isso eliminar a
iniciativa privada, e sim unicamente a livre iniciativa privada que, esta sim, não se harmoniza
com os interesses gerais e fundamentais do país e da grande maioria de sua população, por
não lhe assegurar suficiente perspectiva de progresso e melhoria de condições de vida.” (Pág.

111
165, grifo original.) O autor, como se vê, estabelece uma infundada diferença conceitual entre
iniciativa privada e livre iniciativa, no interior da estratégia de sua proposta de um estado de
bem-estar social. O socialismo fala em estatização dos meios de produção, como ele
reconhece a seguir: “A eliminação da iniciativa privada somente é possível com a implantação
do socialismo, o que na situação presente é desde logo algo irrealizável no Brasil por faltarem,
se outros motivos não houvesse, condições mínimas de consistência e estruturação
econômica, social, política e mesmo simplesmente administrativa, suficientes para
transformação daquele vulto e alcance.” (Pág. 165.)

Pode-se perguntar: existiriam “condições mínimas” para se implantar a social-


democracia no Brasil de 1967? Desprezado o método, Caio Prado vai excluir de seu modelo,
logo abaixo, o que chama de “iniciativa e intervenção dos empreendimentos internacionais”,
uma proposta típica do nacionalismo radical. Como conclusão geral, ele vai inevitavelmente
abrir mão de conceituações que, objetivamente, integram o rico legado que deixou para a
revolução brasileira: “É nestes termos que se propõe a questão, pouco importando a
caracterização e definição teóricas, desde logo, da revolução brasileira em função de situações
históricas que não são a nossa e que dela se distinguem profundamente. Isto é, saber se é
‘socialista’, ‘democrático-burguesa’, ‘popular’ ou outra qualquer.” (Pág. 166.)

Resta enfatizar que todo desenvolver destas teses e propostas social-democratas de


Caio Prado vem permeado por longas e pungentes apreciações da situação de miséria absoluta
em que eram lançados os trabalhadores brasileiros; permitimo-nos aqui, em respeito e
homenagem à sua memória, levantar a hipótese de que a auto-revisão de usas idéias, ao
contrário do oportunismo político que caracterizou a revisão clássica bernsteineana, por
exemplo, há de se dever à sua “pressa” em livrar o proletariado do inferno em que a burguesia
o lançara. Apesar disso, é preciso deixar claro o que pensava Marx a respeito do “aumento da
demanda solvável” proposta por Caio Prado (cf. pág. 164, op. cit.) como ponto de partida para
a solução dos problemas:
“É mera tautologia dizer que as crises decorrem da carência de consumo solvente
ou de consumidores capazes de pagar. O sistema capitalista não conhece outra espécie
de consumo além do solvente, excetuados os casos do indigente e do gatuno. ...A
produção capitalista patenteia-se portanto independente da boa ou má vontade dos
homens, implicando condições que permitem aquela relativa prosperidade da classe

112
trabalhadora apenas momentaneamente e como sinal prenunciador de uma crise.” (“O
Capital”, op. cit., livro 2, volume III, pág.439.)

O artigo de Michael Löwy publicado na “Revista Brasiliense” a que se refere Limongi


é o “Notas sobre a questão agrária no Brasil” (4). O texto, de setembro/outubro de 1960, faz
uma retrospectiva do desenvolvimento das formas de propriedade rural no país e da
estratificação social a elas correspondente e, com base no censo de 1940, identifica o campo
brasileiro como essencialmente capitalista; pelos dados apresentados, o perfil social da terra
no país estava assim delineado: proprietários e capitalistas rurais 2,67%%, pequenos
proprietários 27,2%, rendeiros, parceiros ou colonos 32,0%, e assalariados agrícolas 33,47%.
Analisa Löwy: “Em conclusão: a esmagadora maioria da população agrária do País, composta
de 65,47% de camponeses sem terra e dos 27,2% de pequenos proprietários, constitui uma
massa imensa de ínfimo nível de vida, explorada direta ou indiretamente por um exíguo grupo
de latifundiários e capitalistas do campo.” (Doc. cit., pág. 159.) Insista-se que os dados
exibidos são de 1940 e, como nota o autor, apesar da persistência do que chama de formas
arcaicas, as relações sociais capitalistas constituem a tendência dominante. A partir, então, da
tipificação da realidade e retomando o conteúdo das propostas formuladas por José Carlos
Mariátegui em 1928 em seus estudos sobre a realidade peruana, Löwy vai defender a
substituição da perspectiva de uma reforma agrária pela preposição de uma revolução agrária
centrada em três vertentes fundamentais: expropriação sem indenização dos grandes
latifúndios e empresas agrícolas capitalistas; formação, nas grandes propriedade, de
comunidades agrárias democraticamente administradas e controladas pelos seus
trabalhadores; incentivo à formação de cooperativas entre os pequenos proprietários que não
tenham aderido ainda às comunas. Tal revolução agrária, defende o autor, integraria um
amplo processo revolucionário, ininterrupto, “no qual as massas exploradas das cidades e do
campo destruirão, simultaneamente, seus três grandes opressores: o imperialismo, o
capitalismo e o latifúndio.” (Doc. cit., pág. 60.)

Ainda em relação à chamada presença de “traços atrasados” na economia do Brasil,


especialmente no campo, deve-se lembrar que dificilmente há de se encontrar algum país
capitalista em que apenas existam relações sociais de produção puras, ideais, conceituais.
Ninguém de bom senso vai qualificar de feudais países como a França, Alemanha, Espanha
ou Portugal pelo fato de grande parte de sua produção agrícola ser originária de minifúndios
operando à base do trabalho individual ou familiar. Quando se fala em modo de produção,

113
está-se falando em modo de produção dominante, restando para o conceito de formação social
dar conta da concreticidade da realidade sócio-econômica estudada. Em “A questão agrária e
o capitalismo” (5), Samir Amin e Kostas Vergopoulos afirmam distinguir “as formações
capitalistas das pré-capitalistas no sentido em que a lei fundamental do modo capitalista
acarreta uma tendência do mesmo a desintegrar as outras e fazê-las desaparecer, o que não
ocorre nas formações pré-capitalistas.” (Op. cit., pág. 12.) Este conceito de dominação-
transformação faz parte do acervo marxista de análise da sociedade capitalista desde as
primeiras sistematizações contidas na “Ideologia Alemã, onde Marx e Engels dão como
característica própria do capitalismo, individualizadora do sistema, a propriedade de sua
dinâmica transformar a história em “História Universal”, o que vai significar, nas palavras de
Amin e Vergopoulos, “que nas formações capitalistas, os modos dominados – e por isso eles
subsistem – são profundamente alterados, transformados, desfigurados, às vezes esvaziados
de seu conteúdo.” (Op. cit., pág. 13.)

No início de 1964, Andrew Gunder Frank intervém no debate publicando na edição de


janeiro/fevereiro da “Revista Brasiliense”, no. 51, um ensaio intitulado “A agricultura
brasileira: o capitalismo e o mito do feudalismo”. (6) Afirma ele no início do trabalho: “Eu
sustento que por mais ‘feudal’ que certas modalidades da agricultura brasileira possam
parecer, nenhum sistema feudal existe ou jamais existiu no Brasil. Nem é o Brasil uma
‘sociedade dualista’, como freqüentemente se afirma, no sentido de possuir dois ou mais
setores essencialmente separados e se autodeterminando.” (Pág. 45, grifo original.) O texto,
como explicita o próprio autor, é uma autocrítica de suas concepções anteriores,
especificamente dos pontos de vista defendidos no artigo que publicou sobre a reforma agrária
na “Monthly Review”.

Segundo informação de Ruy Mauro Marini e Aloísio Leite Filho (depoimentos cits.),
Gunder Frank, na qualidade de pesquisador acadêmico no Brasil, manteve desde a fundação
da Polop contato regular com a organização até o golpe de 64, devendo parte de suas
concepções a este contato. No se pode dizer, é importante ressalvar, que há identidade
absoluta entre suas teses e conclusões gerais – principalmente no que diz respeito à análise
dos estágios de desenvolvimento econômico do país em suas relações com o capital externo –
com as concepções da organização. Especificamente, sua visão de um Brasil e uma AL como
pouco mais que entrepostos comerciais do capitalismo (primeiro mercantilista, depois
industrial e posteriormente financeiro) indicam um certo estruturalismo a-histórico, simplista,

114
portanto, não compartilhado pelas teses da Polop, conforme veremos adiante na discussão da
Teoria da Dependência. Apesar disso, Gunder Frank deu uma contribuição importante à tarefa
geral de compreensão da realidade brasileira e latino-americana com sua crítica rigorosa e
bem fundamentada ao desenvolvimentismo cepalino, especialmente à tal teoria dualista;
segundo afirma no ensaio acima, a interpretação da existência no Brasil e no continente
latino-americano de uma “sociedade dualista” tem seus primórdios no livro de Jacques
Lambert “Os dois Brasis”, do qual é transcrita uma passagem que diz viverem os brasileiros
divididos em dois sistemas sócio-econômicos. No transcorrer do seu trabalho, Frank vai
identificar nestes pressupostos os suportes da teoria geral do reformismo desenvolvimentista.

Vejamos agora como os clássicos do marxismo desenvolvem os conceitos referentes


ao modo de existência do capitalismo ao nível mundial. Afirma Lênin em “Imperialismo, fase
superior do capitalismo” (7):
“Naturalmente, se o capitalismo tivesse podido desenvolver a agricultura, que
hoje em dia se encontra em toda parte enormemente atrasada em relação à indústria; se
tivesse podido elevar o nível de vida das massas da população, a qual continua a
arrastar, apesar do vertiginoso progresso da técnica, uma vida de subalimentação e
miséria, não haveria motivo para falar de um excedente de capital. Este ‘argumento’ é
constantemente avançado pelos críticos pequenos-burgueses do capitalismo. Mas então,
o capitalismo deixaria de ser capitalismo, pois o desenvolvimento desigual e a
subalimentação das massas são as condições e as premissas básicas, inevitáveis, deste
modo de produção.” (In “Obras Escolhidas”, págs. 621/622.)

Este trecho traz dois conceitos absolutamente indispensáveis ao entendimento da


compreensão marxista-leninista do processo de desenvolvimento capitalista: o
desenvolvimento desigual e a pauperização das massas enquanto características essenciais do
sistema, sob pena, como destaca Lênin, de deixar de ser capitalismo; além disso, estes
conceitos expressam realidades interdependentes, ou seja, desenvolvimento desigual e miséria
das massas são fatores que se sustentam mutuamente na dinâmica do sistema. Assim
considerados – e à luz da universalização do mercado capitalista e da divisão do trabalho –
aqueles conceitos podem explicar a vigência da social-democracia nos países de centro do
sistema: é que na periferia as massas vivem o aprofundar constante de sua miséria. E não se
tratam de situações conjunturais de crise do sistema capitalista mundial. No “Imperialismo
...”, após enfatizar sua divergência com Kautsky – para quem o imperialismo seria uma

115
tendência do capital industrial em anexar regiões agrárias, contra sua (de Lênin) posição de
que se trata de um modo de ser do capitalismo, Lênin explicita o que considera essencial na
caracterização do imperialismo: “O que é característico do imperialismo não é o capital
industrial, mas o capital financeiro. ...O que é característico do imperialismo é precisamente
a tendência para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais
industriais...”. (In “Obras...”, op. cit., pág. 643.)

Vejamos agora Marx. Ao investigar as origens do capital industrial, ele situa as


relações de dominação centro-periferia não como mero acidente na acumulação, como
pretendem entender certos “produtivistas”, mas como um traço essencial da gênese do
sistema, evidenciando este seu caráter universalista desde a origem: “As descobertas de ouro
e prata na América, o extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a
trabalhar no interior de minas, o início da conquista e a pilhagem das Índias Orientais e a
transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são acontecimentos que
marcam os albores fundamentais da acumulação primitiva.” (“O Capital”, op. cit., Livro I,
vol II, pág.868.) É certo que Marx não limita à pilhagem as características da acumulação
primitiva, detendo-se igualmente na “escravização” (metáfora do próprio Marx) a que foram
submetidas nas fábricas inglesas as levas de trabalhadores expulsos do campo na Inglaterra.

Mais adiante, Marx vai enfatizar a função do sistema colonial enquanto elemento
integrante do capitalismo, inclusive enquanto mercado: “O sistema colonial fez prosperar o
comércio e a navegação. As sociedades dotadas de monopólio, de que já falava Lutero, eram
poderosas alavancas de concentração de capital. As colônias asseguravam mercado às
manufaturas em expansão e, graças ao monopólio, uma acumulação acelerada. As riquezas
apresadas fora da Europa pela pilhagem, escravização e massacre refluíam para a metrópole
onde se transformavam em capital.” (“O Capital”, op. cit., pág. 871.) No capítulo XXV do
mesmo Livro 1, onde discute a “Teoria Moderna da Colonização”, após uma análise detalhada
do que chama de “verdadeiras colônias, terras virgens, colonizadas por imigrantes livres”,
Marx vai sintetizar sua avaliação da dinâmica capitalista enquanto tendência de
universalização do trabalho assalariado. Conclui ele assim o capítulo: “Mas não estamos
tratando aqui de examinar a situação das colônias. Interessa-nos apenas o segredo que a
economia política do Velho Mundo descobriu no Novo e proclamou bem alto: o modo
capitalista de produção e de acumulação e, portanto a propriedade privada capitalista exige,
como condição essencial, o aniquilamento da propriedade privada baseada no trabalho

116
próprio, isto é a expropriação do trabalhador.” (Pág. 894.) Este traço essencial do
capitalismo, o de universalizar as relações de produção, Marx já o identificara desde a década
de 1840. Pode-se ler no “Manifesto” (“Textos III”, op. cit., pág. 24.).

3. Teoria da Dependência

Em “Considerações sobre o marxismo ocidental”, Perry Anderson aponta dois fatores


históricos como condicionadores do estancamento do desenvolvimento da teoria marxista a
respeito das questões fundamentais da luta de classes nos campos econômico e político: a
burocratização do poder na URSS, com a monopolização do PCUS por Stálin, e o
estabelecimento no pós-guerra de democracias burguesas estáveis nos principais países
capitalistas ao lado do rápido avanço da economia capitalista nas primeiras décadas do
período. Neste quadro, qualifica a “Teoria do Desenvolvimento Capitalista”, de Paul Sweezy,
de 1942, como a última reflexão marxista sobre as leis do desenvolvimento capitalista,
marcando “o fim de uma época intelectual”. (Pág. 35) Assim, segue Anderson, o
aprofundamento da teoria marxista se viu reduzido a iniciativas confinadas à produção isolada
da dinâmica viva das lutas de classes revolucionárias (como nos trabalhos de Gramsci e
Lukacs), já que a onda de desenvolvimento pacífico das lutas de classe nos países onde o
marxismo acumulara maior tradição e potencial teórico empurrou a investigação da teoria
revolucionária do proletariado para o interior de instituições ideologicamente controladas pela
burguesia, provocando em conseqüência uma inversão temática que passou a privilegiar a
filosofia e suas disciplinas em detrimento da economia e da política.

Mais que uma inversão, podemos acrescentar, a desconsideração da tese axial de Marx
a respeito do processo de produção de idéias, deixado de lado o conceito de filosofia da praxis
e conduzindo a reflexão para o perigoso “caminho que leva a teoria ao misticismo”. Segundo
Anderson, “Na ausência de um polo de atração criado por um movimento revolucionário de
classe, a tendência de toda a tradição voltou-se progressivamente para a cultura burguesa. A
relação original entre a teoria marxista e a prática revolucionária foi sutil mas firmemente
substituída por uma nova relação entre a teoria marxista e a teoria burguesa.” (Pág. 74.)
Anderson abre uma exceção para as reflexões de Trotsky e produções de intelectuais ligados
ao trotsquismo, que, de toda maneira, se referenciaram no movimento dos trabalhadores.

117
Mesmo assim, critica a tese mecanicista da “revolução permanente” – conceito-chave de
Trotsky e do trotsquismo. O livro (“Considerações ...”) é de 1976, com o autor identificando
uma “mudança de clima” (pág. 132) a partir do final da década de 60, quando teria sido aberto
um período de transição para uma possível retomada do marxismo no interior de uma
conjuntura de reanimação revolucionária das lutas de classe.

Embora a concepção geral de Anderson possa padecer eventualmente de um certo


esquematismo na consideração das relações entre teoria e a prática (não se pode esquecer que
Marx escreveu “O Capital” no exílio, encerrado no Museu Britânico em Londres), correndo
mesmo o risco de adotar circunstancialmente alguns preceitos do pragmatismo, empiristas
portanto, sua reconstituição da evolução histórica das idéias, sua gênese, no período de que
trata, incorpora a metodologia geral do marxismo no enfrentamento da temática que introduz.
Acreditamos, no entanto, que suas reflexões desconsideram que, com o imperialismo, as lutas
de classes se desenvolvem de forma mais aguda na periferia do sistema (e aqui estamos
falando de estrutura, não de ciclos conjunturais), como formulado por Lênin em sua teoria dos
“elos fracos”. Daí decorre a necessidade de se levar em conta o desenvolvimento do
marxismo nos países periféricos – o que não destaca Anderson.

No “Balanço EM-81” (doc. cit.), Eric Sachs fala que entre as tarefas com que se
defrontava a Polop nos tempos de sua estruturação estava a de operar uma “análise do
imperialismo, que desde os tempos de Lênin e Luxemburgo não tinha parado de crescer e
adquirido traços novos.” (doc. cit., pág. 2) E foi na investigação desta realidade,
especialmente no que se refere às relações entre o centro e a periferia do sistema capitalista,
com destaque para o Brasil e a América Latina, que a Polop desenvolveu um conjunto de
teses que posteriormente seriam grupadas sobre a denominação da Teoria da Dependência. É
certo que a Teoria da Dependência, enquanto formulação global, não foi adotada formalmente
pela organização, chegando mesmo a se constituir em polêmica interna do grupo no final da
década de 70; é certo, contudo, que os conceitos fundamentais da teoria (dependência, arrocho
estrutural, superexploração e pauperização progressiva das massas) integraram as posições
básicas da organização – que, inclusive, propagandeou de forma sistemática textos e ensaios
integrantes do acervo da teoria, como “Dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil” e
“Contradições e conflitos do Brasil contemporâneo”, ambos de Ruy Mauro Marini e
publicados, o primeiro na revista da UME, em 1965, e o segundo editado pela própria

118
organização em 1971 através da “Editorial Vesper”; mais que isso, como veremos, tais
conceitos encontram suas raízes na própria ortodoxia marxista-leninista.

Já na Declaração Política do II Congresso da Polop, realizado em maio de 1963,


aqueles conceitos se fazem presentes. No item “Situação internacional”, encontramos: “O
crescente desenvolvimento da produção capitalista, acelerado depois da última guerra, choca-
se hoje com limites impostos pela restrição do mercado, devido ao baixo consumo das áreas
dependentes, além de passagem de outras áreas para o campo socialista. (In revista “Política
Operária 6” (8), pág. 11.) A palavra dependência, e seus correlatos, não é nova no vocabulário
marxista para referir-se aos países periféricos do sistema imperialista mundial; Marx, Engels,
Lênin e Rosa, entre outros, já faziam uso dela neste contexto. Também o termo não é de uso
recente nas análises e estudos da realidade brasileira, recorrendo a ele, com o “rigor” próprio
de cada metodologia, posicionamentos reformistas (o próprio Caio Prado na década de 30,
mesmo o PCB e a IC e posteriormente Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto em seu
ensaio “Dependência e desenvolvimento na América Latina”, a que nos referiremos com mais
detalhes ainda neste item) e, de outro lado, revolucionários. E é neste último campo que se
situam as formulações da Polop sobre o tema, arquitetadas fundamentalmente por Ruy Mauro
Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra.
As formulações iniciais são aprofundadas progressivamente tomando maior densidade
já no texto do “Programa Socialista para o Brasil”, aprovado no IV Congresso da
organização, em setembro de 1967. Cabe, então, registrar como o “Programa” vai incorporar
os conceitos-chaves já então elaborados no desenvolvimento da Teoria da Dependência.
Transcrevemos a seguir do “Programa” do “Imagens da Revolução” (op. cit.):

“O capital financeiro das metrópoles imperialistas conseguiu, desse modo, aumentar seus lucros
juntando a exploração de seus próprios operários à acumulação da mais-valia produzida pelos
trabalhadores dos países coloniais e semicoloniais.” (Pág. 91.)

“Os países subdesenvolvidos representam um grupo especial na constelação das forças


internacionais. Não são uma força independente nem homogênea. Trata-se de parte do mercado
capitalista mundial, exatamente aquele que é o objeto principal da exploração imperialista.” (Pág. 93.)

“As empresas estrangeiras vieram explorar seus lucros, aqui mais gordos que em seus países de
origem, principalmente pela maior exploração dos trabalhadores.” (Pág. 100.)

119
“Por outro lado, a monopolização sofrida pela economia nacional acentua todas as contradições
do capitalismo. A introdução no país de técnicas mais avançadas aumenta de muito a desproporção entre
a capacidade produtiva do monopólio e a capacidade aquisitiva do povo. Ao mesmo tempo em que a
produção capitalista destrói as condições de sobrevivência dos pequenos produtores autônomos, jogando
milhares de seres humanos no mercado de trabalho, o avanço técnico limita as possibilidades de emprego
destas populações que, em boa parte, vão se constituir nos aglomerados miseráveis das favelas e
mocambos. E é ainda essa concentração das empresas e progresso técnico, com o respectivo aumento do
“exército industrial de reserva”, que deprime os salários ao mais baixo nível.” (Pág. 101.)

“Quando o imperialismo tomou conta das regiões mais atrasadas do globo e as integrou no mundo
capitalista na qualidade de regiões dependentes, ao mesmo tempo cortou suas possibilidades de repetir o
processo de desenvolvimento trilhado pelas nações capitalistas avançadas.” (Pág. 103.)

Cremos serem desnecessários maiores comentários. As palavras são suficientemente


claras. Apenas uma apreciação geral: dependência, arrocho, pauperização, superexploração:
não se está diante de uma opção preferencial de um espírito malvado a gerenciar os rumos do
capitalismo. Estamos diante de um fato histórico estrutural.

Uma trilha através da qual poderíamos identificar o amadurecimento dos conceitos


acima pode ser encontrada na trajetória da produção teórica de Ruy Mauro Marini, conforme
exposta no depoimento que nos concedeu. Segundo informou, em janeiro de 1965 fez um
relatório ao Comitê Nacional da Polop com uma análise do golpe, seus antecedentes e
perspectivas globais do desenvolvimento das lutas de classe no país, texto que serviu de base
ao ensaio “Contradições e conflitos no Brasil contemporâneo”, publicado no México em
meados do mesmo ano na revista “Foro Internacional”; em setembro de 1965, publica na
“Monthly Review” o artigo “Brazilian interdependence and imperialist integration”, onde é
desenvolvido o conceito de subimperialismo; em outubro de 1965, surge o “Dialética do
desenvolvimento capitalista no Brasil”, publicado pela UME; em 1969, é publicado no
México pela Siglo XXI o “Subdesarollo y revolución”, baseado no “Subdesenvolvimento e
revolução na América Latina”, escrito para o encontro da Tricontinental, realizado em Havana
no ano anterior; em 1973, é publicado no México o “Dialéctica de la dependencia”, “em que
procuro separar águas e fixar um ponto de vista marxista da dependência”.

Em “Dialéctica de la dependendia” (9), após um breve relato da evolução do


capitalismo desde seus primórdios, Marini vai dar a definição de dependência separadora de
águas, conceituando-a como uma relação de subordinação entre nações formalmente
independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são
modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. O fruto da

120
dependência e sua liquidação, conclui, “supõe necessariamente a supressão das relações de
produção que ela envolve.” (“Dialética...”, op. cit., pág. 18, trad. nossa.) O conceito, assim,
vem substanciado pela determinação de que a dependência é uma relação centro-periferia
própria do capitalismo industrial e financeiro e, igualmente importante, só podendo ser
superada com a superação das relações de produção que a configuram e originam. É preciso
deixar clara, aqui, a diferença da tese acima das formulações de Gunder Frank, já que críticas
apressadas e superficiais insistem em identificar os dois posicionamentos. O conceito de
superexploração vai ser desenvolvido a seguir por Ruy Mauro após uma referência crítica ao
conceito de intercâmbio desigual que, conforme expõe, apenas reflete diferentes taxas de
exploração da força de trabalho. Adiante, depois de assinalar historicamente o caráter
complementar do desenvolvimento das economias dependentes, destacando o fato de que sua
inserção no sistema mundial ocorrera no interior de um estágio mais avançado de
desenvolvimento das forças produtivas nos centros capitalistas, o autor situa o eixo em torno
do qual gira o mecanismo da dependência:

“Porém este processo estava marcado por uma profunda contradição: chamada a
coadjuvar a acumulação de capital com base na capacidade produtiva do trabalho nos
países centrais, a América Latina teve que fazê-lo mediante uma acumulação baseada na
superexploraçao do trabalhador. Nesta contradição está a essência da dependência latino-
americana.” (“Dialética...”, pág. 49.)

No prefácio à quinta edição de “Subdesarollo y revolución” (op. cit.), de maio de


1974, Marini situa historicamente a conformação da dependência, especificando os processos
que a configuram, aprofundando então o conceito de subimperialismo. O ponto de partida é a
consideração de que o desenvolvimento da indústria nas economias dependentes se faz no
sentido de substituir importações destinadas às classes médias e à burguesia, que somariam
segundo seus cálculos não mais que 20% da população do país, cujo poder de compra é
assegurado exatamente pelos recursos retirados dos segmentos de baixa renda, que,
submetidos à superexploração, recebem abaixo do valor relativo de reprodução real da sua
força de trabalho. Com as inovações tecnológicas essenciais à acumulação capitalista,
crescem as levas de desempregados que irão engrossar as fileiras do exército industrial de
reserva, por sua vez, base estrutural da superexploração. Observa o autor que este processo de
acumulação dependente, simultaneamente concentrador da renda e do capital, prioriza os
setores industriais dirigidos ao consumo de luxo, enseja uma nova divisão internacional do
trabalho, com os países centrais sempre com vantagem na corrida pela especialização e
sofisticação tecnológica em função da disponibilidade de capitais provenientes exatamente da

121
mais-valia extorquida em condições de superexploração através de seus investimentos diretos
ou indiretos nos países dependentes. Entre o que denomina de leis próprias da economia
dependente, Marini alinha: superexploraçãodo trabalho, a monopolização em favor da
indústria de bens de consumo suntuário e a integração dos sistemas de produção, e não uma
mera internacionalização do mercado interno como querem alguns, ressalta o autor.

Em “La ideologia latinoamericana” (10) – texto correspondente à conferência que


pronunciou no Centro de Investigaciones Económicas y Sociales de Santiago do Chile em
outubro de 1990 e ainda inédito no Brasil –, Marini, após considerar as contribuições de
Mariátegui e Mella nos anos 20 ao conhecimento da realidade sócio-econômica do continente,
destaca que é somente no início da década de 50 que vai surgir uma teorização global sobre a
região, dando origem a uma corrente de pensamento, através dos trabalhos da Comissão
Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da ONU. Segundo analisa, a Cepal
“corresponde a uma agência de difusão ideológica da teoria do desenvolvimento, elaborada
nos anos 40, nos Estados Unidos e com menos peso na Europa, principalmente na França.
Esta teoria imperialista de desenvolvimento tem naquele momento uma função chave: a de
dar resposta à emergência em grande escala de novas nações, a nível mundial, no pós-
guerra, pelo processo de descolonização...”. (Doc. cit., pág. 3, original em espanhol, tradução
nossa.)

A teoria do desenvolvimento cepalina implica três pontos essenciais, observa Marini: a


crença de que o mundo experimentaria continuamente um processo de desenvolvimento,
sendo o subdesenvolvimento não estrutural, mas uma fase deste processo a ser superada
através da industrialização; o segundo ponto é a concepção do dualismo estrutural, em que as
chamadas estruturas arcaicas poderiam conviver com a industrialização, sendo posterior e
progressivamente arrastadas por esta para a modernidade e o desenvolvimento global; o
terceiro ponto é a utilização de fatores quantitativos na definição do subdesenvolvimento, tais
como renda per capita, renda nacional, níveis de saúde, alfabetização etc.

Munidos, pois, destes conceitos, os países centrais, através da ONU, vão espalhar
“cepais” pela África, Ásia, Europa e América Latina. Aqui, dada a existência de um processo
de industrialização mais adiantado que em outras regiões periféricas, não se podendo falar,
portanto, em países recém-saídos da situação de colônias, as burguesias autóctones tinhas suas
reivindicações a fazer; daí, o desenvolvimentismo da Cepal haver assumido ares

122
reivindicativos, principalmente em relação aos termos do intercâmbio comercial com os
países de centro, sem, contudo, perder a característica central da teoria sintetizadas nos três
pontos acima. Com as dificuldades crescentes na obtenção de divisas para financiar a
industrialização, fenômeno aguçado na virada dos anos 50 para os 60, surge na Cepal uma
tendência propondo a ampliação dos mercados internos através de reformas, principalmente a
agrária, e um maior alívio frente aos compromissos financeiros internacionais, como redução
de juros da dívida externa e a regulamentação da remessa de lucros pelas empresas e
investimentos estrangeiros nos países da região.

Com o fracasso do desenvolvimentismo, de que o golpe de 1° de abril de 1964 no


Brasil foi símbolo perfeito, seus defensores e formuladores adotam um posicionamento
radicalmente oposto, mas só na aparência, e passam a dizer que não é possível crescimento
econômico algum, destinados todos os países da AL à vala comum da estagnação. É
publicado então, em 1964, o “Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina”, de
Celso Furtado. Observa Marini que o pensamento estagnacionista, atribuído equivocadamente
aos dependentistas, é de lavra da mesma Cepal diante dos impasses a que chegara o
capitalismo na América Latina. Talvez seja útil aqui referir-se à conhecida diferença,
essencial, entre crescimento e desenvolvimento, significando o primeiro tão somente a
ampliação das forças produtivas e, por consequência, volume de bens e serviços produzidos
em determinado país ou região. Já desenvolvimento implica uma dimensão social do
crescimento em que ao proletariado é conferida uma participação qualitativa e estruturante na
distribuição dos frutos econômicos e culturais deste crescimento.

É portanto nesta conjuntura de crise do desenvolvimento cepalino, e da própria


economia latino-americana, que amadurece a Teoria da Dependência, não apenas nem
principalmente como uma resposta teórica ao desenvolvimentismo, mas gestada no interior de
uma reflexão política de contestação ao reformismo oficial dos PCs latino-americanos que,
reflexo da aliança estratégica que propunham com a burguesia, adotavam igualmente a
perspectiva teórica do desenvolvimento burguês. É, pois, das emergentes organizações de
esquerda da segunda metade da década de 50 e início da década de 60 que nasce a Teoria da
Dependência.

Segundo Marini, são também três as considerações fundamentais da nova teoria: a


primeira se refere a que desenvolvimento e subdesenvolvimento são realidades

123
estruturalmente interdependentes, sendo uma contrapartida da outra, sendo o
subdesenvolvimento uma condição tipificadora do desenvolvimento periférico: quanto mais
desenvolvimento capitalista, mais dependência, só podendo esta ser superada fora dos marcos
do capitalismo, ou seja, no socialismo. A segunda consideração é a de que o imperialismo não
é uma realidade externa às economias dependentes, mas parte constitutiva das mesmas, o que
vai implicar a identidade da luta antiimperialista e socialista; o terceiro ponto vai estabelecer
que a dependência não pode ser conceituada, nem principalmente nem fundamentalmente, no
campo das relações mercantis, como queria a Cepal, mas no do movimento de capitais através
das inversões diretas, empréstimos, financiamentos, ampliando-se o conceito à dependência
tecnológica e cultural.

Em 1970, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto publicam “Dependência e


desenvolvimento na América Latina” (11), escrito no Chile entre 1966 e 1967, segundo
informam os autores no prefácio do livro. O texto defende algumas das idéias da Teoria da
Dependência. O ponto forte é a defesa de uma metodologia de análise do capitalismo latino-
americano que não se resume a considerações de natureza estritamente econômica, tomando
os processos ideais de desenvolvimento capitalista como padrão e referência; pelo contrário,
afirmam os autores, é preciso incorporar à análise o instrumental teórico conceitual da
história, da política e da sociologia. No desdobramento de suas concepções, Cardoso e Faletto
vão anunciar, no entanto, pontos de vista que, rigorosamente, os distanciam das formulações
centrais da Teoria da Dependência, dado que os autores admitem a possibilidade do
desenvolvimento no interior do sistema capitalista, chegando mesmo a adotar o jargão
burguês-imperialista “países em vias de desenvolvimento”. (“Dependência...”, op. cit., págs.
28/29, grifos nossos.)

Como lembrávamos, o termo dependência não é propriedade de ninguém. Mas é certo


que as posições de Cardoso e Faletto se encontram muito mais próximas da conceituação
global crescimento-estagnação (verso e reverso de uma mesma moeda, como vimos) que da
Teoria da Dependência enquanto compreensão do modo de existência do capitalismo nos
países dependentes e sua superação revolucionária. Como observa Theotônio dos Santos
Júnior em seu “Dependência y cambio social” (12): “A categoria de dependência é ainda
mais indispensável para explicar as contradições concretas do nosso capitalismo, as quais se
aguçam cada vez mais na medida em que aumenta o desenvolvimento das relações
capitalistas de produção em nossa sociedades.” (pág. 137.)

124
Em Trabalho assalariado e capital (13) – conjunto de conferências pronunciadas por
Marx em dezembro de 1847 e publicadas em série na “Nova Gazeta Renana” em abril de
1849 – Marx já delineava os traços gerais da sua teoria econômica, detendo-se
especificamente nas relações entre o capital e o trabalho. O pronunciamento, como ele
anuncia no início, é uma resposta a críticas de que suas análises das lutas de classes no
estavam embasadas em análises das relações econômicas em que se sustentavam tais lutas.
Marx centra sua argumentação na demonstração de que, ao contrário do que afirmavam os
economistas burgueses, o desenvolvimento das forças produtivas não implicava melhoria de
vida dos assalariados, mas, pelo contrário, se constituía em fator histórico e progressivo de
compreensão dos salários. É esta sua conclusão geral: “Em resumo: quanto mais aumenta o
capital produtivo, tanto mais se estendem a divisão do trabalho e o emprego da máquina,
quanto mais a divisão do trabalho e o emprego do maquinismo aumentam, mais a
concorrência entre operários cresce e mais se contrai seu salário.” (In “Textos III”, op. cit.,
pág. 81.) Mais tarde, em “O Capital”, Marx vai aprofundar este conceito – fundamental em
toda sua obra – através da identificação da tendência da queda da taxa de lucro e das
condições concretas da acumulação ampliada. No Livro 1 de “O Capital”, onde estuda os
termos ideais do processo de produção capitalista, fica claro não ser estranha ao seu
conceituário geral a idéia da sub-remuneração da força de trabalho:

“Ao prolongar-se a jornada de trabalho, o preço da força de trabalho pode cair abaixo
de seu valor, embora permaneça nominalmente inalterado ou mesmo se eleve. O valor diário da
força de trabalho é calculado, conforme já vimos, pela duração média normal dessa força,ou
seja, pela duração normal da vida do trabalhador, e pela correspondente transformação normal
de substância vital em movimento, de conformidade com a natureza humana. Até certo ponto,
o desgaste da força de trabalho inseparável do prolongamento da jornada de trabalho pode ser
compensado com maior salário. Além desse ponto, o desgaste aumenta em processo
geométrica e se destroem ao mesmo tempo todas as condições normais para a reprodução e a
atividade de força de trabalho. O preço da força de trabalho e o grau de exploração desta
deixam de ser grandezas comensuráveis.” (“O Capital”, op. cit., 1, II, pág. 603/604.)

É assim, no interior de tais determinações, que Marx vai colocar a miserabilização das
massas enquanto tendência estrutural e absoluta do sistema capitalista, e não, como insistem
em fazer passar os revisionistas, como uma questão relativa, ou seja, que os salários não
cresceriam apenas na mesma proporção que a produtividade do sistema. Ainda no Livro 1,
Marx não deixa dúvidas a respeito da sua posição: “Quanto maiores a riqueza social, o
capital em função, a dimensão e energia de seu crescimento conseqüentemente a magnitude
absoluta do proletariado e da força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército

125
industrial de reserva ... E, ainda, quanto maior essa camada de lázaros da classe
trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia
oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista.” (“O Capital”,
op. cit., 1, II, pág. 747, grifo original.) Vê-se, portanto, que a formação do exército industrial
de reserva, da população de desempregados que comprime os níveis salariais, não é mero
acidente no capitalismo, fruto de crises eventuais ao final contornáveis por “retomadas de
crescimento econômico”, segundo um linguajar muito atual. Pelo contrário, para o marxismo
o crescimento gera miséria, como Marx deixa claro logo adiante:

“A lei que mantém a superpopulação relativa ao exército industrial de reserva no


nível adequado ao incremento e à energia da acumulação acorrenta o trabalhador ao
capital mais firmemente do que os grilhões de Vulcano acorrentavam Prometeu ao
Cáucaso determina uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de
capital. Acumulação de riqueza num pólo é ao mesmo tempo acumulação de miséria, de
trabalho atormentante, de escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral no
polo oposto, constituído pela classe cujo produto vira capital.” (“O Capital”, op. cit., 1, II,
pág. 749.)

É importante destacar aqui que a resposta que Marx dá à pauperização não é,


definitivamente, o assistencialismo, a reforma social que supõe a convivência com a
burguesia; a saída é a revolução socialista, encontrando-se nisso a razão pela qual o
reformismo sempre tentou descobrir um Marx “civilizado”, adepto de uma teoria adocicada
de uma pauperização “relativa”, tentativas que só obtém êxito à causa da deturpação e da
omissão das palavras de Marx

E no capítulo XIV do livro 3 de “O Capital”, onde alinha os “Fatores Contrários à Lei”


(da tendência à queda da taxa de lucro) Marx destaca – ao lado do aumento do grau de
exploração do trabalho, a baixa do preço dos elementos do capital constante, a
superpopulação relativa, o comércio exterior e o aumento do capital pela emissão de ações – a
redução dos salários. “O assunto é anunciado aqui apenas empiricamente, pois realmente,
como muitos outros que caberia aqui mencionar, nada tem com a análise geral do capital,
tratada nesta obra, enquadrando-se no domínio da concorrência. Entretanto, é um dos
fatores mais importantes que detêm a tendência à queda da taxa de lucro.” (“O Capital”, op.
cit., Livro 3, volume IV, pág. 270.) Sendo, como vimos, a tendência à queda da taxa de lucro
um fator estrutural do capitalismo, o lugar da redução do salário como um contratendência das
“mais importantes” não pode ser relegada a uma hipotética função apenas circunstancial.
Além disso, quando Marx fala de salário, em toda a obra, ele está falando de salário real.

126
Poderíamos citar outras passagens igualmente claras e enfáticas de Marx a respeito da
superexploração e da pauperização. Mas fiquemos por aqui; por ora, cabe afirmar que o que
fez a Teoria da Dependência foi exatamente, em Marx, identificar a concretização dos
conceitos formulados na era do capitalismo financeiro, o imperialismo, conforme
conceituação de Lênin, especificamente no que diz respeito à América Latina.

Outra crítica à Teoria da Dependência, que se pretende mais geral, metodológica, é de


que ela padeceria de um caráter “circulacionista” em oposição ao lugar prioritário que Marx
teria atribuído, segundo tal crítica, à produção na configuração geral do sistema capitalista.
Trata-se de uma falsa dicotomia, no interior de uma falsa questão. E é Marx quem o afirma.
No capítulo I do Livro 3, Marx conceitua seu campo de estudo logo no primeiro parágrado:

“No Livro Primeiro investigamos os fenômenos do processo de produção capitalista considerado


apenas como processo imediato de produção, quando abstraímos de todos os efeitos induzidos por circunstâncias
a ele estranhas. Mas o processo imediato de produção não abrange a vida toda do capital. Completa-o o processo
de circulação, que constituiu o objeto de estudo do livro segundo. Aí – sobretudo na parte terceira, onde
estudamos o processo de circulação como agente mediador do processo social de reprodução – evidenciou-se
que o processo de produção capitalista, observando na totalidade, é unidade constituída por processo de
produção e processo de circulação.” (“O Capital”, op. cit., 3, IV, pág. 29.)

Uma leitura apressada e superficial deste trecho poderia até mesmo deduzir por um
Marx circulacionista, já que ele utiliza o conceito circulação em sentido amplo para
concretizar a razão de ser do capital, ou seja, poduzir lucro. No entanto, tal leitura não se
sustentaria dado que, como se vê, a circulação capitalista só existe enquanto tal na medida
em que se refere a mercadorias fabricadas através de um modo de produção capitalista, ou
seja, criadas com a interferência do trabalho assalariado e, portanto, portadoras de mais-valia,
condição sine qua non para se falar em reprodução ampliada, mecanismo próprio do
capitalismo industrial na concepção marxista. Para Marx, a compra e venda da força de
trabalho, embora pertencente à esfera da circulação, é que vai iniciar o processo de produção e
dar a este seu caráter específico, ressaltando, contudo, que o ato inicial de compra e venda da
força de trabalho se fundamenta exatamente na dissociação entre a força de trabalho como
mercadoria do trabalhador e os meios de produção como propriedade do não-trabalhador,
configurando esta relação um dado objetivo do desenvolvimento das forças produtivas e das
relações de produção capitalistas. Vamos encerrar as transcrições de “O Capital” a respeito da
questão produção-circular com uma citação de um curto trecho do Livro 3, na qual Marx
esclarece as próprias condições de produção da mais-valia: “O capital em sua marcha

127
completa é unidade do processo de produção e do de circulação, proporcionando por isso
determinada mais-valia em período dado.” (Op. cit., 3, V, pág. 451.) Destaque-se o conceito
de período dado como referente, em Marx, à reprodução cíclica e ampliada como dinâmica
essencial do sistema capitalista.

Outra crítica pouco rigorosa que tem sido feita à Teoria da Dependência é a que
pretende identificá-la como expressão do pensamento de Rosa Luxemburgo a respeito da
acumulação capitalista. Este pensamento, desenvolvido em sua obra “A acumulação do
capital” (14), surge em contraposição à empreitada revisionista da virada do século
direcionada para a desqualificação do marxismo, assumindo formas veladas em alguns casos e
totalmente escancaradas em outros, mas dominada em ambos os casos pela tentativa de
“limpar” o capitalismo de suas contradições antagônicas e transformá-lo por passe de mágica
na antevéspera do paraíso terrestre, cabendo à atividade política não mais que uma
arrumaçãozinha aqui, outra ali, um empurrãozinho cá, outro lá; enfim, o reformismo. É contra
a economia política desta corrente, pois, que se volta Rosa Luxemburgo. E é neste sentido que
sua obra assume tal importância para o marxismo que desautoriza a que alguém que se
considere marxista julgue suficiente descartá-la com a simples alusão de que se trataria de
posições “cujas deficiências teóricas são bastante conhecidas”, como o fazem Cardoso e
Brignoli em “Os métodos da História”. (op. cit., pág. 92.)

Não empreenderemos aqui uma análise mais detalhada da “Acumulação do capital”,


mas consideremos que seu conceito-chave, ou melhor, o conceito-chave de suas conclusões é
o de que o capitalismo não sobreviveria sem a existência de um conjunto de camadas e países
não capitalistas capazes de realizar a mais-valia e reproduzir, assim, a acumulação. Diz Rosa:
“Desse modo, os sábios encontram-se numa alternativa que não podem iludir. Ou a produção
capitalista e o mercado de seus produtos são idênticos, como deduzem os esquemas
marxistas, e nesse caso desfazem a teoria marxista das crises, a fundamentação marxista do
socialismo e a explicação histórica materialista do imperialismo, ou o capital só pode
acumular na medida em que haja consumidores além dos capitalistas e trabalhadores
assalariados, e , no caso, é inevitável, como condição da acumulação, que os produtos
capitalistas achem um mercado crescente em camadas e países não-capitalistas.”
(“Acumulação ...”, op. cit., pág. 447.) Esta é a posição de Rosa para a questão do mercado. A
Teoria da Dependência vê a questão de um modo diferente.

128
Como fica evidente em trechos já transcritos neste trabalho, especificamente nas
formulações de Ruy Mauro Marini, a Teoria da Dependência não dissocia mercado de
produção. A Teria da Dependência fala da internacionalização da produção, inclusive. Para a
Teoria da Dependência o mercado fundamental do sistema capitalista mundial é composto
pelo grosso da população dos países de centro mais as camadas privilegiadas constituídas pela
burguesia e classes médias altas dos países periféricos, expressando, insistimos, a própria
internacionalização da produção; daí, o conceito de subimperialismo formulado por Marini.
Repetimos que a palavra dependência não é propriedade de ninguém, a exemplo do que
ocorre com a expressão socialismo; o que não autoriza ninguém a identificar Owen, Saint-
Simon e Fourier, por exemplo, com Marx e Engels.

Em seu ensaio “La Teoria de la dependencia y el desarollo latinoamericano” (15),


Jaime Osório Urbina faz uma análise crítica do desenvolvimento e evolução da teoria do
desenvolvimento no continente, identificando correntes, divergências e posicionamentos até
antagônicos, como no caso de F. H. Cardoso, que, segundo o autor, desemboca em posições
nítidas e abertamente reformistas com o texto “Las desventuras de la dialéctica de la
dependencia”, que assina em conjunto com o ex-canditado à presidência José Serra. Para
Urbina, além das contribuições de Theotônio dos Santos Júnior, Vânia Bambirra, Gunder
Frank, Vasconi e outros à compreensão do subdesenvolvimento e dependência da AL, é
“...Ruy Mauro Marini que formulará as bases da economia política da dependência,
marcando com seu livro Dialéctica da Dependência o corte no processo de transição de uma
categoria que, surgida em um campo teórico distante do marxismo, assume um estatuto
teórico marxista. (“La teoria...”, op. cit., pág. 51, grifo original, tradução nossa do espanhol.)

Damos aqui por encerradas nossas considerações sobre a Teoria da Dependência.


Gostaríamos, contudo, de acrescentar uma transcrição a título de referência à sua atualidade
estrutural. Trata-se de um trecho da entrevista concedida por Francis Fukuyama – aquele
mesmo, o que decretou o fim da história – ao “Jornal do Brasil”, publicada na edição de
24/2/91, pág. 13. Que se descontem, obviamente, o descompasso mental, a grave dificuldade
em mensurar grandezas e a estreiteza afoita que marcam o pensamento desta nova diva do
imperialismo da pós-modernidade; fiquemos, somente, no antagonismo ideológico frente à
Teoria da Dependência que suas palavras deixam escapar. Diz Fukuyama: “A questão
econômica só agora está sendo encarada e o país (Brasil) parece estar finalmente
abandonando a teoria da dependência que, apesar de ser uma criação conceitual da

129
esquerda, guiou por anos a prática econômica da direita. A teoria foi uma coisa
essencialmente brasileira e por anos impediu que se pensasse claramente o planejamento
econômico do país.”

4. Uma revolução já socialista

De posse, portanto, de todo um ideário de análise dando conta de uma realidade


capitalista, tal como especificamente desenvolvida historicamente no interior da própria
sociedade, a Polop propõe a revolução socialista, uma concepção que, evidentemente é
dialeticamente informadora de novos aprofundamentos e desdobramentos analíticos. No
subtítulo “Por um Brasil socialista”, no item “1. O socialismo o Brasil”, o “Programa
Socialista para o Brasil” expõe a tese de que “A superação definitiva do estado de miséria e
opressão a que está relegada a gritante maioria do povo brasileiro só pode conduzir à
construção do socialismo no Brasil.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 103.) Feita a formulação,
o “Programa” vai afirmar a seguir no item 2 que “socialismo e revolução são inseparáveis”,
significando esta “ que o poder passa de uma classe para outra. Quando o proletariado toma
o poder, trata-se de uma revolução socialista, pois o proletariado no poder não pode fazer
outra coisa do que instaurar o regime socialista.” (Pág. 105.) No item seguinte “3. O
caminho passa pela ditadura do proletariado”, o “Programa” vai fazer presentes os conceitos
essenciais do marxismo a respeito do conteúdo do poder proletário, destacando que os
trabalhadores não puderam contentar-se com o simples assumir o Estado burguês, mas, como
enfatizara Marx, se fará necessário destruir este Estado Burguês, suas instâncias políticas e
administrativas, e contruir em seu lugar o estado proletário configurado na ditadura do
proletariado.

Esta proposta foi igualmente alvo de críticas segundo as quais ela não mais que
expressariam o tal caráter “teoricista” das teses polopeanas. É preciso, sustentavam aqueles
críticos, dar repostas concretas; e as “respostas concretas” da maioria deles, como é de se
esperar, não passavam de receitas democráticas reformistas de aliança de classe com a
burguesia. Antes de mais nada deve-se destacar que a proposta da ditadura do proletariado
nada tem de teoricista, mas, pelo contrário, constitui-se mesmo no eixo central da teoria
política do marxismo, como ficou explícito na célebre “Carta a Weidemeyer”, de Marx.
Agora, instalar esta ditadura com toda uma estrutura de poder nacional, regional e local, com

130
tudo que isso implica, não é de fato obra de um dia; vai depender da conjunção de fatores
objetivos e subjetivos, principalmente da maturação deste últimos, que só pode ser pensada no
interior da dinâmica das lutas de classe. Pode ocorrer que a crise da sociedade burguesa, em
todos os níveis, tenha atingido um estágio de desagregação do Estado burguês em que fica
obviamente colocada na ordem do dia a instalação do poder operário, sem, contudo, haver
ainda o proletariado desenvolvido na dinâmica de suas lutas organismos próprios e
permanentes de exercício da sua ditadura, de seu governo estável que aplainará o caminho à
sociedade sem classes. É nesse momento que se coloca a necessidade de um governo
provisório cujo conteúdo, programa e métodos de ação radicalizem as lutas em direção à
ditadura do proletariado. Que fique absolutamente claro: isto nada tem a ver com a proposta
trotsquista do “governo de transição”, fase estratégica pela qual passaria a revolução socialista
em todo o mundo na lógica delirante de uma “revolução permanente” no interior de uma
catastrofista “crise final do capitalismo” – tudo isso em campo antagônico à essência da teoria
marxista da história.

E a proposta da Polop para esses casos de impossibilidade imediata de instalação da


ditadura do proletariado como estado estruturado é a da formação do “Governo
Revolucionário dos Trabalhadores”, assim definido no “Programa”, já considerada a
consolidação da ditadura militar, em 1967: “Embora as circunstâncias que temos em frente
não permitam previsões de detalhes sobre a formação do governo de transição de caráter
revolucionário que pode preceder e levar à ditadura do proletariado, o conteúdo de classe de
tais governos provisórios deve ser definido desde já, para distingui-los claramente de todas
as tentativas de atrair o apoio dos trabalhadores para governos reformistas e populistas,
destinados justamente a evitar a revolução socialista.” (In “Imagens...”, op. cit., pág. 110,
grifo nosso)

Em janeiro de 1964, a Polop apresentou esta proposta como alternativa concreta à


proposta de João Goulart, formalizada em texto elaborado por San Thiago Dantas, de
formação de uma frente ampla de apoio às reformas, vista pela organização como uma
tentativa de Jango de organizar bases para o seu próprio golpe bonapartista, no qual lhe seria
fácil depois desvencilhar-se dos aliados de véspera. A resposta, então, da Polop foi a seguinte:
“Se a esquerda pretende de fato mobilizar as massas terá de apontar-lhes, sem
outra alternativa, a tomada do poder. Terá de dizer-lhes: os problemas de custo de vida,
das reformas de estrutura, da luta antiimperialista só poderão ser resolvidos pelas

131
próprias massas, através de um governo que as represente, de um GOVERNO
REVOLUCIONÁRIO DOS TRABALHADORES DA CIDADE E DO CAMPO. Que
seria um tal governo? Seria simplesmente o Governo apoiado pelas massas, através de
seus organismos representativos (sindicatos operários e rurais, ligas camponesas,
associações estudantis e profissionais, comandos de sargentos, cabos e soldados), capaz
de expropriar os latifúndios, confiscar as propriedades imperialistas, encampar os
setores econômicos monopolísticos ou cartelizados, dar direito de voto às grandes
massas, denunciar tratados internacionais lesivos ao país, nacionalizar o sistema
bancário, promover a política de pleno emprego. (“Jornal “Política Operária”, n. 9 (16),
22/28 de janeiro de 1964, pág. 4, maiúsculas originais.)

A percepção da possibilidade estrutural da revolução socialista em um país


subdesenvolvido, a Polop a terá encontrado na consideração geral de Marx/Engels a respeito
da universalidade do capitalismo, visto enquanto dinâmica dialética, desigual, e não etapista
como queria, e quer, o revisionismo, como afirmam no A Ideologia Alemã. O método da
Polop não era, pois, estalinista, nem maoista, nem fidelista, nem trotsquista: era marxista.
Mas na citação acima não se poderia entrever a tese da “revolução permanente” trotsquista?
Não poderia isso ter contribuído para que a Polop, caracterizadamente anti-reformista e anti-
estalinista, tivesse sido rotulada em várias oportunidades de uma organização trotsquista?
Não. A Polop jamais foi ou esteve sequer próxima do trotsquismo. Vejamos por quê.

Em primeiro lugar, deve-se registrar que a expressão “revolução permanente” não é da


lavra de Trotsky, mas de Marx e Engels, que a empregam no fecho do texto “Mensagem do
Comitê Central à Liga dos Comunistas”, de março de 1850 (como se sabe, Trotsky nasceu em
1879), em que é analisada a atuação do nascente proletariado alemão nos processos
revolucionários de 1848/49 e fixada uma estratégia geral para o movimento operário no
período seguinte, período que, segundo Marx e Engels, seria hegemonizado ideologicamente
pela democracia. Afirma o texto:

“Mas a máxima contribuição para a vitória final será feita pelos próprios
operários alemães, tomando consciência dos seus interesses de classe, ocupando o quanto
antes uma posição independente de partido e impedindo que as frases hipócritas dos
democratas pequenos-burgueses os afastem por um instante sequer da tarefa de
organizar com toda independência o partido do proletariado. Seu grito de guerra há de
ser : a revolução permanente.” (In “Textos III, op. cit., pág. 92.)

132
Como se vê, Marx e Engels falam de uma revolução permanente em um momento em
que o movimento operário vem de uma derrota, destacando a necessidade da formação de um
partido próprio e preservação dos interesses específicos e históricos dos trabalhadores no
novo patamar estratégico para a luta operária colocado na cena histórica pela revolução de
1848/49, e não sugerindo como uma carreira desabalada em direção ao poder, em uma
absurdamente hipotética conjuntura revolucionária “permanente”, como é figurada na
interpretação trotsquista. E é exatamente esta interpretação, repetimos, que – desprezando
conceitos essenciais à metodologia marxista, tais como crise cíclica, análise concreta da
situação concreta, interação entre fatores objetivos e subjetivos e outros aos quais igualmente
já nos referimos neste trabalho – fará o trotsquismo incorporar uma metodologia catastrofista-
voluntarista em que todos os sucessos e insucessos do proletariado e da revolução vão-se
restringir ao âmbito da ação da vanguarda dirigente. Até mesmo a crítica à burocratização –
fenômeno, de resto, identificado já em suas primeiras manifestações por Lênin – é igualmente
obscurecida pela formulação de um diluído conceito de “casta”, que Trotsky julgou ver surgir
no partido e estado soviéticos, numa simplificação de fenômenos pertinentes à configuração
econômico-social de uma nova estratificação social desencadeada pela particularidade do
processo de construção do socialismo na URSS.

Mas é preciso ressaltar: a nenhum posicionamento que se pretenda marxista e


revolucionário pode ser concedido o direito de minimizar a contribuição – decisiva – de
Trotsky à revolução soviética e ao proletariado mundial, ao mesmo tempo indelével e imune
às ridículas iniciativas de apagar seu nome e fotos da documentação oficial da revolução
soviética, expediente de bandidagem política que tipificou uma das facetas do estalinismo.
Uma daquelas contribuições, das mais importantes, está no fato de haver Trotsky, desde o
início de sua militância, definido na teoria e na prática (recordem-se sua presença e liderança
na criação dos sovietes já na revolução de 1905) a proposta de uma revolução socialista para a
Rússia, então contrária, portanto, à posição dos bolcheviques – Lênin incluído – que propunha
uma revolução democrático-burguesa em seu conteúdo geral. É profundamente lamentável
que esta contribuição tenha sido minimizada pelo próprio movimento trotsquista, que,
coerente com sua ideologia geral vanguardista-aparelhista, parece ter achado mais
conveniente não divulgar com peso e significado devidos a divergência Trotsky x Lênin
anterior a abril de 1917, já que isto certamente desmistificaria a hipotética identidade absoluta
entre Lênin e Trotsky reinvidicada pelos trotsquistas – autoconsiderados únicos e fiéis

133
herdeiros de Lênin – e usada como principal arma nos embates no interior do partido
bolchevique e, posteriormente, da esquerda em todo o mundo.

5. Estratégia: revolução

Estabelecido o caráter programático da revolução como socialista, assume


principalidade a definição estratégica da forma pela qual o proletariado tomará o poder para
erguer seu estado e construir o socialismo. Nos dias de hoje, a questão vem sendo discutida
em torno do par guerra de posição x guerra de movimento, terminologia desencavada de
Gramsci; anteriormente o debate se deu, com mais propriedade e profundidade, a partir da
opção reforma ou revolução. Admitida, pois, a opção revolucionária, torna-se necessário fixar
a forma concreta que assumirá a luta. Para a Polop, o ato de tomada de poder é a insurreição
proletária urbana. Para reconstituir a trajetória da maturação desta formulação será útil referir-
se ao episódio que ficou conhecido na literatura da esquerda como “Foco de Copacabana”,
tentativa, morta em seu nascedouro, da Polop de montar um foco guerrilheiro logo após o
golpe de abril de 1964. Com a denominação pejorativa, parte da esquerda reformista ou
mesmo vanguardista procurava se desvencilhar e “vingar-se” das críticas da Polop às suas
proposições – um comportamento que, se não exatamente novo, jamais conseguiu disfarçar
sua imaturidade. “O foco pretendia articular forças dispersas pelo golpe, constituir-se em
uma voz nacional de crítica e resistência. Uma das idéias era montar uma rádio. Não era
uma loucura, não era intelectualismo, não era uma brincadeira de Zona Sul como uma
crítica irresponsável pretende vê-lo.”, informa e avalia Emir Sader, militante da Polop à
época, no depoimento citado.

A tarefa de coordenação geral da montagem e instalação do foco foi confiada a Ruy


Mauro Marini. Vejamos alguns trechos de seu depoimento a respeito:

“Nossa concepção estratégica geral era a de que a revolução seria violenta, com a
tomada do poder concretizada por uma insurreição proletária urbana. A base do poder
armado seria constituída pelas camadas inferiores das forças armadas burguesas,
fracionadas horizontalmente no quadro de aguçarnento da crise institucional. Assim, todo o
nosso trabalho na área militar se concentrou na formação de núcleos revolucionários nas
FFAA, baseado nas mesmas normas gerais de qualquer trabalho de classe fundamentado nos

134
objetivos de conscientizar e organizar em cima das reivindicações imediatas, com a
especificidade de que se tratava de trabalhadores armados. O resultado mais significativo foi
a liderança político-ideológica na Associação dos Marinheiros do Rio de Janeiro, onde
tínhamos trabalho efetivo desde 1963 e em cujas assembléias e reuniões no início de 1964 em
diante o jornal “Política Operária” era amplamente distribuído e discutido. Tínhamos
presença também no movimento de sargentos do Exército, ao lado de outras tendências, onde
o trabalho era concentrado junto a sargentos e sub-oficiais, já que soldados e cabos eram
provisórios na Arma, lá permanecendo no máximo dois anos, ao contrário da Marinha onde
os marinheiros e fuzileiros eram profissionais com engajamento médio de 10 a 15 anos. Até o
golpe, éramos contra o foco guerrilheiro. Com o golpe, o assumimos teórica e praticamente
como propagandístico e catalisador: a idéia era erguer uma bandeira capaz de reagrupar
forças do movimento operário em dispersão e catalisar o descontentamento com o golpe,
inclusive no interior das FFAA para depois fracioná-las horizontalmente, mantida, portanto,
a estratégia geral da insurreição. O local escolhido para a instalação do foco foi a Serra do
Caparaó, praticamente equidistante dos maiores centros industriais do país: Rio; São Paulo
e Belo Horizonte. Fizemos levantamentos e estudos (utilizados no ano seguinte em outra
tentativa, da qual não participamos, de instalação de foco no mesmo local por outras
tendências onde se incluíam brizolistas) e criamos uma espécie de comando geral, para o
qual trouxemos alguns militantes de Minas, entre os quais Beto, Arnaldo e Galeno. A direção
da Associação dos Marinheiros, já clandestina, estava na Polop. Éramos trinta e poucas
pessoas no esquema e já tínhamos estocada uma boa quantidade de armas leves de combate.
Os quadros clandestinos estavam alojados em três apartamentos em Copacabana, rede
montada pela militante Nazareth Rocha, que trabalhava em uma imobiliária. A queda
ocorreu em decorrência de uma infiltração do Cenimar no trabalho na Marinha. Eu caí em
um apartamento na rua Bulhões de Carvalho onde morava Luís Oscar, vice-presidente da
UNE e militante da organização, em julho de 1964.” (Dep. Cit.)

O “Programa Socialista para o Brasil” (PSPB) vai formalizar e sintetizar em 1967 as


relações entre a insurreição e o foco. Está no PSPB: “A revolução no Brasil será proletária ou
deixará de ser revolução, e isso implica a necessidade da insurreição operária como ato de
tomada do poder. O papel que o proletariado tem nesse processo, sua mobilização e
liderança na luta e coordenação com seus aliados no campo, por sua vez, dá importância
primordial à organização política do proletariado – o partido – como instrumento da tomada
do poder.” (In “Imagens ... “, op. cit., pág. 115.) A seguir, e já levando em conta as novas

135
condições de luta impostas pela consolidação da ditadura militar, é definido o lugar do foco
guerrilheiro nesta estratégia como catalisador de um potencial revolucionário local para um
movimento em escala nacional. ( Cf. pág. 115.) A ênfase de ser dada ao pressuposto da
existência de um potencial revolucionário no local da instalação do foco, o que distancia a
concepção polopeana de foco da visão voluntarista de que caberia a um punhado de
revolucionários possam ‘criar’ através de seu exemplo de luta armada direta as lutas concretas
de classe a partir do nada, como pretendia a proposição debreísta. O “Programa” explicita,
portanto, que a guerrilha só poderá desempenhar seu papel essencial, o de desgastar o Estado
e o aparelho repressivo da burguesia política, econômica e militarmente, se desencadeada em
momento e condições em que sua ação possa acelerar o surgimento de situações
revolucionárias. (Cf. pág. 116.)

Em “Luta armada e luta de classes” (17), Ernesto Martins (Eric Sachs) aprofunda a
discussão em torno do foco centrando-se na crítica ao livro de Debray “Revolução na
revolução”. O texto de Sachs é do final de 1967 e foi publicado no início de 1968 na revista
“Marxismo Militante”, outra publicação da Polop, em seu número 1. Sachs divide o livro de
Debray em duas partes, a primeira tratando das particularidades da luta de guerrilha na
América Latina e a segunda dedicando-se à abordagem do papel político da guerrilha na luta
de classe; antecipando um balanço de sua crítica a Debray, Sachs considera positiva a
primeira parte do livro, especificamente no que diz respeito à distinção do caráter da luta no
campo na América Latina e as guerras travadas na Ásia, com China e Vietname tomados
como exemplos. Já na segunda parte, diz Sachs, Debray não é tão bem sucedido, centrada a
crítica no fato de haver o ex-revolucionário francês ter operado, ele próprio, uma observação
acrítica do processo cubano e, por conseqüência de uma abordagem superficial e deformada,
passado a apresentar a experiência da revolução cubana como modelo teórico. Factualmente,
segundo Sachs, a fragilidade da apreciação debreísta se expõe na virtual desconsideração do
papel da greve geral de dezembro de 1958 e da insurreição na tomada do poder, simbolizando
uma metodologia que relegou o movimento de massas a mero papel secundário e auxiliar. A
conclusão geral é de que este espontaneísmo dificilmente poderia reverter em novas vitórias
do proletariado no continente. Afirma Sachs: “A experiência viva da luta de guerrilhas no
Continente nos mostra que ela pode vencer no papel de catalisador de uma situação
revolucionária. Nesse sentido, acelera e reforça tendências objetivamente existentes. E isso
permite concluir que a guerrilha não poderá preencher esse papel em fases de expansão
econômica, numa conjuntura de prosperidade. Embora a situação oposta, a do declínio das

136
atividades econômicas, por si só, ainda não crie mecanicamente uma situação
revolucionária, ela é a única indicada para que o ‘foco insurreicional’ possa criar as
condições para uma revolução, como predisse Guevara.” (“Luta armada ...”, doc. cit.,
pág.10.)

Em outubro de 1968, a Polop publica o folheto de Raul Villa (Eder Sader) “A guerra
revolucionária no Brasil e os ensinamentos de Mao” (18), uma análise crítica do maoísmo no
país e da sua proposta de guerra popular. Assim Sader sintetiza o pensamento da Polop sobre
a questão da luta armada:
“A questão parece ter uma resposta óbvia e evidente: a posição nas lutas de classe
determina a política de um partido, que implica também numa posição diante da luta
armada (seja esta uma realidade ou ainda uma potencialidade). Mas essa continuidade
se desfez na consciência de muitos comunistas. A concepção vazia de‘luta armada’, vazia
em seu conteúdo social e político, é produto de um estágio de desenvolvimento de uma
luta ideológica contra o reformismo. Uma autocrítica pela metade produziu metade
apenas de uma estratégia revolucionária, uma estratégia aleijada.” (Pág. 10.)

Vistas, assim, concepções gerais e específicas da Polop a respeito da luta armada,


voltemos à pergunta: reforma ou revolução?, agora na identificação da resposta que a ela
deram os fundadores e clássicos do marxismo-leninismo de forma explícita, tomando como já
demonstrado na discussão sobre método ser própria da ortodoxia marxista a concepção de um
desenvolvimento materialista dialético da história, isto é, que as sociedades se transformam
através de rupturas qualitativas. Comecemos por Marx e Engels.

No prefácio à edição alemã de 1872 do “Manifesto do Partido Comunista”, os


fundadores do socialismo científico (será que a esta altura deste trabalho poderíamos utilizar
esta expressão sem receio de sermos tachados de positivistas?) reiteram a atualidade do
documento, ressalvando porém que o desenvolvimento das lutas de classes impunha alguns
retoques, principalmente nas medidas propostas em 1848 enquanto programa mínimo listadas
no segundo capítulo, que refletiam ainda uma concepção não amadurecida da configuração de
um poder proletário. Diz o texto:

“Este trecho, atualmente, seria redigido de outro modo, em mais de um aspecto.


Tendo em vista o desenvolvimento colossal da grande indústria nestes últimos vinte e
cinco anos, e os progressos correspondentes na organização da classe operária em

137
partido, tendo em vista a experiência, primeiro da Revolução de Fevereiro e depois,
sobretudo, da Comuna de Paris, que pela primeira vez permitiu ao proletariado, durante
dois meses, a posse do poder político, este programa está agora envelhecido em alguns
pontos. A Comuna demonstrou principalmente que ‘não basta que a classe operária se
apodere da máquina do Estado existente para fazê-la servir a seus próprios fins’ (ver Der
Burgerkrieg en Frankreich, adresse des Generalrats der Internationalen
Arbeiterassoziation, pág. 19 da edição alemã, onde esta idéia é mais longamente
desenvolvida).” (In “Textos III, op. cit., págs. 13/14.)

Na obra citada, A guerra civil na França, Marx atribui a derrota da Comuna a não se
ter conseguido levar a cabo a destruição do estado burguês, o que, segundo as lições que tirou,
deixava evidente a inviabilidade de estratégias limitadas à simples apropriação do Estado
existente (estrutura política, forças armadas, administração, finanças etc.) Mesmo antes da
Comuna, analisando a experiência da revolução alemã de 1848/49, Marx e Engels já haviam
identificado a que ideologia correspondia a postulação reformista de preservação das
instituições do estado burguês:

“Longe de desejar a transformação de toda a sociedade em benefício dos


proletários revolucionários, a pequena burguesia democrata tende a uma mudança na
ordem social que possa tomar a sua vida, na sociedade atual, mais cômoda e
confortável.... Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de abolí-la;
não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata
de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova,” (“Mensagem do
Comitê Central à Liga dos Comunistas”, in “Textos III”, op. cit., págs, 86/87.)

E a seguir, após recomendarem não deverem os operários opor-se aos atos de violência
popular contra “indivíduos odiados ou edifícios públicos”, mas assumir a direção destes atos,
Marx e Engels propõem a constituição, ao lado dos novos governos oficiais, governos
operários revolucionários na forma de comitês representativos da massa como referência
ideológica para os trabalhadores e órgãos de fiscalização e pressão ao poder constituído.
(Desnecessário dizer que isto nada tem a ver com o “gabinete fantasma” inglês nem, muito
menos, com o “governo paralelo” do PT em meados dos ano 80.) Esta recomendação é feita a
partir da previsão de um aguçamento das disputas entre a pequena burguesia e o bloco
formado pela grande propriedade rural e o capital industrial em expansão, que empolgara o
poder. E a grande preocupação de Marx e Engels era a de preservar os interesses próprios dos
trabalhadores nas frentes eventuais com a pequena burguesia geradas objetivamente pela
dinâmica das lutas de classes. Marx e Engels se referiam, é certo, à pequena burguesia
proprietária, mas seu caráter de classe intermediária é comum a todas as suas formas de
existência social enquanto tal e se expressa na ideologia da conciliação de classes;
politicamente, isto vai significar uma vocação para o democratismo reformista. E para

138
garantir o poder de pressão do proletariado em defesa de seus interesses contra o poder da
democracia, Marx e Engels propõem o recurso às armas: “Mas para opor-se enérgica e
ameaçadoramente a este partido, cuja traição aos operários começará desde os primeiros
momentos da vitória, estes devem estar armados e organizados. Dever-se-á armar,
imediatamente, todo o proletariado, com fuzis, carabinas, canhões e munições. ... A nenhum
pretexto entregarão suas armas e munições; toda tentativa de desarmamento será rejeitada,
caso necessário, pela força das armas.” (“Mensagem in “Textos III”, op. cit., pág. 89.)

Pode-se afirmar, com toda certeza, que a história deste século vinte seria outra se o
estalinismo não instruísse os partidos comunistas, principalmente os da França e Itália, a
entregarem pacífica e obedientemente aos governos democráticos instituídos ao final da
Segunda Guerra as armas usadas na resistência ao nazismo. Em uma carta a Kugelmann, de
12 de abril de 1871, durante a Comuna, portanto, Marx se posiciona concretamente diante da
oposição reforma ou revolução; diz uma passagem da carta: “Se você atentar, para o último
capítulo do meu Dezoito Brumário, verá que exponho como próxima tentativa da revolução
francesa não apenas trocar de mãos a máquina burocrático-militar, mas demoli-la –
(sublinhado por Marx; no original: zerbrechen – nota de Lênin) – e esta é justamente a
condição prévia de toda verdadeira revolução popular no continente. Nisto, precisamente,
consiste a tentativa de nossos heróicos camaradas de Paris.” (Citado por Lênin em “O
Estado e a revolução” (19), pág. 36.)

É preciso ficar claro, no entanto, que Marx e o marxismo não fecham os olhos para o
estado burguês e suas instituições. O que está em jogo, contudo, são o lugar e a função dessas
instituições nas lutas de classes. Trata-se de uma discussão que, de certa forma, vai expressar
no campo da prática revolucionária as divergências em torno da questão reforma x revolução.
Discussão antiga no movimento comunista internacional, dividiu alas e facções no próprio
interior da IC na época de Lênin, quando se concluiu pelo uso tático do parlamento como um
dos instrumentos da luta do proletariado, não sem a configuração de divergências
significativas, como as posições de Amadeo Bordiga, que liderava uma corrente para a qual
nem a tal uso o parlamento burguês se prestava, constituindo-se estruturalmente, sempre, em
fator de atraso e diluição da luta dos trabalhadores e seus interesses; não se trata de
aprofundar tala discussão aqui, mas, de todo modo, acreditamos ser ela atual e urgente.
Fiquemos no campo maior de coesão do marxismo-leninismo, registrando, para o que nos
interessa neste trabalho, que é só com o estalinismo que surge a proposição política de um

139
papel estratégico do parlamento burguês, descartadas, é claro, a teoria clássica do
revisionismo bernsteineano e algumas passagens dos textos de Gramsci. Acreditamos ter
deixado clara a visão geral de Marx sobre o problema, consideradas as bases filosóficas e
históricas do seu pensamento a que vimos nos referindo. Caberia contudo, creio, acrescentar
um faceta específica do comportamento burguês e pequeno-burguês no parlamento
democrático: o “cretinismo parlamentar”, como o denomina Marx no O Dezoito Brumário de
Luís Bonaparte.(20) (Págs. 96/97, com grifo original.)

Outro aspecto referente à prática política que pode revestir a polêmica reforma x
revolução encontra-se no antagonismo entre os conceitos de violência revolucionária e
transição pacífica. Uma discussão materialista da questão irá, por certo, buscar as raízes
históricas, concretas, dos processos de lutas de classes para postular uma opção condizente
com o próprio método de onde se partiu para a análise da sociedade e sua transformação. É,
pois, ancorado em tais considerações metodológicas que Engels vai jogar por terra as
elucubrações idealistas a respeito da violência, despindo-a, já em 1878, quando publica seu
“Anti-Duhring” (21), de um hipotético caráter ligado à “essência do homem” em que busca se
sustentar, entre outras, a sub-filosofia nietzscheana tão em voga nos dias de hoje. Afirma
Engels:
“Para o Sr. Duhring, a violência é a maldade absoluta. O primeiro ato de força é,
em sua bíblia, o pecado original, reduzindo-se todo o seu arrazoado a um sermão
jeremíaco sobre o contágio do pecado original em todos os fatos históricos, e sobre a
infame deturpação de todas as leis naturais e sociais por esse poder satânico, que é a
força. Sabemos nós que a violência desempenha também um papel revolucionário;
sabemos que ela é também, para usar uma expressão de Marx, a parteira de toda a
sociedade antiga que traz em suas entranhas uma nova; que ela é um instrumento por
meio do qual se efetiva adinâmica social, fazendo saltar aos pedaços as formas políticas
fossilizadas e mortas.” (In “Textos II”, pág. 161.)

Temos, pois, que a violência não resulta de mera ação de homens maus sobre
sociedades compostas por homens essencialmente bons (como figurava Duhring) ou
expressão de um fantasmagórico espírito belicista que configuraria a casta dos super-homens
destinados a dominarem o mundo e portadores, enquanto cruéis e violentos, da suprema
pureza ética da melhor essência humana – como quis fazer passar o sr. Nietzsche.
Metodologicamente, Rousseau e Duhring, de um lado, e Hitler e Nietzsche, de outro,

140
compõem nada mais que verso e reverso da medalha da suposição de essências e espíritos
absolutos; eticamente, esclareça-se, os dois pares se opõem antagonicamente.

Para o marxismo, poranto, a violência é considerada, na era da revolução proletária,


um instrumento da libertação de uma classe que tem em mãos a possibilidade histórica de
desencadear um processo de extinção de todas as classes e, por extensão, da própria violência
social. É neste sentido que o marxismo é um humanismo libertário enquanto projeto ético em
articulação com a marxista da historicidade das próprias idéias e ideais. E não estamos,
novamente, diante de uma “pescaria” de texto isolado, como o revisionismo vem fazendo há
um século, a partir da publicação por Bernstein do seu "As premissas do socialismo e as
tarefas da social democracia" (22), cujo peixe mais graúdo, que hoje volta a ser exibido com
muito orgulho, é a "Introdução de Engels ao 'As lutas de classes na França de 1848 a 1850'
(de Marx)" (23). Este texto, segundo os revisionistas, seria a prova de que o marxismo abrira
mão da ruptura em favor da transformação processual e pacífica. O próprio Bernstein se
empanturrou de citar passagens dele em seu 'Premíssas...".
Mas de que trata o texto de Engels? Partindo da constatação da ampliação da
capacidade repressiva das classes dominantes – em função, fundamentalmente, da sofisticação
dos recursos bélicos postos à disposição da burguesia e do desenvolvimento urbano que, do
seu ponto de vista, passou a inviabilizar o erguimento de barricadas e, em conseqüência,
dificultar ações insurrecionais de massa –, Engels faz uma longa consideração em torno da
"necessidade da utilização dos meios legais de luta” como preparação da revolução. O que ele
defende é uma acumulação tática de forças, mas em momento algum abre mão da visão da
revolução como ato – e esta é uma questão decisiva. Vamos transcrever uma passagem do
texto geralmente deixada de lado nas alusões dos revisionistas: "Manter incessantemente este
crescimento, até que por si mesmo ele se tome mais forte que o sistema de governo atual, não
desgastarem combates de vanguarda essa 'força de choque' que se reforça cotidianamente,
mas preserva-Ia intacta para o dia decisivo, eis nossa tarefa principal.” ("Introdução...” , in
"Textos III", op. cit., pág. 108, grifo nosso.) Pode-se discutir a proposta tática (polêmica ainda
atual, como afirmávamos anteriormente), mas do ponto de vista estratégico não há como ver
no texto, sem deformá-lo, um Engels partidário de uma visão gradualista.
De acordo com a nota de pé-de-página da edição da "lntroduçâo ... " na coletânea
"Karl Marx-Friedrich Engels - Textos III" (24) da Editora Alfa Omega, o texto de Engels foi
adulterado, mutilado, pela direção reformista do Partido Social-Democrata, tendo sido
publicado por Wilhelm Liebknecht no órgão oficial do partido, o Vorwaerts, em março de

141
1895 (mesmo mês em que foi escrito), com uma seleção de "que podia servir para defender
uma tática de paz a todo custo e contrária à violência", segundo as palavras de Engels em
carta a Paul Lafargue de 3 de abril de 1895. Segundo a nota, assim se manifestara Engels a
Kaustsky em carta de 1º de abril daquele ano: "Vi hoje no 'Vorwaerts' um extrato de minha
'Introdução', publicado sem meu consentimento e arrumado de tal modo que surjo como um
pacífico adorador da legalidade a todo custo. Essa é mais uma razão para que deseje ver
publicada integralmente 'Introdução' na 'Neue Zeit', a fim de que seja dissipada essa
vergonhosa impressão." (In "Textos III”, op. cit., pág. 93, grifo original.) Ainda de acordo
com a nota da Alfa Omega, a versão original e integral do texto também não chegou a ser
publicada pela "Neue Zeit", dado que a direção do partido convenceu Engels a não fazê-lo
com a alusão à existência de uma ameaça de uma nova lei de exceção contra os socialistas;
com a morte de Engels,o texto integral foi "esquecido" pela direção social-democrata, que
continuou utilizando a edição mutilada, só vindo o original a ser publicado na União
Soviética, em 1950.

Na apresentação do clássico “Reforma ou Revolução?" (25) de Rosa Luxemburgo,


Emir Sader se refere às origens do debate:
“A discussão que melhor refletiu esse problema foi aquela desenvolvida entre
Eduard Bernstein e Rosa Luxemburg, dentro do partido alemão, mas com
transcendência para todo movimento socialista internacional da época. .... A discussão se
origina com a edição que Bernstein fez, na qualidade de 'testamenteiro' de Engels,
daquele texto que ficou conhecido precisamente como seu 'testamento político': a
introdução ao livro de Marx 'A luta de classes na França', publicada em 1895. Nela,
algumas formulações de Engels, somadas à sua publicação mutilada por Bernstein,
interessado em sugerir como uma adesão do companheiro de Marx àquelas que
passariam a ser suas teses. características, produziram uma adulteração que não apenas
falseia o tom inicial do debate, mas fez com que Rosa Luxemburg morresse acreditando
que, no fim da vida, Engels aderira às teses reformistas.” (In "Reforma ou Revolução?",
op. cit., pág. 8.)

Não se pode negar que tal empreitada confusionista operada pelo revisionismo venha
rendendo frutos ao reformismo.

142
Tomado em seu conjunto, o pensamento de Lênin pode ser considerado uma poderosa
e substancial síntese da proposição de uma alternativa revolucionária à onda reformista. Seu
Que fazer? não somente ultrapassa, como se sabe, em muito o objetivo específico de traçar
uma estratégia de atuação para o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, mas constitui
também defesa intransigente da ruptura enquanto objetivo sintetizador da ação revolucionária
contra a teoria seguidista menchevique, Lênin foi essencialmente um político, significando
isso a atenção prioritária à configuração das lutas de classe diante do poder estatal. E foi tal
condição que, pode-se dizer, lhe informou um posicionamento revolucionário mesmo no
interior da estratégia geral do partido inclulída a própria fração bolchevique, que pressupunha,
até abril de 1917 – quando ocorre a reviravolta empreendida e liderada pelo próprio Lênin –,
uma estratégia geral democrático-burguesa. Mesmo o seu texto O desenvolvimento do
capitalismo na Rússia. de 1899, uma análise sócio-econômica da formação social do pais, é
elaborado para fazer frente à tese populista da inviabllidade de um desenvolvimento do
capitalismo na Rússia. Toda obra de Lênin, enfim, configura a opção pela revolução enquanto
ruptura.

Interessa-nos agora a referência explícita a trechos dos escritos de Lênin em defesa


desta ruptura, expressão de uma concepção geral que temos procurado destacar e enfatizar.
Poderíamos gastar muito papel com citações e citações do clássico O Estado e a Revolução,
cujo eixo não é outro senão exatamente a defesa, a partir de Marx, da destruição violenta do
estado burguês enquanto premissa e condição da revolução socialista, o que, diferente de
exercício tautológico, expressa a identidade entre meios e fins. Damos, no entanto, por
suficientemente comprovado o Lênin revolucionário de “O Estado ...”. Preferimos retomar às
“Teses de Abril” e “Cartas sobre Tática”, intervenções cujo significado histórico (considerado
este como fonte indispensável da teoria política) nos parece minimizado no chamado
‘marxismo’ revisionista brasileiro, hoje encapsulado no autodenominado neogramscianismo,
que se tem mesmo mostrado majoritariamente incapaz de recorrer criticamente aos clássicos,
limitando-se a repetições aleatórias oportunisticamente pinçadas para convalidar
posicionarnentos pré-concebidos e, nada paradoxalmente, estranhos à ortodoxia que dizem e,
em alguns poucos casos, imaginam de fato defender. É preciso estabelecer limites, fixar
determinações, flagrar momentos decisivos: é preciso, enfim, fazer uma história de idéias.

Consideremos, pois, as “Teses de Abril”. Diz a Tese 5: “Não uma república


parlamentar – voltar a ela depois dos Soviets de deputados operários seria dar um passo

143
atrás, mas uma República de Soviets de deputados operários, assalariados agrícolas e
camponeses de todo o país. Supressão da polícia, do exército e da burocracia.” (Op. cit., pág.
5.) Com esta palavra-de-ordem Lênin revoluciona toda a concepção da estratégia da revolução
russa que dominava o partido desde a sua fundação formal, em 1902, e presente em seu
próprio projeto de programa do partido de 1899. Não que anteriormente às “Teses” ele não
tenha se posicionado explícita e claramente pela ruptura – isso acreditamos já ter deixado
claro. O que importa destacar nas “Teses” é fundamentalmente a constatação ineludível de
que o fato histórico significativo (no caso, a formação dos soviets) só é perceptível pela
metodologia que considera as idéias no processo global de seu surgimento e desenvolvimento
material. E esta metodologia o marxismo a expressa da forma a mais elaborada entre as
correntes materialistas. O que nada tem a ver com o historicisrno de que alguns intelectuais
porta-vozes da burguesia, Karl Popper entre eles, acusam o marxismo; Marx fala
precisamente da percepção e atuação dos homens como fator do processo de transformação.
(Cf. “Prefácio à Contribuição ...”, op. cit., trecho cit.) É a história, viva, que desmascara o
dogma. Repetimos o trecho inicial da primeira carta sobre tática: “O marxismo exige que
tenhamos em conta com a maior precisão e comprovemos com toda a objetividade a
correlação de classes e as peculiaridades concretas de cada momento histórico. Nós, os
bolcheviques, sempre nos temos esforçado por ser fiéis a este princípio, incondicionalrnente
obrigatório se quer dar um fundamento científico à política.” (Op. cit., pág. 9.)

Na análise concreta que fez da situação, Lênin, no entanto, coloca a mudança que
defendia no campo da tática, face a eventos de curta duração portanto. Segundo afirma, existia
uma dualidade de poderes, com a dominação burguesa convivendo com a ditadura
democrático-revolucionária do proletariado (os sovietes), convertida esta “voluntariamente”
em apêndice daquela. A existência do duplo poder é indiscutível, assim como a correlação
histórico-revolucionária da resposta dada por Lênin sintetizada na palavra-de-ordem “Todo
poder aos sovietes”. Mas algumas questões ficam em aberto. Em primeiro lugar: não seria a
própria estratégia bolchevique que foi posta em xeque-mate pela história? Esta nos parece a
interpretação correta, já que, mais que um raio em céu azul, a formação dos sovietes – com
tudo que isso implica – há de ter sido expressão de potencialidades estruturais (históricas,
políticas e sociais) da realidade russa, o que desautoriza toda a formulação estratégica social-
democrata frente à organização do poder até abril de 1917. Sabemos das dificuldades
enfrentadas por Lênin e sua corrente então formada (Stálin e Trotsky entre as lideranças mais
importantes) para ganhar o partido para a nova posição; dificuldades, pode-se especular, que

144
assumiriam proporções ainda maiores se se anunciasse que a mudança era de tal
profundidade. Deixando de lado a suposição, no entanto, ficou clara a necessidade da
autocrítica. Ao não fazê-la de forma explícita no campo da própria teoria, Lênin deixou um
enorme flanco aberto ao revisionismo reformista.

O que não significa que Lênin não tenha insistido posteriormente na questão da
violência-ruptura revolucionária. Em La revolución proletária y el renegado Kautsky(26), de
1918, enfatizou: “Ao definir a ditadura, Kautsky fez todos os esforços possíveis para ocultar
do leitor o traço fundamental deste conceito: a violência revolucionária. E agora reluz a
verdade: trata-se da oposição entre revolução pacífica e revolução violenta. Aí está o ‘quid’.
Kautsky precisa de todos os subterfúgios, os sofismas e as falsificações de que se vale para se
proteger da revolução violenta, para ocultar que a renega, que se passa para o lado da
política operária liberal, ou seja, para o lado da burguesia. Aí está o ‘quid’.” (Pág. 16,
tradução nossa do espanhol.) Poderíamos, se isso fosse necessário, citar várias outras
passagens do Renegado... e outras produções de Lênin pós-revolução, inclusive com a
proposição de medidas repressivas que por certo surpreenderia algumas correntes mais
ingênuas e/ou mal intencionadas que afirmam, não se sabe baseadas em que, que a repressão
na União Soviética teria sido inspiração e obra exclusiva de Stalin. Para o que nos interessa
aqui, contudo, julgamos as referências acima suficientes.

Como contraponto, façamos algumas referências a Édouard Bernstein, considerando


algumas passagens de método de seu livro “Premissas...”. Para não dizerem que não falamos
de flores. Diz ele, pendurado na comentada “Introdução...” de Engels: “Se não se faz isto, se
aceitam suas razões, ninguém tem então direito de escandalizar-se quando digo que durante
muito tempo a função da social-democracia há de consistir em ‘organizar politicamente a
classe trabalhadora e formá-la para a democracia, e em lutar por todas as reformas políticas
que sirvam para elevar a classe trabalhadora e transformar o sistema político em
democracia’, e nem tanto em especular acerca de um fracasso geral.” (Op. cit., pág. 96,
tradução nossa do espanhol.) O livro é de 1899, baseando-se as propostas acima na referida
edição deturpada da Introdução... de Engels, desautorizada então por este, como vimos. Até
aqui, estamos no prefácio, Bernstein parece estar falando de tática, velho artifício reformista
para contrabandear sua estratégia, embora, logo a seguir, o autor vá afirmar que a conquista
do poder político não representa em si mesmo um objetivo final (cf. pág. 97, op. cit.), o que,
assegura, não seria ponto de discórdia no partido. Ora, para o marxismo a conquista do poder

145
é muitíssimo mais que um evento de natureza quantitativa na trajetória geral da luta proletária,
como sugere Bernstein, que opera uma minimização deste fato histórico, reconheçamos,
muito valiosa para seu esquema geral. Mas, pelo contrário, a tomada do poder opera uma
mudança no processo histórico, condicionando a partir daí o desenvolvimento das
contradições. Conquistar o poder é o ponto de partida e condição de uma nova
(qualitativamente nova) sociedade. Se isto não estava claro para a social-democracia alemã, é
que as coisas realmente andavam muito mal.

Sigamos adiante. No sub-item “Marxismo e Blanquismo”, assegura Bernstein: “Na


Alemanha, Marx e Engels, baseando-se da dialética radical hegeliana, chegaram a elaborar
uma doutrina totalmente afim ao blanquismo... utilizando novamente, dentro do
materialismo, argumentações do tipo hegeliano.” (“Premissas...”, op. cit., pásg. 133/134.)
Marx e Engels hegelianos ... Pelas mesmas (não) razões, Bernstein poderia afirmar serem os
fundadores do marxismo heracliteanos, já que, como se sabe, a dialética enquanto visão geral
do desenvolvimento das coisas é pré-socrática; aliás, em Heráclito, mais que um método é
uma ontologia. Em Hegel, um modo (método) do desenvolvimento da idéia, esta ontológica.
Em Marx, método de produção de conhecimento e ontologia da matéria. Não é tão difícil
assim. Não seria muito difícil, igualmente, escolher entre Hegel e o positivismo confessado
por Bernstein (Cf. Löwy, op. cit.), este muito mais pobre em determinações e politicamente
reacionário mesmo ao seu tempo. Vejamos, para encerrar, uma referência à questão da
violência. Diz Bernstein: “O marxismo superou o blanquismo somente em um aspecto – o
aspecto do método. No mais, nunca se desvinculou totalmente da concepção blanquista no
que se refere à supervalorização da força criadora da violência revolucionária para os fins
da transformação socialista da sociedade moderna.” (Pág. 136.)

O marxismo, ao contrário do que supõe a vã filosofia de Bernstein, jamais


supervalorizou a violência, quer na revolução socialista quer na análise de rupturas históricas
anteriores. O trecho que citamos do “Anti-Duhring” deixa bem claro o lugar da violência na
visão marxista. É o caráter antagônico da contradição burguesia x proletariado que faz da
violência, mais que uma necessidade, um dado da ruptura revolucionária. Os meios da
superação de uma sociedade já se encontram inscritos nas próprias estruturas políticas e
econômicas desta sociedade, expressando a natureza de suas contradições. Isso é elementar e
não tem nada a ver com supervalorização, opção ou coisa que o valha, como destacamos
anteriormente. Outra coisa: o que separa o marxismo do blanquismo são as concepções

146
diferenciadas das duas correntes acerca da classe revolucionária e das condições da luta
insurreicional. Mas não se trata de aprofundar este tema aqui.

No Brasil, abalado o reformismo oficial com a derrota de 1964, o pensamento


bernsteineano ressurge articuladamente de roupa nova com as teses neo-revisionistas do
professor Carlos Nelson Coutinho expostas, em 1979, no ensaio A democracia como valor
universal (27), trazendo de volta a proposta de um desenvolvimento processual em direção ao
socialismo, configurado no fortalecimento gradual da posição dos trabalhadores no interior da
sociedade capitalista e de suas instituições democráticas. É até aceitável que alguém considere
a democracia um espaço estratégico que, de burguês, autofagicamente se transformaria no
processo em proletário. É um direito. Mas é absolutamente inaceitável supor que tal ponto de
vista pretenda ter algo a ver com o marxismo. Comentando a morte do pensador liberal José
Guilherme Merchior, em outubro de 1990, Coutinho escreveu no caderno Idéias/Ensaios do
“Jornal do Brasil”: “Eu não hesitaria em generalizar: intelectualmente, sua morte não é uma
perda irreparável apenas para os liberais, seus companheiros de idéias, mas também para os
marxistas que aprendemos a considerar a democracia e o pluralismo como valores
universais.”

Ora, quando se aprende a considerar a democracia como um valor universal não se é


mais marxista. Primeiro, porque a idéia de valor universal é absolutamente estranha ao
marxismo; segundo, porque a especificidade metodológica de Marx está exatamente no
rompimento com os valores ideais como motores da história, incluídos os valores
democráticos, como temos evidenciado neste trabalho. Baseado em escritos de Gramsci,
ancorado em seus conceitos de hegemonia, guerra de posição etc., Coutinho sintetizara seu
projeto em uma intervenção transcrita em “As esquerdas e a democracia” (28), de 1986:
“Penso que é preciso formular uma nova concepção marxista de revolução, que eu chamaria
de concepção processual de transição ao socialismo, não mais baseada em rupturas situadas
num curto lapso de tempo, ‘explosivas’, mas baseadas na idéia de um processo mais ou
menos ininterrupto de conquistas parciais. Esta idéia também está presente no que chamei
antes de corrente neogramsciana.” (In “As esquerdas...”, op. cit., pág. 63.) Coutinho, assim,
pretende fazer conviverem dois conceitos absolutamente antagônicos: o de evolução (que é o
seu, exposto acima) e o de revolução (de Marx, base de todo o pensamento político do
marxismo). A reflexão, portanto, não é marxista. Nem nova.

147
Entre as concepções fundamentais que alicerçam o conjunto de sua teoria política, o
marxismo deu historicamente ênfase (Marx/Engels e Lênin especialmente incluídos) ao
caráter de classe do estado capitalista, vistas suas instituições, inclusive a democrático-
parlamentar, como instrumentos políticos-ideológicos da dominação burguesa. Entre as
contribuições mais atuais, podemos encontrar em Perry Anderson uma observação aguda
sobre a relação instituição democrática/violência, como formulado em seu As antinomias de
Antonio Gramsci (29): “As condições normais de subordinação ideológica das grandes
massas – a rotina diária da democracia parlamentar – são elas próprias constituídas por uma
força silenciosa e ausente que lhes dá valor:; o monopólio da violência legitimada pelo
Estado.” (Op. cit., pág. 42.)

É preciso insistir, portanto, que a configuração do estado capitalista enquanto um


estado da classe capitalista, isto é, estruturado fundamentalmente em função dos interesses
dos capitalistas, ainda não se constitui no principal divisor de águas entre revolucionários e
reformistas, já que o pensamento reformista-revisionista original não chegou a abrir mão
enfaticamente deste pressuposto, embora a descaracterização do Estado enquanto instrumento
de opressão de uma classe sobre outra tenha-se constituindo em empreitada a que se dedicam
cada vez com maior afinco algumas correntes neo-revisionistas, que buscam articular a teoria
de um Eestado capitalista como uma terra de ninguém cujo controle (a que denominam
hegemonia) seria objeto de uma disputa permanente e cotidiana entre burgueses e proletários,
mera expressão de uma “sociedade civil” onde aquela disputa constituiria igualmente
exercício diário; a estratégia, então, seria a de se ir acumulando ganhos parciais no aparelho
do estado e na sociedade (nos campos econômico, social e cultural) e, em um certo dia, obtida
a hegemonia, acordar-se-ia no socialismo. É tão simples assim.

Notas

1. Convocatória para o 1º Congresso da Polop. Arquivo Ernesto Martins 1


2. Teses Tiradentes – Arquivos Ernesto Martins 4
3. Revista Brasileira de Ciências Sociais – Biblioteca do Departamento de Ciências
Humanas da USP – S. Paulo
4. Revista Brasiliense Set/Outubro de 1960 – São Paulo

148
5. Amin, Samir e Vergopoulos Kostas – A questão agrário e o capitalismo. São Paulo,
1977, Ed. Paz e Terra
6. Revista Brasiliense nº 51 – São Paulo
7. Lênin, Vladimir – Imperialismo, fase superior ao capitalismo, in “Obras Escolhidas 1.
São Paulo, 1979, Alfa Omega
8. Revista “Política Operária/6” – Arq. Púb. Est. RJ – CCMS Niterói/RJ
9. Marini, Ruy Mauro – Dialéctica de la dependência. México, 1977, Editora Era
10. Marini, Ruy Mauro – La ideologia latinoamericana. Conferência pronunciada no
Centro de Investigaciones Economicas y Sociales, de Santiago (Chile), em outubro de
1990
11. Cardoso, Fernando Henrique e Faletto, Enzo – Dependência e desenvolvimento na
América Latina. Rio, s/data, Ed. Guanabara
12. Santos Júnior, Theotônio dos – Dependencia y cambio social. Buenos Aires, s/data,
Amorrutu Editores
13. Marx, Karl – Trabalho Assalariado e Capital, in “Textos III”. São Paulo, s/data, Alfa
Omega
14. Luxemburgo, Rosa – A acumulação do capital. Rio, 1976, Zahar
15. Urbina, Jaime Osorio – La teoria de la dependência y el desarollo latino-americano, in
“Revista Centroamericana de Economia”, janeiro/abril de 1984, Universidade
Autonoma de Honduras
16. Jornal “Política Operária” no. 9, de 22/28 de janeiro de 1964 – Arq. Púb. Est. RJ –
CMMS – Niterói/RJ
17. Sachs, Eric – Luta Armada e Luta de Classes. Setembro de 1967, Arq. Ernesto Martins
4
18. Sader, Eder – A guerra revolucionária no Brasil e os ensinamentos do Mao. Abril de
1968 Arq. Ernesto Martins 2
19. Lênin, Vladimir – El Estado y la Revolución. Moscou, s/data, Ed. Progresso
20. Marx, Karl – O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, 1988, Ed. Escriba
21. Engels, Friedrich – Anti-Duhring. Rio, 1976, Paz e Terra
22. Bernstein, Édouard – Las premissas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia.
México, 1982 – Siglo XXI
23. Engels, Friedrich – Introdução a “Lutas de Classes na França” de Marx, in “Textos
III”. São Paulo, 1976, A1fa Omega
24. Nota in “Karl Marx-Friedrich Engels – Textos III” São Paulo, 1976, Alfa Omega

149
25. Luxemburgo, Rosa – Reforma ou revolução? São Paulo, 1986, Editora Global
26. Lênin, Vladimir – La revolución proletaria y el renegado Kautsky. Moscou, 1980, Ed.
Progresso
27. Coutinho, Carlos Nelson – A democracia como valor universal, in “Encontros com a
Civilização Brasileira” nº 9 Rio, 1979, Civilização Brasileira
28. Coutinho, Cartos Nelson – Intervenção In “As esquerdas e a democracia”. Rio, 1986,
Paz e Terra
29. Anderson, Perry – As antinomias de Antonio Gramsci. São Paulo, 1986, Ed. Joruês

150
VII – CONCLUSÃO

Para estudar a história das idéias da Polop fomos levados a fazer presentes as idéias do
marxismo. E isto não foi uma exigência acidental, surgida no desenvolver do estudo. Pelo
contrário, expressa o conteúdo do nosso objetivo central, que damos como alcançado se, de
fato, tivermos comprovado nossa hipótese de que a Polop constituiu-se fundamentalmente em
uma iniciativa política de incorporação do marxismo à prática revolucionária no país.
Partindo da metodologia marxista de análise, fomos procurar a origem das idéias na sua
materialidade, única via pela qual, acreditamos, seria possível dar conta do essencial dessas
idéias. Afirmamos na Introdução deste trabalho que não tínhamos, como não temos, a
pretensão de ditar o que é ou não é ortodoxo no marxismo, mas não podemos fugir da
responsabilidade de procurar indicar o que, do nosso ponto de vista, estaria no campo daquela
ortodoxia. Daí, a ênfase na questão do método; daí, igualmente, o recurso às várias citações
que fizemos, mas sempre procurando situá-las criticamente e em seu contexto teórico, político
e histórico. Também integrou nosso método a compreensão de que aplicar o marxismo como
arma de interpretação e transformação de dada realidade exige, não simples transposição e
aplicação mecânicas, mas, sim, um trabalho próprio de elaboração teórica, tendo em vista que
o capitalismo existe enquanto formações histórico-sociais concretas e diferenciadas; é por isso
que a contribuição da Polop assume uma individualidade metodológica e – em consequência
– política em todo o cenário da esquerda brasileira, recusando a cópia a modelos e a
obediência a mandamentos e modismos.

Na busca da identificação dos elementos fundamentais e tipificadores do marxismo,


nossa conclusão geral é a de que, além de uma proposta socialista de transformação da
sociedade burguesa, o tem o marxismo a particularizá-lo o caráter revolucionário daqueles
fundamentos, qualitativamente diferenciados do reformismo e do voluntarismo, assumindo
esta característica a principalidade conceitual do marxismo neste século. Ou seja: ou se é
partidário da revolução, ou não se é marxista; não queremos ditar verdades, repetimos. Mas é
preciso assumir a polêmica. O trabalho teórico não pode ser entendido no sentido pejorativo
da frieza, alheamento, academicismo e descompromisso.

151
Pretendemos, pois, que este trabalho venha a integrar um debate. E nesse tipo de
debate, necessariamente político, os limites do rigor e do bom senso são inevitavelmente
elásticos. A Polop foi fundada em 1961 e extinta enquanto estrutura em 1984 sem ter “feito” a
revolução; surgiria, então, a pergunta: porque, mesmo armada do marxismo enquanto teoria e
ciência revolucionária do proletariado, a organização fracassou no seu intento maior, razão de
ser de todo agrupamento que se diz revolucionário? A tal pergunta hipotética podemos
responder, de início, não ter sido objetivo deste trabalho fazer um balanço da Polop, mas, sim,
investigar a origem e especificidade de suas idéias. Trata-se esta, aliás, de uma tarefa a ser
cumprida, já que as tentativas existentes de análises críticas da organização foram feitas pela
ótica de tendências e posicionamentos coesionados em torno de teses divergentes às da Polop,
mas que, igualmente, amargaram uma derrota comum a toda a esquerda e ao proletariado
brasileiros. Podemos ainda argumentar que a Polop surgiu e se desenvolveu em uma
conjuntura do movimento de massas tipificada pelo domínio do populismo reformista, tendo
sua trajetória de ampliação de influência e enraizamento no movimento vivo dos
trabalhadores e seus aliados sido interrompida pelo golpe de 1964.

A partir de então, tivemos um período de ditadura aberta e indireta da burguesia com


todas as consequências para a esquerda e o movimento que todos conhecemos; com a
redemocratização (cuja data ainda se discute: foi com o início do governo Figueiredo ou com
o do governo Sarney? Ou ainda não começou, como divaga a esquerda democrática?) e a
retomada do movimento de massas iniciada com as greves do ABC no final dos anos 70,
abre-se um quadro histórico ainda atual em que se insere a derrota do socialismo no Leste
Europeu cujo marco inicial remonta ao surgimento do movimento direitista “Solidariedade”
do senhor protofascista Lech Walesa. Uma simultaneidade que, seguramente, não terá sido
mera coincidência no quadro das lutas de classe internacional. Mas isso já será outra
discussão, outra história. O que queremos evidenciar com estas considerações é que as idéias
axiais da Polop mantêm sua atualidade estrutural, dado que não ocorreu nenhuma mudança
qualitativa no modo de existir e se reproduzir do capitalismo no país, igualmente mantidas as
estruturas essenciais (políticas, econômicas e sociais) identificadas pela Polop na formulação
de suas propostas e teses. Como, de resto, não mudou qualitativo o capitalismo, visto o
neoliberalismo no interior da lógica do capital financeiro, já secular.

O marxismo, pois, é igualmente atual. A derrota dos estados socialistas


(burocratizados sim, mas socialistas) tem sido garbosamente apresentada pelos arautos da

152
burguesia e seus aliados, alguns deles involuntários, conceda-se, como o ato final do
marxismo.

Mas mesmo tendo sido a sociedade socialista derrotada pelo imperialismo no Leste
Europeu e que venha a sê-lo nos demais países socialistas – consideremosa hipótese –, o
marxismo não terá perdido o seu vigor histórico enquanto alternativa revolucionária para os
explorados. Primeiro, por uma questão de lógica elementar: quando do surgimento e
consolidação da teoria marxista não existia sequer um país socialista no mundo. Mas o mais
importante é que, já no campo da materialidade histórica, o capitalismo e o imperialismo –
conforme configurados por Marx, Engels e Lênin, para ficar entre os clássicos mais
representativos – só fizeram evidenciar e aprofundar as características apontadas naquela
configuração: crises cíclicas, guerras, miséria progressiva das massas. E o fato “novo” da tão
propalada “revolução eletrônica” não mais que reforça a tendência à destruição e à miséria.
O marxismo vive.
Já nos referimos às dificuldades e empecilhos enfrentados pela teoria marxista em se
implantar como arma revolucionária dos trabalhadores do Brasil e da América Latina.
Mundialmente, e a América Latina tem que ser pensada neste contexto, assistimos no século
passado à ocorrência de uma série de fatores que, não considerados meramente
circunstanciais, pois nada na História o é, acabaram dando margem a que o marxismo sofresse
a deturpação a que se viu submetido. Entre estes fatores, está a versão estalinista, reformista,
que dominou o "marxismo oficial" durante praticamente todo o século, com um período de
transição com a morte de Lênin e abertamente a partir de 1936 com a instituição da política
das frentes únicas imposta por Stalin que, igualmente mais que uma coincidência, teve como
par interno na URSS a aprovação de uma Constituição que declarava extinta a luta de classes
no país e impunha o voto universal, jogando por terra formalmente o princípio básico da
ditadura do proletariado sobre o qual se erguera o poder soviético, dos sovietes. Acreditamos
que é nesta linha, inclusive, que devem ser procuradas as causas históricas da derrota dos
estados socialistas do Leste Europeu. Do outro lado, igualmente, grave a emergência do
trotsquismo enquanto uma falsa resposta ao reformismo estalinista. Como assegura Eric Sachs
em seu “A Herança da Revolução Russa”, trotsquismo e estalinismo são faces de uma mesma
moeda – a moeda da renúncia às teses revolucionárias originais do marxismo.

As questões em torno das causas históricas da derrota do socialismo no Leste Europeu


remetem para outra, de natureza teórica, referente à estrutura do estado marxista. A ausência

153
de uma proposição teórica clara, estruturada, de um estado proletário – configurados objetivos
gerais, organismos de poder e Justiça, direitos e deveres, tudo isso fundamentado em
parâmetros de classe – constitui uma lacuna importante, decisiva mesmo, do nosso ponto de
vista, na arquitetura teórica do marxismo-leninismo; preenchê-la é tarefa urgente a ser
cumprida pelos marxistas, sempre a partir do próprio Marx. As formulações de Lênin,
principalmente no O Estado e a Revolução neste sentido são esparsas e às vezes
contraditórias. Engels, no Do socialismo utópico ao socialismo científico, parte do Anti-
Duhring, chega a minimizar abertamente as contradições no interior do estado e sociedade
socialistas, qualificando-as de secundárias e não antagônicas. Marx tinha outra visão, ou, pelo
menos, ensejava outra visão. A questão chave, acreditamos, está na divisão entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual, que Lênin abordou em alguns de seus trabalhos menos
divulgados, com especificidade no folheto O Trabalho Comunista, de 1919.

Mas estamos falando da necessidade de um trabalho teórico especialmente voltado


para a postulação e estruturação do estado proletário. No Crítica ao Programa de Gotha, de
1875, Marx dá a linha geral do que seria este estado. A concepção de que a função histórica
essencial deste Estado seria a de extinguir a diferença entre o trabalho intelectual e o manual
– com os trabalhadores manuais privilegiados política, social e, progressiva e relativamente,
economicamente neste seu estado – encontra suas raízes nas formulações da “Ideologia
Alemã” e “O Capital”, basicamente, que identificam exatamente na divisão do trabalho a
origem da divisão da sociedade em classes. O objetivo maior do comunismo é a extinção das
classes; daí, seu caráter libertário e humanista. Cabe então à ditadura do proletariado figurar,
enquanto estrutura, esta sua função histórica.
Sem teoria revolucionária não há prática revolucionária, insistia Lênin. Meu trabalho
Marxismo e Socialismo – Análise Crítica da Revolução Cubana, publicado em 2007, não se
pretende mais que modesto tijolo no erguimento inadiável deste edifício teórico
revolucionário.

154
VIII - Fontes

1. FONTES PRIMÁRIAS

A. Documentos

1. Steinberg. Hans-Joseph -Resistência e perseguição em Essen-Relato da fundação da "KPO-


posiçao (KPO)". Hannover, 1969. Tradução de Sérgio Paiva, Arquivo Ernesto Martins 1.

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Paiva, Arq. Ernesto Martins 1.

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Arquivo Ernesto Martins 2.

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9. Primeiro de Maio - Editorial do jornal "Política Operária". Rio de Janeiro, maio de 1962,
Arq. Ernesto Martins 2.

10. A propósito do Programa - Documento de circulação interna da Polop. Sem data


(presumivelmente de 1961). Arq. Ernesto Martins 2.

11. O Metropolitano - Jornal-encarte de circulação dominical no "Diário de Notícias", do Rio


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12. Libertação - Editorial do jornaI "Correio da Manhã", de 3/5/1959, Biblioteca Nacional,


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14. Jornal "Política Operária", Ano I - Rio, maio/1962, No. 3 -Arq. Pub. RJ - CMMS. Niterói,
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15. Jornal "Política Operária", Ano III - São Paulo, 15/21 de janeiro de 1964 – Arq. Púb. RJ-
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16. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 9. São Paulo, 22/28 de janeiro de 1964 - Arq. Púb.
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17. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 10 - São Paulo, 24 de janeiro/4 de fevereiro de
1964 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói, RJ.

18. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 11 - São Paulo, 5/18 de fevereiro de 1964 - Arq.
Púb. RJ-CMMS. Niterói, RJ.

19. Jornal "Política Operária", Ano III, Nº 12 - São Paulo, 27 de fevereiro/4 de março de 1964
- Arq. Púb, RJ-CMMS. Niterói, RJ.

156
20. Jornal “Política Operária", Ano III, No. 13 - S.Paulo, 12/3/1964 - Arq. Púb. RJ-CMMS.
Niterói, RJ.

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22. "Informe Nacional Política Operária Nº 48", de 18/11/1966 - Arq. Púb. RJ-CMMS.
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28. "Informe Nacional política Operária Nº 65", de 22/7/1967 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
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29. Revista "Política- Operária Nº 5” - S. Paulo, jan/fev. de 1963 - Arq. Púb. RJ-CMMS.
Niterói, RJ.

30. Revista "Política Operária Nº 6" - S. Paulo, julho/1963 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
RJ.

157
31. Revista "Política Operária Nº 7" - S. Paulo, out/1963 - Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói, RJ.

32.Revista "Movimento Socialista" - Rio de Janeiro, 1959 Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói, RJ

33. "Programa Socialista para o Brasil" - Ed. mimeog. - set/1967 – Arq. Púb. RJ-CMMS.
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34. "Declaração Política do 4º Congresso da ORM-PO" -set/1967 Arq. púb.RJ-CMMS.


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35. "Declaração Política - Política Operária" - Abril de 1966 Arq. Púb. RJ-CMMS. Niterói,
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42. Antônio Cândido e a militância por dever de consciência, in "Teoria e Debate" Nº. 2,
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43. Marini, Ruy Mauro Perspectiva da situação político econômica brasileira. Rio de
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B. Depoimentos ao autor

1. Emir Sader

2. Ruy Mauro Marini

159
3. Vânia Bambirra

4. Maria do Carmo Brito

5. Aluizio Leite Filho

6. Michael Löwy

7. Samuel Warth

8. Marcos Dantas

9. Paulo Alberto Monteiro de Barros

160
2. BIBLIOGRAFIA

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11. Carone, Edgar - Movimento Operário no Brasil (1945-1964). S. Paulo, 1981, Ed. Difel

12.Carrillo, Santiago - Eurocomunismo e Estado. São Paulo, 1978, Ed. Difel

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13. Chilcote, Ronald - Partido Comunista Brasileiro - Conflito e Integração. Rio, 1982, Ed.
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Civilização Brasileira" nº 9. Rio, 1979, Ed. Civilização Brasileira

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16. Delgado, Lucília de A. Neves - PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). S. Paulo,


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28. Lenin, Vladimir – La revolución proletaria y el renegado Kautsky. Moscou, 1980, Ed.
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29. Lenin, Vladimir – Teses de Abril e Cartas sobre Tática. Folheto de divulgação sem ficha
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33. Löwy, Michael – Le marxisme en Amérique Latine. Paris, 1980, Ed. François Maspero

34. Löwy, Michael – Ideologia e ciência social. São Paulo, 1989, Ed. Cortez

35. Löwy, Michael – Método Dialético e Teoria Política. S. Paulo, 1985, Ed. Paz e Terra

36. Luxemburg, Rosa – A acumulação do capital. Rio, 1976, Ed. Zahar

37. Luxemburg, Rosa – Reforma social ou revolução? S. Paulo, 1986, Ed. Global

38. Marini, Ruy Mauro – Dialéctica de la dependencia. México, 1977, Ed. Era

39. Marini, Ruy Mauro – Subdesarrollo y revolución. México, 1976, Ed. Siglo XXI

40. Marx, Karl – O Capital. Rio, 1988, Ed. Bertrand Brasil

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41. Marx, Karl – Trabalho assalariado e capital, in “Textos III”. S. Paulo, s/ data – Ed. Alfa
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42. Marx, Karl – Critica del Programa de Gotha. Moscou, s/ data, Ed. Progresso

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44. Marx, Karl – Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Lisboa, s/ data, Ed. Presença

45. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Ideologia Alemã e Teses sobre Feuerbach. São Paulo,
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46. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Manifesto do Partido Comunista, in “Textos III”. S.
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47. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Karl Marx/Friedrich Engels – Textos II. São Paulo,
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48. Marx, Karl e Engels, Friedrich – Karl Marx/Friedrich Engels – Textos III. São Paulo, s/
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56. Reis Filho, Daniel Aarão – A revolução faltou ao encontro. São Paulo, 1990, Ed.
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Editores

59. Schaff, Adam – Históriae Verdade. São Paulo, 1987, Ed. Martins Fontes

60. Segato, José Antônio – Breve História do PCB. Belo Horizonte, 1981, Oficina de Livros

61. Spindel, Arnaldo – O Partido Comunista na gênese do populismo. S. Paulo, 1979, Ed.
Símbolo

62. Tjaden, K.H. – Struktur und Funktion der KPK-Opposition. Erlangen, Buchhanlung und
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63. Toledo, Caio N. de – O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo, 1983, Ed. Brasiliense

64. Vinhas, Moisés – O Partidão. S. Paulo, 1982, Ed. Hucitec

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