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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CSE - Centro Socioeconômico


Departamento de Economia e Relações Internacionais

UMA RESPOSTA AOS QUESTIONAMENTOS DE CLAUS OFFE:


Os rumos do Estado de bem-estar social
SPO 7006 - Teoria Política II
Prof. Luis Felipe G. da Graça

Alice Santos da Silva (19105377)


Gabriel Sampaio Gomes (20202560)
Glória Santos (19204338)
Virgínia Volkmer Cecconi (19101493)

Florianópolis, dezembro de 2022.


1. CONTRADIÇÕES DO ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL

As interpretações metodológicas sobre os fundamentos, avanço e dinâmica do Estado de


bem-estar social (EBES) são múltiplas e oriundas de diversas premissas teórico-metodológicas,
as quais permeiam no plano da ética, filosofia, política, economia e direito, ou linhas
disciplinares associadas. Nesse sentido, este trabalho se apoiará na obra “Contradictions of the
Welfare State” (1984) do sociólogo alemão Claus Offe, essencialmente no capítulo 6 intitulado
“Algumas contradições do Estado de bem estar moderno”, com o objetivo de apresentar um
panorama geral dos rumos do EBES no período que sucedeu a publicação do livro.
Segundo o texto, o EBES apresentou-se como a maior “fórmula da paz” das democracias
capitalistas tidas como avançadas no período pós-Segunda Guerra Mundial. Essa “fórmula da
paz” consistia primeiramente na obrigação explícita do aparato estatal em prover assistência e
suporte - financeiro ou social - aos cidadãos que sofressem de necessidades e riscos específicos,
característicos da sociedade de mercado. Segundamente, o EBES foi baseado no reconhecimento
do papel formal dos sindicatos trabalhistas, tanto na forma de barganha coletiva como na de
formação de políticas públicas (OFFE, 1984).
Conforme apontado por Offe (1984), esses dois componentes estruturais do EBES atuam
a fim de limitar e mitigar o conflito de classes, balançar relações de poder assimétricas de
trabalho e capital, e portanto, superar a condição de luta e contradições disruptivas características
do capitalismo liberal. Assim, o EBES tem sido conhecido durante o período pós-guerra como a
solução política para contradições sociais desenvolvidas. No entanto, a partir da década de 1970,
essa “fórmula de paz” tornou-se objeto de crítica e contestação nas sociedades capitalistas,
fazendo com que houvesse um rompimento com a crença inquestionável de que o EBES e sua
expansão futura fossem a solução dos conflitos políticos capitalistas. Nesse sentido, Offe (1984)
concentra-se nas críticas referentes ao EBES, tendo como ponto de partida a reflexão sobre a
maneira pela qual “o modelo quase universalmente aceito de criar uma medida de paz social e a
harmonia nas sociedades europeias do pós-guerra se tornou a fonte de novas contradições e
divisões políticas na década de 1970” (OFFE, 1984, p. 148, tradução nossa).
Historicamente, o EBES tem sido o resultado combinado de uma variedade de fatores,
cujas combinações mudam conforme país e região, porém que dizem respeito às mudanças
estruturais das sociedades capitalistas. Este modelo político-econômico pode ser entendido como
um desdobramento ocorrido num contexto mundial de intenso conflito e crise social no período
pós-1945, com o intuito de induzir um período de prosperidade e crescimento. Tendo em vista a
política econômica da doutrina keynesiana, o EBES passou a ser visto como um “estabilizador
econômico e político que poderia ajudar a regenerar as forças do crescimento econômico e evitar
que a economia despencasse em profundas recessões” (OFFE, 1984, p. 148, tradução nossa).
Devido ao seu caráter multifuncional e sua capacidade simultânea de representar muitas
finalidades e estratégias conflitantes, o EBES se tornou atraente para uma ampla aliança de
forças distintas.
Contudo, segundo Offe (1984), a composição heterogênea de seu enquadre institucional
não pôde ser mantida por muito tempo, uma vez que o mecanismo do compromisso de classe
tornou-se também o objeto de conflito de classe. Desse modo, o declínio do EBES pode ser
explicado pelo ponto de vista da direita pela forte recessão econômica em meados da década de
1970, a qual deu origem a um “renascimento intelectual e politicamente poderoso do novo
laissez-faire e das doutrinas econômicas monetaristas”, e ganhou força com figuras como Ronald
Reagan (1981-1989) nos Estados Unidos, e Margareth Thatcher (1979-1990) no Reino Unido.
Essas críticas representam uma crítica fundamental ao EBES, o qual é considerado como um
“mal” que se propõe a harmonizar os conflitos da sociedade do mercado, mas tende a
exacerbá-los, impedindo que as forças do mercado funcionem adequada e beneficamente - e
portanto, deve ser combatido. Ineficiências essas que se dariam por duas razões: 1) a imposição
de um “ônus de tributação e regulamentação sobre capital que constitui um desincentivo ao
investimento”, e 2) o desincentivo ao trabalho, estimulado pela “concessão de reivindicações,
direitos e posições de poder coletivo para trabalhadores e sindicatos” (OFFE, 1984, p. 149,
tradução nossa).
Esses dois pontos resultam conjuntamente numa dinâmica de “expectativas declinantes e
crescentes, de sobrecarga de demanda econômica (ou inflação) e também de sobrecarga de
demanda política (ingovernabilidade)”, as quais sucessivamente deixam de ser atendidas pela
produção disponível (OFFE, 1984, p. 149, tradução nossa). Para argumentar sua análise, Offe
(1984) considera os pontos trazidos pela abordagem conservadora, como o fato de indivíduos
capitalistas, aqueles não beneficiários dos privilégios do setor monopolista, terem de considerar
as perspectivas de investimento e lucro em um cenário de taxas de crescimento decrescentes e
alta competição nos mercados interno e externo. Essa condição se agrava quando se considera o
papel do EBES na imposição de impostos previdenciários com grande variedade de
regulamentações, os quais tendem a reduzir ainda mais o lucro dos investidores. Além disso,
aponta-se a questão do poder exercido pelos sindicatos, o qual se tornou possível devido a
conquistas envolvendo relações trabalhistas, negociações coletivas e outras leis, tornando-se cada
vez mais forte a ponto de reduzir a lucratividade de setores industriais ou forçá-los a investir
externamente (OFFE, 1984).
Assim, as decisões de investimento - e portanto, de emprego - de empresas capitalistas
são dadas de acordo com o retorno de lucro, e assim que a lucratividade de longo prazo for
considerada pouco atraente por estas empresas, é causado um declínio relativo na produção
econômica. Apesar de afirmar que nem todas as taxas de crescimento decrescentes e os fracassos
de investimento por parte dos capitalistas são causados pela inoperância do EBES sobre o
mercado, Offe (1984) acredita que seria pertinente aliviar as dificuldades e custos impostos ao
capital e à sociedade - por meio de inflação e desemprego -, de modo a abandonar algumas
restrições deste modelo político e econômico. Conforme o autor, o EBES não é “uma fonte
separada e autônoma de bem-estar que oferece renda e serviços como um direito do cidadão”,
mas é “em si altamente dependente da prosperidade e rentabilidade contínua da economia”
(OFFE, 1984, p. 150, tradução nossa).
Abordado esse panorama geral da evolução do EBES e das ponderações feitas por Offe
durante a década de 1980, este trabalho propõe-se a responder os questionamentos feitos pelo
autor no final do referido capítulo, tendo como base nos acontecimentos das últimas quatro
décadas: Será que a agenda do EBES, em seu espaço de ação e desenvolvimento futuro, será
moldada e limitada pela matriz de poder da estrutura social da sociedade capitalista avançada?
Ou será que, ao contrário, ela abrirá possibilidades de reformulação dessa matriz, seja por meio
de suas próprias realizações ou de seus fracassos? (OFFE, 1984).

2. EM BUSCA DE RESPOSTAS

A decadência do bem-estar social representa a crise entre capital e trabalho, quando os


direitos sociais dos trabalhadores passam a ser um empecilho para a acumulação capitalista. Mas
afinal, o que dita principalmente esse fenômeno é o próprio mercado - Offe assinala que quem
define a realidade são os próprios investidores, ou seja, são eles que decidem quando o EBES
passa a ser um fardo intolerável e as taxas de propensão ao investimento passam a cair, não o
contrário (OFFE, 1984). Desse modo, o debate se o EBES reduz ou não os lucros é puramente
acadêmico, apesar de não ser este o objeto de estudo principal deste trabalho. Na década de
1970, um momento marcado pela forte inflação em decorrência da política monetária
estadunidense, a qual trazia o keynesianismo em suas vertentes, levou o mundo a uma
reestruturação econômica nesta e na década seguinte (1980). Dessa forma, o mercado caminhou
para uma resolução, na qual o EBES era incompatível com a manutenção, crescimento e
perpetuação da economia capitalista. Nesse momento, o mundo se deparava com contradições
inerentes ao capitalismo, as quais geralmente se manifestavam de forças opostas, como:
monopólio vs concorrência e poder político centralizado vs descentralizado.
A desarticulação do EBES, a qual se iniciou de fato com a crise da rigidez do modelo de
produção fordista e as crises do petróleo na década de 1970, foi simplesmente incorporada como
lei pelos novos governos conservadores, como o mundo presenciou através de uma onda de
neoconservadorismo representadas pelas vitórias eleitorais de Thatcher e Reagan, por exemplo.
Estes representantes de Estado foram respectivamente eleitos a fim de restringir o poder dos
sindicatos no Reino Unido e no intuito de reduzir os quadros de programas de governo e outros
(HARVEY, 2005). Gradativamente, essas transformações políticas e econômicas infiltraram-se
nos modos de convivência social ao disseminarem de forma massiva a cultura de individualidade
e competição, o que certamente auxiliou a manutenção de governos neoliberais mesmo com
inúmeros desgastes sociais e acentuação de desigualdades.
Nos anos 1990, a incorporação do mundo capitalista ao movimento neoliberal como
resposta a uma série de estruturas sociais que os países não conseguiam manter resultou em
convenções, como o Consenso de Washington (1989). Este expressou, de certa forma, uma
maneira de aplicar certas medidas de conduta econômica a fim de tentar combater algumas
crises. No entanto, as soluções neoliberais não acompanharam o crescimento da desigualdade e
da miséria propagados pelo capitalismo desenfreado, fazendo com que as forças políticas
prezassem mais pela acumulação de capital do que pelo bem-estar de seus cidadãos. Os fracassos
e insatisfações levam os movimentos sociais urbanos a levantarem a emergência de alternativas
para com os compromissos sociais e alguma forma de equilibrar capital e trabalho, o que
fundamenta a estrutura social no pós-guerra e perdura até os dias atuais (HARVEY, 2005).
Esse enfraquecimento do asseguramento social que o poder exercia sobre o Estado levou
o pleno emprego, a justiça social e os direitos trabalhistas a serem deixados de lado, imperando a
lógica de um Estado mínimo. O que sucedeu o abandono da promoção do EBES foi o avanço do
neoliberalismo e a intensificação da globalização, especialmente ao final da Guerra Fria (1991),
dando mais autonomia e domínio ao sistema bancário e financeiro. Por algumas décadas, as
classes ocidentais representantes da elite obtiveram ganhos com essa guinada. Contudo, a
hiperglobalização, consequência da diminuição de barreiras comerciais, levou a uma mudança no
polo de produção mundial, causando desemprego nas democracias liberais. Esse foi o caso da
cidade de Detroit, que passou de um polo automobilístico para uma cidade praticamente
fantasma nos Estados Unidos da América (EUA), além do surgimento da China como poderosa
ameaça ao poder hegemônico estadunidense. Por isso, é comum que o sentimento de
nacionalismo aflore em decorrência dessa mudança no padrão de vida, a qual tem sido
experienciada na maior parte das democracias ocidentais (MEARSHEIMER, 2019).
Se o EBES promovido por Franklin Delano Roosevelt e Hans Morgenthau no pós-guerra
se utilizou do “american way of life” como ferramenta ideológica de amparo ao New Deal1, o
slogan de Donald Trump “make america great again” tenta cumprir papel semelhante no
imaginário da população estadunidense nos tempos atuais. Desse modo, fica evidente que a
agenda do EBES continua sendo determinada pelas necessidades do capitalismo mundial.
Quando a reestruturação da economia capitalista estadunidense falha em se estruturar numa era
pós-industrial, a promessa de empregos para todos passa a ter força novamente. Trump se
posiciona contra as organizações internacionais multilaterais e a globalização, e no seu discurso
não faz questão de esconder quem é o cidadão estadunidense que ele representa. Ele de fato
conseguiu avançar nessa meta, durante seu governo reduziu o desemprego nos EUA para 3,7%, o
menor valor registrado desde 19692. O discurso de Trump é dirigido essencialmente para o
cidadão de classe média, branco e não-imigrante, aquele que estampava as artes e propagandas
das décadas de 1950 e 1960. É o operário estadunidense, aquele que perdeu o emprego com a
expansão da cadeia de produção, que vira uma peça fundamental no jogo de poder nacional.

1
Plano de reestruturação econômica dos Estados Unidos implementado por Roosevelt em 1933, para promoção do
pleno emprego, segurança econômica e justiça social depois da Grande Depressão que assolou o mundo como
consequência da Crise de 1929.
2
“Como os EUA alcançaram o pleno emprego com Trump?” disponível em
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/13/economia/1539452937_792316.html.
Como apontado por Offe (1984), uma das principais contradições é a de que o
capitalismo não pode existir com o funcionamento do EBES apesar de não poder ser executado
sem este, levando à adoção cíclica do seu discurso, bem como são cíclicas as crises do
capitalismo. Obviamente, o objetivo não é igualar a postura de Donald Trump com a de
Roosevelt, contudo demonstrar como o pleno emprego, o qual constitui o EBES, é utilizado
quando convém para defender o interesse dos mais poderosos. Tanto que há uma infinidade de
direitos defendidos pelo bem-estar social que não são englobados por Trump, como o acesso
médico universal e justiça climática, só para citar os principais. Mas é entender que da mesma
forma que o New Deal surge como resposta à Crise de 1929, a figura de Trump ganha forças
após a Crise de 2008, num momento de queda da hegemonia estadunidense, tentando retomar
princípios dos tempos de ouro do capitalismo norte-americano, o qual ocorreu sob a vigência do
EBES. Isso demonstra, em resposta aos questionamentos de Offe, que a agenda do EBES é
moldada e limitada pela matriz de poder da estrutura social da sociedade capitalista.

Bibliografia

OFFE, Claus. Contradictions of the Welfare State. Hutchinson. 1984. Capítulo 6.

John J. Mearsheimer; Bound to Fail: The Rise and Fall of the Liberal International Order.
International Security 2019; 43 (4): 7–50. doi: https://doi.org/10.1162/isec_a_00342

HARVEY, David. O neoliberalismo: História e Implicações. Edições Loyola. 2005.

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