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A Profecia de Indelvor

A
companhei Viriato e Indelvor ao cume da serra mais alta dos
montes que este povo chama de Montes Hermínios. Dali se
podiam ver todas as terras da Lusitânia, dos cumes cobertos
de neve destas serras, até às férteis terras baixas verdejantes que se
fundem com Mar Sem Fundo lá longe no ocidente num horizonte in-
distinto. Com o braço Indelvor acompanhou a linha do horizonte
num grande círculo, e estas palavras disse a Viriato:
“Vê, Viriato, as terras que Luso nos legou quando empurrou os
abomináveis ofídios para as entranhas da terra. Para leste, os Vetões,
subjugados pelo grande inimigo. Para norte, os selvagens Celtas in-
vestem sobre as nossas terras, arrancam as nossas mulheres e crianças
às suas famílias para satisfazer a sede dos seus deuses negros. A sul,
para lá do grande rio Tago os filhos de Zeus e Atena erigiram Tartá-
ssia, a jóia do Mediterrâneo.”
Viriato e eu ouvíamos, silenciosos, Indelvor, o mais sábio de todos
os sacerdotes da Lusitânia. Eu não compreendia totalmente as suas
palavras, pois o meu tempo entre os Lusitanos era curo, mas Viriato
parecia uma estátua, preso a cada palavra de Indelvor.
“E agora, eis que chega um novo inimigo, das terras além das mon-
tanhas. Não são como nós, tribos dispersas, presos às nossas quezílias
ancestrais. Não! São uma força imparável, um colosso que avança so-
bre as nossas terras empunhando o estandarte da Águia.
Queimam as nossas florestas e castros, poluem os nossos rios, afu-
gentam os espíritos do carvalho, da pedra e do rio e levam o nosso
povo como escravo. Mas os deuses prenunciaram este evento e vatici-

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naram a chegada de um grande guerreiro que nos uniria. Esse guer-
reiro viria para unir a nossa Lusitânia Esse guerreiro és tu, Viriato,
em cujas veias corre o sangue de Luso. Ao teu comando, o povo Lusi-
tano unir-se-á para enfrentar as Hostes da Águia e os inimigos da
Lusitânia.
A esperança não está perdida. Enquanto a chama sagrada de An-
chale arder a ocidente, o nosso povo seguir-te-á e lutará ao teu lado.”
Olhei para Viriato que se manteve em silêncio. Por fim, ousou fa-
lar, calmo mas resoluto, como se a chama encantada de Anchale ar-
desse no seu interior pronto a explodir e a incendiar quem ousasse
enfrentá-lo:
“Indelvor, que os deuses me abençoem nas tribulações que se avizi-
nham. Se pelo Fado fui escolhido, não virarei as costas ao papel que
me foi destinado.”
E para os seus companheiros disse; “Enviai, por todos os castros, e
citânias, palavra da nossa revolta. Pelo espírito do que é mais sa-
grado, o chão da nossa terra ancestral ficará manchado de sangue das
Legiões da Águia, e clamaremos vitória sobre os corpos dos nossos
inimigos.”

- Memórias de Eráclio de Mileto

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