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O sargento Guilherme Pereira do Rosário é encontrado morto dentro de um carro no

estacionamento do Riocentro, após a explosão de uma bomba. Rio de Janeiro, 30 de abril de


1981. O fracassado Atentado do Riocentro era uma operação de bandeira falsa perpetrada por
setores do Exército Brasileiro, descontentes com a reabertura política no Brasil. Os militares
planejavam explodir bombas durante uma comemoração do Dia do Trabalhador no Centro de
Convenções do Riocentro, visando culpar a esquerda pelo atentado e paralisar o processo de
redemocratização.

Após os chamados "anos de chumbo" — período mais repressivo da ditadura, marcado pela
suspensão de direitos civis, coerção dos movimentos sociais, tortura e assassinato dos
opositores do regime militar -, o general Ernesto Geisel adotou um processo gradual de
distensão das medidas repressivas, revogando a censura prévia do órgãos de comunicação e
limitando as ações dos aparelhos ditatoriais. Geisel também extinguiu o Ato Institucional Nº.
5 (AI-5), restaurando uma série de garantias constitucionais.

Geisel tentava, dessa forma, encobrir a violência do regime sob um verniz de legalidade,
buscando arrefecer as críticas à ditadura e as pressões internas e externas. Na prática, o
autoritarismo e as atrocidades prosseguiram. O governo Geisel massacrou os sobreviventes da
Guerrilha do Araguaia, executou os dirigentes do PCdoB e PCB, cassou mandatos
parlamentares, fechou o congresso, cancelou eleições e assassinou dezenas de opositores. Não
obstante, a restauração das liberdades civis causou preocupação no oficialato.

Descontentes com o processo de distensão, militares da chamada "linha dura", sob a liderança
do general Sylvio Frota, tentaram aplicar um golpe. Geisel conseguiu neutralizar a ação de
Frota e o exonerou em 1977. Mesmo relutante, o sucessor de Geisel, João Figueiredo, deu
continuidade o processo de abertura política, promulgando a Lei da Anistia, anulando os
processos dos exilados e opositores do regime militar. Figueiredo também legalizou os
partidos políticos e extinguiu o bipartidarismo.

Receosos com a perda de poder e das regalias e temendo um possível revanchismo da


oposição em um eventual processo de redemocratização, os militares da linha dura buscavam
justificativas para o recrudescimento do Estado de exceção e a restauração do aparato
repressivo nos moldes dos "anos de chumbo". Não havia, entretanto, nenhuma ameaça efetiva
ao regime. A esquerda radical havia sido desarticulada e a guerrilha abandonada. Os partidos
recém-legalizados e novas agremiações tampouco contestavam a ordem institucional. Os
militares passaram então a forjar ameaças que justificassem a suspensão dos direitos civis e a
volta à repressão, orquestrando uma série de operações de bandeira falsa no início dos anos
oitenta — quase sempre explosões, invariavelmente atribuídas às organizações de esquerda.

Após uma série de ataques em janeiro de 1980, registraram-se 25 atentados nos meses
seguintes, quase sempre explosões em bancas de jornais que vendiam periódicos de esquerda
ou da imprensa alternativa. Cartas-bombas também foram enviadas a políticos e autoridades
civis, incluindo-se Antônio Carlos de Carvalho, vereador do Rio de Janeiro da bancada do
PMDB, e Eduardo Seabra Fagundes, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A secretária da OAB Lida Monteiro da Silva morreu em um dos atentados e José Ribamar de
Freitas, chefe de gabinete de Carvalho, ficou gravemente ferido.

O principal atentado, entretanto, estava planejado para ocorrer no dia 1º de maio de 1981. Os
militares pretendiam detonar duas bombas no Centro de Convenções Riocentro, que sediava
uma série de shows em comemoração ao Dia do Trabalhador. Os militares planejavam
posicionar o dispositivo embaixo do palco principal do evento, onde 20.000 pessoas eram
esperadas. As explosões no salão lotado acarretariam em um número elevado de vítimas,
causando uma grande comoção nacional, que seria explorada pelo regime para interromper o
processo de reabertura política e justificar ações de repressão contra a oposição. Para
incriminar a esquerda, os militares plantaram evidências falsas e picharam placas de trânsito
com as iniciais "VPR" — acrônimo da Vanguarda Popular Revolucionária, um grupo armado
da esquerda extraparlamentar que estava inativo desde 1973.

Na noite do dia 30 de abril, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias
Machado, ambos agentes do DOI-CODI, dirigiram-se até o Riocentro em um Puma GTE com
placa falsa e estacionaram o carro no pátio do centro de convenções. Antes que pudessem
entrar no local para plantar as bombas, entretanto, o dispositivo foi acidentalmente acionado e
detonou dentro do veículo. O sargento Guilherme morreu na hora e o capitão Wilson ficou
gravemente ferido. Uma segunda bomba foi detonada junto à casa de força do Riocentro,
presumivelmente com o objetivo de interromper o fornecimento de energia elétrica para
incrementar o pânico e potencializar o número de vítimas. O cantor Gonzaguinha se
apresentava no palco no momento da explosão e interrompeu a performance para comunicar
aos trabalhadores que "pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos
amedrontar".

O Serviço Nacional de Informações (SNI) — órgão de inteligência da ditadura — tentou


encobrir a culpa dos militares pelo atentado fracassado, atribuindo a ação à esquerda. A
hipótese, entretanto, não encontrou respaldo na opinião pública. Testemunhas também
declararam ter visto o sargento Guilherme e o capitão Wilson em companhia de agentes do
DOI-CODI e do Centro de Informações do Exército, portando granadas e examinando mapas.
Um inquérito policial foi aberto para apurar a responsabilidade pela ação. A investigação
levou à renúncia de Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do governo Figueiredo,
mas o caso foi arquivado pelos militares sem que ninguém fosse punido.

Em 1999, Gilda Berer, procuradora da República, tentou reabrir o caso, responsabilizando


Wilson Dias Machado, o general Newton Cruz (ex-chefe da Agência Central do SNI) e o
coronel Freddie Perdigão (chefe do escritório do SNI no Rio de Janeiro) pelo crime. O caso,
entretanto, foi arquivado depois de alguns meses por determinação do Superior Tribunal
Militar, que enquadrou o atentado na Lei da Anistia, mesmo tendo sido posterior à sua
promulgação . Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade apresentou um relatório preliminar
sobre o atentado, declarando-o como parte de uma ação articulada do Estado brasileiro e
revelando novos documentos que comprovavam que o presidente João Figueiredo e seu chefe
de gabinete, general Danilo Venturini, sabiam do plano com um mês de antecedência. Diante
das novas informações, o Ministério Público Federal tentou novamente reabrir o caso, mas a
investigação foi mais uma vez arquivada, dessa vez por decisão do Superior Tribunal de
Justiça.
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