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29/04/2019 Tupinambá de Olivença - Povos Indígenas no Brasil

De Povos Indígenas no Brasil


Foto: Susana Viegas, 2004.

Tupinambá de Olivença
Autodenominação
Onde estão Quantos são
BA 4669 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística

Os Tupinambá de Olivença vivem na região de Mata Atlântica, no sul da Bahia. Sua área situa-se a
10 quilômetros ao norte da cidade de Ilhéus e se estende da costa marítima da vila de Olivença até
a Serra das Trempes e a Serra do Padeiro.

A vila hoje conhecida como Olivença é o local onde, em 1680, foi fundado por missionários jesuítas
um aldeamento indígena. Desde então, os Tupinambá residem no território que circunda a vila, nas
proximidades do curso de vários rios, entre os quais se destacam os rios Acuípe, Pixixica,
Santaninha e Una.

Criança e cassuás com mandioca, em Sapucaeira. Foto: Susana Viegas, 1998

Apesar da longa história de contato, a filiação ameríndia é fundamental para compreendermos a


vida social dos Tupinambá de Olivença na atualidade. Não se trata de um resquício histórico
remoto, mas de uma marca efetiva na organização social e modo de vida dos Tupinambá que hoje
habitam a região. Entre outros aspectos, destaca-se sua organização em pequenos grupos
familiares e certos gostos alimentares, como a preferência pela “giroba”, uma bebida fermentada
produzida por eles.

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Ainda que os Tupinambá de Olivença se considerem muitas vezes “caboclos” ou mesmo “índios
civilizados”, isso nunca significou um abandono de sua condição indígena. O Estado retirou-lhes os
direitos indígenas diferenciados a partir do fim do século 19, em função das visões restritivas que
os órgãos oficiais tinham a respeito de quem era ou não indígena. Foi somente com a Constituição
de 1988 que se criou abertura legislativa para que as solicitações dos Tupinambá de Olivença, e de
outros povos, fossem ouvidas e pudessem ter respaldo.

Em 2001, os Tupinambá de Olivença foram reconhecidos oficialmente como indígenas pela Funai. A
primeira fase de demarcação do seu território concluiu-se em abril de 2009 com a publicação do
resumo do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.

Contato direto

http://retomadatupinamba.blogspot.com/

Nome

Sítio arqueológico da Serra das Trempes, Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Foto: Susana Viegas, 2004.

O uso do nome Tupinambá como autodesignação pelos indígenas de Olivença indica antes de tudo
uma identificação social, cultural e histórica com as populações tupi que viveram nessa região.

O padre jesuíta e historiador Serafim Leite foi claro quando identificou os índios do aldeamento de
Olivença como Tupi: a aldeia de Nossa Senhora da Escada “era constituída por índios Tabajaras e
Tupinaquins”. O Ouvidor da Bahia, Luis Freire de Veras, que em 1768 erigiu a Vila Nova de Olivença,
também reconheceu os índios que ali viviam como “índios da nação Tupy”. Ainda que seja sabida a

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existência, em determinados períodos históricos, de índios Camacã e Botocudo na região de


Olivença, a predominância tupi nunca foi questionada. Em 1938, Curt Nimuendaju visitou Olivença
e observou que se tratava de um povo Tupinakí.

Segundo o historiador John Monteiro, no século 16, os Tupi estavam divididos entre os povos que
habitavam a capitania de São Vicente e a boca do Amazonas – genericamente designados de
Tupinambá - e aqueles que habitavam a região ao sul de São Vicente – os Guaranis. De acordo com
esta distinção, os índios que viviam na região de Ilhéus durante esse período eram os Tupinambá,
que foram mencionados como povos da família linguística Tupi-Guarani em mapas históricos como
o de Curt Nimuendaju.

Peça de cerâmica encontrada no sítio arqueológico da Serra das Trempes. Foi identificada como sendo Tupi. Foto: Susana
Viegas, 2004.

Uma importante descoberta arqueológica que ocorreru durante os trabalhos de identificação e


delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença confirmou a presença histórica de uma
populaçao tupi na região. Em uma área rochosa e recolhida nas montanhas, foram encontradas
duas peças de cerâmica e uma delas foi identificada como Tupi devido à técnica de corrugado
utilizada na confecção, bastante conhecida entre os grupos tupi-guarani da costa atlântica.

População
Uma análise comparativa das fontes do período colonial e imperial permite indicar que, até o final
do século 19, a população de Olivença era quase exclusivamente indígena e somava cerca de 900
habitantes. Os Tupinambá de Olivença contavam, em 2004, com cerca de 3000 pessoas.

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Em 2004, os estudos de campo realizados para a demarcação da terra indígena confirmaram os


dados levantados no mesmo período pela Funasa, que estimou em 3500 os Tupinambá habitantes
na região e indicou a existência de muitos parentes fora dela. Em 2009, a Funasa realizou outro
censo que estimou em cerca de 4500 a população tupinambá residente na área.

Irmãs e seus filhos. Foto: Susana Viegas, 2004.

A análise demográfica dos dados da Funasa (2004), confirmados pelos estudos de campo de 2004,
mostra que se trata de uma população com uma expectativa de vida reduzida, uma taxa de
mortalidade muito elevada e jovem, visto que mais de 50% da população tem até 24 anos de idade
(35% de pessoas com até 14 anos), enquanto os idosos (com mais de 65 anos) representam apenas
5%. A distribuição da população por sexo indica que existem mais homens (53%) do que mulheres
(47%), o que pode ser uma consequência demográfica da expropriação territorial sofrida pelos
Tupinambá no século 20. De fato, as dinâmicas sociais de gestão territorial passaram a ser escassas,
pois as mulheres se casaram com não-índios e, em muitos casos, abandonaram a região, indo morar
com seus maridos em outras áreas. Foram os homens que preferencialmente ficaram vivendo nas
pequenas áreas de terra de seus pais, perpetuando a ocupação tupinambá.

As áreas do território com maior número de pessoas são a da vila, aquelas na serra, no Acuípe de
Baixo e do Meio e em Sapucaeira.

Localização
O território dos Tupinambá de Olivença está localizado no sul do estado da Bahia. Grande parte
dele está inserido no município de Ilhéus, mas também situa-se nos municípios de Buerarema e de
Una. Trata-se de uma área predominantemente de Mata Atlântica (Mata Higrófila Sul-Baiana) que
vai até a costa marítima. A área melhor preservada é aquela que foi utilizada exclusivamente para a
extração de piaçaba das palmeiras nativas e que predomina na região próxima à costa marítima
(Acuípe, Curupitanga, Campo de São Pedro), penetrando até cerca de 10 km no interior do
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território indígena. Há uma grande diversidade de recursos naturais na Terra Indígena Tupinambá
de Olivença, que também contém áreas de solo pobres e de solos mais ricos, como aqueles que são
encontrados na chamada região cacaueira do sul da Bahia.

A faixa litorânea utilizada pelos Tupinambá é formada por praias, mangues e restingas. A zona de
estuário é lodosa e repleta de manguezais. O material (sedimentos) que forma esses bancos de
areia provém dos vários rios que ali desembocam, como o Acuípe e o Maruim.

Língua
Os Tupinambá de Olivença falam exclusivamente o Português. Referências históricas indicam que,
no final do período das missões jesuíticas (segunda metade do século 18), alguns índios do
aldeamento já falavam português e a maioria falava a língua geral, o Nheengatu. As fontes do início
do século 19 mencionam que a maioria dos índios falava exclusivamente o Português, mas em 1938
Curt Nimuendaju, durante uma visita a Olivença, encontrou vários índios que ainda falavam
Nheengatu. Estes dados levam a crer que a generalização absoluta do Português entre os índios
teria ocorrido apenas no século 20.

Há entre os Tupinambá de Olivença um sotaque que chamam de “fala de índio” ou “fala de


caboclos”. Trata-se de uma maneira pouco ortodoxa de entoar as palavras, uma espécie de sotaque
característico dos índios que vivem no interior. A “fala de índio” é um modo de falar que alguns
rotulam de “estucado” ou “estiado”. É um ritmo na entoação das palavras que pode ser descrito,
por aproximação, ao que na interpretação musical se designa como stacatto. Assim, em uma frase,
cada palavra é dita de forma curta, sem prolongamentos, como se fosse intercalada por pequenas
pausas.

Histórico da ocupação
Os povos tupi já habitavam a região sul da Bahia quando as primeiras frotas de europeus chegaram
à região em 1500. Linguistas, como Métraux, consideram que a migração tupi em direção à costa
atlântica teria se dado há algumas décadas antes da chegada dos colonizadores. Entretanto
arqueólogos apontam para uma migração anterior: estas populações estavam ali há mais de 700
anos. Vários documentos comprovam que foi na década de 1680 que a aldeia de Nossa Senhora da
Escada foi fundada.

O espaço dessa aldeia foi apropriado muito cedo pelos índios que conseguiram, por exemplo, que
lhes fossem concedidos cargos administrativos de Capitão-mor e Sargento-mor. Ao mesmo tempo,
os índios viviam cotidianamente na área da mata, onde tinham suas roças (a posse de algumas
destas áreas, chamadas “terras dos ditos índios”, foi reconhecida na época). Esse modo de
ocupação do território em que o tempo cotidiano é dividido entre aldeia e as áreas de mata
próximas aos rios (principalmente o curso dos rios Acuípe e o Pixixica) persiste até hoje.

Na segunda metade do século 18, o aldeamento indígena foi convertido em Vila de Olivença de
Índios. e sua administração passou a ser regida pelo Diretório dos Índios.

No Período Imperial, os índios que habitavam na Vila de Olivença voltaram a assumir papéis
administrativos. Contudo, tal situação não foi resultado de uma mudança nas leis vigentes. Pelo
contrário, esta aconteceu apesar da continuidade das leis indigenistas, particularmente, do Código
de Posturas, no qual a política de tutela dos índios deixava-os nas mãos de vereadores com
interesses econômicos locais bastante claros. A intervenção e ação dos índios da vila se
manifestaram de diversas formas: foram eleitos para juiz de paz e considerados proprietários de
terras que geriram diretamente.

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Mapa temático representa as distâncias e localidades identificadas nos Registros de Óbito do cartório da Vila de
Olivença. Trata-se de locais ocupados pelos índios entre o fim do século 19 e o início do século 20. Mapa: Susana Viegas,
2007.

A análise dos Registros de Óbito do Cartório da Vila de Olivença do final do século 19 permite
traçar três formas de ocupação do território praticadas pelos Tupinambá de Olivença neste
período. A primeira correspondeu a um modo de vida mais fixo entre o espaço da vila e o seu
entorno, onde os Tupinambá mantinham roças. A segunda foi um tipo de ocupação que alternou
períodos na vila e na Mata, e a terceira modalidade tratava-se de períodos mais longos na mata,
com visitas sazonais ou periódicas à vila.

A partir do inicio do século 20, a expropriação do território dos Tupinambá de Olivença começou a
ganhar dimensões cada vez mais alarmantes. Foram dois os fatores que levaram a essa situação: a
reclassificação dos índios como “caboclos”, com a extinção dos aldeamentos missionários na costa
atlântica, e o interesse fundiário da emergente elite cacaueira na região sul de Ilhéus. Os
Tupinambá de Olivença neste período procuraram apoio do Serviço de Proteção aos Índios (SPI),
refugiaram-se e resistiram, mas foram abandonados pelo Estado sem sequer receber o
reconhecimento de suas terras.

Um relatório do Serviço de Proteção aos Índios (assinado por Alberto Jacobina, 1932) e um
documento de Curt Nimuendaju sobre sua visita a Olivença confirmam que, na década de 1930, os
índios da vila estavam sendo “enxotados de seus lotes” e viviam sob grande “pressão fundiária”.
Alberto Jacobina menciona já nesse momento a participação dos Delegados de Terra como
intermediários nos processos de espoliação fundiária em Olivença.

Entre as décadas de 1920 e 1930, o processo de espoliação foi, em parte, detido pela atuação de
uma frente de resistência que ficou conhecida como “a revolta de Marcelino”, levada a cabo por um
grupo de índios liderado pelo caboclo Marcelino. Os índios que viviam no interior, na mata e nas
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serras acolheram e protegeram este grupo da perseguição policial e acabaram sofrendo violências
para que denunciassem seu esconderijo. Ainda que a imprensa da época fosse propriedade de
fazendeiros, em 1929, o Diário da Tarde afirmou que o caboclo Marcelino havia estado na sede do
jornal e foi entrevistado pelo Capitão Vasconcelos, do Serviço de Colonização dos Selvagens. Este
jornal apontou ainda que “nas capitanias do estado e da república, consta que andou pelos
ministérios e secretarias, tratando muito a sério da defesa dos nossos aborígines […] clamando
proteção para os donos verdadeiros da terra e mata virgens”.

TUPINAMBÁ - O RETORNO
DA TERRA
de O retorno da terra

24:58

De acordo com os Autos do interrogatório feito a Marcelino quando esteve preso, em 1936, ele fez
uma última tentativa de obter apoio do SPI quando se deslocou ao Posto Indígena Caramuru-
Paraguassu. Lá solicitou ao chefe de Posto que “o apresentasse às autoridades competentes, para
que pudesse perante estas reclamar os seus direitos”. Marcelino foi preso logo em seguida. Os
índios foram expulsos da vila depois de ações normativas administrativas excludentes que
decretaram, por exemplo, a proibição de construção de casas de taipa. Alguns índios se recordam
dos episódios violentos que marcaram esse processo.

Nas décadas de 1940 e 1950, os Tupinambá de Olivença fixaram-se mais nas áreas de mata. No
entanto, a colonização intensificou-se também nessa região. A privatização de terras por parte de
não-índios envolveu permutas com os Tupinambá de Olivença baseadas em um sistema de “laços
de dívida”, por meio do qual os Tupinambá acabaram entregando suas roças. Ao que tudo indica,
foi principalmente na década de 1970 que a situação fundiária tornou ainda mais complicada a
reprodução do modo de vida dos Tupinambá de Olivença.

Esse processo se agravou devido ao boom do cacau, pois mais investidores procuraram as terras
que circundavam a região cacaueira e trouxeram um número cada vez maior de trabalhadores
assalariados para Olivença. Segundo depoimentos coletados em pesquisa antropológica, foram
encontrados indígenas mortos no rio Una, como resultado de tal pressão.

Sem a possibilidade de se deslocar e ocupar todo o antigo território, os Tupinambá passaram a


construir suas casas em áreas cada vez menores. Mesmo assim mantiveram o costume de se
dispersar no espaço, construindo novas casas.

A partir das décadas de 1980 e 1990, a percepção do confinamento territorial se fez sentir entre os
Tupinambá de Olivença. Ficaram impossibilitados de abrir novas roças, estabelecer novas unidades
residenciais ou mesmo se deslocar no território para ter acesso a recursos naturais vitais, como a
mata, a piaçaba e os rios. As áreas de ocupação ficaram cada vez mais reduzidas, criando entre os
Tupinambá uma sensação de “claustrofobia”.

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“Casa Isolada” em Acuípe. Foto: Susana Viegas, 1998.

A prática de abrir novas áreas de habitação e de abandonar as anteriores tem sido reconfigurada
pelos Tupinambá. Essas casas abandonadas são chamadas de “casas isoladas”, pois ao deixarem de
ser habitadas, ficam separadas da vida humana e rodeadas de mato. É fundamental para os
Tupinambá a ideia da revitalização da vida a partir do abandono cíclico de espaços, na qual a mata
tem um papel muito importante.

Diante da expropriação sofrida ao longo de décadas, é particularmente significativo o fato dos


Tupinambá não terem nunca abandonado o seu território. Pelo contrário, eles iniciaram uma luta
pela reconquista de sua área de ocupação tradicional. No entanto, muitos parentes dos Tupinambá
vivem em bairros de Ilhéus e ainda outros migraram para grandes cidades como Rio de Janeiro e
São Paulo.

Em 2003, quando reivindicaram à Funai a demarcação de sua terra, cada uma das áreas de
habitação tupinambá tinha em média apenas um por cento (1%) do tamanho considerado na região
como uma pequena propriedade fundiária.

Outras leituras

Cronologia da luta pelo reconhecimento étnico

Histórico do contato

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“Família Tupinikim da aldeia de Olivença” – legenda da foto de Curt Nimuendaju (1938) publicada na Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 1986, nº 21: 73.

Os Tupinambá fixaram-se na região de Olivença a partir do contato com os jesuítas no século 17.
Fontes coloniais mencionam que no período do aldeamento jesuítico foram criaram áreas
residenciais para os índios chamados de “livres”. Tais áreas localizavam-se na região do rio Una (nas
serras) e tinham como objetivo “garantir a subsistência e o trabalho aos índios livres da Aldeia de
Nossa Senhora da Escada”.

Durante o período colonial, os índios da Vila de Olivença estabeleceram relações com grupos Jê
(Camacã, Botocudo e Pataxó). A relação dos índios aldeados com os Pataxó parece ter oscilado
entre o conflito e um convívio apenas temporário.

Várias narrativas dos Tupinambá que habitam a região das serras e do rio Una trazem descrições de
índios “selvagens” com quem lidavam no passado de um modo marcado, muitas vezes, por relações
de alteridade. Alguns se referem a esses índios “outros” como aqueles que “comiam cru”, que
falavam outra língua e usavam arco e flecha. Esse contraste se explica pelo fato dos Tupinambá
assumirem a identidade dos “índios civilizados”.

Atualmente os grupos indígenas com os quais os Tupinambá de Olivença têm mais contato são os
Pataxó Hã Hã Hãe e os Pataxó, ainda que tais relações não sejam sistemáticas. Os Tupinambá
também estabelecem relações com os Tumbalalá por causa das iniciativas organizadas pela
organização não-governamental Tidewá. A relação com os Pataxó Hã Hã Hãe de Caramuru-
Paraguassu é marcada por autonomia e ao mesmo tempo apoio mútuo. Existe um pequeno grupo
de Tupinambá vivendo junto com os Pataxó Hã Hã Hãe na área de Caramuru-Paraguassu. Tal grupo
se formou a partir da chegada à área de um homem tupinambá na década de 1930.

Os não-índios, que vivem nas cidades da região cacaueira, sempre tiveram uma atitude
discriminatória e ambivalente em relação ao reconhecimento da identidade indígena dos
Tupinambá de Olivença. Um exemplo dessa ambivalêcia está no fato de, nas décadas de 1920 e
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1930, a imprensa relatar que os índios de Olivença eram “selvagens perigosos” que “flechavam”
veranistas na praia e ao mesmo tempo e referidos como “bugres” ou “caboclos”. Ainda hoje, a
atitude mais comum entre as autoridades da região de Ilhéus face à identidade dos Tupinambá de
Olivença ainda é regida por princípios de desconfiança, fortemente alimentados pelo imaginário do
“índio puro, selvagem e extinto”.

O conhecimento que os habitantes não-indígenas da região têm dos Tupinambá baseia-se no


contato que estabelecem com eles na vila. Os Tupinambá que freqüentam mais a vila acabam
servindo como uma espécie de “vitrine” de seu povo. A surpresa de muitos não-índios que vão à
região da Mata pode ser exemplificada com o relato de um funcionário da Funai, transcrito em seu
relatório de visita de 1997: “Após contato e revelações do grupo meio arredio pelo pouco que são
visitados, pude constatar que vivem em regime fechado e ainda conservam seus traços étnicos,
legado dos primeiros povos a habitarem a região costeira da Bahia” (cf. Viegas, 2007).

Lugares, as aldeias tupinambá


Os Tupinambá de Olivença vivem em pequenas unidades residenciais, distribuídas em uma área de
cerca de 50.000 hectares. Apesar de não viverem isolados dos vizinhos não-indígenas, os
Tupinambá de Olivença vivem em áreas residenciais com características próprias, comumente
designadas de lugares.

Um lugar em Sapucaeira. Foto: Susana Viegas, 1998.

A designação lugar é normalmente seguida do nome de um dos habitantes da casa principal –


geralmente daquele que a fundou: “o lugar de Miguel”, por exemplo. Com relação à organização
socioeconômica, pode-se dizer que as casas têm certa independência no que diz respeito à
produção e ao consumo. Cada casa possui sua roça e a farinha ali produzida pertence
exclusivamente àqueles que cultivaram as mandiocas.

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Para além desses lugares, muitos índios moram em “aldeias” que resultaram do "movimento de
retomada”, que tem sido o único capaz de viabilizar uma certa reordenação territorial em um
período de espera pela efetiva demarcação de sua terra, iniciada em 2003.

Organização Social
A aliança conjugal entre os Tupinamba de Olivença é um ato totalmente destituído de ritualização
ou de obrigações entre os parentes do noivo e da noiva. O casamento efetiva-se por meio da co-
habitação do esposo e da esposa, que constroem uma casa e abrem uma roça. A fundação de uma
área residencial ou um lugar é central para as dinâmicas sociais, particularmente para as relações
políticas locais. Os critérios que levam alguém a ser visto como liderança na comunidade estão
relacionados ao fato de ser ou não fundador de um lugar, além da sua capacidade de atrair para a
sua casa os filhos e suas respectivas famílias.

Reunião sobre a demarcação da Terra Indígena durante o GT FUNAI. Foto: Susana Viegas, 2003.

As lideranças voltadas mais especificamente para as relações dos Tupinambá de Olivença com o
Estado se formam a partir de lógicas que combinam a escolha de líderes mais jovens e aqueles que
conhecem melhor a história do povo, como os mais velhos. O fato de jovens mulheres indígenas
terem vivido um certo tempo na cidade e de, mais recentemente, terem mais acesso ao sistema
educacional têm feito com que algumas assumam papéis de liderança. Munidas de conhecimento e
capacidade de transitar entre os lugares e a cidade, em 1997, as mulheres tupinambá começaram a
se envolver com o desafio de serem de intermediárias nas relações com o Estado. A primeira
liderança eleita em 2002 pelos Tupinambá de Olivença foi justamente uma mulher.

Noções de Corpo e Pessoa

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Mulher tupinambá com seu filho. Foto: Susana Viegas, 1998.

Os laços entre o bebê e a mãe são muito valorizados. As práticas em torno do parto realçam o
estreitamento do corpo da mãe e do recém-nascido. Os termos usados para descrever a placenta
fundamentam-se na noção de um corpo comum à mãe e ao filho: “companheira do menino”,
“pedaços de pessoa” e “resto da mulher com o menino”.

A placenta pode ser enterrada nos arredores da casa, mas deve sê-la bem fundo. Diz-se que se
enterra “para não deixar à toa” e “para bicho não carregar”. Entre os animais que circundam a casa,
os mais temidos são as galinhas porque estão geralmente associadas ao ato de espalhar, dissipar
ou alastrar.

O período do “resguardo” é um dos momentos cruciais na constituição e consolidação de laços


entre casas de um mesmo lugar por meio das mulheres. De fato, a mulher que mais comumente
assume a posição temporária da mãe que fica em “resguardo” é a sogra (avó paterna das crianças),
pois o mais frequente é que o casal resida junto da casa dos pais do esposo. A substituição
temporária de uma mãe nestes casos significa assumir práticas associadas ao cuidado das crianças
e a sua alimentação. Ora, quando as sogras substituem as suas noras nas tarefas da casa, elas não
cumprem qualquer tarefa de cooperação que seja prevista na relação entre as diversas casas de um
lugar. De fato, do ponto de vista das crianças, se o cuidado prestado nestas tarefas se torna
sistemático, as avós podem se transformar em mães propriamente ditas.

A valorização da prática de “dar sustento” à constituição dos laços sociais entre pais e filhos é, no
caso dos Tupinambá de Olivença, tão intensa que pode vir mesmo a substituir o laço primordial
entre a progenitora e o recém-nascido. A casa onde a criança vive e o lugar onde se constitui como
pessoa são dimensões estruturantes da vida social. Quando, por exemplo, há uma separação
conjugal, a decisão sobre a guarda da criança tende para que ela fique morando no seu lugar de
origem. Assim, na maioria dos casos, a criança residirá com o pai e seus parentes de linha paterna
(avó e tias mais frequentemente).

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Mulher carrega beijus em Sapucaeira. Foto: Susana Viegas, 2004.

Entre os cuidados que envolvem a formação da pessoa tupinambá, aqueles ligados aos hábitos
alimentares ganham particular destaque. O beiju e a bebida fermentada de aipim chamada “giroba”
são os alimentos que mais condensam esses significados. Os Tupinambá dizem que a giroba é uma
bebida particularmente adequada à nutrição do bebê, porque é um alimento que “faz” dos bebês
caboclos. Vários adultos dizem que “cresceram bebendo giroba". Esta bebida é constitutiva da
pessoa e suscita no corpo certa disposição para ingeri-la e apreciá-la. O modo como os Tupinambá
tomam a giroba é também singular, já que é hábito amorná-la antes da sua ingestão. Tal é um
hábito muito particular que se encontra em poucos contextos ameríndios, mas que era
curiosamente referido pelos cronistas do século 16 e 17. Diziam que os Tupinambá, habitantes da
costa atlântica nesse período, preferiam “beber o cauim amornado e a primeira coisa que faz[ia]m
as mulheres [era] um pequeno fogo em torno dos potes de barro para aquecer a bebida” (Jean de
Léry, 1578).

A maturidade feminina envolve muitos aspectos, e está também associada à mobilidade entre os
lugares ou entre a área da Mata e a cidade. As meninas, muitas vezes, saem da Mata e vão para a
cidade e outras vão morar com seus maridos em outros lugares. Independentemente do modo
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como o namoro começou, geralmente se diz que ele teve início quando o rapaz foi “buscar” uma
mulher. Os rapazes, por sua vez, exercem “trabalho de ganho” na roça e, geralmente, para
consegui-lo têm que deixar a casa dos pais (ao menos temporariamente).

Atividades Produtivas

Produção de farinha de mandioca em Sapucaeira. Foto: Susana Viegas, 1998.

Os Tupinambá de Olivença produzem uma enorme variedade de alimentos a partir de vários tipos
de mandioca. Destaca-se a importância da produção de farinha de mandioca, do beiju e da “giroba”
(bebida fermentada) para a vida social e também para a subsistência dos Tupinambá.

O sistema de plantio entre os Tupinambá de Olivença é o da agricultura de coivara que implica na


derrubada e queima da mata, na limpeza do terreno e depois na plantação.

Além da agricultura, outra atividade importante para a subsistência dos Tupinambá é a pesca
realizada predominantemente nos rios e nas áreas de brejo (entre rios e o mar).

A pescaria com armadilhas e pequenas redes como o jererê é muito utilizada e largamente
apreciada pelos Tupinambá de Olivença. O jererê é normalmente confeccionado pelas mulheres,
consistindo numa pequena rede sustentada por uma armação de vara de embira com forma
cilíndrica.

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Mulher tecendo um jererê no Acuípe do Meio. Foto: Susana Viegas, 1998.

Para se pescar com este instrumento, os índios têm que entrar no rio e mergulhá-lo dentro de água
quando avistam um peixe, de forma a aprisioná-lo na rede. Essa é uma técnica adequada ao período
em que o rio está “seco”. São principalmente as mulheres que pescam com jererê.

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A armadilha feita com “tapagem” corresponde à construção de uma barragem em áreas de


corredeiras, com o objetivo de direcionar a passagem dos peixes maiores para um só local. Nesta
passagem é colocada uma armadilha feita de varas trançadas com cipó, chamada de Jiqui. Os
Tupinambá de Olivença também fazem tapagens de pedra em áreas onde o rio tem mais força ou
mesmo em cachoeiras, como nos rios Santaninha e Una, ou mesmo em cachoeiras. As tapagens são
colocadas principalmente no período de chuvas e no verão – quando o rio está mais cheio e agitado
-, pois os peixes só ficarão presos no jiqui quando vêm com a correnteza. Há, no entanto, uma outra
técnica de “tapagem”, feita com palha, que é utilizada em rio “liso”, sem cachoeira.

Jequi, armadilha usada para fazer a tapagem. Foto: Susana Viegas, 2004.

A pesca no rio, por sua vez, é complementada pela pesca no mar e pela coleta de crustáceos no
mangue. Para os Tupinambá que habitam nas áreas próximas à costa, a pesca no mar é atividade
importante que e sempre complementada por outras. Já a coleta de crustáceos no manguezal é
fundamental para todos os Tupinambá. A coleta de caranguejo é uma atividade sazonal, realizada
apenas entre os meses de janeiro e abril. Este período é denominado pelos Tupinambá de
“andada”. O termo descreve o período em que os caranguejos saem debaixo da terra e andam na
superfície. Os Tupinambá não gostam de enterrar as mãos na lama e apanhar os caranguejos, é por
isso que esperam o período da “andada”. Como é apenas neste período que os índios vão ao
mangue, também chamam-no de “data do caranguejo”. É neste momento que “os caranguejos
ficam na euforia”, como dizem alguns índios. Através do calendário da lua, os Tupinambá sabem os
hábitos dos principais crustáceos que vivem no mangue: uma lua antes da “andada do caranguejo”,
quem anda é o guaiamum macho; uma lua cheia antes da “andada do caranguejo”, anda o
guaiamum fêmea (“andada da pata choca”). Quando está trovejando, o caranguejo sai do buraco
para acasalar. Estas atividades não são e nunca foram praticadas pelos Tupinambá com fins
comerciais.

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Armadilha de caça. Foto: Susana Viegas, 2004.

A caça é praticada pelos Tupinambá em todas as localidades de seu território, mas predomina
naquelas onde há maior extensão de floresta em fase de regeneração e onde o acesso à mata não
é impedido pelos fazendeiros. A caça é uma atividade exclusivamente masculina e o conhecimento
técnico associado é compartilhado tanto pelas gerações mais velhas quanto pelas mais jovens.
Essas técnicas tradicionais pressupõem conhecimentos acerca do comportamento dos animais e
implicam em relações específicas entre o caçador e a caça.

A coleta de piaçaba é a atividade extrativista mais importante entre os Tupinambá de Olivença. De


acordo com documentos do período colonial e imperial, a coleta da piaçaba foi uma das primeiras
atividades desempenhadas com o objetivo de troca. O que hoje é coletado pelos Tupinambá e
valorizado no mercado regional são as fibras de piaçaba. Estas fibras são utilizadas para a
fabricação de vassouras de uso caseiro e industrial. No século 19, eram usadas como cordas para
amarração dos navios.

Para esse povo, a fibra é o principal elemento aproveitado da piaçaba. Sua produção artesanal está
vinculada, sobretudo, a esse recurso. Os Tupinambá produzem vários artefatos, tais como objetos
decorativos, utensílios de caça e pesca, utensílios domésticos, como peneiras, pilões, esteiras,
cassuás, cestos, flechas, lanças, arapucas, laços, jiqui, além de cocares, colares, cangas e adornos.
Sementes coloridas e corantes extraídos de plantas são importantes para a fabricação de muitos
desses objetos.

É de especial relevância o fato de que as relações socioeconômicas entre os Tupinambá de Olivença


e a sociedade envolvente implicam e implicaram sempre o uso dos seus conhecimentos
tradicionais: a extração da piaçaba, a produção de farinha de mandioca, o cultivo de roças e a
fabricação de pequenos artefatos. A farinha de mandioca feita pelos índios é bastante valorizada
no comércio de Ilhéus e, até hoje na região, se reconhece a sua especialização técnica na coleta de
piaçaba.

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Práticas rituais e festas


As festas tradicionais dos índios de Olivença estão bastante associadas a rituais católicos e
constituem momentos de particular importância para a constituição e consolidação de laços entre
habitantes de várias localidades.

Mastro de São Sebastião na praça da vila de Olivença. Foto: Susana Viegas, 2005.

A Festa do Divino Espírito Santo realizada no final do mês de maio é um momento especial de
reunião entre as pessoas que vivem na Mata e na vila de Olivença. A Festa da Puxada do Mastro ou
Festa de São Sebastião, que acontece todo o segundo final de semana de janeiro, ganhou nos
últimos anos um papel mais relevante nas relações sociais na vila. A Festa de São Sebastião
também se realiza na aldeia tupinambá da Serra do Padeiro, mas apresenta tradições diferentes.

Na Festa do Divino Espírito Santo, a bandeira do Espírito Santo circula durante um mês por todas as
localidades da Mata. Os “romeiros”, que carregam a bandeira, visitam as casas e quando a bandeira
sai da vila para a Mata diz-se que ela “entrou para o mato”. Em certas localidades os “romeiros”
levam consigo pessoas das casas visitadas, que os seguem em outras visitas. Quando se ouve o
tambor, instrumento que anuncia a chegada da bandeira em uma casa, os moradores das
redondezas se aproximam. A festa propicia momentos de sociabilidade entre os vizinhos, assim
como encontros entre as pessoas da vila e da Mata. No encerramento da festa, por exemplo, uma
missa é realizada na igreja de Olivença, reunindo índios de diversas localidades. Aqueles que vêm
da Mata pernoitam em casas de parentes. A memória dessa visita à vila é relembrada pelos
Tupinambá que vivem na Mata com frequência ao longo do ano.

Na Festa da Puxada do Mastro, são os habitantes da vila que mais se destacam. Um dos grupos
centrais da festa são os “machadeiros”, escolhidos anualmente. Quinze dias antes da festa, eles
têm o papel de “marcar o pau”, isto é, dirigir-se à área do “mato” (a cerca de três quilômetros da
vila) e escolher os troncos que serão utilizados para a fabricação do mastro e do “mastaréu”, o
mastro das crianças. Além disso, “marcar o pau” implica em extrair parte do casco da árvore para
promessas feitas a São Sebastião. Também se usa o casco para fazer um chá que “dá sorte”.

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No dia da festa, a alvorada é às cinco horas da manhã e se inicia com o sino da igreja. O encontro
para a saída ao mato é na Praça Cláudio Magalhães. As pessoas se alinham de frente ao sino da
festa - um sino de bronze acinzentado, envelhecido, mas pujante, que fica pendurado por uma
corda no tronco e é transportado por duas pessoas. No mato, o tronco é cortado em um ambiente
de enorme animação, com muitas conversas entre os conhecidos e os vizinhos de Olivença, que
muitas vezes são companheiros de festa. O corte do tronco é rápido e sua queda provoca muita
agitação. Homens se aproximam e alguns, usando o facão, descascam-no. Parte do casco é
aproveitada pelos presentes para fazer chá, para proteção ou promessa. O restante é retirado e
deixado no chão. O objetivo é tornar o tronco mais liso para rolar com menos dificuldade quando
arrastado. Na parte da frente do tronco inicia-se outro trabalho: abertura de um orifício onde será
amarrada uma corda. Levantar o tronco do chão é talvez uma das tarefas mais complicadas e
árduas.

Na saída do mato, as crianças vão à frente, puxando o “mastaréu”. O mastro é puxado por todos os
presentes. Então ouve-se gritar “agora”, “juntem a corda”, “em frente”, “parem” – palavras de
ordem e coordenação entre os que seguram e arrastam a corda. Quando se inicia a descida canta-
se bem alto “Ajuê, dão”, “ajuê, dão dão” e com isso se ganha ânimo para puxar o mastro. Depois da
pausa para o almoço, os transportadores do sino entram pela praia. Os rapazes com o mastaréu
correm para o mar e mergulham junto do tronco. Muitos sentam-se em cima dele para trazer
“sorte” e, por vezes, bebês são colocados durante instantes em cima do mastro com o mesmo
propósito.

Tupinambá de Olivença dançam o Porancim na frente da delegação regional da Funai (Ilhéus), enquanto esperam a
decisão sobre as reintegrações de posse. Foto: Susana Viegas, outubro de 2008.

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Quando se chega à praia perto da vila, o número de pessoas aumenta substancialmente. O grupo
vai ganhando cada vez mais expressão e deixando os tocadores de zabumba para trás. Na subida
para a praça a euforia dos que acompanham o processo desde o início é naturalmente enorme.
Quando chegam à praça, são lançados foguetes e discursos de agradecimentos são proferidos. Na
vila, a festa ganha expressão totalmente diferente, sendo dominada pela administração da vila e
pelo turismo.

Uma prática ritual que os Tupinambá de Olivença adotaram desde 2000 é o Porancim. Trata-se de
um Toré que surgiu depois de encontros com outros índios da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais,
nos quais tiveram acesso aos conhecimentos relacionados à dança e ao cântico.

O Porancim tem cada vez mais importãncia e singularidade entre os Tupinambá de Olivença. Este
ritual inicia-se com uma dança circular. Parte substancial dela consiste em bater os pés no chão com
força e de forma ritmada, curvando ligeiramente o corpo para frente, mover o braço com os
maracás e cantar músicas repetidamente. Eventualmente algumas pessoas entram em transe nesse
processo. O Porancim é uma das maneiras dos Tupinambá de Olivença encontrar o pajé. Dançam-no
em todas as ocasiões de tensão política, como o fizeram em outubro de 2008 na frente da
administração regional da Funai, enquanto esperavam a decisão sobre as reintegrações de posse.

Fontes de informação

Outras leituras

Bibliografia completa organizada pela autora do verbete, Susana de Matos Viegas

Período colonial

Os documentos que trazem informações mais diretas sobre o aldeamento de Nossa Senhora da
Escada e a Vila de Olivença para o período colonial foram redigidos principalmente por
funcionários do governo e por religiosos.

LEITE, Serafim, S. I. “Ilhéus”. In: História da Companhia de Jesus no Brasil: Da Baía ao


nordeste: estabelecimentos e assuntos locais. Tomo V. Lisboa, Rio de Janeiro: Livraria
Portugália/Civilização Brasileira, 1945. Capítulo X, pp. 216-226.

LÉRY, Jean de. “Das Grossas Raízes e do Milho com que os selvagens fabricam a farinha,
comida em lugar do pão; da bebida a que chamam Cauim”. In: Viagem à Terra do Brasil. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1972 [1578], pp. 85-94.

MACIEL, Domingos Ferreira. “Officio do Ouvidor da comarca dos Ilhéos Domingos Ferreira
Maciel para o Governador da Bahia, sobre os índios da sua comarca”. Cairú, 16 de Outubro
de 1803. In: Almeida, Eduardo Castro e (org). Inventário dos Documentos relativos ao Brasil
existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa. Volume V. Bahia (continuação). Rio
de Janeiro, Officinas da Biblioteca Nacional, 1916 [1803], pp.178-179.

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MENDES, H. Gabriel. “Catálogo de Cartas Antigas da Mapoteca do Instituto Geográfico e


Cadastral”. Doc: IGC/cad. Tec/nº22, 235-236 (Estradas 609, 610, 611), 1969.

Publicações

DIAS, Marcelo Henrique. “A Inserção Econômica dos Aldeamentos Jesuíticos na Capitania


de Ilhéus”. In: CARRARA, Ângelo Alves e DIAS, Marcelo Henrique (orgs.). Um Lugar na
História: a Capitania e Comarca de Ilhéus antes do cacau. Ilhéus: Editus, 2007.

MAPA ETNO-HISTÓRICO de Curt Nimuendaju. Rio de Janeiro: IBGE/Fundação Nacional Pró-


memória, 1981 [1944].

MONTEIRO, John. “The crises and transformations of invaded societies: coastal Brazil in the
sixteenth century”. In: Salomon, Frank & Stuart B. Schwartz (ed). The Cambridge History of
the Native Peoples of the Americas. Vol III (Part 1): South America. Cambridge. Cambridge
University Press, 1999, pp. 973-1023.

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Cultura: O Índio na Bahia. nº 1. Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1988.

NIMUENDAJU, Curt. Carta de Curt Nimuendaju a Carlos Estevão de Oliveira, diretor do


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__________________. “Pessoa e individuação: o poder dos nomes entre os Tupinambá de


Olivença (sul da Bahia, Brasil)”. In: Etnográfica, Lisboa, v. 12, nº 1, 2008. pp. 71-94.

__________________; Melo, Juliana Gonçalves & Paula, Jorge Luiz de. “Resumo do Relatório
Circunstanciado de Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”. Diário Oficial da
União, Seção 1, edição nº 74, 20 de Abril de 2009, pp. 52-57.

Dissertações e teses acadêmicas

COUTO, Patrícia Navarro de Almeida. Morada dos Encantados: Identidade e religiosidade


entre os Tupinambá da Serra do Padeiro – Buerarema, BA. Dissertação de mestrado em
antropologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia,
2008.

DIAS, Marcelo Henrique. Economia, Sociedade e Paisagens da Capitania e Comarca de


Ilhéus no período colonial. Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal
Fluminense, 2007.

LINS, Marcelo da Silva. Os Vermelhos nas Terras do Cacau: a presença comunista no sul da
Bahia (1935-1936). Dissertação de mestrado em História, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2007.

MACÊDO, Ulla. A dona do corpo: um olhar sobre a reprodução entre os Tupinambá da


Serra-BA. Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.

MARCIS, Teresinha. A “hecatombe de Olivença”: Construção e reconstrução da identidade


étnica – 1904. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Cruz, 2004.

VIEGAS, Susana de Matos. Socialidades Tupi: identidade e experiência vivida entre índios-
caboclos (Bahia/Brasil). Tese de doutorado. Universidade de Coimbra, Portugal, 2003.

Relatórios

ETCHEVARNE, Carlos. Parecer técnico acerca de dois fragmentos cerâmicos procedentes de


Olivença, Ilhéus e do local achado (Bahia). Salvador: Laboratório de Arqueologia, Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2004.

PAULA, Jorge Luiz de. Relatório de viagem com o objetivo de levantar dados sobre a
demanda fundiária dos índios Tupinambá. Eunápolis, Bahia, 2001. [Viagem realizada ao

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29/04/2019 Tupinambá de Olivença - Povos Indígenas no Brasil

distrito de Olivença, município de Ilhéus, Bahia, no período de 26/11 a 10/12/2001,


conforme instrução técnica executiva Funai nº 140/DAF, de 14/11/2001].

VIEGAS, Susana de Matos & PAULA, Jorge Luiz de. Relatório Final Circunstanciado de
Identificação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Fundação Nacional do Índio,
Brasília, 2009.

VÍDEOS

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