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Lisboa.
https://hdl.handle.net/2027/gri.ark:/13960/t72v9dv0j
Public Domain
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ÜBRARY
DiRECTOR Littera-RIO— Gabriel Pereira. Director Artístico— is. Casanova.
PROSPECTO
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cie ser especial,
‘11’a physionomia
'
própria
'11 de cada
Portugal não tem sido estranho por completo a essa ordem de estudos.
Falta, porém, uma revista que offereça aos artistas, e aos escriptores que
nhecida hoje, como das noticias, artigos e monographias dispersos pelos jornaes políticos
e pelas publicações litterarias, e, ainda, das obras que alguns críticos e historiographos
estrangeiros, dos mais distinctos, têem consagrado á arte portugueza. A isto vem a pu¬
importância extrema, quer como necessário correctivo da influencia cada vez mais enér¬
gica das preoccupações materiaes e como poderoso elemento de unificação moral, quer
como base do verdadeiro progresso das industrias; — contribuir por todas as fôrmas para
que o artista possa ter a ampla e complexa educação que a Arte exige e que o talento,
do publico, para que este, comprehendendo e amando a obra d’Arte, envolva o ar¬
nossas manifestações estheticas, desde as mais evidentes e admiradas até ás mais obscuras
e ingênua dos utensílios domésticos e dos instrumentos agrícolas;— ver como possam
e distinguil-os, não só os elementos mais originaes e característicos que tal exame revelar,
mas ainda os que a vida do povo e a natureza offerecem na terra incomparavelmente bella
E sem duvida difficil, difficilima a empreza; mas nem por isso os seus iniciadore
duvidam do bom exito, porque vão tental-a com ardor, com enthusiasmo,
fé,
com con¬
e
tando não só com protecção de Suas Magçstades, que de modo tão claro têem mani¬
a
também com
e
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dedicada cooperação por parte dos artistas
e
escriptores portuguezes.
e
Do proprio titulo d esta revista, e com maior evidencia ainda, da breve exposição
que piecede, se deprehende qual terá de ser o programma da Arte Portugueza. Indica¬
rica; moveis; utensílios; caseirices. — Arte decorativa elementar, com applicações ao ensino
Esta revista vae ser, portanto, uma publicação essencialmente portugueza: — pelo seu
relações com a nossa; pelos seus intuitos, porque tem em mira contribuir para o desen¬
gências de uma publicação como esta, em que é de todo o ponto necessário que a gra¬
vura seja a reproducção mais perfeita, mais rigorosa, mais nitida da obra d’Arte estudada.
e parte copiadas de antigos códices illuminados dos nossos archivos e bibliothecas, parte
de composição inspirada em elementos nacionaes e nos proprios artigos a que se destinem,
entre nós), será aproveitada a actividade das officinas portuguezas em todos os trabalhos
cuja perfeita execução seja compatível com as circumstancias especiaes de uma industria
nascente, (g^g^
A Arte Portugueza excluirá completamente toda a litteratura alheia aos seus intuitos,
assim como a critica pessoal e subversiva. Os trabalhos serão quanto possível documentados.
os d’este prospecto.
iASSIGNATURAS
Anno.
Semestre 3®2 0 0
Anno. 8»ooo
(Pagamento adeantado)
A velagrande
-Accvadcira.
Ú-mastroJapapa
A grande
gaoea.
A.peuucnagauca
ouve/ua
AJotremexena.
Ojoanete
maior
de
(fjoaneie proa
íJj°depopa.
doestai
vela. maior
0cutel/omenor
5)."damexena.
Copia pertencente
daepocha,
aguarella
deuma m0
aoex. sr.Augusto d'Araújo.
Gomez
4 ARTE PORTUGUEZA
O desenhode um navio póde sempre dar assumptopara Boytac, ahi trabalhou, é certo; consta de escriptos authenti-
a narração de um feito heroico da marinha portugueza. cos; mas, cousa de reparar, o que ha em Setúbal, que joga
O segundo desenho, cuja origem ignoro, destinado, ao perfeitamentecom as maravilhas de Santa Maria de Belem,
que parece, a fazer parte de qualquer encyclopedia,onde, os Jeronymos, onde esse architecto, de origem franceza,se¬
por costume, se falia de muita coisa sem tratar em detalhe gundo noticias recentes do sr. dr. Sousa Viterbo, também
de uma só, por si mesmo se explica. Duas naus, talvez trabalhou, é o portal norte da igreja de S. Julião. E elegante
ainda das construídaspor Pombal, certamentealgumas das e opulentissima construcção, poderosa, com os seus fustes
que acompanharamD. João VI para o Brazil, têem as suas e arcos carregados de lavor, de folhagens, de tranças, e
velas e cabosnumeradospara facilmentese poder apprender larga pregaria estylisada.
a nomenclatura.É um trabalho curioso, onde claro se vê A porta da Gafaria tem a padieira singelamenteornamen¬
a influenciafranceza; e, mais ainda, porque á data de 1828, tada, e gravado o versículo biblico, tão desolador, vanitas
escripta em baixo, era vulgar na nossa armada technologia vanitatum et omnia vanitas. As gafarias, hospitaes ou al¬
nautica bem differente.Para o estudo das naus d’essetem¬ bergues de lazaros, ficavam fóra dos recintos muralhados,
po aconselhamosos magníficosmodelos da Escola Naval de para isolar da gente sã os miseros atacadosdo terrível mal.
Lisboa, alguns dos quaes são verdadeiros documentosde Mui notável a historia d’essa enfermidade, hoje felizmente
archeologia naval, e obras de arte primorosas. pouco vulgar; raríssima ao sul do Tejo, e muito mais rara
do que antigamenteno resto do paiz.
Outubrode 1894. OLIVEIRA-
O antigo hospital dos lazaros de Coimbra parece um
edifício mosarabe, com as suas rotulas e ameias escalona¬
das; ahi, o canteiro não abriu na pedra lettreiro pessimista,
mas lavrou gargulassemi-comicase semi-tragicas,represen¬
tando rostos deformados pela moléstia. No sul do paiz, o
mal descaiurapidamentedo século xv para o xvi.
ONUMENTOS DE SETÚBAL A porta da igreja de S. João (convento de freiras extin¬
cto nas luctas políticas de i 832-i 834, sendo as reclusas
então existentesdistribuídas por outros mosteiros), embora
pertencenteao manuelino, tem uma decoração sui generis;
João Vaz aguarellou uma pagina artistica bem notável, o artista lavrou ahi os symbolos da eucharistia:—a vide car¬
com trechos característicosdas mais antigas regada de cachos, e as espigas de trigo.
construcções
de Setúbal, sua patria. O brazão de Setúbal, —o castelloá beira-mar, a vieira e a
Bem pouco resta, na linda cidade do Sado, dos seusve¬ espada de S. Thiago (Setúbal foi dependenciada ordem dos
lhos edifícios; mas esse pouco merece muita spatharios, que por séculos tiveram a sua casa principal
attenção.
E resta pouco, porque Setúbal tem sido victima dos ter¬ no historico e pittoresco alcaçar de Palmella),— é um destes
remotos; os grandes tremores de terra de i53i e de i;55 gloriosos escudos portuguezes, tão característicos, que pa¬
foram fataesá cidade; e o do dia 11 de novembro de 1858 recem representaro genio nacional:— o castello e o mar, a
íez ahi mortes e centos de ruinas, em dois abalos apenas,
guerra e a aventura.
espaçadosde hora e meia, que foram sentidostambém em Setúbal tem larga historia; pelo seu porto e
Lisboa, mas com menor intensidade. vizinhança
da capital, foi consideradade importância militar; a cerca
O grupo disposto por João Vaz mostra-nos a torre-mi- de Affonso IV ainda se reconhece, e ha d'ella antigos de¬
rante e o celebre portico do mosteiro de Jesus; a porta da
senhos, assim como das obras posteriores. O castello de
Gafaria, e a entrada monumental do lado norte da igreja S. Filippe é a mais completa e bem conservada cidadella.
de S. Julião; o portal da igreja de S. João, o brazão de
Filippe II a fez construir, e ahi trabalharam dois enge¬
Setúbal, e um capitel do claustro de Jesus.
nheiros militares de gloriosos nomes,Tercio e Turriano.
Essa torre-mirante do extincto mosteiro das freiras tem
Com o chamado castello velho, o barrete de
para nós merecimento,com a sua grade de tijolo caiado, clérigo de
Bianc Annes e outras
e os seus ornatos angulares, terminando em fortificações dominando arredores e
espherasou estradas de Setúbal para o Alemtejo e para a capital, e
grandes pelouros. Em Lisboa havia uma parecida,que des- que
ainda serviram em 1834 e 1847,constitue, por assim dizer,
appareceu,talvez em consequênciadas exigências
urgentes um campo de demonstração bem definido da historia da
da moderna civilisação; que desappareceuha
pouco, ha fortificação permanenteem Portugal; e para o mar, para
algumassemanasapenas:—era a do conventoda
Esperança. a defesa do porto e da barra, outra serie de
Ficou um desenho!Para quem desejarsaber fortalezas, de
algumacousa D. João I até ao século presente.
do aspecto, conhecer um trecho do celebre
convento da Apesar dos terremotos que tanto a castigaram, Setúbal
Esperança, restaum desenhoda torre apenas!Onde ?
Numa ainda tem que estudar e admirar.
pagina de Haupt, que, passando por Lisboa, o lançou
no
papel, impressionado pela originalidade do mirante
monas-
tico, com as suas grades de tijolo.
A igreja de Jesus chama a
attenção por muitos moti-
vos; é um edifício que se ergueu em tempo de
D. João II
e de D. Manuel; a quadra do mosteiro é
bem curiosa- a
sacristia e a casa capitular são de Filippe II.
Na igreja' o
corpo é anterior á capella mór; o portico é uma
das pecas
mais antigas e conservadas;a grande fresta
deve ser mais
moderna que o portico. N’essa estreitajanella,
ha fragmen¬
tos de vidraes antigoscom
monogramma,em que será bom a
reparar, por ser peça bem rara no paiz.
Que Boutaca, ou
ARTE PORTUGUEZA
a
Leão,—foicomsuamulher filhos,descalço de cordaao pescoço,
e
e
offereceraorei leoneza suavida desuafamilia,emsatisfação da
e
a
promessa, ao verque,tendotomado governodePortugalemcon¬
o
sequênciada batalhade S. Mamede,AffonsoHenriquespassárao
Minho realisava conquistas naGalliza.Comosesabe, rei deLeão,
o
e
impressionado por essebelloacto,menosvulgarn’aquelles tempos do
queseimagina,desobrigou da suapalavrao pundonoroso cavalleiro.
Dominadopelaidéada independencia,tendo,ao mesmotempo,
e
de repellirpor vezes arabe,AffonsoHenriques, infatigávele tena¬
o
císsimo,ora luctaao norteora militaao sul,ora guerreia leonez
o
orabate mahometano, atéque,após victoriadeOurique(victoria
a
o
quese liga,como sabido,umadaslendasdanossaEdade-mediai,
é
a
toma titulode rei, queveiuafinal ser-lhereconhecido em 1143
a
o
por AffonsoVII, no convêniode Zamora, annosdepois,— termi¬
e,
—
nantemente,pelopontíficeAlexandreIII.
AquelletriumphoencheudeanimoAffonsoHenriquesparaentrar
emcampanhas maisregulares maisfecundas, comoobservaumhis¬
e
toriadormoderno, marca,porisso,—qualquerquetivessesido sua
a
importância militar,—umadatanotávelna historiada constituição
políticada nacionalidade
É,
portugueza. portanto,justificadaa me¬
móriaqued'ellefazemosauctores do quadrinhoquevouanalysando.
brilhanteseriedevictoriasquesesegue,—Santarém, Lisboa,Pal-
A
mella,Cintra,Alcácer, — as conquistas queno modernoAlemtejo
e
iamsendorealisadas, — deBejapor FernãoGonçalves, deEvora
a
pelofamosoGeraldo-sem-pavor,— lá estão,emparte,representadas.
Nãoforamesquecidas as fundações religiosascomque,segundoo
OUÇAS palavras, apenas,de apresentação, vistocomo espiritoda epocha,o valenteguerreirocommemorava os seusmais
iftSfêüB seja tare^ a escusada mostraraosleitoresdaArtePortu- brilhantes feitosd’armas. Alli nosapparecem (desenhadas com as¬
o
Sueí a {luea historiaconstitue umaaltae eloquentíssimapectode agoraparaseremfacilmentereconhecidas) tres d’ellas:—
V< ao mora i j tl uenao^cousa indifferentec onhecermos sé de Lisboa, mosteiro de S. Vicentede Fóra de Alcobaca,
a
JUiWlw
e
o
ou Í8norarmos ° nossopassado, porquedoconhecimentoquetãonotávelsetornou,e cujosmonges sedeveo aproveitamento
JP
e a
d’elledepende a consciência do quepodemosser;e, emfim, deumaextensaárea,inculta erma,na altaExtremadura.
v.K ^uea historia patria,nasuapartemaisgeral,pódee deveser
ensinada ás creanças, porque,mesmodepoisde extremada a
realidade, daslendas,por vezesformosíssimas, emquea imaginativa
peninsular a envolveu, muitolica aindan’essagloriosahistoriaque
apprender e admirar,muitossãoaindaos exemplos, —que ninguém
dirádesnecessários,— decavalheirismo, delealdade, dehonradez, de
abnegação, decoragem, deamorpátrio,querefulgem, commoventes
e persuasivos, nassuaspaginas maisincontestadas.
O compendio dahistoriadePortugalquetenhoa immerecida honra
deapresentar aosleitoresd'estarevista,vaesemduvidaassignalar-se
e distinguir-se entreos demais, nãosó pelasuafórma,inteiramente
novae original,comotambém peloseugrandevalorpedagógico.
É essecompendio formadopor umaseriede pequenosquadros,
compostos pelosr. viscondede Coruche,—um estudioso e umpa¬
triota,—e desenhados pelodirectorartísticodaArtePortuguesa.
Em cadaum d’ellesestãorepresentados, por meiode rápidose
suggestivos esbocetos, quebrevíssimas legendas completam, osfactos
principaes decadareinado. Nãosepódeimaginar expressão graphica
dosacontecimentos—mais simples, maisclara,maisinsinuante.
Os instructivos quadrinhos queformamestenovocompendio, de¬
verasattrahente (sãotão raros,diga-sede passagem, os livros de
ensino,portuguezes, a quetal qualificativose possaapplicarcom
propriedade!), hãode pouco pouco,apparecendo
ir,
nascolumnas
a
estarevista.Maistarde,serãopublicados emseparado.
d
Henriques.
cruzcom datauói, recorda
A
instituiçãodeumaordem,meio
a
Examinemos esteultimo.
monastica meioguerreira,quetinhapor alvo, exemplode outras,
herelogo attenção imagem
a
SoaresdosReis,no monumento
o
quizeram
a
José PESSANHA.
ARTE PORTUGUEZA
Leitura:
—Esta capella mandoufa\er Vasco Gonçalvesd(e) Almei¬
INSCRIPÇÔES PORTUGUEZAS da, cavalleiro, e sua mulher Mecia Lourenço, amos
do Infante Dom Henrique, e foi feita (na) era do
Salvador de 1426.—
.
Alem de que algumas, publicadas de ha muito, precisam
e poderam ser corrigidas por um novo exame, o successivo
agrupamento das que andam dispersas por varias obras é
evidentementeum bom serviço, em que oxalá me permitis¬
sem o tempo e os recursos poder cooperar melhor do que
procurarei fazel-o.
MMaKMMMMZâ
escudos,
dra,trespequenos tendoo do
centroasbandasoubarras
deAragáo e
osdosladosasquinas,
convergentes.
Leitura :
— (Era) i
tfã:aúfaiuaDonúfmi«m 3Õ2 an(n)osfoi esta tor(r)e co(meçad)a(aos) 8
dias de maio, e mandou-afase(r o muito) nobre Dom
Diniq, Rei de Portugal acabada.
Thomar,
convento naSacristia
deChristo,
pequena
Velha: lapide,
caracteres diría a datado
gothicos Esta ultimaparte,inintelligiveljá, evidentemente
minúsculos. acabamento:diae mez,ou sómente o mez.
ARTE PORTUGUEZA
Esta inscripção, que parece ter sido feita depois de con¬ védor fazendo-o representar por um caprichoso — A. n
cluída a Torre, e que é de singular importância por fixar Mig. n da Touro.— e o do Mestre por— a Do%. f
precisamentea construcçaoou a reconstrucçao do castello O do primeiro é claramente:— d.° mi\ (Diogo Martins)
por D. Diniz, tem-seconservadodesapercebida,talvez pela e apenas a ultima designação offerece difficuldade, não po¬
altura em que está e por se confundir, á primeira vista, com dendo, porém, ser: — Toura — porque está muito intelli-
as escabrosidadesda pedra. givel no começo da linha 8) a letra g. A sobreposta parece
Aparte o facto dos nossos archeologos,ou dos que se di¬ realmenter, o que dificultaria extremamentea leitura; mas
zem taes, mais se dedicarem,geralmente,á exploração das porventura uma irregularidade ou estrago da pedra é que
mais banaes inscripções de cippos romanos do que á co¬ lhe dá aquella apparencia,sendo simplesmenteum i, o que
lheita das que podem illustrar a historia patria. dá a palavra — Tougia.
Alli mesmo, n’aquelle formoso monumento chamado o Tougia, Tangia, Ataugia, Touria, é Atouguia da Baleia
Castello de Leiria, que bem póde dizer-se amassado com povoação que não fica muito distantee que teve grande im¬
sangue, a busca das inscripções romanas nas pedras fune¬ portância no tempo de D. Fernando e de D. Pedro I, que
rárias aproveitadasnas muralhas, tem chegado a fazer pe¬ nella celebraram cortes, e onde, pouco antes do primeiro
rigar a segurançadas construcções,ao passo que nos restos senão no seu tempo, se fez ou reformou também um forte
dos Paços do Rei Lavrador nenhuma exploração regular castello.
se tem feito. O nome do vedor seria pois: Domingos Martins da Tou¬
Escusado será acrescentarque o escudo com as barras gia ou d’Atouguia, o que, como se vê, só pela interpretação
ou bandas aragonezasé uma afirmação ou uma homena¬ de um signal ou letra sobreposta, póde suscitar
hesitação.
gem ao senhoriode Leiria dado á Rainha D. Isabel, a Santa. E a leitura que preferimos, até por não encontrarmos
O calco desta inscripção, e até a denuncia d’ella, foi-me melhor. O nome do mestre, e que não nos parece
que offe-
fornecidopelo meu amigosr. João Christino da Silva, então reça duvida, é João Domingues ou
Domingos.
director e professor da escola industrial Domingos de Se¬ Devo a um cuidado desenho do meu amigo e distincto
queira, de Leiria. professor, o sr. João Christino da Silva, esta inscripção,
bem como a seguinte.
III
IV
t Óbidos,
naTorredoFacho.
m . U 5* U 4JL lí 1E0.X
.'CL.
Leitura :
—Foi reformada esta muralha por Dom Sandio pri¬
EO: ,{& BSMIUBMO: meiro.—
rjt rpoíjQffE
)MEMi
iitfcteforj REPRESENTAÇÃO DA GRISELIA
NO THEATRO DE D. MARIA II
Óbidos,
TorredoCastello,
nohumbral
da
porta
(ogival),
ladoesquerdo.
Leitura: Mysterio em tres actos lhe chamaram os seus
— auctores francezes, Armand Silvestre e
E(ra)'i4i3 annos, no me%d(e) outubro, foi começada Eugène
Morand, Mysterio lhe chamou o seu brilhante e
estator(r)e, pior) mandadodelrei Dom Fernando, da
primoroso traductor, o conde de Monsara
q(ua)lfoi redor D(iog)o M(art)i(njs da Tougia, e mys-
foi teiio ficou sendo para o nosso publico esta inte¬
delia m(estrjeJo(ão) Do(mingite)s,e
foi feita á custa ressante obra dramatica. Poucos dias
do dito. viveu na
scena do theatro de D. Maria II tão
curiosa peça,
pela qual se mostrou esse grande e
O meu amigo Sousa Viterbo lembra-meque Giner profundo des-
de los rezo- ••que geralmentemanifestamospelascousas
Rios dá esta inscripção no seu Portugal;
mas, pela copia que nao _ P
que me transmitte, entendo que o escriptor percebemos!
hespanhol não Talvez pareça estranho que ainda
soube copial-a e lel-a bem. Assim, na linha hoje se falle de uma
i) tomou o s peça, que se representouvae
final pelo algarismo6, que nada significaria,e na para tres annos. Uma vez, po¬
linha 2) sup- rem, que esta peça
primiu o o na primeira palavra. para nós significaa adaptação,ou, ainda
Embaraçaram-no natural- melhor a
mente os pontos de separação,muitas vezes transplantação para o moderno theatro, de um
collocadospor generode litteratura
simples fantasia decorativa.Trocou também os dramaticabem antigo, d'essalitteratura
nomes do que fez renascer na
Edade-media o primitivo e moribundo
ARTE PORTUGUEZA 11
theatro greco-romano,é por essa Por muito tempo, os Mysterios representaram-senas igre¬
razão que nos interessamosviva¬ jas; depois, passaram para theatros especiaes,construídos
mente pela Griselia, é por essa nas praças publicas, principalmente nas encruzilhadas das
razão que lamentamos que ella ruas, e até nos pateos dos conventos. Armava-se um pa¬
não figure amiudadasvezes no re¬ lanque, com cadeiras reservadaspara os nobres e fidalgos;
pertório do theatrode D. Maria II, o resto do publico, isto é, o povo e os burguezes, gosavam
como um precioso modelo no ge- o espectáculo das janellas e da rua, sentados aqui, encar¬
nero dramatico a que pertence. rapitados acolá; outras vezes, como succedeu em Antin,
'
A barbarie dos primeiros sé¬ construiam-seenormesbarracões.Este, a que nos referimos,
culos da era christã anniquilou, podia comportar quarenta mil pessoas.
com a sua rudeza brutal, tudo o Taes representaçõeseram sempre um acontecimentolo¬
que era filho do trabalho do espi¬ cal, e duravam ás vezes uma semana, e mais dias, até.
rito humano. Os espectáculoseram annunciadospor bandos de actores
A ignorância, a brutalidade, a vestidos e caracterisados,que percorriam as ruas para exci¬
aspereza dos costumes, como a —Rosa
GRISELIA Damasceno tar a curiosidadepublica. Muitas vezes,essasrepresentações
maré que enche, alagou, destruiu principiavam por uma symphonia, e terminavam,quasi sem¬
e fez desapparecer todos os vestígios da civilisação litte- pre, por um Te Deum. Um orgão portátil executavaa mu¬
raria e artística greco-romana. sica precisa. Os actores entoavamcânticos acompanhados
Em Lisboa, no anno de 1798, em umas excavaçoesa que pelo orgão e repetidosem côro pelos espectadores;algumas
se procedia para os lados da Sé, na rua da Saudade, en¬ vezes, como no Mysterio da Resurreição, o concerto musi¬
contraramse vestígios de um theatro romano, com logares cal era reforçado pelo ruido dos tambores e das armas de
de platéa, duas estatuasde Sileno, columnas derruidas, etc. fogo, todas as vezes que a situação do drama o exigia.
Por uma lapide com que se deparou na face perpen¬ Quando faltava a symphonia, os espectáculoscomeçavam
dicular do prosceniwn, em frente dos assentos do amphi- por diálogos pouco importantes, ou por vistoso alarde dos
theatro, sabe-se que o luxuoso edifício fôra construído por actores, para dar tempo a que se estabelecesseno audi¬
Caio Heio Primo e dedicado a Nero'. torio o silencio indispensável ao bom andamento da festa.
Pois todos sabemoso estado em que se encontravaentre Os actores iam então occupar os logares que lhes com¬
nós a litteratura dramatica e o theatro, antes de Gil Vicente petiam, permanecendo visíveis durante o espectáculo, á
representaro seu monologo O Vaqueiro, no paço de D. Ma¬ excepção d’aquelles que representavamfiguras vindas do
nuel, por occasião do nascimento do infante D. João, na Inferno. Esses estavam por detrás da bócca do dragão,
presença da rainha,— monologo que, póde dizer-se com que se conservava sempre fechada. Quando os actores
justiça, foi o prologo da fundação do theatro portuguez! acabavam de representar, voltavam a sentar-se nos seus
Da França, porém, é que partiram os primeiros inicios logares,— e, desde então, o publico fa¬
do theatro, em uma epocha anterior ao nosso Gil Vicente. zia conta que tinham desapparecidoda
E esses princípios, segundo os documentosque temos ante scena.
os nossos olhos, foram ridículos, estúpidos, obscenos e Ím¬ No seu estado mais rudimentar, e
pios. Todos os que analysam e estudam o theatro em tal para as peças menos complicadas, o
periodo, são unanimes em affirmal-o. palco dividia-se em tres anda¬
Representava-separa um publico ignorante, fanatico,sim¬ res. O mais alto representavao
plório, bronco e semi-barbaro! Esses espectáculosnão exi¬ Céo; o ultimo, o Inferno; e o do
giam, dos auctores, nem intriga, nem prévias combinações, centro, a Terra. Tal era a dis¬
nem preparação artística de especie alguma; o que o pu¬ posição ordinaria.
blico, a multidão queria, era ver de perto, tocar, se possível O Paraíso, como se vê,
fosse, presencear,interpretar,comprehenderde algum modo occupava a parte mais ele¬
0 objecto, ou, por outra, o assumptodos seus pensamentos vada nos palcos 1, e era ahi
constantes, dos seus sonhos de todas as noites, das suas que mais se desenvolvia a
meditações de todas as horas—o Céo e o Inferno! magnificênciado scenario.O
Começaram nas igrejas, por simples leituras e recitações Inferno não lhe ficava atrás,
de trechos da Biblia, e bem depressa a essas recitações e abrangiatoda a largura da
succedeuo dialogo de alguns desses trechos, principalmente scena.Era representadopela
o da Paixão; e as palavras que o Evangelho poz na bôcca cabeça de um dragão, cuja
de cada personagem principiaram a ser ditas por outros bôcca se abria para dar pas¬
tantospadres-actores, que, por esta fórma, davammais vida sagem ás personagens; e
ao sacrodrama do martyrio do Redemptor, impressionando, quando escancaravaas gue-
subjugando, assim, mais vivamente, o auditorio fanatico. las, deitavafogo pelos olhos
D esta fórma nasceramos Mysterios, que foram um espe¬ e pelas narinas.
ctáculo, como acabamos de dizer, essencialmentereligioso, E em frente de um patino
nascido na igreja, e por muito tempo, e até bem tarde, re- de bôcca, cuja pintura O MARQUEZ DESALUCE—JoÃo Rosa
gularisado e fiscalisado pelo clero, que em tudo intervinha, pouco mais ou menos o que
não só a rever as peças e a dispôr os preparativos e os tra¬ acabamos de descrever, que os auctores da Griselia de¬
balhos scenicos, como a ensaiar, e a desempenharalguns terminam que o Introductor recite o seu prologo, em que
papeis. expõe o que é a peça, ao mesmo tempo que pede, como
1ExistenaBibliotheca trabalho,
nacionaluminteressantíssimo illus- 1AindahojesechamaParaísoaoslogaresmaiselevados
no theatro,
descoberta.
trado,sobreestaimportante nãosó emFrança,comoentrenós.
12 ARTE PORTUGUEZA
ÃO se póde
dizer que a il-
luminura fosse
das artes me¬
nos cultivadas
e apreciadas
em Portugal.
Pelo contra¬
rio. Desdeo Apocaljpse de Lor-
vao (sec. xii) até ao Missal de
Estevão Gonçalves(sec. xvji)—
que longa serie de trabalhos!
E não se esqueça que n’ella
estão comprehendidasas duas
grandes collecções,—por mais
de um titulo notáveis,— de
Santa Cruz de Coimbra e de
Alcobaça. Tivemos illuminado-
res primorosos, alguns quasi ao
livel dos grandes mestres da
Renascença,comonos assevera,
na sua curiosa Miscellanea, o
poeta e chronista Garcia de Re¬
sende, cuja pericia como debu-
xador D. João II invejava-,—!
houvepríncipesem Portugal ex¬
tremamente apaixonadospelos
livros com illuminuras, como
D. Duarte, D. Aífonso V e o
Infante D. Fernando, filho de
D. Manuel; — miniaturistas ce¬
lebres lá de fóra, entre elles
Simão de Bruges, trabalharam
para o nosso paiz.
Não obstante as múltiplas
causas que têem depauperado
esse maravilhoso e incompará¬
vel thesourode riquezasde arte
que Portugal constituiu,entre a
epocha de D. Manuel e o co¬
meço do século actual, ainda
hoje possuimos grande numero
de manuscriptos illuminados.
Tem-n’os o archivo daTorre do Tombo, o Museu de Bellas- pergaminho,e tem actualmentecento e cincoenta e oito :
Artes, as bibliothecas de Lisboa, Porto, Evora, Ajuda e lhas, faltando-lhedez,—no calendário.
Mafra, a Universidade, a Imprensa Nacional, a Academia São gothicos os caracteres, e não differem dos que
Real das Sciencias,alguns particulares, etc. £
ralmente se empregavamno século xv. As paginas comp
Não esboçarei, sequer, a historia da calligraphia e da tas têem dezenove linhas. O texto é a preto; os titulos
illuminura em Portugal, porque esse trabalho não caberia rubricas, a vermelho; as capitaes, a claro-escuro
no tempo e no espaço que me são concedidos.Tendo de (en i
mdieu) sobre fundo dourado; e as iniciaes dos versicuk
escrever algumas linhas que sirvam de commentarioá es- a ouro e cercadasde caprichosos
traços a tinta preta.
ARTE PORTUGUEZA 13
As tarjas são todas no genero das que emmolduram a De um requerimento dirigido pelo pintor Garcia Fer¬
nossa estampa:—a claro-escuro com toques de ouro, de¬ nandes a D. João IIP, deprehende-seque Hollanda foi no¬
licadíssimas, de uma execução firme e primorosa, e consti¬ meado passavanteem substituição de Francisco Henriques
ou 15ig.
tuídas por um gracioso entrelaçado de ramos, que deixa (também pintor), que morreu em 1518
2
ver, amiúde, elegantes e bem estudadasfigurinhas de da¬ Em 1527, por carta de 5 de março , concedeu-lhe
mas com altos penteados,de guerreiros, de frades; animaes, D. João III dez mil réis annuaes de tença, à partir do co¬
uns verdadeiros,outros phantasticos;aqui e além, grotescos. meço d’esse anno.
Na maioria das paginas, ha uma tarja só, larga, na margem Por i 53o e tantos, estavaAntonio de Hollanda em Évora.
exterior. Algumas, porém, têem quatro, como a que hoje Num interessantíssimo livro de contas do convento de
reproduzimos, e outras, duas— uma na parte superior e Christo, de Thomar 3, estão mencionados, na parte respe¬
«3oo réis cTaluguer de uma
outra na inferior. Ha também paginas sem ornamentação. ctiva a novembro de 1533,
! livros grandes que Antonio
N um como additamento, de lettra menos esmerada,não besta que levou a Evora uns
apparecem tarjas e são toscas as capitaes. d’Hollanda havia de illuminar». Mais adeante,está a nota
cidade, em 14 de
As Horas de D. Leonor não têem já as estampas todas. do pagamentofeito a Hollanda n’aquella
da camara de el-rei, Jorge Ro¬
Ha vestígios de terem sido cortadas pelo menos seis, cinco abril de 1534, P e^°escrivão
réis, «em parte de pago dos
das quaes (como o numero, assumptos c collocação das es¬ drigues, da quantia de 3 1CÍ&875
tampas nas Horas manuscriptase, ainda, nas impressasdos livros que illumina».
É possível que entre os numerosos
1 do Tombo provindos do conventode
séculos xv e xvi são quasi constantes) é de suppôr que documentosda Torre
o recibo que, segundo a verba citada,
representassemas seguintes passagens:— a Crucifixão, a Christo, se encontre
enviáraparaThomar. Esse documentodar-
Aiinunciação, a Natividade, a Adoração dos magos, e a Jorge Rodrigues
Morte, ou a Coroação da Virgem. nos-ía a assignatura, hoje desconhecida, de Antonio de
As seis quç existem,representam:—a Visitação, a Anniin- Hollanda. A estreitezade tempo inhibiu-me de o procurar.
Circumcisão, Sabe-se que era a illuminação de um Psalteno um dos
ciação do nascimentode Christo aospastores,a
miniaturista por esse tempo
a begollação dos innocentes,o Jui^o final, e a celebração trabalhos em que o celebre
de um officio de defunctos. estavaempenhado; porque n’outra verba, mais minuciosa,
de 1536, recebeu 54$6o5
São, como as tarjas, a claro-escuro com toques de ouro. consigna-se que em novembro
abril de 1534, a
A primeira, a segunda e a penúltima têem fundo de paiza- réis, que perfazem, com a quantia paga em
das seguintes illuminuras num Psalterio :—
gem com edifícios. A atmosphera é de um azul intenso. importância
quatro princípios , a 6$ooo réis; quarenta lettras illumi-
Traços a ouro indicam as nuvens.
réis; cento e quinze lettras
Em todo o trabalho de illuminura, é evidentea influencia nadas, com suas vinhetas, a 5oo
Vê-se bem que as Horas de D. Leonor são obra illuminadas, sem vinhetas, a 100réis; duzentase tres lettras
flamenga.
aniel, ouro e azul, a 80 réis; oitenta e quatro
dos fins do século xv ou dos primeiros annos do immediato, rabiscadas de
de preto, a 40 réis, e duas
isto é, de um periodo em que a Renascença italiana ainda lettras quebradas, rabiscadas
não exercia na arte portugueza acção decisiva. mil oitocentase quarenta e seis lettras pequenasdos versos,
de março do anno seguinte (i 53y),
Como disse, o precioso livrinho guarda-se hoje na Im¬ a 4 réis. Nas despezas
réis, «de uma besta que trouxe d Evora
prensa Nacional. Foi do convento da Madre de Deus, e, mencionam-se5oo
Psalteiro, de casa cTAntonio d’Hollanda».
segundo uma nota, de lettra do séculoxvn e assignadapor o
Frei Luiz de Santiago, que se lê na parte interior de uma A outra obra sua para Thomar se refere ainda o precioso
estas notas, e do qual o bene-
das pastas, pertencêra á fundadora d’esse convento, a rai¬ livro cTondevou extrahindo
nha D. Leonor, mulher de D. João II. merito viscondede Juromenha transcreveu e extractoudiffe-
de illuminura
A nossa chromo-lithographiareproduz com singular fide¬ rentes verbas (respectivamenteaos trabalhos
aos retábulos de Gregorio Lopes,
lidade a primeira (actualmente)das estampas:— a Visitação. de Antonio de Hollanda,
É obra perfeitíssimada officinalithographica da Companhia etc.), n’algumas das suas interessantíssimascommunicações
Nacional Editora. A copia a aguarella foi habilmente feita a Raczynski.
Essa obra são dois volumesdominicaes, por cujas illumi¬
pela senhora D. Josephina Garin dos Santos, que em traba¬
lhos similares revelára já notável competência. nuras recebeu 61©920 réis: — 4o$ooo pagos quando fr.
Francisco Machado era recebedor+;e em fevereiro de 1536,
os restantes.N’esses volumes, illuminou cinco princípios, a
III 6$ooo réis; trezentase oitentae oito lettras, a 100réis; cento
e cincoenta e duas lettras quebradas, a 20 réis, e duas ra¬
Como Francisco de Hollanda nos diz que seu pae tra¬ biscadasde ouro e azul, a 40 réis.
balhou para a rainha D. Leonor, e que foi este quem pri¬ É ainda o mesmo livro de contas que nos permitte saber
meiro «fez e achou em Portugal o fazer suave de preto em hoje terem sido encadernados em Evora, pela quantia de
branco, muito melhor que em outra parte do mundo», e
1Torre doTombo—Corpochronologico, parteui,maçoi 5, doc.i3.
como o livro â'Horas d’aquella insinuanteprinceza é illumi- LesartsenPor¬
Estedocumento estápublicado nolivrodeRaczynski,
nado a claro-escuro, têem-no attribuido a Antonio de Hol¬ e na monographia do sr. viscondede Sanchesde
se sabe tugal,a pag.212,
o
landa. Por isso, julgo dever expor aqui pouco que Baena,Gil Vicente,a pag.44.
d’este artista, que seu filho colloca entre os illuminadores 2 Torre doTombo,livro3o.°deD. JoãoIII, 48.Transcreveu esta
fl.
celebres da Europa, de par com Julio Clovio, Simão Be- carta condeA. Raczynski,a pag.134do seuDictionnaire historico-
o
Ignora-se quando e onde nasceu Antonio de Hollanda. A notad’essepagamento, realisado no dia11deoutubrode 533
1
,
hollandeza,
Que era hollandez, ou, pelo menos, de origem encontra-se n ’outrolivro de receitae despeza dasobrasdeThomar.
dil-o o nome por que foi entre nós conhecido. A verbanão nos diz qual naturezado livro ou livrosqueAntonio
a
etc.(Rouen,1882),pag.
• V. FélixSoleil,LesHeuresgothiques, i5a17. feitapelocitadoJorgeRodrigues.
H ARTE PORTUGUEZA
5$ooo réis. As guarnições,douradas,foram feitas por Luiz pagas a i 5 réis quarentae seis
Fernandes, latoeiro,que por ellas recebeu12$140réis. Para lettras d’essas, que desenhára
resguardaros princípios, foram comprados seis covados de num livro de hymnos.
tafetá da índia, a 80 réis. Illuminadores, propriamen¬
Note-se que, por esse tempo, trabalhavamem Thomar te, apparecem-nosdois:—Jor¬
diversos encadernadores,dois d’elles castelhanos:—Perez geVieira, residenteem Lisboa,
e João de Rojas. Teria acasoAntonio de Hollanda querido e Diogo Fernandes 1. Pagou-
dirigir o trabalho de encadernação?... Ter-se-ía porventura lhes o recebedor, em março
julgado menosperigosoenviarparaThomar os doisvolumes, de i 537, 45^022 réis, por diversos princípios e lettras.
já encadernados?... A verba tem á margem a assignatura de Jorge Vieira.
Outro pagamento,ainda, ao nosso illuminador está re¬ O padre governador do conventoquiz também contractar
gistado n’essas preciosas contas da sacristia e fabrica do um artista estrangeiro. Em setembro de 1535, recebeu o
conventode Thomar: o de 3o$ooo réis, por intermédio de escrivãocastelhano,João de Salazar, i$>2ooréis, por haver
seu filho Miguel de Hollanda, em fevereiro de 1537, P e^ a ido a Santiago de Galliza buscar um illuminador, que, se¬
illuminura de cinco princípios. gundo accrescentaa verba, não veiu.
Os famosos livros do coro de Thomar não foram illumi- Não se perderam, ao menos na totalidade, os livros do
nados exclusivamentepelos Hollandas. E digo—pelos Hol- coro de Thomar. O sr. Joaquim de Vasconcellos tem códi¬
landas, porque José da CunhaTaborda e Cyrillo Wolkmar ces d’essaproveniência,comprados em Coimbra, ao livreiro
Machado affirmam que Francisco de Hollanda também Demichelis, em 1870.
trabalhou para o conventode Christo.
Estiveram em Thomar diversos calligraphos(hespanhoes 1E citadono Dict.de Raczynski(communicação
de Juromenha),
mascomo nomedeDomingosFernandes.
alguns) e pelo menos um d’elles, —Francisco Flores,—
traçava lettras rabiscadas.Em fevereiro de 1536, foram-lhe (Continua) JoséPESSANHA.
deOiro.Isto,e deseusempregos,
contaainscripção,
queestásuperior A espada deLopoPachecoé lar¬
aomoimento, cravadanaparede: ga,direita. cinto,queseenrosca
O
nabainha,emlettrasderelevotem
dizer: AveMaria GratiaPlena
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(Dominjus. espadaestápartida.
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Aos ladosdo lettreiro, brazãodos Pachecos,-—acaldeiraviei- Um pannofino,empequenas pregas,lhevestea garganta collo.
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A estatuad’ellemostraforça espiritoguerreiro; esculptorre¬ Mangasponteagudas, apertadas, sendoos bicosligadosentre por
si
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e
a
a
pessoaes. A barba ponteaguda, bipartidae enrolada;o cabello,tam¬ neirade os usar,nos mostramas estatuas medievaes. Os nomes a
e
é
e
cabellodofrontal,maiscurto,formando doiscaracoespuxadossobre documentos demenorimportância, car¬
a o
o
a
~
-EU .. . amigo.—Acabo de receber a sua carta Pelos annos de 1355, veiu de Italia, trazendo comsigo
com as duas gravurinhas da Pena, que muito agrade¬ alguns eremitas,o venerávelfr. Vasco Martins; e, procuran¬
ço, e com o seu mandado, a que gostosamenteobe¬ do na sua patria logar solitário e retirado, onde se podessem
deço, de dizer em meia duzia de linhas alguma cousa todos juntos entregar á vida espiritual e contemplativa, o
sobre o velho convento. encontraram bem accommodado a par de uma ermida da
Unicamente me revolto contra a meia dugia de linhas. Piedade, que no pé da serra de Cintra existia proximo a uns
Eu não tenho a sufficientepersistência,por desgraçaminha, penedos, que, pela sua fórma, receberam, e deram ao sitio,
1 Agiologiolusitano, o nome de Penhalonga.
do P. Cardoso;Artde vérifierlesdates;Mo-
narchialusitana,do P. ManueldosSantos;Cintrapinturesca; De roda da ermida, em pobres cellas, se accommodaram
Chro-
nicadeD. JoãoII, deResende; Catalogodosprioresde S. Miguelde fr. Vasco e os seus companheiros, já augmentados com
Cintra,deManuelPereiradeSoutomaior, Ms.;Panorama;Traveisin outros eremitas, que no reino se lhes haviam juntado. Pro¬
Portugal,deMurphy;Provasdahistoriagenealógica; LesartsenPor¬
tugal,eDictionnaire fessaram a antiga ordem de S. Jeronymo, e alli viveram
historico-artistique,
deRaczynski;SantuarioMa-
riano;Antiguidades deLisboa,deCoelhoGasco,Ms.; Ga-etadeLis¬ tranquillos e obscuros durante bastantes annos.
boa;Historicalmihtaryandpicturesque observations
on Portugal,de Havendo o papa Gregorio XI approvado a ordem dos
G. Landmann;Diáriosdogoverno;etc. eremitas de S. Jeronymo em outubro de 1373, logo cinco
ARTE PORTUGUEZA 17
(Continúa) Pin-SEL.
O mobiliáriode Hoivardsobresáe, no seugenero,por qualida
da mesmaordem,e assentasobreprincípios
muito similhantes
quevimosapplicados ásporcellanas de Copenhagen. As suasfón
estructuraes, organicas,semprepraticas,racionaes,
e todaviasem
elegantes; emquepredomina a linharectae assuperfícies
plana'
cuja dccoraçao, muitoparcimoniosa emobra de talha,consiste
pinturas,embutidos demetale de madeira, tauxiadose ásvezes
crustaçoes ceramicas,são realisadas com a maximaeconomia
“ S íe'S
aT™ ,T
Algunstrastes grandes,
Pam’ aWS’ ° eSpa aP“ asindispensável
°T de parede,sãoadornados
5°
comserralhí
artística.Os effeitosde colorido,conseguidos
pelacombinação de
^1 f
- ARTE PORTUGUEZA
-»
e ampliações, e ainda o chamadobanho velho, que serviu a
D. Affonso Henriques, e cuja primitiva fundação é anterior
a este rei, mas de que a principal construcção data do seu
tempo.
ACASO fez-nos encontrar em uma Em duas epochas, pelo menos, esteve aqui D. Affonso
estante de livros antigos, existente na Henriques: em fins de agosto de 1169, e na primavera
casa que estamos habitando na villa do seguinte; sendo acompanhado,na primeira epocha, por seu
Banho, mais conhecida pelo nome de Cal¬ filho D. Sancho, que lhe succedeu, e por suas duas filhas,
das de S. Pedro do Sul, o primeiro li¬ D. Urraca e D. Thereza. Assim é attestadopor uma escri-
vro escripto por um medico sobre estas ptura de doação feita aos templários, como consta do livro
caldas. das ordens militares, existentena Torre do Tombo, a qual
Este livro, intitulado Chronographia medicinal das caldas escriptura é assignada em Alafões, na era de 1207 (anno
de Alafóes, e escripto ha duzentos annos por Antonio Pires de 1169).Essa escriptura termina assim:
da Sylva, medico do partido de Sua Magestade, tem a data «Facta charta apitd Alafcens era 1207. Rex Alphonsus
de «Aveiro, 20 de fevereiro de 1695». Foi da leitura d’este cumfilio suo Rege Sanctio, et filiabiis suis Regina Urraca
livro que tirámos os apontamentos que nos permittiram et Regina Tharasia.D
dar a presente noticia.
As caldas hoje conhecidaspelo nome de Caldas de S. Pe¬
dro do Sul, e que, dentro em pouco, passarão a chamar-se
«Thermas da Rainha D. Amélia» em homenagemda camara
municipal de S. Pedro do Sul, por proposta do seu muito
digno presidente, o ex."10sr. José Vaz Correia de Seabra
Lacerda, a Sua Magestade a Rainha, que fez uso d’estas
aguas durante o mez de junho do corrente anno, eram an¬
tigamentedenominadas«Caldas de Alafões» por se acharem
na villa do Banho, que, já antes de D. Affonso Henriques,
era a villa mais populosa de quantas havia em terras de
Alafões; e tanto, que a igreja de S. Martinho, de que hoje
apenas resta a capella mór, transformada em pequena ca-
pella da invocação d’aquelle santo, foi a matriz de todas
as igrejas circumvizinhas.
Á igreja de S. Martinho vinham todos os annos, a 20 de D. Affonso Henriques veiu a estas caldas para acabar
maio, as freguezias que lhe eram sujeitas, tributar a antiga de se curar de uma perna que tinha partido no cerco de
sujeição, o que faziam visitando cada freguezia com ladai¬ Badajoz, na primavera de 1169; segundo a versão mais
nhas aquella igreja. Hoje, aquella sujeição já não existe, auctorisada, ao sair da porta de Badajoz, no ferrolho da
mas conserva-seainda a tradição de virem todos os annos, mesmaporta; segundo outra versão, debaixodo cavallo que
no mez de maio, visitar a capella com ladainhas muitas montava, quando este cahio morto.
das fregueziaspróximas. Depois de D. Affonso Henriques, estevetambém nestas
Na epocha em que foi escripto o livro a que nos re¬ caldas, mas apenas de visita, estando em Vouzella, El-Rei
ferimos, era o concelho de Alafões um concelho unico, D. Manuel, o qual mandou construir o hospital real, que
formado pela reunião dos antigos concelhos do Banho, de funccionavaainda em 1695 e de que hoje nada existe1.
Vouzella e de S. Pedro do Sul; hoje, a villa do Banho Depois de El-Rei D. Manuel, temos a registrar a vinda a
pertence ao concelho de S. Pedro do Sul, sendo a sua estas caldas de Sua Magestade a Rainha D. Amélia, que
freguezia a da Varzea, proximo d’aquella villa, e são os d’ellas fez uso desde 6 de junho do corrente anno, primeiro
concelhos de Oliveira de Frades, de Vouzella e de S. Pe¬ i Depoisdeescriptaestanoticia,lemosemumamemória publicada
dro do Sul, que comprehendem o primitivo concelho de em i885sobrea antigavilla do Banho,queEl-Rei D. Dinize El-Rei
Alafões. D. Manuelfizeramtambém usodasCaldasdeAlafóes.SeEl-ReiD.Ma¬
A villa do Banho, tendo sido a primeira das terras de nuelfezusod’estascaldas,comodiz aquellamemória, emcontradic-
Alafóes, diminuiu muito da sua antiga importância, que ção como queescreveo medicoSylva,foi talvezquandoesteveem
Vouzella,fazendotransportarparaalli a agua,comoaindahojefaz
de certo virá a recuperar, graças á sua magnifica e abun¬ muitagentedos logarescircumvizinhos, quetomabanhosem casa,
dante nascente de aguas sulphureas, logo que o caminho mandando buscaraquellaempipas,que,apesardademoradotrajecto,
de ferro do valle do Vouga, que parece estar em via de chegaao seudestinocomtemperatura superiorá quepódesersup-
ser levado a eífeito, facilite o seu accesso, e que, com o portadano banho.DeEl-Rei D. Diniz,naofaliao medicoSylva.
20 ARTE PORTUGUEZA
uso das aguas, pelo medico Sylva na sua Chronographia nome a estasterras, quando veiu tomar posse d’ellas, depois
medicinal, destacamosas relativas aos banhos, por as con¬ de vencido em Vizeu por D. Fernando, que foi Rei de Cas-
siderarmosmuito curiosas. Segundo essasprescripçoes,de¬ tella, Leão, Galliza e parte de Portugal até á Beira Alta,
viam os doentes demorar-se no banho durante meia hora, e que era filho de El-Rei D. Sancho, o Magno, de Navarra.
no decurso da qual resavam ou cantavam a ladainha a O monte que fica junto ao da Senhora do Castello, ainda
Nossa Senhora da Saude, que do banho viam no oratorio. hoje aqui é conhecidopelo nome de monteAlafum ou monte
Passada a meia hora, saíam do banho e recolhiam-seaos Alafão. A capella da Senhora do Castello foi construídaem
camarotes que havia no mesmo banho, onde, deitados em 1660pelos moradores deVouzella.
uma cama e bem cobertos de roupa, se conservavamoutra Para oeste da Senhora do Castello e por cima da villa
meia hora. de Vouzella, descobrem-seainda, levantados acima do ter¬
Decorrida esta outra meia hora, dava-se signal com uma reno, uns restos de muralha do antigo e pittoresco castello
campainha para os doentes se levantarem, em seguida ao de Villarigues, pertencentehoje á casa Penalva.
que se vestiam e íam para suas casas muito bem agasalha¬ Vale realmentea pena uma excursão a terras de Alafões.
dos, onde deviam descansardeitados uma hora, sem comer
Setembro
de 1894. F. E. de SerpaPIMENTEL.
nem beber.
Não se póde dizer que Teste tempo o tratamento fosse
dos mais agradaveis!
Muitas outras cousascuriosas podíamosreferir que lemos
Teste livro; mas esta noticia já vae longa, e talvez mesmo
massadora para muita gente.
O que não é massador é fazer uma excursão a terras de
Alafões. O paiz é lindíssimo; todo o sinuoso e apertado
valle do Vouga, com o accidentadodas suas
encostas e os contrastes da sua vegetação,
encanta quem o percorre. Óptimas estradas
cortam esta região, sendo das mais bonitas
a de S. Pedro do Sul a Lamego, que segue,
ao sair Taquella villa, o valle do Rio Sul, e
a de S. Pedro do Sul a Aveiro, que corre
quasi sempre no vaile do Vouga.
O panorama que se descobre da Senhora
do Castello, que se levantasobranceiraá villa
do Banho, é grandioso, como grandioso é
também, embora não tão vasto, o que se
desenrola do alto da Senhora da Guia, que
fica por cima do logar de Baiões. Nos dois
montes, onde hoje existem as capellas da
Senhora do Castello e da Senhora da Guia, é que se cas-
tellou, segundo a tradição, o mouro Cid Alafum, que deu o
característico
d’estasconstrucções o serreintrantea parede
O
á é
na parededo lado esquerdo, umareintranciaemarco,ondesevê gestosa, até casinhota deum andar,amanhada comtroncos,vigas
e
á
á
a
a
é
i
e
o
Oliveira,depoisdeumajornadadeexploração pre-
anthropologica
á
e
mente os casos de ruina parcial, e, por vezes, de destruição e resinosos fundem mal com outras tintas e muitas vezes as
quasi total, das pinturas. absorvem e diluem.
Urgia obviar a um inconvenienteque difficultavaao pin¬ E menos pernicioso o abuso do bistre, posto que estatinta
tor a conclusão do seu trabalho; e, n’esse intuito, genera- seja também sujeita a alterar. Quando se emprega extreme
lisou-se também o emprego dos seccantes,vehiculos ordi¬ e com pouca espessura, é relativamentesolido. O francez
nariamente perigosos, perniciosíssimos, alguns, que, pela é o melhor. Misturado com qualquer tinta a corpo é mais
sua muita adstringência,tendema contrahir-se, e, portanto, falso. O vandfke, outro escuro bastante elástico, é sobrio
oppõem-se á natural dilatação do pigmento oleoso, actuan- de tom e, não se empastando,muito util. A lacca escura de
do por modo absolutamentecontrario ao d’este. gran, — garance brulée (brown madder),— apenas merece
Data do segundo quartel d’este século a adopção quasi absoluta confiança, usada por transparência, em velaturas
geral e o uso inconsiderado de diversas tintas escuras ou esfregaços. As terras, em geral, são firmes: a peior é
de caracter betuminoso, cujas propriedades, discordando a de Cassei, que cresce demasiadamentee, muitas vezes,
absolutamentedas dos oleos e variadíssimas matérias có- transparece através das successivascamadas de tons mais
rantes empregadas pelo pintor, estão em directa oppo- claros, embora encorpadissimos.E excellenteo Kappah, ou
sição com todas as leis naturaes de estabilidade e de equi¬ castanhoindiano, tinta que os fabricantesinglezes lançaram,
líbrio. As mais perniciosas são, sem duvida, o betumee o alguns annos ha, no mercado; porém péssimo o preto de
asphalto, ou pe\ judaico, pois que ambos, cedendo appa- chumbo (black lead) da mesma proveniência.
rentemente á acção dos seccantes, enxugam á superfície, A escola ingleza atravessouno meiado d’este século um
conservando-se,porém, — quando empastados,— húmidos e periodo de decadência,devido, em grande parte, ao exag-
viscosos nas camadasinferiores, por tempo indefinido. Com- gerado insularismo, ao seu systematico afastamento das
prehender-se-ha,pois, facilmente,a consequênciadesastro¬ escolas do continente.
sa que resulta da applicação de vernizes espessos, muito Predominou na arte da Gran-Bretanha, durante cerca de
seccantese de caracter permanentea pinturas em que pre¬ vinte e tantos annos, a tendenciapara o colorismo.O exem¬
domine qualquer daquellas drogas. plo de Lawrence e de Turner, o grande experimentalista,
O abuso do betumefoi uma invasão ingleza nas escolas arrastou os pintores inglezes a demasiasde côr, cujos resul¬
continentaesda Europa. tados são fáceis de suppor para quem conhecea propensão
Reinava, por essa epocha, na pintura, a maneira néo-gre¬ para as manias, tão peculiar ao povo britannico. Postas ao
ga, o davidismo,—essa escolaemphatica,theatral,cuja falsa auxilio de tal corrente a sciencia e a industria, lançaram os
esthetica,mirando apenasao desenho,que tentavaidealisar inglezes no mercado infinidade de tintas, tão uteis algumas,
a seu modo, produziu tamanhaquantidadecTessaspinturas quanto formosas de tom; ruins e damninhas,porém, outras,
de aspecto gélido, sêccas, lisas e como esmaltadas,em que e que a prudência manda condemnar ou, pelo menos, usar
as carnes, por vezes, chegama parecer couro pintado. Uma com designadas precauções. Os amarellos de chromo são
exposição de arte, realisada em Paris, em que figuravam, todos mais ou menos traiçoeiros; ainda o melhor é o n.° i,
principalmente, quadros da admiravel escola ingleza do fim devendo empregar-se,para o triturar sobre a paleta,espatula
do século xviii, e em que se tornaram conspícuos os traba¬ de buxo ou de marfim. São detestáveisos chromos alaran¬
lhos do seu fundador, sir Joshua Reynolds, operou reacção jados e os escuros. Suppre-os com vantagemo paladium e o
vigorosa em favor do colorido, e encaminhou as attenções cadmium, substituto do antigo massicote.Estes preparados
para os methodos subjectivos dos grandes mestres do sé¬ inglezes não são muito antigos. E excellentea estrondaria
culo xvii, desviando o gosto'das tendências,mais exclusi¬ ingleza,—mais firme que o amarellode Nápoles. Excellente
vamenteobjectivas, dos sequazes de David. também a aureolina, um dos preparados de data mais re¬
Passou-se, porém, de um extremoa outro extremo.A pin¬ cente. E má a lacca amarella, e nada melhor a lacca verde,
tura opaca e lambida dos pseudo-clássicos,veiu substituir-se ambas em extremo voláteis. Excellente o amarello indiano.
o exaggero do claro-escuro, a ostentaçãoda largueza e dos p. S.
(Continua)
rasgos de pincel. Em vez do desenho decalcado, sêcco e
esculptural— a magia do effeito, e a côr; e, erro fatal, en-
trou-se a abusar da copia como meio de estudo, e a imitar
não sómente a maneira e o estylo dos mestres preferidos,
se não também a patina, essa concentração e harmonia,
cAS NOSSAS INICIAES
tão artificial quanto rica, que o tempo imprime’nas velhas
télas.
Datam, pois, dessa epocha os perniciosos abusos das ve- EM procedeo directorartísticodaArtePor¬
tuguesaformando umagrandecollecção de
laturas, esfregaçose outras sobreposiçõespor transparência
iniciaes,authenticamenteportuguezas; para
nos processos da pintura, e também o uso immoderadodos istoconseguir,exploraasminasmaisgenuí¬
betumes e dos seccantes,erro que condemnoutão conside¬ nas,osvelhoscódicesdecujaorigemhano¬
rável numero de obras-primas a prematura destruição. ticiascertas.Muitasdasiniciaesqueentram
n’estenumero,são do missalde Arouca,
Outras drogas ha ainda que melhor fôra evitar, taes
códiceilluminadoquepertence á collecção
como a mumia, ou castanhoegypcio, —não é tão perniciosa da BibliothecaNacional.
uma varianteallemã da mesmatinta,— e o stil de grain es¬ Tanto nos centoe quarenta e trescódicesqueformamestacol¬
curo (o brorvn pink dos inglezes), preparados falsissimos, lecção,comonosquatrocentos cincoentae quatro,quetantostema
sujeitos a mudar de tom, pouco solidos, pois que a luz solar provenientedo mosteirodeAlcobaça,ha muitosvolumesdeorigem
portugueza,a partirdo séculoxn,isto é, do começoda monarchia.
e as variantes de temperatura os transformam. Misturados
N’estecomonosoutrosramosd’arte,ha,umaououtravez,influencia
com branco ou com qualquer outra tinta opáca e encorpada, manifestadasescolashespanhola, flamenga, etc.;muitasvezes,
italiana,
formam tom que, por fim de tempos, vem a cobrir-se de o illuminadordo séculoxvi adoptoupor modelosasiniciaesdecódi¬
manchase salpicos escuros, de effeito desastradíssimoe em cesmaisantigos;mas,entreessasinfluencias e confusões,encontram-
extremo difficeis de remediar. Os preparados betuminosos seelementos quesepodemconsiderar nacionaes.
24 ARTE PORTUGUEZA
^AZULEJOS
e
rosada, as poderosas estatuas de Miguel Angelo, marcam
grande triumpho sobre estatuariamedieval,esguia, de¬
a
o
o
o
STHETICA PORTUGUEZA ferno, purgatório, topam-se cada momento; o paraiso
a
o
o
a
a
— Varía a esthetica pelo estado das al¬ ergue-se muito mais; ha espaço ar; as paredes exteriores
e
mas; sendo estheticaa idéa de sentir, a vestem-se de ornamentação, os coruchéos sustentam gra¬
emoçãoque tende á belleza, é transfor- ciosas folhagens, as arcadas claustraes têem arrendados
^^2, mavel no indivíduo ou no grupo. Até na mimosos.
^sabedoria popular ha adagios para affir- renascimentoem Portugal deu manuelino,outra con¬
O
T
mar a variabilidade esthetica:—gostos não se discutem; firmação solemne de que evolução artística segue estado
a
o
cada um comedo que gosta. Gosto? é tão verdade que o da alma. Contucci, grande Sansovino fez trabalhos
O
sentir é a base da emoção do beilo, que os povos, nas suas aqui moda da terra; elle vinha da Italia, mas teve de
á
linguagens, para aquilatar ou designar a belleza, ingenua¬ seguir inspiração do paiz, da multidão; mesmo suc-
e
o
a
mente alludem ao paladar: — o fino gosto, o bom gosto, o cedeu com outros artistas estrangeirosque vieram aqui tra¬
doce devaneio, as lagrimas amargas. Alguém já definiu es¬ balhar. estadoda alma nacional influenciou-os. Havia no
O
thetica, a lógica do gosto. Se pelo juizo se obtem a verdade, ar aromas da índia, do mar, dos cabos alcatroados.
si,
ligando idéas entre pelo sentimento,pela impressão que Passou assombro da conquista, fulgor do immenso
e o
o
é
sentimos vista das cousas bellas ou sublimes, que attingi- triumpho, cultismo parou veio nacional, acceitando
o
a
á
mos encanto, bello. Ora impressão, sentimento, arte estrangeira, esculptura dos francezes italianos, que
e
a
é
o
a
o
o
variavel; se até os sentidos, ouvido, vista, variam de in¬ povoou paiz de primores de arte.
o
o
a a
divíduo para individuo. diversa educação, indole; segue correcção classica, official, por assim dizer, da
E
a
a
E
é
o sentir varía ainda no grupo, na multidão. architectura jesuítica da filippina, solida, precisa sóbria
e
A arte representa variante, evolução do espirito. Filha de ornatos, para de novo florir no findar do século xvnr,
e
a
a
do sentimento,ella dá-nos não só cultismo, grau de civi- chegar Mafra de João V, ás folhagens, ás volutas, ás
á
o
o
lisação, mas estado da alma nacional. A desgraçaque en¬ flammas, ás vieiras, ás cascatas sumptuosas, aos jardins
o
tristece multidão escurecetambém imaginaçãoartística. galantes. Mas marquez de Pombal regulamentou isso
o
a
a
Como se estancoutão rapidamenteaquelle formoso cau¬ tudo, fez Terreiro do Paço, no centro d’aquelles ba¬
e
e
o
dal da arte grega romana! A invasão barbara, dos povos talhões de cantaria ergueu estatua equestre, bella obra
a
e
sem arte, esterilisou o poder creador. Na desgraça, o ho¬ de arte, significativa da sua epocha.
mem perde coragem, vida dia sem sol, encanto da D. Maria deixa seu tempo bem marcado no templo
o
o
é
a
I
a
mal commum; força imaginativa em excesso, instincto ravilhas dos descobrimentos, architecto,em harmonia com
o
o
a
do exaggero,aggravam crise. este novo estado da alma, olha também para os Jerony-
a
Vejam as imagens antigas, as velhas estatuas hirtas, de mos, em edifícios actuaes, para usos modernos, vae ahi
e
aspecto medonho. Ainda no século xiv, quando em outros procurar inspiração copiar fragmentos.
e
figura humana
já
paizes
é
a
sádia, entre nós conserva seu caracter mystico, féro ou velam até evolução social, intima, viver da familia. Hoje
o
a
o
de pavor. Esperam agareno, correria devastadora. tendemos ao isolamento, todos queremos casa indepen-
a
a
o
26 ARTE PORTUGUEZA
dente. A disposição de um palacio de ha dois séculos de¬ terminação das fôrmas por manchas successivas,modelando
monstra-nos que os diversos elementos da familia e da os relevos pelas correlações da tonalidade, marcandoos pla¬
creadagemviviam quasi em commum. Os salões no palacio nos pelos valores da tinta e pelas gradações da luz. Corot
do século xvn communicamentre si; os quartos abrem para portuguez, foi elle o primeiro dos nossos pintores que,
os salões. Os serviçaeseram quasi familia. Na construcção frente a frente com a natureza, humildemente, paciente¬
civil do século xvi, a união era ainda mais perfeita; se até mente e apaixonadamentea inquiriu nos seus múltiplos as¬
a palavra creado tem então significado bem diverso do pectos, fugidios como o dia que corre e o sol que passa
actual. As largas torres fortificadas dos solares mais anti¬ levandocomsigo,ininterrompidamente,a deslocaçãodos cor-
gos do paiz, representam-nosa vida da Edade media:—a tornos, a desassociaçãodos valores, a dissidência da luz na
familia estava em redor do seu chefe, o creado era o com¬ perpendicularidadeou na obliquidade das sombras, a com¬
panheiro de armas do fidalgo. pleta desconcatenação,emfim,emtodo o conjuncto orchestral
E na architecturacivil do paiz, entra outra e bem interes¬ das linhas. Esta summa difficuldade da arte perantea inter¬
sante causa de variante:—o clima. As bellas construcções pretação das fôrmas foi Silva Porto o primeiro que profun¬
minhotas,os palacios antigos de Braga, por exemplo, diífe- damentea descobriu, que luctou com ella, e que a venceu.
rem das grandes casas de Lisboa, e de todo o sul do paiz.
A obra de arte que representa o espirito de uma epocha
é sempre interessante;é um documento; porque o artista
que a creou obedeceu á vista geral, ao tom, ao ar, ao
sabor do seu tempo, e assim esse objecto de arte se torna
em expressãode caracter, em significado de civilisação.
A notabilidade do objecto artístico está na rasão directa
da sua invariabilidade. Os caracteresduráveis e profundos
são os que maior influencia geral possuem, maior poder de
emocionar;são os que mais se generalisame se notabilisam.
E assim que o mosteiro dos Jeronymos, de Belem, marca
na historia e na arte portugueza um clarão inconfundível,
como os Lusíadas nas lettras da nossa patria, e ambos na
evolução humana.
g. PEREIRA.
SILVA TORTO
de luz. Não ha pontos de referencia: nem um tecto de ca¬ Caminhos de aldeia, por entre muros denegridos e mus¬
bana, nem um rústico portello de courela, nem um civili- gosos, empinam-se em ladeira batida de sol.
sado branquejar de muro rico. E iVaquellauniforme extensão Um recanto de antigo jardim nobre deixa sentir, sob os
de terra e de céo, a larga tranquillidade do crepúsculo enche platanos humedecidos da chuva, a frescura limpida e per¬
a vastidão do espaço, mysteriosamenteaviventadapor uma fumada de uma manhã de maio.
saudosa e plangente melodia de occaso. Ha um desfolhar Encruzilhadas de caminhos entre mattas, suspendem-nos
da alma, que o quadro nos suggere com esteacabardo dia. e descançam-nos á sombra dos sobreiros e dos carvalhos.
E do nosso coraçãopara o quadro vae como que um vagofrê¬ O aspectocru de um muro caiadode brancoe amarello,dei¬
mito de folhas seccas,rolando com a sombra que desce das xando bracejar para a estradaos ramos virentesde uma par¬
collinas, e parece espraiar-se e repercutir-se, doce, branda, reira, transporta-nosá quinta burgueza do termo de Lisboa.
lentamente, de valle em valle, como o echo esmorecido e Uma seara madura ondeia, afagadapela viração, em re¬
contristado do remoto chocalho de um rebanho de ovelhas. flexos louros, como um lago de trigo, em que sobrenadam
Na ultima exposição da sua obra, as molduras davam as cabeçasvermelhas das papoulas.
o effeito de postigos de ouro abertos para cima dos mais Prados orvalhadosreluzem metallicamente,cravejadosde
tocantes, dos mais lindos episodios da natureza rústica, flores de trevo e de malmequeres.
A VOLTADOMERCADO aoEx.mo
deSilvaPorto,pertencente Pecquet
Sr.Polycarpo dosAnjc
Ferreira
—Quadro
deArnaldo
photographia
(Segundo Fonseca)
da vida rural da nossa terra. Por essa especie de fendas Entre os pecegueiros e as ginjeiras de Collares as casas
rectangulares da parede, que pareciam cheias da claridade pintadas de branco, parece terem saído do prazer matu¬
exterior, viam-se os mais variados trechos das nossas re¬ tino do banho e estarem alegres de asseio a enxugar ao
giões agricolas,—a do milho, a do trigo, a do vinho, a do sol.
azeite, a da bolota, a da castanha,a do feno, a da laranja, Em ramos tortuosos e descarnadosennovellam-secomo
a da amêndoa, a da alfarroba e do figo. São as serras do floccos de espuma lactea, azul e cor de rosa, as tenras flo¬
Marão, da Estrella, de Cintra, da Arrabida. São as hortas res da macieira.
suburbanas de Chellas e de Bemfica. São os pinhaes da Nas suas hastes verdes e esguias desabrocham em roca
Azambuja e de Leiria. São os pomares da Regua, de Al- as flores encarnadas dos malvaiscos.
Velhas cancellas, de tinta vermelha mordida do sol,
cobaça e de Collares. São as encostase asvarzeasdo Douro,
do Cartaxo, de Torres e da Bairrada. São os casaes mi¬ agarradas a gonzos ferrugentos e fechadas pela taramela
nhotos e os montes alemtejanos. São as doces ribeiras do de madeira, vedam a entrada dos quinteiros.
Lima, do Vizella, do Douro, do Nabão, do Ave, do Sado, Um vaso quebrado, de antigo mármore, deixandoverde¬
do Vouga e do Mondego. jar abraçada n’elle uma hera fiel e amiga, marca uma volta
28 ARTE PORTUGUEZA
de rua em vetusto jardim italiano, abandonado ás malvas teve um momento de cansaço, de vacillaçao ou de desvario.
por uma familia em ruina. Aquillo que de principio quiz fazer foi o que fez sempre,
Pela porta aberta de uma choupana de Santa Martha, corrigindo-se e aperfeiçoando-sede dia para dia na lição de
ou de Portozello, vemos trabalhandoao tear, á dobadoura, si mesmo.
ou á almofadados bilros, alguma das lindas e louras cam- Algumas vezes ouvi accusarem-o de negligencia no aca¬
ponezas das margens do Lima. bamento dos seus quadros, e não posso deixar de tocar
Montadas entre os ceiroesdos seus burrinhos, chouteiros n’esse equivoco de apreciação. Os esboços que este escru¬
e espertos, na aureola azul ou encarnadados seus amplos puloso artista dava ao publico eram em seu proprio critério
chapéus de sol, regressam do mercado por entre piteiras obras completase definitivas. As phases de gestaçãona pin¬
pulverulentas as saloias dos suburbios de Lisboa. tura ao ar livre não são as mesmas da pintura de atelier.
Lavadeiras, ceifeiras, fiandeiras, barqueiras, horteloas, Na paizagem como Silva Porto a comprehendia e como em
de todos os cantos do paiz, nos ouvem e nos sorriem. França a comprehende Claude Monet, acha-se hoje perfei¬
Temos vaccas de todas as castas,e ha juntas de bois em tamente definido que nenhum aspecto da natureza, ainda
que escolher, como numa feira, —barrosões, mirandezes, que com bom tempo fixo, permanece por mais de trinta
marinhões, alemtejanosou charnequeiros. minutos. Passado esse periodo de sessão, em que por tres
ou quatro dias, a dado momento, o motivo apresenta um
quasi idêntico aspecto de cor e de luz, tudo o que o pintor
puzer no quadro, para o completar, ou será uma fraude,
tendo por baseuma conjectura,ou será um erro, proveniente
de uma discordância nas linhas do natural.
Ao conjuncto da grande obra a que me tenho referido
poderiamos chamar As viagens na minha terra, a oleo. O
divino Garrett foi de todos os escriptores do mundo aquelle
que com mais terno, mais penetrante, mais persuasivo en¬
canto, fez amar de quantos o leram a terra da sua patria.
Silva Porto —e com esta derradeira palavra deponho com-
movidamente sobre o seu tumulo a coroa que lhe deve a
gratidão nacional— é o Garrett da pintura portugueza.
RAMALHO ORTIGÃO.
MACIEIRAS
EM FLOR—Ultimo
trabalho
deSilvaPorto depag.8)
(Continuado
deA. E^echiel
(Desenho Pereira)
II
Cavallos da borda d’agua, com cabeçadas de esparto,
—montados por campinos de pampilho ao hombro, em al- A Exposição
doGrêmio
Artistico
matrixa de pelles com estribos chapeados,jaqueta ao tira-
collo, colleteencarnadoe calçõesazuesde belbutina,— appa-
OS nomes inscriptos no cata¬
recem-nos por differentespontos da leziria, desbarrigados,
logo d’esta exposição,dois são
seccos de virilha, lanzudos, olhando ao longe a boiada.
illustres e régios no mundo da
As ligeiras e airosas mulinhas do Algarve, assim como
Arte. Um —o de Sua Ma-
os rijos e soberbos machos de Alter ostentam-senas télas
extremenhasou alemtejanas,engatadosás carretasde reco- gestadeEl-Rei— representae
mantem brilhantementeastra¬
vagem de Torres e de Monte-mór, condecoradosde guizei-
ras de bronze, com as cabeçadasbordadas a lã dições artísticas da dynastia
colorida de Bragança, alhadas ás dos
•deArrayollos e guarnecidasde pello de
texugo. Coburgos, assignandoum bello e vigoroso
Os aspectos da vida fluvial e da vida lacustre são esboço a pastel
quasi A resposta do Inquisidor — com que se dignou honrar
tão numerosos como os aspectosdo campo, na obra
colos¬ este concurso dos artistas nacionaes. O outro é também de
sal d’este pintor, tão prematuramenteroubado
pela morte um príncipe, na Arte, que deixou cair o
á gloria da arte. sceptro da mão,
gelada pela morte, e não poude já assignar a ultima pagina
Aqui, entre a espessurados choupos e a verdura dos vi¬ da sua primorosa e opulenta galeria!
meiros, gira lentamente,avelludadade musgo,
gottejantede Incompleto como está, simples como é, aquelle quadro
crystaes, a roda da azenha.Alli, abicam ao
embarcadouro, de Silva Porto, é altamente suggestivo —mas
ou varam na praia, ou deslisamna agua, suggestivo
levados ao remo’ de tristezas. Alegres, floridas, claras,
á vara, ou pela véla caranguejeira,as meias luminosas, aquellas
luas, os varinos’ Macieiras com o seu trajo de festa, como noivas, e nun-
os saveiros,a canòa de Cezimbra e
Setúbal, o barco ilhavo’ cias da primavera, vistas hoje com os
o barco poveiro, o barco do Seixal e o barco olhos da saudade,
de Avintes, uns’ cobrem-se de sombras... É que não tiveram outono. O sol
de pesca,outros de carreira, outros
simplesmentede carga que as aquecia e illuminava, desappareceu-lhessúbito no
acuculados de cevada, de feno ou de
sargaço. horisonte, e a mão que as fizera surgir na téla, e as enflo¬
Através da sua longa tarefa, de que
omitto por falta de rara para as grandes núpcias da
espaço a enumeração de muitos motivos, Silva natureza, jaz inerte no tu¬
Porto teve mulo . Assim passa no mundo, não a
por certo pesadas e longas horas de gloria, que ficou, mas
amargura, mas não a vida!...
ARTE PORTUGUEZA 29
justificar e defendero principio. E quem se atreveráa affir- obra de arte, feita sob os variados pontos de vista da
mar que essa excepçãonão se deu nunca, e que em todos sciencia humana.
os trabalhoscriticos sobrea Arte, feitosatéhoje, não ha uma Este ideal da critica, entrevisto,sonhado pela nossa phan¬
unica idéa a aproveitar, já pelo publico, já pelos artistas? tasia, não é, — escusadoserá dizel-o, — uma realidade a que
Se eu fosseprofessorde criticada Arte, —cadeira que não possamos, nem de longe, aspirar; mas, comtudo, é de natu¬
existe, mas que devia existir em todas as escolasde bellas reza a deslumbrar e encher de vangloria os que cultivam
artes,— se fosse eloquentee erudito, —infinitamente eru¬ esta especialidade, e não attentam em que, para satisfazer
dito,— sempre que houvesse uma exposição, convocaria as exigênciasde tão illimitado programma, seria necessário
para lá os meus discipulos, e ahi conversaria com elles o conhecimentocompleto da vida, da historia exterior e in¬
ácerca de quanto nos rodeasse. terior de todas as civilisaçÕes,e de toda a natureza! E ha
Innumeros os themas, assumpto variadíssimo, enorme, ainda aqui um escolho, um perigo a evitar: — são as conse¬
altamentesuggestivo.O mundo da sensação,—o que cha¬ quênciasdas idéas ambiciosas,que podem levar o escriptor
mamos material,— e o mundo interior, alli estavamrepre¬ a invadir os terrenos alheios, a confundir as attribuicões
sentados. A alma do homem e a alma das cousas. A terra os poderes, os valores dos actos e das obras do espirito, e
e o céo; a vegetação,as arvores e as flores; os rios e os collocar a critica e o critico que estuda, analysa e discute
mares; o ar e a luz; as estações;o dia e a noite; o homem a obra do talentoe do genio, a par, ou mesmo acima, d’esse
de outras eras e o homem moderno; as civilisaçÕes;a litte- talento e d’esse genio.
ratura e as suas obras primas, as artes, as industrias, e as No grandeexercitodos obreiros da civilisação, —servindo-
sciencias,tudo alli vinha, evocadopela phantasiae pelo ta¬ nos de uma phrasemilitar,— o critico, por mais erudito que
lento dos artistas. seja, forma sempre á esquerdado inventor; ao deus, ao ge¬
Era tarefa para um Diderot e para um Humboldt, dir- nio, pertencerásempre,de direito, o primeiro logar. E de tão
me-hão,— e os Diderot vasto campo comoeste
são raros. De accordo, da critica, o que cabea
— e por isso eu disse
cada um de nós é ape¬
que,se fosse eloquente nas uma parcella mí¬
e muito sabio... Não
nima, e feliz daquelle
se faz, é certo, mas,
queconseguearroteal-a
se se fizesse, que de¬
e abrir n’ella alguns
liciosas palestras, que
sulcos, e lançar nelles
deleitosas horas alli
semente que possa um
discorreriam, para o
dia fructificar.
mestre que estivesseá
Posta, portanto, no
altura desta missão, e
seu logar, — isto é,
para os discipulos que
muito longe e muito
o soubessem ouvir e
alta, — a idéa do gran¬
comprehender! E, to¬
de Mestre e da sua ca-
davia,tudoisto erapura
thedra solemnee olym-
e simplesmente— cri¬
tica. Critica baseada pica, continuaremos a
na historia, na scien- conversar,eu e o leitor,
cia, na philosophia, na muito pedestremente,
ácerca de alguns artis¬
litteratura; mas, ape¬
sar de tudo, só critica, tas que concorrerama
CATRAEIROS—Luciano
Freire
—isto é, a analyse da Medalha
desegunda
classe
naquarta
exposição esta exposição.
doGrêmioArtístico
doauctor)
(Desenho (Continua)
Zachariasd’AÇA.
Esta gelatinaingleza, combinação de oleo e de verniz gros¬ outros paizes, como efficaz substituição do verniz; e tam¬
so, é um dos mais detestáveisinventos, das maiores cala¬ bém o de proteger o anverso da téla, applicando-lhe,sobre
midades que podiam sobrevir á pintura:— esverdeiaalguns a grade, um forro impermeável, deixando, já se vê, inter-
tons, amorteceos tons claros, cobrindo-os de patina alam- vallos nas quatro arestas,para ventilaçãodo quadro, e man¬
breada, da côr do marfim muito velho; communica á pin¬ tendo este o mais isolado possível da parede. A humidade
tura, passado pouco tempo, aspecto sebaceo,sujo, e con¬ ataca, como todos sabem, poderosamenteas télas; amolle-
corre, em acção commum com alguns escuros betuminosos ce-as a ponto de pulverisar, por assim dizer, as tintas, com
e com as laccas,para produzir gretase escamasnos quadros. o andar dos tempos.
Participa das mesmas propriedades, posto que em es¬ O excessivo calor e as temperaturas demasiado seccas
cala menor, o sal de chumbo, — sugar of lead; sucre de não são menos nocivas á pintura do que a própria humi¬
plomb, — e substitue, com vantagem, taes vehiculos o mo¬ dade. Alem das indispensáveisprecauções,geralmenteem¬
derno verniz volátil de Cheneau, preparado francez cuja pregadas para combater o calor nas salas e galerias, taes
acção é absolutamentetransitória, e que, não se abusando como ventilaçãomoderada e constante,etc., recommendam
d’elle, não causa alteração sensível nos tons. Outro prepa¬ hoje as mais auctorisadas capacidades que seja mantida,
rado recommendamtambém algumas auctoridades:—a ge¬ durante as ardências estivaes, uma corrente perenne de ar
latina intitulada Roberson’smédium. húmido nos recintos para installação de quadros. Em al¬
Concorre ainda, e não pouco, para a perturbação das guns museus collocam actualmentegrandes tinas ou cubas
tintas, uma droga cuja applicação, infelizmente, constitue com agua para combater no verão o ar demasiado secco.
necessidade impreterivel, pelo menos a quadros em que
superabundem os tons escuros:—o verniz. Administrado *
* #
este antes de estarem completamenteenxutas as camadas
sobrepostas de pintura, é perniciosíssima a sua acção:—
cobre-se a superfície do quadro de fendas; estalamem todas EXCESSIVO empaste dos
as direcções as camadasde tintas, e, com o andar dos tem¬ tons, o abuso do moderno proces¬
pos, vem a despegar-separcialmente,caindo em escamas. so, que substitue, em determina¬
Deve aliás o verniz ser applicado com a maximaprecaução, dos casos, o pincel pela espatula,
em camada tenue e delgada, e, quando menos, seteou oito argamassando em massa compa¬
mezes depois de concluída a pintura. Cumpre evitar es¬ cta, por meio da espatula-trolha
crupulosamentetodo e qualquer verniz encorpado, e exces¬ dos paizagistas, considerável es¬
sivamente alambreado na côr. O verniz copal dos antigos pessura de tinta, a pretexto de
arruinou innumeros quadros. Os vernizes inglezes só po¬ assentar base solida, no acto de
dem em Portugal empregar-se,adelgaçando-oscom espi¬ esboçar, para mais tarde, com
rito de vinho. Abusou-se, haverá uns vinte e tantos annos, relativa facilidade, ao repintar,
assás, entre nós, de taes vernizes, e com prejuízo dos qua¬ attingir effeitosimitativos, contex¬
—
dros. São mais leves os francezes. A adopção, hoje quasi turas de superfícies em toda a variedade,etc., deve indu¬
geral, dos vernizes brancos, delgados, voláteis e, portanto, bitavelmenteconcorrer para apressar a deterioração futura
de caracter provisorio, é sem duvida a mais sensata.Alem de muitos quadros dos nossos dias. Por mais solido que
de evitar perigos, faculta ao artista ensejo, em caso de ne¬ seja o apparelho, algumas das tintas assim accumuladasvi¬
cessidade, de retocar ou de substituir qualquer pormenor rão fatalmente,com a acção do tempo, a soltar-seem lascas.
do seu quadro. O verniz, todavia, não póde nem deve dis¬ Passou, felizmente, a mania dos processos complicados,
e
pensar-se: é exigencia inherente ao processo da pintura a e não vae ainda longe a epocha em que os pintores, os
oleo. Os oleos, pela sobreposição das camadasde pintura, paizagistas mais que todos, appellavam para toda a casta
ressumam,e o quadro, em Seguida,vae apresentandoá su¬ de engenhososprocessos e artimanhas,—qual d’ellas mais
imi¬
perfície, principalmente nos escuros, aspecto fôsco, emba¬ revezada,— attribuindo-lhesefficaciaexaggeradapara a
ciado e sebaceo; as tintaspasmam; rechupam, o conjuncto tação materialdassuperfíciesmaisaccidentadasdos objectos.
produz o eífeito de um vidro bafejado, e só o verniz é efficaz O introductor de taes maneirismos,o celebre pintor fran¬
de traduzir os effei¬
para debellar tão inevitávelinconveniente.Pintores ha que, cez Décamps, na sua louvável ambição
a fim de combater tão irritante circumstancia,concluem os tos da vigorosíssima luz do sol do Oriente, appellavapara
trabalhos quando os oleos começam a regraxar, e ainda recursos de toda a especie, estranhosmuitos d’elles ao offi-
no estadoviscoso. É pratica condemnavel:— a pintura escu¬ cio de pintor. Empastava desordenadamenteos pontos lu¬
nava¬
recerá fatalmente.Alguns aproveitamestapropriedadeinhe¬ minosos dos seus quadros, rapando-os depois com a
rente aos oleos para administrarvelaturasa claro, em secco, lha de barba, e obtendo granulação de superfícies, pedras,
no intuito de obter designadoseffeitosimitativos, cuja dura- troncos, terrenos, por meio de esfregaços muito'viscosos.
cão, advirta-se, será absolutamentetransitória. Pegou o geito; e as tradições pouco coloristasda escolasó
o
Succede também,ás partes mais luminosas e mais empas¬ muito mais tardevieram a facultar aos pintores attingirem
luminosos, con¬
tadas, pasmarem, apresentandocôres baças, á medida que a luz mediantehabil graduação dos valores
da escalados tons da paleta.
o quadro vae seccando;e, quando tal não succeda,as tintas tentando-secom a relatividade
claras, muito empastadas,formando alturas deseguaese, por Chegou também pór essa epocha a infecção a Portugal.
terra fluctuaram, tem¬
vezes, rugosas, se não estiverem protegidas pela camada Alguns artistas eminentes da nossa
dos processos,
do verniz, apresentarão, por motivos obvios, no fim de porariamente, arrastados na fatal corrente
dos seus quadros. Digamos,
tempos, aspecto sujo, tornando-sereceptáculosdas impure¬ com prejuízo, não pequeno,
da escola portuense
zas de toda a castaque fluctuam no ambientedos aposentos em abono da verdade, que os pintores
ruim tentação.
e no das galerias de pintura. Uma necessidadeclimatérica souberam resistir a tão
generalisou em Inglaterra a applicação de um bom vidro A mania, porém, já lá vae. Foi uma das muitas modas
em quando, os domínios da arte, e
á moldura do quadro. Este alvitre vae sendo adoptado em que invadem, de vez
32 ARTE PORTUGUEZA
breve se somem no esquecimento,affigurando-se-nossem¬ camada tenue de alvaiade (de zinco) oleo, qual, depois
a
pre, ipso facto, que a mais recenteé a mais velha e a mais de absolutamenteenxuta, será também granida pedra po¬
a
ridícula. O extraordinário progresso da moderna technica, mes. Os apparelhos d’esta fórma preparados têem neces¬
a
com a sua tão exactaapreciaçãodos valores tonicos, varreu sária elasticidade para resistirem ás multíplices exigências
similhantesvirtuosidadespueris, que foram banidas de vez do processo da pintura oleo. Segundo todas as probabi¬
a
para o dominio da oleographia e do chromo. lidades, era assim combinado apparelho sobre qual tra¬
o
E de intuição que a solidez de qualquer quadro depen¬ balhavamos mestresdo alvorecer do Renascimento, ainda
e
derá em grandeparte das condiçõesde resistênciado appa- os pintores flamengos dos fins do século xv; seria tam¬
relho que lhe serve de base, exigencia aliás commum a bém idêntico do nosso Grão Vasco dos pintores da sua
e
o
todos os processos de pintura. escola, cuja technica, tão singela quanto racional pura
e
Seja qual for a superfície que serve de assentamento devemos, sem duvida, admiravel estado de conservação
o
ao apparelho, —•emprega-se, conforme a conveniênciao de todos essesthesouros de arte, que conseguiram escapar
indica, a madeira, o metal, a téla, o cartão e até as pró¬ ao desleixo, aos maus tratos de ignorantes, ás limpezas,
e
prias paredes,— claro está que a primeira condição a que ainda peiores, de restauradores empiristas.
deve responder é a solidez. Adopta-se mais usualmentea Insurgiram-se, ha pouco ainda, os pintores francezescon¬
téla. tra falta de consciênciade alguns preparadores de tintas
a
Escolhem uns as télas muito lisas, que facilitam acaba¬ drogas, que andam espalhadas no commercio; reclama¬
e
mentos minuciosos. Têem estas o inconveniente,quando ram do seu governo leis restrictivas ainda outras provi¬
e
muito denso ou encascadoo preparo de branco que rece¬ dencias. Prendem com esteoutros factos interessantes,que,
bem, de serem estaladiças; é também menor, sobre tal pelo seu conjuncto, representam concentração de esforços
superfície a adherencia dos pigmentos. Preferem outros em defesa da technica da pintura da futura salvação dos
e
téla aspera, sobre a qual as tintas, fundindo melhor entre quadros. Occupar-nos-hemos de tão importante momen¬
e
si,
a
menos incisivas as arestas das respectivassuperfícies,cir- P.
S.
cumstanciade que resulta maior magia de efféito: esteten¬
de augmentar medida que visão se torna mais dis¬
a
egual.
Rembrandt, vários flamengos ainda outros pintores do
e
oleo
possível; os quadros pintados sobre télas
e
reapparelha-
das, quando menos, escurecem, não são raros
os casos
e
forte bem
coada hmpa, com porção de gesso
e
fino absolutamente
indispensável, estendida com maxima
e
egualdade Bem
a
pomes, sobrepõe-se-lhe
ARTE PORTUGUEZA 33
gulhosas anteo valordosnossossoldadosna Victo- O calco foi-me enviado pelo sr. M. H. Pinto.
ria, deviamreceberum respeitosoculto,guardadas
religiosamente
pelos regimen¬ VI
tos a que per¬
tenceram,e,ex-
re¬
tinctosestes,
colhidascomo
relíquias no
museude arti- mo(í)^:LU\í0jo :‘unmx : fatmÍ4õta
lheria; pois
duascTellases¬ nojo;
tãonapossede
umairmandade íJf.jVu comfkt) ox ^tias.
dafreguezia de •
Monserrate, na aÍpnrarrasRjtJuuHP axím) tuas
igrejadeS.Do¬
mingos deVian-
nadoCastello!
Quantasou¬ Thomar, igreja
deSanta
MariadosOlivaes,
tras não esta¬ doladoesquerdo
daporta
deentrada
(in¬
rão perdidas, gothicos.
Caracteres
terior).
que,juntas,formariam
esquecidas, umacollecçãova- Leitura:
liosissima! —Esta sepultura édeIsabelVieira, mulherd(e)Af(f)o(n)so
(Continua) B. S. RIBEIRO ARTHUR.
de Vivar, Caval(lei)ro, cofnjtador da casa delrei
nos(s)os(enhor), q(ue), depois de seufal(l)ecim(en)to,
foi Com(m)e(n)dador das Alencarcas. E sefinou a 18
dias defevereiro de 14Q2.
NSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS
depag.io) Não póde haver duvida de que a inscripção, muito esme¬
(Continuado
radapor signal,diz:—«Commendador dasAlencarcas».Foi-o
Affonso deVivar, ou depoisdo fallecimentoda mulher, ou, o
v que é mais provável que a inscripção queira dizer, depois do
fallecimentodo Rei, que seria entãoAffonso V, se a data da
morte da mulher corresponde á da abertura da inscripção.
Mas o que eram as Alencarcas?
/^maa/í/mtns
Devo o calco ao amigo já citado e que muitas mais vezes
v terei de citar ainda, o sr. M. H. Pinto.
wãjiamTítuaí
VII
um píiakjüimati
o-nV-lrfi-limira/om (ffòtTO I Pom tKllK iÕPMRÕiò
o4fOyMaMLHRIlK)JOR01 ;
oo Mí&lLMoí
Qgtm:
tirpipaio DfiUVS i €
LHRIffl te m ; QRtl; oyiQ''Oi
Thomar,
igreja
deSanta dosOlivaes,
Maria LJOM6 0P:t. : O(JC€lFO; ãP9
soa i &msm mymmüüs
sobosegundo esquerda.
arcodanave
Leitura:
—Aqui ja\ Fernã(o) de Sa(m)paio, Caval(l)eiro Jidalgo,
creado delrei dom Af(f)onso, e sua filha M(ari)a de
(‘ 1? oaeBPOi eióLaMiLMog
Sa(?n)paio.—
'
Será Fernão Vaz de Sampaio, filho de Vasco Pires de tiiRsysoiRíDei; acreiMisast
Sampaio e de D. Maria Pereira, da casa da Feira?
Este, fazem-n’0os genealogistascasado duas vezes, uma
m AJ
Thomar,
igreja
ZU.T.!-
deSanta dosOlivaes,
Maria
com D. Senhorinha, outra com Joanna de Alvim; e alguns, nacapella gothicos.
mór.Caracteres Trun¬
cada posterior,
porconstrucção queselhe
uma só vez, com uma ou com a outra d’aquellas senhoras, encostou,
dosdegraus
doaltar.
attribuindo-lhevários bastardoshavidosn’umaLeonor Affon- Leitura:
— Aq(ui) ja\ Do(m) Gil M(ar)ti(n)s, op(ri)meiro M(estr)e
so, —«mulher solteira»— entre os quaes um Lopo Vaz de
Sampaio, que D. Affonso V legitimou em 1453. q(ue)foida Caval(l)aria da Orde(m) de Jesus Christo,
Que o Rei Affonso de que falia a inscripção é Affonso
V, q(ue)foif(re)irado (feitofreire) na Ord(e)m d(e) Avis
não póde duvidar-se. e M(estr)e da Caval(l)aria desfsja Orde(m) efoi da
O «titulo» dos Sampaios, como se diz em Genealogia, foi linhagem do Outeiro; q(ue) pas(s)ou (falleceu) e(m)
sempre muito complicado por enxertos ganceiros. sexta feira, i 3 dias (d)e novefmjbro, e(ra) i 35g
36 ARTE PORTUGUEZA
an(n)os (a) q(ua)l alma Dfeitjs levep(er)a a gloria de Sousa e de D. Maria de Menezes, filha de Martim
do Paraíso. Ame(n) Co(m) e(lle) mais osfsjossã(o?). Affonso Tello de Menezes, irmão da celebre Rainha e adul¬
tera, D. LeonorTelles. Foi esta que o fez Mestre da Ordem
Está a lapide embebidana parede do lado esquerdo, por quando não tinha edade para o ser, o que não obstou a
baixo do formoso mausoléu de D. Diogo Pinheiro, primeiro que elle honrada e valentementeviesse a servir a causa por-
bispo do Funchal, tendo sido para alli removidosos restosdo tugueza do Mestre de Aviz (João I) contra as pretensõese
Grão-Mestre, nas obras de renovaçãofeitasna igreja,no tem¬ a invasão de Castella, patrocinadas pela adultera.
po de D. Manuel ou já de D. João III, segundo a tradição. Diz Goes (Liv . das Linh. MS.):
Deviam estar anteriormenten’um caixão ou tumulo de «DomLopo DiasdeSousa... foi MestredeChristo,apresentado
na
pedra. A esses restos se juntaram os de outros persona¬ ditadignidade por EIRei DomFernando,a requerimento da Rainha
gens, e a isto seguramentealludia a parte truncada ou ille- DonaLeonorTelles,mulherdo dito Rei Fernando,queeratia d’este
DomLopo Dias,MestredeChristo... Tevepor manceba a DonaMa¬
givel da lapide. riaRibeira,queemPombalhouvedispensação doPapaparaa receber
Não é, pois, perfeitamenteexactoque se não saiba: —«o pormulher,ehouved’ellaestesfilhos:a DiogoLopesdeSousaeDona
logar certo onde estão as cinzas do primeiro Mestre de Meciade Sousa,quecasoucomDomVascoFernandes Cominho,pri¬
Christo»— como diz Santos (Moiium. milit, etc.), que, aliás, meiroCondedeMarialva, eDonaViolanta,quecasoucomRuyVazRi¬
beirodeVasconcellos,SenhordeFigueiródosVinhosedoPedrogam e
indica a remoção cTessesrestos e a inscripção que os de¬ DonaIsabel,mulherdeDiogoLopesLobo,Senhord’Alvito,eDonaAl-
nuncia, que melhor fôra que tivesse copiado, com as mais. donça,mulherdePedroGomesdeAbreuoVelho,eDonaBranca,mulher
Pertence o calco á bella colheita com que me tem brin¬ deJoãoFalcão,e DonaLeonor,mulherdeAffonsoVascode Sousa.»
dado o sr. M. H. Pinto. Um neto cTelle, Álvaro de Sousa, filho de Diogo Lopes
de Sousa, mordomo-mór do Rei D. Duarte, foi mordomo-
VIII mór de D. Affonso V e casou com uma filha de D. Fer-
# *
NTROU, depois, D. João III a rei¬
A Griselia foi esplendidamentetraduzida para portuguez nar, e não se esqueceu da milagrosa
pelo inspirado poeta, o sr. Conde de Monsara\. Se a sua imagem, da qual se valeu em certa
reputaçãonão estivessede ha muito firmada entre nós, por afflicção; e em cumprimento da pro¬
outros notáveistrabalhos litterarios e poéticos, esta delica¬
messa, mandou fazer o famoso retá¬
díssima traducção tel-o-hia collocado em o primeiro plano
bulo de alabastro, obra rica e dispen¬
onde fulguram não só os nossos mais brilhantes poetas,
diosa, que já foi mais admirada, do
como os mais abalisadoshomens de lettras.
que hoje o é. Foi elle esculpido por
Com relação ao assumpto Griselia, conhecemosem por¬
mestre Nicolau Chatranez, e concluí¬
tuguez (devido á amabilidade do nosso amigo o sr. Col-
do estavaem i 532, como se lê n’uma
lares Pereira) A Comedianova intitulada a Gricelda, ou a
inscripção que está na base da pilas-
Rainha Pastora, do abbadeMetastasio, publicada em Lis¬ tra do retábulo, da banda da epistola, inscripção que copiei
boa, na officina de Domingos Gonçalves, no anno de
1787. em 9 de setembrode 1886,e que para aqui transcrevo,por¬
E desconhecidoo nome do traductor portuguez, atribuin¬
que a encontro em toda a parte com erros:
do-se a origem da citada comedia a Carlos Goldoni. Co¬
nhecemos também um folheto de cordel, intitulado: Nota
curiosa e verdadeira do alto estadoa que chegouuma mu¬ IOANNES III EMMANV
lher nos confins da Italia , Jilha de um lavrador, por sua ELIS FI L- FERNANDI
muita humildadee honestidadee NEP-
formosura. Lisboa, officina EDVARDI PRONEP-
de Ignacio Nogueira Xisto,
1764. IOANNIS ABNEPOS I
#
# *
PORTVGAL ET ALG-
REX AFRIC- AETiIOP
A mise-en-scène
no theatro de D. Maria II foi primorosa. ARABIC ■ PERSIC ■ InDU
E não só o scenario, adereços, mobilia e guarda-roupa fo¬ FELICEM
OB PARTVM
ram de um completorigor historico, seguindoo
feito no Theatro Francez, como o desempenhofoi
que se havia CATARINA E
notável, REGINAE CONIVGIS
por parte dos artistas portuguezes.
Eis a distribuição que a peça teve entre nós: incomparabilis
SVSCEPTO EMMANV
Fiamina.
Griselia(marqueza
de Saluzzo)..RosaDamasceno.
Lucindado Carmo.
Bertrade(aiade Griselia). Umbelina.
ELE FILIO PRÍNCIPE
ARAM CVM SIGNIS
Alain.
Diabo..
Saluzzo. POS- DEDICAVITQ-
O marquez de
..
João Rosa.
O AugustoRosa.
ANN ■M- D •XXXII ■
Prior...
EduardoBrasão.
Gondebaut.... AugustoAntunes.
O
Arauto.
Luiz.
Bayard. uiuim iiiaciijjiyues,
uasquaesasmaisin¬
Um Santos.
Corsário.
Primeiro N.
teressantes,
degraus
historicamente,
sãoasseguintes:
quelevamá capella
no chão,logoabaixodos
SegundoCorsário.. N.
mór,emumacampa:AQVI IAS ARTVR |
BRAS PEREIRA: | E SVA MOLHER í SABEL D
AdolphoSampaio. | SEQ.RAFA |
O Introductor LECEO A 17B MAIO 1E |
Ferreirada Silva. 1617| —Junto a estacampa,um pouco
maisparao ladodo evangelho, se lê gravadosobremármorepreto:
TEIX “ Q FA | LECEV A ,6 DE
2 dedezembro
de 1894. Augustode MELLO
DEIXOV NESTE MOSTEIRO .7.» DE 66, |
[ HM MISSA QVOTÍDÍANA E [
ARTE PORTUGUEZA 39
N’este sumptuoso retábulo se collocou então a imagem, dade nacional, n’esta qualidade foi posto em praça no
e
que tem o Menino ao collo e terá tres palmos de alto; ministério da fazenda em de novembro de 838, arre¬
e
3
tudo de pedra e de tosca esculptura. Á sua igreja conti¬ matado por el-rei D. Fernando por 761$000 réis, tendo sido
nuavam sempre os devotos a acudir, e com suas esmolas avaliadoem 700^000réis. Foi arrematado«com expressa
a
clausula de ficar arrematante obrigado cuidar na sua
a
a soccorrer os pobres frades, que de esmolasprincipalmente
o
boa conservação,na conformidadedo que dispõe carta de
a
viviam, pois que os rendimentos do conventoeram parcos,
lei de de abril de 835, visto ser um monumentonacional,
689^600 réis nos meados do século xvn.
1
5
i
conter igreja um retábulo de primorosa esculptura».
a
e
Tornou, em seguida morte do seu unico proprietário,
á
Era pobre de fazendao convento,mas era rico em visitas voltar para posse da nação velho convento,com todos
o
a
a
de raios e coriscos, o que, vista a altura (529 metros) a que os seus accrescidos.
está, não é para admirar; e ainda menos admiração lhe Por carta de lei de 25 de junho de 1889,foi auctorisado
causará, meu caro D. José, se eu lhe affirmar que os fra¬ governo adquirir para nação, total ou parcialmente,
a
a
o
des nada, absolutamentenada, gostavam de taes hospedes. as propriedades que pertenciam el-rei D. Fernando em
a
Em i 636, um padre romanisco acudiu aos eremitas com Cintra, devendo sempre entrar iressa acquisição palacio
o
umas palavras latinas escriptas a modo de versos, que eram castello da Pena, parque adjacente castello dos
e
o
o
e
preservativas dos raios, as quaes os frades escreveramem Moiros. acquisição havia de ser feita por preço não
E
a
todas as portas da casa, e mandaram gravar n’uma pedra superior ao valor arbitrado no processo ophanologico de
do campanario, onde não sei se ainda se conservam para inventario, que se procedia por obito do mesmo príncipe,
a
socego do vizinho pára-raios. O eífeito das taes palavras pago em títulos de divida consolidadana posse da fazenda,
e
não sei se foi eíficaz, apesar da sua fama ter chegado até pelo valor do mercado.
ao paço real, onde D. João IV mandou collocar «nas aguas Em conformidade com referida lei se celebrou com¬
a a
a
furtadas da nova abobada» (deveria ser o torreão marginal pra em 12 de junho de 1890,por escriptura lavrada fl. 32
do paço da Ribeira) uma lapide com ellas gravadas. v. do liv. 1064 de notas do tabellião Cardoso, de Lisboa.
Se eram efficazes, eram comtudo sujeitas a intermitten- Foram outorgantes: de uma parte, João Ferreira Franco
cias; pois que no dia 3o de setembro de 1743,estando os Pinto Castello Branco, na qualidade de ministro da fazenda
monges celebrando a festa de seu patriarcha, e tendo a com assistênciado procurador geral da coroa fazenda,
e
e
da outra, barão
egreja cheia de fieis, caiu, pelas quatro horas da tarde, um Adriano de Abreu Cardoso Machado;
o
raio na torre, e fez grande destroço material.Derribou parte de Kessler, como procurador da senhoracondessad’Edla,
1
da torre, deixandoo resto tão arruinado, que se não podiam viuva e, n’estaparte, herdeira ou legataria de D. Fernando.
tocar os sinos; communicou-seá igreja pela parte da capella Pela referida escriptura, ficaram desde aquella data no do¬
mór, damnificando algumas das guarnições de pedra, de mínio do estado no usufructo da corôa todas as proprie¬
e
e
casa da Abelheira; casa de
grandes; lançou fogo á maior parte da armação, estragou o que são as seguintes: quinta
e
da Pena
orgão, e destruiu as grades do coro. Na imagemdo proprio S. Miguel; palacio castello parque adjacente
e
e
onde fez coisas do arco da velha: queimouvarias sobrepel- com clialet dos Camaristas, Chã da Cerca, Ferreira, Jar¬
o
lizes e capas de asperges, abriu um armario, arrombou o dineiro Sereno; terrenos junto ao castello dos Moiros, ao
e
vestuário, destruindo as vestimentas,e, por fim, cobriu com portão de ferro, cancellagrande na estradados Capuchos,
á
úm amito e uma sobrepelliz uma imagem de Santa Barbara, junto mesma estrada, na ribeira das Perdizes, no caminho
á
a nenhum matou, e só ao padre ministro do proximo con¬ Foi compra feitapela quantiade 377:53o$oooréis (preço
a
réis
vento da Trindade, que com seus frades tinha concorrido da avaliação no inventario), equivalente 593:6oo$ooo
a
do mer¬
a celebrar a festa, como era já de uso antigo, só a esse é em titulos de divida consolidada,segundo cotação
a
amarello esverdeado.
de Perdizes, pinhaes da Matta
Poucos annos depois da visita d’esteinglez, eram os mon¬ renos cancella na ribeira
e
e
á
deKessler,moradoremAlgésdeCima,paramerepresentarnaquali¬
E D SEVS BSCÊD I TES Junto esta,emoutrapedramuitomais
j_.
Volto a 1838.
El-rei D. Fernando, comprado o convento, tratou de o
restaurar, e de lhe annexarum palacio acastelladopara sua AS HORAS DA RAINHA D. LEONOR
habitação. Da direcção d’estas obras encarregou o barão
de Eschwege, general allemão ao serviço de Portugal. Fo¬
III
ram magnificas, o resultado é surprehendente,mas, como
um critico de arte estrangeiro, sou de opinião que ha alli
(Concluídodepag.14)
de mais. Desejava que o convento tivesse sido restaurado
unicamente com o que lhe faltasse,sem accrescentamentos
de ornatos. Desejaria que em tão limitado espaço se não
tivessemaccumulado as edificações,que pesam e esmagam ORNEMOS a Antonio de Hollanda.
o velho monumento. E, como o tal critico, penso .que os No capitulo xix da segunda parte da
archeologos do anno tres mil hão de coçar na cabeça para Chronica do felicíssimo rei D. Emanuel,
determinarem os tempos a que pertencem as differentes refere Damião de Goes que, estando em
construcções, que ultimamentese fizeram na Pena. Flandres, recebera do infante D. Fer¬
Estas obras parece que tiveram fim no anno de 1840; nando, filho d’aquelle monarcha, um de¬
pelo menos, sobre a porta principal de entradado castello, a buxo da arvore genealógicados reis por-
que tem a ponte levadiça,se lê, gravado na pedra, mdcccxl. tuguezes, desde o tempo de Noé até ao
Do parque é que só elogios ha a fazer; que eu, ainda as¬ de D. Manuel, para lh’o mandar illuminar pelo mór homem
sim, desejaria vêr por lá mais algum pedregulho á mostra; d’aquella arte que havia em toda a Europa: — Simão, mo¬
mas, deixal-o, comparem-seaquellasvegetaçõesluxuriantes, rador em Bruges, no condado de Flandres.
aquellescedros, pinheiros, castanheiros,aquellasjaponeiras, Segundo umas notas, autographas, de Francisco de Hol¬
rhododendrons e fetos, com a pequena horta dos frades, landa, n’um exemplar do tomo 1 da terceira parte das Vite,
feita com terra acarretada de longe e lançada entre os pe¬ de Jorge Vasari, edição de Florença, 1568, exemplar que
nhascos. É verdade dizer-se que os frades tinham um es¬ hoje pertence á Bibliotheca nacional de Lisboa, — Simão
pesso pinhal proximo do convento; mas d’elle nem existem de Bruges illuminou desenhosde Antonio de Hollanda, por
hoje vestígios, nem nas muitas estampas que tenho visto ordem de D. Fernando. E, portanto, de crer que fosse
da Pena, se enxerga similhante bosque. d’este artista o debuxo a que Damião de Goes se refere.
E, a proposito de estampas, deixe-mevoltar ao bom ca¬ Da Genealogia illuminada por Simão de Bruges, existem
minho, que já vou descarrilado ha muito. actualmenteonze folhas, no British Museum. Por essesfra¬
gmentos, vê-se que constituía uma serie de retratos de um
altíssimo valor historico e artístico.
As gravurinhas que acompanhama sua carta, e que, por Figanière, que no seu Catalogo dos manuscriptosportu¬
signal, são de appetite,reproduzem dois desenhos,que pos- guesesexistentesno Museu Britânico ', descrevelargamente
sue o meu distincto amigo Augusto Gomes de Araújo, em essas onze folhas, diz que as illuminuras parecem de diffe¬
cuja mão estão muito bem, porque é bom apreciador de rentes artistas.
arte. É possível que sejam; mas, se porventura se refere á
Representam elles a Pena como era nos últimos tem¬ Genealogia, como tudo faz suppor, o que Damião de Goes
pos dos frades, ou pouco antes das restaurações de el-rei escreve n’uma das cartas, que em agosto de i 53o, dirigiu
D. Fernando. Não os vi (os desenhos, os frades ainda me¬ de Anvers ao infante D. Fernando, é certo que, pelo me¬
nos), nem mais nenhuma indicação tenho a seu respeito; nos, havia intenção de que o livro todo fosse illuminado
mas, comparando as gravurinhas com outras varias gravu¬ por Simão de Bruges.
ras, lithographias, aguarellas e desenhos que possuo, tudo Eis o trecho:
vistas da Pena, encontrei, que elles, os desenhos do sr. 2 mestreSimão,emserjá desfeitode quantas
«Eu tenhoimposto
Araújo, sem duvida alguma foram os que por lithographia obrastinha,e nãoquerertomarobradeninguém, porlheterditoque
sé reproduziram na collecção intitulada: Croquis de Cintra teráassazquefazer,n’estelivro deV. A., emdousannos.Elle espe¬
dessinésd’après nature et lithographiéspar C. neB., onde ravaagorapor tresou quatrofolhas,domenos,e nãoveiumaisque
occupam as folhas segunda e sexta.Foi esta collecção feita uma;peloque,estámuimalcontentedemim.Eu o sustenho compa¬
lavras,porquecreiaV. A. que,sese embaraça comoutrasobras,que
em Lisboa no anno de 1840 e as lithographias saíram da fimdo livro; e por isso,vejaa maneiraquen’isso
nunca jámaisfaráa
officina de Manuel Luiz. querquesetenha3.»
São os desenhosreferidos originaes de C. neB.? não sei,
nem me parecemuito facil a averiguação,porque, não tendo Giovanni Francesco fattóre), que por esse tempo se
(il
esta senhora assignado as lithographias, não é provável encontravaem Bruges, aonde mandára Leão X para tra¬
o
que tivesse posto seu nome nos desenhos. tar da execução de umas tapeçarias segundo cartões de
Raphael, tendo visto os desenhos de Antonio de Hollanda,
que Simão de Bruges colorir, fez outros em competência,
ía
Cumpri com o que o meu amigo D. José Pessanha de¬ aos quaes artista flamengo preferiu os do nosso desenha¬
o
notas.Francisco
sejava? Não me atrevo a suppol-o. O tempo de que podia dor. Conta-se estefacto numa das referidas
agora dispor foi curto, a meia du\ia de linhas não me saíam
da cabeça, e estas duas causas, juntas á insufficienciapró¬ Pag.268 276.
3 2 1
Isto enganado.
é,
e
Pena, é só para poetas, nem para todos. encommendados naFlandrespeloinfanteD.Fernando,porintermédio
Aldeia,14deagostode 1894. deDamiãode Goes.Juromenha fezumrápidosummario d ’essesdois
A. BRAAMCAMP FREIRE. (V. Raczynski,Les artsenPortugal,pag.209.)
valiososdocumentos.
42 ARTE PORTUGUEZA
de Hollanda comprazia-se em enaltecer, o maior numero pinx. hoc opvs Florentie. A. D. M CCCC XXXXVIL
L
de vezes que podia, o mérito de seu pae. M. Ivlii», —o caracter accentuadamenteclássico italiano
e
Antonio de Hollanda fez emToledo o retrato de Carlos V; de toda obra tornaria bem pouco provável sua atrribui-
a
e tão satisfeito d’essetrabalho ficou o imperador, que não ção Antonio de Hollanda.
a
só instou com o miniaturista para que se estabelecesseem erudito escriptor francez, — que tanto amou tão bem
e
Castella (ao que elle se recusou, preferindo, no dizer de serviu nosso paiz,— traduziu, certamente,os setepor
le
seu filho, continuar pobre em Portugal a estar considerado septième, por isso no seu bello estudo affirmou que An¬
e
e rico n’outro paiz), como, annos depois, ao receber Fran¬ tonio de Hollanda illuminára sétimovolume da Bíblia.
0
cisco de Hollanda em Barcelona, declarou-lheque ninguém Creio ter sido esta origem do erro de F. Dénis, porque
a
o retratára melhor, — nem o proprio Ticiano. logo no começo do capitulo consagrado Biblia, sabio
o
A rainha D. Leonor de Lencastre, D. Manuel e D. João III escriptor cita artigo da Revista universal lisbónense.
o
estimarame distinguiramAntonio de Hollanda. A trabalhos Antonio de Hollanda morreu entre 553 1571;porquanto
e
seus para aquella sympathicaprinceza e para os dois mo- numa carta de seu filho Francisco Miguel Angelo, es-
a
narchas, referem-se as passagensseguintesde um dos va¬ cripta de agosto d’aquellearmo', diz nosso artista:_
5
a
o
i
liosos escriptos de Francisco de Hollanda: «Mio patre, Antonio d’Olanda, si racomanda
la
S. V.
a
con essome ensieme»; no seu trabalho Da fabrica que
«
«Serve(o desenho)
emas imagens doslivrosilluminados,
assido
missalcomodetodosos outroslivrosdo altare coro,quedevemser falece cidade de Lisboa », que tem data de 1571, es¬
a
feitoscomgrandedesenho comofezfazerEl Rei creve no capitulo vii: —«... meu pai Antonio Dolanda,
e cuidadoe discrição,
DomManoel,vossobisavó,a meupaiAntonioDolandao breviário, e também que Deus tem ».
2
a RainhaDonaLianor,molherd’El ReiDomJoão assiparaseuuso quanto se sabe do exceilenteilluminador.
II,
O E
devação,comoparasuascapellas...1»
e
é
«Pode-oservir desenho, ao rei)emascousasdo serviçodesua
é (o
1
deGotti,vol.
real pessoa,como emo desenhodo cetrode seureino,éomofez pag.
i
246 247, reproduzida pelosr.FranciscoMariaTubinona sua
e
meupai El ReiqueDeustem,deumabarrad’ouroquetirouAires memóriasobreEl renacimiento
a
pictóricoen Portugal,etc.,insertano
do Quintaldeumaminaquedescobriu, dequedesenhou o sceptro. .. « tom.viudo Museoespanol deantiguedades,pelosr.JoaquimdeVas¬
e
concellosa pag.1 65 166doiv fascículodasuaArcheologia
e
artística.
Pag. da ed. crit. do sr. de Vasconcellos.
2
Logo adeante, diz Francisco de
J.
i
Hollanda que seu pae elle haviam
e
José PESSANHA.
feito, «com muita discrição cui¬
e 5 e
outros pardaos .
3
provavelmente,nou¬
tro (menos desculpável,sem empregue sempre empedrado
á
duvida) do abbade Castro. portugueza naconstrucçãorecon-
Este escriptor, occupando-se da Biblia num
e
artigo im¬ strucçãodospasseioslateraesdas
presso no tomovii ào.Revista universal lisbónense
(pag. 249), ruas.
diz que os setevolumes daquella obra foram Faz muito bem commissão;
illuminados
a
por Antonio de Hollanda. E, como fundamento,cita nósentendemos quemesmo alguns
uma
passagemdo tratado «.Dapintura antiga», de Francisco de passeioslateraesdaAvenidadaLi¬
Hollanda (pag. 55 do livro de Raczynski Les arts berdade poderiamserrevestidos do
en Por¬ empedrado meudo,quedá fugafacilásaguasdachuva,e senãodes-
tugal). Ora, passagemadduzida uma az em fina
a
os empedrados (trabalho
relação em que Francisco de Hollanda, depoisde seu pae, de quese executabemaquina capital)comdesenhos fundados emele¬
Julio deMacedonia de mestreVicente, inclue, mentosde ornamentação nacionaes. Seriainteressante um concurso
e
an-
Portanto, da própria passagemcitada pelo abbade tigos,compostos depedras quadradas, dediversas
Castro, côres depequenas
e
minada por Antonio de Hollanda, mas que No estrangeiro, estárevivendoo usodosmosaicosá antiga;alguns
veiu de Italial
Demais, ainda quando as palavrasdo nosso artista estabelecimentos públicosde Londrestêemos pavimentos dosrez
escri¬ ao revestidosde mosaicosimitandoos romanos,empregando
e
0
c
delado. pedra
1
apparelhada
A
veneziana, estãosendomuitoempre¬
á
Pag.12daed.cit. gadostambém.
Em trabalhomaisrecente(Noticiadealgum Nós que temos,an,osmodelosde
livrosilluminados, n esteponto;no casa,não seguimosa tradição
’
,
quetemosno paiz.
ARTE PORTUGUEZA 43
a
O CLAUSTRO E A IGREJA1)0CONVENTO broueloquente vozdeFr. Luiz deSousa,filhodeSantarém gloria
a
DES.FRANCISCO
e
A SEPULTURA dasnossas l ettras,d euparatudo.Dasacristia fizeram umtheatro, no
DE PEDR'ALVARES CABRAL
qual,paracumulodo sarcasmo, representaram, em1847,0 Fr- Luif
deSousa,deGarrett. claustrofoi transformado empraçadetouros,
O
atéqueresolveram arrasardeumavezigreja convento, construiram
e
no mesmologar penitenciaria districtal.
a
ANTAREM, o sempre emiobrecido Sca- Vaetudoabaixo Nadarespeitao camartello destruidor,quemenos
!
labicastro,berço e tumulode varões impioseria,reduzindoSantarém cinzas,emvez de mutilar,de
a
illustrissimos,
apesarde tão outra do escarnecer, estampando-lhe nasfacesascicatrizes maisprofundas.
quefoi,dalanguidez e daruinaemque E tagarela-se por ahi de tradiçõesgloriosas, quandonenhumres¬
a prostraram o vandalismo,a ignorância peitopraticose manifesta pelo passado, pelahonradaherançaque
e a cubiçademuitos,possueaindaal- constituía o maisluzidobrazãodanacionalidade portugueza!
gunsvestígios dasuapreterita grandeza, Umpreciosomonumento, quetemprendidosemprea minhaatten-
que interessama quemse proponha ção, igrejade S. Francisco,apesardo estado que deixaram
é
a
a
estudarconscienciosamente a historia chegar,ou talvezpor issomesmo.
monumental do paiz. Datadaultimametadedo séculoxma suaconstrucção.
O querestaépouco,e mutilado, car¬ Antesdeprofanada, eraexemplar unicoemPortugaldo estylode
comido,ou,peiordoquetudo,injuriado transição, queos francezes, comM. de Caumontá suafrente,deno¬
pelasrestaurações inconscientes. minamroman,parasignificara suaorigem,produzidapelaalliança
Estapérolariba-tejana,comos seus entre architectura latina byzantina. Esteestylo,quepredominou
a
e
a
palacios,os seusconventose as suas nomeio-diadaFrança,imitandoosmonumentos romanos, pódedizer-
muralhas, eraa povoação dacruze da seogivalprimárioou lanceolado, sobretudo nosxu xm séculos,em
e
espada. Pelasuasituação topographica, que ogiva voltainteirase empregavam promiscuamente, bem
a
e
foi sempreconsiderada um pontoestratégico importante; a
e d’ahi,a como arcoemfórmadeferradura.E velhogothico.
o
o
rasãodehaversuccessivamente abrigadonoseuseiodifferentes raças, N’estaigrejaapparecem bemdefinidosos caracteres d’essetypo,
bemcomode a teremescolhidopara centrode suasoperações os taescomo:botaréus;fachada muitosimples;portalcommolduras de
povosinvasores dapenínsula. lavoressingelosaté base, terminando superiormente por umarco
e
á
nado.EntreessatorreeadasCabaças apertava-se
o transito,eo prove¬ tandosobreas suasabobadaso coro,actualmente isoladoda igreja
dordacomarca, naturalmente poraversão concentrada desdeosbancos por umaparedetosca.Estaobra,do maispuroestylo,foi feita ex-
a
dauniversidade contraa historiado direitoromano,ordenouqueres¬ pensasdo reiFernandoI paraseujazigo,masnomeiodaigreja.Com
,
o
,
A dominação arabeé confirmada por doiscapiteismusulmanos, que mento,e collocandoo tumulodo seurealfundadordemodoqueti¬
seguardam no museudistrictal,estabelecido em S. João deAlporão, veramdetapargrandepartedo espelhodo frontispício, ficandopor
e foramencontrados no palacioqueos condesde Óbidostiveramem issodefeituosafachadae sacrificada bellezado oculo.
a
-"
tadotorpíssimo contrao sumptuoso templo,e queno dominiodaarte
Lí>jÉai rlcjffç comera ofoial representa umaprofanação própriaunicamente deumpovodebárba¬
ros. Pódeatécertopontojustificar-se a mudança do côro; destino
-
o
dado igreja,não.
á
zasqueellascobriam!
jco
o
n
up Awccjha ftnjpn
jt»
e
a
o
Iff
suaprópriacasa.
a
E eram,ernfim,obrasdefé,poissómente afépodiaseraverdadeira
causadoseffeitosprodigiosos realisados pelaArten’aquelle secülo.
Quantas obrasdelicadas, nasquaes o piedoso artistaconsumia a
vida,muitasvezesatéa punhaemrisco,mórmente aoremataressas
torresmaravilhosas, quedespertam aindahoje a nossaadmiração, e
merecerão decertoa dasgerações futuras;quantas d’essasverdadeiras
obras-primas nãovemospelaEuropa,semum nome,umsignal,uma
s -
lettraquenosreveleo seuauctor,tal eraa intençãocomquetraba¬
htfz arfè
al
miy ptuir
u
lhava,pelaIgrejae paraa Igreja,unicamente!
Lamentamos, todavia,ficaremnoolvidoosnomesdosartistas,que
nabral tio iva oi
enriqueceram delavoresa igrejae o claustrodoconvento deS.Fran¬
JJabol
e
ciscodeSantarém.
O claustroestácolladoá igreja.Formaumquadrado perfeito,cujos
comi m,5o dealtura,tendoom,i6
raoíro jua mife niíaTWa
qJ
ladossãoguarnecidos de columnas CVVO e/
J
<voc^
dediâmetro
differentes
a secçãohorisontal dofuste,queé cylindrico,
unsdos outrosna suacaprichosa
eoscapiteis
ornamentação vegetal. raMla
cT
IpMiuuio rrna nm
«i
J
As columnas, agrupadas duasa duas,substituindo supportes monocy- aTT-Ç >
lindricos,ou pilastras, sustentam arcosogivaeslanceolados. Alegra-se roo
a vistaaopercorrerestasarcadas, semembargo deestarem já carco¬ tupi oriiojo >a inovlo ojjpii
midase truncadas algumas columnas.
Realisaram-se aquiasduascondições, que,naordemmetaphysica, inaryoosfoy ramarana inofi)a
sãoessenciaes á producção do bello: a symetria e a eurhythmia, sem
as quaesa unidadenão existe.A ultimatendea desapparecer n’este
bfankoona
-
c-f — _ inaryaTOlia on
ê
claustro;masencontra-se lá o bello,apesar d’isso,comonaigreja,onde
6
^
m
r
n
ambasfaltam.
Na igreja,a imaginação, empresença dasruinas,refaza unidade,
00 juaii
no|o (noujimrpj
quebrada peladevastação maisaindado que
pelamãoimplacável
criminosadoshomens,
do tempo.Reconstroe completamente o edifício; roVjir nona
admira-odepois,quandojá lhevê assuastresnavesamplas, emque
o dividemgrossase altascolumnas, cujofuste,emvezdecylindrico,
tempor secçãohorisontalumpolygonoregular,sendoboleados com
egualdade osverticesdetodososângulos;ornamenta oscapiteisdes¬
tas columnascom lavoresde folhagemvariadíssima, imitandogros¬
seiramente oscorinthios, e misturaa faunacoma flora,emoutrasdas
columnas quecontribuem paraa magnificência dascapellas;colloca
osarcosgrandiosos queseelevavam aosladosdanavecentral;impri-
me-lhe,ernfim, os caracteres do estylode transiçãopuro;restitue-lhe
assuasprocissões demonges, seumysterio, seuscânticos nocturnos;
enche-odefieis; ouvelá dentroa palavrado oradorsagrado;resta¬
belecea unidade.A bellezamoralimpressiona maisdo quea belleza
artística,n’essagranderuina,queéumagrandelição;liçãodajustiça
cí
deDeus,donadadohomem, do tempoquepassae daeternidade que
permanece.
No claustro,é também a imaginação quevêo pateoajardinado; as Forambaldados os nossosesforços,e continúano esquecimento
lá
florespurificando como seuaromao ambiente, harmonisando-se com sepulturadoegregionavegador, quetantohonrou patria,tentando,
a
a
a ornamentação dasarcadas, e recreando a vistados cenobitas, que comoBartholomeu Dias VascodaGama,umcaminhotambém
e
novo,
passavam alli horasdeexercícioe derecreio,ou meditavam sobreos com differençade que estestinham certezada existênciada
e a
a
tumulosdeseusfallecidosirmãos. índia, Pedr’Alvares Cabralfoi por maresquasitodosnuncad’antes
navegados, arriscou-sea outrosabysmos insondados,anteviuoutro
* mundonuncafallado,evocou-o,paraassimdizer, recebeu-o como
e
* * dasmãosdo Creador; que porventura,
é,
maisgrandiosoe sublime
o
ainda!
Um bello exemplardo estyloogivalsecundário, ou gothicomo¬ Ninguémouviua nossavoz.Não por serdebil modesta, como
é
derno,conformea classificação de M. de Reiffenberg, é a igrejada na realidade;masporquen’estaanarchiade idéas,n’estafolia de
Graça,que pertenceuao extinctoconventodospadreseremitas de theoriasphilosophicas sociaes,levadasao extremo,e encontrando
e
e
A fachadaprincipalenleva-nos como seugrandeoculochamme- fazeralardoderiquezas; no meio,ernfim,d’estaembriaguez dapolítica
jante,deprimoroso lavore deumasópedra;comassuasarqueaduras malcomprehendida, quetemenervado mortalmentesociedade por¬
o a
é,
o
preparasse.
A par da Fé, para restabelecimento da qualumaboaparteda
o
regiãoondetemosmilharesdeirmãosquefaliama nossalingua,
que comprudênciae zêlo,um dosprincipaeselementos da nossarege¬
professam as nossascrençase veneram as nossasmesmas tradições neraçãomoral. convicção
da*
minha.
É
Lisboa, . ZephyrinoBRANDÃO.
8
5
g
i
ARTE PORTUGUEZA 45
O
MÍNIMA dicta do códice; assimtemosque estampa,
todosos desenhos que
o
a
e
sr.Vasconcellos nosindicasobn.°19nasvaliosasannotações dasua
ediçãoda Fabrica,temo n.°18nasreproducções do doutoprelado.
(SOBRE ASIt.LUSTRACÕES DEFRANCISCO DEHOLLANDA! Essasreproducções, feitaspelosprocessos dalithographia, naofficina
daAcademia, deixavam tudo desejar;nãosepódeencontrar docu¬
a
mentoquemelhorassignaleedade, iamos dizerprehistorica, d’uma
a
a
arte.
Comtudo,anteriormente tentativaephemera do cardeal, se
já
á
haviachegado, em definitiva,a tratardasillustrações da Fabrica,
a
tempoemque lithographia, d’ahi poucoinvasora, nãohaviaainda
a
a
sobrepujado naturalisadissima artedegravaremcobre.A semente,
a
AS suascuriosissimas lançada terrapelosesforçosdemonsenhor FerreiraGordo,nãofi-
á
monographias sobrea cárade todoesteril,nemos seusenthusiasmos isolados;provas,
a
historiadaArteportu¬ estampa queintercallãmos (n.°18, que,hapouco, nosreferimos, da
a
gueza, coubeaosr.Joa¬ ediçãoSaraiva) interessante officioquepomosdeante doleitor,com
e
o
quim de Vasconcellos pergunta do nomedoartista, quemSantosMarrocosserefere:
a
a
a gloriade ter chama¬
Ill.moSnr.D.orAlexandreAntoniodasNeves.—Tenho honra dedirigirPresença de
á
a
do, primeiroquenin¬ V. S. collecção deEstampas relativasobra Dolanda,
deFrancisco queporcopia lhe
á
a
guém, modernamente, a foiremettida emtempo anteriorporestas
Rcaes Bibliothecas,
cmcumprimento recom-
aá
queporV.S.amefoiparticipada
3,
e mendação, emcartade22deJulhodeiSi que pro¬
c
attenção denacionaes
Ex.mo Approvaçáo deS.Mag.con¬
e
videnciou fallecido Snr.Marquez deAguiar com
;
o
estranhos paraa activi- cluindo-se agoracopia Estampas,
dasditas emrazãodeoutros objcctos
doRealServiço,
a
—Deus guarde aV.S. pormuitos annos.—
a
dadeartísticadeFran¬ dequetem sidoincumbido mesmo Artista.
o
Bibliothecas,
28deSetembro de1817.—Soucom todoo respeito—De V.S.aM.
l°
cisco de Hollanda,o Reaes
obseq.® V.orSubd.® C.—Luiz JoaquimdosSantos Marrocos.
e
famoso auctordosDiá¬
logossobrepintura,da Pódeasseverar-se comsegurança queforamfeitasas chapasem
Fabrica quefallece à cobre,posteriormentedatad’estacommunicação official;attestam-
á
cidadede Lisboae do no nossagravura,bemcomoduasoutrasque encontrámos nos
a
a
buxos,quedesdeo dominiofilippinoseguardaentreaspreciosidades quem, simplesvista,as indicámoscomopertencentesseriedos
á
á
á
excursões officiaesde Monsenhor FerreiraGordo,semtodaviaparar Sãoasseguintes:
nas investigações officiosasdo sr. CruzadaVillamil,que o estudou N.®XXVII
comlouvávelcritérioe amplaminuciosidade depormenores, emcon¬ Lembrãça do Sacrarioondehadestar Cvstodia'.
a
([
ê
([
já,
dosmaisalevantados
naspaginasd’estaRevista.Mas,alémdareprodução dopreciosode¬
buxo,queum criticofrancezrelacionou comocomposição parafundo
estasbreveslinhas
;1
de umprato,outracuriosaestampa acompanha
essadá-nosensejo pequenas noticias,q ue sr. JoaquimdeVas¬
o
a
e
dehaver llujut
JLtluíMfí/Iu KfhJ»*JTcéZcTxx.uij.VjtmJiuitLavk V/t»
concellosdesconheceu,que tambémnosnãolembramos JUJi.J. lituJut fxayo
e
com«informações
o
nifestoequivoco;quemchegou estampar
a
exilio,regressando a Lisboa
daFabrica,tituloque,como sabido, Lumiares,depoisde um dolorosissimo
i
ciastemfeitopara publicação
a
occupado
comqueHollandapretendeu na divisãodo duquedaTerceira, achandoo seupalacio
e
subentendeplanogeralde edificações
o
deedificações
á
—
a
a
á
auctorrefere-segravuradapagina (N.daR.)
seguinte. copia gravura.
d’esta (N.daR.)
O
á
46 ARTE PORTUGUEZA
e
baseando-senuma communicação do abbade Castro, diz
9
agosto aquelle anno, dirigidas camara, mandavam
d
pôr
á
que dera o plano das novas construcçóes executadasem em lance as obras das pontes caminhos da
cidade, sendo
e
ao
ía
Raczynski, que tanto se serviu da Lista do cardeal Sa¬ mosteiro de Santa Cruz.
raiva, não folheou, comtudo, o seu additamento,e
por isso Outra provisão, de 10 de dezembro de 1626, dava
não incluiu Pedro Nunes Tinoco, de que alli se faz parte
abreviada aos officiaes da mesma camara da ida
menção. daquelle architecto,
para com elles ver as obras dos
Os subsídios que colhemos em diversos auctores e accrescentamentosdas
os pontes do Loureto, Rachado, Espertina, Cidreira
documentosque examinámos,levam-nosa ampliar o inven¬ Fornos,
e
que
attendia,para isto, á sua sufficiencia,e á muita
continuação D. FilippeIII, Doações,
liv.
o,
folio64,verso.
'
3
ARTE PORTUGUEZA 47
@
À0 asprópriasnaçõesgrandes quenosdãofrequentes
deordenado cadaanno,queheoutrotantocomotinhao ditoseupay. exemplos e nos indicamo caminhoa seguir,quando
Pelloque,etc.ManoelFerreirao fezemLisboaaosoitode feuereiro se tratade conciliara modacoma prosperidade e os
de mil seiscentose quarentae hü annos.FernaõGomesda Gamao progressosdasindustrias nacionaes.
Haveráunsquinze
fezescreuer.Rey>». annos,as fabricasinglezasde chitas,cretonnes e ou¬
trasespecies parecidasatravessaram crisesevera.
Valeu-lhesa prin-
Houve ideia, por economia, de se tirar a João Nunes cezade Galles,dandoo
exemploá corteingleza,e iniciandoos ce¬
Tinoco o cargo de mestre das obras de S. Vicente, sendo lebresbailesde calicot,em quea chitae,a percaleeramtoilettede
substituído por um apontador, o architecto Francisco da rigor.Algunsannosantes,a Inglaterra,aproveitando a correntede
Silva. Consultada a camara, respondeu em 3o de agosto anglomania que,duranteo segundoimpério,dominava o gostovo¬
de i 65o, sobre este ponto, o seguinte: lúvel dos francezes,apoderava-se habilmente das modaspara uso
do sexomasculinoe, de entãoparacá,temsabidomantera vanta¬
«E no quetocaaoarchitecto, o parecerdovereador gemconquistada.
nãoobstante Annosdepois,e na mesmaInglaterra,formava-se
FranciscodeValladares,pareceuaosmaisministrosqueo architecto um grupode propagandistas, em que entravamalgunsdos artistas
maisnotáveisdo paiz.A liga dos estheticos , constituídapor intel-
1D- João IV, Doações,t3, 70. dadosalgumtantoa subtilezas
lectualistas, especulativas,
tinhacomo
ARTE PORTUGUEZA
-
gircontrao cosmopolitismo eobedecem áprópriainspiração, sem,com- ponezdesconhece o usodosinstrumentos graphicos;desenha a pincel,
tudo,lograrem, por emquanto, creartyposdeabsolutaoriginalidade. dum jacto,a traçocontinuo;estudafielmente a natureza, copiando-a,
Estãon’esteultimocasoasindustrias artísticas norte-americanas e, todavia,demodoreticente synthetico:nãomodelanemmodula.
a julgarmos por algunsd’entreos specimens apresentados naexposi¬ O contorno,a feição,a attitudecaracterística, o tom dominante são
ção universalde Chicago,a marceneria artísticadosEstadosUnidos os elementos quejulgasufficientes paracabaltraducçãodo objecto
parecemostrar-se empenhada emadoptarformase creartypos,inde¬ imitado.Depois,quandoexecutaa valer, pintade memóriaos seus
pendentes. Posto que,emabsoluto,por oranãorealiseassuasaspi¬ schemas decorativos. Isto,naturalmente, induzo artistaa simplificar
rações,os artefactos queactualmente produzsão,semduvidaalguma, o objectoreproduzido, e a estylisação vem,comode per si. Simi-
infinitamente superiores aosquefabricava aindahapouco. lhantesmethodos (semfallarmos deoutraspeculiaridades inherentes á
A exemplodosinglezes, tentamos fabricantes americanos emanci¬ raça,á religião,ás tradições,queinfluemno instinctoestheticodos
par-se, nolimitedopossível, daintervenção doestofador; condemnam pintoresjaponezes) sãoinattingiveis, queraoeuropeu, queraoameri¬
o abusod’esses horrendos moveisacolchoados, almofadados, defôrmas cano,cuja educação artística,essencialmente analytica,cujo tirocínio
bojudas, atarracadas e deaspecto obeso,parecendo soffrerdeelephan- dedesenhista, realisado como auxiliode instrumentos de
graphicos,
tiase,os quaespor todaa partee durantetãolongoprazode tempo, indoledescriptiva, é a antithese absoluta do ensinoartísticocomoelle
invadiram ashabitações dosdoishemispherios, e setornamverdadei¬é comprehendido no Japão.
ros receptáculos de quantopó o ventovaearrancando aomacadam. Algumasregiõesmaisdesviadas dos centrosde movimento artís¬
Osmoveisamericanos abandonam osestylosconsagrados: — o ine¬ tico,e,portanto,maisindemnes dapragado eclectismo cosmopolita,
vitávelnovoantigofoi absolutamente banido.Apresentam umatal apresentam-nos exemplosde nacionalisação dasformulasnas suas
ou qual affinidadecom os artefactos da casaHoward.As fôrmas artesdeimmediata utilidade, peloempregodeelementos decorativos
porém,nemsemprefelizes,sãoumtantomaispesadas, e compropen¬ tradicionaes.
sãoparao abusodosplanoslargose lisos.Intencionalmente práticos, Estãon estascondiçoes asmobíliaspopulares e os objectosdeuso
têempoucosornatosderelevo.Predominam asdecorações embutidas commumdospaizesescandinavos. Os moveisnorueguezes, de ma¬
emmadeirasde côr ou emmetaes, o lavoroà la Certo^a,methodo deirasbrancas,de formassimples,
veneziano racionaes, apenasdecorados com
doséculoxvn,e ásvezes0 processo, aliásidênticoemresul¬ laçariatransfurada e rendilhada, emvelhoestyloescandinavo, temal¬
tado,queempregam osorientaes. Algumasmobíliasdeapparato, com cançado recompensas emmaisdeumaexposição.
ostentação bemdignadoplutocrata Yankee,—e gostoassazcontestᬠDignadamaior
attençao é também aindustriadosmetaes naRússia,
vel, saoincrustadas demetaes ricoseatémesmo depedras preciosas. abrangendo a ourivesaria e os metaespobres.A estylisação neo-by-
Apesarde taesdemasias, aliásprópriasde umacivilisação novae zantina,basedassuas
de industriascujodesenvolvimento combinações decorativas, emextremo simples
nãodatademuitosannos,e que e características, realisaeffeitosadmiráveis,
o progresso da educação artística,tão rápidona America,irá pouco tinguemestaindustriadetodoe quecompletamente dis¬
a poucocorrigindo, o caminhotraçadoé bome, auxiliados qualquerartefacto damesma especie.
pelaenér¬ Resultada gradual d osschemas
gicapropaganda átestadaqualfiguramosseusarchitectos modificação ornamentaes byzantinos,
dageração devidaá acçãosuccessiva detantasgerações
maisrecente, é possívele mesmoprovável deartíficese deartistas,
queosEstadosUnidosve¬ umestyloproprio: o byzantino-moscovita.
nhama conseguir a nacionalisaçao do seuestylo,e quemsabese a Estescasosdelouvávelresistência c ontra a invasãodafancariaim¬
Americavirá aindaa imporá Europao estylodo séculoxx,-— visto portadae do produetorastacuéro,
queaodo séculoxix já ninguém pódevaler! contraas pedantescas reconstruc-
dasobrasdo
Assimcomoa fabricade Sèvres,essagloriaartísticada Franca ções passado;essesactosde justaopposiçãoao ecle¬
ctismofacil,o margótage,queconsisteemamalgamar formulasde
conseguiu, nãohamuitoainda,graçasaotalentodeVogt,surprehen-
diversosestylosa titulode originalidade, sãooutrostantosexemplos
der aoschinezeso segredoda suaporcellana e hoje,no campoda dignosdeserimitadospor
technica,supplanta os melhores todoe qualquerpovoqueprezea suana¬
artefactos do extremo-oriente assim cionalidade.
umacasanorteamericana, a firmaTiffany,deNovaYork —paranão
PIN-SEL.
Reservados todosos direitosde propriedade litteraria e artística
DiRECTOR LiTTERARIO — Gabriel Pereira. DiRECTOR ArTISTICO — E. Casanova.
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CRITICA, em arte, é a applicação culta, —não eliminada,— pelo estylo, pelas qualidades bri¬
das regras do bom gosto á producção lhantes, esse critico tarde ou cedo se ha de contradizer, ou
esthetica, á obra que tem por fim produzir belleza. se repetirá com differenteapplicação,e o publico faz então
O artista, o creador, empregaas suas faculdades synthe- justiça da falsidade e do incompleto da critica que o tinha
ticas e a sua intuição; o critico applica as suas aptidõesde desnorteado.
analyse, o discernimento dos elementos complexos que o Se a critica for apenas sentimental,indo, por sympathias
artista lhe apresentou em unidade simples e harmônica. Se ou impressões inconscientes, da censura aspera, da objur-
para produzir a obra de arte se precisa esta raridade, —o gatoria, ao elogio, ao encomio; se ella for odienta ou ido¬
grãosinho de genio, ou a vocação,— o critico, para que a sua latra, reduz-se a bulha incommoda, inútil, sempre com o
obra seja fecunda, tem de possuir meios de entender e perigo de esganaros que fere, e de abafar os que admira.
comparar, livre de sentimentalismos,os trabalhos artísticos. A má critica faz a esterilidade artística e litteraria. Ora, é
É muito difficil a critica; por isto ella tanto se engana.preciso que ella contribua á conservação e ao desenvolvi¬
Quantos artistas têem permanecidopostos de lado durante mento; que o conselho seja o auxiliar da acção; que a ex-
a vida, erguidos á gloria muito tarde! Porque, na arte, ha periencia, o saber, dos velhos, dirija o braço dos novos; que
ainda o inconsciente; em qualquer manifestação artística seja piloto, e não rajada de vendaval.
isto se dá, e é vulgar mesmo. O auctor póde não presumir Entre nós, sempre têem existido difficuldadespara a cri¬
as bellezas da sua obra. Tal passagemou trecho que julgou tica. O nosso temperamentolyrico é pouco proprio para a
insignificante, a que não deu attenção, sáe de primeira or¬ imparcialidade serena, e para o estudo profundo e serio.
dem. Quantas vezes isto succedena scena!O actor faz bellas A leviandade, e a falta de estudo produzem a variabilidade
phrases ou situações a que o auctor não suppunha tamanho dos pontos de vista, aggravando a carência de outras qua¬
alcance. Ás vezes, ainda, nem auctor nem actor; é o pu¬ lidades. Olhem a critica litteraria o que ella tem dito dos Lu¬
blico, a grande critica geral e espontânea,que dá ao trecho síadas, atravésos séculos e as escolas,tão infecundamente!
a consagração celebre. E os Lusíadas têem vencido, como um grande rio cada
vez mais amplo e crystallino: as criticas veem arrastadas,
É muito difficil criticar. E, como pelas urgências da vida,
ou pelo impulso de paixões, precisam muitos de fazer cri¬ como lenha secca, á toa da corrente. Não se gosta de quem
tica, succede que surgem injustiças e precipitações perigo¬ se ergue. Herculano estevea ponto de se afundar, com as
sas. Hoje, a cada passo se ouve condemnar a expansão investidascontra o seu primeiro grande trabalho. Foi salvo
tumultuaria da critica moderna; o desenvolvimentodo jor¬ pelo publico, o leitor anonymo, que o amparou na lucta.
nalismo deu-lhe força e velocidade, que muitos julgam as¬ Na grande maioria, as criticas, entre nós, —a litteraria, a
sustadoras. histórica, a artística, a política,— são infecundas,porque se
Diz-se: a critica trata do que não sabe; anda aos tombos baseiam em vaidade, em paixões más, em egoismos.
sem achar equilíbrio; é fermentadapor sympathias; é filha E por isto o publico, o publico que dizem não estar edu¬
de vaidade e de egoismo. cado, fica alheio á critica; trabalhemosmais, esforcemo-nos
Em these, a critica baseadasobre vaidade é infecunda; e por ser justos e honestos, recordemos o nosso Camões:
é perigosa, damnifica, se o homem que a faz tem, por na¬ As cousasarduase lustrosas
tureza, qualidades de estylo que oftuscam,deslumbram, por Se alcançam comtrabalhoe comfadiga.
algum tempo, a ponto de passar aos olhos do publico por Lus.C.iv.est.78.
pensador de fina agua; mas, como a verdade póde ser oc- G. PEREIRA.
5o ARTE PORTUGUEZA
—nessa França que todos invocam—os que a conhecem quando tentam librar-se nos ares. Será necessáriorecordar
e os que nunca lá foram— nos orçamentos do Estado e uma experiencia,uma tentativa,que, ha annos, se fez entre
nos dos municípios avultam verbas importantíssimas, des¬ nós? A alguns artistas aconselhámos então que não con¬
tinadas a proteger efficazmenteas artes, fazendo acquisição corressem a tal certamen— não estavam armados para o
de pinturas e de estatuas, com que ornam os edifícios do combate.Não o escrevemos,porém; não quizemosque nos
Estado e das municipalidades,as mairies, e as praças publi¬ accusassemde contradicção, a nós que censuráramossem¬
cas, subsidiando generosamenteas publicaçõesque têem por pre o desamor com que eram tratadas as artes.
fim diffundir a instrucção artística e o gosto pelas bellas- No momento em que a camaramunicipal de Lisboa que¬
artes— politica sabia e previdente, que tem por mira con¬ brara esse encanto, e offerecia um prêmio ao artista ven¬
stante o manter e elevar a preponderância intellectual da cedor no disputado torneio, não quizemos ser inútil Cas-
grande nação— o que vemos entre nós?! sandra de porvindoiras desgraças.Os factos deram-nos ra¬
Todo o movimento artístico em Portugal é devido ex¬ são— as nossas prophecias realisaram-se. Se o thema es¬
clusivamente á iniciativa particular. Aqui n’esta terra lu¬ tivesse dentro dos recursos dos nossos artistas, se fosse
sitana — onde todos são filhos primogênitos, acariciados, uma paizagem,um quadro de genero, o resultado não seria
queridos e engrinaldados— a arte só é engeitada! Não ha de certo deshonroso para elles; mas com o assumpto esco¬
olhos de misericórdia, que se volvam para ella! No mundo lhido, foi um desastre,de que só se livraram os que ficaram
oflicial ninguém a vê, ninguéma entende,ninguéma aprecia! nas bancadasdo circo, a ver os gladiadores. Foi como se ao
Os artistastêemvivi¬ gracioso e eroticoAna-
do esperando. E ainda creonteencommendas-
esperam... sem a Iliada, ou ao
terno e gentil Bernar-
dim Ribeiro a epopeia
de Camões! De entreo
Emquanto a Pro¬ publico, alguns —mui¬
videncia, na sua sa¬ tos talvez— applaudi-
bedoria, não distribuir ram a derrota— não
com mão generosa eu, que a previra.
aos artistas e homens A experienciainfeliz
de lettras os bens ne¬ — mallograda por mal
cessários á manuten¬ dirigida— não se repe¬
ção physica e á satis¬ tiu. Quizeram proteger
fação das exigências os artistas, e não sou¬
da vida civilisada, as beram... E, depois,
artes e as lettras serão todos —o publico, que
manifestaçõesdo genio não vê ainda claro
e do talento, n’uma n’esta atmosphera da
palavra, da actividade arte, também fez co¬
intellectualdo homem, ro— todos entoaram
e, ao mesmo tempo, o Vce victis contra os
industrias de que elle infelizes pintores!
se serve para viver. Que queriam? Elles
Deixemos no armario pintavam tardes de ve¬
das velhas declama- deSUAALTEZAO PRÍNCIPE
Retrato REAL rão com os trigaes loi¬
deI.allemant) ros, ondulantes, e as
ções esse ideal abso¬ (Gravura
luto, apresentado,para vermelhas papoulas,
Medalha naquarta
classe
deterceira exposição Arlistico
doGrêmio
substituir o pão de como que espreitando-
cada dia, pela ingenui¬ nos, a furto, de entre
dade d’alguns rhetoricos. Se é verdade que não é só de as espigas, com os seus olhos pretos; manhãs de primavera,
pão que vive o homem, tambémo é egualmenteque sem elle húmidas,verdes e floridas; moçoilas cor de tijolo, crestadas
é que não pode viver. As influencias da vida, as circum- pelas geadas; portaese arcos de velhas egrejas; o mar trans¬
stanciassociaes, são, portanto, fataes, inilludiveis. parente e nacarado; botes balouçando-se,e o sol a dardejar
Gomo a quasi totalidade dos nossos escriptores, os nossos no rio; banhistasna praia com trajes de cores lúbricas, ma-
artistas são polygraphos: vemol-os cultivar todos os gene- tisando o tom quente da areia... e de repente dizem-lhes:
— Basta de idyllio. Venha a epopeia. Aqui têem o Ca¬
ros, abordar todos os assumptos. Estreiam-se na paizagem,
dahi a pouco entram no genero, pintam retratos, fazem mões. Pintem-nos a despedida deVasco da Gama. E notem
flores — e ás vezes com calemboiir— defrontam-se os que queremos ler no rosto do personagem o presente e...
mais arrojados— com a figura humana na alta pintura nas o futuro—o Vasco da Gama, antes da descobertae depois
entenderam?!
grandes telas históricas... E aqui, diremos, com menõs d’ella!... O da índia, o da historia,
exito; que o contrario seria pouco provável, se não impos¬
sível. A rasão é evidente. Não é só com o ideal que se Passar-se-hão talvez cincoentaannos, sem que o facto se
meus netos, os verea¬
estudam, que se preparam, que se compõem e que se repita. Se algum dia, em vida dos
Lisboa se lembrarem também de
executam os grandes quadros. Só os néscios é que o pen¬ dores da leal cidade de
Deus que recorram aos archivos,
sam, só os néscios é que o dizem, só os néscios é que o proteger as artes, queira
os
escrevem. Provam-o, com os seus primores, as grandes e, lendo o caso miserando, não imitem, nos programmas,
epochasda arte; provam-o, com os seus desastres,os ícaros, seus antecessoresde 1887!
plcs amador, podia guar¬
dar os seus quadros, ornar
com elles os seus salões;
mas n’estes certamens,
aonde concorrem os artis¬
tas da escola de Lisboa,
elle nao quiz representar
o papel egoistade especta¬
dor— expoz os seus qua¬
dros ao publico e. . . á
critica. Actualmente discí¬
pulo de um dos mais dis-
tinctos pintores —João
Vaz,— reconhece-se nas
suas obras a influencia do
professor. Têem algumas
um certo valor, e as da
exposição deste anno (1895) são-lhes
incontestavelmentesuperiores.
Antonio Baeta foi — na Escola--
um alumno muito estimadopelos seus
professores: — é-o egualmente pelo
publico, que já o conhece. Bom de¬
senhador, alcançaria facilmente um
dos primeiros logares como paizagis-
ta, se os seus trabalhos de decoração
— hoje a sua especialidade— lh’o per-
mittissem. Discípulo de Silva Porto,
segue as pisadas do mestre na côr,
embora no estylo seja um pouco mais
miudo. As suas pequenas paizagens
—vistas de Setúbal, do Freixial e de
Lisboa— foram apreciadas.
Quartaexposição
do GrêmioArtístico
Discípulo da escola de Lisboa e pensionistade
APROVEITANDOUMAABERTA— May
Arthur Paris, Ernesto Condeixa não é já um novo, mas
CAMINHONOREGADO— Torquato
Pinheiro
RETRATODE MINHAMÃE—D.Adelaide
Vasconcellos
Barbosa
Ferna está bem longe de ser velho. Excellente desenhador tam¬
ESPECTÁCULODE GRAÇA—D.EmitiaMascarenhas
Pedroso bém, conservandoo bom que adquiriu em França, tem-seido
deA. Conceição
(Desenho SilvaJ despojandolentamentede uma certa côrfrancesa, que —se¬
jamos francos— não agrada aos nossos olhos peninsulares.
Veiu isto aqui ao proposito de explicar a polygraphiados E um estudioso, um convicto, que discute as suas opiniões
nossos pintores, tendencia que mais se accentuanos que e os seus quadros. Professa e pinta. Numa exposição an¬
occupamos primeiros logaresna artenacional.E, —entenda¬ terior, vimos um retrato seu, magnifico a todos os respeitos,
mo-nos bem— não é, da nossa parte, para ser levado á como semelhança e como execução: n’esta, o retrato do
conta de censura; não é critica, é a justificação de um fa¬ nosso amigo e também distincto pintor —Prospero La-
cto, consequênciade outros, e que a seu turno gera outros serre— é um excellentependant d’aquelle seu antecessor.
factos, como tudo neste mundo, que não é senão uma ca¬ — Cest pris sur le
vif — diria o retratado. E é.
deia de causas e de effeitos. — Chega a estar parecido de mais! disse um
amigo meu,
Apesar d’estas circumstancias,pouco favoráveis ao des¬ quando então andavamos percorrendo a exposição.
envolvimento da grande arte entre nós, é evidente e inne- E 0 maior elogio que se lhe podia fazer. A semelhança,
gavel o progresso individual dos artistas. Ha quem o ne¬ n’um retrato, é a primeira condição para elle ser bom;
gue? Ha. Mas a fôrma por que o negam, mais o confirma. quando não se parece, deixa de ser retrato, é simplesmente
Não é necessário procural-o nos que já professam; vê-se uma pintura. A comprehensãode uma physionomia é a re¬
nos que, ainda discípulos na escola, ensaiam os seus pri¬
velação de uma faculdade superior, que nem todos pos¬
meiros passos com uma firmeza e uma superioridade de suem. Condeixa é um dos nossos primeiros retratistas.
execução taes, que fazem suppor, aos que os não conhe¬ Na Volta da fonte, a figura da camponezaque desce, está
cem, annos mais adeantados,e mais dilatado tirocínio! um pouco parada. O quadro
Natureza morta tem alguns
fruetos bem pintados.
Não obstante este reparo, a Volta da
fonte é um dos me¬
lhores quadros d^ste artista.
O sr. conde de Almedina, que figura n’esta exposição, Eis aqui um pintor, cujos progressos são evidentes—
não é, de certo, um grandeartista—os grandesartistas são
Luciano Freire. Não é pensionista de Paris.
raros — mas é, sem duvida alguma, um bom exemplo.Vi- Quando se fez
o concurso de que Velloso Salgado saiu vencedor, e cujos
ce-Inspectorda Academia e opulento fidalgo, amigo e discí¬
triumphos —em vista das provas — nós tivemos por cer¬
pulo do illustre Annunciação, não esfriou no seu culto da tos, apesar de futuros, tivemos também pena de que, em
arte, e, pelo contrario,os annosredobraram-lheo amor. Sim- vez de uma, não fossem duas as pensões,e, se estivessena
ARTE PORTUGUEZA 53
nossa mão, daríamos a segundaa Luciano Freire. Não seria quadros, os modelos encontra-os feitos, entre nós não
já
e
perdida, como a de outros, que não deram fruao. Luciano tem, infelizmente, muito por onde escolher.
Freire já foi a Paris, mas não estevelá cinco annos. As Cócegas são uma graciosa scena rústica, um idyllio
Os catraeiros é um quadro de genero, tratado no formato campestre, não sombra das faias, mas torreira do sol
á
dos histoi'icos.Uma scenada vida dos barqueiros doTejo— — este sol peninsular— agenteprovocador d'esses amores
os preparos para a ceia. Figuras do tamanhonatural, muito rápidos passageiros,mas fulminantes, por vezestrágicos.
e
característicase bem estudadas — a ponte dos vapores— Uma seara, pavêas, elle ella, ao longe umas barracas de
e
navios entrevistos atravez da atmosphera, um pouco enfu¬ colmo. Este quadro de todos mais suggestivo.Vendo
a é
o
rnada. Ao fundo, o sol poente, lançando os seus últimos os dois namorados
Jlirtar Taquelle ermo, ouvindo o
raios sobre as nuvens no horisonte. Este quadro, apesar de ciciar da brisa que passa por entre os trigaes ondulantes,
e
uma certa exuberância de côr no fundo, é uma tentativa canto aereo de algum laberco, transportamo-nosalli em
o
séria e arrojada, de valor incontestável,e que muito honra espirito, sentimos como que umas vagas indefiniveis
e
o seu auctor. saudades da vida rústica, tão intima com natureza... A
a
Como animalista, Luciano Freire deu-nosuma Scena rús¬ mim, devoto de Santo Huberto, lembra-me espingarda:
a
tica. É obra superior aos seus trabalhos no mesmo genero. debaixo d’aquellas pavêas não deixa de haver alguma co¬
No pateo da arribana uma vitella está bebendo, emquanto dorniz. . Mas voltemos pintura. Este quadro tem côr
á
.
outras esperam a sua vez. Um moço segura uma destas, local. Estamos em plena lezira: sol implacável doira as
o
que parece ter mais sede de ar do que da agua que está searas, cresta cutis, escandeceos corações. Não ha
e
saciando a sua companheira. Excellentes a composição, o duvida; uma paizagem portugueza.
é
desenho, e a côr. Uma das melhores télas desta exposição.
Apesar de não ser esta a melhor das exposições da sr.a
D. Josepha Garcia Greno, todos os seus quadros de flores
e natureza morta continuam a attestar a virtuosidade, o SAÍMOS de Portugal,
brilho, e a mestria do seu fecundo pincel, distinguindo-se, mas passámos ao norte. As
entre outros, o que tem por titulo Preparos para a festa, paizagens de Marques de
pela variedade da sua composição. Oliveira — artista d’aquelles
Malhoa. — Este artista, pelas suas brilhantes qualidades poucos de quem se diz que
e pelos seus defeitos, é um dos mais apreciadose dos mais sabem que fazem— não
o
discutidos. E e será, porque as suas qualidades são natu- têem mesma luz forte dos
a
raes, e as deficiênciasprovêm da educação, e, porventura, campos de Malhoa. mais
E
da febre de produzir. Comtudo, e apesarde tudo, a despeito fria entoaçãodos seus qua¬
a
da actividadefebril do seu pincel, todas as suas obras valem, dros. Não differençade atmosphera, questão de tempe¬
é
é
trazem todas o cunho da sua individualidade. Malhoa é um ramento. Discipulo da escola do Porto, reconhece-se-lhe,
verdadeiro e raro temperamentode artista. Faltou-lhe, no na consciênciado desenho, influencia do notável professor
a
principio da sua carreira, o regimen severo de um mestre, Correia: esta qualidade têem-atodos os artistasportuenses,
que se lhe impozesse, domando e contendoa impetuosidade em maior ou menor grau. A Cabeça de estudo excellente; é
d’essetemperamento. Silva Porto, com quem todos os pin¬ mesmo diremos da rapariga do Fim da tarde, mas outro
o
tores contemporâneostanto aprenderam, apesar de ser um tanto não podemos affirmar da vaquinha, que ella trouxe ao
excellentemestre, não era o homem proprio para essa ta¬ rio. E, finalmente, um formoso trecho de paizagem Rio
é
refa. de Porto^ello.
Com as faculdades de assimilaçãoque possue, dotado do Antonio Ramalho, desde que voltou de Paris, tem pin¬
sentimento da côr, manifesto em todos os seus trabalhos, tado muitos quadros, mas ainda não nos fez esquecer o
manejando o pincel, que elle domina —colorista e execu¬ seu Lanterneiro. pecúlio technico deve necessariamente
O
tante— se tivesse estudado sob a direcção de um grande ter-lhe crescido com uma tão longa variada pratica — re¬
e
mestre, como, por exemplo, Jean-Paul Laurens, tendo ao tratos, paizagens, quadros de genero; mas quem de tal fôr¬
seu alcance museus, onde visse Rubens, Van Dyck, Frans ma se estreiou não se deve mostrar avaro das joias do seu
Hals —os grandes compositores e os máximosvirtuosesda pincel, nós, se apreciamos muito um bello retrato, uma
e
paleta— Malhoa seria de certo um artista, cujo nome pas¬ scintillante fresca paizagem,tambémnão temos em menos
e
Entregue a
e
timento artistico, por falta de educação— quem passar em Ramalho não um audacioso, como Malhoa; seu es¬
é
revista extensa lista,das obras d’estepintor, reconhece pirito, não agita actividadefebril; mas um colorista,
já
o a
é
o
a
desde logo que elle nunca foi um estacionário. caminho conhece bom mau caminho, excellente dese¬
e O
e
é
o
percorrido grande, progresso manifesto incontes¬ nhador; tem as faculdadesnaturaes as adquiridas, porém,
e
é
e
o
Nesta exposição dos seus trabalhos, que nos parece pem-me a*phrase—não tem Diabo no corpo—como o
o
o
da sessão Descanso são duas scenas da vida do ate- Em todos os quadros d’este artista, ha mesmo estylo,
o
e
o
lier, dois estudos do nu, que têem coisas boas más, so¬ mesma côr mesmo modo de empregar, mesma
a
e
o
a
a
e
brelevando pintura ao desenho, que, em partes, foi um sympathia pelos effeitos de virtuosidade, que ás vezes lhe
a
pouco descuidado. D’estes dois quadros, preferimos Des¬ compromettem impressão do conjuncto, custa da figura
á
a
O o
canso do modelo, que está realmentebem pintado. mo¬ ou do episodio principal. Abusa do pittoresco, é-lhe difficil
e
delo um pouco onduloso, dorso superabundanteem resistir tentação de dispor no fundo, ou ao lado de um
á
é
é
o
curvas, mas cabeça bem contornada, busto está retrato, uns pannejamentoshistoriados, que valem muito
e
o
é
a
modelado com muita justeza. Emfim, pintor faz os seus como execução,mas que prejudicam retrato, apesar da
o
o
54 ARTE PORTUGUEZA
mestria do pintor. É um escolho em que dão muitos, que depois de as terem admirado, approximar-se da tela mui de
querem assim fugir á monotonia, á banalidade dos fundos perto, para verem como elle obtivera aquelles effeitos,signal
neutros. evidentede que lhes despertarama curiosidade. Este exame,
Todos os quadros expostos,—o retrato da distinctaactriz que é um preito, só se faz ás obras que nos podem ensinar
Virgínia, O tio Jeronymo, etc.— manifestam as mesmas alguma coisa.
qualidades e requintes, e exemplificam completamenteo O retrato do sr. Braamcamp Freire é claro; o do sr.
que deixamos dito sobre a maneira d'este artista, que po¬ Correia de Barros é, de certo, menos luminoso, mas a sua
deria, se quizesse,rivalisar na paizagem com o illustre Silva physionomia está alli reproduzida fielmente, com as suas
Porto, sendo-lhe superior no desenho das figuras. E esta, feições e expressão. Aquelle é mais agradavel á vista, mas
salvo erro, a nossa opinião. têem ambos as mesmas qualidades de comprehensão do
Entre todos os trabalhos apresentadospelo eminentear¬ modelo e de execução.
tista Salgado, tem incontestavelmenteo primeiro logar o re¬ Noir et rose — que parece ter provocado um certo rumor
trato do sr. A. Braamcamp Freire. E foi este, no nosso en¬ na platéa artística— é uma phantasia violenta, executada
tender,o ciou da exposição.Com uma toilettedeverão, clara, sobre aquelles dois tons. E um pouco discorde, mas aos
toda a figura destacavigorosamentesobre um fundo de fo¬ pintores e aos poetas —já o velho mestre o disse— são
lhado verde, numa postura natural, sentadanum pequeno permittidas umas certas liberdades. Eu, em todo o caso, a
canapéde ferro, no jardim. Este retrato,vimol-o, sem mol¬ tel-a composto, não a expunha.
dura, luctando vantajosamentecom quadros dos mais estrel- Em matéria de critica, o critério varia, e corresponde á
lantes; e, depois, na exposição, resistiu á própria moldura instrucção especial do critico. Os olhos com que um pintor
provisória, que tinhaumas largasfaxas, cujo doirado, polido analysaum quadro, é evidenteque não são os mesmos com
e espelhento,era cruelmenteluminoso; e, como se isto não que o vê um profano: ao artista, o que o impressiona desde
bastasse,ladeava-o,voltada para elle, uma cabeça de cão, logo é a belleza ou a imperfeição do pincel — depois vem
grande, com um fundo de carmim! O cão era mudo, mas o resto. E este resto é o objecto principal para o commum
aquelle carmim ladrava, uivava aos nossos olhos, e exem- dos mortaes, que o que sente em primeiro logar é a im¬
plicava estrepitosamentea mysteriosa correspondênciadas pressão litteraria— a idéa que o auctor figurou na sua tela.
cores e dos sons. Dois pontos de vista differentes. Um esboço, quatro pin¬
Era, como se diz, ter os inimigos ao pé da porta. Pois celadas, vivas e espontâneas,o improviso sem pretenção,
bem—a tonalidade clara e serena da pintura de Salgado é sem preoccupaçãodp publico, vale mais, ás vezes, para os
tal que resistiu a tudo, e a figura distinctae aristocraticado
que são da arte, do que um quadro cuidadosa c minucio¬
retratado destacava-sesobranceira, dominando tudo o que samenteacabado.Mas este critério, repetimol-o, é exclusivo
o rodeava! Discutia-se-lhea conveniênciaou inconveniência d elles, ou dos que conhecem a technica. Para os outros é
do fundo; mas, se aquillo foi uma difficuldade a vencer,
quasi lettra morta.
essadifficuldadeachava-sevencida.Completaa semelhança,
Os diversos trabalhos, expostos por este distinctissimo
esplendida a carnação, bem composto o quadro _a im¬ artista —hoje uma gloria nacional— entram nas duas ca¬
pressão entre os artistas foi uma— era reconhecidaa ma¬
tegoriasa que nos referimos, e como taes foram apreciados.
gistral superioridade da obra. As mãos, primorosas — so¬ Em todos se reconhecea mão de um mestre.
bretudo a esquerda— têem tal verdade no tom, e é tal
a transparência da carne, que nós vimos alguns (Continua)
artistas,
Zachariasd’AÇA.
ARTE PORTUGUEZA 55
ISTORIA DE PORTUGAL
D. SAfJCHO I>
o
e
opulência e formosura p eculiaresá sestancias deluxoe deprazer das As derradeirasdisposições deD. Sanchoeramde natureza a acti-
gentesvoluptuosas do Oriente,—mastambém o centroprincipalda val-a.Effectivamente, doaçãodeterrase importantes castellosa suas
a
resistência contraos christãos.A tomadade Silvestinha,pois,uma filhas, as largasconcessões ultimamente feitasao clero,restrin¬
e
II,
altaimportância;e, umavez realisada,
o
o direitode se intitular, c omode factose intitulou, rei dePortugal nante eramantera todo transe asprerogativas dacorôa,nãopodia,
o
dospontosconquistados —
por AffonsoHenriques: Alcácer,Palmella, do seugoverno, D. Sancho lhetinhapreparado.
Começou, todavia, porentregar ássés mosteiros tudoquantoseu
e
Cezimbra, Almada.
A alliançadeAffonsoIX deLeãocomos infiéisdeumotivoa que paelhesdoara,e nãoseoppoz quenascortesdeCoimbrafossede¬
a
o pontíficelhe applicasse a
e incitasseos outrospríncipesdaPenínsulaa quelhe igreja,e quen’ellassevotassem importantes privilégiose isenções
a
excommunhão,
a
movessem
tia-sequeestejuntasseaosseusdomíniostudoquantopor qualquer adquirirem novosbensderaiz,por titulode compra,salvoquando
o
meioconseguisse tomara AffonsoIX, que,segundo essediploma,não fossemdestinados paraos anniversarios dosreis; mas,comoos bens
poderíajámaisreivindicara possedo queemtal casolhe fosse con¬ da igrejaprovinham, sobretudo, de legadose doações,e comonão
eradifficildeilludir,essalei só apparentemente contrariava asambi¬
quistado.
D. Sanchoinvadiuentãoa Galliza.As hostilidades d’estemodo çõesdo clero.Por meiod’estacondescendência, que,comoadverte
durantealgumtempo,ora maisora menos Herculano, malpoderia sersincera, porque representava condemna-
a
suscitadas, proseguiram
haviamcessado comple¬ cãodeactosemqueD. Affonsotiveramaiorou menorparte, era,
e
nossoe do leonez.
a s emprezas militares; tornar clero,senãoseuadepto, aomenos neutral, nascontendas que
Desdeessaepocha,D. Sanchoabandonou
o
asdecisivas campanhas
meiadoo séculoxiii,rei¬ discórdia quenãofoi estranha nobreza), porque meuintuitonão
(a
fazer historiacompleta
a
é
nandoAffonsoIII.
decommentario nossa estampa, que a terceirado pitto-
históricado governodeD. Sanchoestá,porém,so¬ emguisa
é
á
A significação
emhavèrentãocomeçado a alliança resco originalcompendio da historiaportugueza, compostopelos
e
sempre, na resistência
a
o
manifestações d’essatransigência.
Poucodepois, rei deCastellapediaauxilioaosportuguezes con¬
tra os mahometanos. Concedeu-lh’onossoAffonso,seugenro;mas,
o
V. gravura, pag.3a.
1
a
a
56 ARTE PORTUGUEZA
Jí
poucopropenso áslidesguerreiras, e occupado comos negociosin¬
ternos,náo tomouo commando
d’essa
dastropasauxiliares.A campanha
desbarato dosmussulmanos na fa¬
ACADEMIA DO NU
terminou, vez,pelocompleto
mosabatalhadasNavasdeTolosa,umadasmaisnotáveise decisivas NARRATIVA HISTÓRICA
quese feriramna Penínsulaentrechristãose arabes,depoisdacon¬
quistada Hespanhapelossectáriosdo Islam.N’essabatalha,deua
numerosa, masaindarude,infanteriaportugueza, composta dosho¬
I
mensdosconcelhos, asmaisbrilhantes e irrecusáveis demonstrações
de actividade,dedicação e valor.«Era o povo que surgia,fortee 'Letravai!estglorieux, quand c’est 1'ambi-
tion,ou seule vertu, qui faitentre-
la
le
activo,porqueavidamunicipal despertara n’elleo sentimento daliber¬ prendre.»
—
dadee a ideade patria» dizelequentemente Alexandre H erculano. A.de Tocqueville — DelaDé-
Emquanto osoutrospríncipes christãos daHespanha assimandavam mocralie enAmerique.
empenhados na luctacontraos agarenos, AflbnsoIX deLeãoapode¬
rava-sedealgunspontosnasfronteirasdeCastella, e invadiao nosso í\NDO,após Revolução deSetembro, paiz
o
paiz.Encontrando-nos malapercebidos paraa defesa, realisouemPor¬ troudegosaralguma tranquillidade,Manuel
e
tugalimportantes e rapidasconquistas. A victoria,porém,dasNavas daSilvaPassospôde,emfim,concedervai-
á
deTolosaveiupôr termoa essesfáceistriumphos. Cheiode alegria dictatorialmente as mesmaspresumpçosas
pelobomexitodacampanha contraos arabes, o rei deCastellaoffe- tantostygmatisára nos adversários, com
e a
receua paz ao de Leão,a qualfoi logo começada a negociar, vindo sempre,também,isentade parcialidade
a serconcluídana primavera de 121 3, e sendoumadas condições a de paixão,começaram successivamenteappareceressesdiversos
a
restituição doscastellos queosleonezes tinhamtomadoemPortugal. decretosemque incansável caudilhoda causapopular,commais
o
Era a recompensa do nossovaliosoauxilio,e era,portanto,ainda ou menosaproposito, massemprecom sobejaimaginação, foi mol¬
o esforçoportuguezquenosrestituíao que n’ummomentodifficil dando modode serpolitico-administrativo darecem-commota so¬
o
havíamos perdido. ciedadeportugueza.
Terminadaa guerraestrangeira, AffonsoII activouashostilidades Se matériad’essesdecretosnem sempreaffirmaum conheci¬
a
contraasinfantas;masdetal artesehouveram os fidalgose homens mentoperfeitodasnecessidadesque ellespretenderam acudir,se
o a
dearmasquepor ellascombatiam, animados dasideascavalleirosasnãorarotende demonstrar que legisladormaispossuiabonsde¬
a
d’aquelle tempo, queimpossível foi ástropasdeAffonso,nãoobstante, sejosdo quescienciade os tornarprofícuos,pódedeixarsuppôr,em
a violençiadassuasacommettidas, e apesardo empregodetodosos troca, sinceroproposito,queanimariaaquellepopularíssimo minis¬
o
meiosde que entãodispunhaa artemilitar,forçal-osa render-se. tro,defazerentrar seupaizno grêmiodasnaçõescultas,dotando-o
o
A lucta,comtodasassuasfunestissimas consequências, ter-se-íasem comessasInstituições quesó pazexterna,a intimatranquillidade
e
duvidaprolongado muito,seacasoo pontíficenãohouvesse intervin¬ desafogo, ou positivo,ou relativo,dos meioseconomicos, podem
o
do,aocabodealgunsmezes.O litigiofoi demorado. Conseguiu pôr- assegurar.
lhe termoa bulia de 21de maiode 1216, queannullouas censuras Foi assimque,fundandoa AcademiadasBellas-ArtesdeLisboa
e e
fulminadas contraAffonsoII e contrao reino;ordenouqueasterras do Porto, decretando por egualdois Conservatórios de Artes
e
a
disputadas fossementregues á guardadosTemplários,ficandoo rei Officios Manuelda SilvaPassosjulgouacasoter feito quantoera
,1
com a soberaniae as infantascom as,rendas,e determinou que, precisonãosóparadiffundirentreos seuscompatriotasgostopelas
o
depoisderigorosoinquérito,a parteque,semmotivo,tivessesidoa Bellas-Artes, signalinfallivelsempredaelevada deumpovo,
educação
offensora, indemnisasse dosdamnos daguerraa offendida. mastambémparapromovero adeantamento da IndustriaNacional,
O annoimmediato foi assignalado por um dosmaisbrilhantese imperiosa necessidadequetantoconvinhaqueattendessem os di¬
a
gloriososfeitosmilitares, quea nossahistoriaregista:— a definitiva rigentesde um paiz recentemente resuscitado para vidaactiva
e
tomadadeumpontoestratégico degrandeimportância, Alcácer,que trabalhadora, queía ser característica d’estenossoextraordinário
a
era,comodizOliveiraMartins,a chavedoAlemtejo. Tivemos,é certo, século.
n’essaempreza, comonaconquista deLisboae nadeSilves,o auxilio Os decretados onservatorios de Artes Officios,se chegaram,
C
e
deCruzados; maséinquestionável quedevemos o triumphoaosnossos porém, organisar-se, foi paragosaremde umsimulacro de existên¬
a
valentese audaciosos cavalleiros,porquefoi do terrívelembateda cia apenas, como respeitodo de Lisboaescrevia em 858 emseus
a
1
cavallariaportugueza
,
contraa mahometana, e do completodestroco Apontamentos relativos InstrucçáoPublica, cáusticomasbem
á
o
por estasoffrido,quederivouo desanimo dos sarracenos, a fugade orientado JoãoFerreiradeCampos2 naAcademiadasBellas-Artes
;
e
muitosd’elles,e,porultimo,a entrega deAlcácer. de Lisboa,umadasmaissensatas disposições dosprimeirostempos
NosúltimosannosdoreinadodeAffonso resurgiram
II,
.3
com altoclero.A frented’este,encontrava-searcebispo deBraga,
o
á
Estevam SoaresdaSilva,homemdistinctonãosópeloseunascimento, pos,excellentes modelosparaexercitara mão desenvolvergosto,
e
o
mastambémpelasua illustração. No partidocontrario,destacavamforampor annos annosleccionados pelasvelhasacademias verme¬
e
depoispelaslithographias dolapisvistoso,
PedroAnnes, chanceller GonçaloMendes, partidário intransigente masincorrecto,deJulien.Os operáriose artíficesque,frequentando,
e
o
brandamente, depoisfulminando censuras, queemmarçode1223, quan¬ DoConservatoriodeLisboa, informou Commissão deinquérito aoInstitutoIndus¬
a
doAffonsoexpirou, —aostrinta seteannos,—nãotinhamsidoainda trial, em185S,<que nuncachegára seruma realidade*. Governo instituidor
concedera
e
O
a
Antonio,
a
latar fortalecera auctoridade real.D’ellederivaramtodosos seus torio,e alguns modelos queláexistiam eram detãodiminuto
e
valor detáoduvidosa
e
testamentarias deSancho
a
I,
0d
Osartigos
o
dodecreto
0
d'aquel!a
a
cidade,«noestado emque
e
e
a
in¬ declarou,
e
emseuartigo 38.°,
extincto o Conservatorio dasArtes Officios deLisboa,
fluencia, prestigioe audacia.
e
doqual,aliás,j ninguém
á
suspeitava existência.
a
a
o
respeitáveldosquadros
e
dos
e
precedentemente.
Palacio
dasNecessidades,em3odedezembro dei836=Manoel daSilvaPassos .»
JoséPESSANHA.
(Collecçáodeleis,etc.,
i.°semestre deiS3y.
ARTE PORTUGUEZA 57
A ESTATUA
DO ESCULPTOR MANUEL PEREIRA
ANUEL Pereira foi um esculptor madeira, bem conservada,que revela bem a força, a alma,
insigne, portuguez, que residiu por do grande artista portuguez.
longos annos em Hespanha. Tra¬ O Palomino (Antonio Palomino Velasco, El Museopictó¬
balhou muito; as suas esculpturas rico, Madrid, 1724,pag. 36o) exaltaas qualidades e talentos
eram applaudidas na corte de Ma¬ do nobleportuguês, insigne escultor,e inventariaas estatuas
drid; muitas devem existir ainda que elle deixou em Hespanha:
agora; e talvez não fosse difficil o «Siendo testigos fidedignos el San Bruno de piedra, que
estudo da sua obra, averiguandoda está en la Portada de la hospedaria de la Cartuja, que fué
existênciae paradeiro das mais no¬ tan de la aprobacion dei senor Phelipe Quarto, que tenia
táveis. Cyrillo Volkmar Machado, na Collecção de memó¬ mandado á su cochero dei tronco, que, en passandopor la
rias relativas ás vidas dos pintores, esculptores,architectos calle de Alcalá, y llegando a el sitio de la Hospedaria de
e gravadores portugueses e dos estrangeiros que estiveram la Cartuja, paráse, fingiendo que se le avia descompuesto
em Portugal (Lisboa, 1823, in-8°), a pag. 25i, faz menção alguna hebilla ó correa, para dar lugar á que Su Magestad
d’elle, referindo-se á grande obra de Palomino. le viesse.»
Manuel Pereira falleceu em 1667, com sessenta e tres Em seguida, mencionaoutro S Bruno, o da Cartuja de
annos de edade. Miraflores, de Burgos, o representadona nossa gravura.
Raczynski, nas suas obras sobre as bellas-artesem Por¬ E vem uma serie de trabalhos de primeira ordem; a es¬
tugal (Les Arts en Portugal, Paris, 1846; e Dictionnaire tatua de Santo Antonio, no templo de Santo Antonio de
historico-artistique du Portugal, Paris, 1847), escreve por los Portugueses em Madrid; a de Santo Isidro, na sua ca-
vezes sobre o famoso esculptor portuguez, citando Palo¬ pella; a de Santo André, na sua parochia; os lavradores
mino, Bermudez, Nagler, e o nosso Ç. V. Machado. A santos, que circumdam o tabernáculo em que se venera o
pag. 440 de Les Arts, etc., insere uma interessantecommu- sagrado corpo de Santo Isidro; a celebre estatuade pedra,
nicação de Francisco de Assis Rodrigues. Segundo este, de S. Bento, na portada do conventode S. Martinho; outras
Manuel Pereira foi o primeiro esculptor portuguez cuja estatuas em Alcalá de Henares, na igreja das religiosas
memória mereça conservar-se: e conta-nosque se di\ia que bernardas e no Collegio maior; o Christo do perdão, no
elle fôra o auctor das imagens de Christo, S. Jacinto e conventodos Dominicos do Rosário, de Madrid; finalmente,
de S. Pedro que se viam na igreja dos Dominicanos de a de S. João de Deus, a ultima estatuado esculptor, for¬
Bemfica. Quem sabe se lá está ainda, n aquella singular mada por um milagre de aptidão. Manuel Pereira estava
igreja de S. Domingos de Bemfica, alguma esculptura de quasi cego quando lhe fallaram na estatua de S. João de
Manuel Pereira? São precisos elementos de comparação. Deus, um santo portuguez, para a portada do claustro do
Que existemlá boas esculpturas, não ha duvida; mas d’isto convento de Anton Martin. O velho esculptor acceitouesse
a affirmar, sem uma assignatura,um monogramma,ou um trabalho, e, com o seu tacto maravilhoso, a aptidão artistica
documento,ha perigo de erro. Em todo o caso,esseboato, a tornada em instincto, executouo modelo da estatua,que foi
tradição, vale alguma cousa, e é preciso attenderao diqia-se. esculpida em pedra por Manuel Delgado, seu discípulo.
Segundo Bermudez, a estatua mais celebre de Manuel Que extraordinária poesia n’esse trabalho do esculptor,
Pereira é a de S. Bruno, da Cartuja dei Paular. Palomino que mal conservavauns restos de sensação da luz, mode¬
elogia também a de S. João de Deus. lando a sua estatuapacientemente,dando-lhe vida, expres¬
A nossa gravura representa a estatua de S. Bruno, da são, na attitude, no gesto, que os seus olhos já não conse¬
Cartuxa de Miraflores, perto de Burgos; esculptura em guiam ver!
58 ARTE PORTUGUEZA
de còr local, da exactidão no espaço ou no tempo, é muito d’estasovelhas lhe faziam, deliberoudar-lhes á gafeira o re-
moderna na Arte. medio radical. Preparou-lhes em Braga, junto da sua séde,
Ha no quadro de Goa um anachronismo mais singular casa apropriada, onde estivessemmais ao abrigo das ten¬
para aquelles tempos, e singular, sobretudo, em uma obra tações da carne e mais ao alcanceda sua vigilância de bom
evidentemente encommendada e inspirada pelos eruditos pastor. As freiras, porém, mais contentesde certo com as
jesuitas. O lettreiro explicativo da scena representada ao dadivas da terra do que com as esperançasdo céu, resisti¬
alto do quadro, diz-nos que o missionário e núncio aposto- ram a todas as suggestÕese argumentos do seu prelado
lico ajoelha aos pés do Primaz do Oriente. Ora, no anno para as reconduzir ao caminho direito da gloria. Foram
de i 5q2, existia em Goa um simples bispado e um simples doze annos de lucta pertinaz, com invocações do concilio
bispo, que então era D. João de Albuquerque; e aquella Tridentino, dos Santos Padres, com o emprego, emfim, de
igreja só foi elevada á dignidade de sé archiepiscopal e todas as armas mais aceradasdo arsenal theologico. A tudo
metropolitana, pela bulia de Paulo IV, no anno de 1557. as valorosas freiras oppunham, como escudo, razões mais
D. João de Albuquerque, que, —seja dito de passagem,— ou menos especiosas, de que a historia nos não dá conta.
foi um grande e intimo amigo de mestre Francisco Xavier, Afinal, a paciência evangélica do prelado ia-se exgotando.
não podia, pois, ser chamado Primaz do Oriente, no mo¬ Appellou para a força, e pediu auxilio ao braço secular.
mento em que este chegou á índia, e nunca teve mesmo Acompanhado por um desembargadordo Porto e por ou¬
aquella alta situação. tras justiças, alem de muita gente de Braga, seguido de um
Taes são as simples reflexões, que póde suggerir, n’um grande numero de cavalgadurasapparelhadaspara o trans¬
primeiro e rápido exame, o quadro relativo a Goa, o qual, porte das monjas rebeldes, D. Frei Agostinho foi-se a ca¬
em todo o caso, é um documento artistico muito interes¬ minho do convento.
sante. Mas o apparato de força não intimidou as arrogantes
Condede FICALHO. freirinhas. Bellicosamente,acudiram ás portas do mosteiro
a defendel-as.Parece que, entre as lições profanas recebi¬
das dos maus homensde Ponte de Lima e contornos, não
haviam sido das menos aproveitadasas que diziam respeito
MODELOS DE ARTE NAVAL PORTUGUEZA
á arte da guerra. Quebradas a machadoas portas pelos as¬
DO SÉCULO XVI saltantes, refugiaram-se as sitiadas noutra casa, onde se
tornou mister usar do mesmo violento processo. Por fim,
recolheramao côro, onde durante tres dias chegarama sof-
O espolio do mosteiro de frei¬ frer as angustias da fome, antes de obedeceremá auctori-
ras do Salvador, situado no dade paternal do primaz das Hespanhas, reforçada pela
campo da Vinha, em Braga, auctoridade,mais effectiva,das justiças do senhor rei D. Fi-
pertenciarrt varias fôrmas de lippe. Nos últimos apuros, renderam-se,apenascom o cas¬
madeira, recolhidas ha pouco tigo de uma ou duas mais refractarias, e tiveram a conso¬
na Academia das Bellas-Artes, lação ou a affronta de serem conduzidasprocessionalmente
e duas das quaes são repro¬ ao seu novo convento de Braga. Alli fizeram, d’então por
duzidas nas estampas juntas. deante, santa vida, ao que parece,visto que para outra lhes
Todas ellas são recommenda- haviam cerceadoas antigas liberdades. E, quando em 1674
se revoltaram tu¬
'veis pela nitidez da esculptura, accrescendoem algumas a as freiras dos tres conventos de Braga
D. Veríssimo
belleza da concepção allegorica. Mas o assumpto especial multuosamentecontra as ordens do arcebispo
escarmentadas
das duas, de que particularmenteme occupo, fez-me deve¬ de Alencastre, as do Salvador, porventurajá
anterior, foram
ras scismar. Constava que essas fôrmas eram empregadas pela recordação da renhida lucta do século
nos doces outr’ora fabricados pelas freiras. Mas, como é as primeiras a ceder.
que á mente das freiras de Braga occorrera a idéa de re¬ Ora, das prendas em que primariam as freirinhas, no seu
das Donas, notabilisava-se
produzir nos seus artefactos de confeitaria, assumptos de retiro semi-mundanodeVictorino
de reconhecida
arte naval do século xvi? A explicação não era facil. Á min¬ porventura a doçaria, industria conventual
nossos tempos. É provável tambémque, entre
gua de uma solução decisiva, aventuro a hypotheseque se fama até aos
me affigura plausível. os instrumentoshumanos de que o demonio se serviu para
Em Victorino das Donas, freguezia pertencente ao con¬
celho de Ponte do Lima, e distante 7 kilometros da villa
d’este nome, existia, até finaes do século xvi, um mosteiro
de freiras benedictinas,que, parece, fôra primitivamentede
frades. N’elle foram encorporados, por 1460, os mosteiros
de S. Salvador de Bulhente, em Ancora, e de Santa Eufe¬
mia de Calheiros.
Ora, não primavam pela santidade, ao que se deduz das
chronicas, as freirasinhas de Victorino. Longe do povoado,
o mosteiro, segundo diz o arcebispo D. Rodrigo da Cunha,
«estava tão exposto a descortezias de maus homens, que
cada dia havia matériade queixas n’esteparticular». Não diz
o venerável prelado se estas descorteziaseram do agrado
das monjas; mas é licito inclinarmo-nos para a affirmativa,
em vista do que se seguiu.
Em 1589, o arcebispo de Braga, D. Frei Agostinho de
Castro, cansado, provavelmente, das queixas continuasque
64 ARTE PORTUGUEZA
urdir as suas tentações,não escasseiassemos fidalgos que porventura phantasiadapelo artista para lisonjear o espirito
se aventuravamás arduas lides do mar. É sabido como o devoto das freiras. Ainda corrobora esta hypothese a au¬
porto de Vianna do Castello concorria em larga escala para sência do respectivo apparelho, tão minuciosamenterepro¬
o movimento marítimo de Portugal. Accrescente-se a in¬ duzido nas restantespartes da nau.
fluencia que deveria exercer sobre as freiras de Ancora, O outro relevo representa uma galé, ou, para fallar mais
encorporadas no mosteiro de Victorino, a vizinhança do correctamente,um navio da familia das galés, o qual é ne¬
cessariamenteum bergantim. Corresponde perfeitamenteá
definição fornecida por Pantero-Pantera, e reproduzida por
Jal: «O bergantim é um navio um pouco mais pequeno do
que a galeota, mas tendo fórma idêntica, com a difterença
de ter a coxia1 menos elevada do que a galeota. Tem co¬
berta, uma só vela, que é a grande, e oito a dezeseis ban¬
cos de um só remo.» O presente modelo tem dez remos
por banda. O seu característico mais notável é a existência
de um castello de proa, que falta nas galés e galeotastan¬
tas vezes reproduzidas nas estampasde D. João de Castro,
a que já me referi. O castello é armado com'tres peças de
artilheria,provavelmenteberços. Deve ser tambémum berço
ou uma meia esphera que está assestadaem grande eleva¬
ção, avante do mastro. Tres charameleiros, em figuras des¬
proporcionadas,tangem os seus instrumentos, em saudação
ou em tom de guerra, empunhando lanças desconformes.
A enorme bandeira farpada repete os distinctivos que se
vêem nas da nau.
Também nas galés do Roteiro citado se não vê o grande
Oceano e o contacto com os mareantes. É de notar, alem pharol de pôpa, que esta apresenta.
Quer-me parecer que
d’isso, como as tripulações das nossas armadas se abas¬ este facto já revela a influencia dos hespanhoes, visto
que,
teciam copiosamentede doces e generos de conservaria, como julgo ter já provado nos Estudos sobre navios
portu¬
mais de certo pela sua duração do que por simples gulodice.
guesesnos séculosxv e xvi, o uso dos navios de remo foi
Os nossos chronistas dos descobrimentose conquistas de quasi completamentebanido na
metropole durante aquelle
alem-marnão cessamde alludir a presentesde marmelada, período, subsistindo
apenas nas costas de África e no
conservas de fructas, etc., feitos pelos navegantes portu- Oriente.
guezes aos régulos de África.e aos rajahs da índia. Todas
estas considerações levam a explicar satisfactoriamentea 1 Corredorquese estendiaa todo o comprimento dosnaviosde
origem dos ornatos que, segundo a tradição, as freiras do remo,entreas filasde bancosdos remadores, paracommunicar de
Salvador empregavamna fabricação da sua doçaria. Eram pôpaá prôa.
as recordações que lhes restavam d’aquelles bons tempos HenriqueLOPES DE MENDONÇA.
de Victorino das Donas, em que os visitantes lhes traziam
ao mosteiro as emanaçõessalsas do Oceano e os balsamos
entontecedoresdo Oriente. Com effeito,uma das fôrmas, que
não são n’este momento reproduzidas, é uma bella allego- ÁLVARO GONÇALVES
ria do rio Nilo, e outra, cuja significaçãonão posso neste
momento determinar, contém attributos de caracter egy- PINTOR DO SÉCULO XV
pcio.
As presentesesculpturas, representandouma nau e uma
galé do século xvi, são da mão de um artista um pouco in¬ UBLICAREMOS alguns
gênuo, mas deverasconsciencioso.Raras vezes,em archeo- documentos que se referem
logia naval, se encontram exemplarestão perfeitos e minu¬ a artes e artistas em Portu¬
ciosos, revelando os conhecimentostechnicos do auctor.
gal. Julgamos inédito o que
A nau apresentauma conformação em tudo similhante
hoje apresentamos; e tem
aos documentosque nos ficaram do séculoxvi. As bandei¬
importância, como tudo que
ras farpadas, com a cruz em diagonal, determinam-lhea
respeita á pintura portu-
nacionalidade,por ser este o distinctivo que apparece em
gueza no século xv; por isto
grande numero de bandeiras portuguezas do tempo; basta
transcrevemos o estormento
citar muitas das galés insertas no atlas que acompanha
denpreitada,na integra, mo-
o Roteiro de Gòa a Diu, de D. João de Castro. Um por¬
dernisando a orthographia.
menor curioso é o apparecimentode uns madeiros em cruz
no extremo do gurupés. Duvido que seja isto a repro-
«Saibamquantosesteinstrumento de empreitada e obrigação vi-
ducção do mastareo que, antes de se imaginar o pau da rem,queaostreze
diasdo mezde outubro,annode NossoSenhor
bujarrona, se collocava erecto sobre o mastro do gurupés, JesusChristode mil
e quatrocentose sessenta,na cidadede Evora,
com verga para vela redonda. A sua pequenez, e a insigni¬ nospaçosdo reverendo senhorDomVasco,bispoda ditacidade,em
ficanteresistênciaque n’aquelleponto oíFereceriao gurupés, presença demimtabelliãoe testemunhas subescriptas,o dito senhor
são os motivos da minha duvida, attendendoao escrupulo bispo,quepresente estava,eÁlvaroGonçalves, pintor,comelle,disse¬
de que dá provas o esculptor em todos os mais pormeno¬ ramqueelledito senhorbispotinhafeitaavençacomo ditoÁlvaro
Gonçalves, dafeiturade esteinstrumentoatéumannocumprido,lhe
res. Avento de preferencia que fosse uma insígnia christã, dê feitosdois
retábulosde seiscovadose meioemlargoe denove
ARTE PORTUGUEZA
EXPOSIÇÕES MODERNAS
DO LIVRO—DA ENCADERNAÇÃO—DAS MULHERES FORMOSAS
A França e a Inglaterramerecem os logaresde honra,e distan- É admiravelo effeitoda encadernação persa,á qual os artistas
ceiam-se visivelmente, sobo pontodevistatechnico, dosrestantes ex¬ d’aquellepaiz souberam adaptar,comnotáveldiscernimento, o seu
positores.Manteem-se os artíficesdeambasasnações,comosempre, conhecido processode pinturasobrelaminade prata,—systema este
— cadaqualno seugenero,—á mesma altura.Seolharmos, porém,ao de trabalho,que poderá,semduvidaalguma,suggeriraos collegas
desenho,á invençãodosmotivos, verdadeiro elemento de progresso, daEuropaboasapplicações paraas edições degrande luxo.
na ausência do quala artedo encadernador desceaoniveldooíFicio, Na exposição indiana,sãoos produetosde Uhvarsemduvidaos
encontramos nos specimens francezes completa estagnação deidéas; maiscuriosose originaes, peloestylodosbordados. E umgeneroaté
excedentes copias,e, quandomuito,imitaçõesmaisou menoslivres aquipoucomenosquedesconhecido na Europa,e emqueha idéas
dossuccessivos estyloshistóricos,e maisnada! aproveitáveis. Partedas encadernações indianassãoemcoiro,com
Apresentar-nos-hia o mesmoespectáculo, a nãoseremduasmere- umappendice quesesobrepõe á capa,aousomahometano, e queen¬
tissimasexcepções, a secçãoingleza.Na suageneralidade, observa-se cerracompletamente o livro.Sãolavradose gravados emarabescos,
o mesmoesforço puerilemimitaros trabalhos antigos,deestylona¬ comdouradura applicada pormeiode moitlak, especie d ecollavegetal
cional,e o constante receioemaventurar a maisinsignificante tenta¬ quemuitoempregam os indios.
tivade innovação. O trabalhoé de umpacienteacabamento, e rico,aliás,emindica¬
Formamapenasdestaque, entreestealardoda rotina,asobrasde çõesquenãodevempassardespercebidas aoartistaeuropeu.
doisverdadeiros artistas,— os únicos,segundo parece,quesenãore¬ Transluznasproducções das coloniaso manifestoempenhoem
signaram a considerara própriacabeçaapenascomocabideparao caracterisarem, pelaadopção dasmatérias primas,a proveniência das
chapéu!Mas,afinal,quandocessaráparaos artistasda industriaa obras.Sobresaem pelanovidade os specimens canadianos; umd’elles,
situaçãoaviltante de estarem o
illustrando,atéá saciedade, apologo empelledegamo, c oma lombada e os cantos d eumaespecie d ecor¬
do gralhoqueseenfeitacomaspennasdopavão?E o amadorapplau- tiça fina e bordadosa missanga, lembraa arteprimitivados indios
de; extasia-se perantea obra; mira e tornaa miraro volumepor pelles-vermelhas. As capasparalivro australianas, empelledecobra
todosos lados—«parecemesmoantigo!» —; colloca-odepoiscom alcatifa,constituem o contingente de Sydney.Melbourneenviaum
carinhoe cuidadoa par dosvestustos alfarrabios, maravilhas alguns, exemplar nãodestituido de effeitodecorativo, emmadeiras decôres,
— esses, sim!—doengenho deumartistadopassado. E á noite,assis¬ da Gippslandia.
tindoá representação danovaopera,ai dopobrecompositor, seacaso Topámosaindacomalgumasoutrasapplicações maisou menos
lhe escapou, perdidoentreos cincolongosactosdapartitura,aquiou felizesdosproduetos locaesá artee á industriada encadernação,—
acolá,algumtrecho,meiaduziade compassos apenas, reminiscência applicações queestabelecem outrostantosexemplos, quenãotardarão
de qualquerauctorclássico! — «Plagiato!»exclamao nossobiblio- decertoemseraproveitados, coma costumada intelligencia, peloar¬
philo— «Plagiato!»vociferaa critica... Taes cogitações levar-nos- tíficeeuropeu, a fimdeintroduzirelementos denovidade e devidaem
hiam,porém,longe... Náopercamos o fio aoassumpto. umadasmaisbellase antigas deentreasartesmanuaes, a qual,ultima
Extremam-se, comovínhamosdizendo,entreos trabalhos dosco¬ mente,tendia,semduvidaalguma, a estacionar. Estacionamento e de¬
pistas,asobrasdedoishomensdegenuinomérito:Morrelle Graham. cadência sãoporém,novocabulário daarte,quasisynonimos; e osar¬
A capadelivro apresentada peloprimeiro, e mmarroquim levantino, tistase os artífices devem compenetrar-se da verdade d’este axioma.
verde,é decorada na frentecomum motivocentralsingelíssimo, um
arbustoflorido,deestylisação emextremooriginal,comfloresembu¬
tidasem coiro brancoe umabemapropriada cercadura. Abrilhanta
o reversoum ornatovegetal,dispostoemdiaspero, emquealternam Entretantase tãovariadas exposições dearte,quedividema atten-
pequenas coroasquefonViam centrosao padrãorepetido. Nadamais ção do publicon’essamodernaBabylonia,nenhumaobtevetalvez
simples,mastambém nadamaisadequado á indoledolivro. exitotão extraordinário, —quer sobo pontode vistada arte,quer
O specimen dacasaGrahamé encadernado emvitella,comlavores peloresultado financeiro,— comoa recenteexposição das«Mulheres
em pyrogravura, —cauterisados a ferroembraza,—intermeados de formosas.»
pequenosespaçosgeométricos lisos,simulando pedraria.E absoluta¬ Chegaa parecerimpossível comoseconseguiu reunirtamanha va¬
mentenovoe originalo effeitodetãoexcellente combinação decora¬ riedadede retratos,quasitodosellesde mestre,e umatal profusão
tiva,opulentado aindapelafechariademetal,artisticamente lavrada. de exemplos da bellezafeminil.A admiração do publico,n’esfephe-
nomenal concurso inteiramente dedicado aobellosexo,divide-se, con¬
ANTO aqui comoemParis,competeo logarimmediato stantemente, entreo modeloe o pintor,comquantovejamosa ho¬
Petersen, d e Copenhagen, é o auctor menagem, — como, a liás,é de justiça,—tributada, na maxima parte
. á Dinamarca. Imm
dalindíssima capa,emcoiroembutido, formandomosaico doscasos,depreferencia aomodelo.
detrezecores,commotivosornamentaes de estyloescan¬ Abrangea exposição damagnifica galeriaGrafton,—umadasmais
dinavo,—umadaspeçasmaisdistinctas daexposição. recentemente inauguradas emLondres,—vastíssima collecção deobras
Merecem egualmente louvorosspecimens suissos.Genebra também quereproduzem, portodososprocessos entrando no dominiodaarte,
expõebonstrabalhos, solidos,despretenciosos e definogosto.O mes¬ a bellezae a elegancia damulher.Alemdosmuitose formososqua¬
mo se pódedizerda Áustria,emcujasecçãose repetem, porém,os dros a oleoe a pastel,dasminiaturas, aguarellas, desenhos, bustos,
factosa quealludimos,quandovínhamos tratando da exposição de etc.,mediante o s quaes - estãorepresentadas todasasdemaisescolas,
Paris. rivalisam,ostentando-se comdesusada opulência, —e predominando
O contingente daAllemanha é quasiumadecepção! A maiorparte na exposição,— as duasmaisbrilhantesescolasde retratodo século
dos produetosexhibidosnemse recommendam pelamãode obra, xviii:—a franceza e a ingleza.
— pesadae poucoapurada,—nemtão poucopelolado da arte.Os Sobresaem, entreos pintoresfrancezes, Clouet,Mignard,Rigaud,
desenhos são absolutamente destituídos de interesse e de novidade. Drouais,Greuze,Latour,Nattier,Larguillière,e outrosainda,achan¬
Muito se temclamado,ultimamente, por essemundofóra,emfavor do-sequasicompleto o batalhão sagrado. No grupodosinglezes, des¬
do ensinotechnicoofficial;e é paranotarque,sendoa Allemanha tacam-seReynolds,os seuscompetidores Gainsborough, Romneye
o paiz quedesfruetaemmaiorescalaum tal beneficio, o exemplar Hoppner;Opie,Raeburn, —o granderetratistaescossez, o precursor
unicoenviadopelaescolatechnica deGéra,proximodeLeipzig,é,no do modernorealismo.
dizerde um criticoauctorisado, «umspecimen barbarode todosos O aristocrático L awrence servede traço de uniãoentreaquelles
processose formulasartísticasquedevemserescrupulosamente evi¬ antigosmestres do retratoe seuscontinuadores, Millais,Owless,Her-
tados!» komer,F. Holl,Shannon, o americano inglezado, e Sergeant, o anglo-
cujoesplendido retrato dacelebre actrizElenTerry
Entre as restantes naçõesda Europa,apenasse distinguea Hes- franco-americano, da
panha,que enviouumaformosae perfeitaencadernação emestylo no papelde lady Macbeth, c onstitueum dos maiores atractivos
saragoçano do xvi século,na qual,postonãoapresente novidade, se exposição.
pelomenos,pronunciadissimo, o cunhonacional. Estaé aindaabrilhantada poralgumas télas primorosas, devidas a os
observa,
Os encadernadores dos EstadosUnidosnãoconseguem justificar, pincéismágicosdosgrandesmestres dosséculosxvi e xvii.O retrato
comos trabalhosqueenviaram, as manifestas pretensões á fundação de Catharinade Milãoé umHolbeinde primeiraforça.Rembrandt,
deumaescolaprópria. Rubens, Vandyke,Zurbaran,Sir PeterLely e Sir GodfreyKnelleres¬
Chegámos afinalá secçãomaiscuriosa,e talveza maispromette- tãotodosmaisou menosrepresentados.
— e de proveniência Que nemtudoé belloquantopertence ao bellosexo,é umades¬
dora,da exposição: a dos trabalhoscoloniaes — aliásexemplificada,
exótica.Sãobonitose bemacabados os specimens japonezes. O mais sasverdadeseternas, emmaisde um caso,na
bordadosemrelevo,de caracterorna¬ actualexposição; e maisdeumaformosura celebrenoseutempo, mais
rico, recamadode admiráveis
mental;o outro,do typousual,compinturase relevosemgrotesco. deumabeldade soberana, terádeseresignar a soffrerbaixadeposto.
68 arte portugueza
Afinal,é apenasquestãodegosto,e estaexposição provamaisuma e 2.0do Porto (6 e 18),o regimento 3, entãoi.° deOlivença,o 4, que
vezqueo sentimento do belloe o gostomudamconforme asepochas. tinhao nomedo seucoronel,o valenteFreiredeAndrade,o 19,que
Entre as innumeras effigiesfeminispertencentes a todasaserase provémdoregimento deCascaes, e o 13, do regimento de Peniche,o
a tãodiversas nacionalidades, —pois,a pardasgregas, egypcias e ro¬ maisantigodetodosos queseorganisaram emPortugal.
manas, figuraaflamenga rubicunda e aesgrouviada castellã medieval,— Aos veteranos d’estesregimentos f oi permittido usar,emquanto
maisdeuma,semduvida,seacharárepresentada, de cujasmãosfinas vivessem, umadistincção, queconsistia:paraos generaes, 11’uma gra¬
e fracasteráestadoum momentosuspenso o destinodoshomens, e nadadeouro,bordada,sobreo braçodireito;aosofficiaese cadetes,
quemsabeseo dasnações;maisdeum d’esses rostosadoraveis terá outraegual, m as emprata;adosofficiaes i nferiores e rabordada a seda
feito andará rodaa cabeçaaosavós; e alem,na paredefronteira, branca,e a dossoldadosa lã. Os artilheirosusavam,
entreas formosasdos nossosdias,quantas, com aquellesolhosde emlogardagranada, umapeça.
fada,capazes dedarvoltaaomioloaospobresdosnetos!Entretanta Quandose lê a historiad’essacampanha, con¬
feiticeira,ha,porém,suabruxaá mistura. Valham-nos, ao menos,as frangevero tris¬
feias... paradescanso d avista! teestado emque
Encaradapelolado do estudoe de quantose refereá historiada sempreandaram
arte,a exposição, é,aliás,abundante emresultados. Revelaalgunsno¬ asnossascousas
mesignorados; restabelece a paternidade demaisdeumaobramagis¬ militares.Rotos,
tral; colloca,emfim,á devidaaltura,maisdeumareputação usurpada, famintos, mal
ou, pelomenos,exaggerada, e ergueacimado nivelproducções de cuidados detoda
artistaspor longotempooffuscadas pelasderivaesmaisafortunados. a fórma,os nos¬
Suppostonãofosseesseo seufimimmediato, ministraella,noem- sos soldadosil-
tanto,interessantes informações e preciosos documentos comrespeito lustram-sepela
á indumentária e ásoutrasartessumptuarias do passado. Rendas, le¬ coragem com
ques,estofos,joiase outrosaccessorios, tudoalli tende,emsumma, que supportam
a provar,maisumavez,queos artistasdasgerações transactas, sem os seusmales,e
se afastarem da correntedo estylodominante emcadaepocha,sou¬ pelabravuraque
beram,emtodoo caso,mantera suaindependencia pessoal,e que, os distinguenos
emborase apoiassem nas tradições,e adoptassem, comobasedos combates. Todas
seustrabalhos,as formulasde outraseras,— emgeralo faziamsem as phases da
deformaalgumasacrificarem, quera respectiva individualidade, quer guerrapeninsu¬
o preciosodomdeinventar. lar sãod’issoum
E maisumalição: oxaláqueaproveiteáquellesque,nos nossos exemplofrisan-
dias,esquecendo a missãohistóricaquelhesincumbe, emvezdepro- te; apósunsprimeirosmomentos de hesitação e ti¬
seguiremna sendado progressodasidéas,malbaratam a suaactivi- bieza,devidosá desorganisação em que os manti¬
dadeartísticae embotam as faculdades inventivas, com tãopregui¬ nham,os regimentos portuguezes, em qualquer parteque se apre¬
çososexpedientes, quaessãoa copia,e a imitaçãoservil! sentam,conquistam os primeiroslogarespelasuadisciplinae valor.
Oshespanhoes já estavam desanimando nacampanha contraasvalen¬
PIN-SEL. tes tropasda Convenção Nacional,quandoa divisãoportugueza, na
batalhade Cerét,lhesprestouumimpulsoqueos reanimou. Apenas
chegados, doentes,exhaustos pelosincommodos de uma demorada
viagemem péssimos malvestidos,sobum invernoderi¬
transportes,
TRO PH EUS DE GUERRA gorosoclima,sãologoencarregados dadefesad’esteimportante ponto,
e é tãoefficazo auxilioqueprestam, quemudamemdecisãoashesi¬
taçõesdo generalhespanhol.
BANDEIRAS EXISTENTES NOMUSEU DEARTILHERIA Em seguida, na acçãodeVillelongue,portam-secomtal disciplina
e denodo,que,do regimento de Olivença,diz o tenentecoronelNe-
(Continuado depag.35) grièr,emigradofrancezaggregado ás nossastropas,haver-secon¬
duzidodeummodotãodistinctoe singular,quepoderiafazerhonra
aospropriosgranadeiros húngaros,a melhore a maisbravainfan-
ESTANDARTE queosnobres teriad’aquelle tempo.O 2.0 do Porto executaevoluçõestacticassob
conspiradores de1640 empunharamo vivo fogoinimigo,comumaserenidade e perfeição, queadmiraos
no dia da gloriosarevoluçãoque hespanhoes, sempreavarosdeelogiosparacomos auxiliares.
restituiua independencia a Portu¬ Nadesastrosa retiradadoRossillon,emquea mádirecçãoe indisci¬
gal,estáno poderdo sr. condede plinadastropashespanholas n’estamalfadada campanha, semanifestou
Atalaya,e certamente o illustrepa¬ maisdo quenunca,quantoé aprazívelaoorgulhoportuguezlembrar
trício o conserva, como máximo o nobreprocedimento deGomesFreiree do seuregimento, sacrificado
respeito, comopreciosajoia defa- aoperigosoencargodecobrira desordenada fugadastropasdo mar-
milia;mas,comoacimadetudoé quezdasAmarillas.
umajoia da patria,o paiz devia «Tratava-sedesacrificar algumas tropasparasalvaro resto,diz o
velarpor ella,a fimde não acon¬ coroneln’umofficioaogeneralForbes,e sedestinaram paraestefim
tecerumdiaquealgumdescuidado os portuguezes, por serfazenda maisbarata.»
successor de suaexcellencia tivesseemmenoslembrança essepre¬ O regimento tinha,áquelletempo,281praças;e os soldados, vendo
ciosolegado,eviessea acontecer-lhe desastresemelhante áquelleque queosimmolavam á salvação doshespanhoes fugitivos,murmuravam,
Fialho de Almeidanos contasuccedeu á preciosacamisado decapi¬ e o desanimo ía-os tomando,quandoGomesFreire,correndopara
tadorei deInglaterra, também guardada nasricasvitrinasdeumno¬ juntodasbandeiras e mostrando-lhes o sagradosymboloda patriae
brelord. dahonramilitar,lhesdirigiuestaenergicae breveallocucão:
No museude artilheria,encontram-se algumas bandeiras e outros
tropheusdasnossaspassadas glorias,e lá deviamreunir-setodosos «Camaradas! seoshespanhoes fugiram,devemos mostrar-lhes que
que,pordiversas formas,andamdispersos, poisa boaordeme cuidado umportugueq valeumadujiad’elles.Seoperigoégrande,tantomaior
alli presidem. seráa 7tossagloria.Porém,sevocêsquerem sertãofracose cobardes
Entre estesgloriososrestos,estãotresdasbandeiras quetêema comoelles,vão-se já a todososdiabos,queeuficareisócomasbandei¬
belladivisaganhanabatalhadaVictoria,poralgunsregimentos portu- ras,evocêspassarãopelainfamiadeas teremdesamparado e dedei¬
guezes, e umadasconcedidas aosregimentos de caçadores 7011,que xaremficar á suavista,empedaços, 0 seucoronel.»
tema legenda:
Distinctos
vóssereis
nalusahistoria, As bandeiras nãoforamdesamparadas; umsoldadodenomeBento
Com oslourosquecolhestes
naVictoria. deSousa,foi o primeiroa bradarquenãoabandonaria o coronel,e o
regimento,firmee ordenado, emvoltadasuabandeira, supportando o
Tambémalli seguardaumadasbandeiras concedidas aosregimen¬ fogodaartilheria, audazmente, deflancoa caval-
avançou ameaçando
tosqueentraram nascampanhas do Rossillone Catalunha. Eramo i.° lariafranceza, atéacabarde protegera retiradado i.° do Porto e do
ARTE PORTUGUEZA bc)
«Por
decretode17dedezembro —Querendo
de1793. EudaraosseisRegimentosde
doMeu
Infanteria ExercitoAuxiliar,
quepassaram provas
áHespanha, manifestas
daMinha
pelovalor
Realsatisfação comqueserviramemtoda aguerra,ecomquesustentaram
a
doNome
Gloria Portuguez:Souservido
OrdenarquenasBandeirasdosmesmos Regi¬
mentosseescrevaparao futuro seguinte:
alettra doPorto-;
«AoValordoI Regimento
«AoValordoII RegimentodoPorto»;-Ao doI Regimento
Valor ; «Ao
deOlivença Valor
doRegimentodePeniche-; -AoValor
doRegimento -; «AoValor
deFreire doRegimento
deGascaes-. que,
E ordeno entregando-se Regimentos
aosditos NovasBandeiras,
coma
lettra,
referida sepubliquenasuafrente
opresente —OConselho
Decreto. deguerraote¬
nhaassimentendido,
eo façaexecutar.
deQueluz,
«Palacio em17dedezembro de1795.
—Com aRubrica doPríncipe
Nosso
Senhor.»
Msgr.
e
tenir
continuellement ensemble dans leFort,d'yêtre fortalertetdetenir dememe ses
Personne
sentinelles: decedetachement n'oseloger dans laville;pendantlejourlecom-
mandant peut donner permission quelques-uns
delagarnison dans
d'aller lavillepour
à
muitosoutrosindivíduosquesepromptificaram comelleparaHes¬
ir
a
Borsofoiencarregado pelogovernodarainhaIsabeldaorganisação
d’aquellaforça, recebeu postode brigadeiro. curioso fim
É
o
0
e
d’estecondottieri,
aventureiro que,tendoservido
valentee irrequieto,
causaliberalno nossopaiz,depoisdavoltada divisãoauxiliar,em
a
deAlcantara, capitão
particularmente
sedistinguiu Antonio
PedroMousinho,
doregi¬
o
mento doPrado
doconde
deinfanteria (Regimento
daCòrte).
fugido
é
toscamenteem reproducção graphica, erra logo na era a ler litteralmente: — dstrvxit ,— que forma original?
é
a
não era fatal ler —-destruxit,— e que, lendo-se— distruxit — Dá, ainda, uma tradição constante,e parece confirmar a
(de distrito), se obtinha a idéa contraria,ou a idéa precisade inscripção de Thomar, que fora creado na corte do pri¬
ter o Templário portuguez lançado, espalhado,ou construi-, meiro Rei portuguez, e por elle armado cavalleiro na bata¬
do, aqui, em diversaspartes, os fundamentosdesses diver¬ lha de Ourique, em 113g. E sómente dez ou mais annos
sos castellos. E mais explicado fica o — /zoe,— antecedente. depois d’esta data, que Galdino nos apparecenos documen¬
Finalmente, na ultima linha, ha duas abreviaturas:— dod. tos, e já comoTemplário graduado, consequentementede¬
dr. — ou talvez, por uma inversãoda primeira inicial: — qod. pois do seu regresso do Oriente.
dr. — que geralmentese lê, e parecebem: — quoddicitur —. Segundo Cunha e os diplomas reunidos por elle, seria,
Também esta interessantíssimainscripção, pela primeira até, sómente na era de 1199, correspondente ao anno de
vez directamente reproduzida por calco, que me enviou o 1161,que pela primeira vez nos appareceria como Mestre,
sr. Pinto, da escola industrial de Thomar, não tem obtido na doação que lhe faz o Rei: — tibi Magistro Gualdino,—
até agora uma traducção regularmenteexacta.Costa e Cunha de certas herdadescultivadase por cultivar junto de Cintra*,
não separam as orações,nem traduzemlitteralmente. mas Santa Rosa de Viterbo (Elucidário) encontra-omuito
O primeiro traduz: — sepepergens contra Sidan etc.— antes, em 1148,figurando como Mestre da Casa Templaria
por — e muitas ve\es venceuao Soldam, — o que é dupla¬ de Braga, n’uma concordatafeita com esta, e em 1ibq como
mente falso. Como já observei, iniciou o erro de ler — Sul- Mestre absolutoou Geral dos Templários em Portugal, suc-
dani, — onde, clara e rasoavelmente,está: — Sidan —. cedendo a Dom Pedro Arnaldo, que abdicou n’esse anno e
Cunha, que restitue a era exacta de 1209, antecede-a morreu no seguinte.Terá Viterbo lido bem aquellaprimeira
pela formula: — Em nomede Christo, — que lá não está, e data? A interrogação parecera impertinente em relação ao
acrescenta a filiação do Rei Affonso: —filho do Conde erudito investigador,se um factomuito positivo a não aucto-
Dom Henrique e da Rainha Dona Tareja —. Não contente risasse. Esse facto é a tomada de Ascalonia, expressamente
com isto, traduz que: quando Escalona foi tomada, ellefoi indicada na inscripção. Essa tomada, é claro que não foi a
alli prestes e prompto;— põe Galdino em Antiochia pele¬ de Saladino aos christãos, que só se realisou em 1187. Foi
jando muitas vezes — contra o poder do Soldão; — au- a dos christãos aos turcos. Estava lá, então,Galdino; isto é,
— estava no Oriente em n 53, que é a data d’esta conquista.
gmenta a enumeraçãodos castelloscom o de Cardiga ,—
supprimindo o de —Monsanto,— e alonga, finalmente, a (Michaud, Hist. des Croisades, t. 11.)
inscripção com as seguintes palavras: — Era 120Qannos. Estava, e demorou-seainda. Estando em 1167 em Por¬
Mestre Gualdim, nascidoemBraga, quelie cabeçade Galisa, tugal, e sendo feito, então, Mestre geral dos Templários
edificou esteCastello deAlmorol comosfreires seusirmãos
—. Portuguezes, partiria em ii 52, ou pouco antes, mas já par¬
Bastam estes exemplos. Como é sabido, a inscripção está tiria, então,como templáriograduado,se é verdadeiraa data
numa grande lapide de mármore sobre o arco da chamada de 1148, attribuida por Viterbo á concordata de Braga, o
Sacristia Velha do convento de Christo de Thomar, para que, de resto, não repugna inteiramenteá inscripção.
onde foi transferida do castello de Almorol, segundo a tra¬ Inclinamo-nos a crer que foi realmente em 1157 que
dição, no tempo e por ordem do Infante Dom Henrique. Galdino voltou, sendo então elevado ao cargo de Mestre
É claro que não havemos de fazer, agora e aqui, a bio- geral, ,ou, como a inscripção diz: —de Procurador do
graphia de Mestre Gualdino ou Gualdim ou Galdino Paes. Templo, em todo o Portugal, tendo partido, como simples
N’esse ponto, é justo louvar as diligenciase os trabalhosde Mestre da Casa de Braga, em ii 52, ou pouco antes.
Costa (.Historia da Ordem, etc.) e de Viterbo (Elucidário), Dos castellosalludidos na inscripção, dois, — o de Idanha
que reuniram interessantíssimosdocumentos sobre o Tem¬ e o de Monsanto, — são-lhe doados em 29 de novembro da
plário portuguez. Segundo o primeiro, Galdino nasceu em era de i2o3 (n 65), chamando-se-lhetambém Mestre: — vo-
ii 18 e morreu em 1195. Era filho de Payo Ramires e de bis Magistro Gualdino—.
D. Gontrade Soares, nomes que denunciam uma origem Á ideia vulgar da hierarchia monastico-militarpóde pa¬
visigoda. Pelo pae, era neto de Ayres Carpinteiro que lhe recer extraordinário que elle seja designado simplesmente
trazia, segundo Costa, uma bella tradição de fidalguia au- como Procurador, em outubro da era de 1207(1 169),quando
thentica; pela mãe, entroncava-sena prosapia dos Correias. lhe são doados, e á Ordem, os castellosde Zezere, de Tho¬
Goes, que gostámossempre de consultarTestas historias, mar, e ainda o de Cardiga —«com todas as herdades que
não parece ter encontrado nos Paes, do seu tempo, pelo alli fizeste e rompeste»— devendonotar-seque n’essemes¬
menos, uma genealogia muito antiga, pois que abre o mo anno como tal se apellida também, na doação: —«de
«titulo» com Payo Rodrigues que —«foi um cavalleiromuito toda a terça parte que pela graça de Deus poderem adqui¬
honrado em tempo deiRei Dom Affonso 0 quinto, e foi fi¬ rir e povoar desde 0 rio Tejo por deante—» para o sul, é
lho de Pedro Esteves, Alcaide Mór de Portei»—. São ou¬ claro, aos —«cavalleiros chamados do Templo de Salo¬
tros, evidentemente.Também da semente d’elle, como di¬ mão»— nas pessoas dos de Portugal e de — vobis Fratri
zem os geneologos,não seria facil haver noticia, espalhada, Gualdino in Portugalia rerum Tenipli Procuratori —.
como ficaria, clandestina ou ganceira, pela Syria e pelo Mas esta qualidade de Procurator, referida á gerencia
Ribatejo, nas aventuras e desmandos das campanhas do regional ou provincial dos diversos agrupamentos da Or¬
Templário. Segundo Cunha, nasceu o Mestre em Braga e dem, não era inferior, e muito menos incompativel, com a
— «Telia se conserva ainda hoje uma rua com o nome de categoria de Magister, a bem dizer a de Superior de cada
D. Gualdim, em que é tradição que nasceu»—. Casa ou Commenda, com tendênciaspara substituir aquella
Corrigem outros, observando que alli fòra Procurador pela separação das diversas communidadesnacionaes.
ou Mestre da Casa do Templo, que lá existira, 0 que é Não foi Galdino o unico cruqado portuguez; mas é dos
demonstrado por um documento citado no Elucidário de raros cujos nomes se apuram. Se das suas façanhas no
Viterbo,— mas que em Marecos, depois Amaraes e hoje Oriente resa sómente a inscripção, outros e diversos do¬
Amares, aio kilometros de Braga, é que realmentenascera cumentosa corroboram brilhantementena historia patria.
o Mestre, que fora até 0 primeiro a usar e a nobilitar o titulo
de Marecos, da herdade que foi o núcleo da povoação. (Continúa) LucianoCORDEIRO.
72 ARTE PORTUGUEZA
distinctodeBerlim,descobriuo meio
O escultorFritze,estatuário
decommunicar aobronzeumapatinaartificial,tãoperfeitae duradora
e quedefende perfeitamenteo metaldasavariasdo
UM SERÃO EM 1S21
comoaverdadeira,
tempo.
Depoisde repetidas experiencias,coroadasde excellente exito,o
na Allemanha.
processovae-segeneralisando
'UM impresso humorístico, publicadoem1821, encon¬
tramosumadescripção devisitade senhoras desege, ■*
quenospareceverdadeira e característica.
Vamosre¬
sumir,apenas. Realisou-se ultimamente, no MuseudeBerlim,umd’esses prodígios
Ouviu-seo motimdasege,rodandonacalçada, dehabilidade e depaciência quedistinguem osrestauradores dequa¬
e entrandono pateo.O creadogravedesceucom dros da Allemanha do norte.Os doispostigos lateraesdo precioso
dois castiçaes.A segeparou.O lacaioajudoua apearassenhoras, e retábulodo séculoxv, existentes no mesmoMuseu,reputadosobra
segurounossaquinhos doschalésde abafar.Isto, em1821, já estava primadosirmãosJan e HubertVan Eyck, e cujospainéiscentraes a
muitosimplificado; porque,d’antes, tinhamde ir maispessoas, para Bélgicapossue,teempinturaemambasasfaces.As tábuas,aliásdel¬
pegarnasenormescaudas. gadase emmuitomauestado, foramserradas aomeio,a fimdefacili¬
As damassubiram,e trocaramcumprimentos comas senhorasda tar, no seu conjuncto,ao publicoo examed’estapreciosareliquia
artística.
— Minhaunião!Minhaespecial!Minhaalegria!Minhaexquisita! Foramreunidasaosquatrospainéis,excellentes copiasdospostigos
Meu sim! Minhaexistência! Meumaisquetudo! Meudisfarcepara existentes naBélgica.
enleio! ■*
A meninamaisvelhamostrouum chalequebordaraemseteme-
zese doisdias;e, comosefallasseempontose marcas, ellamostrou Em umdosnumerosos leilõesdequadrosqueserealisaram durante
0 seupatinode modelosde marcar,com torres,armas,bandeiras, a estação deverão,aseason, emLondres,vendeu-se o annopassado um
açafatesde flores,gato,cão,cordeiro,e gallo,saloiose gaiteiros,e retratopintadopelocelebreReynolds,o fundadordamodernaescola
macacos;e atéumtafulvestidoá Constituição no ultimochefe. ingleza,pelabonitaquantiade 11:oooguinéus.
Mostroutambém unsparesdemeias,de abertosprimorosos.
Um dosrapazitos fezumatravessura: •*
—Acommoda-te, rapaz,quevemlá o fradinhodamãofurada.
—Acommoda-te, menino, quevemlá o fradequetelevanamanga. A galeriade Dresde,considerada umadasprimeirascollecções de
Parecequeosfradeserambonsparacalarrapazes. pinturada Europa,adquiriuultimamente, mediantea quantiaderéis
.^)
Começava entãoa generalisar-se o uso de dardomás senhoras, e 25:000 000 um dosmaiscelebresquadrosde Murillo— mortede
a
,
já assenhorias seíamenxertando emexcellencias. SantaClara,queexistiaemInglaterra, na galeriade lord Dudley.Fa¬
Umadasdamasdisse: zia partede umaseriede onzequadrospintadospor Murillopara
o
—Eu aindasoudotempodapragmatica; issoé queforampaixões, conventodosFranciscanos, de Sevilha.Roubadospeloexercitofran-
porqueentendeu comtodosostratamentos, e pilhouentãoassenhorias cezem1810, algunsforamrecuperados maistardepelogovernohes-
no seuauge;houveversos, satyras,e atélettrasquesecantavam pelas panhole existem naAcademia deS.Fernando;outrosestãonoLouvre;
solfasdosminuetes, queestãohoje(em1821)esconjurados. restoemInglaterra. quadrorepresentando mortede Santa
O
e
0
a
Outradamalembrou-se deumaquadra,quefoi celebre: Clara,adquiridoem 865pelo marquezde Salamanca, foi por este
i
vendido,annosdepois,a lordDudley.
Estapragmatica,
Manaquerida, •*
Foi n’estavida
Todo 0 meumal. Foramconcedidos ao MuseuNacionalde BellasArtes,de Lisboa,
tresfrontaes dealtar,exemplares excellentesdeguadamecis, courode
Umadasmeninas recitoualgumas decimas. Cordovado séculoxvi,douradoe estampado côres; umalampada
e
E veiuo chá.O doceserviu-se empúcarase covilhetes. demetal,umtantomaismoderna,porémmuitocuriosapelodesusado
Depois,emduasmesas, jogaramo casino,e o trintae um. dafórma.EstesobjectosexistiamemCaminha, no fortedaInsua,que
Ao mesmotempo,n’umgrupodedamase cavalheiros, leu-seum defendea barrado rio Minho, faziampartedasalfaiasdacapella.
e
—
papel O homem peixe,ouasbotasdecortiça.Umgraciosotinhain¬ Museucedeuemtroca, mesmacapella,numeroequivalente
O
de
á
a
i
El-Rei.
Avultam,segundoo costume, os quadros oleo.Nasoutras
a
obrasnoshabituaramosveremtodasasexposições doGrêmio.
a
notá¬
a
fonsode Albuquerque.
Perspectographo é o titulodeumnovoaparelho recentemente in¬ secçãode architectura temesteannomaisinteresse
A
ventadonaAllemanha. do quenos
Applica-seao desenho donaturale aostraba¬ precedentes.
lhosdearchitectura. Reduze ampliadesenhos comabsoluta perfeição. Nadearteapplicada, umaobraapenas.
Uma brochura,publicadapelosprofessores Knorr e Hirth,notáveis No proximonumeronos occuparemos
vulgarisadores do ensinoartistico-industrial, detidamente d’estaquinta
contéma descripção do exposiçãodo GrêmioArtístico, daremos, emfolhaseparada, re-
e
Mas estescasos eram excepcionaes;era sim trivialíssimo explosão; nem as mais altas, ao que se está vendo, se
encontrar na casa fidalga, na burgueza, na do marujo, ob- livram das liquidações.
jectos do Oriente, de Italia, do paiz flamengo. Quem tiver Mas, ao mesmo tempo, estão entrando todos os dias mo¬
paciência para ler inventários e partilhas póde reconstituir veis, joias, porcelanas, do extrangeiro.
com exactidão o recheio das casas portuguezas, das diver¬ São cadavez maisvulgares as imitações; já estamoscheios
sas categorias, de i 5oo até o nosso século. de louças modernas que tentam reproduzir as antigas. Em
o recheio da casa será de metaes
Que é feito de tanta preciosidade? dos grandes leitos ar¬ breve, por este andar,
mados, das valentesarcas, do vestuário luxuoso, das pesa¬ brancos sem valor, de porcelanas feias do extrangeiro, de
das pratas lavradas? que tão pouco resta! falsa índia, de sedas de urtiga branca. Tudo progride; o
Ainda hoje se ouve dizer a alguma velhota: quando ca¬ adélo, o ferro-velho cederamá casa de penhores, aos monte
sou a sr.a D. Fulana, as pratas foram em tantos carros! pios; agora, já vamos nos grandes armazéns liquidadores.
Ainda hoje ha casas nas pequenas cidades, em villas de Ha tempos, em sala de antiga moradia, aonde fui cha¬
Portugal, que têem velhos armarios recheados de pratas; mado para dizer de alguns objectos de outras eras, eu
taboleiros, fructeiros, jogos de salvas, bacias e gomis, terri¬ senti a poesia dolorosa do desastre; sósinho, entre precio¬
nas, serpentinasde prata lavrada, ao lado de outros arma¬ sidades accumuladasem successivasgerações, que me pa¬
rios com pilhas de grandes pratos orientaes, e junto das reciam contar historias, invadiu-me uma saudadeindefinida,
arcas de pau brazil, de grossa pregaria, onde se guardam motivada pelo conjuncto de recordações; íam abandonar-se,
os linhos bordados e as colchas de seda e damasco.Mas partir em diversos rumos, aquelles moveis e quadros, por
são raras hoje; ha apenasum século havia centenares. tantos annos companheiros. De súbito, um minuete estalou
Mestre burguez, o senhor fidalgo, o cavalleiromilitar per¬ o silencio triste; um bello relogio de carrilhão annunciava
deram quasi tudo; não se attribua, porém, isto só a faltas o meio dia, com a sua fina sonoridade. Na occasião, pare¬
de espirito de conservação; a lei e a sorte têem grande ceu-me haver no relogio uma implacável ironia; acabou o
parte de responsabilidade.A extincção dos morgados obri¬ minuete, soaram no timbre, espaçadas,as doze horas, agu¬
gou a rapidas liquidações; a invasão franceza foi uma rui- das, cruéis; e esmoreceulentamentea ultima. O tempo! o
na, e a forte contribuição de guerra exigida por Junot pa¬ tempo que tudo vae mudando e gastando!
g. PEREIRA.
gou-se principalmente em prata. Depois, veiu o vendaval
de 1832-1834. E veiu a ignorância, o mau gosto; veiu o
entrudo. Não se imagina o que o carnaval tem estragado;
a creadagemda casa foliava com as casacase colletes bor¬ MUSEU NACIONAL
dados, os chapéus antigos, os leques, os lenços, os chalés, DE
as saiasde sedabordada; tudo se ennodoavae manchavana
brinca do entrudo. Agora, felizmente,repara-semais n’isto. ‘BELL AS-ARTES
O convento e a igreja ainda salvou alguma cousa; póde
dizer-se que o bom que nos resta em joalheria e tecidos
foi salvo pelo clero; naturalmente,elle é conservador e tem
tradições; mantem-sefirme e reservado nas crises sociaes.
O convento de freiras, em 1834,foi a guarida salvadora de
paramentos, de frontaes, de imagens; e com essas imagens
foram as antigas andainas, as joias, as coroas, os peitoraes,
os botões. Ha frontaes feitos de pannos de saias; ha teci¬
dos do século xvi, e mesmo do xv; ainda ha maravilhas,
salvas pelo acaso e pela ignorância também.
E veiu o colleccionador.O amador entendidopóde prestar
serviços; pelo menos produz logo augmentode valor. Mas
os objectos em collecção carecemda infinda poesia da his¬
toria familiar.
Na collecção, é um objecto que foi comprado em tal
sitio; e na casa tem historia, recordação, poesia; é a casaca
do bisavô, é o vestido que se fez para o casamento da
tetravô; é a espada do tio fulano, que elle usou na guerra
da Península; a farda que outro vestia em tal solemnidade A secção ceramica portugueza do nosso museu nacional,
nacional. comquanto já hoje seja digna de attenção, não póde, por
Em compensação, o colleccionador póde ter a serie, a ora, considerar-se como absolutamente
representativa da
demonstração da vida de certo ramo de arte; uma collec¬ arte.do barro em Portugal.
ção de ceramica,por exemplo, de relogios, de instrumentos Constituída, na sua origem, apenas por limitado numero
de musica tem superior significação. de exemplares, sem duvida alguma importantes, prove¬
Fugir do armazém, do agrupamento feito sem paixão niente, a maxima parte, das sobras da
primitiva collecção
nem gosto. Certos colleccionadoresapenasmostram 0 seu do fallecido barão de
Alcochete, competentíssimoamador
poder monetário; n'essas collecções, sem amor nem me- de faienças,foi successivamente
ampliada por meio de espe-
thodo, os objectos brigam, irritam-se ou lamentam-seentre cimens,já adquiridos, já
arrecadados,pelo Estado, á medida
si; a approximação dos despojos de fôrmas e artes diver¬ que iam periodicamente
vagando os numerosos conventos
sas produz confusão e não harmonia. de freiras.
Uma vez chega a fatalidade, e adeus collecção. O que Estacionária, comtudo, durante alguns annos, installado
está succedendo em Portugal é deplorável; as collecções que foi o
museu, a direcção respectiva, conseguindo re¬
officiaes continuam incompletas, as particulares tendem á mover certo
numero de difficuldades e attritos nas regiões
ARTE PORTUGUEZA 7D
officiaes,obteve, finalmente, concessãode recolher os obje- e absoluta, de organisar collecçÕespublicas, o mais com¬
ctosvaliosos, relíquias de arte encontradasnos espolios dos pletas e methodicas possível, onde os artistas da industria
conventos supprimidos; e, de então para cá, a collecção possamencontrarsuggestoes,exemplosuteise indicaçõeste-
augmenta de anno para anno. chnicas de processosás vezes caídos em esquecimento,— o
A julgar pela quantidade e importância dos especimens certo é que o amador, em geral, se mostra pouco dadivoso,
reunidos, o museu espera ainda, recorrendo á mesma fonte, e o nosso museu nacional, menos afortunado que os de ou¬
quando não completar as suas series de exemplares das tras nações,aliás menosnecessitadosdo publico auxilio, não
póde, até á data de hoje, no que respeita ás suas collecçÕes
de arte applicada,registar qualquer cTessesfrequentesactos
de munificência, tão frequentes no extrangeiro, e que tanto
concorrem a opulentar outros institutos do mesmo genero.
Portugal, como dizia, annos ha, um dos mais notáveis
colleccionistas e ceramographos, o gravador Jacquemart,
«é 0 novo mundo da ceramica».
E de facto, não existiu, talvez, entre nós, industria com
mais fóros, ou maior numero de tradições gloriosas. Opu-
lentam o solo portuguez matérias primas de toda a casta,
e data no paiz de eras remotas a applicação da ceramica,
não só a utensilios dos mais indispensáveis á vida, como
tambémá construcção e á decoração de nossas casas. Olei¬
antigas fabricações nacionaes, agrupar, quando menos, nú¬ ros intelligentesjá em eras primitivas, e ricamente dota¬
cleo de abundantese valiosos documentos de consulta, tão dos de instincto artístico,viemos successivamentecultivando
uteis ao industrial como ao investigador das nossas tradi¬ todos os generos. No século xvi, produzimos boas louças
ções artísticas. vidradas,— majolicas, meias majolicas, barros emboçados,
Em periodo que não vae longe, a venda parcial, em hasta azulejos, etc. No séculoimmediato,a faiença,—barro esmal-
publica, do valiosissimo espolio de Sua Magestade El-Rei
D. Fernando, facultou ao Estado a acquisição de alguns
bons exemplares, entre os quaes figuravam vários especi¬
mens nacionaes, que assás contribuiram para o enriqueci¬
mento da collecção, a qual, actualmente,abrange cerca de
23o numeros.
Mais tarde, mediante algumas trocas de objectos dupli¬
cados, que o museu, a exemplo de todos os institutos do
mesmo genero, vae pouco a pouco archivando, poderão
ainda as series tomar maior incremento.
A attenção e o apreço concedidos ás velhas louças por- N."4
—
tuguezas, constituem, entre nós, facto recente: datam,
á intelli-
por assim dizer, da brilhante exposição de ceramicanacio¬ tado a cal de estanho; e, em fins do xviii, graças
nal, realisada, com tão louvável intuito de propaganda, na gente quanto efficaz protecção dispensada pelo grande mi¬
cidade do Porto, pela Sociedade de Instrucção, em fins de nistro de D. José á industria ceramica, a qual, por então,
outubro de 1882. definhava, a braços com a concorrência das louças fran-
industria reviveu,
O glorioso certamen artístico, dirigido, com admiravel cezas, hollandezas e genovezas,aquella
Extre-
methodo, pelo erudito quanto infatigável iniciador da orien¬ e, no Porto, Lisboa, Coimbra, Vianna do Minho,
das industrias artísticas moz, e ainda outras terras do reino, artistas e artífices
tação segura dos estudos ácerca
mestres extrangei-
do passado em Portugal, o sr. Joaquim de Vasconcellos, nacionaes, auxiliados por alguns hábeis
concorreu assás para ros, desenvolviam com extraordinária rapidez, em nume¬
a constituição gradual rosas fabricas, a producção da faiença, da louça fina, em
de collecçÕes serias; toda a variedade de especies, de fôrmas e de applicações,
porém, ou porque o e segundo os mais aperfeiçoadosmethodos francezes, alle-
colleccionista portu- mães, hespanhoese italianos da epocha,creando, em alguns
guez, por ora novato, casos,typos já com certa originalidade.
seja, como tal, natu¬ Portugal soube resistir á invasão da febre da porcellana
ralmente sofrego dos que, n’aquellestempos, grassava por toda a Europa e pre¬
seusthesouros,ou pelo cipitava a decadênciada faiença. Fundou-se, é certo, mercê
facto de não estar, por da iniciativa de José Ferreira Pinto Basto, —um beneme-
rito da industria portugueza,— a magnificafabrica daVista
cmquanto, suíficiente-
mente incutido no ani¬ Alegre, a qual, por tão longo tempo, houve de luctar com a
mo de nossos conter¬ concorrência da nova porcellana feldspathica, —ou pseudo-
râneos o sentimento porcellana ingleza,— e que, se não como arte, ao menos
da conveniência, pelo valor intrínseco do material empregado e o esmero
ou, antes, industrial do fabrico, reivindica ainda hoje logar honroso
necessida¬ entre as primeiras da Europa.
de urgente A concorrênciaextrangeira; —a lithogeognose,esse pro¬
cesso de estampagem em louça, que veiu substituir-se á
N."3 pintura; essa terrível invenção do Dr. Pott, nefasta sob o
7° ARTE PORTUGUEZA
ponto de vista da arte;— depois, os desastres da invasão Representa o n.° 2 uma botelha também para pharmacia,
franceza, arruinando e destruindo-nos as fabricas, reduzi¬ com esmalte mais encorpado e de aspecto mais unctuoso,
ram, por largos annos, a faiença portugueza á producção o branco um tanto amarellado, e a decoração a dois azues.
de consumo popular. Apesar do estylo antiquado da lettra que designa o nome
Hoje, porém, as nossas industrias ceramicasrevivem; a da droga, a peça não é talvez anterior ao primeiro quartel
louça vidrada, a faiença,a louça fina, o pó de pedra, o grés do século xvii. Este curioso especimen foi adquirido no
cerâmico, o azulejo, desenvolvem-se,e realisam incessantes leilão do espolio de Sua Magestade El-Rei D. Fernando.
progressos materiaes; os nossos oleiros e louceiros sabem O primeiro dos dois objectos representados na terceira
do officio. Todo o progresso, pois, a realisar, deverá ser vinheta, é um pequeno saleiro, ou azeitoneira, com tampa,
no sentido da arte decorativa. Exceptuando, todavia, algu¬ de grossa faiença branca; tão antigo, ao que parece, como
mas tentativasbrilhantes de artistas talentosose dedicados, a botelha acima descripta. O esmalte, espesso e imperfei¬
taes como o professor A. Gonçalves, em Coimbra, Bordallo tamente distribuído; a decoração, a azul avivado de cor de
Pinheiro, nas Caldas, Lopes, — o das Deveras, coróplasta vinho, caracterisamas louças de uso commum que são attri-
tão distincto,—no Porto, e as novas louças da Fonte Nova,
em Aveiro, — a decoração, o estylo, é ainda o ponto fraco
da arte jictil em Portugal. As fôrmas das nossas modernas
louças são praticas, racionaes; levam mesmo certa vanta¬
gem, a tal respeito, ás das epochas transactas.Evitam dis¬
cretamente,os nossos louceiros, as extravaganciasnataris-
ticas (pelo menos nos artefactosde immediata utilidade) e
as adaptaçõescaprichosas e irrefiectidas de typos impró¬
prios ao material empregado. Algum proveito, em lições,
souberam tirar da concorrência esmagadoraque, por tanto
tempo, lhes fez a louça ingleza. Levam, porém, a sobrie¬
dade ao excesso; descáe em monotonia e, ás vezes, em
banalidade. Quanto á decoração,ao desenho,ao gosto nos
padrões, á escolha e propriedade dos motivos,ha, por ora,
menos que louvar, infelizmente,e hoje, que a generalisação buidas ás antigas olarias de Lisboa e seus arredores. O Mu¬
do ensino artístico-industrial em todo o reino póde facul¬ seu recolheu este exemplar no espolio do extincto convento
tar ás industrias artífices educados,mal se desculpa a per¬ das Flamengas, á Pampulha.
sistência da rotina, —a escravisação a moldes velhos e a O gomil, que figura á direita do saleiro, é do principio
modelos extrangeiros. do século actual e um bom exemplar da excellenteproduc-
Abundantes elementostornam a arte do barro susceptí¬
ção da fabrica de Vianna do Castello (em Darque), circum¬
vel entre nós de muito maior desenvolvimento.Mais uma stancia aliás confirmada pela marca que apresenta. Bem
pouca de arte, de indepen¬ modelado em estylo concheadofrancez, do século passado,
dência de gosto, e pode¬ é esmaltado de branco um pouco terroso de tom, e a de¬
remos, como já podémos coração em ramiculos e folhagem cor de castanha, distri¬
no primeiro quartel d este buídos ao gosto d’aquelles tempos, a capricho e um tanto
século,no querespeitanão ao acaso. Este exemplar foi adquirido pelo Museu.
só á louça e á porcellana, Corresponde ao n.° 4 uma terrina, ou prato coberto,
como a todas as applica- ovoide, com a superfície levantada em gommos symetri-
ções da ceramica á con- cos, e igual no fabrico, no tom do esmalte e da pintura, á
strucção, supprir-nos com botelha atrás mencionada.Decora a face da tampa 0 bra-
elementos de casa. Que zão de armas da casa de Bragança. Esta peça provém do
grossaverba a diminuir da espolio do extincto convento de S. José, em Evora. Não
nossa tão imprevidente e apresentamarca de fabrica nem de louceiro, mas é possível
ruinosa importação! que seja de fabricação alemtejana,— talvez de Extremoz.
# Reproduz a vinheta n.° 5 uma terrina redonda, em estylo
* # dos fins do século xvm; bem modelada e esmaltada de
branco azulado; decorada com caprichosos silvados em
Estão representados, zig-zag; de tom azul um tanto duro, superficial. Lembra
nas gravuras queillustram pintura envernizada.É attribuida á fabrica de Miragaya.
esta breve noticia, alguns curiosos typos de
louças portu- O n.° 6, e ultimo, designa uma peça que constitue um
guezas, fazendo parte da collecção respectiva do Museu d esses enygmas,tão frequentescomo irritantes, deantedos
Nacional de Bellas-Artes.
quaes esbarra a todo o momento o colleccionista de
Reproduz a primeira, fielmente,um boião de pharmacia, louças
portuguezas. Esta formosa peça, de admiravel fabrico, ele¬
proveniente da antiga collecção Alcochete. Esta faiença,
gantíssima no seu perfil flexuado, e bem decorada a azul
branca, sem marca de fabrico, é decorada a azul morto e roxo, no estylo da faiença franceza de Rouen, apresenta
avivado de roxo, com as armas reaes portuguezas, sobre¬
todos os característicos dos productos da celebre fabrica
postas ao chronogramma—1655. A capa de esmalteestan- do Rato, e da epocha dos mestres italianos Thomás Bru-
nico, vitreo, lustroso e pouco denso, de tom algum tanto
netto e André Verol, e, comtudo, não está marcada, dan¬
esverdeado, commum ás louças da epocha, vulgarmente do-se o caso de existirem em varias
designadaslouças de Coimbra, denota fabrico mais aprimo¬ collecções particulares
exemplaresidênticos, com ligeiras variantesno tom, e mar¬
rado que o das peças de uso domestico, circumstancia
que cados com um P maiusculo, a linha dupla.
é, aliás, conspícuaem quasi todos os vasos para pharmacia.
PIN-SEL.
ARTE PORTUGUEZA 77
gloriosos e culminantesda vida portugueza, a historia não vá arrancando das entranhas mysteriosas dos archivos. É
conserva a recordação exacta dos nomes dos artistas aos certo que sobre as obras da igreja e mosteiro possuimos já
quaes devemos esses primores, que são um motivo de um documento de superior valia, mas que é insufficientea
apreço e admiração universal. fornecer elementospara juizo decisivo.
Os testemunhosdos poucos chronistas que, em referen¬ Nas suasapreciáveiscartas, o vedor do mosteiro de Santa
cia á vasta obra do mosteiro, fazem menção nominal dos Cruz, dando conta do estado e adeantamentodos traba¬
artistas alli empregados,inteiramente discordantese attri- lhos 15
, omitte os nomes dos artistas e perdeu o ensejo de
buindo ao mesmo nome producçóes de caracter o mais in¬ revelações preciosas, que lhe dariam direito ao reconheci¬
conciliável, lançam no problema uma perturbação inextri¬ mento da posteridade.
cável. De maneira que, para chegar a resultadosprofícuos, Assim, n’este momento, só por conjecturas inconsisten¬
será necessárioabstrahir por completo da cooperaçãodes¬ tes á mais ligeira contradicção, poderemos aventar uma
sas informações inverosímeis. hypothese sobre quem seja o auctor do púlpito' 6, hypo-
Primeiro que tudo, convem ter em vista que, simultanea¬
mente,alli trabalharamduas classesde artistas,obedecendo
a duas ordens de principios heterogeneos,embora tentando
por vezes uma conciliação apparente. Uns, educados no
sentir e nas doutrinas do Renascimento, dispondo de altas
qualidades, e de recursos poderosos e vivos de imaginação
e de saber; os outros, que a approximaçãofaz parecer in¬
cultos, fieis ao manuelino,mais ou menos indígena, susten¬
tando no conflicto aberto com a innovação os últimos es¬
forços da resistênciatolerante.
A esta distincção necessária, talvez nem sempre haja
sido ligada a importânciamerecida.
Provavelmente, a primeira seria formada pelos artistas
extrangeiros, sobre cuja nacionalidadeha divergência11 ; a
segunda,pelosnacionaes,ao numerodos quaespertence,por
exemplo,o conhecidoMarcos Pires, empreiteirodo Claustro
do Silencio, bem como o outro incognito, que esculpiu os
tumulos dos reis, á excepçãodas estatuasjacentes12 .
O synchronismo dos dois estylos é aliás um facto bem
notável e um dos mais suggestivosda historia da arte, por¬
que os sectários dos dois systemasacharam-seem conta¬
cto e quasi em mutua collaboração. SANTOANTÃO
—Retábulo
doJardim
daManga,
emSanta
CruzdeCoimbra
#
# # these que ámanhãse desfarána sua fragilidade complicada
e quasi gratuita.
LISTA fornecida pelos chronistas, dos Assentemos, pois, que, visto no campo da indagação
architectose estatuáriosque trabalhavam bibliographica reinar a completa discórdia ou a completa
nas obras do mosteiro, sem ordem de omissão, somos forçados a tentar se por quaesquer racio¬
preferencia, reduz-se a:—Mestre Nico- cínios será possível justificar uma presumpção plausível.
lau, João de Ruão 13 , Jacquez Loguim, A classificação por agrupamentos ou familias, de toda
Filippe Uduarte, Diogo de Castilho, Mar¬ essa producção da Renascença,não é extremamentedifficil.
cos Pires e, posteriormente,Thomé Ve¬ Para attingir conclusões acceitaveis, bastaria, portanto,
lho, mencionados em promiscuidade e conhecero nome do artista que devessesubscrever authen-
arbitrariamente. ticamenteum exemplar, pelo menos, de cada grupo, e so¬
Destrinçar o que ha de verídico nesta resenha e a parte bre esse facto incidir todo o trabalho de analyse e de com¬
que a cada um coube na decoração do monumento,não é paração.
empresa facil, como disse, pela absoluta carência de infor¬ Sem esses elementos prévios, no estado actual, toda a
mações circumstanciadase fidedignas. discussão é intempestivae temeraria.
D. Francisco de Mendanha, o mais antigochronista, des¬ Entre todos esses artistas, que nos seus trabalhos se re¬
culpa-se da deficiênciade noticias pelas condiçõesescassas velam, ha sobre todos um, que reveste às suas figuras de
em que escreve. Segue-seD. Nicolau de Santa Maria, cu¬ fartas roupagense bellas academias.É o estatuárioe archi-
jas afirmações, embora categóricas,são falliveis na opinião tecto mais rico de imaginação, e aquelle cujos trabalhos
dos cautos'4.E, finalmente,o pouco que foi trazido á luz por
maior semelhança e identidade apresentam entre si. Inne-
F. Simões, extrahido da chronica manuscripta de D. José
gavelmente,o púlpito de Santa Cruz, os quadros do Jar¬
de Christo. dim da Manga, os do Claustro do Silencio, os de S. Silves¬
O accordo do pequeno numero das indicações, que so¬
tre, etc., têem o cunho manifesto da mesma intelligencia.
bre o assumpto se nos apresenta,é impossível, porque es¬ E a mesma maneira de sentir, a mesma graduação dos
ses poucos dados brigam n’uma indocilidade caprichosa,
planos, o mesmo arranjo de panejamentos,a mesma subti¬
mostrando mais uma vez a experienciaquanto é arriscada leza de accessorios e detalhes, a mesma sciencia anato-
e desleal, no campo da historia da arte, a
confiança nas mica, a mesma confiança e firmeza até as ultimas minu-
velhas chronicas.
dencias.
Posto de parte éste auxilio, restam as noticias exaradas
em diplomas que o acasoou a diligencia dos investigadores ^Depois da observação conscienciosa,de tal fórma a ques¬
tão se apresenta, que, determinado o nome do auctor de
ARTE PORTUGUEZA 79
um delles, não póde deixar de ser attribuida a origem de O outro, o Sacrario, dá logar a um novo incidente.A sua
todos os outros á sua officina, á sua direcção immediata, qualidade é, sob todos os aspectos, secundaria, e levanta
sob o calor das suas próprias mãos. justos reparos e contestaçãoás aptidõesde um artista capaz
D. Francisco de Mendanha, na descripção do mosteiro, de produzir o bello grupo da Misericórdia. As vestes cáem
referindo-se aos pequenos retábulos do Jardim da Manga, em dobras achatadase quebraduras angulosas; e os cheru-
dá o nome de João de Ruão, em companhia de outros bins são arredondadose curtos21.
grandes officiaes. O chronista D. Nicolau de Santa Maria, Nenhuma accentuação de identidade se descobre entre
corrigindo, —ao que parece, sensatamente'7,— apresenta as duas producções. São de indole differente e inconfun-
unicamente o nome de João de Ruão. divel, no desenhoe na technica.
É sobre esta asserção, de um valor significativoe espe¬ É certo que a divergência poderá explicar-se natural¬
cial, que podem apoiar-se os que se lembrem de suscitar mente pela consideração de intervençõesauxiliares22; mas,
o engenho de Ruão para a creação do púlpito, sob estipu¬ por agora, quero limitar-me simplesmenteá exposição leal
ladas condições. do facto.
Advirta-se que ponho de parte todos os pequenosepisó¬ *
# #
dios que podem servir de embaraço, para seguir direito ao
meu fito. Soccorrendo-me apenas de indicações de algum alento
Mendanha é parcimonioso em citar nomes; e esta pru¬ presumivel, ponho de parte a vaga tradição, que de longe
dente reserva maior peso e auctoridade presta á sua affir- vem suggerindo o nome de Ruão 23 , a proposito do púlpito,
mação. Alem d’isso, deve ter sido contemporâneodo ar¬ para aproveitar um novo indicio, que será como um ponto
tista, e escreviapara uma corporaçãoque conservavanitida luminoso no meio d’esta obscuridade.
a lembrança dos acontecimentosoccorridos poucos annos Numa das faces do púlpito, uma pequenaplaca2* contém
antes. Elle escrevia em iõqo, e em 1535 ainda duravam as a marca fundamentegravada, que fielmentereproduzo.
obras no mosteiro. Não é crivei, portanto, que se deixasse Ora, persistindo no meu ponto de vista, a interpretação
cair em erro sobre este ponto delicado. d’estalettraseriarapidamenteencontrada:JoannesMagister.
Onde tantos artistas de reputação trabalhavam, embora Mas quem ousará affrontar a responsabilidade de uma
na inteira consideração dos seus méritos, comprehende-se tal affirmação?
que na apreciação da obra collectiva se não reconhecesse A mais escrupulosa discreção é um dever de consciên¬
vantagem em destacarindividualidades. Foi isso o que suc- cia. Em tal escassezde provas, todas as conjecturassão fal-
cedeu: os nomes dos artistas foram olvidados. liveis; porque, se as premissas não são garantidas, as mais
A magnificência do monumento era exclusivamentedes¬ lúcidas deducções podem cair pela base.
tinada á maior honra e gloria do mosteiro e dos funda¬
dores 18; as personalidades dos obreiros de nada valiam pe¬
rante esta rasão de ordem suprema. Uma vez, porém,
fixado sobre uma obra um nome por quem devia conhe-
cel-os, só será licita a contestaçãopelo simples prazer de
dar pasto a prevenções scepticas.
Mas é precisamente Teste ponto, que chega a vez a
D. José de Christo de perturbar a hypothese. É elle que
terminantedeclaraque o auctor do púlpito é Jacques Cuchim
(sic); e outrosim dos retábulos e abobadas das capellas do
Claustro do Silencio e das esculpturasdo Jardim da Manga.
Isto póde não ter importância, ser porventura uma affir-
mação, como tantas outras, sem echo; deixa, todavia, uma
impressãopassageira,porque a correlação d estasobras é in¬
teiramente lógica.
dopúlpito
Marca Cruz
deSanta
17Para quê a coadjuvaçãode officiaes,em obrasque medem Essadiuturnidade já suscitouao sr. SousaViterboa mesmacon¬
70X64 centímetros? jectura,quepódeencontrar apoionacriticacomparativa dasobras.
18A possedo púlpito,exaltado pelaadmiraçãogeral,eraumtitulo 2?Rakzynski, emreferencia a João deRuão,levadopor essaaura
de legitimavaidadeparaos conegosregrantes. GregorioLourenço indecisaquese agitaemvoltada obra,diz abruptamente, semaddu-
d’estafórmao encarecia aomonarcha: zir quaesquer rasões:
«Divertiessesqueho vemqueemespanha nonhapeçadepedrade «II pourraitbiensefaire quela magnifique chaisede cetteéglise
melhorhobra.» fút sonouvrage.» Dicc.,253.
19Pelovocábulosacrario,deveentender-se nãosómente o taber¬ 24 Sobrea archivoltadonichoqueencerraa imagemdodoutorda
náculo,mastodaa composição queo circumda. igreja,S. Ambrosio;por exclusãodepartes,vistoqueos outrostres
20A Virgemda Misericórdia , acolhendosob o seu mantopro¬ têema denominação escriptaembelloscaracteres romanosf A lettra
tectorreis,papas,bispos,fradese cavalleiros,pareceter sido um M nãofoi durantemuitotemporeconhecida, porqueas duashastes
assumpto predilectoda devoçãodaepocha.Nadamenosdeseisretᬠangulares mediasse conservavam afogadas emtintapelaantigapin¬
buloscomessarepresentação se conhecem emCoimbrae arredores. turaa oleoqueo púlpitosoffreu.
A saber: 25Moldadoemgessopelaprimeiravez,foi enviadoá exposição de
Retábuloha poucoretiradodaigrejadeS. Thomás,em demolição Parisem1867, pelaAssociaçãodosarchitectos; e umasegunda repro-
presentemente; sobrea portada Misericórdia;na capellada quinta ducção,maisperfeitae fiel,tiradaemi883 , figuracomhonrano Mu¬
do Borges,arosda cidade;emTentugal;emCantanhede, e naVar- seunacionalde Lisboa,no museudeNovaYork, e na exposição do
ziella. Trocadero,emParis; por signal,esteultimocomdesignação errada
21Diga-sede passagem queas physionomias angelicaesassimma- no catalogo, queo dizexistente na cathedral deCoimbra.
terialisadasemexcesso,foi, emcertoslimites,umdefeitocommum a 26O sr. conegoPrudencioGarcia,illustradoinvestigador, anda
estesestatuáriosda Renascença. preparando a colleccionaçãodeapontamentos documentaes, colhidos
22Está averiguado que João de Ruãoestabeleceu residência em nosarchivos,ácercado movimento da arteemCoimbra,desdeepo-
Coimbra,aquicasoue constituiufamilia.Osdocumentos quelhedi¬ chasremotas;e, segundomeinformam, temconseguido elucidações
zemrespeitoabrangem umespaçodetrintaannos, desde1542 até1272, preciosas.
datadeum titulode vendade certacasaqueJoão deRuão,imagi¬ E o sr. dr. MartinsTeixeira de Carvalhoapplicaao problema
nário,fez ao mosteirode SantaCruz. E, postoque estelapsode da evoluçãoda Renascença em Coimbraas suaspoderosas facul¬
temponãosejademasiado paraa actividade
deum artista,sendode dadesde analysee vastosrecursosde erudição.
supporque a sua vindafoi muito anteriora 042, nãorepugnaa
possibilidadede o seguirnaprofissãoumfilhohomonymo. A. GONÇALVES.
SEPULTURA DE D. T HO AI AZ DE ALMEIDA
PRIMEIRO PATRIARCHA DE LIS130A
meida. deestado.
Emvirtudedasobrasdeconstrucção No dia de marçode 1738,chegou Lisboa,com barretede
a
e o
3
de curiosidade,
e
a
e
I,
deSaboia.
o
V,
ondesedoutorouemcânones.
do cipedasAsturias,D. Fernando, quedepoisfoi rei deHespanha.
Foi deputadodo SantoOfficioda Inquisição;desembargador
da Lançouas bênçãosnupciaesaospríncipesdo Brazil,D. José
e
dasmercês, decapellão-
e
menteXI, bispodeLamego.
Desempenhou o officiode tabelliãona approvação do testamento mesmaobrao restodaprata,no valorde 4:000.^000 réis.
Despendeu grandes sommas c om fundaçãoda igreja convento
e
a
de dezembro
A
4
e
a
e
dental;
a
7
D. O. M.
TÃO... PITTORESCO
ÃO estranhe o leitor este ti¬ pava a hieratica boneca de massa, com olhos de pimenta,
tulo. E mister, porém, que braços arqueados em aza de cantaro e mãos na cinta,
saiba, que hoje o padeiro cul¬ sapatos de fita traçada e bicos dos pés para fóra, em pri¬
tiva as artes. meira posição de dança.
Padeiro artista, ou escul- De vez em quando, o barbudo cerbero esguelhavaolhar
ptor varino, vem, pois, no suspeitosopara o gaiato sonso e lambareiro, que espreitava
presente caso, a ser uma e a occasiãoazada a fim de ir deitando a unha a qualquer bolo
mesma cousa. appetecido... embora correndo o risco de apanhar 0 seu
Augmenta, de dia para dia, biscoito. Já lá vae, porém, esse clássico ornamento da
nos mostradoresdas padarias, feira das Amoreiras... Ella e a feira sumiram-se, arras¬
o numero de pães figurativos,representandoanimaes,esta¬ tados pela razoura do progresso, e foram para o rol das
tuetashumorescas,passarinhos, navios, barcos á véla, e até cousas esquecidas fazer companhia ao homem da alfeloa,
mesmo composiçõesarrojadas, celebrando façanhas tauro- do gergelim e amêndoadoce, á preta da á ... á ... cumunia
machicas. e a muitos outros typos pittorescos,que tão singular caracter
Não é cousa, aliás, de hoje nem de hontem, o flores¬ imprimiam a esta capital do meio dia.
cer do padejo plástico, nesta gulosa Lisboa; e qual será Ficaram ainda as varinas, valente raça de mulheres, in¬
o alfacinha, penteando já melena sal e pimenta, que se dustriosas quaes formigas. .. e artistas também. Que o
não lembre, com saudades,da imponente e sedentáriabo- diga a saia vareira, maravilha de senso pratico e de bom
lacheira, coeva dos seus dias de meninice; gravee fleugma- gosto—«a linda saia das mulheres de Portugal », verda¬
tica qual mandarim de louça; a cabeçaenvolta no immenso deiro achado indumentário, que os viajantes admiram e
e alvo lenço de cambraia, bordado, engommado,teso como citam a miude em seus escriptos, como typo unico e tão
papelãoe arrebitando a ponta posterior em véla latina? Cul¬ distincto entre os trajos populares de toda a Europa!
tivava, se bem me recordo, a ponderosa industrial, um Felizmente para ellas, ignoram o jornal de modas; esca¬
bigode, que chegavapara dois dragões de Chaves. pando assim á perversão do gosto, não perderam a noção
Installada na diminuta cadeira de assento de esparto e das fôrmas simples. Coloristas por instincto, fazem vibrar,
costas pintalgadas,para alli estava horas e horas, fazendo a todo 0 momento, nota alegre e brilhante entre as nossas
meia, impassível, de guarda ao taboleiro,no qual, entre os multidões pardacentas,hoje eivadas, á franceza, da myopia
tradicionaes especiones,a cavaca, a queijada, e a córnea da cor. Desprezamo tomfino, achromatico.Aquelles bellos
_
bolachinha fina, —á prova até de dente de garoto, cam¬ olhos peninsulares, acostumados á
refracção estrellante do
ARTE PORTUGUEZA 83
sol na areia, não se resignam a ver a natureza através Tudo tem nome, e por isso é preciso baptisar esta arte
de luneta fumada. Não é também cousa facil o impingir- que começa... Para irmos com a corrente, apanhará nome
lhes fancaria importada; ellas, que vivem na beata igno¬ grego,— mais ou menos barbaro, que isso, também, não é
rância do article Paris (que bem pouco lá é feito), não questão. Chamemos-lhe,pois, sitoplastka.
cáem na esparrella d'essas mil e uma frandulagens, que Esculptores sem pretensões,modestos e sempre anony-
dão volta ao miolo de tanta lisboeta mos, posto que arrojados na escolha dos themas, levam,
bonita... que quer ver se parecemais comtudo, estes artistas da massa triga, vantagem aos seus
feia. Ellas... olha lá!... isso sim! rivaes mais ambiciosos do mármore. Esta estatuaria co¬
Antes, pelo contrario, sabemimpor o mestível é mais barata... e o jury não a julga... come-a.
seu gosto á industria; e, se esta lhes Que o geito de decorar os bolos, de lhes imprimir cunho
quizer o seu rico dinheirinho, que artístico, é portuguez da gemma,ninguém póde pôr em du¬
tanto lhes custa a ganhar, ha de ser¬ vida. Os factos faliam bem alto. Vejam com que primor
vil-as ao modo d’ellas,— com fabrica¬ eram esculpidos esses preciosos chavões, essas artísticas
ções especiaes. fôrmas de madeira, hoje raras, e que eram, algum dia,
Graças, talvez, a este instincto, a accessorioindispensávelna copa, de toda e qualquer famí¬
esta transmissão do senso esthetico, lia que se prezava! Figuravam a par das pintadeiras e das
a formosura é, entre ellas, ainda hoje carretilhas de metal, e serviam para o embellezamentodos
hereditária.Transportadas,muito em¬ bolos, dos pasteis, das tortas e d’essas ricas travessas de
bora, para a má vida e mau ar da ci¬ doces portuguezes, que tanto a mim como ao leitor (con¬
dade,resistemá influenciado meio... cedo-lheessa justiça) nos fazem crescer agua na bôca.
Quer-me tambémparecerquemaisfa¬ «São os povos da península hispanica gente frugal e
cilmente se desnacionalisariaum hes- sóbria»— dizem os tratados de ethnographia; tal phrase,
panhol ou um inglez,—os dois entes porém, quanto a mim, não passa de um desses clichés de
mais façanhudamentenacionaes que diccionario; uma d'essas muitas mentiras, cem vezes refu¬
eu conheço. E elles... os varinos, gadas, as quaes, de edição em edição, os compiladores nos
esses guapos e athleticos mocetões, vem repetindo, que acabam por passar em julgado... e
tão indomitos e tão valentesno mar, que toda a gente repete, sem que, a final, se venha a saber
mas que, em terra, quando não tecem quem foi que a inventou. Algum grande comilão, prova¬
a rêde, ou lhe concertamas malhas, velmente, lá d'esses povos da Europa septentrional, mais
passamhoras esquecidasestiradosna gulotões, em geral, que os nossos conterrâneos.
areia, com a immobilidade do arabe? Quando tudo nos diz o contrario! Lembram-se d’essas
Fito o olhar penetranteno horisonte façanhas gastronômicasde el-rei D. Pedro, o primeiro, de
longínquo, dedilham preguiçosamente justiceira memória? D’essas pansadas nocturnas de fructa
as cordas da guitarra, improvisando, e vinho? Das legendáriasfestas populares, em que se assa¬
ás vezes, essas tão puras quanto sim¬ vam bois inteiros, e as fontes deitavamvinho? A verdade,
ples melodias portuguezas, os fados, é que fomos sempre uns grandissimos lambareiros. Que o
os landuns, que tanto se prestam a digam o amor e a delicia com que Garcia de Resende nos
montados,as pyramidaes
modulações infinitas e sempre novas! descreve os phantasiosospratos
Outra aptidão artística não tinham iguarias d’essesbanquetes homéricos, mediante os quaes,
revelado, até hoje. Mas, a final, deixando muito atraz de si o proprio Luculo, de gulotona
—quem tal diria!— sáem-se-nosagora memória, D. João II celebrava, nas sumptuosas festas de
estatuários! Como é que escapou á Evora, o casamentodo mallogrado príncipe seu filho.
observaçãoperspicazdos phrenologos Que fomos egregios mestres na arte das petisqueiras,
esta bossa encoberta? Será isto um profusamente o abonam as muitas narrações e memórias
caso de atavismo? Influencia, talvez, militares do tempo da guerra peninsular. Com que admi¬
das longínquas viagens dos avós ás ração nos não faliam os officiaes inglezes das ceias panta-
frades de Alcobaça
plagas africanas ou aos sertões de gruelicas dos rotundos e hospitaleiros
outras terras não menos remotas? —esses abysmos de comestíveis— e do espanto que lhes
—
—Vá lá... que remedio?— arrisque¬ causava a apparição, por horas mortas, da tremenda, a
mos mais uma theoria, cousa aliás farta posta de toucinho,que mereceuser cantadapor Garrett
commoda quando se quer fallar d’a- naquelle tão conhecidoverso:
quillo de que se não sabe: — se nós
padre;e vivaS. Bernardo!»
«Tremenda,
attribuissemos a genese deste novo
estylo esculptural, tão phantasistaem
seu impressionismo, um tudo nada e do vinho quente adubado, da socega, para aquecer o
barbaro, á contemplação do feitiço e estomago!
de imaginosos manipansos? E os clássicos jantares de annos, que duravam tardes
inteiras?... E as monumentaesconsoadas?...
E as bravatasdo trinchanteque, alçando o perú
na ponta do garfo, o desmembravano ar?
E conserveiros? Isso, então, estou em dizer
que foi uma das nossas maiores glorias artísti¬
cas. N’esse terreno, ninguém nos ganha... nem
mesmo os hespanhoes. Embora o cozinheiro
hespanhol, no século xvi —século que soube
2
84 arte portugueza
comer— disputasse primazias aos italianos, e apesar das piros, tabéfes!... E o clássico bolo real, a lampreia doce,
os castellosmonumentaes,e os moinhos, de ovos de fio?.. .
africas do celebre Juan Montino, cTaquelle seu famige¬
rado rodovalho, servido, a um tempo, cozido, assado e Paro aqui, pois receio que os leitores da Arte me julguem
frito, na mesa de Filippe III, e das mimosas gulosinas em peitado pelos confeiteiros, para os induzir em tentação.
que primam, ainda hoje, nossos visinhos,— fomos mes¬ E agora, porém, observemos o reverso da medalha.
tres. O modernismo, hoje em dia, desportuguezou-nos tudo!
Elevámos a confeitariaás alturas de uma arte,— porque Reduziu-nos á cozinha hygienica; aos menusem galli-parla;
o foi, e teve escolas: tantas quantas eram as províncias do aos jantares para gente dyspeptica. Com a conservariacos¬
—
reino. De Melgaço á Ponta de Sagres, não houve,por assim mopolita, vieram os doces para vista. Se até já nos ser¬
dizer, terra de alguma importância, cujas casas mais graú¬ vem pasteis de rhuibarbo! —doce de botica, que tédio!—
das não possuíssem receita, ou segredinho especial, que bon-bonsde baunilha.. . e não sei quantas heresias mais
era o orgulho da dona. d'essa confeitariafranceza — Deus lhe perdoe!— que todas
E nos conventos de freiras? Que infinitas especialidades ellas, quando não cheiram a pomada, sabem a pós de
de doces, todos com titulos miríficos: — celestes,toucinho dentes!
do céu, papos de anjos, beijinhos, melindres, delicias, sus¬ PIN-SEL.
.
nuel, a applical-os na igreja de S. Francisco, em Evora. É branco,a sassenta
réis,todopostoe concertado nasfrestas;e quanto
o que dão a entender as seguintescartas de D. Manuel a- é á rede,por palmo,tenhofeitoa dezréis,dandoos achegos, salvo
Álvaro Velho, védor e recebedor das obras de S. Francisco: só dasmãos;e assipor palmodagradedeferro,deo estanhar á sua
custa,outrosdezréis.Digo,senhor,seporventura quizerdes
quevos
mandea esteofficialqu’é umdosbonsqueeuvi, eu fareicomelle
«Quantoaos vidrosperaas vidraças,havemos por bemquevos quevos vá servirper estemesmopreçoque com elle contractei;
concerteiscom aquelleque os tem;e parece-nos queserábemos 0 qualmestreBoytacahouvepor mui proveitoso.Recebide v. m.
darpelospreçosporqueostinhadadosperaSantaCruzdeCoimbra; umacartae assiumcognoscimento dezmilréis.Encommendo
d’estes
e vóshaveios ditospreçospor certidãode Per’Eannes, thesoureiro nie
da sé de Coimbra1, e assivosconcertae (-7 de abrilp i5o8. Quantomontaao preçoda rede,
comelle,quandocommais medisseo mestreportadord’esta,que nom toca salvoá obrade
nossoserviçoo nãopoderdes fazere aproveitar.
(Almeirim,8 defe¬ SantaMariada Pena4.V. m. lhe pódeenviardar a informaçom
(í)
N’umainteressantíssima
cartadeGregorioLourençoa D. Manuel
1
1,
chronol.,
1,
é
a
Corpochronol.,
parte maço doc.80.D’estacartaapenas
1,
2
6,
daigrejada Penaeradiverso.
i. D. EMILIA SANTOS BRAGA-Potíis dêAmor. 2. A. RAMALHO JUNIOR-i?c/raío deRoqueGameiro(pastel).3. L. FR
6. A. F. BAETA—PaisagememAguasBellas(Ferreirac
(Coimbra). 10.J MALHOA —Asésta. 11.J. C. GALHARDO- PontedaLava
S. J.V. SALGADO-Othello. 9. L. BATTISTINI- Sé-velha
SUPPLEMEÍ
rrUGUEZA
(I.isboa);
. deCamacho phototyp.
doE.RieI& C."(Porto).
TO AO N."
4
4
ARTE PORTUGUEZA 85
JESUS
Quadro de J. V. Salgado
No fundo da alma portugueza ha uma vaga melancholia; mes, nas neblinas do inverno, ao sol do estio, ao branco
pezar de saudades, amarguras de altos ideaes não realisa- luar, nas noites negras. grande morro do castello de
é
O
dos, de esperanças vãs. Na vida nacional deslisa sempre uma severidadeimponente; em noite de verão sem luar,
a lenda maravilhosa; nos campos ha mouras encantadas. Lisboa Tejo vistos de Monsanto ou do alto da Ajuda
e
o
Desde S. Vicente, guardado pelos corvos, á fatalidade de têem um mysterio palpitante, que não sei onde se lhes en¬
D. Sebastião, corre uma ladainha de martyrios, de herois- contre parceiro.
mos, de lendas santas. Agostinho da Cruz nos ermos da Porque não vingará também aqui bello ideal?
o
Arrabida, onde se ouve a reza do mar, compõe as suas Quem poderá estranhar que n’esta capital surja um dia
poesias; e Thomé. de Jesu, nos cárceres da mourama, es¬ uma escola idealista, aqui onde terra, as aguas, luz
a
a
creve a sua prosa ascética; e as rainhas santas, o infante têem aspectos tão variados sublimes, linhas tão gran¬
e
santo; e essa multidão dos missionários, arrojando-se aos diosas
?
g. PEREIRA.
supplicios pelos sertões de África, nos palmares indosta-
tanicos, nas ilhas japonezas,—formam um cortejo intermi¬
nável de abnegaçõessagradas.
Os poderosos desenhos de Doré, as biblicas scenas de
Ary Scheffer, cheias de agonias, ou as dramaticas, como.a
Jl ‘PENA
illustração do Fausto, que fazem meditar, iniciaram, me
parece, as novas correntes. Em Inglaterra Burne-Jones, em
Ailemanha Bõcklin deram novo impulso, e alastraram o Sr. Carlos Munro teve a. amabili¬
primeiro caudal; Wagner, com o estranhopoder da musica, dade de nos dirigir seguinte carta
a
perturbou ainda mais os espíritos, sacudiu todos os ner¬ ácerca da auçtora dos .(.(Croquisde
vos;- Zola impõe 0 naturalismo, outro elementofundamem Cintra », cujos originaespertencem
a
tal para à lueta; e agora, ao percorrer, por exerhplo,os úl¬ os dois desenhos que reproduzimos
pag. 17 38 da Arte, Portuguesa:
;é
timos numeros de Die Kunst fiir Alia , a cada folha se.en¬
a
contra o quadro de um mystico, idealista, pre-raphaelita; é
o Noli metangera de Fritz von Uhde, a Pietà de Max-Klin- Lisboa,1 dèabrilde 1895.
3
,5
8
g
2
i
Pena, artadirigida D. José Pessanha, queixa-se illustre.aqòtor
gado. É uma lueta de pesadelos, de agonias; faz lembrar o
p
a
À
d’aquelle artigo,
interessante d o:nãoserfacil averiguaçãodaauctora
a
versículo de Oseas— «Sou o que te fallei pelos prophetas, da collecçãointitulada«Croquisde Cintra, dessinés
dos desenhos
e eu lhes multipliquei as visões»: (Cap. 12., v. 10.) d’aprèsnatureetlithograpíiiéspar C.neB.»
Parece-me que vamos longe da Inspiração Christan de Tenho dizerquepossuo collecção,creio que completa,dos
a
a
Puvis de Chavannes, o glorioso, o delicado mestre, que referidoscroquis,menosa capaexterior.São dezoitoos que tenho,
foramdesenhadoslithographados por M:'VeC.‘“Brelaq(se bem
sabe representar o sentimento elevado, a alta poesia, ra¬
e
e
dos modernos trabalhos; falta o colorido, mas o desenho ciaemLisboa,bemse lembrad’estafamilia,assimcomose lembra
e a composição são partes da maior importância; alguns do muitoqueviu, do muitoqueconheceu, do muitoquepresenciou
dos modernos Christos parecem-me professores preleccio- da vidavelhade Lisboa.Agora,viveelle,ou, antes,existe,só de
nando. Ora, é isto que não succede com o de Salgado; recordações!
Inclusoremetto meunome,paragarantir quedeixodito,
e
o
o
aquella figura é a de uma victima do ideal; podem appli- com pseudonymo comquerubriquei listadesubscri¬
a
assigno-me
o
Lisboa.
daArtePortugueqa.—
... Redacção Administração
e
natuieza,
Domingos Antonio de Sequeira foi idealistapor
influen¬ ressantecommunicação.
não sei relacionar as suas composições com alguma
n uma
cia na sua epocha; em desenhosgrandes pequenos,
e
beira do
grande cidade em alterosos montes
á
Lisboa,
a
impos¬
seu grande estuário, tem effeitos de grandiosidade deE. Casanova
xiv,propriedade
lavradoferro,
decouro
Bahu século
e
Ella apre¬
síveis de encontrar nas outras capitaes europêas.
luz próprias
senta aspectos bem diversos nas variantes de
subli¬
do nosso clima; tem vistas graciosas, dramaticas
e
88 ARTE PORTUGUEZA
de D. AffonsoVI, Doações,liv.
i Torre do Tombo—Chancellaria
43,folio 194. SOUSA VITERBO.
A FAMÍLIA haupt
geiros, attrahidos
a
músicos, Frederico Haupt, tronco de numa casa defronte da antiga igreja dos Martyres. Ahi o
uma familia que durante largos an¬ surprehendeu terrível cataclysmo,do qual escapoucom os
o
genitor.
familia, sr. Augusto Fre¬ de uma reliquia de familia.
actual representanted’essa
o
O
informações, que,
,
Flauta
deErnesto
Haupt,
pertencentem
aoex." sr.D.Fernando
LuizdeSousa
Coutinlio
assignado,
oitentae cinco. Hortencia, muito aftéiçoado musica.
á
milsetecentos
(Rubricasinintelligiveis.J A morte prematura do sympathico infeliz príncipe não
e
edifício.
casa de habitação da rua de S. Paulo, com a pericia men¬
do construindo muitos instrumentos para fornecimentodo
cionada no precedente documento, e de que o seu actual
exercito; porém, na sua própria casa. Os instrumentos fei¬
descendenteconserva alguns specimens interessantes.Fal¬
tos n’essas condições receberam uma contramarca espe¬
leceu aos sessentaannos de edade, em 10 de fevereiro de
seu filho Ernesto brederico cial, consistindo nas iniciaes A E (Arsenal do Exercito), en¬
1811,deixando por successor
de outubro de cimadas por uma corôa.
Haupt, nascido em 29 1792.
dos Haupts, aquelle que maior Eram excellentesos instrumentosfabricados pelo Haupt
É este o mais conhecido
Existem ainda muitos, alguns d’elles têem sua his¬
a
e
que adiante mencionaremos. carreira artística, flauta que lhe foi dada pelo
era homem de activissima
Haupt pae, ou Ernesto Frederico Haupt, mestre, Botelho; do mesmo fabricante era a
intelligente seu bondoso
grande seriedade e consideração, artista habil, José Gazul, os clarinetes de Carlos Campos, as-
flauta de
e laborioso, muito dedicado ao paiz em que nasceu.
ARTE PORTUGUEZA
sim como os diversos instrumentos de muitos artistas e José, o primogénito, falleceu em 21 de abril de 1867,fi¬
amadores, uns já fallecidos outros ainda vivos. O sr. Au¬ cando desde então só Ernesto Junior á testa da officina.
gusto Haupt possue também com grande estimaçãoa flauta A industria começou pouco depois a definhar: ensom¬
que expressamentepara elle foi feita por seu pae, em 1845. braram-na os productos bonitos e baratos da fabricação
Ernesto Haupt tornára-se egualmentemuito apreciado parisiense. Os fabricantes nacionaes não se acharam com
numa especialidade:boquilhaspara clarinetes.Os tocadores energia nem com meios para sustentar a lucta; conserva¬
deste instrumento sabem quanto é difficil obter uma boa ram os t3^pos antigos, em vez de os alindar, e de os aperfei¬
boquilha, porquanto a construcçãoperfeitad’esteaccessorio çoar no que realmentecarecesse de aperfeiçoamento; não
exige um acabamentopacientee cuidadoso. A obra d’esta poderamou não quizeram baixar os preços; não procuraram,
especialidadeque vem do extrangeiroé na maior parte ordi- emfim, fazer frente aos seus competidores, empregandoar¬
narissima e mal acabada.Nenhum dos nossos antigos artis¬ mas eguaes. Enervou-os a demasiada confiança no credito
tas tocava com boquilha que não fosse feita pelo Haupt. adquirido. O resultado foi o seu completo aniquilamento.
Julgo interessante saber-se os preços que este notável A officina da rua de S. Paulo fora transportada em 1838
fabricante levava por alguns dos seus artefactos, preços para a rua nova da Palma n.° 20, onde esteve até 1840;
que os filhos conservaram até se extinguir a officina: uma nesse anno, mudou-separa a rua Augusta n. os5i e 52, con¬
flauta de buxo com uma só chave de latão, custava seis servando-seahi por bastantes annos em estado brilhante.
pintos (tanto me custou aquella em que comecei a apren¬ Soou, porém, a hora da decadência. As vendas e encom-
der); uma flauta de buxo com cinco chaves de latão, cus¬ mendas foram diminuindo progressivamente, até quasi se
tava moeda e meia; uma flauta de ébanocom cinco chaves extinguirem; chegando o desfalque nas receitas a ponto de
de prata, cinco moedas; uma boquilha de ébano, dois pin¬ não darem para custear as despezas do estabelecimento,
tos; de marfim, meia moeda; um clarinete,cinco moedas. Ernesto Haupt Junior foi, em 1869, installar-se numa casa
de renda barata, na calçada do Garcia. Nem ahi mesmo
pôde, porém, sustentar-se.Ao cabo de poucos annos, viu-se
RNESTO Frederico Haupt perdeu a vis¬ constrangido a largar para sempre as gloriosas ferramentas
ta quandotinha sessentaannos de edade; que tanto brilho haviam adquirido nas mãos de seu pae e de
sobreviveu ainda dezenoveannos a essa seusavós. A nostalgia do trabalho attribulando-lhehorrivel¬
catastrophe, fallecendo em 20 de julho mentea existência,veiu a dor moral a originar padecimentos
de 1871. physicos, de que muito soffreu. Valeu-lhe n’esses transes
Tinha quatro filhos: José Frederico angustiosos o carinho fraterno; nem por um só momento
Haupt, nascido em 2 de janeiro de 1818; sentiu afrouxarem-seos laços de amisade com que viveram
Ernesto Frederico Haupt Junior, nascido sempre ligados todos os membros d’essa honrada familia.
em 9 de dezembro de 1821;Filippe Fre¬ Ernesto Frederico Haupt Junior, depois de prolongada
derico Haupt; Augusto Frederico Haupt, e atroz doença, falleceu em 8 de dezembro de 1891.
o unico actual sobrevivente. A historia d’esta familia é interessante a muitos respei¬
Os dois irmãos, José e Ernesto, tomaram conta da offi¬ tos. A sua florescênciafaz parte da historia geral das artes
cina quando 0 pae ficou impossibilitado de a dirigir; o mais e industrias no nosso paiz, desde a epocha em que recebe¬
novo, reconhecendoque o trabalho não podia chegar para ram o impulso energico dado pela mão vigorosa do mar-
todos tres, seguiu outro rumo, tornando-semusico distincto, quez de Pombal; a sua decadênciadeve também constituir
e, graças a uma intelligenciaillustrada, pôde obter um em¬ objecto de util lição, para ser aproveitadapor todos os que
prego na camara municipal dos Olivaes, onde se acreditou se interessam no renascimento da Patria.
como funccionarioserio e bemquisto.Filippe tomoutambém
outra occupação. ErnestoVIEIRA.
Inscripções portuguezas
depag.71)
(Continuado
de theologia da Universidade: Dom Domingos Martins, co- do salso argento, como diria um arcade. São deliciosos, de
nego de Santa Cruz. uma alegria serena,alguns d’essesidyllios. E não é neces¬
sário ver os quadros para lhes comprehender a indole:
basta ler-lhes os titulos— as Gaivotas, Barcos da minha
terra, o Concerto da rede, Tranquillidade e as Bateiras.
frima Jttnrttns ítf $uU)ãa, Poderia
elle ser o pintor da nossa epopéamarítima? Talvez,
mas para isso teria de se preparar com estudos históricos,
e visitar a África e a índia, e haver quem o encarregasse
o nosso futuro dessa empreza... Onde está tudo isso, que entre nós é
ideal? Contentemo-nos,pois, com o que elle nos dá, e não
lhe tracemosambiciosos programmas, difficeis, se não im¬
ôanto 3lutomo; possíveis, de realisar.Tudo tem o seu logar e o seu valor;
e, depois do enthusiasmohomérico dos Lusíadas, o espirito
descansacom deleite nas amenidadesternas e suaves de
um idyllio de Theocrito ou de Rodrigues Lobo.
—Vicente Martins de Bulhão-, A aguarella é uma especialidadecultivada, com altas as¬
—Feliciana Martins Taveira; pirações e grande exito, em Inglaterra, em Hespanha, na
—Maria MartinsTaveira, freira, que morreu tambémcom França e em Italia. São celebrese têem reputaçãoeuropêa
ares de santidade, em 18 de fevereiro de 1240. as obras assignadas pelos nomes illustres de Cattermole,
Mas é claro que o Vicente da inscripção não é nem o Leloir, Fortuny, etc.
primeiro nem o segundo. E, porém, da familia, neto de Entre os nossos pintores, Lupi, quando veiu de Roma,
um ou bisneto do outro, segundo Monterroyo. trouxe uma formosa collecção, e depois ainda aqui a au-
Teve duas irmãs Vicente Domingues, que casaramfidal¬ gmentou com algumas, que não desdiziam em nada das
gamente: uma, Dona Sancha Martins Bulhão, com Dom suas romanas.Tinham o vigor e a belleza dé tom da pin¬
Soeiro Fernandes Alam, que viveu no tempo de Dom Af- tura a oleo. Em Inglaterra —onde a aguarella é' uma arte,
fonso III e Dom Diniz, e com o qual se orgulham os Soares por assim dizer, nacional—- ha virtuoses de um valor ex¬
de Albergaria; a outra, Dona Dordia, que foi mulher de traordinário, e, como é natural, os seus processos, tendo
Pedro Martins Botelho, de Riba de Vizella, e depoisde Re}t- em vista luctar e rivalisar com a pintura, tornaram a sua
mondo, —como quem diz Raymundo,— de Portocarrero. arte um pouco complicada e difficil, pela variedade dos
Mas nenhuma d’estas senhoras parece ter-nos dado a meios empregadospara conseguiremo seu fini.
Ignez da inscripção, cuja paternidade modestamentese es¬ Data de poucos annos a apparição,nas nossas exposições,
condeuna prosapia do tio, especie de conservadorou agente das primeiras tentativas sérias Teste genero. Deve-se ao
official dos negocios das colonias extrangeirasem Lisboa. sr. Henrique Casanova a iniciativa da primeira escola de
Uma Ignez se encontra, proximamente,na familia; mas aguarella em Portugal. O sr. Conde de Almedina também
é Ignez Dias Bulhão, procedente da geração da Dona Dor¬ em tempo —ha muitos annos— convidou para o seu atelier
dia, e que Dona Leonor Telles, a rainha bigama, conside¬ — proximo da Praça do Príncipe Real— os artistas que
rava sua parente. cultivavam a aguarella; mas não era uma escola, era ape¬
Temos, pois, de nos contentar com o facto do tio nos nas uma reunião de amadores,que não teve nem duração,
authenticar a antiguidade da inscripção, que obsequiosa¬ nem influencia. Hoje, ao lado de Casanova e dos seus dis¬
mente nos forneceu o estudioso e dedicado secretario da cípulos, figuram artistas de profissão, filhos da Escola de
Arte Portuguesa, sr. D. José Pessanha. Bellas Artes de Lisboa, e as obras de uns e outros já con¬
stituemuma secçãomuito interessantenas nossasexposições
(Continua) LucianoCORDEIRO.
de arte moderna; e quando dizemosinteressante,não é pelo
numero de trabalhos expostos, é pelo seu valor.
Os srs. Alfredo Gameiro e Nicolau Bigaglia —artista ita¬
liano, e professor da escolaindustrial Afonso Domingues—
ARTE PORTUGUEZA EM 1894 são os que mais se distinguemTesta Exposição. O sr. Bi¬
gaglia expõe uma bella vista interior do Claustro dos Jero-
(Concluídodepag.54) nymos, que, se não é absolutamenteperfeita, é, todavia,
um trabalho de subido merecimento.
II São de Alfredo Gameiro 0 retrato de uma senhora, algu¬
mas paizagense dois estudos. Destacam-se—como supe¬
doGrêmio
A Exposição Artistico elleMaria Gomes, e o estudo que
riores — o retrato de M.
tem por titulo — Um frade. Estas aguarellas, e as que pos¬
temos visto do mesmo auctor, pela correcção
JOÃO Vaz —e com este me despeço, por agora, teriormente
desenho, e pela frescura, harmonia e verdade do tom,
dos pintores — é um polygrapho também como do
collocam este artista no primeiro logar, entre os portugue-
quasi todos os nossos. D elle se pode dizer que tem
t actualmentecultivam esta especialidade,que não
um pé no mar e o outro em terra, e por isso não se zes que
e cujas difficuldadestêem de ser
afasta da costa. As suas scenas marítimas vêem-seda admitte arrependimentos,
á primeira investida, de chofre. E Tisto se parece
praia. As suas ondas não são as do oceano encapelladoe vencidas
ella com a pintura a fresco.
furioso; não são as ondas tragicas que arrebatame sepultam
no seu seio as naus e os navegadores: as suas marinhas Menos numerosa ainda é a secção dos pastellistas; mas
de Latour já tem cultores entre nós, o que é um
não são capítulos de sanguinolentas epopéas— são idyllios a arte
Aqui figuram Antonio Ramalho com um
em aguas remansadas, illuminados por um sol sem nuvens, bom symptoma.
do pintor Ezequiel, José Malhôa e as suas disci-
batendode chapa sobre a superfície transparentee prateada retrato
94 ARTE PORTUGUEZA
pulas. Compôe-se quasi exclusivamentede retratos esta pe¬ intermédio dos jornaes, não se lembrando de que esse sys-
quenina secção. Notáveis pelo vigor do colorido, têemtodos, tema de culto de capellinha, podendo lisonjear-lhes o amor
na sua execução,um ar de familia, que manifesta,da parte proprio com os cumprimentos banaes dos seus amigos e
dos discípulos, um espirito de imitação, que ha de natural¬ freguezes, torna impossíveis as grandes vistas do conjunto
mente desapparecercom o tempo e o estudo, pondo em das obras, que, approximadas, se poderiam comparar entre
evidencia a individualidade do artista. si; resultandod’esteconfronto a critica, e d’estaa emulação,
Dos desenhos, pouco diremos. Recordamo-nos da Ita¬ para os que são susceptíveisdeste nobre sentimento,a que
liana, de Ernesto Condeixa, do Pas de quatre, do sr. Conde as artes devemalgumasdas suasmaiscelebradasmaravilhas.
de Almedina, e das caricaturas de Celso Herminio, algu¬ Na imprensa, e ultimamente nas sessões da Direcção do
mas das quaes são felizes. Grêmio Artístico, tem-se discutido a idéa de uma exposição
Luciano Lallemant expoz só uma gravura— um lindís¬ de arte applicada, de arte industrial moderna. Conhecemos
simo retrato de Sua Alteza o Príncipe Real. Uma só, e todas as difficuldades desta empreza numa terra em que
pequena, mas vale por muitas — é um primor. Entre os a iniciativa particular é limitadíssima, onde os appellos, oor
trabalhos do sr. Manuel Diogo Netto, sobresae o bello re¬ mais calorosos que sejam, raro são ouvidos, e onde é im¬
trato — já publicado no Occidente— do nosso amigo e possível realisar qualquer plano, sem a intervenção directa
eminente poeta Bulhão Pato. Reproducção magnifica da ou indirecta dos altos poderes do Estado, do que são exem¬
esplendida photographia do distincto amador, o sr. Julio plo aqui de casa—como se diz— estas exposiçõesde arte,
Guerra, este primoroso retrato mais uma vez confirma a que, desde as da Sociedade Promotora até ás actuaes do
reputação do notável gravador. nosso Grêmio, se têem feito rrassalas da Academia, cedidas
A historia da esculptura em Portugal não enchevolumes, pelo governo aos artistas expositores, ou em casas particu¬
mas são dignos de figurar rfella alguns artistas contempo¬ lares, como as do Grupo do Leão, que receberam a hospi¬
râneos. Não lhes sorri o presente,e não lhes podemosvati¬ talidade na Avenida (no deposito das faianças de Raphael
cinar para breve um futuro prospero; mas, por isso mesmo, Bordallo Pinheiro) no salão da Sociedade de Geographia,
ainda são mais para louvar os que, entrando na carreira, e nas salas do Commerciode Portugal. Mas, por ser diffi¬
não desanimam,e proseguem. cil, não se deve concluir que é impossível.
Desappareceude entre os vivos um dos maiores — Soares Quando se fallou pela primeira vez numa exposição de
dos Reis; mas restam alguns dos que o acompanharamna arte ornamental,não faltaramos apathicos e os pessimistas,
senda da arte, e surgem outros, cujas primícias são pro- a prognosticar um Jiasco monumental, que seria mais uma
mettedoras. Entre estes, contamos o sr. Antonio Teixeira vergonhapara o paiz, etc.
Lopes, discípulo —creio eu— da Escola de Bellas Artes O resultado,porém, foi tal, que assombrou os proprios ini¬
do Porto, e actualmentedo esculptor francez Cavelier. Os ciadores da ideia, os que maior confiançan’ella depositavam!
seus esbocetose os seus bustos, em mármore e em bronze, Ponhamos, pois, mãos á obra, e trabalhemos. Estas ex¬
honram o mestre e o discípulo. posições annuaes de pintura e de esculptura, quantos, ha
E também pela aprimorada execução que se distingue annos, as julgariam impossíveis? Hoje, entraramnos nossos
a estatua em mármore de Carrara — a Superstição— de¬ costumes, e são já como uma especie de festas, consagra¬
vida ao cinzel do eminenteprofessor Simões de Almeida. das e registadasno kalendario da nossa civilisação.
Os que o conhecem,sabem quanto elle respeita a sua arte,
2i demaiode 1895. Zachariasd’AÇA.
e reconhecema seriedade dos seus trabalhos, a correcção
do seu desenho, e a bella composição das suas figuras.
Não daremos a esta a primazia sobre todas as suas obras
— é difficil representaruma idéa complexa, como a deste QUINTA EXPOSIÇÃO
sentimento, que se pode manifestar de tantas fôrmas — DO
mas, pondo de parte o titulo, a estatuaé um bello estudo de
mulher, que revela a sciencia, a mestria, do seu auctor—
GRÊMIO ARTÍSTICO
um artista consummado.
Em arte applicada,vimos um tecto Luiz XV, do distincto STAS linhassó serãolidasdepois
decorador Pereira junior; as pinturas ceramicas da sr. :l de encerradaa exposiçãode arte
D. Angélica Loureiro e da sr.a D. Herminia de Araújo; um queasmotiva.
biombo da sr. a D. Maria Portocarrero da Camara, outro As minhasnotasnão terãopor
isso o caracterde umaapreciação
do sr. Alberto Benarus, e um baixo-relevoem prata repous-
minuciosa dasdiversasobrasdeque
sée—a Mater puríssima — uma bella copiade outra do gran¬ ellasecompõe. Nãoasdisporeitam¬
de esculptor florentino Donatello, executadapelo sr. Cristo- bémpor formaa constituírem uma
fanetti, professor de uma das escolasindustriaes de Lisboa. seriede perfisdos artistasqueha¬
Uma exposição annual, como esta do Grêmio Artístico, jam assignalado,
mais forte e in¬
confundivelmente,a sua individua¬
é evidente que não póde ser rica de esculpturas,e quem o lidade,porqueestaquinta
exposição do Grêmionãoé decerto,—por
estranhar é néscio ou de má fé; mas a pobreza da secção ausência ou desvaliade documentos,— a maisprópriaparanosdar
da arte applicada mostra que entre nós ainda não se com- a justamedidado valordosnossoshomensde arte.
prehendeu a vantagem—para os artistas, e para os indus¬ Limitar-me-hei,
portanto,a consignar,muitosimplese despreoccu-
padamente, as consideraçõesgeraesque ella mesuscitou, — a tirar,
triaes que os empregam— da exposiçãodas suas obras, ou
por assimdizer,a moralidade do caso.
dos modelos dos seus artefactos. As salas da Academia,
cedidas pelo Estado, são pequenas para tal fim? Feliz se
reputaria a Direcção do Grêmio, se tivesse de luctar com
essa difficuldade, pela affluenciade expositores.Mas não
não corremos por ora esse perigo. Os industriaes, donos Quemcomparara nossaartede hoje,não direi,coma d’aquella
celebreexposição de 1843,a queha referencias, entreanimadoras e
de officina, convidam os fieis para visitarem a sua casa por
irônicas,nos livros de Raczynski(leilõesrecentestêemtrazidoa
ARTE PORTUGUEZA 95
*
Na Bélgica,falleceuHenryPickery,esculptordistincto,auctordo
formosomonumento a Jan Van Eyck,e deoutrosainda,dedicados a
perpetuara memória dosgrandescidadãos deBruges.
A Bélgicaperdeutambém umdosseusmelhores pintoresanimalis-
tas,CarlosTschaggeny.
Os jornaesitalianosannunciam a morte,emMilão,do architecto
Fontana.Deixaalgunsedifíciosnotáveis,entreoutroso palaciodaIn¬ O notávelarcheologoSchliemann,descobriu, emHissarlik,nasex-
dustriaemS. Petersburgo. Falleceramtambémna Italiao veterano cavações deumacollina,asruinasda antigaTroia.No decursod’este
estatuário
Luigi Ferrari,professornaAcademia deVeneza,e o pintor anno,ellee osarcheologos queo acompanham, pozeram a descoberto
romanodeassumptos históricos,
ScipioneVanutelli. todaa cercafortificadada cidade.Estão assásbemconservadas as
muralhas.Têem-seencontrado porticos,torres,edifíciospúblicosepar¬
ticulares,
armazéns,umafonte,louças,etc.É estesemduvidaumdos
achadosmaisnotáveisemmonumentos architectonicos,queatéhoje
setêemfeito.
*
Realisou-se
ultimamente, nagaleriadoSalãodevendas, naAvenida,
umaexposiçãode trabalhosde doisartistasportuguezes: —o pintor
JaymeVerdee o esculptorTeixeiraLopes.O primeiroexpozvinte
e cincoquadros,— paizagens doMinhoe daBretanha, principalmente.
O segundo, alémde tresbustosde creança,emmármore, duasma-
Deramentrada, ha pouco,no museude BellasArtes,de Lisboa,e quettes emgesso(A Victoriae SoaresdosReis),e um estudoparaa
foramjá encorporados na secçãodasantigaslouçasportuguezas, os estatuado infanteD. Henrique.
seguintesspecimens,recolhidosdosespoliosdosextinctosconventos
deVilla Novade Gaia,Porto,e deSantaThereza,Coimbra.Do pri¬ ■K
meiro,tres paresde jarras,de faiança,do typobalaustre,
emvarias Outraexposição.—ARevistade Hoje, queseestápublicando no
dimensões medianas,dasfabricasdo Porto: umpartema marcados Porto,propÕe-se organisarexposiçõesdeArte.
RochaSoares.Um gomil,tambémd’estafabricação, comumamarca A primeirarealisou-se
emabril,no PalaciodeCrystal,e eraconsti¬
curiosae poucovulgar.Dosegundo, um pratogrande,fabricodo se- tuídaunicamente portrabalhos deColumbano BordalloPinheiro.Com-
caloxvm,deencommenda, comumlettreiro.Umamolheiraouterrina punha-se dagrandetéla«Camões invocandoasTagides»;dedezenove
pequena, octaedrica,
branca,compinturaazul,empadrões retiformes, retratosdeescriptores
e artistas,
sendo doisa pastel;deduascabeças
avese folhagens,
etc.Umvasocylindrico,assásgrande, quesesuppõe de estudo;dosquadros«Umtrechodifficil»,«Umgaroto»
serdaantigafabricadoJuncai,revelada porum documento, (Caldasda
cujades¬ Rainha)e «Umpateo»(CaldasdaRainha),e dediversosdesenhos, um
cobertaé recente.
dosquaesrepresentandoumfragmento dotectodotheatrodeD.Maria.
Reservados
todos os direitosde propriedade
litteraria e artística
nheiro para o verdadeiro, ha para a
imitação, para o fingido, — comtanto
que tudo se embelleze.
,ARTE INDUSTRIAL E ha razão para isto. Comprehen-
de-seque o campesinonão sinta gran¬
de falta de arte decorativa,se elle tem
a paizagem, os largos horisontes, as
dos mil cam¬
ESIGNAÇÕES diversas: arte curvas das montanhas, e a festa constante
ornamental, arte util, arte in¬ biantes do céu; mas o pobre cidadão, o habitante de uma
dustrial, ou applicada á indus¬ metade de um andar de um prédio de estreita rua, tem
tria, significam a alliança do de satisfazer as tendênciasestheticas em limitado campo,
bello com o util, da conveniên¬ procura animar o seu meio com o gracioso. E por estas
cia com a arte; designaçõesque razões, a arte decorativa assume actualmenteenorme im¬
todas se comprehendem hoje portância.
na fórmula, arte decorativa,que Nos paizes ricos, nos mais cultos e industriaes, o traba¬
Fragmento
deum bordado,
tapete é a arte applicada ao embelle- lho artistico merece cada vez mais as attenções: que dire¬
deArrayollos. caseira) zamentodos objectosusuaes,da mos do que se passa em Portugal, que paira na crise, na
(Industria
habitação,dos objectos de luxo, lucta do cambio?
não com o fim de fazer a obra de arte, o primor de enge¬ Salvando as barreiras proteccionistas, a arte industrial
nho, o quadro ou a estatua, mas de tornar agradaveis á extrangeira invade-nos a cada momento; os pesados di¬
vista objectos de determinado destino,— moveis, joias, ves¬ reitos aduaneiros não bastam a evitar a entrada dos mais
tuário, etc. insignificantesproductos da arte applicada.Importamos le¬
Segundo uma auctoridade, o termo decorativo applica-se ques ordinários, cartonagens, ceramicas ornamentaes,vi¬
a todas as artes, quando os productos são concebidos e dros, metaes,flores de trapo... um paiz pobre a gastar um
executados com o fim de satisfazer a condições especiaes dinheirão em superfluidades, em quinquelheria de França,
Allemanha, Inglaterra e Áustria. Não creio a questão muito
de utilidade.
Procura-se o artigo extrangeiroporque é bonito,
O decorativo é essencial no espirito humano: selvagens complexa.
de rudimentar civilisação procuram o ornato. de aspecto fino, bem executado. E, em muitos casos, não
o bom, sim o gracioso; recusa-seo pesado e o so¬
Nas famosas grandes civilisações antigas o decorativo foi se quer
in¬ lido, prefere-se o leve, o elegante. E, aqui, a arte continha
sempre cultivado, mas de certo modo de uma maneira
afastada da industria.
completa,como succedetambém entre o povo rude. O povo
do norte de Portugal ornamenta a pessoa, e descuraa casa; Parece que nos falta senso esthetico.
o povo do sul abrilhanta a habitação, e as pessoas usam Nas ruas da baixa, pouco a pouco se têem substituído os
ornatos, as mulheres antigoslagedos dos passeiospor empedradosde pedra miú¬
cores escuras, vestuário com poucos
da, o que é bem feito; na rua Augusta, ornamentaramesse
não ostentam joias.
trabalho com desenhosde um modelo só, e de mau gosto;
Hoje, a gente culta exige o decorativo em tudo, e a civi¬
das pas¬ na rua da Prata, baniram toda a ornamentação: porque
lisação moderna somma todas as ornamentações
não um desenho variado em cada quarteirão, baseado em
sadas epochas. Conhecem-se processos de trabalho nume¬
museus, motivo portuguez? Ao mesmotempo, na Avenida forram os
rosos; as matérias primas domam-se á vontade; os chuvoso, inex-
as exposiçõesostentam modelos em profusão. passeios de betons,incommodos no tempo
o gotaveisde fina poeira no verão: porque não o empedrado
As sciencias chimicas, os mil machinismos modernos,
á portugueza, o grande mosaico, alli, com uma bella orna¬
progresso enorme da archeologia, tudo se combina para da capital estão a encher-se
augmentaro poder da arte decorativa. mentação? As praças e largos
inconscientes e irresponsáveis
as ruas, as praças, as avenidas, alindadas, o de kioskes feios; operários
Queremos das fachadas dos tem¬
mármores, passam á escoda as esculpturas
exterior das casas forra-se de esculpturas, de
tectos, pavimentos, plos... ao mesmo tempo uma invasão extrangeira. con-
de azulejos finos; no interior, paredes, armazéns. nas confeita-
ha di¬ stante, implacável, nas lojas, nos
aformoseam-se; o vestuário elegantisa-se; se não
98 ARTE PORTUGUEZA
rias; uma inundação que chega ao objecto mais barato, O artista da Fonte Nova faz obra de arte, uma n’um dia,
quer dizer—ao fundo da bolsa do pobre. que na loja, ao lado da austríaca,faz menos figura, é menos
Pela Semana Santa, era por essesestabelecimentoscom- decorativae é mais cara.
merciaes um preamar de cartonagens, cestinhos de palha, Casos analogosrepetem-sea cada passo. O que se passa
saccosbordados e pintados, que vieram de França, pagando com a industria do leque, dos brinquedos infantis; com o
direitos enormes, salvando câmbios, tudo, e se vendiam sacco, a sombrinha bordada, e tantas cousas mais, é dolo¬
caríssimos, por tres ou quatro vezes o seu valor. E raras roso. Não se sabe também aproveitar a faculdadeartistica,
vezes, ao lado, quasi escondidas, as modestascanastrinhas a execuçãopacientee fina, da mulher. Por toda a parte, hoje,
das Caldas, na sua simplicidade primitiva, sem um forro se emprega o trabalho feminino na arte decorativa da ce¬
de setim, um ornato, uma applicação,que as transformasse ramica. Em geral, esse trabalho serve até certo ponto: de¬
em objectos de brinde. pois o artista modifica, toca, dá o tom definido, o caracter.
Porque o publico, em toda a parte, naturalmentepro¬ Ha muitos annos que no ensino secundário se compre-
cura o artefactogracioso, o aspectoagradavel, e é para isto hende o desenho, e já decorreram alguns depois da inau¬
que o artista tem de intervir. Indaga-se das razões: o com- guração das escolas industriaes. Francamente, o resultado
merciante,o industrial e o artista não se conhecem,não se não se vê bem; na economia social não se conhece a mí¬
procuram; todos se queixam, ninguémtrata de unir fileiras. nima influencia. Recentemente,temos outro campo de de¬
A fabrica da Fonte Nova, e outras de ceramica, com os monstração do nosso atrazo deplorável.
seus grandes esforços, não conseguembater as louças alle- Os estabelecimentosestão cheios de objectos antonianos
mãs e inglezas; o producto sáe caro; fazem o objecto de origem extrangeira; francezes, allemães e italianos.
unico, isto é, a obra de arte, e não cultivam a arte indus¬ Ha por ahi, nas vidraças das lojas, centos de imagens
trial. Compare-se, por exemplo, a placa de Vienna com a com seus lettreiros em hespanhol, italiano, francez, inglez,
da Fonte Nova: a deVienna é mais bonita, e barata; mas é allemão. A arte indígena manifesta-sepouco e mal. O nosso
de estampilha,—podéra!—pois o industrial de Vienna não industrial foi descobrir pseudo-artistas, o artista não pro¬
quer fazer a obra de arte; o desenhoserviu-lhepara dezenas curou o industrial, e o publico, naturalmente,vae ao mais
de placas; depois, as mulheresda fabrica metteramas côres, gracioso, ao extrangeiro; e o centenáriodo santo portuguez
a que o artista deu uns toques finaes; no trabalho de um levará para terras extranhas, talvez para paiz de herejes,
dia, de um artista e duas mulheres, com o mesmo dese¬ alguns milhares de libras.
nho, e colorido variado, ficaram promptas quarentaplacas. g. PEREIRA.
UM desenhobem simples e genuinamenteportuguez: recordar as desoladas famílias, que deixaram nos lares em
A muleta de pesca, deslisando á superfície das aguas, afervoradaprece,unico amparo que lhes fortifica os ânimos;
desfralda ao vento as ponteagudasvélas e deixa ver a seu a terra, ao longe, avivaa saudade,conduzindo á reminiscên¬
bordo os arrojados tripulantes, ao longe descobre-sea linha cia do passado; e a atmosphera limita o pensamento,não
da terra, e no ultimo plano accumulam-seos tons da atmos- permittindo sondar o espaço indefinido, que a imaginação
phera. intenta traspassar, em poderoso voo.
Quantas idéas, porém, desperta este singelo quadro a D esta multidão de idéas associadas e impressões com-
quem sobre elle attenta! moventes,resulta um amplo quadro, delineadoem um sem
O barco, como assumpto principal, representadono seu numero de motivos, que o tornam complexo e grandioso.
conjuncto pelo casco, leme, mastro, vergas, cabos e vélas, Já o mar, impellido pelo vento, encrespa a superfície;
synthetisaa arte nautica, que arrancou ao engenhohumano montículos de plúmbeas vagas, recortadas por franjas de
um domicilio e um meio de transporteno vasto liquido que branca espuma, balouçam a muleta, que completamente
cobre o globo, assegurando a existência e o isolamento alagam, fustigando ao mesmo tempo os tripulantes, que
d’aquelles que lhe confiam as suas vidas; o mar, elemento ensopam até á medula. O aspecto carregado do céu ate-
magestosoe profundo, repleto de mysterios e tempestades, morisa os pescadores; ouvem o ranger do apparelho, sibi¬
lança no espirito de quem o contempla uma preoccupação lando gemidos que entibiam os ânimos; e, ora fortalecidos
vaga, mistura de receios e encantos, que provoca á medi¬ pela experiencia de longos annos, ora sobresaltados pela
tação; os pescadores,nas suasmelancholicasattitudes,fazem
lembrança das mães, mulheres e filhos, que ficam ao des-
ARTE PORTUGUEZA
amparo, proseguem na dura faina. Entra a vaga com fúria, Vae passadoo mau tempo.
destruindo a borda; rasga-se a véla grande; está o barco A muletacorre novamentedonairosasobre as aguas, em
desmastreado; pesada nuvem despejou em catadupas a demandado porto, e as flores matizam os campos, embal¬
abundante agua que transportava; exgotam á força de samando a alegria dos lares.
braços energicos e possantes Taes são as vicissitudes da existênciados pes¬
o liquido que faz adornar a cadores e da classe que elles representam.
muleta; desenrascam o mas¬
tro e a véla, e aguardam sere¬
namenteo destino que a pro¬
videncia divina lhes reserva.
Mas já descobre o céu ve¬ Entre os variados typos de embarcações por-
lho, tinto de azul escuro, ve¬ tuguezas, possue certamente um original sabor
lado, cm grande parte, pelos artísticoa muletausada pelos pescadoresdo Seixal
vapores esbranquiçados que e do Barreiro, para o lançamentoda muito antiga
correm suspensos no ar. Um rede de arrastar a reboque pelo fundo, denomi¬
primeiro raio do sol, e, em nada tartaranha.
seguida, todo o feixe lumi¬ A muleta tem o fundo largo e chato; a proa,
noso, bate em cheio no mara¬ excessivamenteboleada, remata em arrufado be-
vilhoso quadro, illuminandoos que; a popa, muito inclinada, recua em cima; ca¬
tons, aquecendo as côres, e racterísticosestes que, juntos ao grande amassa-
dando vida e alento aos tri¬ mento dos flancos, dão ao cascoo aspectode uma
pulantes. O vento amainou; tosca naveta normanda do século xin.
a ondulação vae diminuindo O apparelho da muleta compõe-sede um mas¬
pouco a pouco de amplitude; tro, muito inclinado para vante, onde iça a verga
os pescadoressacodemos en¬ de uma véla grande triangular, latina, e de dois
charcados fatos, e preparam compridos paus, denominados batelós, deitados
o mastro e o panno. Já ver¬ pela proa e pela popa, que servem para amurar e
dejaa collina e rescendeo per¬ caçar as outras vélas, e, ao mesmo tempo, para
fume da vegetação^marginal; nas extremidadesamarrarem os cabos que segu¬
as mães riem para os filhos, ram a rede, quando esta funcciona. A ré, caça no
que fazem saltar nos braços, extremodo batelósum triângulo, que iça na penna
e os pobres operários do mar da véla grande, denominadovarredoura de cima,
sentemnova vida invadir-lhes e, por baixo, outro, a varredoura de baixo; e em
o endurecido organismo. estaes que vão da cabeça do mastro para a roda
de proa e para o batelósde vante, içam umas seis
a sete pequenasvélas, chamadastoldos, muletins.
varredoura e cozinheira, que, segundo o seu nu¬
mero, compensamo eífeito das vélasde ré, quando
a embarcação se mantem atravessada,durante a
pesca.
As muletas largam a rede proximo da emboc-
cadura do Tejo, no começo da enchente,e, ma¬
reando o panno, vão caindo ao longo da costa da
Trafaria e margem do sul, montando o pontal de
Cacilhas e continuando a derivar pelo Mar da
Palha, até terem completado o lance, recolhendo
então a rede, e apanhando o peixe que vem no
sacco.Outras vezes,arrastamfóra da barra, desde
o largo até á enseadade Entre Cabos. Este typo
de embarcaçõesvae acabando, a ponto de actual-
mente existirem apenas duas. Tem sido substi¬
tuído pelos modernos bateis, que pescam pelo
mesmo systema. No museu de archeologia naval
de Paris, ha um modelo reduzido da nossamuleta,
que o ministério da marinha offereceuáquelle es¬
tabelecimento;e mais dois outros modelos figuram
nas collecções da escola naval, e do museu marí¬
timo da escola industrial Pedro Nunes, de Faro.
A rede tartaranha, empregada pela muleta,
consta de um sacco com malha muito miuda,
alargando para o lado da bócca,onde ligam duas
bandas de rede, muito compridas e estreitas,na
extremidade das quaes amarram os cabos que
sustentam o apparelho dentro de agua, e que re¬
cebem o nome de alares.
IOO ARTE PORTUGUEZA
Mcineira- ciear
cl esparre/ta..
O sacco tem duas costuras convergentes,prendendo a notáveldas artes de arrastar, sendo em Portugal unicamente
face de cima á de baixo, formando uma gargantaafunilada empregadapelos pescadores do Seixal e do Barreiro.
e dois cantos triangulares, denominados beliches, onde o Imagine-seestephantasmacolossal, com o enormeventre
peixe se accumula sem poder sair, na occasião de suspen¬ dilatado,a bôcca escancarada,os braços estendidos,moven¬
der a rede. A tartaranha constitue uma variedade muito do-se no abysmo oceânico, engulindo milhares de seres dif-
ARTE PORTUGUEZA ioi
ferentes,e esmagando, com o pesado corpo, tudo que en¬ A muleta de pesca, pela sua fórma exquisita e pittores-
contra na sua devastadora digressão pelo fundo. ca, e pelo gosto artístico que revela, tem sido representada
A acção destruidora d’este gigantesco engenho do mal em modelos, desenhos, gravuras e aguarellas, merecendo
exerce-sesobre a vegetação submarina-,sobre os ovulos e a predilecção de muitos admiradores da sua belleza, entre
germens das mais preciosas especies, que nas plantas os quaes se contam o finado Rei D. Luiz, El-Rei D. Car¬
encontram auxilio para o seu desenvolvimento embryo- los, o almirante Páris, Pedroso, Pinto Basto, Camacho,
nario; sobre a fauna e flora, que servem de alimento ás Vaz, Casanova, o auctor d‘estas linhas, e o sr. R. Mon-
especies novas e adultas; e sobre a própria colheita, que, leon, de quem são os bellos desenhosque acompanhameste
na maior parte, fica inútil para qualquer applicaçãoprovei¬ artigo, e que representamas mais minuciosas particularida¬
tosa. des do casco, apparelho, velame e accessorios,da muleta.
O damno causado por estas redes, tem dado logar á pro¬ Que bellas applicaçõesse podemfazer da muletade pesca
mulgação de diversas medidas repressivas do seu exercicio, na ourivesaria,na ceramica,na tapeçaria, e em muitas ou¬
desde 9 de abril de i6i5, data do primeiro alvará que as tras artes uteis e decorativas!
larreiro
dições marítimas, perpetuadasem poemas sublimes e mo¬ gueza nao póde desenvolver-sesem conseguir este deside-
numentos grandiosos, que é forçoso reunir, e methodisar ratum.
em formulas praticas, os elementossimples e as concépções
16de marçode 1895.
Campolide,
geraes, que devem orientar o nosso gosto artístico na com¬
posição dos productos da industria nacional. A arte portu- a. a. BALDAQUE DA SILVA.
JLRTE MODERNA
EXPOSIÇÃO TECHNICA —CONGRESSODE PINTURA
IGURAVAM quadros em diversas ex- dos mestres das grandes escolas do passado, tentandores¬
0 posições recentes, os quaes, apesar de tabelecer mais de um processo esquecido, ou systematica-
modernos, apresentavamjá inequivocos mente abandonado. Por outro lado, os néo-gregos, tinham
signaes de prematura decadência;e a maio¬ de ceder o terreno aos noros-classicos,a cuja frente cam¬
ria dos artistas, pouco dispostos a concordar pava Ingres, o raphaelita, e que constituíam desde logo a
que lhes cabe, a esse respeito, uma tal ou phalange dos desenhistas,arvorando por pendão o idealis¬
qual responsabilidade, mercê da pouca im¬ mo ao modo de Raphael. Mantinha a nova seita, na execu¬
portância que algunsd’ellesconcedemás exi¬ ção dos seus quadros, muitos dos erros technicos de seus
gências technicas da sua profissão, erguiam predecessores. Tudo pelo desenho — era o seu lemma.
ainda ha pouco, em Paris, clamor quasiuni- Predominava o contorno, — idealisado, se entende,— e,
sono, pedindo providencias aos poderes pú¬ posto que a technica, graças á influencia dos antigos mes¬
blicos, e indicando como causa principal de tres, tivesse melhorado sensivelmente,produzia ella ainda
tão deploráveisfactos, a pouco conscienciosafabricação das mais de uma obra incolor; colorido terroso da pintura;
tintas, e de outros artigos para uso do pintor. aspecto corneo das superfícies; composições arranjadas
Para que possamos avaliar devidamenteaté que ponto com apparato artificial; os eternos grupos de ensaiador, a
sejam fundadas tão imperiosas reclamações,vamos percor¬ inevitável pyramide, — confusão de pernas e braços sem
rer de relance, com a vista, os tramites principaes da evo¬ dono, verdadeira salada humana; roupagens em demasia
lução por que têem passado, durante o presente século, os systematicas, e metallicas na contextura; carnes polidas,
processos da pintura a oleo. frias, e apresentando o aspecto do marfim velho.
A cruzada do Romantismo, que coincidiu, em França, Nas fileiras dos românticos,vinham encorporar-seospseu¬
com a-revolução de i 83o, vinha encontrar já de todo gas¬ do-coloristas; e, como, a esse tempo, a França disputasse
tos os princípios em que se firmava a escola de David. A já, com decidida vantagem, á Italia, a primazia em artes.
multidão principiava a aborrecer-se da rhetorica psendo- Paris, que afinal principiava a ser o centro artístico do mun¬
classica, e virava as costas, já cansada de assistir ao des¬ do, via affluir, solícitos, a buscar o seu ensino, estudantes
filar d’esse incessantee theatral cortejo de gregos e roma¬ vindos dos paizes mais longínquos.
nos, vistos atravez do prisma das convençõesda impolada Defendia cada seita com denodado ardor seus princípios
tragédia á moda do Império. O gosto publico, portanto, e os respectivos processos technicos. Auxiliava-os podero¬
mais favoravelmente disposto a acceitar quaesqueroutras samentea critica; e a sciencia, interessando-setambém na
formulas de arte, comtanto que mais humanas fossem, lucta, em breve veiu pôr á disposição dos artistas conside¬
interessava-setambém muito mais na lucta que vinham ráveis elementosde progresso technico.
travando entre si os diversos grupos em que se repartiam Lograram, porém, os românticos, passado algum tempo,
os pintores da epocha. Preferiam os românticos pedir ins¬ levar de vencida seus contrários; a technica, comtudo, no
pirações á Edade-media e á Renascença, seguindode perto que dizia respeito á grande arte, estacionou, por assim di¬
a corrente de investigaçõeshistóricas, á qual se entregára, zer, durante alguns annos, transviando-se até em maneiris¬
com tamanho enthusiasmo,a litteratura; e, mercê de taes mos. No emtanto, entre os efficazeselementos extrangeiros
propensões, dirigiam também sua attençãopara a technica que vieram actuar poderosamentena evolução do Roman-
ARTE PORTUGUEZA io3
tismo, predominava um, —a paizagem,— o qual estava pintura de genero, e, logo no fim do primeiro certamen,
destinado a operar na escola franceza completa transfor¬ retiravamcobertosde loiros Knaus, Deffreger e outros mes¬
mação. tres da escolatudesca.Paravam, estupefactos,os francezes,
O grande paizagista inglez Constable e o notável grupo peranteo simplismovoluntário dos audaciosospreraphaeli-
de sinceros pintores naturalistas seus compatriotas,por um tas inglezes, cujo ascetismoarchaico, de continuo oscillante
lado; do outro lado, Diday, Calame, os mestres da es¬ entre o sublime e o ridículo, os artistas, perplexos, con¬
cola suissa, que vinham substituir ao frio convencionalismo templavam, hesitando se haviam de rir, se admirar. A ir¬
da paizagem classica as suas interpretaçõespittorescas da mandade preraphaelita, acaudilhada por Dante Rossetti,
natureza,— em breve patentearamao espirito critico, fino Hollman Hunt e Millais, vinha attestar que o pintor, con¬
e tão assimilador, dos francezes, a flagrantecontradicçãoque tendo-se dentro dos estreitos limites dos mais singelos e
existiaentre aquelles quadros das duas escolasextrangeiras, primitivos preceitos da sua arte, servindo-se dos recursos
—tão sinceros e tão directamenteinspirados da natureza, profissionaes mais simples, conseguia, no emtanto, inter¬
e tão diversos, comtudo, no modo de interpretação,— e as pretar a natureza com rara elevação de estylo. Verdadei¬
convençõesacadêmicas e rotinas de ofíicina, dos pintores ros mestres, alguns, desdenhavamtoda a especiede artifí¬
figuristas da escola franceza. cios, não violentavamem caso algum a relação mutua dos
Foi este, sem duvida alguma, o mais vigoroso bote,-a planos, evitavam escrupulosamenteo claro-escuro de ca-
mais perfurante estocada,que, até áquella data, havia apa¬ mara óptica, fugindo das habilidades de prestimano e da
nhado o academismo classicista. commoda esgrima do toque.Affirmava ainda por cima a es¬
cola ingleza, —e foi isso talvez o seu principal contingente
ÃO é demasiadamenteinventivo o genio fran- para o progresso da moderna pintura,— que os seres da
A cez; está, porém, na indole d’aquelle povo, nossa especienão precisavam,para serem reproduzidos em
iB raciocinador, e subtil quanto perspicaz,encon- pintura, sacar dos bahús do bisavô o gibão, as trussas, a
Hf W trar, desde logo, o melhor modo de aproveitar casaca de peneiras, ou pedir emprestado ao guarda-roupa
■
qualquer boa invenção, aperfeiçoal-adesde do theatro — o elmo, o arnez de lhama e os ouropéis e
o começo, e achar-lhe applicações impre¬ lantejoulas.Foi de então para cá, que os pintores entraram
vistas. N este terreno, ninguém lhe ganha.Em breve espaço a procurar assumptosnas scenas do viver hodierno.
Efficacissimaslições e raro contingentepara o aperfeiçoa¬
de tempo, a escola de Fontainebleau, assimilando os me-
thodos dos paizagistas inglezes e suissos, conquistava su¬ mento do officio ministrava também a aguarella, com suas
premaciaincondicional, e, optimamentepreparadaa França, entoaçõeslímpidas e degradaçõesde tons finos e luminosos.
já mediante o solido ensino do seu desenho, já pelas admi¬ Successivamente,e á medida que se realisavam outras
ráveis e puras tradições da sua esculptura, d’essa grande exposições, revelava-se a nova escola hespanhola, com a
— e, á
escola de estatuaria do século xv, que sustenta,sem pejo, singular espontaneidadee o vigor da sua pintura
confronto com os primores e maravilhas da Renascençaita¬ testa d’ella, Rosales, Madrazo, e Fortuny, o luzeiro dos
liana, — surgiu, e, pouco a pouco, veiu tomando corpo, o modernos coloristas.
realismo, e, com elle, a escola dos paizagistas de Barbizon, A escolahespanholae a italiana lograram também intro¬
d’esse grupo de grandes quanto inspirados mestres, cuja duzir alguns elementos de colorido na pintura franceza\
e os francezes, assimilando com presteza e habilidade ra¬
intuição superior lhe continha em respeito as demasias.
Não são por fôrma alguma extranhos ao progresso da ras os tão variados contingentes de progresso, fundiram
definitivamenteassentaram,a technicamo¬
pintura dois factores poderosos, os quaes, por essaepocha, na sua escola, e
finalmente,a escola franceza impôr-se a
patentearam novos horisontes á composição artística dos derna. Conseguiu,
e a França, graças aos seus perfeitos e li¬
assumptos:— os inventos successivos de Daguerre e de todas as outras;
sua influencia
Talbot. O daguerreotypo e a photographia concorreram,e beralíssimos methodos de ensino, estendeua
não pouco, para o decisivo progresso da moderna techni- artistica pelo mundo todo. A absorpção
encontrou, aliás,
a Inglaterra, podendo
ca: revelaram ao pintor a scienciados valoresdo tom, e en¬ poucas resistências. Exceptuou-se
duas escolas, apenas, se mantêem
sinaram-lhe a ver de modo justo o vulto, subordinado ao affirmar-se que, hoje,
— a franceza e a ingleza. A primeira, com¬
ambiente da luz diffusa, independentementede quaesquef frente a frente:
mais completa, tende a absorver lentamente a
artifícios de claro-escuro. Esta cabal transformação do es¬ tudo, por
como acontece sempre nas invasões dos
tudo da perspectiva aerea; esta sciencia,—porque o é, sem segunda; porém,
adopta involuntariamenteo que con¬
duvida,— foi a que, mais tarde, de si veiu a dar a escola povos conquistadores,
do ar livre. quista—uma grande parte das idéas e dos costumes do
Inaugurava o anno de i 855 as grandes exposiçõesinter- conquistado.
nacionaesde pintura; e, de então para cá, o principio da A Italia, tendo aliás abjurado, sem reservas, antigos con¬
vencionalismos,e adoptado francamenteos princípios da
internacionalidadena arte creou raizes: repetiram-se, e re¬
afrancezou, comtudo, mais lentamente.
petem-seainda, estas sumptuosas festividades do talento. moderna pintura,
italianos conservamainda certo cunho proprio.
Reunindo, temporariamente, em centro commum, tra¬ Os quadros
balhos de pintores vindos de paizes ás vezes bem longín¬ Permanece a maioria dos pintores austro-hungarosainda
ao Rubenismode Mackart, e singularisa-se a arte
quos e desviados da grande metropole da arte, tornaram-se aferrada
ellas fertilíssimas em revelações do máximo interesse.Vie¬ hespanhola, que, apesar de moderníssima, conserva parte
tradicionaes que lhe são próprias. A
ram manifestando engenhosissimas resoluções de proble¬ das superioridades
não se deixa, aliás, absor¬
mas technicos; maneiras pessoaes de alguns artistas ex- forte nacionalidadehespanhola
ver facilmente.
trangeiros, até então quasi ignorados alem das fronteiras
de seus paizes, e cuja fama era agora sanccionadaem Pa¬ # #
ris, cidade que monopolisava, ha pouco ainda, o privilegio
A superioridade do moderno processo de pintar consiste
de impor o cunho ás reputações artísticas. Os allemaes.vi¬
na sua extrema singeleza. Condemna o actual
nham mostrar aos povos latinos o que era a verdadeira exactamente
104 ARTE PORTUGUEZA
ensino artifícios inúteis e artimanhas de officio: — segredos opaca, e as tintas, excessivamentemoduladas e com predo¬
de algibeira. Desdenha quaesquerostentaçõesde pueril vir¬ mínio dos tons grisalhos, — binários e ternários, em cuja
tuosidade. composição entrapreto, —veem, por fim de tempos, a des-
O seu segredo reduz-se a reproduzir sinceramentea na¬ cahir, e a harmonia do quadro assume aspecto pardacento.
tureza, sejam quaes forem os seus aspectos, sem jámais Digamos também, de passagem, que a pintura exclusiva-
lhe vestir falsas galas. Arredando velhas preoccupaçÕesde mente opaca envolve inconveniente,que poderosamentein-
estjlismo, conseguiram os francezes transportar para a pin¬ flue na alteração e nos estragos dos quadros. Estes seccam
tura os methodos racionaes e analyticos do seu desenho. hoje, apparentemente,mais depressa, porque o pigmento
Copiam o tom exacto de qualquer objecto, graduando ri¬ opaco é, de sua natureza,mais seccanteque o transparente;
gorosamenteas modulações dos seus valores pelas succes- comtudo, a absorpção dos oleos pelas camadas inferiores
sivas e multíplices modificações que a perspectiva aerea e pelo apparelho é ainda lenta, e a maioria dos pintores,
imprime aos planos, empregando rigor idêntico áquelle já por impaciência, já per necessidadede adeantaremseus
com que o esculptor accusa os mínimos incidentes da fôr¬ trabalhos, muitas vezes repintam sem dar ás camadas so¬
ma no relevo das superfícies. brepostastempo de enxugarem completamente.
O ideal do processo é ser effectuado de uma vez, em O processo moderno não satisfaz cabalmente as aspi¬
plena tinta, realisando o pintor a juxtaposiçao dos planos, rações dos coloristas. Muitos artistas de talento ha tam¬
sem cansar a pintura. Com tal intuito, e também para su¬ bém, cuja indole espontânea prefere naturalmente metho¬
bordinar o acabamentoá distancia da visão perspectivica, dos mais syntheticos e expeditos, baseados na magia das
preferem os pintores, —nos casos compatíveis,— aos pin¬ opposiçõese contrastes das cores. Outros, com ideaesmais
céis, a brocha de cabo comprido do decorador, e pintam elevados e transcendentes, não se resignam a ver unica¬
sem apoiar a mão no tento, para disporem de mais liber¬ mente na mera reproducção material, exacta,photogi'aphi-
dade de acção. ca, por assim dizer, do aspecto exterior das coisas, um fim,
Similhantes methodos, sem duvida mais racionaese pra- mas unicamenteum meio.
cticos que os antigos, apresentam, comtudo, sob o ponto
de vista technico, alguns contras. A pintura, demasiado P. S.
(Continua)
FERRAGENS
OMEÇA, manhãsinha cedo, o la¬ a safra, e toca a malhar, e logo sôa por toda aquella redon¬
butar do ferreiro! Féro martellador deza o tim-tim despertador.
chamuscado, agitando-serijamente Elle lida com o ferro, o fogo e a agua. E elle que faz e
entre a forja e a safra, na officina concerta os instrumentos do trabalho — o dente e a garra
negra cortada de chispas, de cla¬ que augmentam o poder do homem, e preparam a terra
rões de labaredas, é elle que dá a para dar o pão. Por isto nas velhas mythologias, nas pro¬
nota alegre na aldeia. fundas, mysteriosas lendas do povo, o primeiro ferreiro, o é
Ha musicas do campo que são
um encanto; afinam com a paizagem: na larga pastagem
verde-dourada o som grave dos chocalhos da boiada, ou a
fina sonoridade das esquilas do rebanho de ovelhas; a
chiada lamentosa do carro vagarosopor entre os pinhaes,
o zumbido do moinho de vento; a cantilena da nora, sob
as nogueiras, na horta. Sobresáem dois sons:—o sino da
freguezia, que marca o tempo e a oração, e o tim-tim do
ferreiro, que proclama o trabalho.
Vae uma pessoa pelos campos, serra ou charneca, fati¬
gado da caminhada, e ouve de súbito 0 tim-tim do ferreiro.
E uma alegria:—está perto o povoado. Mais um bocado,
e surge a torre da igreja e o fumo da chaminé da officina.
Dorme-se na casa hospitaleiraou em pobre quarto de es¬
talagem, e, ao despertar, soa o tim-tim do ferreiro, alegre,
rijo. E madrugada ainda, muito antes do sino tocar as ave¬
ntarias, pelo postigo da janella mal se divisa a facha branca
da manhãsinha,e já se ouve o tim-tim do mestre ferreiro,
eterno madrugador. Brazeira
deferro
forjado,
pertencente
aoMuseu
Nacional
deBellas-Artcs
Pois se é elle que concerta a ferramentado trabalho, e o
trabalho começaao nascer do sol! O cavador pôde precisar primeiro homem que inventouo martellar no ferro, apparece
da enxada ou da sachola, e busca o ferreiro antes de co¬ com aspecto raro, é um forte, um luetador, que vive nas
meçar a jorna. Para estar ao nascer do sol na arranca do cavernasentre fragores e fulgores, que rasga o seio da mon¬
matto, ou na cava da courella, larga a enxergaainda com tanha, e que atira o malho de um a outro cabeço, salvando
estrellasno céu, e vae ao ferreiro, ao extremo do povoado; o valle: Vulcano, Cyclopes, Tubalcaim, os deuses trabalha¬
e o mestre, n’um credo, põe o ferro em brasa, e gira para dores do metal, os domadores do ferro.
ARTE PORTUGUEZA io5
Ji ACADEMIA DO NU
depag.5y)
(Continuado
a
VEQUENAS NOTAS original. almirante mandou desapertaras vélas dirigiu-
e
se directamentepara ponto em que os seus haviam des¬
o
embarcado.
Não tardou que avistasse muitos cavalleiros, desmon¬
A CAPELLA DE SANTA MARIA, NOS AÇORES tando, entrando armados numa chalupa dirigindo-se
O á
caravella, no intuito de se apossarem da pessoa delle.
capitão em pé, no seu barco, requereu de Colombo garan¬
EPOIS das horrorosas tempestadesde tias de segurançapessoal; esterespondeu affirmativamente,
fevereiro, em regresso da sua primeira interrogando-o dos motivos por que não se achavana cara¬
viagem,—aos 16 do mez— os marinhei¬ vella nenhum dos seus homens. Acrescentou, solicito, que
ros de Colombo, extenuadosde comba¬ se approximasse; seu fim era tomal-o ás mãos
e,
com
o
ter as ondas, que subiam ao ar, abrindo elle, em refens, recobrar sua gente.Mas salvo-conducto?
o
o seio aos raios—-, proximo da hora re¬ Certamente que portuguez fora primeiro violar pa¬
a
ligiosa das trindades, avistaram ao longe lavra dada, faltando aos compromissos de paz segurança
e
uma luz, porventura em terras, que na que estabelecêra.
vespera tinham distinguido. capitão estava de má fé: não quiz entrar. Mas discuti¬
O
Era Santa Maria, a primeira ilha dos Açores. ram ambos, acrimoniosamente,com más palavras para com
A 18, costearam-n’aos navios que o temporal não lográra os soberanos um do outro. Colombo partiu para S. Mi¬
E
separar. Gente de terra, que numa chalupa se apparelhou guel. — Mas, dois dias depois, de regresso Santa Maria,
a
a reconhecer os recemvindos, informou-os de que jamais pôde obter os seus companheiros, uma vez mostradas as
tão bravo desencadeamentode procella fora terror daquel- suas patentes as cartas de credito dos Reis Catholicos.
e
les oceanos.Colombo ripostou-lhes que descobriraas índias na volta dos prisioneiros, soube que havia ordem formal
E,
em serviço do Redemptor do mundo e dos senhores Reis de reteremna ilha: assim era vontade de el-rei D. João II.
o
de Castella e de Aragão, significando-lhesque, apesar das
é,
Tal muito em sombra, abreviado epitome de um dos
o
cerraçõesda tempestade,fora para elle ponto assenteachar- capítulos que liga historia dos descobrimentospeninsulares
á
se entre as ilhas, que compunham o grupo dos Açores. a curiosa ermida, que nossa estampa representa', que
é
João de Castanheda, o capitão mór da ilha, enviou para mais um exemplardo t}'po das pequenas capellas minhotas
bordo refrescos e pão; e, sem apresentar-seem visita ao asturianas,da meia-idade, com seu alpendre caracterís¬
e
o
almirante, fez communicar-lhe o testemunhode que dese¬ tico. Pelas circumstancias da sua fundação, ella mais ou
já
java tratal-o pessoalmente. menos havia compartilhadodessagloria; se não, ver que
e,
é
no testamentodo infanteD. Hen¬
rique, entre grupo das edifica¬
o
ções piedosas,por elle alevantadas
na Madeira nos Açores, vem ex¬
e
pressamente designada «igreja
a
de Santa Maria na ilha de Santa
2
Maria ».
Para ali, tem estadono esqueci¬
mento pitoresca ermida, apenas
a
o a
pedir, photographada, durante
período das festas do centenário
Entre os pavores da tormenta, fora consagrado o voto do descobrimento da America.
da tripulação
ir,
de invocação de Santa Maria, que encontrasse em sitio sciencia portugueza, encarregou-se,como eminentephoto-
de paragem. almirante, sabida existência de templo
O
nessas condições, resolveu que metade da equipagem se trado da Confederação americana.Mal diría meu illustre
o
pois que entre Cas¬ amigo, ao enviar-me um dos exemplares da sua primoro-
tella Portugal não houvera quebrantamentode paz, du¬
a e
rante sua ausência,requereuum padre que viesse bordo corrido, sob alpendre, cuja estampa elle me presenteava,
a
CivicadeGênova,decujaColombina ficou
á
doinfanteD. Hen¬
O
fantefôraantespublicadona Conferencia
sobrea escola
deSagres,do
cilada, que lhe coarctára liberdade segurança, ou
a
e
a
e
ARTE PORTUGUEZA 109
baldados os esforços para penetrar no templo, havia eu de dias manuelinas,que o vandalismomunicipal immolou, nos
escrever as estrophes, que para aqui traslado, das minhas seus altares,á radiação e abertura de novas ruas espalhafa¬
notas de viagem, como um documento da impressão que tosas; e, como documentamos typos architetonicos,nella
me causou o grandioso espectáculo da natureza vulcanica representados,a sua construcçãoadianta-se,pelo menos, ao
da ilha: meado do séculoxvi; porventura se aproveitaramnella ele¬
Manhanlimpida,abertaaosol vivificante, mentosde mais antigafabrica, attentoas ordensque a com¬
Que incendeia,
acordando,a rutilapupilla:
põem.
— Umarochaescarpada ergue-se aoar.Tranquilla,
Salmeiaa vozdo Oceano,agrilhoado Formosas tradiçõesse ligam a estacuriosissimajanella:—
atlante.
uma, recentissima,a de haver pertencido aos hypotheticos
Umadoçuraestranha, umaharmoniavaga, paços reaes, em que Arnaldo Gama estabeleceuo nasci¬
Contrastesingulardo trágicomomento, mento do Infante; outra, até nós conduzida pelo testemu¬
Em queo Pico surgiu,extraordinária
adaga, nho popular, a de ter sido a cathedradonde o Leal Senado
Rompendo o flancoaomar,numímpetoviolento!
da capital do norte procedeu á acclamaçãode D. João IV,
Então,da Naturezao torvocataclismo depois dos successosdo i.° de dezembro de,1640.
Explodia,ululando,emtabidascrateras, Não é licito inquirir documentosou professar investiga¬
Comoum fulvoleão,rugindoo paroxismo, ções, para achar base a desmentimentosa quem procure
Ao pávidoclamordeum circulodeferas. approximar do infante D. Henrique e da sua epocha a ja¬
nella hoje reerguida em Avelleda. Basta attentar na traça
Que santaplacidez,agora!Solitário,
O poetaentrevê,na suaingênuacrença, da sua edificação,pondo de lado as provas justificativas da
A sombrado quefoi o Dantevisionário, não existênciade paços reaes no Porto, ao tempo do casa¬
EncontrandoBeatriz,nasruasde Florença... mento de D. João I e nos annos immediatos. Num folhetim
de curiosidadesdo sr. Joaquim de Vasconcellos, que cum¬
pre ler, para a historia da Casa do Infante, accentua-se,pela
II primeira vez, no assumpto, o seguinte trecho da Historia
seraphicados frades menoresde S. Francisco de Portugal,
UMA JANELLA MANUELINA
por fr. Manuel da Esperança, trecho escapo ao trabalho,
tão lúcido e tão suggestivo,do meu illustre amigo, sr. Conde
Do mesmo modo que, durante o Jubileo Colombino, ne¬ de Villa Franca 1:
nhuma das illustrações ad hoc avocou ás suas columnas a «Estimavamtanto este convento (S. Francisco) os reis,
vetusta capella, a Santa Maria erguida, naquella diminuta assim por casa real, como pela fama de sua religião, que,
ilha do atlantico,—assim a festa do infante D. Henrique, não tendo casas grandes no nossotempoantigo, nem apo¬
cujos últimos échos estamos sentindo, ainda, no appareci- sentoscaparesda sua soberania, nesses pobres, que acha¬
mento do livro do sr. Raimond Breazley 1, deixou de archi- vam, se recolhiammais contentesquandovinham á cidade*
var a estampade uma das lin¬ do que emoutros maiores.Fa¬
das recordações que tal cer- zemos menção sómentede el-
tamen acordava. A esbelta e rei D. João I, por ser o casa
senhoril janella dos paços em mais digno desta lembrança.
Estava determinadoque nesta
que viu a lu\ do dia o mais
duro, ambicioso e systema- mesmacidade celebrassesuas
tico dos «altos infantes da in- bodascoma rainhaD. Filippa;
e, tendo ella já vindo da ilha
clytageração»,ficou no nimbo
das citações apenas, que nem de Inglaterra, donde era natu¬
ral, aqui na nossa igreja, á
um unico visitante solicitou
sombra de S. Francisco, na¬
permissão de vêl-a, nem um
só dos nossos artistas levou o quella tarde, em que veiu de
Coimbra, o esteveesperando.
ousío a tentar o estudo dos
Passadas as suas primeiras
pormenores da sua struetura.
vistas, a rainha se recolheu
Apparece apenas estampada,
para as casasdos bispos,onde
agora, a vez primeira, na Arte
estavapousada: o reificou com
Portuguesa, com motivo desta
osfrades, e da sua companhia
noticia fugidia. Salva do ca-
se foi receber com ella, para
martellodestruidor, inevitável,
grande felicidade e gloria da
acha-se, gentilmente, assente
reino de Portugal. Por estaoc-
sobre um pequeno lago da
casião, tomaramtanto amor a
Quinta de Avelleda, subúrbios estesantoconvento,que,quan¬
de Penafiel. Para ali a tras¬
do fallavamnelle, um e outro,
ladou Manuel Pedro Guedes,
lhe chamavama minha casa
distincto cavalheiro,patrício e
do S. Francisco do Porto.»
amigo de quem estas linhas
firma, e que a nosso pedido a 1D. João1e a Allicmça
Inglesa,
fez photographar. Pertencia a peloCondedeVillaFranca— Coim¬
uma das característicasmora- bra,Imp.daUniversidade, in
1884,
8.°É doslivrosmaisinteressantes
1 Prince Henry the navigator, quenosúltimosannosvirama luz,
heroeof Portugalandmodemdis- emlinguaportugueza.
covery.London,1895.
I Io ARTE PORTUGUEZA
Aos testemunhosreunidos n’esse laborioso escrito cum¬ notáveis, —se não a mais notável,— é a celebre cru\ de
pre acrescentaro de Cândido José Freire, que, apesar de D. Sandio, que era do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,
rhetorico e emphatico, foi sempre tido por homem de ver¬ e hoje está no gabinete numismático e de antiguidades do
dade. O famoso Cândido Lusitano residiu no Porto, durante palacio da Ajuda.
largo espaço, numa epocha cem annos mais vizinha dos São também de mui velha data as duas chapas lateraes,
successos a que nos reportamos, e, escrevendodo Infante, em estylo bysantino, de um relicário de prata dourada,
nem uma palavra consagra ás habitações reaes, divulgadas feito de peças de diversas epochas e estylos, e pertencente
por Arnaldo Gama. ao riquíssimo thesouro da sé de Coimbra. Uma, representa
Não é, porém, intento nosso entrar na discussão deste S. Pedro; outra, S. Paulo. Reproduzimol-as adeante.
quesito; o que nos importa, sim, é accentuarque, houvesse
ou não houvesse no Porto um paço real, donde o Infante
sahisseou não, para as ceremoniasdo baptismo, como pre¬
tendeu o auctor da Ultima Dona de San Nicolau, nunca
a janella, de que nos vimos occupando, poderia pertencer
a esse edifício, senão como um accrescentamento,realisado
mais de dois séculos depois.
Gênova,abril,1895. Joaquimde ARAÚJO.
CÁLICES ‘BYSANTINOS
DO
MUSEU NACIONAL
fl.
,
ARTE PORTUGUEZA
MEFECITIN ONOREM Sei MlCHAELISE MCLXXXX—,IlSo Se deve no gosto dos velhos esmaltes de Limoges, mais frequen¬
concluir que Geda Menendiz fosse o ourives: póde ter sido tes do que se suppõe, nos antigos mosteiros e cathedraes,
antes o doador, como se vê da seguintelegenda na patena e por vezes mencionadosem documentos portuguezes dos
de um calix do século xvi, que era do mosteiro de Arouca mais vetustos, com o nome de alemoges.
e pertence hoje á Misericórdia do Porto:— Ad laudemDei Comquanto estes reparos tornem menos plausível a con¬
Milícia abatisa mefecit. jectura de Filippe Simões, é bem possível que sejam por¬
Notarei ainda que no interessante folheto Exposições de tuguezes os tres velhos cálices que hoje reproduzimos, e
arte ornamental, da collecção intitulada Estudos eborenses, que pertencem, como disse, á valiosa secção de ourivesaria
escrevendo ácerca do calix chamadode S. Geraldo, diz o do nosso esquecido, mas interessante,Museu Nacional.
nosso director litterario que não sabe se esse notável obje-
cto de arte poderá ter-se como portuguez,por ser esmaltado José PESSANHA.
A John Buli, a chalaça ficou-lhe lá dentro a roer*,não se tadores e de copistas, atrophiando-lheas faculdadesinven¬
esqueceue amolou; foi sorvendo o seu groge resmungando: tivas, incutindo-lhe involuntariamente a convicção de que
— «Ha, hal Johnny crapaud, vizinho e amigo, achasque tudo estavajá feito, de que as velhas formulas serviam para
cheira a cerveja? Pois deixa estar que, mais tarde, talvez tudo, e de que a minima tentativa de manifestaçãoorigi¬
te cheire ainda a esturro!» — nal representavaum feio attentado contra os cânones.
E, de facto, o teimoso insular, devolvidosuns trinta annos, Do fetichismopelo antigo, imperfeitamenteestudadoeste,
não só reduzira já a menos de metade a sua importação sem discernimentoe sem escolha, — mercêtambém do es¬
de artefactos francezes, como também conseguia invadir a tado por ora cahoticodos melhores museus e collecções,—
França com outro tanto em productos proprios. resultou essa constante abundancia de fôrmas incongruen¬
O cervejeiro da vespera não tinha perdido o seu tempo. tes, essa continua adopção de typos inadaptaveis ás exi¬
Factos de tamanha gravidade, e que hoje preoccupam gênciase aosusos, tão especiaes,do viver da nossa epocha;
deveras a opinião sensataem França, foram, porém, desde essa confusão de estylos que dão á casa moderna, —em
o seu começo previstos, com rara perspicácia, por um sabio, que actor e scenario estão em absoluto desaccordo,— as¬
um antiquário distincto:—o conde de Laborde. Este, que, a pecto tão extravagantee irrisorio.
datar da exposição de i855, viera observando os progres¬ Não quizera estar na pelle de qualquer archeologo do
sos das industrias extrangeiras, soltou o grito de alarme. futuro. Em presença dos artefactos de hoje, perante os
O brado echoou no animo de alguns patriotas, e em breve eternos plagiatos, que duvidas, que confusões, hão de vir
—
um grupo de homens de subido valor constituía o núcleo assaltar-lheso espirito! Coitados! que fabulosas heresias
da benemerita Union des Arts Dêcoratifs, d’essa aggremia- lhes não faremos dizer!
ção dedicada, que tão relevantes serviços prestou, e presta Concorreram assás a enraizar tão ruim tendencia a má
ainda, não só á França como a todo o mundo civilisado. direcção do espirito artístico, a inércia e o desdem da
Não sei quem foi que disse que o século xix era a edade maioria dos artistas pelas artes de applicação immediata e
do papel. Fosse quem fosse, acertou. Na vasta e complexa util, esse mal entendidoorgulho de classe,medianteo qual
de es¬
organisação do ensino artistico-industrial, a questão princi¬ malbaratam seus ocios em discussões mesquinhas
do aca-
pal desviou-se; e ninguém mais prestava ouvidos aos avisos colas. São, porém, vicios que ficaram do periodo
nem aos conselhos de Semper e de Owen Jones, como demismo. Os pseudo-classicos, os akadémicos,já lá vão;
a ainda
ninguémpensava também em estabelecersolidas basespara os que ficaram, porém, são, quanto preconceitos,
uma arte que fosse a expressão exacta da epocha em que tão acadêmicos como os outros: a differença, como vêem,
vivemos. N’este comenos, mettêra-se de permeio a peda¬ consiste apenas numa lettra...
gogia. . . e a questão complexa dos methodos de ensino Desconhecem os exemplos d’esses valentes e egregios
desses bons tem¬
absorvia por largo tempo as attenções. De envolta com artistas das geraçõesque os precederam;
cada artista era um artífice, mas em que tam¬
pedagogistas sinceros, que prestaram inquestionáveis ser¬ pos em que
artífice merecia o nome de artista, e le¬
viços, appareciam também, como é costume, dúzias de pe- bém mais de um
dagogueiros. .. Panella mexida por muitos!... gava á posteridade as maravilhas do seu engenho.Mal sa¬
— «O theatro —dizia a um professor, certo emprezario biam que tal indifferença lhes viria a ser fatal! Estavam
em breve, de semelhanteerro,
fallido— seria a mais humana e perfeita manifestação da bem longe de prever que
uma concorrência funesta.
litteratura. . . se não houvesse auctores, actores, publico lhes viria a resultar
e. . . mães de actrizes.»— Nem está isenta de culpas a critica. Esta, por muito
— «Tal qual a pedagogia— retorquia-lhe o magister. Que tempo, pouco pensou, também,na arte decorativa.Restrin¬
mais das vezes, ao circulo apertado da grande
admiravel sciencia, se não existissem professores, compên¬ gindo-se, as
— arte _ás subtilezas speculativas da estheticatranscenden¬
dios, alumnos. . . e seus papás!»
Rabiscaram-se léguas de papel com debates de subtile¬ tal
_ e esquecendo,a todo momento, que a funcção mais
efficaz do critico é a de interprete, a de ini¬
zas didacticas. Dos prélos que rebentaram, porém, não util e mais
do publico á intenção e ao ideal do artista cuja obra
constou. O labyrintho dos methodos... o problema do ciador
assumir outro papel: brotou em cada critico
ensino technico, cujo alcance e cujos limites ainda hoje se discute,—quiz
Esta attitude, porém, que elle prefere, que é
discutem, absorviam o melhor das attenções. Por outro um Mentor.
fraco, tem seus contras. O pedagogo desperdiça o
lado, a necessidadede improvisar mestres, de multiplicar o seu
Chegada a hora da lição, Telemaco, quando não
as escolas, e de lhes fornecer de prompto abundantesmo¬ seu latim.
.. faz bolas de sabão, ou anda aos grillos.
delos para estudo, foram tornando cada dia o ensino mais lhe respinga.
das do passado, — dos estylos anti¬ A arte, porém, é uma só; e a arte decorativa(dizia ainda
dependente tradições
ha pouco Georges Berger, um dos seus eminentes defen¬
gos. Favoreciam esta corrente a paixão pelos estudos his¬
archeologicas, o enthu- sores e distincto professor de esihetica)é a expressãomais
tóricos, o fervor das investigações
predominante que universal e mais perfeita da applicação do Bello ao Util.
siasmo pela arte de outras eras,—feição
como a escola vem Entretanto, os gigantescos esforços, os milhões entorna¬
caracterisa a nossa epocha; e eis aqui
inteira de meros imi¬ dos por toda a Europa e pela America, a fim de implantar
pouco a pouco educandouma geração
i 14 ARTE PORTUGUEZA
o ensino da arte applicada, não deram, em parte alguma, do ensino,— apoderou-seo industrialismo, por toda a parte,
todo o resultado que se. esperava. D’essa enorme concor¬ da producção artistico-industrial.
rência de estudantes, condemnados pelo falso gosto da Ora, copiar, é facil, muito mais commodo que inventar,
epocha á copia, á imitação servil, ou, quando muito, ao e os museus são accessiveis a toda a gente; a machina
plagiato ou ao pasticcio do antigo ou do exotico, é claro simplifica o trabalho; e eis como veiu invadindo os merca¬
que os mais ricos em dotes artísticos naturaes não se re¬ dos do mundo inteiro essa infinidade de objectos de falso
signam facilmente a produzir avassaladospara sempre ás luxo, e de gosto ainda mais falso, — de envolta com o bom
velhas formulas,—a viver, para com o antigo, comooutrora e verdadeiro, porque o ha, felizmente, e muito, ainda—
os mendigos e os galgos, á espreita dos restos e das miga¬ que Deus nos defenda de cahirmos no erro grosseiro, e tão
lhas da mesa do opulento solarengo. Os que têem talento, vulgar, da generalisaçãoexcessiva.
— ou que julgam tel-o,— desistem; arrasta-os a Do excessodo proprio mal, porém, parece querer surgir
ambição
para o campo mais aristocrático, —segundo as idéas, até o remedio. A reacção manifesta-se; produz-se com visivel
certo ponto, ainda correntes,— das bellas-artes,e vão, com energia. Reagem em vários pontos da Europa essas intel-
educação menos completa e especial, estabeleceraos artis¬ ligentes minorias que não se deixam embahir pelo falso
tas essa deplorável concorrência em que ha pouco fallava- gosto, e que repellem, desdenhosas,as incoherenciasver-
mos. Multiplicam-se os pintores, nos generos mais fáceis e satís, e os disparates, da moda.
accessiveis.De paizagistasbanaes,por exemplo,vaehavendo Outra resistência, mais efficaz porventura, a julgar pela
um formigueiro por esse mundo fóra, que, se vão por este sua indole, se declara também: a dos interesses lesados.
caminho, d’aqui a meio século devorar-se-hãouns aos ou¬ As nações pequenas e pobres vão tentando pôr um dique
tros. A Europa voltará aos tempos primitivos: ver-se-hain¬ á concorrência esmagadora d'essa arte cosmopolita,—que
festada por uma nova raça de cannibaes:—os maus pin¬ é a caricatura da arte. Ciosos de seus interessesmoraes e
tores. materiaes, tendem a reconcentrar-se nas suas antigas tra¬
As industrias de arte vêem-sepois reduzidas quasi que dições, e esforçam-se por imprimir aos seus productos de
apenas a esses que, por mediania de faculdades,não pode- arte o cunho nacional.Todas, aliás, se sentemassás educa¬
ram erguer o vôo: — os homens de officio. das para não admittir tutela extranhaem questõesde gosto.
Tão bem preparado o terreno; abundando por tal fôrma Coitadas! algumasaccordaramtarde. Foi o que nos succe-
os operários e artífices educados; trazidos a lume inúme¬ deu.Trabalhemos, porém, e lembremo’-nosde que o vinho,
ros processos e segredosprofissionaes,—por que tão pro¬ o azeite, o pão não podem chegar para tudo.
fícuos resultados sem duvida alguma se devem á cruzada PIN-SEL.
'nscripções portuguezas
XII cidade, sr. Manuel Henrique Pinto, de encontrar a jazida
Thomar.Igreja
deSanta dosOlivaes,dos restos do glorioso Templário. Aproveito a occasião
Maria
naparede
dasegunda
cnpella,
ádireita. para dizer, com reconhecimento,que o sr. Pinto tem sido
Leitura : o meu mais dedicado e caloroso auxiliar nesta colheita de
-Obiit frater gvaldinvs magister militum templi portu- calcos de inscripções portuguezas. Honra lhe seja, que
galie E. MCCXXXIII, iu° idvsoctobris.Hic castrvm
Tomaris cutrt multis aliis popvlanit. Requiescat in
pace. Amen.
t :0BII5. FRKGGR;(3VIL
:
V ersão:
— Morreu Frei Galdino, Mestre dos Cavalleiros do T)I PV5ÍCOTGIS (5£ R: 021
Templo em Portugal, na era de 1233, terceiro dos |UTISM:5H5I?PU;P0RTU
idos de outubro. Este castellode Thomar, com muitos
outros, povoou. Descanceempa\. Amen.
sr. Pinto, com dois amigos egualmente interessadosmesta a sua iniciação de Cavalleiro do Templo nas longínquas
pesquiza, começou-a e teve a fortuna de, ás primeiras ten¬ campanhas da Syria; mas, por mais cedo que naquelles
tativas, encontrar a pedra (naturalmente um dos lados do tempos se fosse homem, é claro que andam erradas algu¬
sarcophago),em que está, nitida e graciosamentecavada a mas datas das suas doações e fundações. Apparecer-nos
inscripção de que tirou e me enviou o magnifico calco, em elle como Mestre, — tibi Magistro Gualdino, — em 1161,
poucos minutos reproduzido pelo lapis primoroso e firme isto é, aos quarenta e tres annos, na doação das casas e
de Gasanova. Como se vê, a inscripção não offerecehesi¬ herdadescultivadas e por cultivar junto de Cintra, não re¬
tações ou duvidas de leitura ou de contemporaneidade, pugna, comtudo.
esta ultima perfeitamenteflagrante, para quem conhece a Em 1169,ist0 é, aos cincoentae um, é que recebe toda
epigraphia tumular do tempo, com as suas cruzes espal¬ a terça parte que podér adquirir e povoar desde o Tejo
madas (pattées)iniciaes, com as maiusculasoscillando entre por deante, em doação «a Deus e aos cavalleiroschamados
o romano e o gothico, com o seu pautado, até com a sua do Templo de Salomão», como Procurador d elle em Por¬
redacção dos velhos obituários e livros de calendas,monas- tugal:—« vobis Fratri Galdino in Portugal rerum Templi
ticos. Lê-se ao primeiro relance. Que o til ou plica que Procuratori »,—e mais os castellos da foz do Zezere, de
ornamenta um dos XX da era, não suggira reparo. Tem Cardiga, e o deThomar, com todas as herdades—«que fi¬
o mesmo valor que os do e (era), do m (mil) ou dos cc zestese rompestes».Já anteriormente,em n 65, lhe haviam
(duzentos): isto é, nenhum tem. O Viterbo do Elucidário sido doados,—vobis magistro Gualdino, —e á Ordem, os
já advertiu esta especie de mau habito decorativo, incon¬ castellos de Idanha e de Monsanto, e antes ainda, segura¬
sciente. mente,— «aquelle castello que se chama Ceras» — e a Re-
A era é indiscutivelmentea de 1233, correspondente ao dinha. Rigorosamente, estas doações não eram mais que
anno de Christo de 1195. Sempre se lucrou, com a idéa do as confirmaçõesreaes das fundações, das conquistas e das
centenário,ficarmos definitivamentesabendo que o grande exploraçõesagrícolas,com que o activoTemplário e os seus
Templário morrêra em 1195,a i 3 de outubro. Teria então freires iam acrescentandoe consolidando, dia a dia, a pa-
setenta e sete annos, se também acertou Costa (Hist. da tria christã e portugueza.
Ord.J, quando o dá nascido em 1118.Cedo fizera Galdino LucianoCORDEIRO.
A mascara
imprescindível. deelegancia quecobreascousasvulgares,
caindocoma modaou como uso,transforma-os de um modotão
prompta se impõenecessaria¬
XENÜAS PORTUGUEZAS desagradavel,que a sua substituição
mente.Nãoacontece o mesmo comos objectosa rtísticos:a suaper¬
sonalidadetorna-ossympathicos, e,mesmo quandodeixam deser-nos
e guardamos, a
comovelhosamigos quemagra¬
O grandedesenvolvimento da industriamechanica no séculoxix, uteis,os estimamos
os docesmomentos deintimaconvivência quenosderam.
espalhandoportodaaparteosseusproductos, —comoumrioquetras¬ decemos
Melhordo quea qualquer o utraindustria,se podeapplicaresta
borda,nivelandotudoá alturadassuasaguas,— pareceuporummo¬
e a bel- ordemde ideasá industriadasrendas. Finaflor do luxoe daelegan¬
mentoafogaras bellasindustriasartísticas,tantoa barateza delicada,temrecebidoido¬
caprichosa,
excellencia,
lezaapparente dos seusproductosseduziam. Só os espíritosde um cia,femininapor considerada, —tantoo seu
perseguições,massempre
delicadoresistiama essainvasão perigosa;a modafavo¬ latrias,soffrido
raffinement aosdiversosobstáculos que,
reciaas imitaçõesde todaa especieque,n’umbric-à-brac deestylos attractivolhe deu forçaspararesistir
annose séculos,seergueram no seucaminho etriumphos.
d
e epochas,vulgarisavam deumfalsoluxo, através
objectospseudo-artisticos, emdiversas c idadesd aEu¬
Volúvel,temimplantado o seuthrono
deapparencia ruidosae de ruinososeffeitos. emtodasumindestructivel rastrodegloria.
A friezad’essesobjectos,quenãotêema animal-os o pensamentoropa,deixando Malines,dis¬
a gelar o en- Veneza,Bruxellas,Alençon,Chantilly,Valenciennes,
deum artistae a mãode artíficeconsciente, começam
as maisbellaspalmas da suacorôa. Aos seusadmiradores
e o trabalho dasmachinas, mono- putaram
thusiasmo do primeiromomento, fezcommetter loucuras,consumiu milhões,e os editos
irritaou desconsola,nain apaixonados
tonoe pesadocomoassuasengrenagens, levantaram-secontraella— princezado luxo,tentadora
timidadedetodosos dias,aquellesqueprocuram nosobjectosdeseu sumptuarios
uso,alemda satisfação dequalquer necessidade, umgosointe ectua subtil.
ARTE PORTUGUEZA
NOTICIÁRIO
A secçãode estatuaria e dereproducções moldadas sobreesculptu-
ra, do MuseuNacionalde Bellas-Artes,que occupaduassalase o
Um dos maisvenerandos monumentos da artee da archeologia atrio do edifício,foi recentemente ampliadacom algumasestatuas,
correperigode desapparecer, levadona correnteirresistível do mo¬ baixos-relevos, etc.,— moldagensde specimenscelebresexistentes
dernoutilitarismo.
Os engenheiros inglezesencarregados de elaborar emmuseusextrangeiros.
um projectoparaa construcção do vastoreservatório dasaguasdo Em breveficarátambém patenteaopublicoumaimportante instal¬
Nilo,pretendem edifical-ono terrenooccupado pelasruinasdeShilae. laçãode alfaiase tecidosdearte,queoccuparáumadassalasdo pa¬
Saírama campoosegyptologos, tendoá suafrenteJorgeEbbers. vimentosuperior,e umanovasalacontíguaao atrio,na qual,alem
Publicaramumprotesto energicoe,—expediente, aliás,maisefficaz, da collecçãogalvanoplastica e demetaes, serãoexpostos aindaoutros
e proprioa convencer esseshydraulicos iconoclastas— apresentaramobjectosartísticos.
um contra-projecto,de condiçõeseconômicas quasiidênticas,mas A direcçãotencionatambémremodelar algumassecçõesda gale¬
querespeita o preciosomonumento historico. ria de pintura,no intuitonãosó de coordenarmelhoros quadrosjá
collocados,comode introduzirnumeroconsiderável de télase pai¬
* néis,—entreestesalgunsquadrosdeartistasportuguezes, assimanti¬
goscomomodernos.
ha
Appareceram, pouco, n osEstados Unidos,doismagníficos qua¬ ■*
drosdeRembrandt, dosquaesnãohavianoticianaEuropa,assignados,
e coma data 1634.Suppõe-se representarem o Dr.VanTulp e sua Na Revuedesdeuxmondes, do i.°dejunho,o sr.G. Lafenestre pu¬
mulher.Pertenciam ágaleriadocapitalistadeBoston,FrederickAmes, blicaumartigodecriticaartística,— Les salonsdei 8g5: La peinture,
cujaviuvaresolveu offerecel-osaomuseud’aquella cidade. ondeencontrámos umareferenciaagradavel aos expositores portu¬
guezes.
■K Depoisdemencionar os pintoreshespanhoes, notandoa precipita¬
çãodealguns,o imperfeito e quebrado dasuaexecução, diz:
Albaninaé o titulode umanovatintabrancaparauso de dese¬ «Lesportugaissontplusassagis;c’estavecde 1’esprit,dela dis-
nhistas.L tãoalvae brilhante,quesupprecomvantagem e economia crétion,ungoutparisien, queMM. Salgadoet SousaPinto continuent
o brancoda China.Tem, até agora,dadoexcellentes resultadosna à sefaireunebonnerenommée, l’unparsesfidèlesportraits(S. M. la
pratica,especialmenteemdesenhos reproduzidos pelaphotographia. ReinedePortugal,M.rae VirginieDemont-Breton), 1’autrepassesétu-
Esteutil preparado deve-se á casaWinsor& Newton,deLondres. desdetypespopulaires et sesportraits.»
■* •Sfr
tadose assentesos materiaes,de fórma a garantira suaestabi¬ À fertilidadedas fôrmas correspondea profusão dos mo¬
lidadee duração,—na Sé Velha, essasqualidadessãoadmira¬ tivos: o alicatado,a Hora,a fauna, em combinaçõese defor¬
velmentemanifestasna verticalidadedas prumadas,mantida maçõesphantasiosas,de detalhestenuese graciosos.O cão,
atravésdemaisde seteséculos,semdeslocaçõese semabalos. o leão, o grypho, a pomba, o gallo, a serpe, o mythologico
Essa vasta mole de cantarias, n uma construcção onde o centauro,tudo seimmobilisahieraticamente,numa grandeli¬
arco predomina, com tres naves abobadadas,semi-cylindri- berdadede inspiraçãoe de sentir, dentro das normasinviolá¬
cas, atrevidamenteerguidas á mesma altura, contrafortan- veis, subordinadasás exigênciasseverasda harmonia geral.
do-semutuamente,ajudadas de simples gigantesexteriores No recolhimentode nós mesmos, no silencio e na con¬
de exigua resistência apparente, mostra que espirito sabe¬ templação d’essas arcadas hirtas e perduráveis, cerca-nos
dor e reflectido presidiu a toda a obra. uma atmospherade lenda e de mysterio; e os capiteis,
A estreitezado espaço, destinadoa um ligeiro artigo, não quasi por toda a parte collocados ao alcance da vista, não
comporta mais que simples referencias; supprimo por isso fazem mais do que completaressa impressão inexprimível
notas elucidativas, não sem pesar, porque tudo que deva de sonho e de visão!
dizer-se,que não sejam asserçõesfáceis, precisa de ser de¬ Domina-nosa lembrança de outras eras, e surgem ao es¬
duzido e validado com testemunhose provas. pirito revelaçõesimprevistas.
Os instinctos semi-barbaros,a custo reprimidos pelo ri¬
*
# # gor de penalidadessummarias;a vida do povo, accidentada
de perigos e fundos terrores,—uns reaes, pela rudeza dos
O effeito principal é serenamentedado pela perspectiva costumes, outros suggeridos ás mentes debeis pela igno¬
das grandes linhas e pela combinação e contrastesdas mo¬ rância e pela superstição! As ruas, veredas lamacentas,la¬
deradassuperfícies. No interior, apenasos capiteissão fina¬ deadas de casas infectas, habitadas por gente esqualida e
menteesculpturados. miserável!...
Dentro dos mesmos perfis e identificadosna mesma sug- E do meio de tantadesolação,como refugio benevolente,
auste¬
gestão,animados pelo mesmo sopro, o lavor de tantos ca¬ erguia-se a cathedral, grandiosa na plenitude da sua
piteis, de grandezas diversas, desde os columnellos das ja- ridade imaginosae sentimental.
nellas,arcaturase galerias, até ás grandescolumnasda nave O homem moderno, cercadode conforto e de segurança,
media, transeptum e capellas absydaes, —cuja totalidade só pelo esforço da phantasiapóde conjecturar das emoções
se eleva ao numero de trezentos e oitenta,— é de uma que o grande monumentoaccordaria na alma das popula¬
abundanciae variedade tal, que difficilmentese encontrarão ções medievicas!
dois de reproducção exacta. a. GONÇALVES.
Ji SEGUNDA RENASCENÇA
dignasda maximasympathia, pois ambasnos apresentam exemplo
UEM noslivrada eternafolhadeacantho?! resultados.
incessante das salutar,e desdejá fértilemprofícuos
«Quempõeum diquea essarepetição
velhasformulasde arte,gastase sédiçasá torçadetanto Operam,frentea frente,em Françae na vizinhaInglaterra,duas
incon¬ colligações imponentes, animadas do maisgenerosoaltruísmo, e que
abuso,adaptadas,asmaisdasvezes, comabsoluta
por¬ sustentam nobilíssima propaganda, tendente a sacudiro marasmo que
sciênciadosprincípiosqueas geraram,desviadas,^ ealibertalasdoestado, porassimdi¬
asindustriasartísticas,
tanto,do seuprimitivodestino,da sualegitimaapplicação?Donde pesasobre asvaedeixaro decimononoséculo.
de idéas,que zer cahotico, emque,infelizmente,
sopraráum alentode vida sobrea actualestagnação attinge
estádandoemresultadoumaartesemepocha,semcunhoproprio,e Andam,emnossosdias,tãoaccesososinteresses egoístas,
proporções taesa egomania, que,empresença de manifestações de
emdirectaopposiçaocomo meio?» e o respeitoimpõem-se a todos.Param
vemechoando ordemtãoelevada, a admiração
Eis o clamorque,deum extremoa outroextremo, indifferentes.
Descansae, e olhamattentos atéos proprios
portodoo mundocivilisado.—D’onde soprará,perguntaes. e tenazcontraa ro¬
Sustenta, annosha,emFrança,luctaenergica
porém,queembreveo sabereis. os excessos demercantilismo nasartes,essa
do espirito tinainveterada e contra
No deslisard’essacorrente,por ora tenuee vagarosa, desartsdécoratifs, quetema sua
innovador,quepromette,emprazomaisou menosdemorado, regene¬ já hojetão celebreUnioncenlrale
sédeemParis,e trabalha no mesmo sentido da liga ingleza dasArts
rarporcompleto asartesdecorativas, o
elevar-lhes ideale impôr-lhes
Postoambaspretendam attingiridênticos
mododesermaisracionale harmonico, veemenvoltosdoispoderosos andcrafts(artese officios). duascollectivi-
são,todavia,
resultados, assásdiversos osideaesd’estas
factoresde progresso,duascruzadasde caracterimpulsivo,ambas
ARTE PORTUGUEZA
dades,e bemdifferentes nãosóaorientação porambas adoptada, como votaremaodesprezo a herançaqueasgerações transactas nostrans-
aindaosmeiosquepõemempraticapararealisarem osseuspropositos. mittiram.
A indoleespeciala cadaumarevela-se, aliás,desdelogo,na diver¬ Estudacom solicitudea benemerita associação o logarquedeve
sidadedoslemmas querespectivamente adoptaram. ser concedidoá machinano funccionamento da modernaindustria
É maisbrilhantee apparatosaa primeira,a franceza;celebra artística, — e defacto,devidamente aproveitada, a machina, quehoje
conferencias,ruidososcongressos, mantemescolas,publicaumapri¬ representa umconcorrente temivel,poisbarateia asindustrias dearte,
morosarevistadeartedecorativa, magnificamente redigidae editada, banalisando-as, pódemuitobemsertransformada emauxiliardo ar¬
e conseguiu,comseunobreexemplo, queascidades maisindustriosas tista,empreparador do seutrabalho.
da Françafossem,poucoa pouco,fundandoassociações do mesmo Sabemos, porém,comoé lentaa marchadasidéas,e queestassó
genero.Instituiuum museu,adquirindonas exposições exemplares conseguem impôr-seás turbasquandolhes despertam sentimentos.
escolhidos,uma um,de entreas maisdistinctasproducções dosar¬ A molareal queimprimeos grandesmovimentos ás sociedades, é,
tistasmodernos dasindustrias.Contandocominnumeras adhesões e aliás,e será,provavelmente, sempre, o interesse.
recebendo umatal ou qualprotecçãodo estado,dispõeactualmente Permaneceram, pois,durantelargosannos,quasiindiflêrentes á
de avultados cabedaes. Alistaram-se nas suasfileirasalgunsvultos, propaganda da Union,o publico,e atéos propriosinteressados na
assimdassciencias e daslettras,comodasartese dasindustrias. prosperidade dasprofissões artísticas.
Por umlado,a ambiçãoimmo-
São seuspresidentes GeorgeBerger,celebreprofessordeesthetica deradadasriquezase a instabilidade das posiçõese das fortunas,
e estadista,
e o veteranoGillaume,o Nestorda artefranceza, illustre accumulando enormes capitaes emmãos,quantase quantas vezes,de
esculptor,e professorde vasta erudição.Entre os seusmembros ignorantes; poroutrolado,a espantosa virtuosidade dosartistase dos
maisactivos,contaarchitectos, pintores,estatuários, ouriveses, cera¬ artíficesfrancezes, cujavaidadese nãosubmette (nenhumabdicade
mistas,etc., taes bomgradoo desejode brilharindividualmente); a versatilidade do
como Gr éard, gosto,resultadoineluctavel dainfluencia damoda;a maniapuerildo
Trélat,Falize,Ro- antigo,assimgenuinocomoimitado,e aindaoutrascausas, lançaram
ty e outrassum- as artesdecorativas na maiscompletaindisciplina,e a Union,que
midades dasartes, durantelargosannosprégou,paraquedigamos, no deserto, só agora,
e das industrias quea Françaprincipiaa experimentar os graveseffeitosda concor¬
quetêemcomas rênciaextrangeira, começaa serattendida. Anciosa,pois,por segurar
primeirasparen¬ tão propicioensejo,poz em praticaumahabil medida—verdadeira
tescomaisoume- afirmação deprincípios: — abriuumconcursoparaa grandeexposição
•nosintimo. internacional de 1900, o programma do qualresao seguinte:
Entre os seus «Projectode um museuadaptado á installação dascolleccões de
artigosde fé, fi¬ umamadordeobjectosdeartemoderna.» E destinoutambém, desde
guraemprimeira logo,avultadaquantiaparaacquisiçãode especimens de arteappli¬
linhaa unificação cada,absolutamente modernos, originaese independentes de estylo,
das artes.Esta¬ queencontrarão logarnosescaparates do referidomuseu.
belecendocomo Osresultados doconcursoforamapenas medíocres, —nem,porora,
principio funda¬ era de esperaro contrario.O trabalhopremiadoe escolhidorevela,
mentalquea arte não ha duvida,um artistade talento.Está,comtudo,longede cor¬
é uma só, quer responder, emabsoluto, aoidealdosiniciadores da tentativa.
que desappare- E, porém,tempodelançarmos avistaparaalémdoPassodeCalais.
çam por umavez Prende-nos d’allia attenção, de modoirresistível, outrapropaganda,
as falsasdistinc- menosruidosa,semduvida,masmuitíssimomaisintensa,devidaá
ções de generos. energiainquebrantável, aoconvictofanatismo, deumunicoindivíduo.
Combateascate¬ William Morris,escossez da rija temperad’esses severospuritanos
gorias na arte. do séculoxvii,doscovenanters austerose dosintrépidosironsidesde
* k g Pretende, portan- Cromwell,quebrandiam coma destraa espada e arvoravam naoutra
i to, acabarcomos mãoa Biblia; homemdevastaerudição,poetainspiradoe artistade
-& l.|-‘M -i,». ■--—-— “—
1[‘[ .
preconceitos que talento,devendo, alemd’isso,aoscaprichosdo acasoumariquezade
predominam ain¬ nababo,pozassuaselevadas faculdades, a suavontadede ferroe os
da hoje entreos seusenormeshaveresao serviçode umaidéa:—regenerar as artes
artistas, e persua- no solo britannico, e expulsar, comoellediz,osphariseusdo templo:
« x ' / f1 t |
' ms diraestesquede¬ Tão firme convicçãoactuandoqualcontagio,Morris não tardou
vem,comseuta¬ emver-serodeadode proselytos — de homenseminentes, de artis¬
lento e superior tas de primeiraordem,comoAlmaTadema,Watts e BurneJones,
intuição,intervir os grandesidealistas; Walter Crane,LewisDay,exímiose originaes
na orientação fu¬ ornatistasetambém escriptores degrandeauctoridade; Cave,Sumner
turadasartesde¬ SelhvynImage,celebremestrevidreiro;Blomfield,LawrenceHarvey,
corativas.Empe¬ distinctosarchitectos; etc.Constituiram, entretodos,a Liga dasArts
nha-se também andCra/ts,cujosadeptos sãojá hojemaisdesetenta. Nemtodostêem
emelevar,comrelaçãoás artes,a posiçãoda mulherfranceza, apro¬ as mesmas ideias,estáclaro.Se ellessãotantos!... Masprofessam
veitando-lhe devidamente as rarasqualidades e delicadoinstinctoe todos,maisou menos,os mesmosprincípios. — É ouvil-os:— Morris
induzindo-a a seguiros exemplos., a forteiniciativa,damulheranglo- ferrenhoadeptodastheorias idealistasdograndecriticoJohn Ruskin,
saxonia,—querbritannica queramericana,— e já conseguiu queem dosausteros princípiosdairmandade pre-raphaelita , e, comotal,ad¬
França ficassesequerao menosconsignado o principiode queas versárioacérrimodaRenascença, vitupera-lhe a influencia n’estester¬
mulheres seriam,deoraávante, admittidas nasescolas dearteedearte mos:— «A renascença italianafoi paraasartesverdadeira calamidade.
applicada,emegualdade decircumstancias comoshomens. Esforça-se Esseinvadirda civilisação m edieval,christã e espiritualista, peloma¬
poracabarcomo anonymato nosmesteres artísticos, istoa fimdepôr terialismoclássicoe pelosensualismo pagão,desnorteou osespíritos,
côbroás explorações illicitasdo industrialismo, e de assentar, como perverteu o gostoe o sensoesthetico, e,finalmente, veiuestancar de
praxeestabelecida, quefigurem,emtodae qualquerobradearte,as todoa fontedasidéasoriginaes.»
assignaturasdequantosn’ellaexerceram cooperação artística— o que, Adversoao cultodo belloabstracto, vituperacontraasexuberân¬
digamol-ode passagem, nemsempreserá praticoou exequível,e ciasdecorativas da Renascença, condemna em absolutoa ornamen¬
lhe temlevantado maisdeumadifficuldade, e atéantagonismos ori¬ taçãomorphologica e verberaenergicamente a inclusão,entreos
ginados,comosedevesuppôr,naresistência dosinteresses. elementos dacomposição ornamental, dafigurahumana, semfunccão
Estabelece, já sevê,comoprincipalfundamento, queos diversos definidae semmotivojustificado.Insisteem que estasó deveser
ramosdasartesdecorativas devemfiliar-see depender daarchitectu- adduzidana qualidade de symbolo;quandorepresente uma ficcao
ra; e queé mister,comopontode partidaparaa regeneração das poéticaou qualqueridéadecaracterelevado. Intransigente paracom
artes,queos artistasvoltemde novoa inspirar-sedirectamente da o cultodaartepelaarte,esseegoismo vaidosodavirtuosidade pes¬
natureza,buscandonovasformulas,semesquecerem, comtudo,os soal,a meretricious art,—comoellesdizemdoladodeládaMancha_
princípiosfundamentaes, semabandonarem de todoas tradições, ou fulminaos excessos deluxo,a arteapenaspararicos.Querumaarte,
ARTE PORTUGUEZA I 25
Linha,
3fios Linha,
3cordões Linha
forrada
afio Linha acordão que caractensou para a
forrada
o o o ffliiaiiaim n posteridade a nossa ge¬
nuína feição de povo de
Linhacom
fiopassado
nacoxa Gaxeta áportugueza Gaxeta
deduasfaces,
edequatro Gaxctadetresfaces navegadores.
E o estylo marítimo,
a nosso ver, o unico em
decavallo,
Rabo Rabo decavallo, docavallo,
Rabo que podemos filiar a ori¬
simples,
de3cordões embotijado, de8cordões cmgaxeta,
largo, combcordões Rabo decavallo,
embotijaio,
miúdo
ginalidade da nossa pro¬
ducção artistica, quer
nos elementos simples
da composição,quer nos
grandes traços de con¬
torno e concepção, im¬
primindo, não só ao todo
cm geral, como também
a cadaparte em especial,
um caracter apropriado
ao seu uso e objectivo.
Vamos desenvolver o
plano de uma especiede
demonstradorpratico do
que se póde fazer em es¬
tylo marítimo, começan¬
do por apresentar uma
collecção, ou i.° grupo, de 20 ornamentossimples, tirados
da antiquíssima arte do marinheiro, os quaes podem ser
NA Cl ONA L ISA CA O
applicados em linhas rectas, quebradas, curvas, mixtas ou
DA sinuosas, para a composiçãoe decoração de muitos produ¬
etos da ourivesaria, ceramica, estamparia, marcenaria, ar -
ARTE PORTUGUEZA chitectura, mobiliaria, estofaria e muitas outras artes uteis
e decorativas.
Estes 25 bellos padrões, combinados dois a dois e tres a
EMPREHENDIMENTO acima enunciado é tres, podem fornecer 2:600 lindíssimas variedades de the-
grandioso de mais para ser levado á pratica sem mas genuinamenteportuguezes e de analogiamarítima, re¬
applicar muito trabalho e tenacidade; porém, se á presentativos das nossas tradições e glorias, muitos dos
boa vontade e enthusiasmo dos que contribuem quaes já figuram e estão radicados, nos monumentos na¬
para estaRevista, juntarmosa dedicaçãoe o auxilio dos bem cionaes.
intencionados artistas e industriaes, que o paiz felizmente Como se vê, tratamos n’este artigo apenas de um pe¬
possue, poderemos tornar exequível esta grande e legitima quenogrupo de ornamentossimples, que, aindaassim, com¬
aspiração de nacionalisaro estylo e a expressãonatural da binados todos entre
si,
tistico para a permutação commercial. E um facto assás que, por assim dizer, se podem compôr multiplicar inde¬
a e
reconhecido que a imitação dos typos extrangeirosrebaixa finidamente, — que prova evidencia pujança gran¬
o
e
o valor e limita a saída dos produetos nacionaes, e que, diosidade d'este estylo,— constituindo uma serie quasi inde¬
portanto, todo o paiz industrial precisa possuir um estylo finida de ornamentos, começar nos de maior simplicidade,
a
característico, para conseguir mercado e promover a pro¬ que, combinados,se tornam pouco pouco mais intrincados,
a
Actualmente, Portugal não é mais do que uma feira da São estespadrões que devem servir de modelos nas nos¬
producção artística extrangeira,e a própria producção na¬ sas escolas industriaes, fornecendo estado cada uma
o
cional, com raras excepções, é confeccionada nos moldes d’ellas uma collecção de trabalhos do marinheiro, no ge-
d aquella, imitando ou repetindo os typos e padrões de es¬ nero da que possue escola industrial v.Affonso Domin-
e a
tylo extranho,e a maior parte das vezes(o que é peior) tam¬ gues», de Xabregas, também com elles que os indus¬
é
bém phantasioso.Não nos faltam, porém, motivos tradicio- triaes artistas portuguezesdevem compôr as suas obras,
e
naes, profusamenterepresentadosnos nossos monumentos combinando-os seu gosto tendo sempre em vista plano
a
e costumes,que possam ser methodisadosde fórma que im¬ que fica esboçado que desenvolveremosem outros artigos.
e
primam á arte portugueza um cunho de originalidade ge¬ Com concurso de todos que têem verdadeiro interesse
o
nuinamente portuguez, isto é, que symbolise o caracter e pelo incremento das industrias nacionaes, haverá menos
a historia da nacionalidade portugueza na sua phase mais difficuldadeem alcançar resultadoque visamos que, esta¬
o
brilhante e util á civilisação, durante o período dos desco¬ mos certos, abrirá uma nova epocha de originalidade,activi-
brimentos marítimos, quando o engenhonacional se mani¬ dade riqueza para as artes uteis decorativasem Portugal.
e
e
o
Pinto.
TL A NO DE UM THE ATRO PorémGarrett,espiritomaisecleticodo que auctordaHistoria
o
dePortugal, maisaltruístadoque traduetordeVirgílio deOví¬
e
dio,repartiuquinhãoegualpelasartescongeneres dotheatro. Con¬
O
QUEO CONDEDOFARROBO PRETENDEU EDIFICAR servatório da artedramaticacomprehendia tresescolas:i.“,escola
dramatica propriamente ditaou dedeclamação; 2. escolademusica;
,a
. escolade dansa,mimicae gymnastica
,a
3
especial. Egualmente esta¬
beleceuprêmiosparaosauctores assimdepeçasdeclamadas comode
EM havidoalgunsMecenas emPortugal;nenhum, peçascantadas oulyricas.
porém,maismagnanimo, e poucosdevistastão Logoqueseencontrou com seuConservatorio installado, Garrett
o
largas,comoo inolvidável condedoFarrobo. fez um novoesforçopararealisara construcção
Se tinhaumaespecialidade do theatro;instou
—a musica—que comtodosos sociosd’aquelle institutoparaque coadjuvassem,
e
maisvivamente lhe excitavaa devoção artística, emconferencia de21deoutubrode 838ficoueleitaumacommissão,
a todososoutrosramosdaarteemgeraleraegual- presidida
i
a ,
pelocondedoFarrobo,com incumbência deformaruma
menteafleiçoado, e a todosprestava o auxilioque sociedade de accionistas. Eramvogaesd’essacommissão o proprio
a sua grandealmae cultivadaintelligencia lhe Garrett,RodrigodaFonsecaMagalhães, Castilhoe CaetanodaCosta
suggeria. Martins. rainhaD. Maria rei D. Fernandosubscreveram com
e
o
II
O caso,aliáspoucosabido,deter projectado, e quasicomeçado a io:ooo#>ooo réis;o condedoFarrobo,comi2:ooo#>ooo réis;embreve
realisar, a construcção deum theatromonumental, como0 quea pre¬ subscripção attingiua sommade o:yoo^ooo réis.
3
sentegravuramostra,theatroqueseriaconsagrado á arteportugueza Escolheu-se de novo local,recaindoagora escolhaemparte
a
constitue umaprovadequantovaliaa magnaminidade daquellever¬ dacercadoconvento deS.Francisco, ondeestava o HospíciodaTerra
dadeirofidalgo. Santa,actualmente occupado peloGovernocivil.
A historiad’esseprojectofoi umdosepisodiosqueprecederam a Proseguiam os trabalhos como maiorincremento, quando,de re¬
dotheatrodeD. Maria sonhodouradodeAlmeidaGar- pente, condedo Farrobo,por um d’aquelles
II,
edificação
o
0 rasgosquelhe eram
rett,quetantocustou tornaremrealidade. Referem-se ligeiramente peculiares, declarouquenãopodialevarávantea formaçãode uma
a
o
narramtodasasperipécias dagrandeluctaquefoiprecisotravar,desde com
condição delhevenderem terrenoporbaixopreço ficaro
a
e
836até 1842, paraseconseguir que theatronormaltivesse umedi¬ edifíciosendopropriedade sua.
o
i
a
Garrett,em deabrilde1834, tinhaapresentadocelebreplanode ção,porquenenhumdocumentoa deixaperceber;masnão julgo
1
a
xaramdirigir execução d’esseplano, asideasque cantordeCa¬ lecta,viessea serexcluídadotheatrona¬
a
é
blica. acceitou promptamenteproposta, em¬
a
e
idéaaccessoria de um edifíciopara theatroportuguez, foi um pregoutoda suainfluencia paravencer os
A
a
o
á
Larcher,queeraentãogovernador civil deLisboa.Projectouformar Em princípiosde 1840, estava tudo
umacompanhia deaccionistas, paraobterosmeiosnecessários, que promptoparasedarcomeçoao trabalho já
o
o
e
tantotambém, o condedoFarrobotomou,emmeiadode 838 em- theatro deprimeira ordem. N ãotinha, p ortanto,0 maiordefeitoque
a
i
,
prezado theatroda rua dos Condes,quetinhaentãoas honrasde senotano theatrodeD.MariaII:—a faltadeespaço. Preferiu-se para
sendo este Rocio,pelarazãodeficarembellezadasegunda praçadaca¬
a
emportuguez
é
a
disputar-lhe primazia.O theatro nacional, campeando
dosDesafios (Le Pré aux ClercsJ,de Herold,etc.'.Os doisgrandes deriamesmo italiana, seriaumdesafio permanentefaria
daopera
e
do condedo Farrobo,levantaram
a
Restasaberquemteria sido
o
suaegide n’este
1
denoscontentarmos
a
tentarsuamagnificência bomgosto.
a
e
12S ARTE PORTUGUEZA
ctoqueplaneoue dirigiua erecçãodotheatrodeD. Maria Fortu- cada.Eis comoum jornal da epochaencetauma circumstanciada
II,
natoLodi, eraparentedo condedo Farrobo tinhacomelleintimas noticiadofacto:
e
relações;foi o reconstructor
do theatrodasLaranjeiras,emcujoses¬ «Apesarde sero nossojornalexclusivamente dedicadoa objectos
pectáculos tomavaparte,cantando noscoros.Não poisnaturalque de theatro,parece-nos conveniente darnoticiaao publicodosesfor¬
é
condeconfiassea outroum trabalhoqueerade suaunicainicia¬ ços queseempregam paradotarestacapitalcomumestabelecimento
o
tiva.Demais,umacertaanalogiase notaentre projectodo conde grandioso, ondeos distinctosdiscípulosde Euterpepossamentre¬
o
doFarrobo theatrodoRocio.Em ambospredominao classicismo gar-secom maiorcommodidade aosseusbrilhantes
e
o
exercíciosphi-
e a
italiano,cujaslinhassymetricas serviramparapautar palacioda larmonicos, ondeos chefesdefamiliadeparem comumpassatempo
o
Ajuda, basílicadeMafra, igrejadaEstrella,etc.Creio,pois,que variadoe emtudodignodacapital.
a
o
auctordo planoabortado nãofoi outrosenãoFortunatoLodi,italiano «Umaillustrepersonagem, bemconhecida peloseuamorásbellas
deorigem,sebemquenascidoemPortugal,filhodocelebreempreza- artes, pelaprotecção quetemliberalisado muitasemprezas uteis,
a
rio de S. Carlos,FranciscoAntonioLodi, cunhadodo condedo resolveucooperarpara reuniãodasduas philarmonicas
a
associações
Farrobo. deLisboa, para construcção deumvastoedificiocomaspropor¬
a
# çõesnecessáriasparao decente entretenimento dossociosnasnoites
# # ordinárias, com capacidade própriaparagrandes bailes concertos
e
magestosos,nasoccasióes de solemnidade...» (O EccodosTheatros,
Algunsannosdepois, condedoFarrobotentouaindaoutroem- 17dedezembro de 1845.)
o
prehendimento grandioso, nãomenosutil do que construcção do Reuniram-seasassembléas dasduassociedades,
e
applaudiramidea,
a
theatronacional:—foia construcção deumedificioapropriado para nomearam cadaumasetemembros, que,reunidos,deviamconstituir
e
umaacademia deamadores demusica,edificioqueinfelizmente
ainda umacommissão incumbidadeestudarosmeiosderealisaro projecto.
hojenãoexiste.Narremos succintamentefacto,quejulgosertam¬ Por partedeambasas sociedades, foi o condedo Farroboescolhido
o
bémpoucosabido. parapresidented’essacommissão. Surgiram, porém,logomil embara¬
SociedadePhilarmonica,creadaem1822 porDomingos Bomtem- ços,quecomeçaramentravar
A
o bomandamento do negocio.Muitos
a
po, imitaçãoda celebrePliilarmonicSocietyde Londres,produziu, d’esses nãodeixariam— — deserpro¬
á
e
Academia Philarmonica.
Estasduasirmãsguerreavam-se encarnica- invejasmaldisfarçadas. fermentod’estaspaixõesfoi cobertocom
a
O
damente, comofazemhoje as philarmonicas de aldeia,nãoobstante umaquestão benifutil tituloque novasociedade
ostensiva, devia
a
:
muitossociospertencerem egualmente ambase por ambasegual- ter.Queriamos sociosdaAssembléa queestenomecontinuasse vi¬
a
a
menteseinteressarem.condedoFarrobo,quefôraactivomembro gorar;pretendiam
O
A
o
dasociedade deBomtempo, exerciagrandeinfluencianasduassocie¬ demuitasdiscussõesintrigas,o condecansou-se —ou ennojou-se —
e
dades,e tentou,em1845, congraçal-as,reunindo-as
n’umasó.Como abandonando maisumavezos seusgenerosos intuitos.
testemunho da alliança—arcade novaespecie—propozfazercon¬
struirumedificioadequado, queficariapertencendosociedade unifi¬ Ernesto VIEIRA.
á
FAIE NÇAS ‘PORTUGUEZAS mais completa do que seria, se acaso tivera por base uni¬
camenteos trabalhos, aliás muito valiosos interessantes,
e
de José Accursio das Neves.
Eis as condições mediante as quaes foi permittido, em
ÜX.OTAS 1769, Paulo Pauletti estabelecerem Portugal uma fa¬
a
o
brica de faienças:
«i. Queelle,fabricante,
a
a
allude meu espirituoso amigo que se occulta reino, vendel-apara mesmoreino suasconquistas,
o
emarma¬
e
a
culo, linha dupla, que apparece marcando algumas «2."Que seobrigaa fabricar ditalouçacomofficiaesd’estama¬
a
*J I 1
.®
sob duas fôrmas (que eu saiba) lettra P, isolada, Que selhe concedeo podertiraros mineraes do terrenoem
«
3
a
f
o fazermoinhodeaguapara ditafabri¬
4
Conjectura distincto investigadorportuense que pri¬ fim,pagandoelle,fabricante,a rendada terraqueo moinho seus
e
o
fabricante possacausar;
liano Paulo Pauletti. Quanto mim, acho plausível que Queselhepermitteo tomarcasasparaa ditafabrica,e assis¬
a
."
«
5
como as faienças portuguezas estão agora sendo collec- didadesprecisasparaaquelles fins,pagandoa rendaquefôr justa,
e
documento inédito, respectivo fabrica de Pauletti, «6. Que se concedemá dita fabricaos mesmosprivilégiosque
a
á
para publicar lista que o exame de alguns livros do¬ têemas fabricasda seda de pannos,pelo quepertencea mestres,
e
a
PINTURA DECORATIVA
DATEMPERA
PROCESSOS
OSDIVERSOS
RETRATO
DE
VASCO DA GAMA
Distinguia-se também uma restituição da antigapintura a Vê-se que todos estes esforços se concentram em dois
tempera dos quatrocentistas, baseada em receitas de anti¬ empenhos principaes: — encontrarum processo de pintura
gos formulários, encontradas pelo barão Pereira, e que ou¬ inalterável ao ar livre, e outro que possa substituir com
tros investigadores pozeram em pratica, aperfeiçoando-as. vantagema pintura a oleo. Quanto á primeira aspiração, o
Pertence a esta secção a Emulsions tempera,de Friedlein; problemaparece, quandonão resolvido,a caminhode se re¬
as tintas Sintonas, de Belkmann, e uma curiosa experiencia solver; no que diz, porém,respeitoá segunda,os resultados,
do professor Gussoiv, effectuadapor meio de tintas em cuja por emquanto,apresentampouca importância.
composição entram a argilla e o acido sulfurico. P. S.
SEQUEIRA
A historiadapinturaportugueza, Sequeiraé semcontestação tinho,Sequeirafoi nomeado, em1802, pintorda côrte,e incumbido
N umadasfigurasprimaciaes.
Discípuloda aulade desenhofundadaem1781,
Antoniode Sequeirareveloutão notáveldisposição paraa arte,que
de dirigir,comVieiraportuense,
Domingos novahabitação real.
A partird’essadata,diversas
os trabalhosde pinturad’aquella
0 "iAPOCALYPSE ESTAMPADO »
DE LORVÃO
I
occupamos é o mais antigo dos actualmenteexisten¬
tes em Portugal. Pertence ao ultimo quartel
do sé¬
culo xii. E um exemplar do Commentarioao
Apoca¬
lipse pelo monge Beato, de Liebana, obra de que
existem na Europa diversas copias. A nossa, era do
mosteiro de Lorvão e foi escripta, e,
provavelmente,
illuminada, por um certo Egas, em
1189.
Quasi da mesma epocha, e muito semelhantena lettra e
nas illuminuras, e o Livro das Aves, de Adramerio,
que
também pertenceu áquelle convento e hoje se guarda na
Torre do Tombo. Esses dois códicese algunsdos da famosa
collecçãode Alcobaça (felizmentequasicompleta)constituem
os mais antigos monumentos da illuminura em Portugal.
As estampas do Commentario ao Apocaljpse são
traça¬
das, incorrectamente,á penna, sobre fundos amarellos ou
vermelhos. Da ingenuidade do desenho, dão perfeita idéa
as gravuras que acompanham esta rapida noticia.
Diz Filippe Simões que as illuminuras dos mais antigos
códices hespanhoes que figuravam na exposição de arte
ornamental pareceríam perfeitas a quem as comparasse
com as do nosso Apocaljpse, — exceptuadasas do Breviá¬
rio mosarabe, anterior, segundo se crê, ao século x.
Mas, apesar da sua extrema incorrecção, têem um altís¬
simo valor, porque nos revelam alguma cousa ácerca dos
trajos, mobiliário, jaezes, etc., da epocha, e são raríssimos
em Portugal, como se sabe, os monumentosde tão longes
tempos.
E bastante curiosa, por exemplo, a estampa que repre¬
sentascenas da vida rural, — a ceifa, a vindima e um lagar.
A architectura reproduzida nas illuminuras d’este códice é
geralmentearabe, uma ou outra vez romanica.
Uma nota collocada em frente da primeira pagina, e es¬
cripta e assignada por A. Herculano, explica a natureza,o
valor historico e a proveniência, d’estebarbaro mas precio¬
síssimo documento da nossa primitiva illuminura.
ERTENCENTE e contiguo ao edifício publica, que vae encostar-seá parede do paço archiepis-
da Bibliotheca publica eborense,ha um copal, poente do terreiro.
grande celleiro, com sua porta voltada O celleiro da Bibliotheca tinha sua alpendrada, como o
a sul, abrindo para um terreiro; um do cabido; não sei quando, ha muito tempo com certeza,
recanto raro, especial, como acontece encheramos arcos; de modo que o celleiro tem hoje uma
tantas vezes na velha e gloriosa cidade especiede vestíbulo, e n’estedepára-sea porta que a nossa
alemtejana.— Imagine-se um pequeno terreiro, irre¬ gravura representa, que era a que antigamentedava para
gular, dividido por um socalco que o corta obliqua¬ o alpendre aberto.
mente, e em plano inclinado; de um lado, as altas Os dois batentessão formados de grossas tábuas de cas¬
paredes sombrias da sé; do lado do nascente,umas tanho, sem lavor algum; mas sobre os batentesapplicaram
casas pittorescas,varandas com parreiras,uma alpen- tarjas de ferro, alumiadas,muito lavradas, de vários dese¬
drada que é do celleiro do cabido, e um portal bra- nhos de nitida execução.A folha de ferro empregada terá
zonado que dá para o pateo de S. Miguel; do lado do i millimetro de espessura.Vinte pregos, de cabeças circu¬
-norte, a torre chamada de Sertorio, —onde está o lares e vincadas, fixam as tábuas nas travessas: treze de
decorativos,estão na tarja
observatorio meteorologico,— o celleiro e um lado do edifí¬ cabeçaslavradasem flor, muito
cio da Bibliotheca, e um passadiço, salvando em arco a via superior.
i36 ARTE PORTUGUEZA
As tarjas que estão ao alto são do mesmo typo; as duas A porta mudejar da sacristia da sé é notabilíssima; vi
inferiores e as quatro superiores são de motivos diversos; uma egual no museu archeologicode Madrid; nada tem de
de modo que a porta apresenta-nossete diíferentesfrisos, commum com esta.
ou tarjas, de ferro lavrado. É unica, esta porta! A grade do baptisterio é do século xv. Por isto podemos
Na tarja superior, pregaramuma sobre outra duas folhas talvez aventar que esta porta seja, ou as suas tarjas, da
do mesmotypo. Parece á primeiravistaqueaquellesfragmen¬ mesma epocha.
tos sobraram de outros trabalhos, e alguém os aproveitou O que é certo, é que esta porta é objecto para museu,
para ornar a porta. A grade de ferro do baptislerio da sé e será convenienterecolhel-a no que lhe fica vizinho, ou,
eborenseé muito notável; temuma cimalhaentreos batentes melhor ainda, transformar o tal celleiro, com alguns centos
e a decoração superior. Esta cimalha é ornada com uma de mil réis, em annexo do museu, o que é bem preciso,
tarja egual a uma das que se encontramna porta do celleiro. deixando a porta no seu logar.
Não conheço outro exemplo; nem sei de porta eguala esta. g. PEREIRA.
ARTE PORTUGUEZA i3 7
I
Só e solteira,quehaviadefazersenãosubstituir o enclausuramentouniversidade peninsular,l metteuestenome,semreceiode errar».
6
emumdosmuitosconventos alemtejanos ao encerramento naprópria Os nacionaes, pelocontrario, metteram Coimbra.Sabendo, porém,de
casa,ondetinhavividoatéentãocomo«viuvade observância», para scienciacerta,que nuncadamaalgumase tinhasentadonas ban¬
empregarmos a formulaclassicadaepocha? cadasdasaulasconimbricenses, idearama unicaexplicação possivel,
A idéadeutilisarpelaultimavezo seubellotalento, a fimde achar dando-a comocerta:queHortênsia vestiratrajesdeestudante, vivendo
umnovoprotector,nãoé extranhavel. incógnitanacompanhia dedoisirmãos.
Ignoramos seHortênsiafallourealmente empresença daSacraCe- Fizerammaleminventardoisirmãos,não se contentando como
sareae RealMagestade deFilippeII, comoa lendaquer,ou seteve, unicocujaexistência estáprovada, porque,d’estemodo, historiade
a
comotantosoutros,finurabastante paraemmudecer gelada deante do Hortênsiaficoudemasiadamente parecidacom de outrasmulheres
a
magestatico sociegodo impassível monarcha; ou seeste,desejoso de illustres, como,porexemplo, dacelebreD. IsabelVergara.
a
comprarcorações, nemmesmoa avistou,contentando-se comasin¬ Os poucosfactospositivosqueconhecemos, obrigam-nospresu¬
a
formações e recommendações dosinfluentes quea metteram nalista mir,tendoemcontao caractere tendências da nação do tempo
»
,7
e
dosquemereciam umatençasinha. O certoé queno diadapartidade queHortênsia, queencontramos emEvora,Villa Viçosa Eivas,mas
e
Eivas,depoisdavisitaá casade D.Catharina deBragança, FilippeII nuncafóradasuaprovíncia, foi doutrinada emcasa,comoquasitodas
dooua Hortênsiaumapensãoannualde i 5#>ooo réis,«havendo res¬ as filhasde lettrados»S, primeirona sua cidadenatal depoisem
e
peitoássuaslettrase sufficiencia», «perasemelhorpodersustentar e Evora,auxiliadapeloarcebispo D.João deMello, santodeaspecto
o
recolher»—mercê daqualsepassoualvará,comforçaretroactiva, oito mortificadoqueVenturinodescreve, proximoparentedeThomé
e
mezesmaistarde,a pedidodo príncipe-cardeal, Albertod’Áustria, o de Castro:recommendal-a-ia aospríncipese magnates nassuasre¬
vice-rei. petidasvisitas cidadedeSertorio, facilmente impetraria d’estee
e
Publicoo alvarádeFilippeII, queo sr.D. JoséPessanha obsequio¬ d’aquell’outro lentedo collegiodo EspiritoSanto,fundadopelocar¬
samente procurouparamimnaTorre doTombo.Acha-seahinolivro deal-infante emi55i transformado emuniversidade emi55g, favor
o
conhecidopela designação, D. Sebastião e D. Henrique,livro 45.°, delerem suaintelligente sobrinhaumprivatissimum emlinguas, let¬
á
a 217,v. diz:
fl.
e
e tc.
«D.Felippe, Faço saber aosqueestacarta virem,que,havendo mão,primeiropelaDoutrinachristãdo padreMarcos,apprendendo
respeitoás lettras sufficiencia de PubliaHortênsiade Crasto latimpela obra de ManuelAlvares,estudando depoiscom Mestre
e
e
a
e
haja tenhade minhafazenda, emcadaumanno,quinzemil réisde nissimos conselhos deS.FranciscodeBorja,que,comoGeraldaOr¬
e
a
vencerde 28diasdo mezde fevereirod’esteannopresente de581 ses .
9»
a
emdeante. Pelo quemandoaosvédoresdeminhafazenda quelhefa¬ Aos poetas, quenãoquizerem abandonar idéado disfarce,lem¬
a
çamassentar os ditosquinzemilréisde tençanolivrod’ellase despa¬ brareiapenasqueo trajedosestudantes era— talarpreto, rou¬
a
o
chardosditos28defevereiroem cadaumanno parteonded’elles petadosjesuítas.
é, a
pendente.
«Baptistade Guevaraa fez.— Eivas, doisdenovembro, annode Lancemos maisum olharsobrea nossagravura. Nãopudevêr
o
a
o
monásticos,
nheceo novonomereligioso. pontodevistadaarte,parecenãotergrandeimportância— fôr real-
BarbosaMachadodizquefoi sepultada noclaustrodosAgostinhos menteumaveraeffigie,talvezdatedoannodei58i emqueHortên¬
deEvora(Pantheondos Duques).Ponhamos d asAgostinhas ( vulgo, siaseresolveua enclausurar-se, nãopodendo s erposterior a oanno de
convento do MeninoJesus), teremosencontrado o mosteiroonde i5g5,emquemorreu.
e
malquerença,«mulherquesabelatim».»
a
5
a
varãoquemeinstruiu?Louvareiaquellequememostrouo meuver¬
dadeirodestino, abrindo-me asportasdoconvento? Ou antes:Canta¬
reihymnose psalmos aoCreador,que,concedendo-me a minhaintelli-
gencia,mefej ditosa?Ou ainda:Bemdireia quem,n’estasdensas
cercam, meder sciencia, desvendando -meos myste-
ICOU dito quemuitosentreos estudiosos, trevasquenos
a
quedo séculoxvnemdeante
culturaintellectualde Portugal,copiaram Ignoro-o.
asphrases deResende Ventu- Sabemos muitopoucodeHortênsia deCastroparaadivinharo seu
glosaram
e
e
como daassistência no paçode D.Maria, bliotheca hispana náoexaggerava muito quando dizia,
com relação Hortênsia
deCastro:
a
a
próprias
investigações ouaotrabalho dosseus
n’estefindarde devidos
i
os Parnasso padre
século,em que mulher, q ue tentadestruir gloriosa deFrancisco da Fonseca. Tampouco reli Enthusiasmus poeticus
do An¬
o
a
deVenturino,quecitámos,
)
dizexpressamenteque lhederam
ses, italianoinferiuqueellafizeraacto,depoisdetercursadoregu¬ Todos Hortênsia.italiano
O
osmaischamam Publia
a
o
Hortalus,náo p porém,
ertence, nome Publia .—Deveremos pensar, Thomé
0
em-
telli delia Misericórdia eu Portogallo, di mano di lui veg- quanto se demorou em Portugal, as más linguas cortezãs
gonsi i Sponsali dei Re Dom Emmanuele egi~egiamente rap- badalaram farta.
á
presentati. (Folheto do abbadede Castro, pag. 5. Raczynski, (Sobre este casamento: Historia genealógica, por A. C.
Les Arts en Portugal, pag. 317). de Sousa, pag. 235 seg. do tomo m.—Damião de Goes,
e
abbade. É necessáriamuita observação do natural e muita xxxiv.—Pinheiro Chagas, na Hist. de Portugal, vol. v,
pratica de pintar para se conseguir tanto. Pode-se reputar pag. ui g, etc.).
3
e
i
um bom quadro. O que sem duvida causa admiração é casamentofoi negociadopor D. Álvaro da Costa, vulto
O
que, tendo a irmandade da Santa Casa da Misericórdia de mui notável do tempo de D. Manuel, com o maior segredo;
Lisboa, pelo fatal terremoto e incêndio do i.° de novembro eífectuou-sepor procuraçãoemSaragoça,em maio de
5
e
8
i
i
,
de i 755, soffrido tantos destroços no seu sumptuoso edifí¬ por pessoasnahumilde igrejado Crato, emnovembrodo mes¬
cio, templo, alfaias, casa do despacho, secretaria e carto- mo anno. Chegaram ao Crato por uma tarde de novembro.
ARTE PORTUGUEZA
CASA PORTUGUEZA
(S. PEDRO DO SUL)
OS typos de casas
de S. Pedro do Sul que
apresentamos repro¬
duzidos em gravura,
têem bem definido ca¬
racter. Escadas exte¬
riores, com ou sem
guarda; varandas co¬
bertas, salientes, de
madeira.
Dois prédios contí¬
guos, um d’ellesfazen-
142 ARTE PORTUGUEZA
E o mestre, rindo, vae mettendona traça, das), se abremdois vãos devolta mui achatada,
brincando, os elementosque elleslembram na tendo entre si um pilar acompanhado de co-
sua ingenuidade. lumna, cujo capitel serve de peanha á estatua
—De que mais se lembrarão vocês? que representa effigiado o infante D. Henri¬
E fica, e ficou, representada a mente da que, em corpo inteiro, vestido de arnez, gre¬
epocha: o estadoda patria; a historia, a reli¬ vas e de cotta de armas. Aos lados e no mes¬
gião, a crença popular; o motivo do cultismo, mo nivel, vêem-seem nichosos dozeapostolos,
o elementoda moda, á romana,a par do trecho também de pedra e do mesmo tamanho. Por
do ultramar, do alem da barra, da sublime cima do remate da guarnição exterior do arco
foz do Tejo, que se ouve e se vê alli perto, maior, acha-seuma grandeimagemda Senhora
vaginaa mais gloriosa da civilisaçãomoderna. dos Reis, cuja é a invocaçãod’esta igreja. Está
E ficou a estatuado Infante, heroe da scien- á sombra de um magestoso baldaquim, que
cia e da patria, não da lenda; e a espherade guarnecesuperiormenteuma fresta ou janella
D. Manuel, e o escudo das quinas, e ficou a que fica sobre a porta, com seu pequeno nicho
religião, o Crucifixo, Senhor dos Afflictos, e a habitado em cada hombreira. Aos lados d’esta
imagem da Virgem, mãe dos desamparados, janella, se vêem outras doze estatuas de san¬
e o S. Miguel, que afugentao demonio e os tos, menoresdo que as de baixo*mas também
maus pensamentos. E até uma vez um can¬ comoestasemnichos, coroadasHe baldaquins.
teiro, num recantoescuro da igreja, quasi oc- Na cimeira,fica em egual correspondênciada
culto por uma folhagem, esculpiu o peixe, o balaustradado telhado o archanjo S. Miguel.
pequenino e adorado peixe, que muitas gera¬ Para os lados, vêem-se dois frestões ou ja-
ções de pescadores tem forrado de beijos e nellas altíssimas e com eguaeshombreiras de
lagrimas. lavor entresachado, tendo a cada lado, em
Essa fluetuação do manuelino representa, meio relevo, dois fustes como de supporte,
a meu ver, exactamente,o espirito do tempo. findando em agulha, etc.»
E um echo da celeumada multidão; está ahi Pag. i 3 e 14 da Noticia histórica e descri-
esculpido o evangelhonacional. ptiva do mosteiro de Belem. (Lisboa, 1842),
publ. s. n. devida a Francisco Adolpho de
*
# # Varnhagen.
# *
Do mosteiro de Santa Maria de Belem, no
seu conjuncto ou dos seus trechos, têem tra¬ OS PREGOS
tado muitosescriptoresnacionaese extrangeiros.Rackzynski,
Quinet, o moderníssimo A. Haupt são bem conhecidos. Em quatro janellas ou frestões da parede sul do mos¬
E de F. A. de Varnhagen a Noticia histórica e descri- teiro dos Jefonymos, os canteiros, adoptando o motivo de¬
ptiva do mosteirode Belem (Lisboa, 1842). corativo da pregaria, apostaram, ao que parece, em variar
Na Historia de Portugal, continuação á de Schoefferpor cabeças. As gravurinhas representam alguns exemplares
J. L. Dominguesde Mendonça (Lisboa, 1845),no tomo vm, escolhidos entre as muicas dezenas de typos. Hoje, que
vem, como appendice, uma notável Noticia histórica de tanto se falia em estylisar, merece attenção esta pregaria.
Sancta Maria de Bethelem. Onde procuraram os motivos? alli perto, na praia, nas plan¬
O abbadede Castro, Antonio Damaso de Castro e Sousa, tas da horta: ha o caracol, o buzio, a patela; a amora, a
escreveu sobre o mosteiro. No Archivo pittoresco, vols. 1, romã entre-aberta, a capsula da dormideira, e outras se¬
vi, vm e ix se encontram artigos acompanhadosde gravu¬ mentes; ás vezes um barrete talvez, ou o turbante mou¬
ras do interior da igreja, do claustro e do portal. risco; e a esphera sob a cruz, ou a flor de tres, quatro,
O architecto da casa real, J. P. N. Silva, tem trabalhos cinco pétalas. Os motivosestavam alli perto, como se vê.
sobre o mosteiro. O que eu acho admiravel, é a graça com que esseshomens
Ribeiro Guimarães, no Summario de varia historia, estylisavam, como sabiam aproveitar o elemento, dando-
vol. 111;
Mendes Leal, nos Monumentosnacionaes;no vol. 11 lhe com facilidade um tom artístico na adaptação propor¬
das Artes e Lettras, etc., ha noticias e descripçõesde muita cionada e harmônica.
valia. *
* * #
CIRCULAR
considero segunda
Impulsionava-me não só a minha dedicação por este paiz, que já
dade lhe deram outrora, doendo-me bastante que esses significativos exemplos não tenham
sido ainda sufficientemente vulgarisados, nem utilisados pelas artes e industrias actuaes,
que, aproveitando-os com certo critério, poderiam adquirir uma feição genuinamente por-
N’estes intuitos, comecei por traçar um programma diverso do das publicações simi¬
guezas no actual momento; procurei collaboração escolhida, quer litteraria quer artística;
diligenciei aproveitar, tanto quanto possível, na parte material, os mais seguros elementos
nacionaes, apesar de maior despendio, e marquei um preço inferior ao das revistas conge-
neres de outros paizes, suppondo que assim obteria as assignaturas suficientes para cobrir
dia houvesse lucros, era meu intento empregal-os em melhorar a publicação, e em promo¬
Os numeros publicados, se não definem por completo a natureza e intuitos d’esta Re¬
vista, cujo principal objectivo era dar ás artes decorativas a feição essencialmente artística
e nacional, cuja ausência tão ruinosa é para este paiz,—deixam, comtudo, suppôr o que seria
Sinto não ter podido, por falta de tempo, cumprir o programma no que se refere
valor e o alcance da nossa energica propaganda, que tendia toda, mais ou menos directa-
mente, á creação de uma arte portugueza, e portugueza de lei,—nova, sim, mas firmada
siva importação actual de productos que se não harmonisam geralmente com a raça, o clima,
Bem severa foi a lição que o meu quijotismo recebeu; não a julgarei, todavia, perdida,
se acaso alguém, com elementos mais poderosos e a indispensável protecção oíficial, con¬
seguir realisar o pensamento que me inspirou e a que obedeci, e podér demonstrar sen¬
Aos assignantes de anno, peço a fineza de me reenviarem os seus recibos, para lhes
ser desde logo abonada a importância do semestre de que lhes sou devedor.
O Proprietário,
Arte Portugueza. Revistade archeologiae arte moderna.Sob a
protecçãode Süas Magestades.Director Litterario — Gabriel Pe¬
reira. Director Artístico—E. Casanova.Secretarioda Redação—
D. José Pessanha.Lisboa: Janeiro a Junho de 1895.In-fól. gr..
6 núms.com o total de 144págs.e um Prospectode 4 págs.,em
um Vol. E.
Publicação e muitoapreciada.
de arteinteressantíssima Contém colabora¬
çãodealgunsdosmaisnotáveis portugueses
e artistas
escritores con¬
temporâneos,e estáornadadebelasgravuras a prêtoe a còres.Pri¬
morosa execução impressão
tipográfica; muinítidasobreóptima pape
—Colecção
inglês. completa,
MUITORARA.
REGISTO DE ENTRADAS
Observações
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Estado
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