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Arte portugueza

Lisboa.

https://hdl.handle.net/2027/gri.ark:/13960/t72v9dv0j

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DiRECTOR Littera-RIO— Gabriel Pereira. Director Artístico— is. Casanova.

Secretario da Redacção—-D. José Pessanha.

PROSPECTO

•SiMf E por toda a parte se estudam hoje com o maior

interesse as manifestações artísticas nacionaes,


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é porque se reconheceu que, pela sua natureza
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synthetica, a Arte define e caracterisa, melhor

iOU,, do que as outras fôrmas da actividade, o modo

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cie ser especial,
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própria
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v0 epocha e de cada povo, e constitue, ao mesmo


I ,
aoMuseu
Nadonai
deBeiia
sArtes tempo, o único íundamento seguro do progresso

e nacionalisação das industrias,

Portugal não tem sido estranho por completo a essa ordem de estudos.

Falta, porém, uma revista que offereça aos artistas, e aos escriptores que

se dedicam a estudos d’Arte, meio facil e efficaz de tornarem conhecidos

os seus trabalhos, e em que pouco a pouco se vá fazendo o inventario e archivandó


a summula, não só das especies da nossa antiga bibliographia artística, geralmente desco¬

nhecida hoje, como das noticias, artigos e monographias dispersos pelos jornaes políticos

e pelas publicações litterarias, e, ainda, das obras que alguns críticos e historiographos

estrangeiros, dos mais distinctos, têem consagrado á arte portugueza. A isto vem a pu¬

blicação que annunciâmos.

Advogar calorosamente os interesses da Arte, que tem, no actual momento, uma

importância extrema, quer como necessário correctivo da influencia cada vez mais enér¬

gica das preoccupações materiaes e como poderoso elemento de unificação moral, quer

como base do verdadeiro progresso das industrias; — contribuir por todas as fôrmas para

que o artista possa ter a ampla e complexa educação que a Arte exige e que o talento,

ainda o mais brilhante, não dispensa; — desenvolver e orientar a sensibilidade artística

do publico, para que este, comprehendendo e amando a obra d’Arte, envolva o ar¬

tista n’essa cariciosa atmosphera de interesse, de sympathia e de reconhecimento que

é para elle condição vital; — examinar cuidadosamente, á luz do critério comparativo, as

nossas manifestações estheticas, desde as mais evidentes e admiradas até ás mais obscuras

e desconhecidas, —desde a architectura dos templos e palacios até á ornamentação primitiva

e ingênua dos utensílios domésticos e dos instrumentos agrícolas;— ver como possam

ter applicação nos trabalhos artísticos e industriaes da actualidade, de modo a assignalal-os

e distinguil-os, não só os elementos mais originaes e característicos que tal exame revelar,

mas ainda os que a vida do povo e a natureza offerecem na terra incomparavelmente bella

da nossa patria, — taes são os intuitos d’esta publicação.

E sem duvida difficil, difficilima a empreza; mas nem por isso os seus iniciadore

duvidam do bom exito, porque vão tental-a com ardor, com enthusiasmo,
fé,

com con¬
e

tando não só com protecção de Suas Magçstades, que de modo tão claro têem mani¬
a

festado seu alto fino interesse pela arte nacional,


o

também com
e

mas mais larga


a

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dedicada cooperação por parte dos artistas
e

escriptores portuguezes.
e
Do proprio titulo d esta revista, e com maior evidencia ainda, da breve exposição

que piecede, se deprehende qual terá de ser o programma da Arte Portugueza. Indica¬

remos, todavia, os assumptos a cujo estudo ella vae principalmente e que


consagrar-se,

serão, quanto possível, tratados por especialistas:

Estudos geraes d Arte. —A arte nacional nas suas com a estrangeira.—


relações

Archeologia aitistica. Monographias de monumentos do paiz e colonias; plantas; vistas;

motivos artísticos. Ourivesaria; joalheria; ferragens; ceramica, etc. — Indumentária histó¬

rica; moveis; utensílios; caseirices. — Arte decorativa elementar, com applicações ao ensino

nas escolas industriaes. — Notícias de collecções e exposições em Portugal e colonias.—

Antiguidades portuguezas fóra do paiz. — Numismática; sigillographia; brazões de cidades

e famílias; bandeiras; symbolismo; iconographia. — Archeologia naval e militar. — Sceno-

graphia. — E quanto seja relativo ao ensino e progresso das Bellas-Artes no paiz.

A Arte Portugueza publicará modelos de ornamentação com motivos nossos; padrões

que as manufacturas e escolas especiaes possam utilisar, e projectos de eonstrucções de

caracter portuguez e susceptíveis de serem realisadas com materiaes do paiz.

Esta revista vae ser, portanto, uma publicação essencialmente portugueza: — pelo seu

programma, porque unicamente se occupará da arte nacional e da estrangeira nas suas

relações com a nossa; pelos seus intuitos, porque tem em mira contribuir para o desen¬

volvimento artístico e industrial do paiz, e, estudando o nosso passado sob o aspecto

singularmente eloquente e suggestivo da actividade artística, fundamentar e robustecer

o sentimento da nacionalidade; — pela parte material, emfim, porque só intervirá n’ella

a industria estrangeira, quando a nacional de nenhum modo possa corresponder ás exi¬

gências de uma publicação como esta, em que é de todo o ponto necessário que a gra¬

vura seja a reproducção mais perfeita, mais rigorosa, mais nitida da obra d’Arte estudada.

Assim, as lettras capitulares serão expressamente gravadas para a Arte Portugueza,

e parte copiadas de antigos códices illuminados dos nossos archivos e bibliothecas, parte
de composição inspirada em elementos nacionaes e nos proprios artigos a que se destinem,

de íabncaçao nacional, propno


papel, só será empregado estrangeiro emquanto o não haja

de zinco-gravuras; e na reproducção de desenhos e photographias por


para a impressão

meio de processos chimicos (industria que, neste momento, começa a desenvolver-se

entre nós), será aproveitada a actividade das officinas portuguezas em todos os trabalhos

cuja perfeita execução seja compatível com as circumstancias especiaes de uma industria

nascente, (g^g^

Que a parte typographica ha de ser primorosa, garante-o a excellencia dos materiaes,

e a provada aptidão dos artistas, da Imprensa Nacional. 5£$Sg^

A Arte Portugueza excluirá completamente toda a litteratura alheia aos seus intuitos,

assim como a critica pessoal e subversiva. Os trabalhos serão quanto possível documentados.

A Arte Portugueza publicar-se-ha mensalmente. Cada numero comprehenderá vinte

e quatro paginas, ou dezeseis e uma photo-gravura, agua-forte ou chromo-lithographia,

em folha separada. Todos os numeros serão profusamente illustrados. Papel e formato,

os d’este prospecto.

iASSIGNATURAS

Continente, Açores e Madeira:

Anno.

Semestre 3®2 0 0

Outras colonias e estrangeiro:

Anno. 8»ooo

(Pagamento adeantado)

Numero avulso. 6oo réis

Assignaturas e annuncios, recebem-se na Administração e na Livraria Ferin (R. N. do Almada, 74)

Redacção e Administração: — Rua do Salitre. 346, iS — LISBOA


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ReVISOToeMWoM SOB n PR076CÇfl0
e ÜR76 ffiODeRWI De SüfJS (DJMà DES

DiRECTOR LiTTERARIO — Gabriel Pereira. Director Artístico— iT. Casanova.

Secretario da Redacção— D. José Pessanha.

Anno I Janeiro de 1895 N.° i

cessária a indagação das antigas fôrmas de cultura, e o


augmento do saber, implicando nova direcção do espirito
artistico, do gosto, instou pela exclusão de elementosana-
iARTE EORTUGUEZA chronicos, ou de diversa origem. A acção deve passar-se,
e tem mais verdade, no seu meio proprio. Por isto, por
toda a parte se trata de arte nacional. Precisámos para a
historia, para a novella e para o drama, para todas as artes
plasticas, para as decorativas e suas applicaçoes, dos ele¬
mentos nacionaes; indagar de todos os vestígiose manifes¬
RTE, em sentido tações da vida portuguezana arte, conhecerfactos e fôrmas
geral,é o modo defa¬ que tenham caracter, e estudar a sua possivel applicação.
zer qualquer cousa, Repare-se que é nos paizes industriaes que se trabalha
segundo certo me- principalmente na arte decorativa.E como entre nós se vae
thodo. Tudo o que tentando vida nova na industria, impõem-se os estudos de
para existir careçada arte portugueza.
intervenção da von¬ Elementos nacionaesnão faltam.
tade, do espirito e da A cada passo se topam vestigios da arte antiga; elemen¬
mão, é arte, ou obje- tos de artes ingênuas,barbaras, e primores das civilisações
cto de arte. Aptidão classicas;o nosso paiz é mina archeologicainexgotavel.Cabe
manual executandoa na Arte Portuguesa a menção e estudo desses monumen¬
idéa é a base do ar¬ tos; mais attenção,todavia, merecemos nacionaese os que
tista. Artes plasticas, immediatamentese lhes relacionam; havia arte e traba¬
artesdo desenho,são lhou-se muito na alta Edade-media, na patria portugueza.
as creações que im¬ Na agitação dos primeiros tempos da monarchia, no meio
pressionam pela vis¬ de luctas com mouros, das guerras civis e internacionaes,
ta:— a architectura, a esculptura, a pintura, as tres da difficil gestaçãoda vida social, havia ainda (o que mara¬
superiores ordens de creação plastica. vilha) espirito, vontade e meios para erguer uma infinidade
A arte apparece logo nas origens da humanidade; o ho¬ de templos e castellos; a ourivesaria portugueza engenhava
mem é ornamentista antes de ser operário, procura o en¬ peças importantes; nos mosteiros escreviam e illuminavam
feite e excusa o vestuário. Na prehistoria do território por- códices e pergaminhos, de miniaturas e iniciaes artísticas
tuguez, a cada passo vemos o desenhogeométrico,pontos, que chegarama nossos dias no seu fino e vivo colorido.
linhas, series de círculos ou ângulos; mas, muito primitiva¬ O desenvolvimentoda architectura religiosa no território
mente, o artista prehistorico fez mais:—reproduziu em de¬ portuguez, logo no primeiro reinado, é um prodígio.
senho e esculptura a planta e o animal bravio. A arte portugueza tem muito que mostrar nos porticos
A arte decorativatem mais convenção,que realidade; al¬ e capiteis de Villar de Frades ou da Povoa de Mileu, nas
tera o motivo real para o adaptar; antesda Grécia, que che¬ grandes cathedraesde Affonso Henriques. Cresce ainda o
gou ao culto da fórma, da attitudee da expressãohumana, interesse deste estudo pela documentação;a velha Sé de
houve o Egypto e a Assyria, assombrosamentedecorativos. Coimbra tem historia escripta logo na sua origem. O que
Actualmente, chega a ser difficil marcar o ponto onde ter¬ foi a arte em tempo de D. João II e D. Manuel, contam-no
mina a grande arte e começa a decorativa. A arte e a in¬ edifícios e chronicas.
dustria vivem em contacto cada vez mais intimo; o artista E não podemos olvidar um facto importante: com as
precisa do operário, este não póde viver sem o artista. descobertase as conquistasultramarinas, a arte portugueza
Assim, vemos cada dia mais importantes as applicaçoes alastra-se; de Lisboa sáem architectos que vão fazer, ar¬
das bellas-artes á industria. O augmento e a maior inten¬ mar, concertar muralhas e castellos, igrejas e palacios, no
sidade dos estudos históricos, que deixaram de tratar ex¬ Algarve d’alem, nos Açores e Madeira, na Mina, na índia,
clusivamente os grandes factos para entrar no estudo do no Brazil, e n’essesvários climas a nossa arte vae, na ada¬
ambiente social, na analyse da vida humana, tornaram ne¬ ptação, soffrendo modificações.
2 ARTE PORTUGUEZA

da Beira, do alto Alemtejo, do Alemtejo central


Não sei explicar-mepor que não tem sido mais cultivada Estrella,
a
a paizagemportugueza; pintura dos campos é aqui recen- têem os seus estylos, as suas maneiras; ás vezes, n’esses
e conhecidopor lavores decorativosapparecem elementosque nasceram ha
tissima. Aquelle mau preciosíssimopintor,
do e do interior muito, que os ceramistasprehistoricos dos barros achados
morgado de Setúbal, teve o instincto povo
de Cascaes e Palmella, já conheciam e usavam.
caseiro•,pintava mal, não sabia dispor, ignorava a perspe¬ nas grutas
ctiva, mas possuia uma singular intenção na arte, tinha o De Castro Laboreiro ás ribas de Cacella, varia o trajar
o paiz do tamanco, da bota, do sapato; do
instincto nacional; mas, se estudouo campesino,não cuidou do povo: ha
do gabão e da manta; das côres vi¬
da paizagem. E, todavia, habitavan’uma localidaderica de chapéu e da carapuça;
e do tom escuro; como ha o paiz do caldo verde, das
aspectos de veigas, de doces collinas, ásperos montes, fres¬ vas
Em sitios, o trajar muda de freguezia
cos arvoredos. Todos faliam dos campos mimosos do Mi¬ migas e da assorda.
N’um grande mercado de Braga ou Barcel-
nho, do agreste Gerez, dos encantosde Cintra. Agora, que para freguezia.
de dezenas de povos, diversos nos
está facil o caminho do Algarve, será conhecida em breve los, apparecem trajos
saias, nos botões, e ainda no modo
a ria de Portimão, Monchique que é uma joia, os grandio¬ lenços, nos colletes, nas
os diíferençar.
sos panoramas da Foya. Porque isto é um paiz tão lindo, de usar, com sufficientescaracterísticaspara
que até parece que Deus mandou fazer mirantes para os Nas grandes romarias, onde os ranchos convergem em
seus bailes, fogueiras ou funcçÕes,ainda
homens gosarem as vistas: Cintra, para os campos lumino¬ festa, e armam os
sos, o mar, a barra do Tejo, a curva d’entre cabos, uma a distincção é mais frisante.
maravilha! E Palmella, para esta deliciosa mesopotamia Até o velho maioral põe medidas e laminas na volta da
na fita do chapéu.
d entre Sado eTejo; e o Formosinho da Arrabida para ver samarra, e uma pena de pavão
o oceano que vem psalmear nas rudes escarpas da serra Varia o carro, o jugo de bois, a alfaia da parelha; muda
da agua; varia o proprio lar.
mystica; e Santa Luzia para o valle do Lima, e a Foj^a,a a vasilha
grande montanha algarvia, para ver serras e valles e es¬ Nos tempos antigos, na vida actual, ha muitos elementos
teiros, e arrebentaçõesdo mar, no extremo da Europa; e para o pintor historico, para o paizagista, para o decorador,
arte.
aquelle promontorio sagrado, o cabo de S. Vicente, celebre e para todas as manifestaçõesda g. PEREIRA.
desde os phenicios, esmaltadode lendas, já mysterios em
tempo dos gregos, de tradições christãs, e de feitos trium-
phaes do genio portuguez. Bem extraordinário que é este
ultimo miradouro; até a rocha é especial, a foyaite; e na
região alta da serra, domina um arbusto raro, a adelfeira, ^ARTE nAVAL
de bello aspecto virente e matizadas flores. A vegetação
portugueza, aqui está outro conjuncto de elementos: ha
plantas mais nossas que outras; e que aspectos diversos,
dos carvalhos de Alcanede aos loureiros da Arrabida, á al¬ ESTUDO da artenaval, se
farrobeira algarvia! Dos areaes da Troia vestidos de gran¬ bem merece ser apreciado
des giestas brancas, em massiços transparentes, das char¬ por aquellesque se dedicam
necas alemtejanas,que são jardins da primavera, de urzes, ao serviço do mar, não
estevas,rosmaninhos! Ha mattos de alecrim, moitas de ro¬ menos deve captivar quem
seiras, loendros pelas ribeiras, campos coalhadosde lyrios, unicamente o avaliar como
vallados de murtas e madresilvas, congossas de folhas de historia da arte, já pela va¬
setim e pétalas violaceas, pilriteiros com as flores em plu¬ riedade dos navios, já pela
mas alvas de neve; cantinhos frescos da Arrabida onde, ornamentação de cada um.
entre rendas de fetos, as peoniasabrem corollas escarlates; Desde a singela barca ou ca-
violetas brancas nos cerros das Beiras; no alto da Estrella, ravella alcatroada,esbelta e
num algar da lagôa Escura, entre o servumverde,vi amo¬ graciosa, das primeiras des¬
res perfeitos côr de palha. cobertas, até ás caprichosas curvas das pesadas naus da
No areal da beira-mar, beijado, batido pelo Atlântico, carreira da Asia; desde as alterosasnaus do ultimo século,
estende-seum rosário de povoadospescadores.O elemento ricas de ornatos e dourados das suas varandas magestosas,
marítimo impõe-se na arte. Elles têem o cabo e o barco, o até ao severo e acerado aríete das fortalezas fluctuantes
remo e a véla, a rede e os cem artifícios da pesca;variando do nosso tempo; grande e variado é o estudo archeologico,
a fórma dos barcos de costa para costa, mudando nomes e mais não seja senão para conhecero aspectogeral e algum
pinturas; uns parecem crescentesnegros, outros vestemde detalhe artístico dos navios, a que tem de se dar o amador.
côres garridas, com seus grandes olhos pasmadosna proa. Desenhar com correcção qualquer modelo de tão vasta
Nas ruas do povoado, as mulheres, emquantoelles vogam galeria, já demonstra louvável estudo, pois sem critica pró¬
no mar, vão nas almofadas manejando rapidas as dúzias pria para avaliar a maioria dos documentos ácerca de mar
de bilros, fazendo a renda marcada pelas companhas de e de navios, arrisca-se o menos sabedor a cair em erro de
alfinetes em piques tradicionaes.Vê-se que ha arte decora¬ navegar por mar pouco seguro.
tiva, industrial, e aptidão manual no povo portuguez; ha a O desenho á penna, que temos a honra de apresentar,
mão, o espirito e a vontade. filia-se na boa escola. E dum navio do fim do século xvn,
O pastor é musico, poetae esculptor. Na suafraita sem e por elle se poderá fazer uma idéa geral, mas verdadeira.
chaves elle sabe dizer uns motivos simples; tem decimas Deve ser inspirado na escola hollandeza; uma fragatinha,
de cór, narrando alegrias ou casos pittorescos; e nas horas ou Jluit-schip aventureiro, que cruzou vergas de joanete,
de calma, á sombra do zambujeiro, com uma navalha de proprio para transporte de tropas, ou hospital de qualquer
pataco mercada na feira, elle lavra pacientementeo tarro esquadra empenhada em façanhas bellicosas. Em França,
de cortiça, a colhér de buxo ou laranjeira, o chifre para a vulgarisou-sea Jlute e não lhe faltaram viagense combates.
polvora; ha regiões, ha escolas, n’esta arte; os pastores da Em Portugal, por esse tempo, raros foram os navios sem
ARTE PORTUGUEZA 3

acastellados, e ainda de 1774 a 1776 os de Macdovall em


operações na costa da ilha de S. Catharina
lha escola portugueza.
O fluit-schip hollandez, a que já ouvimos
chamar fusta, sem de modo algum a con¬
fundir com a dos séculos anteriores,foi por
elles muito usado na navegaçãodos mares
da índia. É o que me parece poder con¬
cluir de uns livros velhos que tenho visto,
e mais ainda: ahi por 1640,nenhum d'elles
usava castello de proa, e só tarde lhe mo¬
dificaram a construcção, por ser mais
própria para o mar. A pink, pinqite, era
parecida com a Jlute; tinha porém muito
chão de caverna,grande amassamentopara
defeza da abordagem, a popa redonda e
elevada.O jlibot de Inglaterra, donde veio
o nome aos flibusteiros, era embarcação
similhante, boa de véla, e própria para o
corso. Acérrimas inimigas da Hespanha -
e Portugal, contribuiram para lhe guerrearem a marinha. tante para lhe determinar a data e a nacionalidade, as¬
Da fragatinhaque vemos no desenho, navegandodevento sim o apparelho do gurupés nos define a epocha do navio.
em pôpa, destemida, á caça de uma outra que se enxerga O mastaréo, as vergas, o velame indicam os tempos de
pela proa, talvez viesse a idéa para a construcção e apro¬ D. João IV a D. João V.
de
veitamento das celebres fragatas, que tanto contribuiram Quem sabe? talvez a formosa fragatinha navegasse
com os seus cruzeiros para a independenciada união-norte- conserva com o Monte de oiro, ou andasse no Atlântico
americana. Com a mesma tactica de combatecom que nos comboiandoa frota do Brazil, de guarda aos diamantes da
tinham batido nos mares do Oriente, soffreram então as Tij uca, ou, offerecendoo costado aos tiros de turcos aguer¬
frotas de Inglaterra um golpe profundo e valoroso. ridos, entrassecom denodo no combate naval do cabo Ma-
Assim como um pequeno detalhe da armadura é o bas¬ tapan.

A velagrande
-Accvadcira.
Ú-mastroJapapa
A grande
gaoea.
A.peuucnagauca
ouve/ua
AJotremexena.
Ojoanete
maior
de
(fjoaneie proa
íJj°depopa.
doestai
vela. maior
0cutel/omenor
5)."damexena.

Copia pertencente
daepocha,
aguarella
deuma m0
aoex. sr.Augusto d'Araújo.
Gomez
4 ARTE PORTUGUEZA

O desenhode um navio póde sempre dar assumptopara Boytac, ahi trabalhou, é certo; consta de escriptos authenti-
a narração de um feito heroico da marinha portugueza. cos; mas, cousa de reparar, o que ha em Setúbal, que joga
O segundo desenho, cuja origem ignoro, destinado, ao perfeitamentecom as maravilhas de Santa Maria de Belem,
que parece, a fazer parte de qualquer encyclopedia,onde, os Jeronymos, onde esse architecto, de origem franceza,se¬
por costume, se falia de muita coisa sem tratar em detalhe gundo noticias recentes do sr. dr. Sousa Viterbo, também
de uma só, por si mesmo se explica. Duas naus, talvez trabalhou, é o portal norte da igreja de S. Julião. E elegante
ainda das construídaspor Pombal, certamentealgumas das e opulentissima construcção, poderosa, com os seus fustes
que acompanharamD. João VI para o Brazil, têem as suas e arcos carregados de lavor, de folhagens, de tranças, e
velas e cabosnumeradospara facilmentese poder apprender larga pregaria estylisada.
a nomenclatura.É um trabalho curioso, onde claro se vê A porta da Gafaria tem a padieira singelamenteornamen¬
a influenciafranceza; e, mais ainda, porque á data de 1828, tada, e gravado o versículo biblico, tão desolador, vanitas
escripta em baixo, era vulgar na nossa armada technologia vanitatum et omnia vanitas. As gafarias, hospitaes ou al¬
nautica bem differente.Para o estudo das naus d’essetem¬ bergues de lazaros, ficavam fóra dos recintos muralhados,
po aconselhamosos magníficosmodelos da Escola Naval de para isolar da gente sã os miseros atacadosdo terrível mal.
Lisboa, alguns dos quaes são verdadeiros documentosde Mui notável a historia d’essa enfermidade, hoje felizmente
archeologia naval, e obras de arte primorosas. pouco vulgar; raríssima ao sul do Tejo, e muito mais rara
do que antigamenteno resto do paiz.
Outubrode 1894. OLIVEIRA-
O antigo hospital dos lazaros de Coimbra parece um
edifício mosarabe, com as suas rotulas e ameias escalona¬
das; ahi, o canteiro não abriu na pedra lettreiro pessimista,
mas lavrou gargulassemi-comicase semi-tragicas,represen¬
tando rostos deformados pela moléstia. No sul do paiz, o
mal descaiurapidamentedo século xv para o xvi.
ONUMENTOS DE SETÚBAL A porta da igreja de S. João (convento de freiras extin¬
cto nas luctas políticas de i 832-i 834, sendo as reclusas
então existentesdistribuídas por outros mosteiros), embora
pertencenteao manuelino, tem uma decoração sui generis;
João Vaz aguarellou uma pagina artistica bem notável, o artista lavrou ahi os symbolos da eucharistia:—a vide car¬
com trechos característicosdas mais antigas regada de cachos, e as espigas de trigo.
construcções
de Setúbal, sua patria. O brazão de Setúbal, —o castelloá beira-mar, a vieira e a
Bem pouco resta, na linda cidade do Sado, dos seusve¬ espada de S. Thiago (Setúbal foi dependenciada ordem dos
lhos edifícios; mas esse pouco merece muita spatharios, que por séculos tiveram a sua casa principal
attenção.
E resta pouco, porque Setúbal tem sido victima dos ter¬ no historico e pittoresco alcaçar de Palmella),— é um destes
remotos; os grandes tremores de terra de i53i e de i;55 gloriosos escudos portuguezes, tão característicos, que pa¬
foram fataesá cidade; e o do dia 11 de novembro de 1858 recem representaro genio nacional:— o castello e o mar, a
íez ahi mortes e centos de ruinas, em dois abalos apenas,
guerra e a aventura.
espaçadosde hora e meia, que foram sentidostambém em Setúbal tem larga historia; pelo seu porto e
Lisboa, mas com menor intensidade. vizinhança
da capital, foi consideradade importância militar; a cerca
O grupo disposto por João Vaz mostra-nos a torre-mi- de Affonso IV ainda se reconhece, e ha d'ella antigos de¬
rante e o celebre portico do mosteiro de Jesus; a porta da
senhos, assim como das obras posteriores. O castello de
Gafaria, e a entrada monumental do lado norte da igreja S. Filippe é a mais completa e bem conservada cidadella.
de S. Julião; o portal da igreja de S. João, o brazão de
Filippe II a fez construir, e ahi trabalharam dois enge¬
Setúbal, e um capitel do claustro de Jesus.
nheiros militares de gloriosos nomes,Tercio e Turriano.
Essa torre-mirante do extincto mosteiro das freiras tem
Com o chamado castello velho, o barrete de
para nós merecimento,com a sua grade de tijolo caiado, clérigo de
Bianc Annes e outras
e os seus ornatos angulares, terminando em fortificações dominando arredores e
espherasou estradas de Setúbal para o Alemtejo e para a capital, e
grandes pelouros. Em Lisboa havia uma parecida,que des- que
ainda serviram em 1834 e 1847,constitue, por assim dizer,
appareceu,talvez em consequênciadas exigências
urgentes um campo de demonstração bem definido da historia da
da moderna civilisação; que desappareceuha
pouco, ha fortificação permanenteem Portugal; e para o mar, para
algumassemanasapenas:—era a do conventoda
Esperança. a defesa do porto e da barra, outra serie de
Ficou um desenho!Para quem desejarsaber fortalezas, de
algumacousa D. João I até ao século presente.
do aspecto, conhecer um trecho do celebre
convento da Apesar dos terremotos que tanto a castigaram, Setúbal
Esperança, restaum desenhoda torre apenas!Onde ?
Numa ainda tem que estudar e admirar.
pagina de Haupt, que, passando por Lisboa, o lançou
no
papel, impressionado pela originalidade do mirante
monas-
tico, com as suas grades de tijolo.
A igreja de Jesus chama a
attenção por muitos moti-
vos; é um edifício que se ergueu em tempo de
D. João II
e de D. Manuel; a quadra do mosteiro é
bem curiosa- a
sacristia e a casa capitular são de Filippe II.
Na igreja' o
corpo é anterior á capella mór; o portico é uma
das pecas
mais antigas e conservadas;a grande fresta
deve ser mais
moderna que o portico. N’essa estreitajanella,
ha fragmen¬
tos de vidraes antigoscom
monogramma,em que será bom a
reparar, por ser peça bem rara no paiz.
Que Boutaca, ou
ARTE PORTUGUEZA

cedendoa conselhosprudentes, fizera seuprimo,AffonsoVII de

a
Leão,—foicomsuamulher filhos,descalço de cordaao pescoço,

e
e
offereceraorei leoneza suavida desuafamilia,emsatisfação da

e
a
promessa, ao verque,tendotomado governodePortugalemcon¬

o
sequênciada batalhade S. Mamede,AffonsoHenriquespassárao
Minho realisava conquistas naGalliza.Comosesabe, rei deLeão,

o
e
impressionado por essebelloacto,menosvulgarn’aquelles tempos do
queseimagina,desobrigou da suapalavrao pundonoroso cavalleiro.
Dominadopelaidéada independencia,tendo,ao mesmotempo,

e
de repellirpor vezes arabe,AffonsoHenriques, infatigávele tena¬

o
císsimo,ora luctaao norteora militaao sul,ora guerreia leonez

o
orabate mahometano, atéque,após victoriadeOurique(victoria

a
o
quese liga,como sabido,umadaslendasdanossaEdade-mediai,

é
a
toma titulode rei, queveiuafinal ser-lhereconhecido em 1143

a
o
por AffonsoVII, no convêniode Zamora, annosdepois,— termi¬

e,

nantemente,pelopontíficeAlexandreIII.
AquelletriumphoencheudeanimoAffonsoHenriquesparaentrar
emcampanhas maisregulares maisfecundas, comoobservaumhis¬

e
toriadormoderno, marca,porisso,—qualquerquetivessesido sua

a
importância militar,—umadatanotávelna historiada constituição
políticada nacionalidade

É,
portugueza. portanto,justificadaa me¬
móriaqued'ellefazemosauctores do quadrinhoquevouanalysando.
brilhanteseriedevictoriasquesesegue,—Santarém, Lisboa,Pal-

A
mella,Cintra,Alcácer, — as conquistas queno modernoAlemtejo

e
iamsendorealisadas, — deBejapor FernãoGonçalves, deEvora

a
pelofamosoGeraldo-sem-pavor,— lá estão,emparte,representadas.
Nãoforamesquecidas as fundações religiosascomque,segundoo
OUÇAS palavras, apenas,de apresentação, vistocomo espiritoda epocha,o valenteguerreirocommemorava os seusmais
iftSfêüB seja tare^ a escusada mostraraosleitoresdaArtePortu- brilhantes feitosd’armas. Alli nosapparecem (desenhadas com as¬

o
Sueí a {luea historiaconstitue umaaltae eloquentíssimapectode agoraparaseremfacilmentereconhecidas) tres d’ellas:—
V< ao mora i j tl uenao^cousa indifferentec onhecermos sé de Lisboa, mosteiro de S. Vicentede Fóra de Alcobaca,

a
JUiWlw

e
o
ou Í8norarmos ° nossopassado, porquedoconhecimentoquetãonotávelsetornou,e cujosmonges sedeveo aproveitamento
JP

e a
d’elledepende a consciência do quepodemosser;e, emfim, deumaextensaárea,inculta erma,na altaExtremadura.
v.K ^uea historia patria,nasuapartemaisgeral,pódee deveser
ensinada ás creanças, porque,mesmodepoisde extremada a
realidade, daslendas,por vezesformosíssimas, emquea imaginativa
peninsular a envolveu, muitolica aindan’essagloriosahistoriaque
apprender e admirar,muitossãoaindaos exemplos, —que ninguém
dirádesnecessários,— decavalheirismo, delealdade, dehonradez, de
abnegação, decoragem, deamorpátrio,querefulgem, commoventes
e persuasivos, nassuaspaginas maisincontestadas.
O compendio dahistoriadePortugalquetenhoa immerecida honra
deapresentar aosleitoresd'estarevista,vaesemduvidaassignalar-se
e distinguir-se entreos demais, nãosó pelasuafórma,inteiramente
novae original,comotambém peloseugrandevalorpedagógico.
É essecompendio formadopor umaseriede pequenosquadros,
compostos pelosr. viscondede Coruche,—um estudioso e umpa¬
triota,—e desenhados pelodirectorartísticodaArtePortuguesa.
Em cadaum d’ellesestãorepresentados, por meiode rápidose
suggestivos esbocetos, quebrevíssimas legendas completam, osfactos
principaes decadareinado. Nãosepódeimaginar expressão graphica
dosacontecimentos—mais simples, maisclara,maisinsinuante.
Os instructivos quadrinhos queformamestenovocompendio, de¬
verasattrahente (sãotão raros,diga-sede passagem, os livros de
ensino,portuguezes, a quetal qualificativose possaapplicarcom
propriedade!), hãode pouco pouco,apparecendo
ir,

nascolumnas
a

estarevista.Maistarde,serãopublicados emseparado.
d

Figuramn’estenumeroos dois primeiros: — que constitueo


o

frontispício(note-se querepresentabandeira portuguezainscreve


a

muitosdadosestatísticos)o correspondente aogovernodeAfifonso


e

Henriques.
cruzcom datauói, recorda
A

instituiçãodeumaordem,meio
a

Examinemos esteultimo.
monastica meioguerreira,quetinhapor alvo, exemplode outras,
herelogo attenção imagem
a

donossoprimeirorei, audacioso, luctacontraos


a

infiéis, que,depoisde ter tidosédeemCoimbra,


a

tenaz, bravoAffonso,justamente cognominado Conquistador.segundo


o

secrê, emEvora,veiu estabelecer-se


o

Como grandeestatuário emAviz.


a

SoaresdosReis,no monumento
o

de Gui¬ outracategoria defactosattenderam


A

marães, Casanovarepresentou-o com as armasda epocha: aindaos auctores do com¬


—cervi- pendio: aos economicos;e por isso
Iheira cotade malha,capacete de fórmaum tantocônica,espada tempode D. consignaram n’elleque no
e

defolhalarga punhoemcruz. Affonso Henriques,o marcode ouro amoedado valia


e

1:620 soldos; com palavrarnorabitinos,


e,

quizeram
a

triumphoalcançadoem 1128no campode S. Mamede, lembrarqueesta


O

junto designação arabefoi adoptada paraalgumasdas moedasdo nosso


áqueliacidade,contra exercitodeD.Thereza,porseufilho,
o

Affonso primeirorei. esses rnorabitinos,queseficaramdenominando


A

Henriques, poralgunsbarõesportugalenses, alfonsis,


e

que,descontentes com da lei monetaria deD. AffonsoIII o valorde soldos.


a

attltudedelia, se haviamagrupadoem tornodo joven


3
a

fogoso Ve-se,pois,queos successos


e

príncipe,a quemsuamáe,apaixonada pelo condegallegoFernando quevaede capitaes d o importantíssimo periodo


Peres,afastava dosnegocios 1128a 1185; osfeitosd’esse valentee prestigioso príncipe
doestado,— essavictorialá estáfigurada quem eventosa
a

como está,egualmente, aquellenobilíssimoe tocanteprocedimento obrada constituição políticada nossanacionalidade


o

de EgasMomz,o honradoe cavalheiroso (obracomeçada, embora, por seupae auxiliadapelastendências se¬


e

aio de AffonsoHenriques paratistas queentãosemanifestavam


quando,fiadorcomoera da promessa de vassallagem, nasdiversas provínciasdaPenín¬
que,cercado sula),tudo apreciável
compendio
o

no caslellode Guimarães semmeiosde resistência, o moçoinfante, memora.


e

José PESSANHA.
ARTE PORTUGUEZA

O architecto dos Jeronymos não tem que se receiar do


A ARTE PORTUGUEZA EM 1894 que ergueu a Batalha, nem este do que traçou o Convento
de Christo, de Thomar: campeiam solitários, longe, afasta¬
dos uns dos outros; se não se realçam, tambémnão se pre¬
judicam.Verdi, fazendo cantaro seu Othello em Milão, não
Asexposições se sente affrontado com as obras dos Rossini e dos Meyer-
beer; alli, n’aquelle momento, reina elle, sem rival, no espi¬
E eu fosse pintor ou esculptor, um dos mo¬ rito dos que o ouvem. As maravilhas, as obras primas dos
numentos mais. dolorosos da minha vida, grandes maestros, não lhe disputam, n aquelle templo da
arte, os applausos, as ovações. O seu poema, a sua tragédia
como artista, seria aquelle em que, termi¬
nando o quadro ou a estatua,deposta a pa¬ lyrica, como os pensou e escreveu, assim os vê represen¬
leta ou o cinzel, me despedisse da minha tados: é aquelle o seu theatro, aquelles os seus cantores,
aquellesos seus scenographos,aquelle o seu publico. O seu
obra, por tanto tempo acariciadae querida. E essa dor não
sonho, a sua phantasia, a sua ambição,vê-os alli de todo o
seria sempre a mesma, não teria sempre a mesma intensi¬
ponto realisados. E a sua obra é a unica applaudida, como
dade: é que a affectuosae discreta hospitalidade da gale¬
elle é o unico triumphador.
ria, do gabinete de um amador, não é a que se encontra
Onde está hoje, para o pintor e o esculptor, essemomento
nos salões tumultuosos de uma exposição: a galeria pôde
raro, que lhe vem pagar, coroando-ocom o nimbo refulgente
ser um templo e uma apotheose,uma exposição é sempre
da gloria, os dias perdidos na ardua meditação, as dores
um combate.
da gestação intellectual, as noites de insomnia, os negros
paroxismos do desalento,os sacrifícios,as luctasincessantes
para a realisaçao d esse ideal incoercível, entrevisto umas
vezesnos deslumbramentosdo triumpho, outras sumindo-se
nas trevas, nas ruinas de uma catastrophe?
É preciso recorrer aos annaes da arte nas suas grandes
epochas, e nos grandes centros de producção, na Grécia
de Pericles, de Vhidias, de Appelles, de Polygnoto, de
Ictino, na Italia dos Medieis, de Leonardo de Vinci, de Ra-
phael, de Miguel Angelo, do Correggio, de André dei Sarto,
do Ticiano, do Tintoreto, para encontrar nas grandes pagi¬
nas de pintura mural, nas estatuas,nos frescos e quadros
de Milão, do Vaticano, da Capella Sixtina, de Veneza, de
Parma, de Florença, nos faustosos palacios dos príncipes
italianos dos séculos xvi e xvn, e em alguns modernos da
nos mes¬
França e da Allemanha, a pintura e a esculptura -
mos logares em que o artista as concebeu e executou, e,
vel-as e admiral-as alli, banhadaspela mesmaluz, illumina-
das pelo mesmo sol, bafejadas pelo mesmo ambiente, que
tudo isso como que faz parte integranteda vida intima das
grandes obras d'arte. Que ellas também têem patria; ahi,
onde nasceram, é que querem ser vistas, para serem sen¬
tidas e comprehendidas, para nos impressionarem e com-
moverem, para entrarmos com os artistas, seus auctores,
na communhão do ideal que as inspirou.
O sol é um, mas não illumina a todos com a mesma luz;
o que elle diz, a lingua que nos falia, a nós, povos do meio-
dia, que o adoramos, a vida exuberante,a poesia ardente
que elle derrama sobre a nossa terra, os hymnos que entoa

SUPERSTIÇÃO NATUREZA MORTA


porSimões
emmármore
Estatua deAlmeida
Junior deD.Josepha
aoleo,
Quadro Greno
Garcia
exposição
naquarta doGrêmio
Artístico deterceira
Medalha exposição
naquarta
classe Artístico
doGrêmio
dehonra
Medalha
arte portugueza
essas realisaçõesplasticas de um ideal amigo, hoje
morto, essas estatuasinspiradas pelo anthropomor-
phismo divino do paganismo grego, esses deslum¬
brantes mármores nús —açoitados pelas chuvas
envolvidos hoje apenas pela penumbra da luz que
outrora os illuminára, cobertos de neve, cariados
e limosos— protestarem com os restos da sua pris-
tina e opulenta formosura contra os descendentes
dos antigos barbaros, que, depois de os terem ar¬
rancado da sua patria, julgaram podel-os ostentar
nas suas ruas e praças, cruelmente acorrentadosao
carro triumphal da moderna civilisação!
O exilio é impio — até contra as obras de arte!
Aquelle quadro, que além vejo a um canto, na som¬
bra, triste e mesquinho, occupava, ha pouco, o pri¬
meiro logar na officina do artista; destacavavigoro¬
samentesobre um fundo de morte-côr, que o fazia
valer; a luz superior, distribuída com arte e com o
amor de pae que todo o artista sente pela sua obra
punha em relevo todas as suas qualidades—a scien-
cia da composição, a harmonia e o vigor do colo¬
rido, as transparências,os reflexos, as meias-tintas
habilmente fundidas, os effeitos do claro-escuro, a
correcção do desenho, o encanto das largas per¬
spectivas,a poesia dos fundos horisontes, n’umapa¬
lavra, toda a sciencia do desenhadore do colorista,
todo o talento do pintor. Agora* alli onde está, pa¬
rece a sombra apagadade si proprio; não tem luz,
não tem cor, não tem vida, e os olhos do artista,
aquelles olhos que ainda hontem n’elle se reviam
com amor e desvanecimento,desviam-se, afastam-
se, tristes e humilhados!
Retratodo Ex."° Sr. A. BRAAMCAMP FREIRE
Sabem isto os artistase os que os frequentam,mas a mul¬
aoleo,
Quadro deSalgado tidão profana ignora-o; quando, na sua inconscienteinno-
Medalha
deprimeira
classe
naquarta
exposição
doGrêmio
Artístico cencia, percorre as salas de uma exposição de arte,
não
desconfiade tal cousa, olha um quadro, rodeia uma estatua,
para nós, no concerto universal das grandes harmonias da
analysa-os,julga-os, e sentenceia,magistral e serenamente,
natureza, não são a mesma luz, a mesma lingua, a mesma só pela impressão que recebeu, e cuida
poesia, que animam, aqueceme inspiram as verdes e tran- que fez justiça!
Essas mesmas obras, vistas n’outras
quilias paizagens e os habitantesdas brumosas e circumstancias, far-
gélidas Ihe-hão uma impressão diversa, e outra e diversa —talvez
regiões da Noruega, da Hollanda e da Inglaterra. até contraria— será a sua
Arrancadas ao seu torrão nativo as obras primas da sentença!
Estas considerações,este attentar na influencia
Grécia e da Italia, quebradasas raizes, que as propicia
prendiam á ou adversa das circumstanciasem
terra que as viu nascer, esses deuses de outras que está a estatua ou a
religiões, pintuia, não exercem,não podem exercerinfluencia
esses pontífices, esses príncipes, esses alguma
doges, esses ma' no espirito da multidão, que lhes
gnates, se tivessem vida, sentiriam a nostalgia, o desconhecea existênciae o
amargo alcance,mas devem preponderar no espirito do
pungir das saudadesda patria, ao verem-seexilados critico, que
debaixo não as pode, que não as deve
de outros ceus, n'outros climas! O Apollo ignorar; e quanto mais illus-
do Belvedere, trado elle for, quanto melhor conhecer a
aquella irradiação divina, serenae vencedorada sciencia da luz, a
grandearte theona das cores, os segredos das suas
grega, aquelle hymno á belleza humana, entoadono reciprocas influen¬
már¬ cias, mais prudente e portanto mais
more, como poderá ser visto á sua verdadeira justo será nas suas
luz numa apreciações,mais profícuo o seu conselho, e mais attendidas
galeria fechada, debaixo do ceu nublado,
pardo e frio da as advertências,que fizer aos
Inglaterra'! Não — que não o póde ser, não o que pretende guiar e corrigir.
será nunca
Foi Athenas toda povoada de estatuas.
Transportemos (Continua) Zachariasd’AÇA.
em espirito esses primores da arte
plastica, deuses,heroes
capitães, philosophos, poetas, magistrados,
athletas—esse
mundo filho da imaginaçãoe da realidade—
da terra sagrada
da Attica, d’aquelleceu azul,
transparentee sereno, da luz
pura d essa atmospheraunica, d esse
theatro, cuias deco¬
a
rações naturezacompoz,por assimdizer propheticamente,
de planícies, de collinas, de montes
e de mares, que têem
um nome glorioso e eternona
historia, na poesia,no drama
e na arte; transportemol-ospara o
mundo moderno, para
a grande capital do commercioe da
industria —para Lon¬
dres— e veremos essas figuras de
esplendorosa belleza
ARTE PORTUGUEZA

Leitura:
—Esta capella mandoufa\er Vasco Gonçalvesd(e) Almei¬
INSCRIPÇÔES PORTUGUEZAS da, cavalleiro, e sua mulher Mecia Lourenço, amos
do Infante Dom Henrique, e foi feita (na) era do
Salvador de 1426.—

Damião de Goes (Liv. das Linh. MS.) abre o — Titulo


Fielguardadamemória porque
éaescripta, re¬
nova antigas,
ascousas asnovas,
confirma con¬ dos Almeidas— com o seguinte:
serva asconfirmadas asconserva¬
erepresenta
dasparaque senáoentreguem —«Fernãod’Alvares
d'ellas
asnoticias d’Almeidafoiumhonradocavalleiro emtempo
aoesquecimento
dosvindouros. delReiDomJoãoo i.°FoiVedordesuaCasa,sendoelleMestred’Aviz;
(N’umdiploma
dedoaçáo Henri¬e, depois,emsendoRei,foi Craveiroda ditaOrdeme Ayo dosfilhos
deAffonso
quesaoMestre Paes.
Gualdim —Trad.) doditoRei.
«Houvefilhosbastardos:DiogoFernandes ÁlvaroFer¬
d’Almeida,
d’Almeidae NunoFernandes, de quemnão ha geração.E
CLARO que os seguintesapon¬ nandes
houvefilhas».
tamentos, desordenadamenteco¬
lhidos e reunidos, não têem a me¬ N’esta bastardia, é que continuou e prosperou fidalga¬
nor pretenção a iniciar um Corpo mente o nome, logo pelo primeiro rebento, —o Diogo,—
de inscripçÕesportuguesas, que, que foi vedor da fazenda de D. João I e de D. Duarte, e
aliás, era tempo de começar-se. que, segundo Goes —«casou com sete mulheres»— das
Estas notasdispersas,que a pie¬ quaes o illustre chronista se limita a citar duas, apenas, se
dade domestica, a prosapia ge¬ é que não houve erro de copia na primeira conta:
nealógica, a vaidade individual, o «...a primeira,filhadeDonaTareja,filhadeJoão Fernandes An-
culto civico escreveuna pedra ou deiro,CondedeOureme foi irmão,dapartedaMãe,doArcebispode
BragaDomFrancisco da Guerra;e deliahouvea Lopo d’Almeida;e
no bronze dos monumentos ou
a outrasegunda mulherfoi filhado Prior do CratoDomNunoGon¬
das campas, têem, sob vários aspectos, um irrecusável in¬ çalves,e houvedeliaa Álvarod’Almeidae Antãod’Almeidae Dona
teresse critico, alem de que são, frequentemente,verda¬ Brancad’Almeida, primeiramulherdeRuy GomesdaSilva,o daCha¬
deiras revelaçõeshistóricas. musca,e DonaIsabeld’Almeida, mulherd’Alvarode Brito, e assim
houveoutras filhas.»
Parecerá até impertinência querer demonstrar ainda a
utilidade da sua colheita e registo. Não terá havido anterior ligação com a familia do Prior,
Ora, todos os dias ruem os monumentos e vão-se apa¬ e não derivaria d’ella 0 Vasco Gonçalves, da inscripção?
gando e desapparecendoas legendas tumulares, por esse O que parece certo é ter elle escapado, até agora, á luz
paiz fóra. indiscretada Genealogia,na desoladasolidão da SacristiaVe-
É, comtudo, tão facil, tão agradavel passatempo, até, lha deThomar, com a sua companheira,a Mecia Lourenço,
conserval-as! que trouxe naturalmenteaos burguezes seios o —«Alto In¬
Nas minhas excursõesprovincianas, tenho consagrado ao fante»— das descobertas.
calco, —ao modesto e singelíssimo calco a papel, agua e Amos do Infante são evidentementeos que o crearanv,
escova,— a dedicação de uma propaganda importuna e tei¬ e esta designaçãoabrangendo a Mecia, deve indicar a mu¬
mosa, e é ainda a idéa de reforçar essa propaganda pela lher que o amamentou.Bemditos peitos!
Devo o calco d’esta inscripção ao meu amigo sr. M. H.
lição directa da sua razão e utilidade, que me determinou
a ir publicando os primeiros resultados,—embora pequenos, Pinto, o distincto artista e director da escola industrial de
valiosos. Thomar.
Pareceu-me, porém, não dever limitar-me a reunir, ape¬
II
nas, as inscripçÕesagora directamente colhidas, e, menos
ainda, sómenteas que podessem considerar-seinéditas.

.
Alem de que algumas, publicadas de ha muito, precisam
e poderam ser corrigidas por um novo exame, o successivo
agrupamento das que andam dispersas por varias obras é
evidentementeum bom serviço, em que oxalá me permitis¬
sem o tempo e os recursos poder cooperar melhor do que
procurarei fazel-o.

ti aarro :mcm r ? :a atmnfr


MraüH :>rua;inouur doegualmente
damuralha.
cavado,
n’umadaspedras
enamesma
Inferiormente pe¬

MMaKMMMMZâ
escudos,
dra,trespequenos tendoo do
centroasbandasoubarras
deAragáo e
osdosladosasquinas,
convergentes.
Leitura :
— (Era) i
tfã:aúfaiuaDonúfmi«m 3Õ2 an(n)osfoi esta tor(r)e co(meçad)a(aos) 8
dias de maio, e mandou-afase(r o muito) nobre Dom
Diniq, Rei de Portugal acabada.
Thomar,
convento naSacristia
deChristo,
pequena
Velha: lapide,
caracteres diría a datado
gothicos Esta ultimaparte,inintelligiveljá, evidentemente
minúsculos. acabamento:diae mez,ou sómente o mez.
ARTE PORTUGUEZA

Esta inscripção, que parece ter sido feita depois de con¬ védor fazendo-o representar por um caprichoso — A. n
cluída a Torre, e que é de singular importância por fixar Mig. n da Touro.— e o do Mestre por— a Do%. f
precisamentea construcçaoou a reconstrucçao do castello O do primeiro é claramente:— d.° mi\ (Diogo Martins)
por D. Diniz, tem-seconservadodesapercebida,talvez pela e apenas a ultima designação offerece difficuldade, não po¬
altura em que está e por se confundir, á primeira vista, com dendo, porém, ser: — Toura — porque está muito intelli-
as escabrosidadesda pedra. givel no começo da linha 8) a letra g. A sobreposta parece
Aparte o facto dos nossos archeologos,ou dos que se di¬ realmenter, o que dificultaria extremamentea leitura; mas
zem taes, mais se dedicarem,geralmente,á exploração das porventura uma irregularidade ou estrago da pedra é que
mais banaes inscripções de cippos romanos do que á co¬ lhe dá aquella apparencia,sendo simplesmenteum i, o que
lheita das que podem illustrar a historia patria. dá a palavra — Tougia.
Alli mesmo, n’aquelle formoso monumento chamado o Tougia, Tangia, Ataugia, Touria, é Atouguia da Baleia
Castello de Leiria, que bem póde dizer-se amassado com povoação que não fica muito distantee que teve grande im¬
sangue, a busca das inscripções romanas nas pedras fune¬ portância no tempo de D. Fernando e de D. Pedro I, que
rárias aproveitadasnas muralhas, tem chegado a fazer pe¬ nella celebraram cortes, e onde, pouco antes do primeiro
rigar a segurançadas construcções,ao passo que nos restos senão no seu tempo, se fez ou reformou também um forte
dos Paços do Rei Lavrador nenhuma exploração regular castello.
se tem feito. O nome do vedor seria pois: Domingos Martins da Tou¬
Escusado será acrescentarque o escudo com as barras gia ou d’Atouguia, o que, como se vê, só pela interpretação
ou bandas aragonezasé uma afirmação ou uma homena¬ de um signal ou letra sobreposta, póde suscitar
hesitação.
gem ao senhoriode Leiria dado á Rainha D. Isabel, a Santa. E a leitura que preferimos, até por não encontrarmos
O calco desta inscripção, e até a denuncia d’ella, foi-me melhor. O nome do mestre, e que não nos parece
que offe-
fornecidopelo meu amigosr. João Christino da Silva, então reça duvida, é João Domingues ou
Domingos.
director e professor da escola industrial Domingos de Se¬ Devo a um cuidado desenho do meu amigo e distincto
queira, de Leiria. professor, o sr. João Christino da Silva, esta inscripção,
bem como a seguinte.
III
IV

t Óbidos,
naTorredoFacho.
m . U 5* U 4JL lí 1E0.X
.'CL.
Leitura :
—Foi reformada esta muralha por Dom Sandio pri¬
EO: ,{& BSMIUBMO: meiro.—

Evidentementenão é coeva esta inscripção, em caracteres


mixtos (goth. e red.).
(Continua) LucianoCORDEIRO.

rjt rpoíjQffE
)MEMi
iitfcteforj REPRESENTAÇÃO DA GRISELIA
NO THEATRO DE D. MARIA II
Óbidos,
TorredoCastello,
nohumbral
da
porta
(ogival),
ladoesquerdo.
Leitura: Mysterio em tres actos lhe chamaram os seus
— auctores francezes, Armand Silvestre e
E(ra)'i4i3 annos, no me%d(e) outubro, foi começada Eugène
Morand, Mysterio lhe chamou o seu brilhante e
estator(r)e, pior) mandadodelrei Dom Fernando, da
primoroso traductor, o conde de Monsara
q(ua)lfoi redor D(iog)o M(art)i(njs da Tougia, e mys-
foi teiio ficou sendo para o nosso publico esta inte¬
delia m(estrjeJo(ão) Do(mingite)s,e
foi feita á custa ressante obra dramatica. Poucos dias
do dito. viveu na
scena do theatro de D. Maria II tão
curiosa peça,
pela qual se mostrou esse grande e
O meu amigo Sousa Viterbo lembra-meque Giner profundo des-
de los rezo- ••que geralmentemanifestamospelascousas
Rios dá esta inscripção no seu Portugal;
mas, pela copia que nao _ P
que me transmitte, entendo que o escriptor percebemos!
hespanhol não Talvez pareça estranho que ainda
soube copial-a e lel-a bem. Assim, na linha hoje se falle de uma
i) tomou o s peça, que se representouvae
final pelo algarismo6, que nada significaria,e na para tres annos. Uma vez, po¬
linha 2) sup- rem, que esta peça
primiu o o na primeira palavra. para nós significaa adaptação,ou, ainda
Embaraçaram-no natural- melhor a
mente os pontos de separação,muitas vezes transplantação para o moderno theatro, de um
collocadospor generode litteratura
simples fantasia decorativa.Trocou também os dramaticabem antigo, d'essalitteratura
nomes do que fez renascer na
Edade-media o primitivo e moribundo
ARTE PORTUGUEZA 11

theatro greco-romano,é por essa Por muito tempo, os Mysterios representaram-senas igre¬
razão que nos interessamosviva¬ jas; depois, passaram para theatros especiaes,construídos
mente pela Griselia, é por essa nas praças publicas, principalmente nas encruzilhadas das
razão que lamentamos que ella ruas, e até nos pateos dos conventos. Armava-se um pa¬
não figure amiudadasvezes no re¬ lanque, com cadeiras reservadaspara os nobres e fidalgos;
pertório do theatrode D. Maria II, o resto do publico, isto é, o povo e os burguezes, gosavam
como um precioso modelo no ge- o espectáculo das janellas e da rua, sentados aqui, encar¬
nero dramatico a que pertence. rapitados acolá; outras vezes, como succedeu em Antin,
'
A barbarie dos primeiros sé¬ construiam-seenormesbarracões.Este, a que nos referimos,
culos da era christã anniquilou, podia comportar quarenta mil pessoas.
com a sua rudeza brutal, tudo o Taes representaçõeseram sempre um acontecimentolo¬
que era filho do trabalho do espi¬ cal, e duravam ás vezes uma semana, e mais dias, até.
rito humano. Os espectáculoseram annunciadospor bandos de actores
A ignorância, a brutalidade, a vestidos e caracterisados,que percorriam as ruas para exci¬
aspereza dos costumes, como a —Rosa
GRISELIA Damasceno tar a curiosidadepublica. Muitas vezes,essasrepresentações
maré que enche, alagou, destruiu principiavam por uma symphonia, e terminavam,quasi sem¬
e fez desapparecer todos os vestígios da civilisação litte- pre, por um Te Deum. Um orgão portátil executavaa mu¬
raria e artística greco-romana. sica precisa. Os actores entoavamcânticos acompanhados
Em Lisboa, no anno de 1798, em umas excavaçoesa que pelo orgão e repetidosem côro pelos espectadores;algumas
se procedia para os lados da Sé, na rua da Saudade, en¬ vezes, como no Mysterio da Resurreição, o concerto musi¬
contraramse vestígios de um theatro romano, com logares cal era reforçado pelo ruido dos tambores e das armas de
de platéa, duas estatuasde Sileno, columnas derruidas, etc. fogo, todas as vezes que a situação do drama o exigia.
Por uma lapide com que se deparou na face perpen¬ Quando faltava a symphonia, os espectáculoscomeçavam
dicular do prosceniwn, em frente dos assentos do amphi- por diálogos pouco importantes, ou por vistoso alarde dos
theatro, sabe-se que o luxuoso edifício fôra construído por actores, para dar tempo a que se estabelecesseno audi¬
Caio Heio Primo e dedicado a Nero'. torio o silencio indispensável ao bom andamento da festa.
Pois todos sabemoso estado em que se encontravaentre Os actores iam então occupar os logares que lhes com¬
nós a litteratura dramatica e o theatro, antes de Gil Vicente petiam, permanecendo visíveis durante o espectáculo, á
representaro seu monologo O Vaqueiro, no paço de D. Ma¬ excepção d’aquelles que representavamfiguras vindas do
nuel, por occasião do nascimento do infante D. João, na Inferno. Esses estavam por detrás da bócca do dragão,
presença da rainha,— monologo que, póde dizer-se com que se conservava sempre fechada. Quando os actores
justiça, foi o prologo da fundação do theatro portuguez! acabavam de representar, voltavam a sentar-se nos seus
Da França, porém, é que partiram os primeiros inicios logares,— e, desde então, o publico fa¬
do theatro, em uma epocha anterior ao nosso Gil Vicente. zia conta que tinham desapparecidoda
E esses princípios, segundo os documentosque temos ante scena.
os nossos olhos, foram ridículos, estúpidos, obscenos e Ím¬ No seu estado mais rudimentar, e
pios. Todos os que analysam e estudam o theatro em tal para as peças menos complicadas, o
periodo, são unanimes em affirmal-o. palco dividia-se em tres anda¬
Representava-separa um publico ignorante, fanatico,sim¬ res. O mais alto representavao
plório, bronco e semi-barbaro! Esses espectáculosnão exi¬ Céo; o ultimo, o Inferno; e o do
giam, dos auctores, nem intriga, nem prévias combinações, centro, a Terra. Tal era a dis¬
nem preparação artística de especie alguma; o que o pu¬ posição ordinaria.
blico, a multidão queria, era ver de perto, tocar, se possível O Paraíso, como se vê,
fosse, presencear,interpretar,comprehenderde algum modo occupava a parte mais ele¬
0 objecto, ou, por outra, o assumptodos seus pensamentos vada nos palcos 1, e era ahi
constantes, dos seus sonhos de todas as noites, das suas que mais se desenvolvia a
meditações de todas as horas—o Céo e o Inferno! magnificênciado scenario.O
Começaram nas igrejas, por simples leituras e recitações Inferno não lhe ficava atrás,
de trechos da Biblia, e bem depressa a essas recitações e abrangiatoda a largura da
succedeuo dialogo de alguns desses trechos, principalmente scena.Era representadopela
o da Paixão; e as palavras que o Evangelho poz na bôcca cabeça de um dragão, cuja
de cada personagem principiaram a ser ditas por outros bôcca se abria para dar pas¬
tantospadres-actores, que, por esta fórma, davammais vida sagem ás personagens; e
ao sacrodrama do martyrio do Redemptor, impressionando, quando escancaravaas gue-
subjugando, assim, mais vivamente, o auditorio fanatico. las, deitavafogo pelos olhos
D esta fórma nasceramos Mysterios, que foram um espe¬ e pelas narinas.
ctáculo, como acabamos de dizer, essencialmentereligioso, E em frente de um patino
nascido na igreja, e por muito tempo, e até bem tarde, re- de bôcca, cuja pintura O MARQUEZ DESALUCE—JoÃo Rosa
gularisado e fiscalisado pelo clero, que em tudo intervinha, pouco mais ou menos o que
não só a rever as peças e a dispôr os preparativos e os tra¬ acabamos de descrever, que os auctores da Griselia de¬
balhos scenicos, como a ensaiar, e a desempenharalguns terminam que o Introductor recite o seu prologo, em que
papeis. expõe o que é a peça, ao mesmo tempo que pede, como

1ExistenaBibliotheca trabalho,
nacionaluminteressantíssimo illus- 1AindahojesechamaParaísoaoslogaresmaiselevados
no theatro,
descoberta.
trado,sobreestaimportante nãosó emFrança,comoentrenós.
12 ARTE PORTUGUEZA

chromo-lithographia distribuída com este primeiro


antigamente, a benevolenciado publico para os interpre¬ plendida
tes, dizendo: numero da Arte Portuguesa, limitar-me-ei a fallar do
simplescreaturas
Algunsartistas, precioso livrinho d’onde foi copiada (as Horas da rainha
Semsombras devaidade, D. Leonor, actualmenteguardadas na Imprensa Nacional),
Pretendemos obtern’estacidade e a compendiar as noticias que os historiadores da nossa
A vossaprotecçãoe avossaestima. arte nos dão ácerca do illuminador Antonio de Hollanda, a
AugustodeMELLO. quem é attribuido.
(Continua)
II

AS HORAS DA RAINHA D. LEONOR O livro de Horas de D. Leonor é escripto em finíssimo

ÃO se póde
dizer que a il-
luminura fosse
das artes me¬
nos cultivadas
e apreciadas
em Portugal.
Pelo contra¬
rio. Desdeo Apocaljpse de Lor-
vao (sec. xii) até ao Missal de
Estevão Gonçalves(sec. xvji)—
que longa serie de trabalhos!
E não se esqueça que n’ella
estão comprehendidasas duas
grandes collecções,—por mais
de um titulo notáveis,— de
Santa Cruz de Coimbra e de
Alcobaça. Tivemos illuminado-
res primorosos, alguns quasi ao
livel dos grandes mestres da
Renascença,comonos assevera,
na sua curiosa Miscellanea, o
poeta e chronista Garcia de Re¬
sende, cuja pericia como debu-
xador D. João II invejava-,—!
houvepríncipesem Portugal ex¬
tremamente apaixonadospelos
livros com illuminuras, como
D. Duarte, D. Aífonso V e o
Infante D. Fernando, filho de
D. Manuel; — miniaturistas ce¬
lebres lá de fóra, entre elles
Simão de Bruges, trabalharam
para o nosso paiz.
Não obstante as múltiplas
causas que têem depauperado
esse maravilhoso e incompará¬
vel thesourode riquezasde arte
que Portugal constituiu,entre a
epocha de D. Manuel e o co¬
meço do século actual, ainda
hoje possuimos grande numero
de manuscriptos illuminados.
Tem-n’os o archivo daTorre do Tombo, o Museu de Bellas- pergaminho,e tem actualmentecento e cincoenta e oito :
Artes, as bibliothecas de Lisboa, Porto, Evora, Ajuda e lhas, faltando-lhedez,—no calendário.
Mafra, a Universidade, a Imprensa Nacional, a Academia São gothicos os caracteres, e não differem dos que
Real das Sciencias,alguns particulares, etc. £
ralmente se empregavamno século xv. As paginas comp
Não esboçarei, sequer, a historia da calligraphia e da tas têem dezenove linhas. O texto é a preto; os titulos
illuminura em Portugal, porque esse trabalho não caberia rubricas, a vermelho; as capitaes, a claro-escuro
no tempo e no espaço que me são concedidos.Tendo de (en i
mdieu) sobre fundo dourado; e as iniciaes dos versicuk
escrever algumas linhas que sirvam de commentarioá es- a ouro e cercadasde caprichosos
traços a tinta preta.
ARTE PORTUGUEZA 13

As tarjas são todas no genero das que emmolduram a De um requerimento dirigido pelo pintor Garcia Fer¬
nossa estampa:—a claro-escuro com toques de ouro, de¬ nandes a D. João IIP, deprehende-seque Hollanda foi no¬
licadíssimas, de uma execução firme e primorosa, e consti¬ meado passavanteem substituição de Francisco Henriques
ou 15ig.
tuídas por um gracioso entrelaçado de ramos, que deixa (também pintor), que morreu em 1518
2
ver, amiúde, elegantes e bem estudadasfigurinhas de da¬ Em 1527, por carta de 5 de março , concedeu-lhe
mas com altos penteados,de guerreiros, de frades; animaes, D. João III dez mil réis annuaes de tença, à partir do co¬
uns verdadeiros,outros phantasticos;aqui e além, grotescos. meço d’esse anno.
Na maioria das paginas, ha uma tarja só, larga, na margem Por i 53o e tantos, estavaAntonio de Hollanda em Évora.
exterior. Algumas, porém, têem quatro, como a que hoje Num interessantíssimo livro de contas do convento de
reproduzimos, e outras, duas— uma na parte superior e Christo, de Thomar 3, estão mencionados, na parte respe¬
«3oo réis cTaluguer de uma
outra na inferior. Ha também paginas sem ornamentação. ctiva a novembro de 1533,
! livros grandes que Antonio
N um como additamento, de lettra menos esmerada,não besta que levou a Evora uns
apparecem tarjas e são toscas as capitaes. d’Hollanda havia de illuminar». Mais adeante,está a nota
cidade, em 14 de
As Horas de D. Leonor não têem já as estampas todas. do pagamentofeito a Hollanda n’aquella
da camara de el-rei, Jorge Ro¬
Ha vestígios de terem sido cortadas pelo menos seis, cinco abril de 1534, P e^°escrivão
réis, «em parte de pago dos
das quaes (como o numero, assumptos c collocação das es¬ drigues, da quantia de 3 1CÍ&875
tampas nas Horas manuscriptase, ainda, nas impressasdos livros que illumina».
É possível que entre os numerosos
1 do Tombo provindos do conventode
séculos xv e xvi são quasi constantes) é de suppôr que documentosda Torre
o recibo que, segundo a verba citada,
representassemas seguintes passagens:— a Crucifixão, a Christo, se encontre
enviáraparaThomar. Esse documentodar-
Aiinunciação, a Natividade, a Adoração dos magos, e a Jorge Rodrigues
Morte, ou a Coroação da Virgem. nos-ía a assignatura, hoje desconhecida, de Antonio de
As seis quç existem,representam:—a Visitação, a Anniin- Hollanda. A estreitezade tempo inhibiu-me de o procurar.
Circumcisão, Sabe-se que era a illuminação de um Psalteno um dos
ciação do nascimentode Christo aospastores,a
miniaturista por esse tempo
a begollação dos innocentes,o Jui^o final, e a celebração trabalhos em que o celebre
de um officio de defunctos. estavaempenhado; porque n’outra verba, mais minuciosa,
de 1536, recebeu 54$6o5
São, como as tarjas, a claro-escuro com toques de ouro. consigna-se que em novembro
abril de 1534, a
A primeira, a segunda e a penúltima têem fundo de paiza- réis, que perfazem, com a quantia paga em
das seguintes illuminuras num Psalterio :—
gem com edifícios. A atmosphera é de um azul intenso. importância
quatro princípios , a 6$ooo réis; quarenta lettras illumi-
Traços a ouro indicam as nuvens.
réis; cento e quinze lettras
Em todo o trabalho de illuminura, é evidentea influencia nadas, com suas vinhetas, a 5oo
Vê-se bem que as Horas de D. Leonor são obra illuminadas, sem vinhetas, a 100réis; duzentase tres lettras
flamenga.
aniel, ouro e azul, a 80 réis; oitenta e quatro
dos fins do século xv ou dos primeiros annos do immediato, rabiscadas de
de preto, a 40 réis, e duas
isto é, de um periodo em que a Renascença italiana ainda lettras quebradas, rabiscadas
não exercia na arte portugueza acção decisiva. mil oitocentase quarenta e seis lettras pequenasdos versos,
de março do anno seguinte (i 53y),
Como disse, o precioso livrinho guarda-se hoje na Im¬ a 4 réis. Nas despezas
réis, «de uma besta que trouxe d Evora
prensa Nacional. Foi do convento da Madre de Deus, e, mencionam-se5oo
Psalteiro, de casa cTAntonio d’Hollanda».
segundo uma nota, de lettra do séculoxvn e assignadapor o
Frei Luiz de Santiago, que se lê na parte interior de uma A outra obra sua para Thomar se refere ainda o precioso
estas notas, e do qual o bene-
das pastas, pertencêra á fundadora d’esse convento, a rai¬ livro cTondevou extrahindo
nha D. Leonor, mulher de D. João II. merito viscondede Juromenha transcreveu e extractoudiffe-
de illuminura
A nossa chromo-lithographiareproduz com singular fide¬ rentes verbas (respectivamenteaos trabalhos
aos retábulos de Gregorio Lopes,
lidade a primeira (actualmente)das estampas:— a Visitação. de Antonio de Hollanda,
É obra perfeitíssimada officinalithographica da Companhia etc.), n’algumas das suas interessantíssimascommunicações
Nacional Editora. A copia a aguarella foi habilmente feita a Raczynski.
Essa obra são dois volumesdominicaes, por cujas illumi¬
pela senhora D. Josephina Garin dos Santos, que em traba¬
lhos similares revelára já notável competência. nuras recebeu 61©920 réis: — 4o$ooo pagos quando fr.
Francisco Machado era recebedor+;e em fevereiro de 1536,
os restantes.N’esses volumes, illuminou cinco princípios, a
III 6$ooo réis; trezentase oitentae oito lettras, a 100réis; cento
e cincoenta e duas lettras quebradas, a 20 réis, e duas ra¬
Como Francisco de Hollanda nos diz que seu pae tra¬ biscadasde ouro e azul, a 40 réis.
balhou para a rainha D. Leonor, e que foi este quem pri¬ É ainda o mesmo livro de contas que nos permitte saber
meiro «fez e achou em Portugal o fazer suave de preto em hoje terem sido encadernados em Evora, pela quantia de
branco, muito melhor que em outra parte do mundo», e
1Torre doTombo—Corpochronologico, parteui,maçoi 5, doc.i3.
como o livro â'Horas d’aquella insinuanteprinceza é illumi- LesartsenPor¬
Estedocumento estápublicado nolivrodeRaczynski,
nado a claro-escuro, têem-no attribuido a Antonio de Hol¬ e na monographia do sr. viscondede Sanchesde
se sabe tugal,a pag.212,
o
landa. Por isso, julgo dever expor aqui pouco que Baena,Gil Vicente,a pag.44.
d’este artista, que seu filho colloca entre os illuminadores 2 Torre doTombo,livro3o.°deD. JoãoIII, 48.Transcreveu esta
fl.

celebres da Europa, de par com Julio Clovio, Simão Be- carta condeA. Raczynski,a pag.134do seuDictionnaire historico-
o

ninc, etc. artistiquedu Portugal.


Torre do Tombo.—Marcação dovol.: Christo, .
2
3
4 3

Ignora-se quando e onde nasceu Antonio de Hollanda. A notad’essepagamento, realisado no dia11deoutubrode 533
1
,

hollandeza,
Que era hollandez, ou, pelo menos, de origem encontra-se n ’outrolivro de receitae despeza dasobrasdeThomar.
dil-o o nome por que foi entre nós conhecido. A verbanão nos diz qual naturezado livro ou livrosqueAntonio
a

de Hollandaestavailluminando. Refere-se, porém, umaescriptura


a

etc.(Rouen,1882),pag.
• V. FélixSoleil,LesHeuresgothiques, i5a17. feitapelocitadoJorgeRodrigues.
H ARTE PORTUGUEZA

5$ooo réis. As guarnições,douradas,foram feitas por Luiz pagas a i 5 réis quarentae seis
Fernandes, latoeiro,que por ellas recebeu12$140réis. Para lettras d’essas, que desenhára
resguardaros princípios, foram comprados seis covados de num livro de hymnos.
tafetá da índia, a 80 réis. Illuminadores, propriamen¬
Note-se que, por esse tempo, trabalhavamem Thomar te, apparecem-nosdois:—Jor¬
diversos encadernadores,dois d’elles castelhanos:—Perez geVieira, residenteem Lisboa,
e João de Rojas. Teria acasoAntonio de Hollanda querido e Diogo Fernandes 1. Pagou-
dirigir o trabalho de encadernação?... Ter-se-ía porventura lhes o recebedor, em março
julgado menosperigosoenviarparaThomar os doisvolumes, de i 537, 45^022 réis, por diversos princípios e lettras.
já encadernados?... A verba tem á margem a assignatura de Jorge Vieira.
Outro pagamento,ainda, ao nosso illuminador está re¬ O padre governador do conventoquiz também contractar
gistado n’essas preciosas contas da sacristia e fabrica do um artista estrangeiro. Em setembro de 1535, recebeu o
conventode Thomar: o de 3o$ooo réis, por intermédio de escrivãocastelhano,João de Salazar, i$>2ooréis, por haver
seu filho Miguel de Hollanda, em fevereiro de 1537, P e^ a ido a Santiago de Galliza buscar um illuminador, que, se¬
illuminura de cinco princípios. gundo accrescentaa verba, não veiu.
Os famosos livros do coro de Thomar não foram illumi- Não se perderam, ao menos na totalidade, os livros do
nados exclusivamentepelos Hollandas. E digo—pelos Hol- coro de Thomar. O sr. Joaquim de Vasconcellos tem códi¬
landas, porque José da CunhaTaborda e Cyrillo Wolkmar ces d’essaproveniência,comprados em Coimbra, ao livreiro
Machado affirmam que Francisco de Hollanda também Demichelis, em 1870.
trabalhou para o conventode Christo.
Estiveram em Thomar diversos calligraphos(hespanhoes 1E citadono Dict.de Raczynski(communicação
de Juromenha),
mascomo nomedeDomingosFernandes.
alguns) e pelo menos um d’elles, —Francisco Flores,—
traçava lettras rabiscadas.Em fevereiro de 1536, foram-lhe (Continua) JoséPESSANHA.

DOIS TUMULOS NA SÉ DE LISBOA raes,comopalmasfrisadas;ás vezes,o extremodavolutafoi batido


atétomarumafórmadeliz,folhavegetal ou cabeçadeanimal.A grade
estápintadade verde;é possívelquena sua primittivafosse'dou¬
M voltada capellamórda venerável sédeLi: rada.
boa,correumaamplaconstrucção ogival,
especi Na°conheço nopaizoutragradeassim;pelosingelodesenho erudi¬
decorredor ouladodeclaustro, encurvado,sem mentarconstrucção,
circular,comsuascapellas; nãomerepugna attribuir-lhe
grandeantiguidade;
é a charola,e chi poderáserdo tempode AffonsoIV.
mam-lhe ascapellasaffonsinas. porquetodoess Entremos.Nasduasarcasou sarcophagos encostados ás paredes
recintofoi edificadopor D. AffonsoIV. lateraes,
repousam Lopo FernandesPachecoe suasegundamulher,
NósvamosentrarnacapelladosSantosCos D.
ManaRodrigues, filhade Ruy Gil deVillalobos.
mee Damião,os santosmédicos, paraverdoi (Vid. sr. Castilho,
LisboaAntiga,liv. iv,pag.232e seg.)
monumentos tumulares dosmaisinteressantes quete
mosno paiz. EstePachecopertence a umafamíliaquedeuhomensimportantes,
entreelleso celebreDuartePacheco,tão
E, antesde entrar,admiremos a enormegraded gloriosona historiaultra¬
marina.Lopo Fernandes Pachecofoi companheiro
queenchecomo seuarrendado todaa grandeogiva comelleesteve deD. AffonsoIV,
í-na hastesperpendiculares, nabatalhado Salado,no medonho turbilhãodecaval-
parallelas,ornadasdeespi larta;e fota Avinháo,
ondeo papaBenedicto XII lheentregou a Rosa
ARTE PORTUGUEZA 15

deOiro.Isto,e deseusempregos,
contaainscripção,
queestásuperior A espada deLopoPachecoé lar¬
aomoimento, cravadanaparede: ga,direita. cinto,queseenrosca

O
nabainha,emlettrasderelevotem
dizer: AveMaria GratiaPlena
-{-

Aq' • íaz Lopo ■Fernãdezj Pacheco senhor■de

'•

o

(Dominjus. espadaestápartida.

A
'•
FeREIRA; MOORDOMO MOOR DO ÍFANT; DO
) E

A mão da espadaé em cruz,vi¬


; j e ;

m Pedro j
• chãceler da raínha • dona • Beatr
rotedireito;noextremo circulardo
j }
; ;

'■

iz QVAL FOÍ MERCEE FEITVRA DEI.REI DOM; AfO


O

punho, caldeira.Mangasjustas,
E

a
j

j
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NSO; QRTO FOI COEI. NA LIDE • • •
OUUE CO EI.REID ponteagudas, ornamentadas,onde
O

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GrAADV; HU ESTEj REI FOI FAZER AIVDA A ELREI tambémapparecea caldeira.Ves¬



E

;
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tes talares,r oçagantes,


em pregas
DOM; AfOSOj DE CASTELA• QNDO ELREI; DE BENAMA ;

;
boleadas, formandopannejamento
\

RÍN ÍAZÍA SOBRE TaRÍFA NA ERA DE MIL E CCC|


E
nadahirto.

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|

LXX VIII ANOS AO • QI. LOPO; FERNÃDEZFOI EN Sapatosde pontaflexível;bem


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j
\

AlÍNHON DADA CO • GRADE HORA PLO PAPA; Be marcadas as correiasdosacicates.


;
;
\

NEDITO HUÃ ROSA; DOURO • QUE• ELE • CON GRADE • As facesdaarcatumularestãovestidasde escudoscomas caldeiras

;
t j

vieiradas, cabeças de lobocomo terminara argolada caldeira;

e
HONRA POS; El ESTA• SEE TANTO Q. DALO CHEGO sobreos escudos, segueum estreitofriso,muitointeressanteraro,
;
;

'• |

e
U QVAL] FOI • CASADOCON DONA MARÍA; FILHA
O

ornadode palmase folhasvariadas. Assenta arcasobrepequenos


;

a
j

DE DOM Rui • GÍL DE VlLA LOBOS• DE DON fustesoitavados,comseuscapiteis.



E
;

'• ;
|

A TaREÍSIA; SANCHEZQ. FOI • FILHA■DELREI A estatuadadama também notável. cabeçasobrealmofadas,

A
é

e
;
]
|

Dom Sancho deCastela • foi en ■terra atrás,nãosobrea cabeça, umbaldaquino gothico,elegante.Nasmãos


e
E j

umlivrodehoras,aberto,tendogravadoso PadreNosso
|

sustenta
I

e
a
DO EN ESTE; MOÜMENTO XX DOUS• DÍAS

AveMaria.
;

;
;

DE • DEZENBRO • DA ERA DE MIL CCC; I.XXX


feição feminil,mimosa;compare-se com rostodo marido,e


A
;

j
;

o
|
\

E SETE• ANOS logosemostraque esculptor, umartistadoséculoxiv,teveintenção

o
;
;

dereproduzirlinhascaracterísticas.
Aos ladosdo lettreiro, brazãodos Pachecos,-—acaldeiraviei- Um pannofino,empequenas pregas,lhevestea garganta collo.

o e
o
o

rada,—repetidoquatrovezes. Depois,umatúnica,comas pontasumtantoabertassobre peito,e


Sobreastampas dossarcophagos,deitadas,
asestatuas docavalleiro um grande manto. Umafita estreita,comjoiasemrelevoalto,imi¬
da suadama.Estamospoisemfrentede estatuasportuguezas re¬ tandoflores,lhe ajusta véosobre cabeça.Um broche,grandee
o

a
e

presentando fidalgosdo meiadodo séculoxiv. lavrado,prendeo manto,cujafímbria bordada.

é
A estatuad’ellemostraforça espiritoguerreiro; esculptorre¬ Mangasponteagudas, apertadas, sendoos bicosligadosentre por

si
o
e

presentou-o emacçãode arrancarainda espada. Ella rezano seu umafitaemzig-zague.A túnicatembotõesnapartesuperior,grandes


a

livro dehoras.Ambasasestatuas dizem,suggerem muitacousa. botõescirculares,combrazões, unsdelobos,outrosdecaldeiras. Calca


A cabeçado cavalleiro repousasobreduasalmofadas; temos pés unspequenos sóccos,altos,ponteagudos, direitos.
encostadosumgalgorobusto.Houveintençãodereproduzirfeições Objectos de de
vestuário,artigos ornamentação pessoal,e ma¬

a
a

pessoaes. A barba ponteaguda, bipartidae enrolada;o cabello,tam¬ neirade os usar,nos mostramas estatuas medievaes. Os nomes a

e
é

bémcomprido, vememrolosou grandes caracoessobreos hombros; matériaapparecem nosantigosinventários testamentos,aindaem


e

e
cabellodofrontal,maiscurto,formando doiscaracoespuxadossobre documentos demenorimportância, car¬
a o

testa. tasdedote,doaçãoou simplescompra.


Cabellocompridoe barbaponteaguda usaram-sepor muitotempo. Por vezes,chegama mencionar minu¬
Aquellecavalleiro,que dizemserum bastardode D. Diniz,cuja ciosamente os nomesdos tecidos,as
estatua,deitadade lado,estáno Museudo Carmo,tambémusava qualidades daspedraspreciosas. Mas
é

barbaponteaguda; porém,estenão puxava cabelloem cara¬ indispensável combinaro escriptoan¬


o
a

coessobre testa:usava-oempequenas madeixas,muitoparallelas tigo com esculptura;um nos dá


a

o
a

abatidassobre fronte,aparadas nos extremos,formandoumali¬ nome matéria, outranosmostraa for¬


a e
e

nha rectapoucoacimadassobrancelhas. ma posição.


e
16 ARTE PORTUGUEZA

Entreasmãos,o esculptor, ligandohabilmente o e deS. fr. Gil.Noclaus¬


livro de horasá estatua,lavrouum lenço,ou pe¬ tro da séde Evora,res¬
quenosudário,comsuasdobras. tamduasdosprimeiros
No dedomediodasduas bispos.
- mãosusavaanneis, e guaes, Refiro-me apenas aes¬
f
depedraredonda emarocir¬ tatuasmedievaes. Como
cular. sevê,a estatuariaportu-
Nafacesuperior datampa guezanãoépobre,apre¬
daarca,lavraram umpeque¬ sentaumaseriecomim¬
no escudocomos lobos. portânciahistóricae ar¬
Aospésdadama, o escul¬ tística.
ptor representou, muitolivremente, um epi¬ Masvoltemosá capelladosSantosCosmee Damião.Estáahium
sódiogracioso, igno¬ altarprecioso;umapedrasobrequajropequenas
talvezallusãoa incidente columnas, oitavadas
rado. asdafrente, asdetrásfaceadassó na partedianteira,toscasnaparte
Doiscachorrinhos perdigueiros,muitoex¬ queencostaá parede.
pressivos, brincamou luctam;umtemnabôccaumapernadegallo, Ha também querepararnaabobada : o architecto,propositalmente,
o outromordea orelhadoprimeiro. Ao lado,umterceirocachorrinho, pozos capiteisemquese firmamos artezões, muitobaixos,relativa¬
dequerestamvestígios apenas, entretinha-se coma cabeçadogallo, menteao pédireito;e, comoessasnervuras sãofortes,muisalientes,
quelá estáperfeitamente esculpida. e partemlogoaosfechos,e sendoaltasasogivasdasfrestas,resulta
queosvãosentreasnervurasficarammui profundos,produzindo um
effeitoparticular.
Aindaoutroponto,queserábommarcar.Dos capiteisda grande
ogivadaentrada, — umdo arco,outroquesegue
partemtresartezões:
a paredelateral,e o medioquevaeaofechoda abobada; o architecto
marcouos treslogo ao partirdo capitel,fingindo-os travados,como
sefossemfortesjuncosquesecruzassem.
O grupodos doiscachorrosé bemnotável.Um temas orelhas A grade,os tumulos,o altar,a abobada, tornamestacapellada
cortadas, o outrodoisgrandes g uizosaopescoço. charólada sé de Lisboaum monumento de singularsignificaçãona
Nasfacesdaarca,escudoscomlobospassantes. Pequenosfustes, arteportugueza.
oitavados, comseuscapiteissingelos, sustentam o monumento. G. PEREIRA.
De modoqueaofundorespeitoqueins¬
pira o monumento do guerreirodo Salado,
quemereceu a RosadeOuro,á poesiadoce
d’aquelle nobrecasal,na pazsecular,abri¬
na
gados elegante capellaogival,vemjun¬
tar-seo interesse daindumentária, da joa-
Iheria,dosincidentes queo esculptor lavrou
comamor.
As estatuas tumularessãomonumentos' ÉÉISI
preciosos. Ha muitasno paiz,queestãoá
esperadequemasestude.
Em Guimarães e Braga,existemalgumas
de primeiraimportância.
r£C3
Na sé velhade «tri
Coimbra,as do bispoD. Egas e da dama
D. Bataçafornecem elementosdevalor.Em
S.Domingos deBemfica,estáa deJoãodas
Regras. Todosconhecem asdaBatalha e Al-
cobaça.Ha variase importantes no Museu
do Carmo,comoas de GonçalodeSousa,

para escrever um volume; mas gastar só meia duzia de


JL TE NA 1 linhas com a velha Pena! isso não póde ser.
Já a tal meia duzia aqui vae gasta. Mãos á obra, e se¬
rei o mais breve que podér.
CARTA A D. JOSÉ PESSANHA

~
-EU .. . amigo.—Acabo de receber a sua carta Pelos annos de 1355, veiu de Italia, trazendo comsigo
com as duas gravurinhas da Pena, que muito agrade¬ alguns eremitas,o venerávelfr. Vasco Martins; e, procuran¬
ço, e com o seu mandado, a que gostosamenteobe¬ do na sua patria logar solitário e retirado, onde se podessem
deço, de dizer em meia duzia de linhas alguma cousa todos juntos entregar á vida espiritual e contemplativa, o
sobre o velho convento. encontraram bem accommodado a par de uma ermida da
Unicamente me revolto contra a meia dugia de linhas. Piedade, que no pé da serra de Cintra existia proximo a uns
Eu não tenho a sufficientepersistência,por desgraçaminha, penedos, que, pela sua fórma, receberam, e deram ao sitio,
1 Agiologiolusitano, o nome de Penhalonga.
do P. Cardoso;Artde vérifierlesdates;Mo-
narchialusitana,do P. ManueldosSantos;Cintrapinturesca; De roda da ermida, em pobres cellas, se accommodaram
Chro-
nicadeD. JoãoII, deResende; Catalogodosprioresde S. Miguelde fr. Vasco e os seus companheiros, já augmentados com
Cintra,deManuelPereiradeSoutomaior, Ms.;Panorama;Traveisin outros eremitas, que no reino se lhes haviam juntado. Pro¬
Portugal,deMurphy;Provasdahistoriagenealógica; LesartsenPor¬
tugal,eDictionnaire fessaram a antiga ordem de S. Jeronymo, e alli viveram
historico-artistique,
deRaczynski;SantuarioMa-
riano;Antiguidades deLisboa,deCoelhoGasco,Ms.; Ga-etadeLis¬ tranquillos e obscuros durante bastantes annos.
boa;Historicalmihtaryandpicturesque observations
on Portugal,de Havendo o papa Gregorio XI approvado a ordem dos
G. Landmann;Diáriosdogoverno;etc. eremitas de S. Jeronymo em outubro de 1373, logo cinco
ARTE PORTUGUEZA 17

annos, depois fazia el-rei D. Fernando, em Santarém, a


i de julho, doação do seu paço de Frielas á ordem de
S. Jeronimo; isto para fazer mercê a Lourenço Annes,
eremita, homem de boa vida. Fosse ou não este monge
dos companheiros de fr. Vasco, o caso é que a doação
não surtiu effeito,e só em 1400 é que D. João I fez mercê
á nova ordem dos terrenos de Penhalonga, onde o rei edi¬
ficou o convento,que foi o primeiro, que ella teve em Por¬
tugal.
Ficou o novo convento na falda da serra de Cintra, em
sitio ameno e deleitoso, onde ainda hoje se vê, dominado
ao norte pela montanha, no alto da qual, em agreste pe¬
nhasco, já por esses tempos existia, e dedicada á Mãe de
Deus, uma ermida, que do orago e do logar recebeu o no¬
me de Nossa Senhora da Pena.
Era a ermida annexaa S. Pedro de Penaferrim, e todos
os sabbados lá íam os beneficiadosdizer missa, para o que se conservouduranteperto de oito annos, ao cabo dos quaes,
D. João I lhes fizera mercê em 1387 de um moio de trigo desejando D. Manuel tornar sua obra perdurável, mandou
em cada anno. reedificar todo o convento de cantaria e abobada de pedra,
A devoção pela milagrosa imagem na ermida venerada, incluindo igreja, claustro, dormitorio, e mais accommoda-
e que a tradição diz apparecera no proprio sitio, alastrava ções necessáriasa dezoito frades, que eram os que de ordi¬
por todos os logares vizinhos, e continuava no paço dos nário alli moravam.
das forta¬
nossos reis. Quando Duarte d’Armas compoz o seu livro
lezas, que se guarda na torre do Tombo, nelle desenhou
tres vistas de Cintra; e numa d’ellas, n’aquella em que a
vista é tirada de leste-sueste,lá apparece no alto da serra
o novo convento. Era já então de pedra e cal, como bem
se deixa vêr no desenho, que junto lhe mando, e que por
mim foi agora mesmo calcado sobre uma reproducção pho-
tographica do original.
O conventinho mandado fazer pelo fundador do monu¬
mento de Belem é este em ponto reduzido; o mesmo estylo
no claustro, nas abobadas da igreja, na casa capitular, em
tudo. Na opinião de um distincto architectoinglez, que via¬
jou por Portugal nos annos.de 1789 e 1790,a architectura
da Pena era uma especie de gothico, nem normando, nem
arabico puro, mas um composto dos dois estylos; todo o
edifício feito de uma pedra pardacenta do genero granito,
inclusive as abobadas da igreja, sacristia e casa do capitulo,
as quaes são, sobretudo a ultima, bellos especimens das
abobadas de laçaria de pedra.
Em 1516fez a rainha D. Maria seu testamento,em Lisboa,
A PENA,segundo Duarted'Armas
a 26 de julho, e nelle determinou que se fizessem duas co¬
roas de oiro, uma para a imagem de Nossa Senhora da
Em 1493,estandoD. João II em Torres Vedras, adoeceu Pena, a outra para o Menino, e nellas manda pôr do aljôfar
gravemente, e fez a promessa, se melhorasse, de ír a pé que tinha na sua camara, do que fosse bom. D’aqui a lenda
ao convento de Santo Antonio da Castanheira. Melhorou, da corôa ter sido feita do primeiro oiro que veiu da índia.
cümpriu a promessa, e, cumprida ella, seguiu para Cintra,
onde já a rainha o aguardava, e onde foram os dois fazer (Continua) A. Braamcamp FREIRE.
uma «novena de onze dias» a Nossa Senhora da Pena,
que era então, como diz o chronista, uma bem pequena
ermida.
Succedendo D. Manuel no throno, cresceu na devoção
pela Virgem da Pena, e resolveu, depois de haver fundado NACIONALISACÃO DOS ESTYLOS
o convento de Belem, levantar no alto da serra um novo
padrão de seu espirito religioso e de sua devoçãopela familia
dos hieronimitas.
ijESIGNEMOS-NOS.É malsemremedio!O séculoxix
está^condemnado a abrirum parenthese nahistoria.Vaeacabarsem
ter fundadoumestylo.
Em i 5o3 começou-se a obra pelo córte e desbaste da Entre tantasobrasde arte,verdadeiras maravilhasde perfeição
penha sobre que se levantavaa antiga ermida, a fim.de ar¬ technica,magistralmente dispostasnasespaçosasgaleriasdassucces-
ranjar praça para a nova edificação. Com grande custo se sivasexposições artistico-industriaes;
entretantosdocumentos que
attestam a admiravel perícia,a assombrosa
virtuosidadedo moderno
foi abrindo a rocha, até se alcançar um terreiro de oitenta
artífice,rarasvezes,comtudo,logramosdistinguirum ou outro ar¬
pés quadrados, terraplenado pelos lados. Sobre elle se le¬ tefactoem quevejamosimpressoo cunhoda verdadeira originali¬
vantoua novafabrica, quefoi feitade madeira,e n’esteestado dade.
arte portugueza
Persegue-nos, portodaa parte,a sempiterna repetição deumfacto riegadas madeiras, imprimemgranderealcea estesmoveise supprem
quedestroetodae qualquer illusão,queporventura possamos nutrir, as moldurase os relevos,queo fabricanteempregou o menosque
acercada existência de um estyloquecaracterise a artedo decimo poude,no visivelintuito de attenderás condiçõesde limpezae de
nonoséculo. conservação dosobjectos.
As artesindustriaese decorativas dosnossosdiasnãoapresentam, Reunema tantasvantagens a de seremrelativamente baratos.
no seuconjuncto,essaunidade de pensamento, essamutua relação Ás vezes, um ou outro moveilembraos estylosinglezesdosfins
queimprimemcaractertão especialaosartefactos de cadaperíodo do séculopassadoe do primeiroquarteldo actual,o Chippendale
transacto;entreellaáe a architectura, não ha solidariedade, nem e o Sheraton,maisespecialmente as cadeiras;nos trastesmaissum¬
mesmoar defamília: e sãoestasas condições reunidasqueconsti¬ ptuososencontram-se reminiscências do estylojacobeano, princípios
tuemo estylode qualquerepocha.As artesmenorescaminham ao do séculoxvii.Umas^lade festinsparao solarde um opulentofi¬
acaso,cadaqualparaseulado; hesitantes, perplexas entreo tra- dalgoinglez,apresentada pelofabricantecompleta, no seuconjuncto
dicionalismo estafado,—os chamados estyloshistóricos,—e um mal construída, decoradae mobilada,é o unico exemploda obediência
disciplinado naturalismo, o qual,ora pendeparaas formulasdo ex¬ quasiabsolutaa um determinado estylo.Pôdecomtudoaffirmar-se
tremooriente,orasedeixaarrastar, desnorteado, nacorrente domais comrespeitoásmobíliasdeHoward,queestasapresentam umestylo
desbragado naturismo. especial e proprio;que a suaintenção,absolutamente praticae mo¬
Em tãodeploráveis condições, qualquerfacto,pois,comsignifica¬ derna, r igorosamente seadapta nãosó ás d e
condições construccão e
ção sufficienteparaestabelecer excepção á uniformidade d’estatão de decoração dosaposentos dacasaparticular,conforme ellahojevae
desanimadora tendencia imitativa,d’estecontagioterrívelqueconta¬ sendointerpretada, mastambémaoshábitose ao modode trajardos
minaas industriasda actualidade; o maislevesymptoma quenos seusmoradores.
deixeentreverprenúnciosde umareacçaosalutar,devemser por Nãoafinaráprovavelmente, esteexcellente mobiliário,coma inevi¬
nóssaudados comverdadeiro alvoroço,e cumpre-nos dedicaraoseu távele fúnebrecasacapreta,—oque,aliás,seriaimpossível, e só con¬
estudoa maisescrupulosa attenção. seguea segede enterro.A casacapreta... negaçãode todaa es-
theticaindumentária, imprimea qualquerbaile,nos nossosdias,o
aspectode umaloja de estofadorinvadidapor umbandode corvos!
Tambémnósa envergámos; e mantemos umausançaabsurda e gro¬
tesca,pagandotributoá vaidadee mandando annualmente, hamais
Nasrecentes exposições de artese industrias, distinguiam-se, en¬ de meioséculo,algunsmilhões,bemescusados, paraElbceufe para
tremuitosmilharesdeespecimens dasartesdeapparato, e attrahiam Sédan!Nós,quenascemos na terraemcujo torrãose produza me¬
irresistivelmente o olhardo observador estudioso, duassecçõeses- lhor amoreira e secriao melhorbichode seda!E a nossaprovíncia
peciaesque,pelasóbriaelegancia e peloapropriado dasfôrmase dos deTrás-os-Montes, queconserva bemvivaaindaa tradiçãodofabrico
elementos decorativos,destacavam completamente detudoquantoas daseda,despovoa-se poucoa pouco:osseusterrenosincultosabran¬
rodeiava:eramestasasporcellanas dinamarquezas, e osmoveismo¬ gemléguase léguas!Poréma moda... essaredeparaincautos, essa
dernosdo fabricante inglezHoward. armadilhaconstanteã vaidadee á força do habito,assestada pelas
Esbeltas,de fôrmassimples(observava-se estasegunda qualidade naçõesgrandesparaexploração dasmaispequenas, atrophia-lhes as
aindamesmonas peçasde maiorapparato), as porcellanas de Co- industriasá nascença. Reduzidosos industriaes a viverde imitações
penhagen sãoirreprehensiveis quantoaofabrico;muitotransparentee, pelacontinuamudançados padróese dos modelosresultante da
e egualo seuesmalte,cujo branconeutroadmiravelmente se har- instabilidade do gosto,obrigadosa chegarsempretardeaomercado
monisacom a escalasóbriados tons,—-ásvezesquasimonochro- por nãoteremo tempoindispensável paraaperfeiçoarem os seusar¬
mica,—queconstituea palhetadosseusoptimosdecoradores. Este tefactos, desistem dasfabricações solidas,ás quaestemdesubstituir
formosoproductoda moderna arteceramica intentavisivelmente se¬ productosephemeros, cuja duraçãoé tão curtacomoa da modaa
parar-seda rotina;rompecomas tradições;adopta,dasformulas quedeveram a existência, e que,emmuitoscasos,nemsãoproprios
consagradas, apenasaquellasque,peloseucaracter orgânico, consi¬ paríio clima,nemseadaptam ásfeiçõesquecaracterisam
deraindispensáveis. o typodo¬
A estructura dosseusvasosé outrosobjectos, minantedo povoparacujousosãodestinados.
assimde usocommumcomode meroadorno,apresenta fôrmasde A moda,insistimos, nãopoderá,talvez,de todoemtodoevitar-se.
extrema novidade, emqueo relevo,quasisempre attenuado, nemcom¬ A vaidade,o egoismo,a herançado avôpythécopodemtanto!...
plicacoma unidadedosperfis,neminterrompe a fluênciadoscon¬ Porquese não ha de,comtudo,disciplinara influenciada
tornos.Não ha, naspeçasde serviço,um unicoornatoou enfeite queimpede moda?O
queponhamos um diqueao desvairado impulsoda sua
supérfluo;vê-seque o modelador evitouescrupulosamente todae corrente?Já queestamos
qualquerexcrecencia noscamposda utopia,enfiemos p or outra
incommoda ou inútil,sabendo sempre cingir-se azinhaga.Supponhamos
ásrestricções quequalquerpaizdosmaisvictimados pela
impostas pelamatériaprima,e pelousoa queo objecto exploração
foi destinado. e xcessiva,reagindo contraos prolongados a busos, se re¬
Predominam entreos elementos decorativos dapintura solveumbellodiaa tomarjuizo:—adiscutira
(fixadaa lumedeescalda , calorda maxima moda, a modificál-a, a
temperatura) osproductos accommodál-a aos,seusinteresses
naturaes, judiciosamente adaptadas, nacionaes, conciliando-lhe os ca¬
porém,assuasfôrmasaotamanho prichoscomas possibilidades
e á configuração dassuperfícies dassuasindustrias, firmemente deter¬
adornadas, e resultando emeffeitos minadoa facultara estaselementos
originaes nasuarespectiva singeleza. de prosperidade. E porquenão
Esteadmirável ha de serPortugal,vistoquejá tememcasao exemplo, quelh’odá
productocerâmico, deíndoletãoverdadeiramente a mulherdo Minho?As guapasminhotas,inconscientemente consti¬
moderna, quesustenta confronto, quantoá perfeição defabricocom tuídasemperennecomitéda
os melhores trabalhos deSèvres,de Limoges,e comos primoresar¬ moda,sustentam, haverámeioséculo,
tísticosde porcellanistas umaluctade tenazresistência c ontraas invasões d o industrialismo.
exímios,taescomoDelaherche, Thesmar Têemsabidodefender
Haviland,Dammouse e Vogt, o trajardasuaprovíncia,tãoracional,tãopra¬
testável originalidade revindicfum logarapartepelaincon¬ ticoe tãogenuinamente esthetico, apenasfazendoconcessões á moda
queo caracterisa.
Os annaes da ceramica quando a industria consegue convencel-as, supprindo-lhes qualquer
têem,pois,a registar,ao ladodos nomes
daquellesmestresos do chimicoEngelharte dos dasnecessidades indumentárias comvantagem e economia.
artistasLusbere s’ E, se chegaa admittirqualquerinnovação,
Koog,Heilmane Mortense. vejamcomqueinstin-
ctoa minhotasabeadaptál-a aoseutradicionale formosotrajo!

(Continúa) Pin-SEL.
O mobiliáriode Hoivardsobresáe, no seugenero,por qualida
da mesmaordem,e assentasobreprincípios
muito similhantes
quevimosapplicados ásporcellanas de Copenhagen. As suasfón
estructuraes, organicas,semprepraticas,racionaes,
e todaviasem
elegantes; emquepredomina a linharectae assuperfícies
plana'
cuja dccoraçao, muitoparcimoniosa emobra de talha,consiste
pinturas,embutidos demetale de madeira, tauxiadose ásvezes
crustaçoes ceramicas,são realisadas com a maximaeconomia
“ S íe'S
aT™ ,T
Algunstrastes grandes,
Pam’ aWS’ ° eSpa aP“ asindispensável
°T de parede,sãoadornados

comserralhí
artística.Os effeitosde colorido,conseguidos
pelacombinação de
^1 f
- ARTE PORTUGUEZA

caminho de ferro, venham as demais commodidades que


só este póde trazer.
A nascentedas aguas, que têem n’aquella uma tempera¬
tura superior a 70o, é abundantíssima; de um modo gros¬
•9

seiro, póde calcular-sefornecer 1000metros cúbicos por dia.


Situada de mais a mais em um ponto elevado,permitteuma
commoda e facil distribuição das aguas pelos actuaesesta¬
belecimentosde banhos e por outros que haja a fazer, sem
necessidadede terem de ser levantadas.
Hoje existeo estabelecimentonovo de banhos, construido
em 1884 pela camara municipal de S. Pedro do Sul, bas¬
tante bom para servir de base a futuros melhoramentos


e ampliações, e ainda o chamadobanho velho, que serviu a
D. Affonso Henriques, e cuja primitiva fundação é anterior
a este rei, mas de que a principal construcção data do seu
tempo.
ACASO fez-nos encontrar em uma Em duas epochas, pelo menos, esteve aqui D. Affonso
estante de livros antigos, existente na Henriques: em fins de agosto de 1169, e na primavera
casa que estamos habitando na villa do seguinte; sendo acompanhado,na primeira epocha, por seu
Banho, mais conhecida pelo nome de Cal¬ filho D. Sancho, que lhe succedeu, e por suas duas filhas,
das de S. Pedro do Sul, o primeiro li¬ D. Urraca e D. Thereza. Assim é attestadopor uma escri-
vro escripto por um medico sobre estas ptura de doação feita aos templários, como consta do livro
caldas. das ordens militares, existentena Torre do Tombo, a qual
Este livro, intitulado Chronographia medicinal das caldas escriptura é assignada em Alafões, na era de 1207 (anno
de Alafóes, e escripto ha duzentos annos por Antonio Pires de 1169).Essa escriptura termina assim:
da Sylva, medico do partido de Sua Magestade, tem a data «Facta charta apitd Alafcens era 1207. Rex Alphonsus
de «Aveiro, 20 de fevereiro de 1695». Foi da leitura d’este cumfilio suo Rege Sanctio, et filiabiis suis Regina Urraca
livro que tirámos os apontamentos que nos permittiram et Regina Tharasia.D
dar a presente noticia.
As caldas hoje conhecidaspelo nome de Caldas de S. Pe¬
dro do Sul, e que, dentro em pouco, passarão a chamar-se
«Thermas da Rainha D. Amélia» em homenagemda camara
municipal de S. Pedro do Sul, por proposta do seu muito
digno presidente, o ex."10sr. José Vaz Correia de Seabra
Lacerda, a Sua Magestade a Rainha, que fez uso d’estas
aguas durante o mez de junho do corrente anno, eram an¬
tigamentedenominadas«Caldas de Alafões» por se acharem
na villa do Banho, que, já antes de D. Affonso Henriques,
era a villa mais populosa de quantas havia em terras de
Alafões; e tanto, que a igreja de S. Martinho, de que hoje
apenas resta a capella mór, transformada em pequena ca-
pella da invocação d’aquelle santo, foi a matriz de todas
as igrejas circumvizinhas.
Á igreja de S. Martinho vinham todos os annos, a 20 de D. Affonso Henriques veiu a estas caldas para acabar
maio, as freguezias que lhe eram sujeitas, tributar a antiga de se curar de uma perna que tinha partido no cerco de
sujeição, o que faziam visitando cada freguezia com ladai¬ Badajoz, na primavera de 1169; segundo a versão mais
nhas aquella igreja. Hoje, aquella sujeição já não existe, auctorisada, ao sair da porta de Badajoz, no ferrolho da
mas conserva-seainda a tradição de virem todos os annos, mesmaporta; segundo outra versão, debaixodo cavallo que
no mez de maio, visitar a capella com ladainhas muitas montava, quando este cahio morto.
das fregueziaspróximas. Depois de D. Affonso Henriques, estevetambém nestas
Na epocha em que foi escripto o livro a que nos re¬ caldas, mas apenas de visita, estando em Vouzella, El-Rei
ferimos, era o concelho de Alafões um concelho unico, D. Manuel, o qual mandou construir o hospital real, que
formado pela reunião dos antigos concelhos do Banho, de funccionavaainda em 1695 e de que hoje nada existe1.
Vouzella e de S. Pedro do Sul; hoje, a villa do Banho Depois de El-Rei D. Manuel, temos a registrar a vinda a
pertence ao concelho de S. Pedro do Sul, sendo a sua estas caldas de Sua Magestade a Rainha D. Amélia, que
freguezia a da Varzea, proximo d’aquella villa, e são os d’ellas fez uso desde 6 de junho do corrente anno, primeiro
concelhos de Oliveira de Frades, de Vouzella e de S. Pe¬ i Depoisdeescriptaestanoticia,lemosemumamemória publicada
dro do Sul, que comprehendem o primitivo concelho de em i885sobrea antigavilla do Banho,queEl-Rei D. Dinize El-Rei
Alafões. D. Manuelfizeramtambém usodasCaldasdeAlafóes.SeEl-ReiD.Ma¬
A villa do Banho, tendo sido a primeira das terras de nuelfezusod’estascaldas,comodiz aquellamemória, emcontradic-
Alafóes, diminuiu muito da sua antiga importância, que ção como queescreveo medicoSylva,foi talvezquandoesteveem
Vouzella,fazendotransportarparaalli a agua,comoaindahojefaz
de certo virá a recuperar, graças á sua magnifica e abun¬ muitagentedos logarescircumvizinhos, quetomabanhosem casa,
dante nascente de aguas sulphureas, logo que o caminho mandando buscaraquellaempipas,que,apesardademoradotrajecto,
de ferro do valle do Vouga, que parece estar em via de chegaao seudestinocomtemperatura superiorá quepódesersup-
ser levado a eífeito, facilite o seu accesso, e que, com o portadano banho.DeEl-Rei D. Diniz,naofaliao medicoSylva.
20 ARTE PORTUGUEZA

dia em que entrou no estabelecimentonovo, até 27 do çadadapartedo oratorio,pelabandado occidente,


e todaa obraé
lavrada.»
decantaria
mesmo mez, ultimo dia em que alli esteve,tendo deixado
em toda a gente d’esta boa província um verdadeiro culto.
Esta descripção está exactissima com o que hoje ainda
alli existe; apenasdos dois arcos, que naquella epochaeram
vasados, um está actualmentefechado, e do oratorio existe
só o arco, estando a Senhora da Saude em uma pequena
capella, contiguaao mesmo banho e onde hoje se diz missa.
As lettras e caracteresa que se refere a descripção,não
as podémos ver claramente; mas, segundo o medico Sylva,
significam Affonso I e Fernando Pedro, nome do primeiro
senhor, por doação de D. Affonso Henriques, dos banhos
e de toda a terra de Alafões.
Na porta que era a entradaprincipal do banho, além das
sete mãos com sete ramos já mencionadas, existem quatro
ramos mais, mas sem mãos, que representam, no dizer do
medico Sylva, outras victorias de D. Affonso Henriques,
estandoassim sem mãos, porque as taesvictorias não foram
alcançadassó por seu braço, mas com alguma ajuda.
Junto do banho que fez objecto desta descripção, e que
era destinado só a homens, existia o banho das mulheres;
e mesmo por cima da nascente das aguas, o chamadoba¬
nho secco.
Este ultimo banho era uma pequena casa de abobada,
emformade guarita, em que cabiam oito pessoasassentadas,
e onde íam receber os vapores da agua.
Posteriormente a D. Affonso Henriques, foram feitas di¬
versas ampliaçõesno edifício do banho velho, em parte das
Era acompanhadapor Suas Altezas 0 Príncipe Real e o quaes estão hoje estabelecidosbanhos para os pobres.
Infante D. Manuel. O que não é hoje utilisado, é propriamente o banho que
Sua Magestade El-Rei também visitou estas caldas nos serviu a D. Affonso Henriques, sendo de esperar que con¬
dias 26 e 27 de junho, quando veiu de Lisboa para acom¬ tinue a ser conservado, e que nunca seja destruído a titulo
panhar Sua Magestade a Rainha no seu regressoá capital. de qualquer melhoramento.
Como dissemos, existe ainda o banhovelho, que serviua Defronte do estabelecimentoantigo das Caldas e entre
D. Affonso Henriques, e que, pela sua antiguidade,merece estee a capellade S. Martinho, vê-se ainda hoje a casa que
ser descripto, o que faremos, indo buscar a sua descripção foi da camara e cadeia.
textual, por mais curiosa e por ser exacta com o que alli O desenhodesta casa e o do castello de Villarigues, de
ainda se vê hoje, ao livro de onde tirámos estes aponta¬
que adiante fallaremos, figuram entre os que Sua Mages¬
mentos: tade a Rainha fez durante o tempo que esteve em S. Pe¬
dro do Sul.
«ComapiscinadeBethsaida deJerusalem temvivasapparencias
esta
nossa;porque,se a de Bethsaida Entre as differentesprescripções recommendadaspara o
tinhacinco
porticos,Quinqueporticushabens,comodiz
S. João no cap.v, estanossatemcincoarcos,
tres na partedo norte,dous dos.quaessão
vasados parahüagrandesala,e umnãovasado
em meiodos dous,que foi o camaroteem
quetomouos suoreso invictoRey o Senhor
D. AffonsoHenriques.
«Dapartedooriente,estáa portadedebuxo
Moysaico, emqueseveemsetemãoscomsete
ramos,que,a meujulgar,significão
setememo¬
ráveisvictoriasqueo SenhorRey D. Affonso
Henriques já emaquelletempotinhaalcançado
com seu braço,dos parciaesde sua Mãy a
Rainhae SenhoraD. Thereza,do Emperador
D. AffonsodeCastella,dosSarracenos ouÁra¬
bes,e outrosmuitosquesenhoreavão Portugal.
Da partedo occidente, estáoutro arconão
vasado,emquese achãomuitasletrase cha-
racteres.Napartedo meio,estáo quintoarco,
muitoalto,emquese fez o oratorio;erava¬
sado,e semduvidaassimfeitoparad’ellese
continuar hüagrandecapella.No meio,estáo
banho,paraquesedesceportresdegraus, e he
cercadodeparapeito dealturadehüavara,com
quatroentradas parao banho;sobre0 para¬
peitosefirmãocolumnas quadrangulares,
sobre
asquaessesustenta hüavaranda,queestásobre
o banho,e d’ellase desceporhüaescada lan¬
ARTE PORTUGUEZA

uso das aguas, pelo medico Sylva na sua Chronographia nome a estasterras, quando veiu tomar posse d’ellas, depois
medicinal, destacamosas relativas aos banhos, por as con¬ de vencido em Vizeu por D. Fernando, que foi Rei de Cas-
siderarmosmuito curiosas. Segundo essasprescripçoes,de¬ tella, Leão, Galliza e parte de Portugal até á Beira Alta,
viam os doentes demorar-se no banho durante meia hora, e que era filho de El-Rei D. Sancho, o Magno, de Navarra.
no decurso da qual resavam ou cantavam a ladainha a O monte que fica junto ao da Senhora do Castello, ainda
Nossa Senhora da Saude, que do banho viam no oratorio. hoje aqui é conhecidopelo nome de monteAlafum ou monte
Passada a meia hora, saíam do banho e recolhiam-seaos Alafão. A capella da Senhora do Castello foi construídaem
camarotes que havia no mesmo banho, onde, deitados em 1660pelos moradores deVouzella.
uma cama e bem cobertos de roupa, se conservavamoutra Para oeste da Senhora do Castello e por cima da villa
meia hora. de Vouzella, descobrem-seainda, levantados acima do ter¬
Decorrida esta outra meia hora, dava-se signal com uma reno, uns restos de muralha do antigo e pittoresco castello
campainha para os doentes se levantarem, em seguida ao de Villarigues, pertencentehoje á casa Penalva.
que se vestiam e íam para suas casas muito bem agasalha¬ Vale realmentea pena uma excursão a terras de Alafões.
dos, onde deviam descansardeitados uma hora, sem comer
Setembro
de 1894. F. E. de SerpaPIMENTEL.
nem beber.
Não se póde dizer que Teste tempo o tratamento fosse
dos mais agradaveis!
Muitas outras cousascuriosas podíamosreferir que lemos
Teste livro; mas esta noticia já vae longa, e talvez mesmo
massadora para muita gente.
O que não é massador é fazer uma excursão a terras de
Alafões. O paiz é lindíssimo; todo o sinuoso e apertado
valle do Vouga, com o accidentadodas suas
encostas e os contrastes da sua vegetação,
encanta quem o percorre. Óptimas estradas
cortam esta região, sendo das mais bonitas
a de S. Pedro do Sul a Lamego, que segue,
ao sair Taquella villa, o valle do Rio Sul, e
a de S. Pedro do Sul a Aveiro, que corre
quasi sempre no vaile do Vouga.
O panorama que se descobre da Senhora
do Castello, que se levantasobranceiraá villa
do Banho, é grandioso, como grandioso é
também, embora não tão vasto, o que se
desenrola do alto da Senhora da Guia, que
fica por cima do logar de Baiões. Nos dois
montes, onde hoje existem as capellas da
Senhora do Castello e da Senhora da Guia, é que se cas-
tellou, segundo a tradição, o mouro Cid Alafum, que deu o

característico
d’estasconstrucções o serreintrantea parede
O

á é

frontaldoultimopavimento emrelação paredemestraquevemdos


CASA ‘PORTUGUEZA dandoassimespaçoa umbalcãolargo desopprimido,
alicerces, abri¬
e

gadopelotelhadomuitosaliente, demodo proteger contraasneves


a

doinvernoe os ardoresdo estio.


Ha muitasconstrucções assim,não sómenteemcasasantigasdo
nortedo paiz,masaindaemalgumas modernas doPorto.Ha muitas,
Sr. HenriquedasNeves,no seulivro A cavade antigas, naspraçase ruasdeVizeu.
Viriato,descreve assimaVizeuantiga: Será,porém,estavariantebastantea determinar umtypol Nãoes¬
«A cidadeantiga,a queestáagglomerada a tamoshabilitados responder.
a

dentrodasmuralhasde D. AffonsoV, de que Quandonosreferimosá existência deum typonacional, tínhamos


restamaindaduasportasogivaescuriosissimas emmentecertashabitações queobservámos naBeiraAlta,noscampos
(umad’ellas,Arco dosCavalleiros, tendoerecto aldeiasemvoltadeVizeu.Variamno numerode pavimentosna
e a e
e

no passadiçoque corresobreella,um balda- disposição de umaou outraparte,massubordinadas emgeral um


quinoacobertando a SenhoradaConceição, e,aorezdo chão,aberta typounico,desdea casasolarenga, degranito alvenaria, forte ma-
e

na parededo lado esquerdo, umareintranciaemarco,ondesevê gestosa, até casinhota deum andar,amanhada comtroncos,vigas
e
á

estabelecido o bancodo ferradorda entradado povoado,tudopuro tábuas.


séculoxv, comoveem)temum ar medieval:praçasacanhadas e partirdo solo, paredefrontalaugmenta deespessura até al¬
A

á
a

irregulares,ruasestreitas sombriase emaranhadas,


e tortuosas, casas turade metros;e sobreestasaliência quecorre varanda do
2
a

a
é
i

no antigoestylourbanoportuguez, delargosbalcões, e algumascom pavimento nobre, d’ellase passadirectamente ãointeriordahabi¬


e

janellasgeminadas, deelegantíssima columnaaomeio.» tação.


•,

A propositod’estascasasurbanasem estyloportugue$ junta pavimento terreonascasasnobres paraadega, etc., naface


O

e
o

sr.H. Nevesumanotabeminteressante, quevamosextractar. da frentenão temportasnemjanellaspropriamente ditas,massim


«Parece-nos haverumtypoportuguez decasade habitação. Paula oculosparaentrada do ar luz; nasdegenteremediada, tem porta
e

frente,e alojaos bois,as cavalgadurasemmuitasd’ellas,o rico


e,

Oliveira,depoisdeumajornadadeexploração pre-
anthropologica
á
e

historica Trás os Montesemcompanhia do sr.NeryDelgado, foi cevadoou suafemeae respectivos récos.


a
a
a

primeirapessoaa quemouvimosaffirmartal.Maistarde,tivemosop- Do parapeito ou balaustrada


davaranda, erguem-se,comlargoin-
portunidade dereconhecer Taquellaprovínciao facto quesereferia tervallo,columnas queapoiam varandado terceiropavimento; não
a
a

aquellenossoamigo.» vimos,quenosrecorde, nenhuma habitaçãodestetypodemaisdetres


J
22 ARTE PORTUGUEZA

pavimentos, já raríssimo noscamposemgeral;o telhado, porfim,de


beiraesbemalongados, abre-secomoumpavilhão protector.
É possívelrematarumacasaassimedificada, como balcão usado
DETERIORAÇÃO DAS PINTURAS A OLEO
aindahojeno Porto; mastambém nãonosrecordamos devertal al-
liança;as debal¬
cão altovimol-as
noscentros depo¬
pulaçãodensa;as S sensíveis alterações e os estragos, que
de varandas, nos se manifestam, com o andar dos tempos,
campos.
em muitos quadros a oleo, e a investiga-
N’estasultimas,
a posiçãoda es¬ tusas que possam determinar tão deplora-
cadanãoé a mes¬ nstancias,são assumptos que, desde largos
maemtodas:nas preoccupado constantementenão só os ar-
casassenhoriaes, inda aquelles que mais indirectamentean¬
apalaçadas, prece¬ -jr-r^èvLl
didasde terreiro dam interessadosnas cousas da arte.
ou pateoaberto, Despertada, porém, de vez em quando, a attenção, me¬
é perpendicular á diante qualquer facto mais grave e notorio, a anciedadere¬
frente dacasa e de inclinaçãosuave; n ascasas pobres,é aberta n’uma crudesce; a questão vem de novo a terreno; discutem-se
dasextremidades da ditasaliênciada paredee comestalargura,se
as causas do mal; aventam-se hypotheses mais ou menos
ha paredede alvenaria;e, se a casaé todademadeira, precede do
mesmomodo,encostada á frontaria,a varandaquedá entradapara plausíveis; indicam-se providencias; e, diga-se a verdade,
o interior. consideráveisvantagens,em nossos dias, têem resultadoda
As escadas quenospareceram maisacertadamente collocadas, estão discussão. Os progressos realisados, até hoje, em tudo
encostadas a umadasparedes lateraese coma inclinação necessária quanto diz
respeito á hygiene das pinturas, são, sem duvi¬
paraattingirem o nivelda varandan’umdos seustôpos,deixando
âssimdesaffrontada a fachada. da, extraordinários. Attingiu a perfeição a sciencia da con¬
Estafórmade construcção nãoconstituirá umtypodecasadeha¬ servação e tratamentodos quadros.
bitação?A casacom balcãoou varandaé bemmaisagradavel e Eram, ainda em epocha recente, attribuidos, quasi inva¬
apropriadaao nossoclimavariavel,do que muitasquepor ahi se riavelmente,ás deficientes
condições dos museus e galerias
veemparausoparticular, dispendiosas.
quaesquer signaes de decadência que os quadros apresen¬
E aindahoje,emtodasasmanifestações daantigavidaportugueza,
umaprovínciamuitocaracterística, a daBeiraAlta.Pesa-nos nãoter tassem; hoje, comtudo, que, nos dois hemispherios, até as
vistoCeloricoe Trancoso.Destasvillashistóricas, diz o fallecidodr. cidades de terceira ordem possuem edifícios na maxima
Filippe Simões(Papeisvários,Relatorioda Exposição,publ. pos- parte construídos de proposito para
installação de télas e
thuma):«Muitascasasde Celoricoaindase conservam como seu painéis,—não fallando nas innumeras
galerias particulares,
aspectoantigo.Algumasportase janellasornamentadas mostramo verdadeirosmodelos,
queera ha tres ou quatroséculosa architectura muitas d’ellas,— comquanto tenham
civil n’umavilla
provinciana....Trancosoconserva aindatodaa apparencia de uma diminuído sensivelmenteas causas de deterioração, muitas
povoaçãoguerreirada Edademedia:ruasestreitase tortuosas,o ficaram subsistindo e de continuo se repetem,—inherentes,
castellono alto da collina,a cercaameiadaguarnecendo a povoa¬ algumas, ás condições e exigências do proprio processo da
ção.E, por assimdizer,umavillafóssil,querepresenta hojea Edade pintura, outras, porém,
cuja responsabilidade cabe inteira-
media.A sua architectura religiosacorresponde á epochade tran¬
siçãodo estyloromânicoparao ogival,etc.»
Na villa de A technica da pintura, empírica,desde a sua remota ori¬
Ceiavi algumas gem até ao meiado do século xvir, —empiristas, portanto,
casascomo ty¬ ainda os mais celebres pintores, desde Apelles até Rem-
po referido,e
brandt,— começoun‘aquella epocha a ser objecto de assí¬
atécomsuaor¬
nas duas investigaçõesscientificas; e a
namentação intervenção da sciencia,
padieiras de toinando-se, nestes nossos tempos de tamanho progresso,
portase janel¬ decisiva, parecia, á primeira vista, que viria a determinar
las. definitiva adopção de processos technicos absolutamente
A villafóssil
que mais me racionaes e fixos; e, comtudo, triste é dizel-o, tem
apenas
temimpressio¬ dado resultados contradictorios, precipitando em
verdadeiro
nado é Con- chãos a technica da pintura, multiplicando cada vez mais
stantimde Pa- as causas que podem activar a
noias,ao norte alteração e, em muitos ca¬
sos, a ruina e destruição dos quadros a
de Villa Real oleo; porquanto
deTrásosMon¬ este processo de pintura, sem duvida alguma o mais com¬
tes;avillatemforaldo condeD. Henrique, e algumas pleto e genuinamente artístico de todos, é por isso mesmo
dassuascasas
de granitopardacento, de escadas e varandas nasfachadas, têemum o mais difficil e complexo, e também o mais sujeito a alte-
ar tãovelho,que devemserdo tempodo foral.Ahi, também ?
o pa¬ açoesindependentesde causas externas.
vimentoinferior,o terreo,é destinado aos animaesdomésticos. É Encontra a pintura a oleo nos proprios elementos
comcertezaumtypode construcção, diversodo adoptado na região constituem,o que a
mediado paiz,e na meridional. germen da sua eventual decadência. O oleo,
A casavaria,adapta-se ao clima,e aos costumes \ehiculo que exerce sobre os diversos
do habitante. pigmentos acção em
Estudandoa casaportugueza, devemos marcara rurale a urbana.A extremo variavel, escureceuns, transforma a côr a outros,
minhota,como seueido,differedo casalalemtejano, comseuquintal a soi ve, por fim de tempos,
ou quinchoso:differemno aspecto, no lar e chaminé, alguns, fundindo-os demasia-
pelafaltaou amente e, em muitos casos,
pelaabundancia da cal,nasvarandas, queno sul chegama serter¬ confundindo os planos, e os
raços.Bastaa neve,quena regiãonortedo paizfórmano inverno pormenores dos objectos representados. É moroso, neste
espessas camadas, paraoriginardifferenças de construccão. processo, o enxugo das tintas, e,
sobretudo, o das mais es¬
Os grandestelhadosmui salientes dascasasda Beirasãodefesas curas, havendo até algumas que nunca
contraa inverniae os nevões. E ascondições seccam completa¬
sociaes,
aindamesmo as mente, e cujo emprego, tendo-se tornado excessivodurante
circumstancias desegurança pessoal,sãoorigensdevariantes. um determinadoperiodo
artístico, veiu augmentar sensível-
ARTE PORTUGUEZA 23

mente os casos de ruina parcial, e, por vezes, de destruição e resinosos fundem mal com outras tintas e muitas vezes as
quasi total, das pinturas. absorvem e diluem.
Urgia obviar a um inconvenienteque difficultavaao pin¬ E menos pernicioso o abuso do bistre, posto que estatinta
tor a conclusão do seu trabalho; e, n’esse intuito, genera- seja também sujeita a alterar. Quando se emprega extreme
lisou-se também o emprego dos seccantes,vehiculos ordi¬ e com pouca espessura, é relativamentesolido. O francez
nariamente perigosos, perniciosíssimos, alguns, que, pela é o melhor. Misturado com qualquer tinta a corpo é mais
sua muita adstringência,tendema contrahir-se, e, portanto, falso. O vandfke, outro escuro bastante elástico, é sobrio
oppõem-se á natural dilatação do pigmento oleoso, actuan- de tom e, não se empastando,muito util. A lacca escura de
do por modo absolutamentecontrario ao d’este. gran, — garance brulée (brown madder),— apenas merece
Data do segundo quartel d’este século a adopção quasi absoluta confiança, usada por transparência, em velaturas
geral e o uso inconsiderado de diversas tintas escuras ou esfregaços. As terras, em geral, são firmes: a peior é
de caracter betuminoso, cujas propriedades, discordando a de Cassei, que cresce demasiadamentee, muitas vezes,
absolutamentedas dos oleos e variadíssimas matérias có- transparece através das successivascamadas de tons mais
rantes empregadas pelo pintor, estão em directa oppo- claros, embora encorpadissimos.E excellenteo Kappah, ou
sição com todas as leis naturaes de estabilidade e de equi¬ castanhoindiano, tinta que os fabricantesinglezes lançaram,
líbrio. As mais perniciosas são, sem duvida, o betumee o alguns annos ha, no mercado; porém péssimo o preto de
asphalto, ou pe\ judaico, pois que ambos, cedendo appa- chumbo (black lead) da mesma proveniência.
rentemente á acção dos seccantes, enxugam á superfície, A escola ingleza atravessouno meiado d’este século um
conservando-se,porém, — quando empastados,— húmidos e periodo de decadência,devido, em grande parte, ao exag-
viscosos nas camadasinferiores, por tempo indefinido. Com- gerado insularismo, ao seu systematico afastamento das
prehender-se-ha,pois, facilmente,a consequênciadesastro¬ escolas do continente.
sa que resulta da applicação de vernizes espessos, muito Predominou na arte da Gran-Bretanha, durante cerca de
seccantese de caracter permanentea pinturas em que pre¬ vinte e tantos annos, a tendenciapara o colorismo.O exem¬
domine qualquer daquellas drogas. plo de Lawrence e de Turner, o grande experimentalista,
O abuso do betumefoi uma invasão ingleza nas escolas arrastou os pintores inglezes a demasiasde côr, cujos resul¬
continentaesda Europa. tados são fáceis de suppor para quem conhecea propensão
Reinava, por essa epocha, na pintura, a maneira néo-gre¬ para as manias, tão peculiar ao povo britannico. Postas ao
ga, o davidismo,—essa escolaemphatica,theatral,cuja falsa auxilio de tal corrente a sciencia e a industria, lançaram os
esthetica,mirando apenasao desenho,que tentavaidealisar inglezes no mercado infinidade de tintas, tão uteis algumas,
a seu modo, produziu tamanhaquantidadecTessaspinturas quanto formosas de tom; ruins e damninhas,porém, outras,
de aspecto gélido, sêccas, lisas e como esmaltadas,em que e que a prudência manda condemnar ou, pelo menos, usar
as carnes, por vezes, chegama parecer couro pintado. Uma com designadas precauções. Os amarellos de chromo são
exposição de arte, realisada em Paris, em que figuravam, todos mais ou menos traiçoeiros; ainda o melhor é o n.° i,
principalmente, quadros da admiravel escola ingleza do fim devendo empregar-se,para o triturar sobre a paleta,espatula
do século xviii, e em que se tornaram conspícuos os traba¬ de buxo ou de marfim. São detestáveisos chromos alaran¬
lhos do seu fundador, sir Joshua Reynolds, operou reacção jados e os escuros. Suppre-os com vantagemo paladium e o
vigorosa em favor do colorido, e encaminhou as attenções cadmium, substituto do antigo massicote.Estes preparados
para os methodos subjectivos dos grandes mestres do sé¬ inglezes não são muito antigos. E excellentea estrondaria
culo xvii, desviando o gosto'das tendências,mais exclusi¬ ingleza,—mais firme que o amarellode Nápoles. Excellente
vamenteobjectivas, dos sequazes de David. também a aureolina, um dos preparados de data mais re¬
Passou-se, porém, de um extremoa outro extremo.A pin¬ cente. E má a lacca amarella, e nada melhor a lacca verde,
tura opaca e lambida dos pseudo-clássicos,veiu substituir-se ambas em extremo voláteis. Excellente o amarello indiano.
o exaggero do claro-escuro, a ostentaçãoda largueza e dos p. S.
(Continua)
rasgos de pincel. Em vez do desenho decalcado, sêcco e
esculptural— a magia do effeito, e a côr; e, erro fatal, en-
trou-se a abusar da copia como meio de estudo, e a imitar
não sómente a maneira e o estylo dos mestres preferidos,
se não também a patina, essa concentração e harmonia,
cAS NOSSAS INICIAES
tão artificial quanto rica, que o tempo imprime’nas velhas
télas.
Datam, pois, dessa epocha os perniciosos abusos das ve- EM procedeo directorartísticodaArtePor¬
tuguesaformando umagrandecollecção de
laturas, esfregaçose outras sobreposiçõespor transparência
iniciaes,authenticamenteportuguezas; para
nos processos da pintura, e também o uso immoderadodos istoconseguir,exploraasminasmaisgenuí¬
betumes e dos seccantes,erro que condemnoutão conside¬ nas,osvelhoscódicesdecujaorigemhano¬
rável numero de obras-primas a prematura destruição. ticiascertas.Muitasdasiniciaesqueentram
n’estenumero,são do missalde Arouca,
Outras drogas ha ainda que melhor fôra evitar, taes
códiceilluminadoquepertence á collecção
como a mumia, ou castanhoegypcio, —não é tão perniciosa da BibliothecaNacional.
uma varianteallemã da mesmatinta,— e o stil de grain es¬ Tanto nos centoe quarenta e trescódicesqueformamestacol¬
curo (o brorvn pink dos inglezes), preparados falsissimos, lecção,comonosquatrocentos cincoentae quatro,quetantostema
sujeitos a mudar de tom, pouco solidos, pois que a luz solar provenientedo mosteirodeAlcobaça,ha muitosvolumesdeorigem
portugueza,a partirdo séculoxn,isto é, do começoda monarchia.
e as variantes de temperatura os transformam. Misturados
N’estecomonosoutrosramosd’arte,ha,umaououtravez,influencia
com branco ou com qualquer outra tinta opáca e encorpada, manifestadasescolashespanhola, flamenga, etc.;muitasvezes,
italiana,
formam tom que, por fim de tempos, vem a cobrir-se de o illuminadordo séculoxvi adoptoupor modelosasiniciaesdecódi¬
manchase salpicos escuros, de effeito desastradíssimoe em cesmaisantigos;mas,entreessasinfluencias e confusões,encontram-
extremo difficeis de remediar. Os preparados betuminosos seelementos quesepodemconsiderar nacionaes.
24 ARTE PORTUGUEZA

^AZULEJOS

OI uma grande invenção, esta dos azu¬


lejos!
O brilho, a graça d’esses quadrados
captivou os artistas, e differentes povos
os adoptaram, bem diversas escolas lhes
applicaram os seus estylos. Vieram do
oriente ter a Portugal, e, aqui, o azulejo
reproduziu-se de mil maneiras, irradiou,
transformou-se, soffreu todas as evolu¬
ções e influencias artísticas. O azulejo
entrou nos templos, nos palacios, nas
casas humildes; com elle se fez a simples
cercadura,o singelo xadrez; e artistas eminentes
pintaram em azulejo vastas composições. Por
isto, uma collecção d’esses quadros oíferecemui
variadostypos de decoração.
Não é numerosa a collecção existenteno mu¬
seudo Carmo, por exemplo; é todavia sufliciente
para reconhecerdifferentesclassesou typos.
Os azulejos em relevo, usados ainda no século xvr, com as suas la¬
çarias, figuras geométricasou vegetaes,em quadro, em oitavado ou
em círculos, são os azulejos mouriscos, que se fabricaram muito em
Hespanha, principalmenteem Granada e Sevilha, assim como o azu¬
lejo liso, branco e verde, de bellos esmaltes que ainda hoje perma¬
neceminalteráveisem muitos edifícios do paiz.
Os azulejos lisos, de folhagensem azul sobre fundo amarello,
pa¬
recem ter origemitaliana;fabricaram-seainda no séculoxvi em
Sevilha
eTalavera, e dahi entraramem Portugal. Ha finíssimos azulejos desta
especieem Portugal, assignadospor artista portuguez; os da
igreja de
S. Roque, aqui em Lisboa, por exemplo. Na
pequena colleccão do
Carmo, ha uns finíssimos azulejos desta escola, em
que pequenas fi¬
guras humanas apparecemdelicadamentecoloridas.
Os azulejos hollandezes,de pintura azul sobre
fundo branco, apre¬
sentando pequenos medalhões com paizagens e
figuras, ou de cor
violacea ou roxa sobre fundo da mesma cor,
esvahida, também hol¬
landezes, encontram-senão raro em Portugal.
No século xviii, dominou definitivamenteo
desenhoazul sobre fundo
branco, e executaram-seentão vastíssimas
composições.
Em Lisboa, Evora e Coimbra, ha
azulejos variados por toda a
parte. A quinta da Bacalhoa em Azeitão, ou a
quinta do sr. marquez
de Fronteira em S. Domingos de
Bemfica, mostram dezenasde typos
de azulejos. Pouco a pouco, iremos publicando
algumas gravuras dos
exemplaresmais artísticos e decorativos.
.^íUUJUUlr

Revisifi De m€i€m |M sob A pRoiecçm


e jjRie moDGRnn $1 dg suas mé . DES

DiRECTOR LiTTERARIO — Gabriel Pereira. Director Artístico— E. Casanova.

Secretario da Redacção—-D. José Pessanha.

Anno I Fevereiro de 1895 N.° 2

Christo de Raphael, radioso, de bello corpo carne


O

e
rosada, as poderosas estatuas de Miguel Angelo, marcam
grande triumpho sobre estatuariamedieval,esguia, de¬

a
o

finhada, vergando sob os peccados.


Os porticos das nossas cathedraesromanicas são fauces
sombrias, ornados de figuras geradas em afflictivos pesa¬
delos; nas gargulas, nas misulas, nos capiteis, ha symbolos
vagos, mysteriosos; artista quiz torturar as almas; in¬

o
o
STHETICA PORTUGUEZA ferno, purgatório, topam-se cada momento; o paraiso

a
o

não se vê; quando olhar se ergue na emoção da prece,


o

encontra pesadaabobada, implacável, ou madeiramento

o
a

de grossas vigas. Na Batalha, ogiva tem flores, abobada


a

a
— Varía a esthetica pelo estado das al¬ ergue-se muito mais; ha espaço ar; as paredes exteriores
e

mas; sendo estheticaa idéa de sentir, a vestem-se de ornamentação, os coruchéos sustentam gra¬
emoçãoque tende á belleza, é transfor- ciosas folhagens, as arcadas claustraes têem arrendados
^^2, mavel no indivíduo ou no grupo. Até na mimosos.
^sabedoria popular ha adagios para affir- renascimentoem Portugal deu manuelino,outra con¬
O

T
mar a variabilidade esthetica:—gostos não se discutem; firmação solemne de que evolução artística segue estado
a

o
cada um comedo que gosta. Gosto? é tão verdade que o da alma. Contucci, grande Sansovino fez trabalhos
O

sentir é a base da emoção do beilo, que os povos, nas suas aqui moda da terra; elle vinha da Italia, mas teve de
á

linguagens, para aquilatar ou designar a belleza, ingenua¬ seguir inspiração do paiz, da multidão; mesmo suc-
e
o
a

mente alludem ao paladar: — o fino gosto, o bom gosto, o cedeu com outros artistas estrangeirosque vieram aqui tra¬
doce devaneio, as lagrimas amargas. Alguém já definiu es¬ balhar. estadoda alma nacional influenciou-os. Havia no
O

thetica, a lógica do gosto. Se pelo juizo se obtem a verdade, ar aromas da índia, do mar, dos cabos alcatroados.
si,

ligando idéas entre pelo sentimento,pela impressão que Passou assombro da conquista, fulgor do immenso
e o

o
é

sentimos vista das cousas bellas ou sublimes, que attingi- triumpho, cultismo parou veio nacional, acceitando
o

a
á

mos encanto, bello. Ora impressão, sentimento, arte estrangeira, esculptura dos francezes italianos, que
e
a
é
o
a
o
o

variavel; se até os sentidos, ouvido, vista, variam de in¬ povoou paiz de primores de arte.
o
o

a a

divíduo para individuo. diversa educação, indole; segue correcção classica, official, por assim dizer, da
E

a
a
E
é

o sentir varía ainda no grupo, na multidão. architectura jesuítica da filippina, solida, precisa sóbria
e

A arte representa variante, evolução do espirito. Filha de ornatos, para de novo florir no findar do século xvnr,
e
a
a

do sentimento,ella dá-nos não só cultismo, grau de civi- chegar Mafra de João V, ás folhagens, ás volutas, ás
á
o
o

lisação, mas estado da alma nacional. A desgraçaque en¬ flammas, ás vieiras, ás cascatas sumptuosas, aos jardins
o

tristece multidão escurecetambém imaginaçãoartística. galantes. Mas marquez de Pombal regulamentou isso
o
a
a

Como se estancoutão rapidamenteaquelle formoso cau¬ tudo, fez Terreiro do Paço, no centro d’aquelles ba¬
e

e
o

dal da arte grega romana! A invasão barbara, dos povos talhões de cantaria ergueu estatua equestre, bella obra
a
e

sem arte, esterilisou o poder creador. Na desgraça, o ho¬ de arte, significativa da sua epocha.
mem perde coragem, vida dia sem sol, encanto da D. Maria deixa seu tempo bem marcado no templo
o
o
é
a

I
a

esperançaapaga-seno terror. da Estrella.


Demais, nervosidade especial do artista amplifica-lhe Como tanto se falia agora no passado glorioso, nas ma¬
o
a

mal commum; força imaginativa em excesso, instincto ravilhas dos descobrimentos, architecto,em harmonia com
o
o
a

do exaggero,aggravam crise. este novo estado da alma, olha também para os Jerony-
a

Vejam as imagens antigas, as velhas estatuas hirtas, de mos, em edifícios actuaes, para usos modernos, vae ahi
e

aspecto medonho. Ainda no século xiv, quando em outros procurar inspiração copiar fragmentos.
e

graciosa, gentil, risonha ou A historia da architecturacivil, da casa do palacio, re¬


e

figura humana

paizes
é
a

sádia, entre nós conserva seu caracter mystico, féro ou velam até evolução social, intima, viver da familia. Hoje
o
a
o

de pavor. Esperam agareno, correria devastadora. tendemos ao isolamento, todos queremos casa indepen-
a
a
o
26 ARTE PORTUGUEZA

dente. A disposição de um palacio de ha dois séculos de¬ terminação das fôrmas por manchas successivas,modelando
monstra-nos que os diversos elementos da familia e da os relevos pelas correlações da tonalidade, marcandoos pla¬
creadagemviviam quasi em commum. Os salões no palacio nos pelos valores da tinta e pelas gradações da luz. Corot
do século xvn communicamentre si; os quartos abrem para portuguez, foi elle o primeiro dos nossos pintores que,
os salões. Os serviçaeseram quasi familia. Na construcção frente a frente com a natureza, humildemente, paciente¬
civil do século xvi, a união era ainda mais perfeita; se até mente e apaixonadamentea inquiriu nos seus múltiplos as¬
a palavra creado tem então significado bem diverso do pectos, fugidios como o dia que corre e o sol que passa
actual. As largas torres fortificadas dos solares mais anti¬ levandocomsigo,ininterrompidamente,a deslocaçãodos cor-
gos do paiz, representam-nosa vida da Edade media:—a tornos, a desassociaçãodos valores, a dissidência da luz na
familia estava em redor do seu chefe, o creado era o com¬ perpendicularidadeou na obliquidade das sombras, a com¬
panheiro de armas do fidalgo. pleta desconcatenação,emfim,emtodo o conjuncto orchestral
E na architecturacivil do paiz, entra outra e bem interes¬ das linhas. Esta summa difficuldade da arte perantea inter¬
sante causa de variante:—o clima. As bellas construcções pretação das fôrmas foi Silva Porto o primeiro que profun¬
minhotas,os palacios antigos de Braga, por exemplo, diífe- damentea descobriu, que luctou com ella, e que a venceu.
rem das grandes casas de Lisboa, e de todo o sul do paiz.
A obra de arte que representa o espirito de uma epocha
é sempre interessante;é um documento; porque o artista
que a creou obedeceu á vista geral, ao tom, ao ar, ao
sabor do seu tempo, e assim esse objecto de arte se torna
em expressãode caracter, em significado de civilisação.
A notabilidade do objecto artístico está na rasão directa
da sua invariabilidade. Os caracteresduráveis e profundos
são os que maior influencia geral possuem, maior poder de
emocionar;são os que mais se generalisame se notabilisam.
E assim que o mosteiro dos Jeronymos, de Belem, marca
na historia e na arte portugueza um clarão inconfundível,
como os Lusíadas nas lettras da nossa patria, e ambos na
evolução humana.
g. PEREIRA.

SILVA TORTO

PINTURA de D’essa tão exacta e subtil noção da instantaneidadedas


paizagem era em apparenciasna configuração óptica do mundo exterior, da
Portugal uma arte promptidão rapidíssima dos seus pincéis, e da constituição
de convenção,ten¬ magistral da sua paleta, de tintas fundamentaese virgens,
do por objectoimi¬ que elle sabia o segredo technico de fundir por sobrepo¬
tar a naturezan'um sição ou por contiguidade, sem lhes macerar por previas
sentido tutelar e emulsõesneutralisantesa solidez, a elasticidadee o brilho,
melhorativo,dando resulta a luminosa vibração e a palpitante vitalidade das
em resultado en¬ télas pintadas por este verdadeiramente grande e adoravel
genhosascombina¬ artista.
ções de matiz, nas quaes, para mais culto regalo dos olhos, Nas paizagensde Silva Porto, ao contrario do que succe-
o cavallo no pasto se resignava a ser verde, e a herva a dia nos quadros pintados pelos paizagistas que o precede¬
ser baia. Os prados e os bosques eram, como as casimiras ram, a elle e aos seus correligionários Corot e Millet, a os¬
da estação,de todas as cores, predominando,porém, entre satura do terreno não rende nem espapaça á vista, como
os artistas e o publico, nas télas como nos vestidos das se a podessemosservir ás colhéres ou estendercom a faca,
senhoras burguezas,um gosto singular, de tenda, pela côr á maneira de marmelada ou de manteiga. A atmosphera
de canella. Os painéis faziam-seordinariamentede memó¬ respira-se. Circula o ar no espaço. Sobe a seiva nas arvores.
ria, ou por apontamentosa lapis, na casa de cada um. Se Zumbem insectos, gorgeiam passaros, marulham aguas,
alguns artistas íam ao campo —do que havia exemplos— fermentam mostos, gottejam resinas, entumecem favos, e
não era para mudança de processo, era para
mudança de canta gloriosamentea luz em extase na trepidante verdura
ares. das folhagens.
Tão falso, tão convencional,tão fraudulentoe delambido Vede a sua incomparável charneca, largo trecho de na¬
era o que então se pintava, que em verdade devemosdizer tureza sombria, melancholicae brava. As vegetaçõessilves¬
<quefoi com Silva Porto que a paizagem appareceu. tres, a urze, a giesta, o rosmaninho e o tojo, calvando a
Foi elle o primeiro que trabalhou ao ar livre, vendo em
espaços, descobrem a consternação do terreno fulvo e o
plena luz sombras até ahi desconhecidasdos coloristas e
affloramento da rocha denegrida e calcinada. Ao longe a
feitas de claridades contrapostas.Foi elle o primeiro
que collina descreveno azul profundo uma linha suave,vaporosa
desenhou por ondulação e por fluidez, tendo o contorno
e húmida. Não se avista pé posto de caminho, que coordene
por limite em vez de o ter por molde, procedendona de¬ a perspectivadas distancias. Não ha chamadas de côr ou
ARTE PORTUGUEZA 27

de luz. Não ha pontos de referencia: nem um tecto de ca¬ Caminhos de aldeia, por entre muros denegridos e mus¬
bana, nem um rústico portello de courela, nem um civili- gosos, empinam-se em ladeira batida de sol.
sado branquejar de muro rico. E iVaquellauniforme extensão Um recanto de antigo jardim nobre deixa sentir, sob os
de terra e de céo, a larga tranquillidade do crepúsculo enche platanos humedecidos da chuva, a frescura limpida e per¬
a vastidão do espaço, mysteriosamenteaviventadapor uma fumada de uma manhã de maio.
saudosa e plangente melodia de occaso. Ha um desfolhar Encruzilhadas de caminhos entre mattas, suspendem-nos
da alma, que o quadro nos suggere com esteacabardo dia. e descançam-nos á sombra dos sobreiros e dos carvalhos.
E do nosso coraçãopara o quadro vae como que um vagofrê¬ O aspectocru de um muro caiadode brancoe amarello,dei¬
mito de folhas seccas,rolando com a sombra que desce das xando bracejar para a estradaos ramos virentesde uma par¬
collinas, e parece espraiar-se e repercutir-se, doce, branda, reira, transporta-nosá quinta burgueza do termo de Lisboa.
lentamente, de valle em valle, como o echo esmorecido e Uma seara madura ondeia, afagadapela viração, em re¬
contristado do remoto chocalho de um rebanho de ovelhas. flexos louros, como um lago de trigo, em que sobrenadam
Na ultima exposição da sua obra, as molduras davam as cabeçasvermelhas das papoulas.
o effeito de postigos de ouro abertos para cima dos mais Prados orvalhadosreluzem metallicamente,cravejadosde
tocantes, dos mais lindos episodios da natureza rústica, flores de trevo e de malmequeres.

A VOLTADOMERCADO aoEx.mo
deSilvaPorto,pertencente Pecquet
Sr.Polycarpo dosAnjc
Ferreira
—Quadro
deArnaldo
photographia
(Segundo Fonseca)

da vida rural da nossa terra. Por essa especie de fendas Entre os pecegueiros e as ginjeiras de Collares as casas
rectangulares da parede, que pareciam cheias da claridade pintadas de branco, parece terem saído do prazer matu¬
exterior, viam-se os mais variados trechos das nossas re¬ tino do banho e estarem alegres de asseio a enxugar ao
giões agricolas,—a do milho, a do trigo, a do vinho, a do sol.
azeite, a da bolota, a da castanha,a do feno, a da laranja, Em ramos tortuosos e descarnadosennovellam-secomo
a da amêndoa, a da alfarroba e do figo. São as serras do floccos de espuma lactea, azul e cor de rosa, as tenras flo¬
Marão, da Estrella, de Cintra, da Arrabida. São as hortas res da macieira.
suburbanas de Chellas e de Bemfica. São os pinhaes da Nas suas hastes verdes e esguias desabrocham em roca
Azambuja e de Leiria. São os pomares da Regua, de Al- as flores encarnadas dos malvaiscos.
Velhas cancellas, de tinta vermelha mordida do sol,
cobaça e de Collares. São as encostase asvarzeasdo Douro,
do Cartaxo, de Torres e da Bairrada. São os casaes mi¬ agarradas a gonzos ferrugentos e fechadas pela taramela
nhotos e os montes alemtejanos. São as doces ribeiras do de madeira, vedam a entrada dos quinteiros.
Lima, do Vizella, do Douro, do Nabão, do Ave, do Sado, Um vaso quebrado, de antigo mármore, deixandoverde¬
do Vouga e do Mondego. jar abraçada n’elle uma hera fiel e amiga, marca uma volta
28 ARTE PORTUGUEZA

de rua em vetusto jardim italiano, abandonado ás malvas teve um momento de cansaço, de vacillaçao ou de desvario.
por uma familia em ruina. Aquillo que de principio quiz fazer foi o que fez sempre,
Pela porta aberta de uma choupana de Santa Martha, corrigindo-se e aperfeiçoando-sede dia para dia na lição de
ou de Portozello, vemos trabalhandoao tear, á dobadoura, si mesmo.
ou á almofadados bilros, alguma das lindas e louras cam- Algumas vezes ouvi accusarem-o de negligencia no aca¬
ponezas das margens do Lima. bamento dos seus quadros, e não posso deixar de tocar
Montadas entre os ceiroesdos seus burrinhos, chouteiros n’esse equivoco de apreciação. Os esboços que este escru¬
e espertos, na aureola azul ou encarnadados seus amplos puloso artista dava ao publico eram em seu proprio critério
chapéus de sol, regressam do mercado por entre piteiras obras completase definitivas. As phases de gestaçãona pin¬
pulverulentas as saloias dos suburbios de Lisboa. tura ao ar livre não são as mesmas da pintura de atelier.
Lavadeiras, ceifeiras, fiandeiras, barqueiras, horteloas, Na paizagem como Silva Porto a comprehendia e como em
de todos os cantos do paiz, nos ouvem e nos sorriem. França a comprehende Claude Monet, acha-se hoje perfei¬
Temos vaccas de todas as castas,e ha juntas de bois em tamente definido que nenhum aspecto da natureza, ainda
que escolher, como numa feira, —barrosões, mirandezes, que com bom tempo fixo, permanece por mais de trinta
marinhões, alemtejanosou charnequeiros. minutos. Passado esse periodo de sessão, em que por tres
ou quatro dias, a dado momento, o motivo apresenta um
quasi idêntico aspecto de cor e de luz, tudo o que o pintor
puzer no quadro, para o completar, ou será uma fraude,
tendo por baseuma conjectura,ou será um erro, proveniente
de uma discordância nas linhas do natural.
Ao conjuncto da grande obra a que me tenho referido
poderiamos chamar As viagens na minha terra, a oleo. O
divino Garrett foi de todos os escriptores do mundo aquelle
que com mais terno, mais penetrante, mais persuasivo en¬
canto, fez amar de quantos o leram a terra da sua patria.
Silva Porto —e com esta derradeira palavra deponho com-
movidamente sobre o seu tumulo a coroa que lhe deve a
gratidão nacional— é o Garrett da pintura portugueza.

RAMALHO ORTIGÃO.

A ARTE PORTUGUEZA EM 1894

MACIEIRAS
EM FLOR—Ultimo
trabalho
deSilvaPorto depag.8)
(Continuado
deA. E^echiel
(Desenho Pereira)
II
Cavallos da borda d’agua, com cabeçadas de esparto,
—montados por campinos de pampilho ao hombro, em al- A Exposição
doGrêmio
Artistico
matrixa de pelles com estribos chapeados,jaqueta ao tira-
collo, colleteencarnadoe calçõesazuesde belbutina,— appa-
OS nomes inscriptos no cata¬
recem-nos por differentespontos da leziria, desbarrigados,
logo d’esta exposição,dois são
seccos de virilha, lanzudos, olhando ao longe a boiada.
illustres e régios no mundo da
As ligeiras e airosas mulinhas do Algarve, assim como
Arte. Um —o de Sua Ma-
os rijos e soberbos machos de Alter ostentam-senas télas
extremenhasou alemtejanas,engatadosás carretasde reco- gestadeEl-Rei— representae
mantem brilhantementeastra¬
vagem de Torres e de Monte-mór, condecoradosde guizei-
ras de bronze, com as cabeçadasbordadas a lã dições artísticas da dynastia
colorida de Bragança, alhadas ás dos
•deArrayollos e guarnecidasde pello de
texugo. Coburgos, assignandoum bello e vigoroso
Os aspectos da vida fluvial e da vida lacustre são esboço a pastel
quasi A resposta do Inquisidor — com que se dignou honrar
tão numerosos como os aspectosdo campo, na obra
colos¬ este concurso dos artistas nacionaes. O outro é também de
sal d’este pintor, tão prematuramenteroubado
pela morte um príncipe, na Arte, que deixou cair o
á gloria da arte. sceptro da mão,
gelada pela morte, e não poude já assignar a ultima pagina
Aqui, entre a espessurados choupos e a verdura dos vi¬ da sua primorosa e opulenta galeria!
meiros, gira lentamente,avelludadade musgo,
gottejantede Incompleto como está, simples como é, aquelle quadro
crystaes, a roda da azenha.Alli, abicam ao
embarcadouro, de Silva Porto, é altamente suggestivo —mas
ou varam na praia, ou deslisamna agua, suggestivo
levados ao remo’ de tristezas. Alegres, floridas, claras,
á vara, ou pela véla caranguejeira,as meias luminosas, aquellas
luas, os varinos’ Macieiras com o seu trajo de festa, como noivas, e nun-
os saveiros,a canòa de Cezimbra e
Setúbal, o barco ilhavo’ cias da primavera, vistas hoje com os
o barco poveiro, o barco do Seixal e o barco olhos da saudade,
de Avintes, uns’ cobrem-se de sombras... É que não tiveram outono. O sol
de pesca,outros de carreira, outros
simplesmentede carga que as aquecia e illuminava, desappareceu-lhessúbito no
acuculados de cevada, de feno ou de
sargaço. horisonte, e a mão que as fizera surgir na téla, e as enflo¬
Através da sua longa tarefa, de que
omitto por falta de rara para as grandes núpcias da
espaço a enumeração de muitos motivos, Silva natureza, jaz inerte no tu¬
Porto teve mulo . Assim passa no mundo, não a
por certo pesadas e longas horas de gloria, que ficou, mas
amargura, mas não a vida!...
ARTE PORTUGUEZA 29

Na grande cadeia da Arte universal, Silva Porto foi o élo


que ligou a escola franceza contemporânea,—a grande es¬
cola dos Troyon, dos Rousseau, dos Millet— á Arte na¬
cional, que elle veiu orientar e dirigir. Discípulo da Escola
do Porto onde teve por mestres alguns artistas distinctos,
foi em Paris, —como pensionista do Estado,— que elle se
formou, tornando-se o egregio pintor, que todos admirava¬
mos. As lições que alli recebeu aproveitou-as o seu bello
talento, e as suas qualidades pessoaes, e a posição que veiu
occupar na Escola de Lisboa, deram-lhe desdelogo um logar
primacial entre os artistas contemporâneos,e uma influencia
decisivae profícua sobre as geraçõesque se lhes succederam
nas aulas da Academia.
Silva Porto e Simões de Almeida são, incontestavelmente,
os mestres a quem a Arte nacional mais deve nos últimos
vinte annos— na pintura e na esculptura. Para o mallogrado
paizagista a arte de pintar não tinha segredos, e o eminente
esculptor esse é um desenhador de primeira ordem — um
mestre, cujo valor os seus discípulos reconhecem,e provam
com as obras com que já se illustram. Bastam dois profes¬
sores d’este quilate para sustentar o bom nome de uma
Escola; mas a nossa ainda tem outros de grande mereci¬
mento. Que os governos não se esqueçamnunca de que os
bons mestres é que fazem os bons discípulos.
Alongámo-nos um pouco, porque entendemos que de¬
víamos este tributo de justiça e de saudade á memória do
grande artista, que foi nosso amigo, nosso collega, e presi¬
dente da Direcção do Grêmio Artístico, em cuja quarta ex¬
posição o seu nome figurou pela ultima vez.

Das obras expostas, ha quasi um anno, nas salas da Es¬


cola de Bellas Artes, e hoje dispersas, creio que ninguém A VOLTADA FONTE,porE. Condeixa
nos pedirá uma analyse circumstanciadae por miudo, qua¬ dcsegunda
Medalha classe exposição
naquarta doGrêmio
Artístico
deA. Conceicão
(Desenho Silva)
dro por quadro, esculptura por esculptura, desenho por
desenho. Não somos, nunca o fomos, amadores d’esse ge-
nero de critica, e, demais, nos jornaes do tempo a encon¬
trará quem d’ella precisar. Obras ha em todas as expo¬

sições de que não vale a pena fallar detidamente as dos
que começam mal, as dos que assim acabam,e as d’aquel-
les, que teria sido melhor —para elles e para todos— que
nunca tivessemprincipiado. E, depois, quando elles são aos
centos, e aos milhares, onde isso nos levaria, santo Deus!
Sendo indiscutível e absoluto o direito de pensar e dis¬
correr sobre o que vemos e ouvimos, é, todavia, muito dis¬
cutido, e negadoaté, este otticio de critico. Alguns
o têem abandonado.Maxime Du Camp, auctor de
livros celebressobre a Communae a vida de Paris,
diz algures, nos seus Souvenirs, que deu de mão
á critica de Arte, por ter reconhecido a sua inuti¬
lidade. Apesar da affirmação do distincto acadê¬
mico francez e de outras, para mim é isto um
ponto, uma these, para discutir. Não aproveitarão
todos os artistas os conselhos que lhes dão; não
reconhecerão a auctoridade de taes mestres; não
serão todas as censuras justificadas; em muitos
dos pretensos Aristarchos será tanta a audacia
como a ignorância; haverá em uns incompatibili¬
dade de estheticas,n’outros antipathiase despeitos
pessoaes,rivalidadesde escolas,disputas de primazias; será
e haverá tudo isto; mas, quando de tudo se apurar, se salvar
AO CAH1RDA TARDE —Conde deAlmedina
— — D.Virgínia
Santos uma idéa, uma observação, um conselho —um só que
Falker.
BUSTODE CREANÇAD.Alberlina LIMPEZA—
exposição
naquarta doGrêmioArtístico seja— mas bom, justo e sincero, isso basta, e todo o traba¬
honrosas
Menções
deA. Conceicão
(Desenho Silva) lho não ficou perdido. Excepção que seja, é bastantepara
3o ARTE PORTUGUEZA

justificar e defendero principio. E quem se atreveráa affir- obra de arte, feita sob os variados pontos de vista da
mar que essa excepçãonão se deu nunca, e que em todos sciencia humana.
os trabalhoscriticos sobrea Arte, feitosatéhoje, não ha uma Este ideal da critica, entrevisto,sonhado pela nossa phan¬
unica idéa a aproveitar, já pelo publico, já pelos artistas? tasia, não é, — escusadoserá dizel-o, — uma realidade a que
Se eu fosseprofessorde criticada Arte, —cadeira que não possamos, nem de longe, aspirar; mas, comtudo, é de natu¬
existe, mas que devia existir em todas as escolasde bellas reza a deslumbrar e encher de vangloria os que cultivam
artes,— se fosse eloquentee erudito, —infinitamente eru¬ esta especialidade, e não attentam em que, para satisfazer
dito,— sempre que houvesse uma exposição, convocaria as exigênciasde tão illimitado programma, seria necessário
para lá os meus discipulos, e ahi conversaria com elles o conhecimentocompleto da vida, da historia exterior e in¬
ácerca de quanto nos rodeasse. terior de todas as civilisaçÕes,e de toda a natureza! E ha
Innumeros os themas, assumpto variadíssimo, enorme, ainda aqui um escolho, um perigo a evitar: — são as conse¬
altamentesuggestivo.O mundo da sensação,—o que cha¬ quênciasdas idéas ambiciosas,que podem levar o escriptor
mamos material,— e o mundo interior, alli estavamrepre¬ a invadir os terrenos alheios, a confundir as attribuicões
sentados. A alma do homem e a alma das cousas. A terra os poderes, os valores dos actos e das obras do espirito, e
e o céo; a vegetação,as arvores e as flores; os rios e os collocar a critica e o critico que estuda, analysa e discute
mares; o ar e a luz; as estações;o dia e a noite; o homem a obra do talentoe do genio, a par, ou mesmo acima, d’esse
de outras eras e o homem moderno; as civilisaçÕes;a litte- talento e d’esse genio.
ratura e as suas obras primas, as artes, as industrias, e as No grandeexercitodos obreiros da civilisação, —servindo-
sciencias,tudo alli vinha, evocadopela phantasiae pelo ta¬ nos de uma phrasemilitar,— o critico, por mais erudito que
lento dos artistas. seja, forma sempre á esquerdado inventor; ao deus, ao ge¬
Era tarefa para um Diderot e para um Humboldt, dir- nio, pertencerásempre,de direito, o primeiro logar. E de tão
me-hão,— e os Diderot vasto campo comoeste
são raros. De accordo, da critica, o que cabea
— e por isso eu disse
cada um de nós é ape¬
que,se fosse eloquente nas uma parcella mí¬
e muito sabio... Não
nima, e feliz daquelle
se faz, é certo, mas,
queconseguearroteal-a
se se fizesse, que de¬
e abrir n’ella alguns
liciosas palestras, que
sulcos, e lançar nelles
deleitosas horas alli
semente que possa um
discorreriam, para o
dia fructificar.
mestre que estivesseá
Posta, portanto, no
altura desta missão, e
seu logar, — isto é,
para os discipulos que
muito longe e muito
o soubessem ouvir e
alta, — a idéa do gran¬
comprehender! E, to¬
de Mestre e da sua ca-
davia,tudoisto erapura
thedra solemnee olym-
e simplesmente— cri¬
tica. Critica baseada pica, continuaremos a
na historia, na scien- conversar,eu e o leitor,
cia, na philosophia, na muito pedestremente,
ácerca de alguns artis¬
litteratura; mas, ape¬
sar de tudo, só critica, tas que concorrerama
CATRAEIROS—Luciano
Freire
—isto é, a analyse da Medalha
desegunda
classe
naquarta
exposição esta exposição.
doGrêmioArtístico
doauctor)
(Desenho (Continua)
Zachariasd’AÇA.

DETERIORAÇÃO DAS PINTURAS A OLEO Entre as fabricações de tintas allemãs encontram-seespe¬


cialidades,taescomo o brancode Krems, —Krem^enveiss,—
(Concluídodepag.23)
sem rival, e a Fleischoker
(ocre de Rhu, ou ocre queima¬
do), de bellissimo tom. É um preparado unico no seu
AZUL da Prússia é terrível; ge-
nero. As sinoplas, —vermelhos escuros
tem dado cabo de muito qua¬ allemães,— e o
caput mortuiim merecem também
dro. Não ha talvez preparado confiança.
Os seccantessão todos mais ou menos
que tanto cresça. O unico perniciosos: ainda
os melhores são a therebentina, e, em
admissível é o genuinamente certos casos, o oleo
Os seccantesde Courtray, de
prussiano, de Colonia. ^raxo. Harlem, etc., puxam
ímmenso pelas tintas, e produzem fendas e
São em geral bem fabrica¬ estalados á su-
peificie do quadro. Não é menos
das as tintas inglezas, e mais prejudicial o uso constante
e vernizes de retoque, e de outras
brilhantes no tom; é comtudo drogas destinadasa re-
rescar os tons, no acto de repintar.
prudente e, em muitos casos, Generalisou-se, haverá
indispensável,antes de as uns quaienta annos, uma
dispor na paleta, assental-asprimeiro sobre uma droga, cujo fim principal era des-
pedra de embaciar rechupados,mas da qual os
sombra, natural, ou em tijolo bem pintores, por isso que
poroso, a fim de lhe o erecia certas
absorver o excessodo oleo. Á falta de commodidades, em breve entraram a abu¬
qualquer d aquelles sar. Referimo-nos ao mégilp, ou
meios, um pedaço de papel pardo remedeia. Mac Gulp (parece ter-se
ama o assim o inventor, o
qual pelo nome não perca).
ARTE PORTUGUEZA 3i

Esta gelatinaingleza, combinação de oleo e de verniz gros¬ outros paizes, como efficaz substituição do verniz; e tam¬
so, é um dos mais detestáveisinventos, das maiores cala¬ bém o de proteger o anverso da téla, applicando-lhe,sobre
midades que podiam sobrevir á pintura:— esverdeiaalguns a grade, um forro impermeável, deixando, já se vê, inter-
tons, amorteceos tons claros, cobrindo-os de patina alam- vallos nas quatro arestas,para ventilaçãodo quadro, e man¬
breada, da côr do marfim muito velho; communica á pin¬ tendo este o mais isolado possível da parede. A humidade
tura, passado pouco tempo, aspecto sebaceo,sujo, e con¬ ataca, como todos sabem, poderosamenteas télas; amolle-
corre, em acção commum com alguns escuros betuminosos ce-as a ponto de pulverisar, por assim dizer, as tintas, com
e com as laccas,para produzir gretase escamasnos quadros. o andar dos tempos.
Participa das mesmas propriedades, posto que em es¬ O excessivo calor e as temperaturas demasiado seccas
cala menor, o sal de chumbo, — sugar of lead; sucre de não são menos nocivas á pintura do que a própria humi¬
plomb, — e substitue, com vantagem, taes vehiculos o mo¬ dade. Alem das indispensáveisprecauções,geralmenteem¬
derno verniz volátil de Cheneau, preparado francez cuja pregadas para combater o calor nas salas e galerias, taes
acção é absolutamentetransitória, e que, não se abusando como ventilaçãomoderada e constante,etc., recommendam
d’elle, não causa alteração sensível nos tons. Outro prepa¬ hoje as mais auctorisadas capacidades que seja mantida,
rado recommendamtambém algumas auctoridades:—a ge¬ durante as ardências estivaes, uma corrente perenne de ar
latina intitulada Roberson’smédium. húmido nos recintos para installação de quadros. Em al¬
Concorre ainda, e não pouco, para a perturbação das guns museus collocam actualmentegrandes tinas ou cubas
tintas, uma droga cuja applicação, infelizmente, constitue com agua para combater no verão o ar demasiado secco.
necessidade impreterivel, pelo menos a quadros em que
superabundem os tons escuros:—o verniz. Administrado *
* #
este antes de estarem completamenteenxutas as camadas
sobrepostas de pintura, é perniciosíssima a sua acção:—
cobre-se a superfície do quadro de fendas; estalamem todas EXCESSIVO empaste dos
as direcções as camadasde tintas, e, com o andar dos tem¬ tons, o abuso do moderno proces¬
pos, vem a despegar-separcialmente,caindo em escamas. so, que substitue, em determina¬
Deve aliás o verniz ser applicado com a maximaprecaução, dos casos, o pincel pela espatula,
em camada tenue e delgada, e, quando menos, seteou oito argamassando em massa compa¬
mezes depois de concluída a pintura. Cumpre evitar es¬ cta, por meio da espatula-trolha
crupulosamentetodo e qualquer verniz encorpado, e exces¬ dos paizagistas, considerável es¬
sivamente alambreado na côr. O verniz copal dos antigos pessura de tinta, a pretexto de
arruinou innumeros quadros. Os vernizes inglezes só po¬ assentar base solida, no acto de
dem em Portugal empregar-se,adelgaçando-oscom espi¬ esboçar, para mais tarde, com
rito de vinho. Abusou-se, haverá uns vinte e tantos annos, relativa facilidade, ao repintar,
assás, entre nós, de taes vernizes, e com prejuízo dos qua¬ attingir effeitosimitativos, contex¬

dros. São mais leves os francezes. A adopção, hoje quasi turas de superfícies em toda a variedade,etc., deve indu¬
geral, dos vernizes brancos, delgados, voláteis e, portanto, bitavelmenteconcorrer para apressar a deterioração futura
de caracter provisorio, é sem duvida a mais sensata.Alem de muitos quadros dos nossos dias. Por mais solido que
de evitar perigos, faculta ao artista ensejo, em caso de ne¬ seja o apparelho, algumas das tintas assim accumuladasvi¬
cessidade, de retocar ou de substituir qualquer pormenor rão fatalmente,com a acção do tempo, a soltar-seem lascas.
do seu quadro. O verniz, todavia, não póde nem deve dis¬ Passou, felizmente, a mania dos processos complicados,
e
pensar-se: é exigencia inherente ao processo da pintura a e não vae ainda longe a epocha em que os pintores, os
oleo. Os oleos, pela sobreposição das camadasde pintura, paizagistas mais que todos, appellavam para toda a casta
ressumam,e o quadro, em Seguida,vae apresentandoá su¬ de engenhososprocessos e artimanhas,—qual d’ellas mais
imi¬
perfície, principalmente nos escuros, aspecto fôsco, emba¬ revezada,— attribuindo-lhesefficaciaexaggeradapara a
ciado e sebaceo; as tintaspasmam; rechupam, o conjuncto tação materialdassuperfíciesmaisaccidentadasdos objectos.
produz o eífeito de um vidro bafejado, e só o verniz é efficaz O introductor de taes maneirismos,o celebre pintor fran¬
de traduzir os effei¬
para debellar tão inevitávelinconveniente.Pintores ha que, cez Décamps, na sua louvável ambição
a fim de combater tão irritante circumstancia,concluem os tos da vigorosíssima luz do sol do Oriente, appellavapara
trabalhos quando os oleos começam a regraxar, e ainda recursos de toda a especie, estranhosmuitos d’elles ao offi-
no estadoviscoso. É pratica condemnavel:— a pintura escu¬ cio de pintor. Empastava desordenadamenteos pontos lu¬
nava¬
recerá fatalmente.Alguns aproveitamestapropriedadeinhe¬ minosos dos seus quadros, rapando-os depois com a
rente aos oleos para administrarvelaturasa claro, em secco, lha de barba, e obtendo granulação de superfícies, pedras,
no intuito de obter designadoseffeitosimitativos, cuja dura- troncos, terrenos, por meio de esfregaços muito'viscosos.
cão, advirta-se, será absolutamentetransitória. Pegou o geito; e as tradições pouco coloristasda escolasó
o
Succede também,ás partes mais luminosas e mais empas¬ muito mais tardevieram a facultar aos pintores attingirem
luminosos, con¬
tadas, pasmarem, apresentandocôres baças, á medida que a luz mediantehabil graduação dos valores
da escalados tons da paleta.
o quadro vae seccando;e, quando tal não succeda,as tintas tentando-secom a relatividade
claras, muito empastadas,formando alturas deseguaese, por Chegou também pór essa epocha a infecção a Portugal.
terra fluctuaram, tem¬
vezes, rugosas, se não estiverem protegidas pela camada Alguns artistas eminentes da nossa
dos processos,
do verniz, apresentarão, por motivos obvios, no fim de porariamente, arrastados na fatal corrente
dos seus quadros. Digamos,
tempos, aspecto sujo, tornando-sereceptáculosdas impure¬ com prejuízo, não pequeno,
da escola portuense
zas de toda a castaque fluctuam no ambientedos aposentos em abono da verdade, que os pintores
ruim tentação.
e no das galerias de pintura. Uma necessidadeclimatérica souberam resistir a tão
generalisou em Inglaterra a applicação de um bom vidro A mania, porém, já lá vae. Foi uma das muitas modas
em quando, os domínios da arte, e
á moldura do quadro. Este alvitre vae sendo adoptado em que invadem, de vez
32 ARTE PORTUGUEZA

breve se somem no esquecimento,affigurando-se-nossem¬ camada tenue de alvaiade (de zinco) oleo, qual, depois

a
pre, ipso facto, que a mais recenteé a mais velha e a mais de absolutamenteenxuta, será também granida pedra po¬

a
ridícula. O extraordinário progresso da moderna technica, mes. Os apparelhos d’esta fórma preparados têem neces¬

a
com a sua tão exactaapreciaçãodos valores tonicos, varreu sária elasticidade para resistirem ás multíplices exigências
similhantesvirtuosidadespueris, que foram banidas de vez do processo da pintura oleo. Segundo todas as probabi¬

a
para o dominio da oleographia e do chromo. lidades, era assim combinado apparelho sobre qual tra¬

o
E de intuição que a solidez de qualquer quadro depen¬ balhavamos mestresdo alvorecer do Renascimento, ainda

e
derá em grandeparte das condiçõesde resistênciado appa- os pintores flamengos dos fins do século xv; seria tam¬
relho que lhe serve de base, exigencia aliás commum a bém idêntico do nosso Grão Vasco dos pintores da sua

e
o
todos os processos de pintura. escola, cuja technica, tão singela quanto racional pura

e
Seja qual for a superfície que serve de assentamento devemos, sem duvida, admiravel estado de conservação

o
ao apparelho, —•emprega-se, conforme a conveniênciao de todos essesthesouros de arte, que conseguiram escapar
indica, a madeira, o metal, a téla, o cartão e até as pró¬ ao desleixo, aos maus tratos de ignorantes, ás limpezas,

e
prias paredes,— claro está que a primeira condição a que ainda peiores, de restauradores empiristas.
deve responder é a solidez. Adopta-se mais usualmentea Insurgiram-se, ha pouco ainda, os pintores francezescon¬
téla. tra falta de consciênciade alguns preparadores de tintas

a
Escolhem uns as télas muito lisas, que facilitam acaba¬ drogas, que andam espalhadas no commercio; reclama¬

e
mentos minuciosos. Têem estas o inconveniente,quando ram do seu governo leis restrictivas ainda outras provi¬

e
muito denso ou encascadoo preparo de branco que rece¬ dencias. Prendem com esteoutros factos interessantes,que,
bem, de serem estaladiças; é também menor, sobre tal pelo seu conjuncto, representam concentração de esforços
superfície a adherencia dos pigmentos. Preferem outros em defesa da technica da pintura da futura salvação dos

e
téla aspera, sobre a qual as tintas, fundindo melhor entre quadros. Occupar-nos-hemos de tão importante momen¬

e
si,

obrigam pintar com mais largueza communicamaos


a

toso assumpto em artigo especial, que breve tencionamos


e
planos modelados mais volume, por isso que apresentam dar publico.

a
menos incisivas as arestas das respectivassuperfícies,cir- P.

S.
cumstanciade que resulta maior magia de efféito: esteten¬
de augmentar medida que visão se torna mais dis¬
a

tante, favorecendo, portanto, vigor de colorido. Pintam HISTORIA TOE PORTUGAL


o

alguns artistas sobre apparelhos escuros, fim de evitar


a

demasiada sobreposição de tintas escuras. Tomada n’este


sentido, precaução boa (já vimos quanto empastenos
a

escuros accelera ruina de qualquer quadro). Apresenta


a

porém grave inconveniente: harmonia geral das tintas


a

vem, mais tarde, descair; os tons escurecemtodos por


a

egual.
Rembrandt, vários flamengos ainda outros pintores do
e

século xvii serviram-se de apparelhos escuros, também


e

se auxiliaram do betume;como, porém, as tintas


drogas
e

eram preparadas na officina do proprio pintor, este, em¬


bora empirista ainda no emprego do processo,
evidente
é

que não se descuidava de tomar certas precauções,que


a

pratica sanccionára; comtudo, as télas daquelles mestres


tendem todas mais ou menos escurecer.
a

Razões da mesma ordem condemnam séstro


perni¬
o

cioso de mandar apparelhar de novo télas velhas,


quadros
ou esbocetospostos de parte pelo artista.
ideal, em qual¬
O

quer apparelho, que contenha menor porção de


é

oleo
possível; os quadros pintados sobre télas
e

reapparelha-
das, quando menos, escurecem, não são raros
os casos
e

em que primitiva pintura transparece através da nova.


a

Apontaremos como exemplo, que nos foi referido, ha


o

annos, por um distincto artista estrangeiro,


que morte
a

arrebatou ainda ha pouco, que viveu


e

alguns annos entre


nós, tão apreciado quanto estimado:—o
gravador Seve-
rim. Em uma exposição provincial realisadaha
annos em
Hespanha, um artista expoz uma brilhante
paizagem;pou¬
cos dias, porém, depois da applicação do
verniz, eis que
na atmosphera do quadro
começa apparecer, vagamen-
a

te uma enorme figura, um energúmenode


braços esten¬
didos
!

melhor dos apparelhos,pois,


O

que pratica recom-


e
o

menda, que tem por base colla animal,


é
o

forte bem
coada hmpa, com porção de gesso
e

fino absolutamente
indispensável, estendida com maxima
e

egualdade Bem
a

passado depois de secco pedra


a

pomes, sobrepõe-se-lhe
ARTE PORTUGUEZA 33

da-asno idealestandarte quevenera,procurando erguel-oo maisalto


A França,a quemninguémaindapouderoubara hegemonia
TROPHEUS DE GUERRA possível.
do pensamento, exalta-se recordando os echosdo clarimdo império,
querepercutia o signaldevictoriapelaEuropainteira,e entôao canto
gloriosodahumildedonzellaque,emséculosjá afastados, expulsouo
BANDEIRAS EXISTENTES NOMUSEU DEARTILHERIA* estrangeiro de França.
O enthusiasmo quea santificação deJoannad’Arcdespertou, é uma
grandeprovado patriotismo dosfrancezes. Acimadetudoestãopara
URANTE todoo meiadodonosso ellesasgrandesgloriasda patria;opiniõesphilosophicas e políticas
século,as bellasconquistas da ci- tudovaedevencida anteessenobreculto.Paraconquistar asliberda¬
vilisação,suavisando asrudezas do descivise estabelecer o governo dopovopelopovo,fez a maiordas
espiritohumano,deramcorpo á revoluções; masveiu Napoleão, queagitoua bandeirafranceza, vi-
formosíssima utopiada paze fra¬ ctoriosa,do norteao sul da Europa,e a naçãodepoz-lheaospésa
ternidade universal. Verberava-se a liberdade conquistada. Hoje,decorrido quasi u mséculo, c omo coração
guerra,a carnificinadas batalhas feridopelosdesastres de 1870, a Françarecordasaudosa essaepocha
davaarrepiosde horror,o senti¬ de triurriphos;escriptores e artistascelebram-n’a; as memóriasdos
mentoderespeito peloshomens en¬ homensde entãosãolidasdevotamente, e comoqueumestremeci¬
carregadosde defendera patria mentoépicofazrejuvenescer os corações.
affrouxava emmuitospaizes,o bri¬ Osassombrosos exercitos daspotências europeias,
lhantismodas tradiçõesguerreiras mantidosparasegurança da paz,fazemcomquea
apagava-se, e apodavam-se deladrõese assassinos aquelles quetinham cadaleveperturbação política o phantasma
o nomedegrandes, conquistando-o coma espada. Ideiasse- de umaguerramonstruosa surja a todas
alcançado
ductorasdepazinquebrantável pairavam sobreo mundo,sopravam-as asimaginações, umreceioanciosopelapa¬
geniaespoetascomoVictorHugo,e comellassurgiaa esperança de tria invadetodosos paizes, e, apesardas
queno proximoséculojá nãopoderiamexistirluctasentreasnações, durascriseseconômicas por quea maioria
quepassariam a sera grandee maravilhosa republicauniversal,onde estápassando, não se regateiam sacri¬
cadaindivíduoseriaumdeuse todosirmãos. fíciosparaqueahonranacionalpossa
Esseformososonhopareceestarlongederealisar-se, e osespiritos ficarincólume nomomento d acon¬
profundamente pensadores nuncaacreditaram n’elle,poislhesparecia flagração. O sonhodapaztransfor¬
contrarioásrudesleis da natureza, queimpelletodosos serespara mou-sen’umaconstante preoccu-
umaluctaconstante, condemnando á morteos queparam. pação deguerra. NaEuropa,o
O homem, desdeasmaisremotaseras,associou-se sempreporgru¬ pesodasKruppsésupe¬
pos,cominteresses e hábitosdifferentes, gruposquenãotinhamainda rior aodosarados.
a consistência de umanação;masn’essas tribusselvagens, rudimen¬ Não é isto certa¬
taresorganismos sociaes, a guerra rompia, l ogoqueseoppunham os menteumafelici¬
interesses,e eradeextermínio completomuitasvezes. dade;masprova
Era a continuação dasluctasanimaes, ferozeseindomáveis; o ideal quea epochaem
da patria,comonóso concebemos, não podiaexistirentão.Aperfei- que os homens
coando-se a humanidade, surgiram asantigascivilisações; masguerras devem gosar a
cruéisassolaram o mundoe, do occidenteao oriente,bellicoschefes beatitudedosanjosestáaindalonge.
A guerra, o u temqueproduzir monstrosou he-
lançaramos povosuns contraos outros.No Egypto,um dos mais
pacificospovosdaterra,e aquellequemaioresprovasdeixoudasua roes;quandoos povosse degladiam emluctascivis,é a guerramais
trabalhadora paciência, fazia-sepor paresde mãoscortadasa esta¬ quenuncacruel;o odioqueenfurece os contendores é maisbarbaro;
tísticadosinimigosmortosno campodabatalha.Roma,apoiou-se na interesses mesquinhos influem;faltao grandioso lemmaquetransfor¬
espada paraseelevará altura damaior nação domundo, e as tradições mao soldado humilde n’umepicoheroe.
guerreiras da Gréciaestãoa par dassuasmaravilhosas tradiçõesar¬ O amordapatriaestremece todosos corações bemformados. Hoje,
tísticas. negraameaça dofuturo,a multidãodosdesherdados apresenta-se uni¬
O idealdeamorqueo christianismo veiudespertar naalmahuma¬ daemcerradas f ileiras, p araa conquista do bemestar;sãode todos
na, não conseguiu dominara aspereza desentimentos queno.fundo ospaizes,todosirmãos,companheiros; mas,seo clarimdaguerraentre
d’ellaexistia,e emnomedo doceJesus,quepregava —amae-vos uns as naçõessoar,elles,tão unidosn’umgeralinteresse, separar-se-hão,
aosoutros—quefaziaos homenstodosirmãossoba protecçãodo serão francezes, allemães, belgas, hespanhoes ou italianos, e o hontem
Paeceleste, feriram-se a smais duras batalhas, fizeram-se m ortandades irmãoseráo inimigo, s e for o inimigo da patria.É este, digamo que
espantosas, despedaçaram-se homense nações. disserem todosos utopistas, o maisgrandiososentimento queexiste
Ora,quandoestesuaveidealdeumareligiãoquepregavao amor no coraçãodo homem;superiora todosos interesses, a todasasaffei-
e a paciência, quepromettia aoshomens n ’uma outravida,esplendida cões, e leva-se l uminoso, santificando, até,asviolências q ueporellese
e eterna,a compensação dos soffrimentos e injustiçasd’esta,não commettem.
conseguiu esmagar o demonioda lucta,querugiasempre,de garras É, pois,estesentimento, deumasublimidade suprema, quedevemos
estendidas —
e faucesabertas poderãoasgenerosas palavras dosespi¬ por todosos meiosdespertar no coraçãodo soldado,paraqueelle
ritosaltruístas,masscepticos, da actualidade vencel-o? bemcomprehenda quenobremissãotema desempenhar. O horrorda
A humanidade respondemostrandopor toda a parteo mesmo guerra,humanitariamente considerada, cederáo logarao sentimento
egoismo, os mesmos odios,as mesmas ambições, grandesou infimas, derespeito,queinspira umsacrifício sagrado.
a mesmacrueldade individual. O maispequenoexercito,emquetodosos individuosestivessem
Paraqueamesquinhar, então,o que,hadegranden’estamiseracon¬ egualmente animados d’estefervorsublime, seriainvencível, eresistiria
? emquanto durassealentoao ultimodos combatentes. A bandeirada
diçãodohomem cultoe sempre erguer-se altiva;
As naçõesnãopodemserirmãs;sãoamigasou inimigas;a patria patriadeve receber u mincondicional
commumé um sonho,pois as própriascondiçõesnaturaessãotão protegea naçãoe os seuschefes;todosanteelladevemcurvar-se,
differentes,quea nostalgiamataos que se veemobrigadosa viver saudando-a comrespeito.
desterrados do logaremquenasceram. Que docee carinhosoenthu- Este emblema ideal,venera-oo soldadona bandeirado seuregi¬
siasmoselê no olhardo homem, quandoempaizestrangeiro contem¬ mento, e esta symbolisa paraellea patriae ahonramilitar;emtempo
plaabandeira dasuapatria!Estesentimento, tãoarraigado no coração deguerra,é o núcleoqueconserva unidostodosos soldados queos
dohomemcivilisado, é a origemdasmaisbellase grandiosas virtudes; acasosdaluctadispersam, ondeellaestiverestáo regimento;á vista
dabandeira, os fracos tornam-se f ortes, o s desalentados animam-se, e
insaniao quereraffrouxal-o.
O fimdo séculotem,comoqueinstinctivamente, modificado asan¬ osfugitivosvoltamásfileiras;paraa defender, praticam-se heroísmos
avigora-se inauditos, comoo d’aquelle DuartedeAlmeida,queconhecemos desde
terioresidéas;o espiritonacional,longedeasenfraquecer,
emtodosos paizes;cadaumpegadassuastradições gloriosase bor- as escolas,que,já semmãose semi-morto, aindasegurava comos
dentesa bandeira, paraquenãocaíssenasmãosdo inimigo.
e asscenasdeapparato, quetantos
' Nasgravuras,aslinhas representam
horisontaes a côrazul;asverticaes, a encar¬ A vidamilitarexigeabnegação;
nada; aamarella. 'depreciam, são absolutamente necessárias paramanterumaquente
ospontos,
34 ARTE PORTUGUEZA

doscorpos eosmais offiches,eofficiaes inferioresesoldados


atmosphera, emquea dedicação e o enthusiasmo possamdesenvol- commandantes d’estasbri¬
gadasacceitarão osagradecimentos dosr.marechal, enãoespecialisa ollicial
algum, porque
ver-se. todosfizeram nobremente oseu dever.»
A imponência doaspectodastropasexerce umverdadeiro prestigio
sobrea multidão,e ajudaa mantero respeitotãonecessário a uma Segue-se o decretodo prínciperegente:
corporação, que,alemda defezado paiz,é tambémencarregada de
mantera ordempublica.De todasas ceremonias militares,as mais Tendo-me sidopresente,pelas relações queo Marechal General, Commandante em
commovejites sãoashonrasprestadas ásbandeiras eestandartes; pena Chefe dosExercitos AlliadosnaPenínsula, oDuque daVictoria, eoMarechal doExercito,
Marquez deCampo Maior,Commandante emChefe dasMinhas Forças Militares emPor¬
é quena instrucçãodo soldadosenãoattendabemdevidamente ao tugal, dirigiram áMinha Real Presença, referindo-Me, nostermos osmais expressivos
cuidadode inspirar-lheo máximorespeitopor essessymbolos, e a distinctos, e
oheroico comportamento, que oMeuExercito manifestou naoccasião daFaniosa
verdadeira comprehensão d’elles. eMemorável Batalha devinte eumdejunho dopresente anno contra oExercito Francez,
Os longosannosdepazquetemosgosado,fazem o completo Triumpho, queobtiveram osExercitos Alliados, junto ácidade deVictoria; e,
com queentrenósnão existamverdadeiros senti¬ Tendo visto,
com amais vivasatisfação,osrelevantes elogioscom que aquelles invictosGe-
neraeslouvaram aIntrepidez,oBrio,adestemida Resolução edecisivo Enthusiasmo, com
mentosmilitares. queatacaram asTropas Inimigas nasfortes posições queoccupavam, edequeforam des¬
O exercito éum alojadas com immensa perda, assim deCombatentes, como deArtilheria eBagagens; não
corposemalma; duvidando osmesmos Generaes attestar-Me terem sidotaes asproezas feitaspeloMeu
Exerciton'aquelleCelebrado eVenturoso Dia,que, merecendo omais completo applauso,
nenhumdosseus Chefes, queoconduziram pelocaminho daGloria,
assimd'ellesIllustres como detodo o
actuaesmembros Exercito Alliado, quepresenciou seus altosFeitos, foireconhecido epublicado quenão
estápresoaoutro havia Infanteria naEuropa melhor queaInfanteria Portugueza; tendo sidoesta Arma a
por essesfortes quemais sedistinguiu,pornãohaver permittido aconfiguração doterreno que asoutras
que o perigo Armas tivessem sidoempregadas comegual vantagem: Querendo Euqueseja constante-
laços quantoMeforam agradaveisesatisfatórias
taes etãodistinctasprovas deValor eIntrepidez,
e o deveraper¬ reguladas pelaadmiravel Ordem eDisciplina Militar,com queasMinhas Tropas secondu-'
tam. O serviço ziram emostraram invencíveis,cobrindo-sedecredito eadquirindo uma Immortal Gloria:
-- * *■■" faz-se friamente, E Desejando Eu,similhantemente, quesenãoignore quanto MeLisongeio ePrezo sero
- . Regente detãoFieis,Leaes eValorosos Vassallos,aquem
as tradiçõesdos Príncipe nenhum obstáculo
efadiga atemorisa, eque, com desprezo damorte, arrostam osmaiores perigos emdefesa
regimentos estão daMinha Soberania,Independencia eSalvação daPatria, parecendo quearenovação de
apagadas; não maiores seja
difliculdades para ellesumnovo e pungente incentivo para emprehenderem
admira,pois,não maiores emais assignaladas
Proezas: SouServido queestes Meus Reaes eAgradecidos
sentirmoso vivo Sentimentos, suggeridos peloPaternal
expressões
Amor quelhesConsagro,
queMeprazlouvar
sejam atodos constantes
enotorios pelas com tãoAltosFeitos. E, tendo-Me sido
enthusiasmo que egualmente constante queasduas Brigadas deInfanteria, composta aprimeira dosRegi¬
deve animar os mentos Numero Nove eVinte eumedoBatalhão deCaçadores Numero Onze, comman-,
exercitos, onde dada pelo BrigadeiroManley Power, easegunda, formada pelosRegimentos Numero Onze
estão próximas eVinte etres epeloBatalhão deCaçadores Numero Sete, commandada peloCoronel Gui¬
I lhermeStubbs, achando-se, pelac asualidadedas p osiçõesem que estavam postadas, envol¬
aindarecordações de batalhas,em quefeitoshe¬ vidas nospontos emqueapeleja setravava com maior calor eanimosidade, haviam, com
roicosse realisaram e nobresvidasse sacrificaram a maior Intrepidez,Presença deEspirito eSangue frio,marchado direitasaoInimigo,:
no cumprimento sagrado deumdeverinflexível. vencendo gloriosamentetodos osobstáculos edifliculdades extremas que selhes apresenta¬
Mas cumpre-nos avivaressesentimento, emquedeveapoiar-se a vam, econseguiram
poruma
desalojal-o
valorosamente
esclarecida,
detodas assuas posições,obtendo merecer,,
nossaforçan’ummomento deperigo,quepódesurgirquandomenos não talconducta aadmiração eapplauso doDuque Marechal General, e
se espera;asremotastradições menos detodos osMilitaresdoExercito Alliado, que p resenciaramtão decisivosFeitos :
degloriaqueennobrecem muitosdos Querendo Euque amemória detãorelevante Conducta, queasorte daGuerra eacasua¬
nossosregimentos nãodevemserdesprezadas, masapresentadas para lidade dasposições parecia haverpreparado para theatro doImpávido Comportamento e
exemplo aosmodernos soldados, que,seagorasótêema desempenharGloria d'aquelles dous Corpos, Heiporbem Premial-os comanobre recompensa deum
ummonotono e enfadonho deHonra,
Distinctivo queostorne notáveis,como merecem; eSouportanto Servido que
serviçodecaserna, podemalguma vezser nasBandeiras dos sobreditosquatro Regimentos de InfanteriaNumero Nove, Vinte eum,
chamados a missãomaisdurae maisnobre.A vizinhaHespanha dáaos Onze eVintee tres, quecompõem asreferidas duas Brigadas, se
seusregimentos os nomesdasvictoriasquemaisa orgulham, e das hajadepôr,circumdando asMinhas Reaes Armas, aseguinte In-
cidadesqueseennobreceram pelaresistência heroicaaoinimigo;sóo scripção emLettras deOiro—Julgareis qualémais excellente—
nomedoregimento bastaparadespertar nossoldados Rei,
SeserdoMundo oudetalGenteaqual — seconservará nas
ideasbriosase
patrióticas; masnóssomosn’istotãodescuidados mesmas Bandeiras,
e indifferentes, que paramemória, em-
não só não pensamos emreuniras memórias dispersas do valordos quanto emcadaum
nossossoldados, masatémesmoinutilisamos os padrões queascon¬ dosRegimentos sobre¬
servam. ditosexistir vivoal¬
Quemler a historiada guerrapeninsular ha de pararcertamente gumOfficial, Official
antea batalhadaVictoria,tãonotávelemsi mesmae pelosseusre¬ Inferiorou Soldado,
dosqueassistiram á
sultados.N’essabatalha, emqueo exercitoalliadocommandado por Batalha deVictoria; e
Wellingtonsecobriude gloria,emqueforamtomadas aosfrancezes sódeverá terminar em
i5o bandeiras, as tropasportuguezas portaram-se tãovalorosamente, cada Corpocoma
queo severoBeresford lhesrendeelogiosos maiscalorosos. morte doultimo d'estes
Indivíduos. E, como
Cabeaquitranscrevermos a ordemdo dia de i de julho de i8i3, osBatalhões deCaça¬
emqueo generalinglezhonraastropasportuguezas, e emseguida dores não teem Bandei¬
o
decretode 13 denovembro de i8i 3, queserefereás distinccões ras,Heiporbem Con-
con¬ cedel-as aos d oisBata¬
cedidasásbandeiras dosregimentos de infanteria 9, u, 21e'a3 e aos
batalhões de caçadores e lhões Numero Setee
71 11: Onze acima menciona¬
dos,para usarem del¬
•Com omais perfeitoprazer esatisfação,passa s.ex.»0sr. marechal Beresford, iasnasParadas, econ-
quez deCampo Maior, ecommandante mar- servarem-n'as debaixo
emchefe doexercito,afallar daconducta das tro¬
pasportuguezasna(arnosa batalha de21domez passado,emqueoexercito dasmesmas Clausulas
uma completa ganhou
alliado
victoria
sobre oexercito francez. Osr.marechal felicita
anação portugueza queficam determina¬
pelo comportamentodas suas tropas n’estamemorável batalha,
e,fazendo corpos por daspara osquatro Regimentos deInfanteria;devendo estasBandeiras
quen’e]la mai, .1,0 aos serformadas eesquartelladas pelas
tiverem p.rteo elogio,só,em, dizer oqueelles côresque denotam oDistinctivo
O sr.marechal |ulg«-seobrigado amencionar merecemdaMinha RealCasa, azuleescarlate, ficando asMinhas Reaes Armas nocentro, e,logo
comparticularidade aconducta dasduas abaixo, umaPalma
bng.das, •composta dosregimento, deiuianteria n.« circumdada pelaInscripção —Distinctos vóssereis tiaLu^a Historia
n. tt comm.nd.da pelosr.brigadeiro batalhão de cac.dores -Comos Louros quecolhestesnaVictoria.-
Manle,• Power, e. composta dos regimentos OsGovernadores doReino d ePortugal e
infanteria
n 11eadeb.talh.o decaçadores de osa garves o tenham assim entendido, e o façam executar comosDespachos neces¬
Guilherme 7, coitimandadapelosr.coronel Tliomássários. Palacio daRealFazenda.de
Stubbs.
Oill. ees.™ sr.marechal generalduque d,Victoria eosr. Santa Cruz,emi3 denovembro dei8i3. —Com a
presencearamabrilhante conducta destas m arechal Rubricado PríncipeRegente,Nosso Senhor.»
duas brigadas,cujafirmeza,bo,ordem evalor
naosepodem esceder,es.ex.‘osr.marechal general moetrou portalcomportamento
amaior ahmiraeao.Osr.marechal asseguraaestas duasbrigadas,q„ Parecequeestasbandeiras
com particularid.de
n.presença enão Miará apôr gloriosas,prêmioda heroicidade e do
desuaaltera real,oprínciperegente nosso senhor . sua \ alor,deviamconservar-se
conducta,epedirasuaalteza realumdi.tinctivo dehonra especial ostèntosamente, comoestimulodenobres
compoem. 0 sr.bngade.ro par.oscorpos que “
a . acções; m as,tendosido
Manle, Power,o sr.coronel Thomá. algumas d’ellasconcedidas em i852aoreal
Guilherme St.Vh? colegiomilitar,julga-sequese perderam
1O batalhãodecaçadores ou foramdestruídas. E as
7,quefoiumdoscorpos que deD Miguel velhasbandeiras,
caçaZZZ!

' " Ve” reit
seguiramacausa
° ■***“ ' **-(*> <•**** * panhavam
rotaspelasbalasfrancezas,
essesbravosportuguezes
asbandeiras
na luctagloriosaemquesede-
queacom¬
en ia o solodapatriainvadidopelo
estrangeiro, quetremulavam or-
ARTE PORTUGUEZA 35

gulhosas anteo valordosnossossoldadosna Victo- O calco foi-me enviado pelo sr. M. H. Pinto.
ria, deviamreceberum respeitosoculto,guardadas
religiosamente
pelos regimen¬ VI
tos a que per¬
tenceram,e,ex-
re¬
tinctosestes,
colhidascomo
relíquias no
museude arti- mo(í)^:LU\í0jo :‘unmx : fatmÍ4õta
lheria; pois
duascTellases¬ nojo;
tãonapossede
umairmandade íJf.jVu comfkt) ox ^tias.
dafreguezia de •
Monserrate, na aÍpnrarrasRjtJuuHP axím) tuas
igrejadeS.Do¬
mingos deVian-
nadoCastello!
Quantasou¬ Thomar, igreja
deSanta
MariadosOlivaes,
tras não esta¬ doladoesquerdo
daporta
deentrada
(in¬
rão perdidas, gothicos.
Caracteres
terior).
que,juntas,formariam
esquecidas, umacollecçãova- Leitura:
liosissima! —Esta sepultura édeIsabelVieira, mulherd(e)Af(f)o(n)so
(Continua) B. S. RIBEIRO ARTHUR.
de Vivar, Caval(lei)ro, cofnjtador da casa delrei
nos(s)os(enhor), q(ue), depois de seufal(l)ecim(en)to,
foi Com(m)e(n)dador das Alencarcas. E sefinou a 18
dias defevereiro de 14Q2.
NSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS
depag.io) Não póde haver duvida de que a inscripção, muito esme¬
(Continuado
radapor signal,diz:—«Commendador dasAlencarcas».Foi-o
Affonso deVivar, ou depoisdo fallecimentoda mulher, ou, o
v que é mais provável que a inscripção queira dizer, depois do
fallecimentodo Rei, que seria entãoAffonso V, se a data da
morte da mulher corresponde á da abertura da inscripção.
Mas o que eram as Alencarcas?

/^maa/í/mtns
Devo o calco ao amigo já citado e que muitas mais vezes
v terei de citar ainda, o sr. M. H. Pinto.

wãjiamTítuaí
VII
um píiakjüimati
o-nV-lrfi-limira/om (ffòtTO I Pom tKllK iÕPMRÕiò
o4fOyMaMLHRIlK)JOR01 ;
oo Mí&lLMoí
Qgtm:
tirpipaio DfiUVS i €
LHRIffl te m ; QRtl; oyiQ''Oi
Thomar,
igreja
deSanta dosOlivaes,
Maria LJOM6 0P:t. : O(JC€lFO; ãP9
soa i &msm mymmüüs
sobosegundo esquerda.
arcodanave
Leitura:
—Aqui ja\ Fernã(o) de Sa(m)paio, Caval(l)eiro Jidalgo,
creado delrei dom Af(f)onso, e sua filha M(ari)a de
(‘ 1? oaeBPOi eióLaMiLMog
Sa(?n)paio.—
'
Será Fernão Vaz de Sampaio, filho de Vasco Pires de tiiRsysoiRíDei; acreiMisast
Sampaio e de D. Maria Pereira, da casa da Feira?
Este, fazem-n’0os genealogistascasado duas vezes, uma
m AJ
Thomar,
igreja
ZU.T.!-
deSanta dosOlivaes,
Maria
com D. Senhorinha, outra com Joanna de Alvim; e alguns, nacapella gothicos.
mór.Caracteres Trun¬
cada posterior,
porconstrucção queselhe
uma só vez, com uma ou com a outra d’aquellas senhoras, encostou,
dosdegraus
doaltar.
attribuindo-lhevários bastardoshavidosn’umaLeonor Affon- Leitura:
— Aq(ui) ja\ Do(m) Gil M(ar)ti(n)s, op(ri)meiro M(estr)e
so, —«mulher solteira»— entre os quaes um Lopo Vaz de
Sampaio, que D. Affonso V legitimou em 1453. q(ue)foida Caval(l)aria da Orde(m) de Jesus Christo,
Que o Rei Affonso de que falia a inscripção é Affonso
V, q(ue)foif(re)irado (feitofreire) na Ord(e)m d(e) Avis
não póde duvidar-se. e M(estr)e da Caval(l)aria desfsja Orde(m) efoi da
O «titulo» dos Sampaios, como se diz em Genealogia, foi linhagem do Outeiro; q(ue) pas(s)ou (falleceu) e(m)
sempre muito complicado por enxertos ganceiros. sexta feira, i 3 dias (d)e novefmjbro, e(ra) i 35g
36 ARTE PORTUGUEZA

an(n)os (a) q(ua)l alma Dfeitjs levep(er)a a gloria de Sousa e de D. Maria de Menezes, filha de Martim
do Paraíso. Ame(n) Co(m) e(lle) mais osfsjossã(o?). Affonso Tello de Menezes, irmão da celebre Rainha e adul¬
tera, D. LeonorTelles. Foi esta que o fez Mestre da Ordem
Está a lapide embebidana parede do lado esquerdo, por quando não tinha edade para o ser, o que não obstou a
baixo do formoso mausoléu de D. Diogo Pinheiro, primeiro que elle honrada e valentementeviesse a servir a causa por-
bispo do Funchal, tendo sido para alli removidosos restosdo tugueza do Mestre de Aviz (João I) contra as pretensõese
Grão-Mestre, nas obras de renovaçãofeitasna igreja,no tem¬ a invasão de Castella, patrocinadas pela adultera.
po de D. Manuel ou já de D. João III, segundo a tradição. Diz Goes (Liv . das Linh. MS.):
Deviam estar anteriormenten’um caixão ou tumulo de «DomLopo DiasdeSousa... foi MestredeChristo,apresentado
na
pedra. A esses restos se juntaram os de outros persona¬ ditadignidade por EIRei DomFernando,a requerimento da Rainha
gens, e a isto seguramentealludia a parte truncada ou ille- DonaLeonorTelles,mulherdo dito Rei Fernando,queeratia d’este
DomLopo Dias,MestredeChristo... Tevepor manceba a DonaMa¬
givel da lapide. riaRibeira,queemPombalhouvedispensação doPapaparaa receber
Não é, pois, perfeitamenteexactoque se não saiba: —«o pormulher,ehouved’ellaestesfilhos:a DiogoLopesdeSousaeDona
logar certo onde estão as cinzas do primeiro Mestre de Meciade Sousa,quecasoucomDomVascoFernandes Cominho,pri¬
Christo»— como diz Santos (Moiium. milit, etc.), que, aliás, meiroCondedeMarialva, eDonaViolanta,quecasoucomRuyVazRi¬
beirodeVasconcellos,SenhordeFigueiródosVinhosedoPedrogam e
indica a remoção cTessesrestos e a inscripção que os de¬ DonaIsabel,mulherdeDiogoLopesLobo,Senhord’Alvito,eDonaAl-
nuncia, que melhor fôra que tivesse copiado, com as mais. donça,mulherdePedroGomesdeAbreuoVelho,eDonaBranca,mulher
Pertence o calco á bella colheita com que me tem brin¬ deJoãoFalcão,e DonaLeonor,mulherdeAffonsoVascode Sousa.»
dado o sr. M. H. Pinto. Um neto cTelle, Álvaro de Sousa, filho de Diogo Lopes
de Sousa, mordomo-mór do Rei D. Duarte, foi mordomo-
VIII mór de D. Affonso V e casou com uma filha de D. Fer-

pçn iA 3 ~OMT O RÃUg^pÕM ED Ã DÕn^pÔlspOJIIA^ DHO yZA WE2TRE JMCÃVÀT.Rf .


DAÜRDE DE CRITVfHD ITlIToEp ÊT^T ÍIIÃL SFnUORTÁCI MT A ~SEpE~VF.SF. Dolr U LT
Lrei hblOÃ OpMFCÕ F^~ GR XDE~~ÁlyDA~E'~DEFE
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SÃO~ DEST ES~R ET NÕ~ :
EETROV CO HEE. HO Q~VEZES E CASTElf C O SVÃ CAV A 1 ..ÁRIA • i-l-A I)
M APA DE CEpTA E T TÁ ESE TSÃNO s - e ftn qse
NAERA DE l!IVX|K) V\ rfcr ARIOE GÕVERN ADfsT
T3E~- IOO OTÃ4T3 ÕTE.-51 - DÃ D iTÃTTCrRDE : DÁ*Á rD FT
ANOS - AOS NOVE DIÃSI Vf ZÊV~ E SOR- DE Cf OV lVA
DOMES DE FEVR^EO omadov-treI* par
MT HORA DO • i )E
j aeste coveto- AOS
ZA DO SOR - ÓI FATE T OIT DIAZ DOMES OF
MARCO DA Dl
Thomar, igrejadeChristo,junto
áCharola.nando
Caracteresrom.maiusc. Grandelapide. de Castro, governador da Casa do Infante D. Hen¬
Entreaslinhas6)aii)inclusive
e12)a16), rique:—D. Maria de Castro.
campo rectangular,
metade doqual
longitu¬
dinaleperpendicular, emquatro Uma observaçãoainda: A inscripçãoparececorrigir a ver¬
dividido
quadros,tendo cadaum,alternadamente, são commum adoptadapor J. A. dos Santos, na bella mono-
asquinas e umaruella ogival.
Naoutra
metade,acruzdaOrdem. graphia Monumentodas Ordens militares, etc., em Thomar,
Leitura : de ter Dom Lopo cahido em poder dos castelhanosemTor¬
Aqfaji ja .ç 0 m(ui)to (h)o(n)rado
Com(m)e(n)dador res Novas, ficandoinutilisado para todo 0 resto da campanha.
Do(m) Lopo Dias de Sousa, Mestre da Caml(la)ria «Entrou cinco vezes em Castella»— diz terminante-
da Orde(m) de Christo, q(ue)
foi se(m)pfrje m(ui)to mente a pedra.
leal s(e)r(v)idor ao m(ui)to alto se(m)p(r)evefnjcedor
Devo o calco ao sr. M. H. Pinto, que ultimamente me
elrei Do(m) JoS(o) op(r)im(ei)ro, (a)oqualfoigra(n)de
mandou alguns outros, de Figueiró, entre os quaes encontro
ajuda e(m) defe(n)sãod’estesreinos; e
e(n)trou co(m) 0 da inscripção que incluo em seguida por importar á prole
el(l)e ci(n)co veqese(m) Castelflja cp(m) sua Caval- do mesmo
personagem.
(l)ana, e e(m) a tomadade Ceuta; e teveo mestrado
q(u)are(n)ta e seis anfnjos. E finou-se na era de IX
Jesus Christo de 1435 an(n)os, aos novedias do
mes 1) AQUY JAS OMUITO
defev(erei)ro, e0 m(iuijtoho(n)rado epresadosfenhjor HÕRADO CAUALEIRO
RUY VAASQS FILHO DE RUY MEEDES DE-
o I(n)fa(n)te Do(mJ (H)e(n)riq(u)e,
governador da VASCOCELOS NETO DE G. MEEDES E DE
dita ordefmj, duq(ue) de Viseu e
s(enh)or de Covi- DONA MARIARIBEIRA E DO
lha(m), o ma(n)dou traísjladar a este
cafnjveínjto, 2) NA VÍOLÃTE DE SOUSA
aos oito dias do meqde SUA MOLHER F A
março da dita era do na(sj- DE DOLOPO DIAS M E DE XPS NETA DA-
c(i)m(en)to de Nos(s)o S(enhJor de 1435 an(n)os. FN" DIAS DE SOUSA E DE DONA M a IRMÃA
DA RAINHA DONA
Este D. Lopo Dias de Sousa é
personagembem conhe¬ 3) OS QUAES MÃDOU S E ROÍS DE
cido e de quem é facil encontrar larga
noticia.
LIONOIV
Era bisneto,pelo pae, de D. Affonso Diniz,
filho de Affon¬
VASCOCELOS SEU FILHO ERDEIRO.
so III —<e da condessade Bolonha D. ERA DE NOSO S* JHÜ XPÕ DE MIL CCCC
Mathilde»— a pri L IIJ ANOS
me,ra mulher d'este Rei, sendo
filho de Álvaro Rodrigues Figueiró
dosVinhos,
igreja
deS.João15a-
ptista.
Emcaracteres
gothicos.
ARTE PORTUGUEZA 37

Leitura : Tal é o fundo da lenda ou da historia de Griselia.


— Aqui ja\ 0 muito hofnjrado caval(l)eiro RuyVasq(ue)s, Boccacio e Petrarcha lançaram mão d’este assumpto e
filho de Ruy Me(n)des de Vasco(n)cel(l)os, neto de popularisaram-n’o. A primeira noticia sobre a vida d’esta
G(onçalo) Me(n)des e de Dona Maria Ribeira; e heroinaencontra-seemum antiquíssimomanuscriptofrancez,
Dona Viola(n)te de Sousa, sua mulher, f(ilh)a de intitulado Le parement desdames,e é possivel e mesmo pro¬
Do(m) Lopo Dias, M(estr)e de Christo, neta d(e) vável que Boccacio, quando esteveem Paris, alli colhesseos
Afi(fo)n(s)o Dias de SousaedeDona M(ari)a, irma(n) dados para a sua novella, a ultima do Decamerone.
da rainha Dona Leonor; osquaesmafnjdou s(epulta)r Seguidamente,um grande numero de contistas e de poe¬
Rodrigo de Vasco(n)cel(l)os, seufilho (hjerdeiro ... tas enriqueceram e modificaram o assumpto a seu talante,
era de Nos(s)o S(enho)r Jesus Christo de 1453 ao sabor da imaginação de cada um. A velha historia atra¬
an(n)os. vessou os séculos, explorada por todas as litteraturas da
Europa, fornecendo ainda a Perrault assumpto para um
(Vide o commento dainscripçSoanterior.)
dos seus contos.
Enviou-me o calco o sr. M. H. Pinto.
Frederico Halm, pseudonymo do conde de Munch-Bel-
(Continúa) LucianoCORDEIRO. linghausen, celebre auctor dramatico allemão, conhecido e
appreciado ha annos em Portugal pela representação,-no
theatro de D. Maria II, da sua tragédia O Gladiador de
REPRESENTAÇÃO DA GRISELIA Ravenna, traduzida para portuguez por Latino Coelho,e em
NO THEATRO DE D. MARIA II que desempenhavao papel de Thusnelda a actriz Emilia das
Neves, — Frederico Halm, comoiamos dizendo, dramatisou
(Concluídodepag.12)
o assumpto, passando a acção para Inglaterra; fez do mari¬
OS assumptos exclusivamentereli¬ do da heroina um cavalleiro da Tavola Redonda, Percival,
giosos, isto é, tirados do Velho e companheiro de Arthur, e é para obedecerá rainha que elle
Novo Testamento, passaram a exhi- impõe a Griselia a serie de experiencias a que a submette.
bir-se em scena as lendas e os ro¬ O final da lenda, porém, é alterado. Griselia, ao perceber
mances mais em voga e mais familia¬ ò logro, recusa-sea viver novamentecom o marido.
res ao povo, conservando, todavia, Esta tragédia é considerada a obra prima do auctor, se¬
na sua exhibição, o primitivo sabor gundo lemos em um numero da Revista dos Dois Mundos,
religioso, sempre evidenciandoa lu- do anno de 1846.
,4, cta entre o bem e o mal, entre Deus #
* *
e o Diabo, entre o Céo e o Inferno.
A Griselia está n’este caso. Lá diz Os auctores francezesdo Mysterio a que nos vamos re¬
o Introductor, no prologo a que já nos referimos: ferindo, cuja primeira representaçãose deu em Paris a i 5
de maio de 1891,e que em Lisboa subiu á scena pela pri¬
Nãochamarei á peçaumanovella;
meira vez a 26 de março de 1892,—seguiram na contex¬
Queo assumpto, a bemdizer,
Deexaltarn’umcombate a honradamulher, tura da sua obra a tradição da velha lenda, em toda a sua
Trata-oa lendacomoo trataa historia. primitiva simplicidade, havendo machinas (segredos,como
Estecasoanormalpóde-seler antigamentese lhes chamava), santos que fazem milagres,
Em Petrarchae Boccacio,e o mesmoraciocínio
E a mesmaconclusão, transformações,e, finalmente,o Diabo, que tenta creaturas
Encontra-se emStrabão, boas para perdel-as, e que é, ao mesmo tempo, perverso e
ComoseencontraemPlinio. pateta; o Diabo, que, procurando enganar os outros, é elle
A verdade e a mentiraandamligadas, o enganado; o Diabo, personagem ridiculó, terrível e trua-
Sustenta-asmuitavezo mesmoapoio;
Ninguémpódenassearasdebulhadas nesco,tão depressahomérico no seufallar, como chocarreiro
Dum ladopôr o trigoe do outroladoo joio! nos seus dichotes, personagemtanto ao sabor da multidão,
IdesouvirfallaremDeus,no diabo,etc. tão querido do povo; esseDiabo, finalmente,que nas repre¬
sentaçõesdos antigos Mysterios, enchia o publico de pavor
Griselidis, Grisla ou Griselda, marqueza de Saluzzo, e o fazia rir a bandeiras despregadas!
cuja historia se torna difficil de destrinçar no meio das innu- Ora, o publico, — digamol-o,— ha dois annos, no theatro
meras lendas em que se acha envolvida e de que é heroina, de D. Maria, não comprehendeuesta personagem!
era filha de um lavrador piemontez. Armand Silvestre e Eugênio Morand, n’estapeça, analy-
A nossa heroina passavaos dias guardandoo seurebanho, saram ou, por outra, submetteram,póde dizer-se, as paixões
quando 0 marquez de Saluzzo, enamorando-sede tanta e os sentimentos das personagens aos moldes das peças
— — em que os bons confia¬
graça e formosura, a desposou no anno de ioo 3, segundo d’aquellegenero, os Mysterios,
contam. D’ella houve o marquez dois filhos. Desejando o vam e obtinham tudo dos poderes sobrenaturaes,do Céo,
fidalgo experimentar a virtude e constância de sua mulher, dos santos,e em que os maus e os perversos acabavamsem¬
submetteu-aa uma serie de provações bastanterudes, pois pre castigados,apesar da sua força diabólica, com as cham-
que não só lhe tirou os proprios filhos e a repudiou, como mas e as profundezas do Inferno!
a constrangeu a servir de creada a uma outra mulher, que Assim succede, por exemplo, no ultimo acto, quando
elle fez ardilosamentepassar por sua amante, impondo-lhe Griselia, em vez de procurar por toda a parte o filho que
assim um sem numero de humilhações. Griselia, porém, lhe roubaram, espera rehavel-o das mãos de Deus. E, eífe-
tudo soffreu, resignada e corajosa! ctivamente,após fervente oração, apparece-lhe aos pés de
o illuminado pela luz electrica, — a
Quando o marquez julgou taes provas sufficientese se Santa Ignez pequenito,
convenceuda fidelidade da esposa, reconduziu-a triumphan- luz do céo!
temente ao castello que desde tempos remotos era o solar Ácerca d’esta peça, Sarcey, o celebre critico theatral, diz
de seus maiores. n’um dos seus folhetins do Temps:
38 ARTE PORTUGUEZA

«Quando forem ao Theatro Francez ver a Grisehdis, não


vão na esperança de encontrar uma obra de theatro, que
lhes dê essa especie de prazer, que se espera da arte dra-
Jl TE NA
matica. Imaginem, por instantes, que estão na Bibliotheca CARTA A D. JOSÉ PESSANHA
Nacional, que pediram um missal antigo e que o folhearam,
ora admirandoas illuminuras, ora lendo as palavras de que de pag.17)
(Continuado
essaspinturas são a illustração.
«Hão de demorar-se a contemplaralgumas das paginas,
que acharão encantadoras;outras parecer-lhes-hãoinsigni¬
ficantes, e algumas até (também ha dessas) francamente
más e insupportaveis.Mas, duranteuma hora, terão vivido
longe do mundo, em um meio fictício, é certo, todavia
curioso e divertido, pela sua originalidade.»

«Griselidis é um espectáculoque devever-se, comquanto


não corresponda á idéa que hoje vulgarmente se fórma do
theatro. A acçãoé muito simples,ou, para melhor dizer, não
existe. Não contém nem estudo de caracteres,nem analyse
de paixões; mas os diversos períodos d'essa historia, que
se desenrolacom uma simplicidade ingênua, são marcados
pelos arrebatamentosde encantadorapoesia.»

# *
NTROU, depois, D. João III a rei¬
A Griselia foi esplendidamentetraduzida para portuguez nar, e não se esqueceu da milagrosa
pelo inspirado poeta, o sr. Conde de Monsara\. Se a sua imagem, da qual se valeu em certa
reputaçãonão estivessede ha muito firmada entre nós, por afflicção; e em cumprimento da pro¬
outros notáveistrabalhos litterarios e poéticos, esta delica¬
messa, mandou fazer o famoso retá¬
díssima traducção tel-o-hia collocado em o primeiro plano
bulo de alabastro, obra rica e dispen¬
onde fulguram não só os nossos mais brilhantes poetas,
diosa, que já foi mais admirada, do
como os mais abalisadoshomens de lettras.
que hoje o é. Foi elle esculpido por
Com relação ao assumpto Griselia, conhecemosem por¬
mestre Nicolau Chatranez, e concluí¬
tuguez (devido á amabilidade do nosso amigo o sr. Col-
do estavaem i 532, como se lê n’uma
lares Pereira) A Comedianova intitulada a Gricelda, ou a
inscripção que está na base da pilas-
Rainha Pastora, do abbadeMetastasio, publicada em Lis¬ tra do retábulo, da banda da epistola, inscripção que copiei
boa, na officina de Domingos Gonçalves, no anno de
1787. em 9 de setembrode 1886,e que para aqui transcrevo,por¬
E desconhecidoo nome do traductor portuguez, atribuin¬
que a encontro em toda a parte com erros:
do-se a origem da citada comedia a Carlos Goldoni. Co¬
nhecemos também um folheto de cordel, intitulado: Nota
curiosa e verdadeira do alto estadoa que chegouuma mu¬ IOANNES III EMMANV
lher nos confins da Italia , Jilha de um lavrador, por sua ELIS FI L- FERNANDI
muita humildadee honestidadee NEP-
formosura. Lisboa, officina EDVARDI PRONEP-
de Ignacio Nogueira Xisto,
1764. IOANNIS ABNEPOS I
#
# *
PORTVGAL ET ALG-
REX AFRIC- AETiIOP
A mise-en-scène
no theatro de D. Maria II foi primorosa. ARABIC ■ PERSIC ■ InDU
E não só o scenario, adereços, mobilia e guarda-roupa fo¬ FELICEM
OB PARTVM
ram de um completorigor historico, seguindoo
feito no Theatro Francez, como o desempenhofoi
que se havia CATARINA E
notável, REGINAE CONIVGIS
por parte dos artistas portuguezes.
Eis a distribuição que a peça teve entre nós: incomparabilis
SVSCEPTO EMMANV
Fiamina.
Griselia(marqueza
de Saluzzo)..RosaDamasceno.
Lucindado Carmo.
Bertrade(aiade Griselia). Umbelina.
ELE FILIO PRÍNCIPE
ARAM CVM SIGNIS

Alain.
Diabo..
Saluzzo. POS- DEDICAVITQ-
O marquez de

..
João Rosa.
O AugustoRosa.
ANN ■M- D •XXXII ■

Prior...
EduardoBrasão.
Gondebaut.... AugustoAntunes.
O
Arauto.
Luiz.
Bayard. uiuim iiiaciijjiyues,
uasquaesasmaisin¬
Um Santos.
Corsário.
Primeiro N.
teressantes,
degraus
historicamente,
sãoasseguintes:
quelevamá capella
no chão,logoabaixodos
SegundoCorsário.. N.
mór,emumacampa:AQVI IAS ARTVR |
BRAS PEREIRA: | E SVA MOLHER í SABEL D
AdolphoSampaio. | SEQ.RAFA |
O Introductor LECEO A 17B MAIO 1E |
Ferreirada Silva. 1617| —Junto a estacampa,um pouco
maisparao ladodo evangelho, se lê gravadosobremármorepreto:
TEIX “ Q FA | LECEV A ,6 DE
2 dedezembro
de 1894. Augustode MELLO
DEIXOV NESTE MOSTEIRO .7.» DE 66, |
[ HM MISSA QVOTÍDÍANA E [
ARTE PORTUGUEZA 39

N’este sumptuoso retábulo se collocou então a imagem, dade nacional, n’esta qualidade foi posto em praça no

e
que tem o Menino ao collo e terá tres palmos de alto; ministério da fazenda em de novembro de 838, arre¬

e
3
tudo de pedra e de tosca esculptura. Á sua igreja conti¬ matado por el-rei D. Fernando por 761$000 réis, tendo sido
nuavam sempre os devotos a acudir, e com suas esmolas avaliadoem 700^000réis. Foi arrematado«com expressa

a
clausula de ficar arrematante obrigado cuidar na sua

a
a soccorrer os pobres frades, que de esmolasprincipalmente

o
boa conservação,na conformidadedo que dispõe carta de

a
viviam, pois que os rendimentos do conventoeram parcos,
lei de de abril de 835, visto ser um monumentonacional,
689^600 réis nos meados do século xvn.

1
5

i
conter igreja um retábulo de primorosa esculptura».

a
e
Tornou, em seguida morte do seu unico proprietário,

á
Era pobre de fazendao convento,mas era rico em visitas voltar para posse da nação velho convento,com todos

o
a
a
de raios e coriscos, o que, vista a altura (529 metros) a que os seus accrescidos.
está, não é para admirar; e ainda menos admiração lhe Por carta de lei de 25 de junho de 1889,foi auctorisado
causará, meu caro D. José, se eu lhe affirmar que os fra¬ governo adquirir para nação, total ou parcialmente,

a
a
o
des nada, absolutamentenada, gostavam de taes hospedes. as propriedades que pertenciam el-rei D. Fernando em

a
Em i 636, um padre romanisco acudiu aos eremitas com Cintra, devendo sempre entrar iressa acquisição palacio

o
umas palavras latinas escriptas a modo de versos, que eram castello da Pena, parque adjacente castello dos

e
o
o
e
preservativas dos raios, as quaes os frades escreveramem Moiros. acquisição havia de ser feita por preço não

E
a
todas as portas da casa, e mandaram gravar n’uma pedra superior ao valor arbitrado no processo ophanologico de
do campanario, onde não sei se ainda se conservam para inventario, que se procedia por obito do mesmo príncipe,

a
socego do vizinho pára-raios. O eífeito das taes palavras pago em títulos de divida consolidadana posse da fazenda,
e

não sei se foi eíficaz, apesar da sua fama ter chegado até pelo valor do mercado.
ao paço real, onde D. João IV mandou collocar «nas aguas Em conformidade com referida lei se celebrou com¬

a a
a
furtadas da nova abobada» (deveria ser o torreão marginal pra em 12 de junho de 1890,por escriptura lavrada fl. 32
do paço da Ribeira) uma lapide com ellas gravadas. v. do liv. 1064 de notas do tabellião Cardoso, de Lisboa.
Se eram efficazes, eram comtudo sujeitas a intermitten- Foram outorgantes: de uma parte, João Ferreira Franco
cias; pois que no dia 3o de setembro de 1743,estando os Pinto Castello Branco, na qualidade de ministro da fazenda
monges celebrando a festa de seu patriarcha, e tendo a com assistênciado procurador geral da coroa fazenda,

e
e

da outra, barão
egreja cheia de fieis, caiu, pelas quatro horas da tarde, um Adriano de Abreu Cardoso Machado;

o
raio na torre, e fez grande destroço material.Derribou parte de Kessler, como procurador da senhoracondessad’Edla,
1

da torre, deixandoo resto tão arruinado, que se não podiam viuva e, n’estaparte, herdeira ou legataria de D. Fernando.
tocar os sinos; communicou-seá igreja pela parte da capella Pela referida escriptura, ficaram desde aquella data no do¬
mór, damnificando algumas das guarnições de pedra, de mínio do estado no usufructo da corôa todas as proprie¬
e

referido príncipe em Cintra,


que é construída, e arrancando da abobada algumaspedras dades que pertenceram ao

e
casa da Abelheira; casa de
grandes; lançou fogo á maior parte da armação, estragou o que são as seguintes: quinta
e

da Pena
orgão, e destruiu as grades do coro. Na imagemdo proprio S. Miguel; palacio castello parque adjacente
e
e

Moiros,- tapadas da Cruz


S. Jeronimo por um triz que não fez injuria; mas foi-se-lhe com suas pertenças; castello dos
áo leão, que tinha aos pés, e partiu-o. Penetrou na sacristia, Alta, Vigia com clialet da Condessa, Lavadeiras, Mouco
o

onde fez coisas do arco da velha: queimouvarias sobrepel- com clialet dos Camaristas, Chã da Cerca, Ferreira, Jar¬
o

lizes e capas de asperges, abriu um armario, arrombou o dineiro Sereno; terrenos junto ao castello dos Moiros, ao
e

vestuário, destruindo as vestimentas,e, por fim, cobriu com portão de ferro, cancellagrande na estradados Capuchos,
á

úm amito e uma sobrepelliz uma imagem de Santa Barbara, junto mesma estrada, na ribeira das Perdizes, no caminho
á

da Cruz Alta, cancella de Santa Eufemia, em Santa


e
á

òollocada n’um nicho.


Apesar de todo este desacato, ainda assim foi benigno; Eufemia; cerrado da Mãe
de Agua; pinhaes da Chapa,
e

da Matta Doirada, do Valle dos An¬


pois que, estando vinte e quatro religiosos e mais de du¬ do Schore, do Borges,
zentos devotosna igreja, e vendo-setodos rodeadosde fogo, jos, da Matta do Forjaz.
e

a nenhum matou, e só ao padre ministro do proximo con¬ Foi compra feitapela quantiade 377:53o$oooréis (preço
a

réis
vento da Trindade, que com seus frades tinha concorrido da avaliação no inventario), equivalente 593:6oo$ooo
a

do mer¬
a celebrar a festa, como era já de uso antigo, só a esse é em titulos de divida consolidada,segundo cotação
a

dia 11,vespera da data da escriptura.


que o lume penetrou o habito e vestido interior, e o cres¬ cado (63 60) no
e e

N’esta, como primeira condição, apparece da vende¬


a

tou em varias partes do corpo.


de alguns dos prédios vendidos
O eífeito d’este raio, ou de outro, sobre os azulejos que dora ficar com usufructo
o

sem os poder emprestar, ar¬


revestem a igreja interiormente, chamou a attenção de um para pessoalmente os gosar,
alienar usufructo, revertendo
official inglez, que ahi por 1815 visitou o convento. Diz elle, rendar, ou alugar, nem
e
o

da nação usufructo da corôa por morte


que quasi defonte do altar, onde está o famoso retábulo, elles para posse
e
a

ella querer largar o usufructo.


lhe atrahiu os olhos o rasto proximamentevertical, que alli da usufructuaria, ou por
chaletsda Condessa dos
deixára um raio, que desbotou o azul dos azulejos n’um Estes prédios são os seguintes:
e

Camaristas, tapadas da Vigia, Mouco Chã da Cerca, ter¬


e

amarello esverdeado.
de Perdizes, pinhaes da Matta
Poucos annos depois da visita d’esteinglez, eram os mon¬ renos cancella na ribeira
e
e
á

Doirada, Valle dos Anjos da Matta.


ges expulsos do seu convento, que passava a ser proprie-
e

A procuração datadade11dejunhode1890, passadaporElise


e

H\\ ALiVPADA DE PRATA | —No corpo A da igreja,sobreuma


é
i

S DE DONNA | LEA- Hensler,condessa emLisboa,nafre-


d’Edla,maior,viuva,moradora
grandecampa,se lê emgrandescaracteres: meubastante
gueziada Lapa, diz: «.Constituo procuradoro barão
NOR DA | FONSECA, MO | LHER QVE FOI | D ÍORGE TÍBAO |
e

deKessler,moradoremAlgésdeCima,paramerepresentarnaquali¬
E D SEVS BSCÊD I TES Junto esta,emoutrapedramuitomais
j_.

dadedevendedora daspropriedadesqueEl-Rei Fernandopossuia


D.
pequena:AQVÍ ESTA TAOBEM FR.° TÍBAO SEVF. FIDALGOS
|

DA CAZA DE SVA MAG.DE . no concelhodeCintra,etc.»


|
|
ARTE PORTUGUEZA 4i

Volto a 1838.
El-rei D. Fernando, comprado o convento, tratou de o
restaurar, e de lhe annexarum palacio acastelladopara sua AS HORAS DA RAINHA D. LEONOR
habitação. Da direcção d’estas obras encarregou o barão
de Eschwege, general allemão ao serviço de Portugal. Fo¬
III
ram magnificas, o resultado é surprehendente,mas, como
um critico de arte estrangeiro, sou de opinião que ha alli
(Concluídodepag.14)
de mais. Desejava que o convento tivesse sido restaurado
unicamente com o que lhe faltasse,sem accrescentamentos
de ornatos. Desejaria que em tão limitado espaço se não
tivessemaccumulado as edificações,que pesam e esmagam ORNEMOS a Antonio de Hollanda.
o velho monumento. E, como o tal critico, penso .que os No capitulo xix da segunda parte da
archeologos do anno tres mil hão de coçar na cabeça para Chronica do felicíssimo rei D. Emanuel,
determinarem os tempos a que pertencem as differentes refere Damião de Goes que, estando em
construcções, que ultimamentese fizeram na Pena. Flandres, recebera do infante D. Fer¬
Estas obras parece que tiveram fim no anno de 1840; nando, filho d’aquelle monarcha, um de¬
pelo menos, sobre a porta principal de entradado castello, a buxo da arvore genealógicados reis por-
que tem a ponte levadiça,se lê, gravado na pedra, mdcccxl. tuguezes, desde o tempo de Noé até ao
Do parque é que só elogios ha a fazer; que eu, ainda as¬ de D. Manuel, para lh’o mandar illuminar pelo mór homem
sim, desejaria vêr por lá mais algum pedregulho á mostra; d’aquella arte que havia em toda a Europa: — Simão, mo¬
mas, deixal-o, comparem-seaquellasvegetaçõesluxuriantes, rador em Bruges, no condado de Flandres.
aquellescedros, pinheiros, castanheiros,aquellasjaponeiras, Segundo umas notas, autographas, de Francisco de Hol¬
rhododendrons e fetos, com a pequena horta dos frades, landa, n’um exemplar do tomo 1 da terceira parte das Vite,
feita com terra acarretada de longe e lançada entre os pe¬ de Jorge Vasari, edição de Florença, 1568, exemplar que
nhascos. É verdade dizer-se que os frades tinham um es¬ hoje pertence á Bibliotheca nacional de Lisboa, — Simão
pesso pinhal proximo do convento; mas d’elle nem existem de Bruges illuminou desenhosde Antonio de Hollanda, por
hoje vestígios, nem nas muitas estampas que tenho visto ordem de D. Fernando. E, portanto, de crer que fosse
da Pena, se enxerga similhante bosque. d’este artista o debuxo a que Damião de Goes se refere.
E, a proposito de estampas, deixe-mevoltar ao bom ca¬ Da Genealogia illuminada por Simão de Bruges, existem
minho, que já vou descarrilado ha muito. actualmenteonze folhas, no British Museum. Por essesfra¬
gmentos, vê-se que constituía uma serie de retratos de um
altíssimo valor historico e artístico.
As gravurinhas que acompanhama sua carta, e que, por Figanière, que no seu Catalogo dos manuscriptosportu¬
signal, são de appetite,reproduzem dois desenhos,que pos- guesesexistentesno Museu Britânico ', descrevelargamente
sue o meu distincto amigo Augusto Gomes de Araújo, em essas onze folhas, diz que as illuminuras parecem de diffe¬
cuja mão estão muito bem, porque é bom apreciador de rentes artistas.
arte. É possível que sejam; mas, se porventura se refere á
Representam elles a Pena como era nos últimos tem¬ Genealogia, como tudo faz suppor, o que Damião de Goes
pos dos frades, ou pouco antes das restaurações de el-rei escreve n’uma das cartas, que em agosto de i 53o, dirigiu
D. Fernando. Não os vi (os desenhos, os frades ainda me¬ de Anvers ao infante D. Fernando, é certo que, pelo me¬
nos), nem mais nenhuma indicação tenho a seu respeito; nos, havia intenção de que o livro todo fosse illuminado
mas, comparando as gravurinhas com outras varias gravu¬ por Simão de Bruges.
ras, lithographias, aguarellas e desenhos que possuo, tudo Eis o trecho:
vistas da Pena, encontrei, que elles, os desenhos do sr. 2 mestreSimão,emserjá desfeitode quantas
«Eu tenhoimposto
Araújo, sem duvida alguma foram os que por lithographia obrastinha,e nãoquerertomarobradeninguém, porlheterditoque
sé reproduziram na collecção intitulada: Croquis de Cintra teráassazquefazer,n’estelivro deV. A., emdousannos.Elle espe¬
dessinésd’après nature et lithographiéspar C. neB., onde ravaagorapor tresou quatrofolhas,domenos,e nãoveiumaisque
occupam as folhas segunda e sexta.Foi esta collecção feita uma;peloque,estámuimalcontentedemim.Eu o sustenho compa¬
lavras,porquecreiaV. A. que,sese embaraça comoutrasobras,que
em Lisboa no anno de 1840 e as lithographias saíram da fimdo livro; e por isso,vejaa maneiraquen’isso
nunca jámaisfaráa
officina de Manuel Luiz. querquesetenha3.»
São os desenhosreferidos originaes de C. neB.? não sei,
nem me parecemuito facil a averiguação,porque, não tendo Giovanni Francesco fattóre), que por esse tempo se
(il

esta senhora assignado as lithographias, não é provável encontravaem Bruges, aonde mandára Leão X para tra¬
o

que tivesse posto seu nome nos desenhos. tar da execução de umas tapeçarias segundo cartões de
Raphael, tendo visto os desenhos de Antonio de Hollanda,
que Simão de Bruges colorir, fez outros em competência,
ía

Cumpri com o que o meu amigo D. José Pessanha de¬ aos quaes artista flamengo preferiu os do nosso desenha¬
o

notas.Francisco
sejava? Não me atrevo a suppol-o. O tempo de que podia dor. Conta-se estefacto numa das referidas
agora dispor foi curto, a meia du\ia de linhas não me saíam
da cabeça, e estas duas causas, juntas á insufficienciapró¬ Pag.268 276.
3 2 1

Isto enganado.
é,

pria, produziram a semsaboria que acaba de ler. Olhe, de


Torre doTombo— Corpochronologico, parte maço45,doc.107.
1,

uma coisa 0 livrei eu: das descripções. Isso, a respeito da


outracartatem n.°it Ambassereferema trabalhos artísticos
3
o
A

e
Pena, é só para poetas, nem para todos. encommendados naFlandrespeloinfanteD.Fernando,porintermédio
Aldeia,14deagostode 1894. deDamiãode Goes.Juromenha fezumrápidosummario d ’essesdois
A. BRAAMCAMP FREIRE. (V. Raczynski,Les artsenPortugal,pag.209.)
valiososdocumentos.
42 ARTE PORTUGUEZA

de Hollanda comprazia-se em enaltecer, o maior numero pinx. hoc opvs Florentie. A. D. M CCCC XXXXVIL

L
de vezes que podia, o mérito de seu pae. M. Ivlii», —o caracter accentuadamenteclássico italiano

e
Antonio de Hollanda fez emToledo o retrato de Carlos V; de toda obra tornaria bem pouco provável sua atrribui-

a
e tão satisfeito d’essetrabalho ficou o imperador, que não ção Antonio de Hollanda.

a
só instou com o miniaturista para que se estabelecesseem erudito escriptor francez, — que tanto amou tão bem

e
Castella (ao que elle se recusou, preferindo, no dizer de serviu nosso paiz,— traduziu, certamente,os setepor

le
seu filho, continuar pobre em Portugal a estar considerado septième, por isso no seu bello estudo affirmou que An¬

e
e rico n’outro paiz), como, annos depois, ao receber Fran¬ tonio de Hollanda illuminára sétimovolume da Bíblia.

0
cisco de Hollanda em Barcelona, declarou-lheque ninguém Creio ter sido esta origem do erro de F. Dénis, porque

a
o retratára melhor, — nem o proprio Ticiano. logo no começo do capitulo consagrado Biblia, sabio

o
A rainha D. Leonor de Lencastre, D. Manuel e D. João III escriptor cita artigo da Revista universal lisbónense.

o
estimarame distinguiramAntonio de Hollanda. A trabalhos Antonio de Hollanda morreu entre 553 1571;porquanto

e
seus para aquella sympathicaprinceza e para os dois mo- numa carta de seu filho Francisco Miguel Angelo, es-

a
narchas, referem-se as passagensseguintesde um dos va¬ cripta de agosto d’aquellearmo', diz nosso artista:_

5
a

o
i
liosos escriptos de Francisco de Hollanda: «Mio patre, Antonio d’Olanda, si racomanda

la
S. V.

a
con essome ensieme»; no seu trabalho Da fabrica que

«
«Serve(o desenho)
emas imagens doslivrosilluminados,
assido
missalcomodetodosos outroslivrosdo altare coro,quedevemser falece cidade de Lisboa », que tem data de 1571, es¬

a
feitoscomgrandedesenho comofezfazerEl Rei creve no capitulo vii: —«... meu pai Antonio Dolanda,
e cuidadoe discrição,
DomManoel,vossobisavó,a meupaiAntonioDolandao breviário, e também que Deus tem ».

2
a RainhaDonaLianor,molherd’El ReiDomJoão assiparaseuuso quanto se sabe do exceilenteilluminador.

II,

O E
devação,comoparasuascapellas...1»
e

qualificativo de Cyrillo Wolkmar Machado.

é
«Pode-oservir desenho, ao rei)emascousasdo serviçodesua
é (o

Essacartafoi publicada na Vila di Michelangelo,

1
deGotti,vol.
real pessoa,como emo desenhodo cetrode seureino,éomofez pag.

i
246 247, reproduzida pelosr.FranciscoMariaTubinona sua

e
meupai El ReiqueDeustem,deumabarrad’ouroquetirouAires memóriasobreEl renacimiento
a

pictóricoen Portugal,etc.,insertano
do Quintaldeumaminaquedescobriu, dequedesenhou o sceptro. .. « tom.viudo Museoespanol deantiguedades,pelosr.JoaquimdeVas¬

e
concellosa pag.1 65 166doiv fascículodasuaArcheologia

e
artística.
Pag. da ed. crit. do sr. de Vasconcellos.

2
Logo adeante, diz Francisco de

J.
i
Hollanda que seu pae elle haviam
e

José PESSANHA.
feito, «com muita discrição cui¬
e 5 e

dado», os debuxospara os . Tho-


«

mês» «S. Vicentes» d’ouro para


e

outros pardaos .
3

Ferdinand Dénis, no seu estudo EMPEDRADOS E AMOSAICOS


sobre illuminura em Portugal, pu¬
a

S.VICENTE blicado frente da reproducção


á

Moeda deouro,deD.JoãoIII chromo-lithographicado Missal de


Estevão Gonçalves, affirma que COMMISSAO executivada Ga¬
o

sétimo volume da Biblia dos Jeronymos foi illuminado maraMunicipaldeLisboaresolveu,


por
Antonio de Hollanda. erro, originado, hapoucosdias,qued’oraávante se
É

provavelmente,nou¬
tro (menos desculpável,sem empregue sempre empedrado

á
duvida) do abbade Castro. portugueza naconstrucçãorecon-
Este escriptor, occupando-se da Biblia num

e
artigo im¬ strucçãodospasseioslateraesdas
presso no tomovii ào.Revista universal lisbónense
(pag. 249), ruas.
diz que os setevolumes daquella obra foram Faz muito bem commissão;
illuminados

a
por Antonio de Hollanda. E, como fundamento,cita nósentendemos quemesmo alguns
uma
passagemdo tratado «.Dapintura antiga», de Francisco de passeioslateraesdaAvenidadaLi¬
Hollanda (pag. 55 do livro de Raczynski Les arts berdade poderiamserrevestidos do
en Por¬ empedrado meudo,quedá fugafacilásaguasdachuva,e senãodes-
tugal). Ora, passagemadduzida uma az em fina
a

dos poema. Os betons


é

relação illumi- têemestes inconvenientes. Ousamos


nadorescelebresda Europa (independente
cTaquelletratado), pedir commissao quemandeornamentar
á

os empedrados (trabalho
relação em que Francisco de Hollanda, depoisde seu pae, de quese executabemaquina capital)comdesenhos fundados emele¬
Julio deMacedonia de mestreVicente, inclue, mentosde ornamentação nacionaes. Seriainteressante um concurso
e

sem lhe citar detaesdesenhos paraos


o nome, «o que illuminou os livros que el-rei passeios d asruas, avenidase praças.
que Deus tenha empedrado
O

portuguez um derivado directodosmosaicos


é

em sua santa gloria deu Belem, que roma¬


vieram de Italia». nos. - nota\el comoseperdeuentrenóso usodosfinosmosaicos
a

an-
Portanto, da própria passagemcitada pelo abbade tigos,compostos depedras quadradas, dediversas
Castro, côres depequenas
e

se conclue, com segurança,não só que


Biblia não foi illu- dimensões. Agora,começa-se a trabalhar n’essegenero.
a

minada por Antonio de Hollanda, mas que No estrangeiro, estárevivendoo usodosmosaicosá antiga;alguns
veiu de Italial
Demais, ainda quando as palavrasdo nosso artista estabelecimentos públicosde Londrestêemos pavimentos dosrez
escri¬ ao revestidosde mosaicosimitandoos romanos,empregando
e

0
c

ptor da Renascençanão fossem tão


concludentes, na por¬ quadrados de pedra,de centímetro
e

delado. pedra
1

apparelhada
A

tada do sétimovolume da Biblia se não lesse nascasas correcção;porqueestes


o e

«Floren. Man. mosaicosperdemmuitodasua


Da scienciado desenho, ezasen cortadosá machina, ficandoosquadrados
*

pag. da ed.criticado sr. Joaquimde perfeitamente


8

Vasconcellos. eguaes;aspequenas desegualdades


(Fascículovi daArcheologia dão-lhesmaisvida caracter. Em
e

Pag.11daed.cit. artística.) Ransos mosaicosá byzantina,


4 3 2

veneziana, estãosendomuitoempre¬
á

Pag.12daed.cit. gadostambém.
Em trabalhomaisrecente(Noticiadealgum Nós que temos,an,osmodelosde
livrosilluminados, n esteponto;no casa,não seguimosa tradição

,

etc., Lisboa,1860),affirma,com leveza musendasJanellasVerdeshamuitosexemplares’ de


egual,o abbadeCastroque mosaicos
Franciscode Hollanda,na citada do Algarve de Mertola,algunsde
e

relaçãodosfamosos illuminadore)da o artistaromanosoubeaproveitar muitascôres,porque


Europa,ciamestre Vicente,de Roma,comoanctordaBiblia singularvariedade de mármores
a

quetemosno paiz.
ARTE PORTUGUEZA 43

deselvagens, queprovavelmente algumgoverno galardoou, por tãohe¬


SANTARÉM roicofeito,comcartasdeconselho, ououtrostitulosdosqueprovocam
o risodagentesisuda,e sãoasdeliciasdainclitanobrezahodierna.
convento deS. Domingos, com suaigrejasumptuosa, ondevi¬

a
O CLAUSTRO E A IGREJA1)0CONVENTO broueloquente vozdeFr. Luiz deSousa,filhodeSantarém gloria

a
DES.FRANCISCO

e
A SEPULTURA dasnossas l ettras,d euparatudo.Dasacristia fizeram umtheatro, no
DE PEDR'ALVARES CABRAL
qual,paracumulodo sarcasmo, representaram, em1847,0 Fr- Luif
deSousa,deGarrett. claustrofoi transformado empraçadetouros,

O
atéqueresolveram arrasardeumavezigreja convento, construiram

e
no mesmologar penitenciaria districtal.

a
ANTAREM, o sempre emiobrecido Sca- Vaetudoabaixo Nadarespeitao camartello destruidor,quemenos

!
labicastro,berço e tumulode varões impioseria,reduzindoSantarém cinzas,emvez de mutilar,de

a
illustrissimos,
apesarde tão outra do escarnecer, estampando-lhe nasfacesascicatrizes maisprofundas.
quefoi,dalanguidez e daruinaemque E tagarela-se por ahi de tradiçõesgloriosas, quandonenhumres¬
a prostraram o vandalismo,a ignorância peitopraticose manifesta pelo passado, pelahonradaherançaque
e a cubiçademuitos,possueaindaal- constituía o maisluzidobrazãodanacionalidade portugueza!
gunsvestígios dasuapreterita grandeza, Umpreciosomonumento, quetemprendidosemprea minhaatten-
que interessama quemse proponha ção, igrejade S. Francisco,apesardo estado que deixaram

é
a

a
estudarconscienciosamente a historia chegar,ou talvezpor issomesmo.
monumental do paiz. Datadaultimametadedo séculoxma suaconstrucção.
O querestaépouco,e mutilado, car¬ Antesdeprofanada, eraexemplar unicoemPortugaldo estylode
comido,ou,peiordoquetudo,injuriado transição, queos francezes, comM. de Caumontá suafrente,deno¬
pelasrestaurações inconscientes. minamroman,parasignificara suaorigem,produzidapelaalliança
Estapérolariba-tejana,comos seus entre architectura latina byzantina. Esteestylo,quepredominou
a

e
a
palacios,os seusconventose as suas nomeio-diadaFrança,imitandoosmonumentos romanos, pódedizer-
muralhas, eraa povoação dacruze da seogivalprimárioou lanceolado, sobretudo nosxu xm séculos,em

e
espada. Pelasuasituação topographica, que ogiva voltainteirase empregavam promiscuamente, bem
a

e
foi sempreconsiderada um pontoestratégico importante; a
e d’ahi,a como arcoemfórmadeferradura.E velhogothico.
o

o
rasãodehaversuccessivamente abrigadonoseuseiodifferentes raças, N’estaigrejaapparecem bemdefinidosos caracteres d’essetypo,
bemcomode a teremescolhidopara centrode suasoperações os taescomo:botaréus;fachada muitosimples;portalcommolduras de
povosinvasores dapenínsula. lavoressingelosaté base, terminando superiormente por umarco
e
á

Testemunho irrefragavel dodominioromanoeraatorredoAlporáo, semi-circular; tympanoliso por cimadaverga,e um espelhoaberto


vetustomonumento, quetantasgerações acataram, atésermandada na extremidade da naveprincipal.Entrando,deparam-se-nos as for¬
demolir,parapoderpassaro cochereal,que conduziaD. MariaI, mosasarcadas, os grossospilares,comfeixesde columnas cylindri-
e

quandoestasoberana visitouSantarém nosúltimosannosdo seurei¬ cas,delgadas curtas,esculpidas inteiriçasna mesmapedra,susten¬


e

nado.EntreessatorreeadasCabaças apertava-se
o transito,eo prove¬ tandosobreas suasabobadaso coro,actualmente isoladoda igreja
dordacomarca, naturalmente poraversão concentrada desdeosbancos por umaparedetosca.Estaobra,do maispuroestylo,foi feita ex-

a
dauniversidade contraa historiado direitoromano,ordenouqueres¬ pensasdo reiFernandoI paraseujazigo,masnomeiodaigreja.Com
,

peitassema segunda torre,monstrodepedra,cujonomerecordauma o fundamento dequeempeciaa claridade do templo,mudaram-o, em


tradiçãograciosa, mascaustica parao encephalo dosenado santareno. 588parao logarondeestáaopresente, reduzindo-lheseucompri¬
1

o
,

A dominação arabeé confirmada por doiscapiteismusulmanos, que mento,e collocandoo tumulodo seurealfundadordemodoqueti¬
seguardam no museudistrictal,estabelecido em S. João deAlporão, veramdetapargrandepartedo espelhodo frontispício, ficandopor
e foramencontrados no palacioqueos condesde Óbidostiveramem issodefeituosafachadae sacrificada bellezado oculo.
a

Santarém. Houvesemprevandalos emtodosos tempos.


A porta da Atamarma, arcotriumphaldo fundadorda monarchia, Dovastoalpendre, quefigurava umvestíbulodeantedaportaprin¬
e decertoo maisnobremonumento dana¬ cipal, ondefoi juradorei D. João quandoseupae, impávido
II,
e

ção,nemessaresistiuá insaniada epocha, vencedor damusulmana Arzilla,estavaemFrançaservindo dejoguete


e lá foi arrasadaporumavereação composta nasmãosdo velhacode Luiz XI, não existerasto,nemsignal.
E
o
corpodaigrejaserveactualmente de cavallariça!
"I r Abstenho-me defazercommentarios, comocatholico,a esteatten-

-"
tadotorpíssimo contrao sumptuoso templo,e queno dominiodaarte
Lí>jÉai rlcjffç comera ofoial representa umaprofanação própriaunicamente deumpovodebárba¬
ros. Pódeatécertopontojustificar-se a mudança do côro; destino
-
o

dado igreja,não.
á

Salvou-se0 maiordos dois claustros, quetinha convento;mas,


o

ÃTdvttn tohç tjnaiÉL paraajuizar-se do seuestado,bastasabercomolhe trataram0 pavi¬


mento.Era esteformadopornoventae duascampas, "quefechavam
uAv nu P% tp^entoç outrastantassepulturas, conforme indicavam os epitaphios alli grava¬
e,

dos: querendo-se evitarqueos cavallosdeum corpodecavallaria,


aquartelado n o convento, e scorregassem, ao passarpelo claustro,
rrfcjccma -nume .
arrancaram aospedaços aslagestumulares atiraram aoventoascin¬
e

zasqueellascobriam!
jco

Nãopodémos averiguar quemforamosarchitectos queforneceram


ueuflfaV h^acvjv os planose presidiram construcção, querdaigreja,querdo claustro.
á

Anteriormente aoxiv aténoxvséculo,eradiminutoo numerodosar¬


e

chitectos.afamados. Duranteesseperiodoeminentemente catholicoda


Edademedia, nãohaviaindividualismo, paraassimdizer: vida,osbens,
a
jro

asesperanças, os pensamentos,alma, geniodosreligiosos emsuas


Aj)

o
n

up Awccjha ftnjpn
jt»

congregações, pertenciamcommunidade. A igrejadavaaosartistas lei¬


á

gosoccasião meiosdeexerceremsuaactividade seutalento;sen¬


e

e
a

o
Iff

tmplo^icucancç do,porém,ellaquemdeterminava asformasdosmonumentos sagrados.


1

estesmonumentos eramessencialmente populares,porquerepre¬


E

^ sentavamfruetodotrabalho, dossacrifícios, dasdoações dasesmo¬


o

uaíep|ü las do povo,quelheschamava casadeDeus,reconhecendo n’elles


a

suaprópriacasa.
a

âiuAxqs.fecrih) ouiuntb ojpnnto;- Eramegualmente obrasde genio, c omo attestamas cathedraes


o

doséculoxm,ondetodasas manifestações daArtesedisputavam pri¬


Primeirapagina doForalde mazias,e todasassciencias lhespagavam o seutributo.
í
44 ARTE PORTUGUEZA

E eram,ernfim,obrasdefé,poissómente afépodiaseraverdadeira
causadoseffeitosprodigiosos realisados pelaArten’aquelle secülo.
Quantas obrasdelicadas, nasquaes o piedoso artistaconsumia a
vida,muitasvezesatéa punhaemrisco,mórmente aoremataressas
torresmaravilhosas, quedespertam aindahoje a nossaadmiração, e
merecerão decertoa dasgerações futuras;quantas d’essasverdadeiras
obras-primas nãovemospelaEuropa,semum nome,umsignal,uma
s -
lettraquenosreveleo seuauctor,tal eraa intençãocomquetraba¬
htfz arfè

al
miy ptuir

u
lhava,pelaIgrejae paraa Igreja,unicamente!
Lamentamos, todavia,ficaremnoolvidoosnomesdosartistas,que
nabral tio iva oi
enriqueceram delavoresa igrejae o claustrodoconvento deS.Fran¬
JJabol

e
ciscodeSantarém.
O claustroestácolladoá igreja.Formaumquadrado perfeito,cujos
comi m,5o dealtura,tendoom,i6
raoíro jua mife niíaTWa

qJ
ladossãoguarnecidos de columnas CVVO e/

J
<voc^
dediâmetro
differentes
a secçãohorisontal dofuste,queé cylindrico,
unsdos outrosna suacaprichosa
eoscapiteis
ornamentação vegetal. raMla
cT
IpMiuuio rrna nm
«i

J
As columnas, agrupadas duasa duas,substituindo supportes monocy- aTT-Ç >
lindricos,ou pilastras, sustentam arcosogivaeslanceolados. Alegra-se roo
a vistaaopercorrerestasarcadas, semembargo deestarem já carco¬ tupi oriiojo >a inovlo ojjpii
midase truncadas algumas columnas.
Realisaram-se aquiasduascondições, que,naordemmetaphysica, inaryoosfoy ramarana inofi)a
sãoessenciaes á producção do bello: a symetria e a eurhythmia, sem
as quaesa unidadenão existe.A ultimatendea desapparecer n’este
bfankoona
-
c-f — _ inaryaTOlia on

ê
claustro;masencontra-se lá o bello,apesar d’isso,comonaigreja,onde

6
^
m

r
n
ambasfaltam.
Na igreja,a imaginação, empresença dasruinas,refaza unidade,
00 juaii
no|o (noujimrpj
quebrada peladevastação maisaindado que
pelamãoimplacável
criminosadoshomens,
do tempo.Reconstroe completamente o edifício; roVjir nona
admira-odepois,quandojá lhevê assuastresnavesamplas, emque
o dividemgrossase altascolumnas, cujofuste,emvezdecylindrico,
tempor secçãohorisontalumpolygonoregular,sendoboleados com
egualdade osverticesdetodososângulos;ornamenta oscapiteisdes¬
tas columnascom lavoresde folhagemvariadíssima, imitandogros¬
seiramente oscorinthios, e misturaa faunacoma flora,emoutrasdas
columnas quecontribuem paraa magnificência dascapellas;colloca
osarcosgrandiosos queseelevavam aosladosdanavecentral;impri-
me-lhe,ernfim, os caracteres do estylode transiçãopuro;restitue-lhe
assuasprocissões demonges, seumysterio, seuscânticos nocturnos;
enche-odefieis; ouvelá dentroa palavrado oradorsagrado;resta¬
belecea unidade.A bellezamoralimpressiona maisdo quea belleza
artística,n’essagranderuina,queéumagrandelição;liçãodajustiça


deDeus,donadadohomem, do tempoquepassae daeternidade que
permanece.
No claustro,é também a imaginação quevêo pateoajardinado; as Forambaldados os nossosesforços,e continúano esquecimento


florespurificando como seuaromao ambiente, harmonisando-se com sepulturadoegregionavegador, quetantohonrou patria,tentando,
a

a
a ornamentação dasarcadas, e recreando a vistados cenobitas, que comoBartholomeu Dias VascodaGama,umcaminhotambém
e
novo,
passavam alli horasdeexercícioe derecreio,ou meditavam sobreos com differençade que estestinham certezada existênciada
e a

a
tumulosdeseusfallecidosirmãos. índia, Pedr’Alvares Cabralfoi por maresquasitodosnuncad’antes
navegados, arriscou-sea outrosabysmos insondados,anteviuoutro
* mundonuncafallado,evocou-o,paraassimdizer, recebeu-o como

e
* * dasmãosdo Creador; que porventura,
é,

maisgrandiosoe sublime
o

ainda!
Um bello exemplardo estyloogivalsecundário, ou gothicomo¬ Ninguémouviua nossavoz.Não por serdebil modesta, como

é
derno,conformea classificação de M. de Reiffenberg, é a igrejada na realidade;masporquen’estaanarchiade idéas,n’estafolia de
Graça,que pertenceuao extinctoconventodospadreseremitas de theoriasphilosophicas sociaes,levadasao extremo,e encontrando
e

SantoAgostinho, fundadoem 1376. adeptosparatodosos absurdos; n’estasêdeinsaciávelde gosar de

e
A fachadaprincipalenleva-nos como seugrandeoculochamme- fazeralardoderiquezas; no meio,ernfim,d’estaembriaguez dapolítica
jante,deprimoroso lavore deumasópedra;comassuasarqueaduras malcomprehendida, quetemenervado mortalmentesociedade por¬
o a

fingidas;como seuportico,ernfim,decolumnas embebidas emparte tugueza,o amorsagradoda patria umachimera,e sacrifíciopor


é

naconcavidade decalhasdecantaria, queparecem feitasparaenvolver ellaumaloucura. queellafoi, queella o que elladeveriaser


O

é,
o

decimaa baixofustescylindricosde maiorgrossura,, sustentando os sempre, estaterraillustreondenascemos,ninguém importa;porisso


a

seusquatrocapiteisdecadalado,ornadosde folhagens, arcosperfei¬ nãoestranho queseesqueçam demaisum homem,por cujasfaçanhas


tamente ogivaes. Portugalviveráeternamente nahistoria, atéquedeixemdesabar um
e

Estaigrejaencerraos restosmortaesdePedroAlvaresCabral,cir- dia


monumento quelheservedemoradaultima,paraqueninguém
o

cumstancia essa,quedeveriacontribuirparaserconsiderado umdos ousemaisfallardeseusdespojos


monumentos maisrespeitáveis venerandos.
danaçãoportugueza. Pobrepaiz!Nãomeindignocontraelle,quetudoconsente;
Ha dozeannos,dissemos lastimo
queaquellegigante,aquelleheroe,que suaindifferença,compunge-me suadegradação moral.Entristece-
a

nãoassolounações,nãoassassinou povos,nãoderruiuimpérios,mas mequeelle estejapreparando tão mal geraçãode ámanhã,e que


a

dilatoua fé,a riqueza,o mundoe a civilisação, descobrindo o Brazil nemesperança


—parater umarasacampa,que lhe resguardasse possater de queespíritosalevantados, coraçõesfieis,
as cinzasapósa vontades energicas, sublimes,
morte,esperouqueo amorconjugal, dedicações surjam,benemeritas,resga¬
a

vagarosa e modestamente, lh’a tai o doaviltamentoque fizeramdescer.


a

preparasse.
A par da Fé, para restabelecimento da qualumaboaparteda
o

Diligenciámos persuadir o paizdequedeviavindicaresteabandono


e levantar, nação,favorecida pelospropriosexcessos do erro,pareceter come¬
juntodaossada do grandealmirante, quedescobriu a vasta çado encaminhar-se,Arte deveráe poderáser,quandocultivada
a

regiãoondetemosmilharesdeirmãosquefaliama nossalingua,
que comprudênciae zêlo,um dosprincipaeselementos da nossarege¬
professam as nossascrençase veneram as nossasmesmas tradições neraçãomoral. convicção
da*

minha.
É

—um monumento dignoda sua memória,do seu exemplo sua


virtude dasuagloria.
e

Lisboa, . ZephyrinoBRANDÃO.
8
5
g
i
ARTE PORTUGUEZA 45

planoeditorialdo cardealSaraivanão comprehendia, porém,

O
MÍNIMA dicta do códice; assimtemosque estampa,
todosos desenhos que

o
a
e
sr.Vasconcellos nosindicasobn.°19nasvaliosasannotações dasua
ediçãoda Fabrica,temo n.°18nasreproducções do doutoprelado.
(SOBRE ASIt.LUSTRACÕES DEFRANCISCO DEHOLLANDA! Essasreproducções, feitaspelosprocessos dalithographia, naofficina
daAcademia, deixavam tudo desejar;nãosepódeencontrar docu¬

a
mentoquemelhorassignaleedade, iamos dizerprehistorica, d’uma

a
a
arte.
Comtudo,anteriormente tentativaephemera do cardeal, se


á
haviachegado, em definitiva,a tratardasillustrações da Fabrica,

a
tempoemque lithographia, d’ahi poucoinvasora, nãohaviaainda

a
a
sobrepujado naturalisadissima artedegravaremcobre.A semente,

a
AS suascuriosissimas lançada terrapelosesforçosdemonsenhor FerreiraGordo,nãofi-

á
monographias sobrea cárade todoesteril,nemos seusenthusiasmos isolados;provas,

a
historiadaArteportu¬ estampa queintercallãmos (n.°18, que,hapouco, nosreferimos, da

a
gueza, coubeaosr.Joa¬ ediçãoSaraiva) interessante officioquepomosdeante doleitor,com

e
o
quim de Vasconcellos pergunta do nomedoartista, quemSantosMarrocosserefere:

a
a
a gloriade ter chama¬
Ill.moSnr.D.orAlexandreAntoniodasNeves.—Tenho honra dedirigirPresença de

á
a
do, primeiroquenin¬ V. S. collecção deEstampas relativasobra Dolanda,
deFrancisco queporcopia lhe

á
a
guém, modernamente, a foiremettida emtempo anteriorporestas
Rcaes Bibliothecas,
cmcumprimento recom-


queporV.S.amefoiparticipada

3,
e mendação, emcartade22deJulhodeiSi que pro¬

c
attenção denacionaes
Ex.mo Approvaçáo deS.Mag.con¬

e
videnciou fallecido Snr.Marquez deAguiar com

;
o
estranhos paraa activi- cluindo-se agoracopia Estampas,
dasditas emrazãodeoutros objcctos
doRealServiço,

a
—Deus guarde aV.S. pormuitos annos.—

a
dadeartísticadeFran¬ dequetem sidoincumbido mesmo Artista.

o
Bibliothecas,
28deSetembro de1817.—Soucom todoo respeito—De V.S.aM.


cisco de Hollanda,o Reaes
obseq.® V.orSubd.® C.—Luiz JoaquimdosSantos Marrocos.

e
famoso auctordosDiá¬
logossobrepintura,da Pódeasseverar-se comsegurança queforamfeitasas chapasem
Fabrica quefallece à cobre,posteriormentedatad’estacommunicação official;attestam-

á
cidadede Lisboae do no nossagravura,bemcomoduasoutrasque encontrámos nos
a

celebrado Livro dede¬ bellosálbunsdo eruditissimo escriptor,rev. ProsperoPeragallo,

a
buxos,quedesdeo dominiofilippinoseguardaentreaspreciosidades quem, simplesvista,as indicámoscomopertencentesseriedos

á
á

do Escurial,ondetemsido examinado, de ha muito,a começardas debuxosdaFabricaquefallece cidadedeLisboa.

á
excursões officiaesde Monsenhor FerreiraGordo,semtodaviaparar Sãoasseguintes:
nas investigações officiosasdo sr. CruzadaVillamil,que o estudou N.®XXVII
comlouvávelcritérioe amplaminuciosidade depormenores, emcon¬ Lembrãça do Sacrarioondehadestar Cvstodia'.

a
([

ceituadas dissertações sobrea Artehespanhola. N.® XXVIIl’


A tradiçãodaintimidadeentreHollandae MiguelAngeloachase Da Cvstodiado S. Sacramento formadehü coracãodetoda

ê
([
já,

de todoo pontocomprovada nos Diálogos,assásconhecidos no Sãta CatólicaYgreia.>J<


e
a

textodo conselheiroJ SilvestreRibeiro,publicado,semduvida,


a
.

reboquedasdivagações do abbade Castroou das traducções insatis-


factoriasdeRoquemont, definitivamente rectificado pelosr.Vascon¬
e

cellosna Arte portuguesa, vol. unico.Ao incansável investigador


e
I

portuensese devetambéma vulgarisação de uminapreciável docu¬


mentopara historiadas relaçõesdos doisartistas,no trasladoda
a

cartaque Hollandaescreveua MiguelAngelo,deLisboa,aos de


5
i

agostode 553 cartana verdadereveladora damaisextremosa de¬


,
i

dicaçãodo nossoartistaparacom grandeMestreda Renascença


o

italiana.Detalsentimento nasceu, comcerteza,o retratodeM.Angelo,


feito por Hollanda, existenteno Livro de debuxos. Dalli toma¬
o
e

ram publicações especiaes, entreellaso opusculo—Unerivalité


d’artistes a u sièclexvi,de EugênioMüntz,apreciável plaquet te,onde


infelizmenteretratoappareceu sem maisligeiranotaouexplicação
a
o

ácercado seuauctor, apenascomoumaeffigiedeM. Angelo,archi-


e

vadapor contemporâneo do gloriosoartista.Em Portugal,essere¬


trato,apenasconhecidopor umameiaduziadeamadores,umano¬
é

vidadeparaquasitodo publico;por isso, comohomenagemum


a
e
o

patriarchas da Arte portugueza, archivamos


o

dosmaisalevantados
naspaginasd’estaRevista.Mas,alémdareprodução dopreciosode¬
buxo,queum criticofrancezrelacionou comocomposição parafundo
estasbreveslinhas
;1

de umprato,outracuriosaestampa acompanha
essadá-nosensejo pequenas noticias,q ue sr. JoaquimdeVas¬
o
a
e

dehaver llujut
JLtluíMfí/Iu KfhJ»*JTcéZcTxx.uij.VjtmJiuitLavk V/t»
concellosdesconheceu,que tambémnosnãolembramos JUJi.J. lituJut fxayo
e

m fflrti, Ptxat vúf-


,

encontrado nostrabalhosdo condedeRaczynski.


illustradoinvestigador portuense, citandoumaprojectada edição
O

dada lume obradeHollanda,concluída porven¬


da Fabricaquefallece cidadedeLisboa,enuncia,deconformidade Porquenãofoi
a
a
á

depessoadetodo credito», que director tura,comoseachava, a parteartística,que,nosúltimostempos, tanto


verbaes
o

com«informações
o

marquez deSousaHolstein, c hegáraa temestorvadoa promettida edição acadêmica?O seunãoappareci-


dessapublicação, acadêmico
o

de algumas dasillustrações do códice.Ha ma¬ mentopódeexplicar-se pelasvicissitudes danossaexistência social,


realisar estampagem
a

muitosdos debuxosda depoisde 1817,e acaso perdadaschapas—de quena Academia


a

nifestoequivoco;quemchegou estampar
a

menorvestígio queFr. Francisco de San Luis não co¬


Fabricaquefallece foi cardealD. Fr. Franciscode SanLuiz, em não ha
e
o
o

dasScien- nheceujá— se devedeterminarpelo tempoem que condede


o

838ou 1839, n’umadasmuitastentativas que Academia


a

exilio,regressando a Lisboa
daFabrica,tituloque,como sabido, Lumiares,depoisde um dolorosissimo
i

ciastemfeitopara publicação
a

occupado
comqueHollandapretendeu na divisãodo duquedaTerceira, achandoo seupalacio
e

subentendeplanogeralde edificações
o

sum¬ pelaAcademia, qual governo deD. Miguel presenteára paraas


o

deedificações
á

transformar Lisboa,noséculoxvi,accumulando-a degrana¬


de artista essa suasinstallações,fezevacuará frentedeumacompanhia
o

ptuosas,com suaexhuberante vívidaphantasia


d
e


a

deiros.Livros,empregados, collecções, papeis, m obiliário tudofoi


grandeepocha, de artistaao serviçod’umacôrtequepor demais
e

commungava no movimento europeu.


Devidoamabilidade dosr.Peragallo,podémosillustrarnossa com
inicial uma
1

a
á

auctorrefere-segravuradapagina (N.daR.)
seguinte. copia gravura.
d’esta (N.daR.)
O

á
46 ARTE PORTUGUEZA

e trabalho que tinha tido em suas obras. Eis a norma do


documento:
«EuEIReyfaçosaberaosqueestealuaráuiremqueeueypor bem
fazermercea PeroNunezTinoco,meuarchiteto, docargodearchiteto
dasobrasda igr.ade sãoSebastiaó e saóVicentede fora,queuagou
perfalesimento deBaltezarAluares,propietariodo ditocargo,auendo
respeitoa sufisiensia,
muitacontinuasão e trabalho,queha tido em
minhasobrasquelheforaócometidas, e correrácomo dito cargoasi
e damaneiraqueo fasiaBaltezarAluarese hauerácomelleo mesmo
ordenado,mantimento, proese percalços,queBaltezarAluarestinha1
pelloquemandoaoprouedordeminhasobrase paçoslhedea posse
doditocargoelhodeixesiruirnaformaacimadeclarada, hauero dito
mantimento proese percalços,-e
asmaisjustiçase pessoas a quemo
direitodistopertensercumpraõ eguardem este,taminteiramentecomo
nelesecontem,0 qualeyporbemualhacomocartasemembargo da
ordenaçaõ emcontrario.Luis deLemoso fes emLisboa a dozede
junhode mil e seiscentosvintee quatro.SebastiaóPerestrelloo fes
espreuer■.»
O sr. visconde de Castilho, descrevendo amplamente o
historico mosteiro, diz que o tracista da reedificação do
mosteiro de S. Vicente no século xvi, fora Filippe Tercio
baseando-sena auctoridade do chronista fr. Nicolau de
Santa Maria. E accrescentaque o seu successor teria sido,
Qr~^tIT.l>T<un aCafttUa
f>a,„ i/oS SACRAMENTO
muito provavelmente, Leonardo Turriano. É apenas uma
hypothese, que suppòmos infundada. Se Filippe Tercio foi
implacavelmente lançadoá rua,como maiordesassombro,no torve- eífectivamenteo architecto, o successor immediato seria
lim davictoria,quenemá Academia RealdasSciencias
perdoava,
na Balthazar Alvares, seu contemporâneo,mencionado
propriedadedosseushaveres e no physicodosseusempregados. no do¬
cumentoacimacitado. Sentimos não ter encontradoo alvará
1894,25deoutubro. Joaquimde ARAÚJO. da nomeaçãopara este cargo, que assim ficaria resolvida a
duvida. A serie dos architectosde S. Vicente, de que temos
noticia documental,é a seguinte:
qarchitectos rortuguezes BalthazarAlvares
—Pedro-NunesTinoco, 1624
—João NunesTi¬
I mmw os TINOCOS noco,1640
—Luiz NunesTinoco—João FredericoLudovici,
1720.
Segundo informa fr. Manuel da Esperança, Pedro Nunes
AO se perpetuammuito entrenós as tradições Tinoco gosava entre os seus contemporâneosda nomeada
1 artisticas, e é doloroso registar que, tendo havido por de famoso architecto,e a elle se deve a
I vezes tentativas vigorosaspara implantar diversas artes reedificação do con¬
vento de Santa Clara, de Lisboa, de que hoje não restam
cy e industrias, essastentativasficassemestereis,sendonu- vestígios, tendo sido destruído pelo terremoto. Refere o
merosas e quasi constantesas soluçõesde continuidade chronista da Historia Serajica:
TJ
/ que se dão na historia da actividadeartística nacional.
® Conhecem-setodavia excepçõeshonrosas, «A obra foi suntuosa,& reformadadepoispelo estilo moderno
sobretudona parecequerepresenta
classe dos architectos, onde ha famílias, que conservaram umanovamaravilha. Em particularse veisto
na Igreja,a qual,despedindose o anno161
3, começoua despira sua
e transmittiram o fogo sagrado, formando, para bem dizer, formaantiga,reedificada
noutra,pelatraçadofamosoArchitectoPero
dynastias artisticas. Citaremos os Castilhos, os Arrudas, NunesTinoco,a qualobrouDiogoVazpor ordemda abadessa Maria
11,
de Jesu,comsingularartificio.»(Tomo pag.
qs Alvares, os Coutos, os Turrianos, os Frias, os Tinocos. loo*)
E d estesúltimos que hoje nos vamos occupar.
Em 1622,Pedro Nunes linoco foi Coimbra, expressa¬
a
Raczynski menciona apenas João Nunes Tinoco, Fran¬ mente,ao que parece, para realisar algumas obras no mos¬
ciscoTinoco da Silva e Diogo Tinoco da Silva. Do primeiro,
teiro de Santa Cruz. Duas provisões, de
29 de julho de

e
baseando-senuma communicação do abbade Castro, diz

9
agosto aquelle anno, dirigidas camara, mandavam
d

pôr
á

que dera o plano das novas construcçóes executadasem em lance as obras das pontes caminhos da
cidade, sendo
e

i582 no mosteiro de S. Vicente de Fóra. É absolutamente


ouvido ácerca do orçamento
traços d’estas da obra do
e

inexactò, como veremos abaixo.


caes, architecto Pedro Nunes Tinoco, que então
o

ao
ía
Raczynski, que tanto se serviu da Lista do cardeal Sa¬ mosteiro de Santa Cruz.
raiva, não folheou, comtudo, o seu additamento,e
por isso Outra provisão, de 10 de dezembro de 1626, dava
não incluiu Pedro Nunes Tinoco, de que alli se faz parte
abreviada aos officiaes da mesma camara da ida
menção. daquelle architecto,
para com elles ver as obras dos
Os subsídios que colhemos em diversos auctores e accrescentamentosdas
os pontes do Loureto, Rachado, Espertina, Cidreira
documentosque examinámos,levam-nosa ampliar o inven¬ Fornos,
e

que estavamimperfeitas, obra da calçada junto da fonte


e
a

tario e a biographia dos Tinocos, como passamosa


especi¬ dos couros, na direcção da barca dos
ficar. Palheiros, sendo logo
entreguesao dito architecto cincoenta cruzados, do cofre da
I imposição das mesmas obras.
Pedro Tinoco chegou eífectivamente,
Pedro Nunes Tinoco. — Parece ser o chefe da 29 de janeiro de
a

familia. 1627,segundoo auto que essefim se lavrou,


se achano
a

Em 1624foi nomeado architecto da igreja de S.


e

Sebastião Livro dasVereaçõesde 1626-1629, A-


e S. Vicente de Fóra, em 33. (Ayres de Cam¬
a

substituiçãode Balthazar Alvares,


i

pos, Doc. do cartorio da camara de Coimbra,


que havia fallecido. No alvará que o nomeia, diz el-rei pag. 63 64.)
e

que
attendia,para isto, á sua sufficiencia,e á muita
continuação D. FilippeIII, Doações,
liv.
o,

folio64,verso.
'

3
ARTE PORTUGUEZA 47

Pedro Nunes Tinoco, alem de architecto de el-rei, era-o


também do priorado do Crato, como se vê do seguinte
manuscripto. que existia na livraria do marquez de Castello
Melhor (Catalogo dos manuscriptos, n.° 55), e que foi arre¬
matado pelo sr. J. M. Nepomuceno, em poder de quem
está hoje:
Este livro temtodasasplantase perfisdasigrejasc vilasdoprio¬
radodocrato.feitopor Pedronunestinocoarchitecto delrein. S. e do
ditopriorado,anno1620.
Eis a sua descripção por folios:
1 Frontispício.
2 EgrejaMatrisdaVilla do Crato.
3 Egrejae paçosdeFrol daRosa.
4 Plantadospaçose EgrejadeFrol daRosa.
5 EgrejadeS. ManinhodaAldeadaMatta.
6 N. S.adosMartyresdo termodaVilla do Crato.
7 N. S. daLuz deVai do pezo.
8 S. Sebastiãodo Chamisso.
9 S. João Baptistade Gafite.
10EgrejadeTolora do termodo Crato.
11S. ThiagodaAmieira.
12Porfil e citiodaVilla de Belver.
13 S. João Baptistado Carvoeiro.
» N. S.ada Graçado Envendo(?).
14S. Simãodo Nesperal.
*>EspiritoSantodo Castello.
15 EgrejadeSarnachedo BomJardim.
16Logare egrejado parquedo BomJardim.
17EgrejadeN. S.ado Olivaljuntoa villada Cortiçada.
18Egrejamatrizdavillade Satan(planta).
19Porfil da mesmaegreja.
20 N.a S.ada Conceiçãodo Soeirinho. JoãoNunesTinoco,queatéagoraserve,selhedeuesteofficioporser
21Egrejada aldeiadaMatta,quesefas. filho do architectoPedroNunesTinoco,quecorreucomas mesmas
22 Egrejamatrizde Proençaa nova. obras,dequeestádeposseha muitosannos,e senãodeveV. Mag.' lc
23N. S."Dasumção do Gaviam. servirtirar-lheo officiopor seaccrescentar
apontador
denovo,queé
24 Villa do Pedrogoo pequeno. paraoutracousamuidiversa.» paraa historiadomunicípio
(Elementos
Seguem-se trespaginasdetextoe acaba:emLx.a 8 dejaneirode deLisboa,tomov, pag.240e seguintes).
1621annos.P.°NunesTinoco.
Na Academia de Bellas Artes existem dois preciosos do¬
Pedro Nunes Tinoco era fallecido em 1641, pois n’esse cumentos artísticos relativos a S. Vicente. Um delles é a
anno era nomeado para lhe succeder,na direcção das obras Planta do pavimento da igreja, claustros e mais officinas.
da igreja de S. Vicente, seu filho João Nunes Tinoco, de Assigna-a João Nunes Tinoco. Infelizmente não tem data.
quem nos vamos occupar em seguida. O sr. viscondede Castilho (Julio) reproduziu-ana suaLisboa
antiga, e, referindo-se ao seu auctor, commenta:
II «EraJoãoNunesTinocoarchitectocelebredo séculoxvn,e certa¬
mentesuperintendeu
na continuação
dostrabalhos.»
João Nunes Tinoco. — Filho do antecedente,como se de¬
clara no alvará de 8 de fevereiro de 1641, que o nomeou Os documentosassim o confirmam.
para substituir seu pae na direcção das obras de S. Vicente SOUSAVITERBO.
(Continua)
de Fóra. Eis o respectivo documento:
«Ev EIRey faço saberaosqueesteAluaráviremqueeu heypor
bemfazermercea JoaÕNunezTinoco,queporminhaordemestudou
Architectura,do cargodeArquitecto,e mestredasobrasdaIgrejade NACIONALISAÇÃO DOS ESTYLOS
SaõSebastiaõ e SaõVicentedefóra,quevagouporfalissimento
dePero
NunesTinoquo,seupay,propriatario quefoi do ditocargo,avendo (Concluídodepag.18)
respeitoa suficiência
e muitacontinuaçaõ
queteuenospapeisquese
lheencarregaraõ por minhaordem;e siruiráo dito cargoassye da
maneiraqueo faziao ditoseupay,e aueracomellesettenta milreis

@
À0 asprópriasnaçõesgrandes quenosdãofrequentes
deordenado cadaanno,queheoutrotantocomotinhao ditoseupay. exemplos e nos indicamo caminhoa seguir,quando
Pelloque,etc.ManoelFerreirao fezemLisboaaosoitode feuereiro se tratade conciliara modacoma prosperidade e os
de mil seiscentose quarentae hü annos.FernaõGomesda Gamao progressosdasindustrias nacionaes.
Haveráunsquinze
fezescreuer.Rey>». annos,as fabricasinglezasde chitas,cretonnes e ou¬
trasespecies parecidasatravessaram crisesevera.
Valeu-lhesa prin-
Houve ideia, por economia, de se tirar a João Nunes cezade Galles,dandoo
exemploá corteingleza,e iniciandoos ce¬
Tinoco o cargo de mestre das obras de S. Vicente, sendo lebresbailesde calicot,em quea chitae,a percaleeramtoilettede
substituído por um apontador, o architecto Francisco da rigor.Algunsannosantes,a Inglaterra,aproveitando a correntede
Silva. Consultada a camara, respondeu em 3o de agosto anglomania que,duranteo segundoimpério,dominava o gostovo¬
de i 65o, sobre este ponto, o seguinte: lúvel dos francezes,apoderava-se habilmente das modaspara uso
do sexomasculinoe, de entãoparacá,temsabidomantera vanta¬
«E no quetocaaoarchitecto, o parecerdovereador gemconquistada.
nãoobstante Annosdepois,e na mesmaInglaterra,formava-se
FranciscodeValladares,pareceuaosmaisministrosqueo architecto um grupode propagandistas, em que entravamalgunsdos artistas
maisnotáveisdo paiz.A liga dos estheticos , constituídapor intel-
1D- João IV, Doações,t3, 70. dadosalgumtantoa subtilezas
lectualistas, especulativas,
tinhacomo
ARTE PORTUGUEZA

programmacombateras demasias da moda;reprimir-lheos abu¬ ficaratrazdoseuropeus— lograndoempolgar aosartistasjaponezes do


o gostodaepocha;transfor¬ metalos seusprocessos delicadíssimos, enviaás exposições do velho
sos; atacarasbanalidades queeivavam
mar o ridículotrajoactual;e, emfim,estabelecer coherencia entre continente a ssuas surprehendentes baixellas, essas maravilhas deper¬
todasas artesuteisdo séculoxix.Prégavaa nacionalisaçao dasfor¬ feiçãotechnica,ás quaes,paradesbancarem assuascompetidoras da
mulasartísticas, e a suaconciliação comos interesses nacionaes. Europa,faltaapenas certadosedebomgosto.
Os estheticos, dequemo publicoseria, apodando -osdeutopistas, Produza casa Tiffanyobjectos de prata,oiro,bronzee de metaes
arrostaram impávidos como ridículoe comasinvectivas, e, apesar de todaa casta,algunsaindanãoconhecidos na Europa,pelomenos
dasresistências dos interesses lesados,conseguiam poucoa pouco no campodapratica.Creoua ourivesaria polychromica, aproveitando
operarumatransformação no gostoinglcz.Nãolograram, semduvida, as variadascôresdosmetaes, entresachados estes,entretalhados, li¬
os cavalleiros do girasolqueJohn Buli deixasse crescer melenas á gados entresi por modoadmiravel em combinações engenhosissimas,
nazarena, ou se envolvesse nasamplaspregasda chlamyde, emque e produzindo imitações realísticasde maffeiras, mármores, flores,fo¬
alternavam todasascôresdoprisma,—oquefoi,decerto,providen¬ lhagens,insectos,reptis,conchas;n’umapalavra,appellandopara
cial,vistocomoácercad’estasos sábiosallemaes já nãoconcordam. todos os elementosque a naturezaproporcionaao decorador,e
A evolução, porém,queiniciaram,teveresultados importantes e a obtendoeffeitosmágicosde colorido.Illuminadapelaluz artificial,
ella se devea revelação deumaartistaoriginalíssima, a celebreKate o effeitod’estaourivesariaé devérasdeslumbrante! A decoração,
Greenway, cujosdesenhos centralisaram emInglaterraa modapara comtudo,exaggeradamente naturistica,é visivelmente inspiradada
creanças. Outroexemplo ainda, e seráo ultimo. U mbellodia,o prín¬ artejaponeza. Umjaponismo deexportação.
cipede Gallesreflectiuquea Inglaterra, comassuas11:90o e tantas As pedras preciosas, querealçam, emalgunscasos,oseffeitosdascô¬
escolasemquea arteé ensinada, tinhaadquiridodireitoa darleis res,emoutros,porém,concorrem a tornarmaisconfusas composições
nas questõesdependentes do gosto.Por isso,ou talvezpor achar já de si exhuberantes. E d’ahi,o systema adoptadona decoração (a
pesadinho o tributoqueAlbionpagava á França,importando pannos imitaçãorealísticade objectose superfícies) não se adaptabemá
de Elbceufe deSédan,o príncipepassoua apparecer nosbailesves¬ rigidezdo metal.O conjuncto, no emtanto, apresenta novidade. Atra¬
tindocasacavermelha. Advirta-seque,coma adopçao d’estamoda, vésde formulasartísticascujovalor,por ora,é semduvidacontes¬
coincidiaumaalteração no uniformedastropasdo ReinoUnido,as tável,transparecem, aquie acolá,combinações originaes,quedeixam
quaes,por conveniências do serviço,deixavam deusaro dólman e a adivinharartistasdevastosrecursos.
jaquetaescarlates. Elementos preciosos sãoestes,os quaes,maistarde,quando0 natu¬
Eis aquicomoos caprichosda modapodemser convertidos em rismo,segundo o costume, viera cansar,transformadas assuasformu¬
elementos de prosperidade industrial.; e, tendode citaros exemplos las,indicarão, semduvida,o caminhodoverdadeiro e legitimoestylo.
de umanaçãopoderosa, de propositoos fomosbuscaráquellaque Abrangea casaTiffanyaindaoutrasindustriasartísticas, taescomo
maishabilmente aproveitou sempreas relações commerciaes quetem vidraçascoloridas, vidrosparalampeões, etc.,imitandojaldo,onyxe
comnosco. outraspedrasvaliosas. Está por ora poucodesenvolvida a suaappli-
cação;comtudo,é provávelquevenhama proporcionaruteise inte¬
ressanteselementos paraa decoração deedifícios.
Observando attentos asindustrias artísticasdasdiversas nações, al¬ O japonismo, umadasmuitasmaniasqueatacaram a moderna arte
gunscasossenosofferecem ainda,algunsexemplos encontramos, já de decorativa, tãopropensa aoeclectismo, temlavradopor todaa Ame¬
formulas nacionaes quesedefendem contraainvasãodogostoestran¬ rica,masvae,felizmente, passando. Nemalli nemna Europa,seme¬
geiro,já deespecialidades que,melhorando deorientação, tentamrea¬ lhanteestyloé compatível coma educação technicado artista.O ja-

-
gircontrao cosmopolitismo eobedecem áprópriainspiração, sem,com- ponezdesconhece o usodosinstrumentos graphicos;desenha a pincel,
tudo,lograrem, por emquanto, creartyposdeabsolutaoriginalidade. dum jacto,a traçocontinuo;estudafielmente a natureza, copiando-a,
Estãon’esteultimocasoasindustrias artísticas norte-americanas e, todavia,demodoreticente synthetico:nãomodelanemmodula.
a julgarmos por algunsd’entreos specimens apresentados naexposi¬ O contorno,a feição,a attitudecaracterística, o tom dominante são
ção universalde Chicago,a marceneria artísticadosEstadosUnidos os elementos quejulgasufficientes paracabaltraducçãodo objecto
parecemostrar-se empenhada emadoptarformase creartypos,inde¬ imitado.Depois,quandoexecutaa valer, pintade memóriaos seus
pendentes. Posto que,emabsoluto,por oranãorealiseassuasaspi¬ schemas decorativos. Isto,naturalmente, induzo artistaa simplificar
rações,os artefactos queactualmente produzsão,semduvidaalguma, o objectoreproduzido, e a estylisação vem,comode per si. Simi-
infinitamente superiores aosquefabricava aindahapouco. lhantesmethodos (semfallarmos deoutraspeculiaridades inherentes á
A exemplodosinglezes, tentamos fabricantes americanos emanci¬ raça,á religião,ás tradições,queinfluemno instinctoestheticodos
par-se, nolimitedopossível, daintervenção doestofador; condemnam pintoresjaponezes) sãoinattingiveis, queraoeuropeu, queraoameri¬
o abusod’esses horrendos moveisacolchoados, almofadados, defôrmas cano,cuja educação artística,essencialmente analytica,cujo tirocínio
bojudas, atarracadas e deaspecto obeso,parecendo soffrerdeelephan- dedesenhista, realisado como auxiliode instrumentos de
graphicos,
tiase,os quaespor todaa partee durantetãolongoprazode tempo, indoledescriptiva, é a antithese absoluta do ensinoartísticocomoelle
invadiram ashabitações dosdoishemispherios, e setornamverdadei¬é comprehendido no Japão.
ros receptáculos de quantopó o ventovaearrancando aomacadam. Algumasregiõesmaisdesviadas dos centrosde movimento artís¬
Osmoveisamericanos abandonam osestylosconsagrados: — o ine¬ tico,e,portanto,maisindemnes dapragado eclectismo cosmopolita,
vitávelnovoantigofoi absolutamente banido.Apresentam umatal apresentam-nos exemplosde nacionalisação dasformulasnas suas
ou qual affinidadecom os artefactos da casaHoward.As fôrmas artesdeimmediata utilidade, peloempregodeelementos decorativos
porém,nemsemprefelizes,sãoumtantomaispesadas, e compropen¬ tradicionaes.
sãoparao abusodosplanoslargose lisos.Intencionalmente práticos, Estãon estascondiçoes asmobíliaspopulares e os objectosdeuso
têempoucosornatosderelevo.Predominam asdecorações embutidas commumdospaizesescandinavos. Os moveisnorueguezes, de ma¬
emmadeirasde côr ou emmetaes, o lavoroà la Certo^a,methodo deirasbrancas,de formassimples,
veneziano racionaes, apenasdecorados com
doséculoxvn,e ásvezes0 processo, aliásidênticoemresul¬ laçariatransfurada e rendilhada, emvelhoestyloescandinavo, temal¬
tado,queempregam osorientaes. Algumasmobíliasdeapparato, com cançado recompensas emmaisdeumaexposição.
ostentação bemdignadoplutocrata Yankee,—e gostoassazcontestᬠDignadamaior
attençao é também aindustriadosmetaes naRússia,
vel, saoincrustadas demetaes ricoseatémesmo depedras preciosas. abrangendo a ourivesaria e os metaespobres.A estylisação neo-by-
Apesarde taesdemasias, aliásprópriasde umacivilisação novae zantina,basedassuas
de industriascujodesenvolvimento combinações decorativas, emextremo simples
nãodatademuitosannos,e que e características, realisaeffeitosadmiráveis,
o progresso da educação artística,tão rápidona America,irá pouco tinguemestaindustriadetodoe quecompletamente dis¬
a poucocorrigindo, o caminhotraçadoé bome, auxiliados qualquerartefacto damesma especie.
pelaenér¬ Resultada gradual d osschemas
gicapropaganda átestadaqualfiguramosseusarchitectos modificação ornamentaes byzantinos,
dageração devidaá acçãosuccessiva detantasgerações
maisrecente, é possívele mesmoprovável deartíficese deartistas,
queosEstadosUnidosve¬ umestyloproprio: o byzantino-moscovita.
nhama conseguir a nacionalisaçao do seuestylo,e quemsabese a Estescasosdelouvávelresistência c ontra a invasãodafancariaim¬
Americavirá aindaa imporá Europao estylodo séculoxx,-— visto portadae do produetorastacuéro,
queaodo séculoxix já ninguém pódevaler! contraas pedantescas reconstruc-
dasobrasdo
Assimcomoa fabricade Sèvres,essagloriaartísticada Franca ções passado;essesactosde justaopposiçãoao ecle¬
ctismofacil,o margótage,queconsisteemamalgamar formulasde
conseguiu, nãohamuitoainda,graçasaotalentodeVogt,surprehen-
diversosestylosa titulode originalidade, sãooutrostantosexemplos
der aoschinezeso segredoda suaporcellana e hoje,no campoda dignosdeserimitadospor
technica,supplanta os melhores todoe qualquerpovoqueprezea suana¬
artefactos do extremo-oriente assim cionalidade.
umacasanorteamericana, a firmaTiffany,deNovaYork —paranão
PIN-SEL.
Reservados todosos direitosde propriedade litteraria e artística
DiRECTOR LiTTERARIO — Gabriel Pereira. DiRECTOR ArTISTICO — E. Casanova.

Secretario da Redacção— D. José Pessanha.

Anno I Março de 1895 N.° 3

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CRITICA, em arte, é a applicação culta, —não eliminada,— pelo estylo, pelas qualidades bri¬
das regras do bom gosto á producção lhantes, esse critico tarde ou cedo se ha de contradizer, ou
esthetica, á obra que tem por fim produzir belleza. se repetirá com differenteapplicação,e o publico faz então
O artista, o creador, empregaas suas faculdades synthe- justiça da falsidade e do incompleto da critica que o tinha
ticas e a sua intuição; o critico applica as suas aptidõesde desnorteado.
analyse, o discernimento dos elementos complexos que o Se a critica for apenas sentimental,indo, por sympathias
artista lhe apresentou em unidade simples e harmônica. Se ou impressões inconscientes, da censura aspera, da objur-
para produzir a obra de arte se precisa esta raridade, —o gatoria, ao elogio, ao encomio; se ella for odienta ou ido¬
grãosinho de genio, ou a vocação,— o critico, para que a sua latra, reduz-se a bulha incommoda, inútil, sempre com o
obra seja fecunda, tem de possuir meios de entender e perigo de esganaros que fere, e de abafar os que admira.
comparar, livre de sentimentalismos,os trabalhos artísticos. A má critica faz a esterilidade artística e litteraria. Ora, é
É muito difficil a critica; por isto ella tanto se engana.preciso que ella contribua á conservação e ao desenvolvi¬
Quantos artistas têem permanecidopostos de lado durante mento; que o conselho seja o auxiliar da acção; que a ex-
a vida, erguidos á gloria muito tarde! Porque, na arte, ha periencia, o saber, dos velhos, dirija o braço dos novos; que
ainda o inconsciente; em qualquer manifestação artística seja piloto, e não rajada de vendaval.
isto se dá, e é vulgar mesmo. O auctor póde não presumir Entre nós, sempre têem existido difficuldadespara a cri¬
as bellezas da sua obra. Tal passagemou trecho que julgou tica. O nosso temperamentolyrico é pouco proprio para a
insignificante, a que não deu attenção, sáe de primeira or¬ imparcialidade serena, e para o estudo profundo e serio.
dem. Quantas vezes isto succedena scena!O actor faz bellas A leviandade, e a falta de estudo produzem a variabilidade
phrases ou situações a que o auctor não suppunha tamanho dos pontos de vista, aggravando a carência de outras qua¬
alcance. Ás vezes, ainda, nem auctor nem actor; é o pu¬ lidades. Olhem a critica litteraria o que ella tem dito dos Lu¬
blico, a grande critica geral e espontânea,que dá ao trecho síadas, atravésos séculos e as escolas,tão infecundamente!
a consagração celebre. E os Lusíadas têem vencido, como um grande rio cada
vez mais amplo e crystallino: as criticas veem arrastadas,
É muito difficil criticar. E, como pelas urgências da vida,
ou pelo impulso de paixões, precisam muitos de fazer cri¬ como lenha secca, á toa da corrente. Não se gosta de quem
tica, succede que surgem injustiças e precipitações perigo¬ se ergue. Herculano estevea ponto de se afundar, com as
sas. Hoje, a cada passo se ouve condemnar a expansão investidascontra o seu primeiro grande trabalho. Foi salvo
tumultuaria da critica moderna; o desenvolvimentodo jor¬ pelo publico, o leitor anonymo, que o amparou na lucta.
nalismo deu-lhe força e velocidade, que muitos julgam as¬ Na grande maioria, as criticas, entre nós, —a litteraria, a
sustadoras. histórica, a artística, a política,— são infecundas,porque se
Diz-se: a critica trata do que não sabe; anda aos tombos baseiam em vaidade, em paixões más, em egoismos.
sem achar equilíbrio; é fermentadapor sympathias; é filha E por isto o publico, o publico que dizem não estar edu¬
de vaidade e de egoismo. cado, fica alheio á critica; trabalhemosmais, esforcemo-nos
Em these, a critica baseadasobre vaidade é infecunda; e por ser justos e honestos, recordemos o nosso Camões:
é perigosa, damnifica, se o homem que a faz tem, por na¬ As cousasarduase lustrosas
tureza, qualidades de estylo que oftuscam,deslumbram, por Se alcançam comtrabalhoe comfadiga.
algum tempo, a ponto de passar aos olhos do publico por Lus.C.iv.est.78.
pensador de fina agua; mas, como a verdade póde ser oc- G. PEREIRA.
5o ARTE PORTUGUEZA

duzem, os sábios produzem, e todos concorrem para a ci-


A ARTE PORTUGUEZA EM vilisação, para a riqueza nacional: vós, Mecenas das artes
1894
e das lettras, o que tendes feito?
depag.3o)
(Continuado De 1837 para cá, desde a fundação das Academias por
Passos Manuel, —o grande estadista— o unico acto da
II administraçãopublica, que teveuma influenciadecisivasobre
as artes em Portugal, foi a creação dos pensionistas, subsi¬
A Exposição Artístico
doGrêmio diados pelo Estado. E este ainda assim foi por suggestão
alheia, e instado longa e pertinazmente; não foi um acto
espontâneodo governo d’esse tempo.
ASPECTO geral (Testa Emquanto a arte não tiver cotação e influencia no mundo
exposição é o das anterio¬ político —os artistas ainda não comprehenderam isto— a
res— os mesmosgeneros, sua representaçãosocial na vida portugueza será, como até
tratados pelos mesmos artis¬ agora, nulla, nullo o seu prestigio, e irrealisaveis as suas
tas, menosum —infelizmente elevadase justas aspirações.
um primaz— e este faltará Nas obras que compõem estas exposições,tudo, desdeos
sempre— Silva Porto. Pintura assumptos até ao formato, ás dimensões dos quadros, se
moderna, executada, mais ou resente da exiguidade dos recursos de que dispõe o ar¬
menos, pelos processos syntheti- tista, da mesquinhez do meio em que vive. Predomina
cos —permittam-me a palavra— a pequena paizagem, avultam os retratos, assignadospelos
hoje geralmenteseguidos.Paizagens, mari¬ artistas de mais fama. Apertados pela vida, entregam-seao
nhas, vistas de ruinas e monumentosarchi- professorado, e dão-se por felizes quando os discípulos
tectonicos,retratos, cabeças de expressão, affluem aos seus ateliers; só os ricos —rara avis— e os
natureza morta, flores, pasteis, aguarellas. Numerosas as mais obscuros e desajudados, é que podem dedicar-se de
paizagens e os retratos— raros os quadros de genero—ne¬ alma e coração á arte. Mas as télas, os modelos, —outra
nhum de alta pintura—histórica ou religiosa. rara avis entre nós— as molduras apparatosas e portanto
Livre-nos Deus do critico que entrar íTuma d’estasnossas caras, demandamgastos superiores aos meios do commum
exposições, tendo ainda na retina a impressão recentedos d’estes pintores, e d’ahi a pobreza forçada das composi¬
grandes museus estrangeiros,ou do Salemde Paris. Nunca ções, que o artista tenta em vão encobrir. Se muitos dos
lá fomos, infelizmente, e por isso não corremos o risco de que entram aqui —ricos e despreoccupados do fardo da
sermos esse tal critico. Livre-nos Deus, repetimos, que nós existênciados que luetam pela realisação de um ideal, que
d’elle nos livraremos também, não o lendo, nem ouvindo. recua, que foge pertinazmente deante d'elles— soubessem
Que diga bocadinhosde oiro —Gustavo Planche,Theophilo quanta alegria iria illuminar essas almas, condemnadas,
Gautier ou Paulo de Saint-Victor que seja— para elle se¬ como 0
remos cegos e surdos. Pode dirigir-se a nós á vontade, que Sisypho
nós... nem chuz nem buz. da fabu¬
O progresso e o florescer das artes, como o das lettras la, a rolar
e das sciencias,é obra de dois factores—os que produzem o eterno
e os que consomem. Sem isto não ha lettras, nem artes, rochedo,
nem sciencias. Desenvolvem-seumas e outras, segundo o e quan¬
meio lhes é propicio ou adverso. tas joias
A pleiade enorme e deslumbrante dos artistas italianos surgiriam
da Renascença não se formou a despeito da sociedadecon¬ de entre
temporânea, mas sim com a sua protecção, com os seus as mãos
applausos e incitamentos.Em toda a obra de Raphael vê-se d’estesmineiros do bel-
a mão protectora de Leão X; ao lado de Miguel Angelo lo, se quizessem re¬
apparece-noso vulto energico de Julio II; os admiradores partir com elles d’esse
de Ticiano foram todos os reis, magnatese potentadosdo oiro . . . Mas não. O
LAVADEIRAS NOMONDEGO
seu tempo, desde a Sereníssima Republica de Veneza até QuadrodeA.E^echiel
Pereira nOSSOmercadoé peqtie-
ao grande imperador Carlos V; por detraz de Velasquez Medalha deterceira naquarta
classe exposição j-jq q gg Cresce é len¬
doGrêmioArtístico 11 .. ?
apparecemos a figura de Filippe IV; e para quem pintou tamente; é diminuta a
deA. Conceição
(Desenho Silva)
Goya senão para toda a côrte hespanhola? população fluetuante,
Proteger as artes com boas palavras, e só com pala¬ que tanto avulta nas grandes capitaes estrangeiras, e, final¬
vras, é pouco dispendioso, mas é muito ridículo. Ter a mente,as raras collecçõesparticulares, que alguns amadores
consciência d’isso, e cair a fundo sobre os artistas, exigin¬ têem formado, não lhes sobrevivem, e esses quadros veem,
do-lhes obras grandes, como se os tivéssemoscumulado de com a gloriosapatina do tempo e a auctoridade redobrada
honras e de riquezas—isso então é prova de insigne má fé. dos nomes do colleccionadore dos artistas, occupar o logar
E é o que se faz, e todos os dias vemos e ouvimos, nas re¬ que podia ser dos novos, dos contemporâneos!
giões d’onde deviam baixar esses incitamentose prêmios, E a lueta terrível e desesperada—não dos vivos com os
e donde, ha tanto, chovemas graças e as mercês—as ricas mortos, mas dos vivos com os immortaes!
conezias, as rendosas sinecuras— sobre os que, nesta col¬ A alta protecção —a dos governos, dos municípios, das
meia humana, representam o papel do zangão, sobre os
grandes corporações e associações— a unica que liberta o
que, nos campos que exploram, n’esta boa terra portu- espirito das imposições fataes da vida, a que lhe permitte
gueza, em vez de trigo nos dão joio! Os artistas produzem, tentar novos caminhos, rasgar novos horisontes— essa não
e as suas obras representamum capital, os escriptorespro¬ existe.Em vão appellaremospara ella. Emquanto em França
ARTE PORTUGUEZA 5i

—nessa França que todos invocam—os que a conhecem quando tentam librar-se nos ares. Será necessáriorecordar
e os que nunca lá foram— nos orçamentos do Estado e uma experiencia,uma tentativa,que, ha annos, se fez entre
nos dos municípios avultam verbas importantíssimas, des¬ nós? A alguns artistas aconselhámos então que não con¬
tinadas a proteger efficazmenteas artes, fazendo acquisição corressem a tal certamen— não estavam armados para o
de pinturas e de estatuas, com que ornam os edifícios do combate.Não o escrevemos,porém; não quizemosque nos
Estado e das municipalidades,as mairies, e as praças publi¬ accusassemde contradicção, a nós que censuráramossem¬
cas, subsidiando generosamenteas publicaçõesque têem por pre o desamor com que eram tratadas as artes.
fim diffundir a instrucção artística e o gosto pelas bellas- No momento em que a camaramunicipal de Lisboa que¬
artes— politica sabia e previdente, que tem por mira con¬ brara esse encanto, e offerecia um prêmio ao artista ven¬
stante o manter e elevar a preponderância intellectual da cedor no disputado torneio, não quizemos ser inútil Cas-
grande nação— o que vemos entre nós?! sandra de porvindoiras desgraças.Os factos deram-nos ra¬
Todo o movimento artístico em Portugal é devido ex¬ são— as nossas prophecias realisaram-se. Se o thema es¬
clusivamente á iniciativa particular. Aqui n’esta terra lu¬ tivesse dentro dos recursos dos nossos artistas, se fosse
sitana — onde todos são filhos primogênitos, acariciados, uma paizagem,um quadro de genero, o resultado não seria
queridos e engrinaldados— a arte só é engeitada! Não ha de certo deshonroso para elles; mas com o assumpto esco¬
olhos de misericórdia, que se volvam para ella! No mundo lhido, foi um desastre,de que só se livraram os que ficaram
oflicial ninguém a vê, ninguéma entende,ninguéma aprecia! nas bancadasdo circo, a ver os gladiadores. Foi como se ao
Os artistastêemvivi¬ gracioso e eroticoAna-
do esperando. E ainda creonteencommendas-
esperam... sem a Iliada, ou ao
terno e gentil Bernar-
dim Ribeiro a epopeia
de Camões! De entreo
Emquanto a Pro¬ publico, alguns —mui¬
videncia, na sua sa¬ tos talvez— applaudi-
bedoria, não distribuir ram a derrota— não
com mão generosa eu, que a previra.
aos artistas e homens A experienciainfeliz
de lettras os bens ne¬ — mallograda por mal
cessários á manuten¬ dirigida— não se repe¬
ção physica e á satis¬ tiu. Quizeram proteger
fação das exigências os artistas, e não sou¬
da vida civilisada, as beram... E, depois,
artes e as lettras serão todos —o publico, que
manifestaçõesdo genio não vê ainda claro
e do talento, n’uma n’esta atmosphera da
palavra, da actividade arte, também fez co¬
intellectualdo homem, ro— todos entoaram
e, ao mesmo tempo, o Vce victis contra os
industrias de que elle infelizes pintores!
se serve para viver. Que queriam? Elles
Deixemos no armario pintavam tardes de ve¬
das velhas declama- deSUAALTEZAO PRÍNCIPE
Retrato REAL rão com os trigaes loi¬
deI.allemant) ros, ondulantes, e as
ções esse ideal abso¬ (Gravura
luto, apresentado,para vermelhas papoulas,
Medalha naquarta
classe
deterceira exposição Arlistico
doGrêmio
substituir o pão de como que espreitando-
cada dia, pela ingenui¬ nos, a furto, de entre
dade d’alguns rhetoricos. Se é verdade que não é só de as espigas, com os seus olhos pretos; manhãs de primavera,
pão que vive o homem, tambémo é egualmenteque sem elle húmidas,verdes e floridas; moçoilas cor de tijolo, crestadas
é que não pode viver. As influencias da vida, as circum- pelas geadas; portaese arcos de velhas egrejas; o mar trans¬
stanciassociaes, são, portanto, fataes, inilludiveis. parente e nacarado; botes balouçando-se,e o sol a dardejar
Gomo a quasi totalidade dos nossos escriptores, os nossos no rio; banhistasna praia com trajes de cores lúbricas, ma-
artistas são polygraphos: vemol-os cultivar todos os gene- tisando o tom quente da areia... e de repente dizem-lhes:
— Basta de idyllio. Venha a epopeia. Aqui têem o Ca¬
ros, abordar todos os assumptos. Estreiam-se na paizagem,
dahi a pouco entram no genero, pintam retratos, fazem mões. Pintem-nos a despedida deVasco da Gama. E notem
flores — e ás vezes com calemboiir— defrontam-se os que queremos ler no rosto do personagem o presente e...
mais arrojados— com a figura humana na alta pintura nas o futuro—o Vasco da Gama, antes da descobertae depois
entenderam?!
grandes telas históricas... E aqui, diremos, com menõs d’ella!... O da índia, o da historia,
exito; que o contrario seria pouco provável, se não impos¬
sível. A rasão é evidente. Não é só com o ideal que se Passar-se-hão talvez cincoentaannos, sem que o facto se
meus netos, os verea¬
estudam, que se preparam, que se compõem e que se repita. Se algum dia, em vida dos
Lisboa se lembrarem também de
executam os grandes quadros. Só os néscios é que o pen¬ dores da leal cidade de
Deus que recorram aos archivos,
sam, só os néscios é que o dizem, só os néscios é que o proteger as artes, queira
os
escrevem. Provam-o, com os seus primores, as grandes e, lendo o caso miserando, não imitem, nos programmas,
epochasda arte; provam-o, com os seus desastres,os ícaros, seus antecessoresde 1887!
plcs amador, podia guar¬
dar os seus quadros, ornar
com elles os seus salões;
mas n’estes certamens,
aonde concorrem os artis¬
tas da escola de Lisboa,
elle nao quiz representar
o papel egoistade especta¬
dor— expoz os seus qua¬
dros ao publico e. . . á
critica. Actualmente discí¬
pulo de um dos mais dis-
tinctos pintores —João
Vaz,— reconhece-se nas
suas obras a influencia do
professor. Têem algumas
um certo valor, e as da
exposição deste anno (1895) são-lhes
incontestavelmentesuperiores.
Antonio Baeta foi — na Escola--
um alumno muito estimadopelos seus
professores: — é-o egualmente pelo
publico, que já o conhece. Bom de¬
senhador, alcançaria facilmente um
dos primeiros logares como paizagis-
ta, se os seus trabalhos de decoração
— hoje a sua especialidade— lh’o per-
mittissem. Discípulo de Silva Porto,
segue as pisadas do mestre na côr,
embora no estylo seja um pouco mais
miudo. As suas pequenas paizagens
—vistas de Setúbal, do Freixial e de
Lisboa— foram apreciadas.
Quartaexposição
do GrêmioArtístico
Discípulo da escola de Lisboa e pensionistade
APROVEITANDOUMAABERTA— May
Arthur Paris, Ernesto Condeixa não é já um novo, mas
CAMINHONOREGADO— Torquato
Pinheiro
RETRATODE MINHAMÃE—D.Adelaide
Vasconcellos
Barbosa
Ferna está bem longe de ser velho. Excellente desenhador tam¬
ESPECTÁCULODE GRAÇA—D.EmitiaMascarenhas
Pedroso bém, conservandoo bom que adquiriu em França, tem-seido
deA. Conceição
(Desenho SilvaJ despojandolentamentede uma certa côrfrancesa, que —se¬
jamos francos— não agrada aos nossos olhos peninsulares.
Veiu isto aqui ao proposito de explicar a polygraphiados E um estudioso, um convicto, que discute as suas opiniões
nossos pintores, tendencia que mais se accentuanos que e os seus quadros. Professa e pinta. Numa exposição an¬
occupamos primeiros logaresna artenacional.E, —entenda¬ terior, vimos um retrato seu, magnifico a todos os respeitos,
mo-nos bem— não é, da nossa parte, para ser levado á como semelhança e como execução: n’esta, o retrato do
conta de censura; não é critica, é a justificação de um fa¬ nosso amigo e também distincto pintor —Prospero La-
cto, consequênciade outros, e que a seu turno gera outros serre— é um excellentependant d’aquelle seu antecessor.
factos, como tudo neste mundo, que não é senão uma ca¬ — Cest pris sur le
vif — diria o retratado. E é.
deia de causas e de effeitos. — Chega a estar parecido de mais! disse um
amigo meu,
Apesar d’estas circumstancias,pouco favoráveis ao des¬ quando então andavamos percorrendo a exposição.
envolvimento da grande arte entre nós, é evidente e inne- E 0 maior elogio que se lhe podia fazer. A semelhança,
gavel o progresso individual dos artistas. Ha quem o ne¬ n’um retrato, é a primeira condição para elle ser bom;
gue? Ha. Mas a fôrma por que o negam, mais o confirma. quando não se parece, deixa de ser retrato, é simplesmente
Não é necessário procural-o nos que já professam; vê-se uma pintura. A comprehensãode uma physionomia é a re¬
nos que, ainda discípulos na escola, ensaiam os seus pri¬
velação de uma faculdade superior, que nem todos pos¬
meiros passos com uma firmeza e uma superioridade de suem. Condeixa é um dos nossos primeiros retratistas.
execução taes, que fazem suppor, aos que os não conhe¬ Na Volta da fonte, a figura da camponezaque desce, está
cem, annos mais adeantados,e mais dilatado tirocínio! um pouco parada. O quadro
Natureza morta tem alguns
fruetos bem pintados.
Não obstante este reparo, a Volta da
fonte é um dos me¬
lhores quadros d^ste artista.
O sr. conde de Almedina, que figura n’esta exposição, Eis aqui um pintor, cujos progressos são evidentes—
não é, de certo, um grandeartista—os grandesartistas são
Luciano Freire. Não é pensionista de Paris.
raros — mas é, sem duvida alguma, um bom exemplo.Vi- Quando se fez
o concurso de que Velloso Salgado saiu vencedor, e cujos
ce-Inspectorda Academia e opulento fidalgo, amigo e discí¬
triumphos —em vista das provas — nós tivemos por cer¬
pulo do illustre Annunciação, não esfriou no seu culto da tos, apesar de futuros, tivemos também pena de que, em
arte, e, pelo contrario,os annosredobraram-lheo amor. Sim- vez de uma, não fossem duas as pensões,e, se estivessena
ARTE PORTUGUEZA 53

nossa mão, daríamos a segundaa Luciano Freire. Não seria quadros, os modelos encontra-os feitos, entre nós não

e
perdida, como a de outros, que não deram fruao. Luciano tem, infelizmente, muito por onde escolher.
Freire já foi a Paris, mas não estevelá cinco annos. As Cócegas são uma graciosa scena rústica, um idyllio
Os catraeiros é um quadro de genero, tratado no formato campestre, não sombra das faias, mas torreira do sol

á
dos histoi'icos.Uma scenada vida dos barqueiros doTejo— — este sol peninsular— agenteprovocador d'esses amores
os preparos para a ceia. Figuras do tamanhonatural, muito rápidos passageiros,mas fulminantes, por vezestrágicos.

e
característicase bem estudadas — a ponte dos vapores— Uma seara, pavêas, elle ella, ao longe umas barracas de

e
navios entrevistos atravez da atmosphera, um pouco enfu¬ colmo. Este quadro de todos mais suggestivo.Vendo

a é

o
rnada. Ao fundo, o sol poente, lançando os seus últimos os dois namorados
Jlirtar Taquelle ermo, ouvindo o
raios sobre as nuvens no horisonte. Este quadro, apesar de ciciar da brisa que passa por entre os trigaes ondulantes,

e
uma certa exuberância de côr no fundo, é uma tentativa canto aereo de algum laberco, transportamo-nosalli em

o
séria e arrojada, de valor incontestável,e que muito honra espirito, sentimos como que umas vagas indefiniveis

e
o seu auctor. saudades da vida rústica, tão intima com natureza... A

a
Como animalista, Luciano Freire deu-nosuma Scena rús¬ mim, devoto de Santo Huberto, lembra-me espingarda:

a
tica. É obra superior aos seus trabalhos no mesmo genero. debaixo d’aquellas pavêas não deixa de haver alguma co¬
No pateo da arribana uma vitella está bebendo, emquanto dorniz. . Mas voltemos pintura. Este quadro tem côr

á
.
outras esperam a sua vez. Um moço segura uma destas, local. Estamos em plena lezira: sol implacável doira as

o
que parece ter mais sede de ar do que da agua que está searas, cresta cutis, escandeceos corações. Não ha

e
saciando a sua companheira. Excellentes a composição, o duvida; uma paizagem portugueza.

é
desenho, e a côr. Uma das melhores télas desta exposição.
Apesar de não ser esta a melhor das exposições da sr.a
D. Josepha Garcia Greno, todos os seus quadros de flores
e natureza morta continuam a attestar a virtuosidade, o SAÍMOS de Portugal,
brilho, e a mestria do seu fecundo pincel, distinguindo-se, mas passámos ao norte. As
entre outros, o que tem por titulo Preparos para a festa, paizagens de Marques de
pela variedade da sua composição. Oliveira — artista d’aquelles
Malhoa. — Este artista, pelas suas brilhantes qualidades poucos de quem se diz que
e pelos seus defeitos, é um dos mais apreciadose dos mais sabem que fazem— não

o
discutidos. E e será, porque as suas qualidades são natu- têem mesma luz forte dos

a
raes, e as deficiênciasprovêm da educação, e, porventura, campos de Malhoa. mais

E
da febre de produzir. Comtudo, e apesarde tudo, a despeito fria entoaçãodos seus qua¬
a
da actividadefebril do seu pincel, todas as suas obras valem, dros. Não differençade atmosphera, questão de tempe¬
é

é
trazem todas o cunho da sua individualidade. Malhoa é um ramento. Discipulo da escola do Porto, reconhece-se-lhe,
verdadeiro e raro temperamentode artista. Faltou-lhe, no na consciênciado desenho, influencia do notável professor
a

principio da sua carreira, o regimen severo de um mestre, Correia: esta qualidade têem-atodos os artistasportuenses,
que se lhe impozesse, domando e contendoa impetuosidade em maior ou menor grau. A Cabeça de estudo excellente; é
d’essetemperamento. Silva Porto, com quem todos os pin¬ mesmo diremos da rapariga do Fim da tarde, mas outro
o

tores contemporâneostanto aprenderam, apesar de ser um tanto não podemos affirmar da vaquinha, que ella trouxe ao
excellentemestre, não era o homem proprio para essa ta¬ rio. E, finalmente, um formoso trecho de paizagem Rio
é

refa. de Porto^ello.
Com as faculdades de assimilaçãoque possue, dotado do Antonio Ramalho, desde que voltou de Paris, tem pin¬
sentimento da côr, manifesto em todos os seus trabalhos, tado muitos quadros, mas ainda não nos fez esquecer o
manejando o pincel, que elle domina —colorista e execu¬ seu Lanterneiro. pecúlio technico deve necessariamente
O

tante— se tivesse estudado sob a direcção de um grande ter-lhe crescido com uma tão longa variada pratica — re¬
e

mestre, como, por exemplo, Jean-Paul Laurens, tendo ao tratos, paizagens, quadros de genero; mas quem de tal fôr¬
seu alcance museus, onde visse Rubens, Van Dyck, Frans ma se estreiou não se deve mostrar avaro das joias do seu
Hals —os grandes compositores e os máximosvirtuosesda pincel, nós, se apreciamos muito um bello retrato, uma
e

paleta— Malhoa seria de certo um artista, cujo nome pas¬ scintillante fresca paizagem,tambémnão temos em menos
e

saria as fronteiras. conta uma composição, grande ou pequena,mas estudada,


Testa sociedade — ainda rebelde ao sen¬ sentida executada,como aquella foi.
si,

Entregue a
e

timento artistico, por falta de educação— quem passar em Ramalho não um audacioso, como Malhoa; seu es¬
é

revista extensa lista,das obras d’estepintor, reconhece pirito, não agita actividadefebril; mas um colorista,

o a

é
o
a

desde logo que elle nunca foi um estacionário. caminho conhece bom mau caminho, excellente dese¬
e O

e
é
o

percorrido grande, progresso manifesto incontes¬ nhador; tem as faculdadesnaturaes as adquiridas, porém,
e
é

e
o

tável. sendo rápido no executar, lento no produzir. Descul¬


é

Nesta exposição dos seus trabalhos, que nos parece pem-me a*phrase—não tem Diabo no corpo—como o
o
o

ter primazia retrato de M. lle Luiza Almedina. Antes outro.


é
a

da sessão Descanso são duas scenas da vida do ate- Em todos os quadros d’este artista, ha mesmo estylo,
o
e
o

lier, dois estudos do nu, que têem coisas boas más, so¬ mesma côr mesmo modo de empregar, mesma
a
e
o

a
a
e

brelevando pintura ao desenho, que, em partes, foi um sympathia pelos effeitos de virtuosidade, que ás vezes lhe
a

pouco descuidado. D’estes dois quadros, preferimos Des¬ compromettem impressão do conjuncto, custa da figura
á
a
O o

canso do modelo, que está realmentebem pintado. mo¬ ou do episodio principal. Abusa do pittoresco, é-lhe difficil
e

delo um pouco onduloso, dorso superabundanteem resistir tentação de dispor no fundo, ou ao lado de um
á
é

é
o

curvas, mas cabeça bem contornada, busto está retrato, uns pannejamentoshistoriados, que valem muito
e
o
é
a

modelado com muita justeza. Emfim, pintor faz os seus como execução,mas que prejudicam retrato, apesar da
o
o
54 ARTE PORTUGUEZA

mestria do pintor. É um escolho em que dão muitos, que depois de as terem admirado, approximar-se da tela mui de
querem assim fugir á monotonia, á banalidade dos fundos perto, para verem como elle obtivera aquelles effeitos,signal
neutros. evidentede que lhes despertarama curiosidade. Este exame,
Todos os quadros expostos,—o retrato da distinctaactriz que é um preito, só se faz ás obras que nos podem ensinar
Virgínia, O tio Jeronymo, etc.— manifestam as mesmas alguma coisa.
qualidades e requintes, e exemplificam completamenteo O retrato do sr. Braamcamp Freire é claro; o do sr.
que deixamos dito sobre a maneira d'este artista, que po¬ Correia de Barros é, de certo, menos luminoso, mas a sua
deria, se quizesse,rivalisar na paizagem com o illustre Silva physionomia está alli reproduzida fielmente, com as suas
Porto, sendo-lhe superior no desenho das figuras. E esta, feições e expressão. Aquelle é mais agradavel á vista, mas
salvo erro, a nossa opinião. têem ambos as mesmas qualidades de comprehensão do
Entre todos os trabalhos apresentadospelo eminentear¬ modelo e de execução.
tista Salgado, tem incontestavelmenteo primeiro logar o re¬ Noir et rose — que parece ter provocado um certo rumor
trato do sr. A. Braamcamp Freire. E foi este, no nosso en¬ na platéa artística— é uma phantasia violenta, executada
tender,o ciou da exposição.Com uma toilettedeverão, clara, sobre aquelles dois tons. E um pouco discorde, mas aos
toda a figura destacavigorosamentesobre um fundo de fo¬ pintores e aos poetas —já o velho mestre o disse— são
lhado verde, numa postura natural, sentadanum pequeno permittidas umas certas liberdades. Eu, em todo o caso, a
canapéde ferro, no jardim. Este retrato,vimol-o, sem mol¬ tel-a composto, não a expunha.
dura, luctando vantajosamentecom quadros dos mais estrel- Em matéria de critica, o critério varia, e corresponde á
lantes; e, depois, na exposição, resistiu á própria moldura instrucção especial do critico. Os olhos com que um pintor

provisória, que tinhaumas largasfaxas, cujo doirado, polido analysaum quadro, é evidenteque não são os mesmos com
e espelhento,era cruelmenteluminoso; e, como se isto não que o vê um profano: ao artista, o que o impressiona desde
bastasse,ladeava-o,voltada para elle, uma cabeça de cão, logo é a belleza ou a imperfeição do pincel — depois vem
grande, com um fundo de carmim! O cão era mudo, mas o resto. E este resto é o objecto principal para o commum
aquelle carmim ladrava, uivava aos nossos olhos, e exem- dos mortaes, que o que sente em primeiro logar é a im¬
plicava estrepitosamentea mysteriosa correspondênciadas pressão litteraria— a idéa que o auctor figurou na sua tela.
cores e dos sons. Dois pontos de vista differentes. Um esboço, quatro pin¬
Era, como se diz, ter os inimigos ao pé da porta. Pois celadas, vivas e espontâneas,o improviso sem pretenção,
bem—a tonalidade clara e serena da pintura de Salgado é sem preoccupaçãodp publico, vale mais, ás vezes, para os
tal que resistiu a tudo, e a figura distinctae aristocraticado
que são da arte, do que um quadro cuidadosa c minucio¬
retratado destacava-sesobranceira, dominando tudo o que samenteacabado.Mas este critério, repetimol-o, é exclusivo
o rodeava! Discutia-se-lhea conveniênciaou inconveniência d elles, ou dos que conhecem a technica. Para os outros é
do fundo; mas, se aquillo foi uma difficuldade a vencer,
quasi lettra morta.
essadifficuldadeachava-sevencida.Completaa semelhança,
Os diversos trabalhos, expostos por este distinctissimo
esplendida a carnação, bem composto o quadro _a im¬ artista —hoje uma gloria nacional— entram nas duas ca¬
pressão entre os artistas foi uma— era reconhecidaa ma¬
tegoriasa que nos referimos, e como taes foram apreciados.
gistral superioridade da obra. As mãos, primorosas — so¬ Em todos se reconhecea mão de um mestre.
bretudo a esquerda— têem tal verdade no tom, e é tal
a transparência da carne, que nós vimos alguns (Continua)
artistas,
Zachariasd’AÇA.
ARTE PORTUGUEZA 55

ISTORIA DE PORTUGAL
D. SAfJCHO I>

Acompanhando astendências eimpulsos danação, o filhodeAffonso


Henriquesconsagrou-se, principalmente, a repovoarterritóriosque
luctasde séculoshaviamdevastado; a reedificarantigaspovoações
abandonadas; a fundarcastellose villas; a organisarconcelhos, ea
engrandecer asordensdecavallaria, que,pelafusãodo espiritomilitar
coma disciplinamonastica, tantocontribuiram paraa reconquista da
Península.
A vidaportugueza apresenta, portanto, naepochadeSanchoI, uma
feição muito diversada que lhe notámosanteriormente. A phase
guerreirada conquistaincessante e aventurosa, succede um período
maissereno,emquese trata,sobretudo, de organisare administrar,
e emquenasemprezas militareshasempreumaidéa,umplano.
A conquista dosdomíniosarabesparaalemdoTejo, eraagora,dos
emprehendimentos bellicos,o que sobretodoscumpriarealisar.Por
duasvezeso tentouD. Sancho,como auxiliodeCruzados, chegando
da segunda a tomarSilves,atacadasimultaneamente por terrae por
mar.Silves,no pequenodistrictoarabedoAlfaghar(o nossomoderno A luctaempró do engrandecimento daauctoridade realprosegüe,
Algarve),eranãosóumacidadeformosae opulentissima, —d’aquella torna-se, até,vivíssima, sob governodeAffonsoII.

o
e

opulência e formosura p eculiaresá sestancias deluxoe deprazer das As derradeirasdisposições deD. Sanchoeramde natureza a acti-
gentesvoluptuosas do Oriente,—mastambém o centroprincipalda val-a.Effectivamente, doaçãodeterrase importantes castellosa suas
a

resistência contraos christãos.A tomadade Silvestinha,pois,uma filhas, as largasconcessões ultimamente feitasao clero,restrin¬
e

Sanchoadquiriranaverdade giamemmuito poderdo soberano;e Affonso cujaidéadomi¬

II,
altaimportância;e, umavez realisada,
o

o direitode se intitular, c omode factose intitulou, rei dePortugal nante eramantera todo transe asprerogativas dacorôa,nãopodia,
o

edoAlgarve.Cedo,porém,osmussulmanos retomaram Silves,e alguns portanto,acceitarde bomgrado situação, que,pelosúltimosactos


a

dospontosconquistados —
por AffonsoHenriques: Alcácer,Palmella, do seugoverno, D. Sancho lhetinhapreparado.
Começou, todavia, porentregar ássés mosteiros tudoquantoseu
e

Cezimbra, Almada.
A alliançadeAffonsoIX deLeãocomos infiéisdeumotivoa que paelhesdoara,e nãoseoppoz quenascortesdeCoimbrafossede¬
a

a pena,poressestemposfrequentíssima, de claradoinviolávelo direitoecclesiastico nullatoda lei contrariaá


e

o pontíficelhe applicasse a
e incitasseos outrospríncipesdaPenínsulaa quelhe igreja,e quen’ellassevotassem importantes privilégiose isenções

a
excommunhão,
a

guerra.Na buliadirigidaemespeciala D. Sancho,permit- favordo clero. certoquese prohibiuentãoaosmosteirose ordens


É

movessem
tia-sequeestejuntasseaosseusdomíniostudoquantopor qualquer adquirirem novosbensderaiz,por titulode compra,salvoquando
o

meioconseguisse tomara AffonsoIX, que,segundo essediploma,não fossemdestinados paraos anniversarios dosreis; mas,comoos bens
poderíajámaisreivindicara possedo queemtal casolhe fosse con¬ da igrejaprovinham, sobretudo, de legadose doações,e comonão
eradifficildeilludir,essalei só apparentemente contrariava asambi¬
quistado.
D. Sanchoinvadiuentãoa Galliza.As hostilidades d’estemodo çõesdo clero.Por meiod’estacondescendência, que,comoadverte
durantealgumtempo,ora maisora menos Herculano, malpoderia sersincera, porque representava condemna-
a

suscitadas, proseguiram
haviamcessado comple¬ cãodeactosemqueD. Affonsotiveramaiorou menorparte, era,
e

activas. Em 1200, porém,segundo Herculano,


talvez,do rei deCastella, queeraalliadodo alemd’isso,oppostaaosinteresses dacorôa,—onovosoberano alcan¬
tamente, por intermédio,
çoudeInnocencio III umabuliadeconfirmação doreino, conseguiu
e

nossoe do leonez.
a s emprezas militares; tornar clero,senãoseuadepto, aomenos neutral, nascontendas que
Desdeessaepocha,D. Sanchoabandonou
o

os domíniosadquiridos, deorga¬ iamnecessariamente suscitar-se,porqueo jovenmonarcha nãoestava


mas,tratandode povoare defender
preparou,comodiz um historiadormoderno, dispostoa perdero direito desoberania sobre asterrase castellos,que
nisar,de administrar,
deAffonsoII e dosfilhosd’este,a conquista D. Sanchodoara suasfilhas.Nãoreferireitodasasperipécias d’essa
a

asdecisivas campanhas
meiadoo séculoxiii,rei¬ discórdia quenãofoi estranha nobreza), porque meuintuitonão
(a

definitivado Algarve,queveiua realisar-se


do reinadodeAffonso mas,unicamente,
II,

fazer historiacompleta
a
é

nandoAffonsoIII.
decommentario nossa estampa, que a terceirado pitto-
históricado governodeD. Sanchoestá,porém,so¬ emguisa
é
á

A significação
emhavèrentãocomeçado a alliança resco originalcompendio da historiaportugueza, compostopelos
e

bretudo, comoobservaHerculano, emrápido


contraasclasses privilegiadas, factoqueentre senhores visconde de Coruchee E. Casanova,—descrever,
do rei e dosconcelhos
summario, osphenomenos mais geraese característicos danossavida
nósse prolongapor tresséculos,queseprotraheatéqueD. João
II,

política social,n o período cujosprincipaes s uccessos gravura re¬


a

— grande trágicopríncipeperfeito,— obtemdo alto clero da


e
e
e
o

altanobrezaumtriumphocompleto,e estabelece emPortugal uni¬ presenta.


a

como As desavenças foramprincipalmente comas infantasD. Thereza,


dademonarchica,—feiçãodistinctivados temposmodernos,
dra- D. Sanchae D. Branca;porqueos infantesD. Pedro D. Fernando,
e

aquellademorada lucta,por vezestãocruel tão intensamente


e

cujaparteera embensmoveis, s aíramdo reinologo emseguidaá


matica(mesmoentrenós), fôradosséculosmedievaes.
o

contra clero, fir¬ mortede D. Sancho,não se sabendoseacasoreceberam herança


a

sempre, na resistência
a
o

D. Sanchonãomanteve D. Berengaria valeram-se uni¬


Comoeraentão deseupae; asinfantas D. Mafaldae
e

meza, energia,a violência,dosprimeirostempos.


a

domi¬ camente demeioslegaes, acabando porseconciliarcomseuirmão.


vulgar,aosentirquea mortevinhaperto, crédulomonarcha,
o

inevitáveis, seacaso Aquellastresinfantas, porém,fortificadas emMontemór,e auxilia¬


nadopeloterrordaspenaseternas, quesuppunha
que,adversos aojovensoberano, seha¬
nãosubscrevesse ás injustificáveispretençoes do clero, cedeu,tran¬ daspor fidalgosportuguezes,
só viamrefugiado emLeão, — recusaram-se terminantemente acceitar
a e a

sigiu. seutestamento, queaccusaumariquezaimportantíssima,


O

constitueumadas proposta deAffonso,segundoa qualasrendasdasvillas castellos


a

explicável por um systema violentode tributação, Travou-seentão lucta.


seriamd’ellas,e senhorio,do monarcha.
o o

manifestações d’essatransigência.
Poucodepois, rei deCastellapediaauxilioaosportuguezes con¬
tra os mahometanos. Concedeu-lh’onossoAffonso,seugenro;mas,
o

V. gravura, pag.3a.
1
a

a
56 ARTE PORTUGUEZA


poucopropenso áslidesguerreiras, e occupado comos negociosin¬
ternos,náo tomouo commando
d’essa
dastropasauxiliares.A campanha
desbarato dosmussulmanos na fa¬
ACADEMIA DO NU
terminou, vez,pelocompleto
mosabatalhadasNavasdeTolosa,umadasmaisnotáveise decisivas NARRATIVA HISTÓRICA
quese feriramna Penínsulaentrechristãose arabes,depoisdacon¬
quistada Hespanhapelossectáriosdo Islam.N’essabatalha,deua
numerosa, masaindarude,infanteriaportugueza, composta dosho¬

I
mensdosconcelhos, asmaisbrilhantes e irrecusáveis demonstrações
de actividade,dedicação e valor.«Era o povo que surgia,fortee 'Letravai!estglorieux, quand c’est 1'ambi-
tion,ou seule vertu, qui faitentre-

la

le
activo,porqueavidamunicipal despertara n’elleo sentimento daliber¬ prendre.»

dadee a ideade patria» dizelequentemente Alexandre H erculano. A.de Tocqueville — DelaDé-
Emquanto osoutrospríncipes christãos daHespanha assimandavam mocralie enAmerique.
empenhados na luctacontraos agarenos, AflbnsoIX deLeãoapode¬
rava-sedealgunspontosnasfronteirasdeCastella, e invadiao nosso í\NDO,após Revolução deSetembro, paiz

o
paiz.Encontrando-nos malapercebidos paraa defesa, realisouemPor¬ troudegosaralguma tranquillidade,Manuel

e
tugalimportantes e rapidasconquistas. A victoria,porém,dasNavas daSilvaPassospôde,emfim,concedervai-

á
deTolosaveiupôr termoa essesfáceistriumphos. Cheiode alegria dictatorialmente as mesmaspresumpçosas
pelobomexitodacampanha contraos arabes, o rei deCastellaoffe- tantostygmatisára nos adversários, com

e a
receua paz ao de Leão,a qualfoi logo começada a negociar, vindo sempre,também,isentade parcialidade
a serconcluídana primavera de 121 3, e sendoumadas condições a de paixão,começaram successivamenteappareceressesdiversos

a
restituição doscastellos queosleonezes tinhamtomadoemPortugal. decretosemque incansável caudilhoda causapopular,commais

o
Era a recompensa do nossovaliosoauxilio,e era,portanto,ainda ou menosaproposito, massemprecom sobejaimaginação, foi mol¬
o esforçoportuguezquenosrestituíao que n’ummomentodifficil dando modode serpolitico-administrativo darecem-commota so¬

o
havíamos perdido. ciedadeportugueza.
Terminadaa guerraestrangeira, AffonsoII activouashostilidades Se matériad’essesdecretosnem sempreaffirmaum conheci¬

a
contraasinfantas;masdetal artesehouveram os fidalgose homens mentoperfeitodasnecessidadesque ellespretenderam acudir,se

o a
dearmasquepor ellascombatiam, animados dasideascavalleirosasnãorarotende demonstrar que legisladormaispossuiabonsde¬

a
d’aquelle tempo, queimpossível foi ástropasdeAffonso,nãoobstante, sejosdo quescienciade os tornarprofícuos,pódedeixarsuppôr,em
a violençiadassuasacommettidas, e apesardo empregodetodosos troca, sinceroproposito,queanimariaaquellepopularíssimo minis¬

o
meiosde que entãodispunhaa artemilitar,forçal-osa render-se. tro,defazerentrar seupaizno grêmiodasnaçõescultas,dotando-o

o
A lucta,comtodasassuasfunestissimas consequências, ter-se-íasem comessasInstituições quesó pazexterna,a intimatranquillidade

e
duvidaprolongado muito,seacasoo pontíficenãohouvesse intervin¬ desafogo, ou positivo,ou relativo,dos meioseconomicos, podem

o
do,aocabodealgunsmezes.O litigiofoi demorado. Conseguiu pôr- assegurar.
lhe termoa bulia de 21de maiode 1216, queannullouas censuras Foi assimque,fundandoa AcademiadasBellas-ArtesdeLisboa

e e
fulminadas contraAffonsoII e contrao reino;ordenouqueasterras do Porto, decretando por egualdois Conservatórios de Artes

e
a
disputadas fossementregues á guardadosTemplários,ficandoo rei Officios Manuelda SilvaPassosjulgouacasoter feito quantoera

,1
com a soberaniae as infantascom as,rendas,e determinou que, precisonãosóparadiffundirentreos seuscompatriotasgostopelas

o
depoisderigorosoinquérito,a parteque,semmotivo,tivessesidoa Bellas-Artes, signalinfallivelsempredaelevada deumpovo,
educação
offensora, indemnisasse dosdamnos daguerraa offendida. mastambémparapromovero adeantamento da IndustriaNacional,
O annoimmediato foi assignalado por um dosmaisbrilhantese imperiosa necessidadequetantoconvinhaqueattendessem os di¬

a
gloriososfeitosmilitares, quea nossahistoriaregista:— a definitiva rigentesde um paiz recentemente resuscitado para vidaactiva

e
tomadadeumpontoestratégico degrandeimportância, Alcácer,que trabalhadora, queía ser característica d’estenossoextraordinário

a
era,comodizOliveiraMartins,a chavedoAlemtejo. Tivemos,é certo, século.
n’essaempreza, comonaconquista deLisboae nadeSilves,o auxilio Os decretados onservatorios de Artes Officios,se chegaram,
C

e
deCruzados; maséinquestionável quedevemos o triumphoaosnossos porém, organisar-se, foi paragosaremde umsimulacro de existên¬
a

valentese audaciosos cavalleiros,porquefoi do terrívelembateda cia apenas, como respeitodo de Lisboaescrevia em 858 emseus
a

1
cavallariaportugueza

,
contraa mahometana, e do completodestroco Apontamentos relativos InstrucçáoPublica, cáusticomasbem
á

o
por estasoffrido,quederivouo desanimo dos sarracenos, a fugade orientado JoãoFerreiradeCampos2 naAcademiadasBellas-Artes
;
e
muitosd’elles,e,porultimo,a entrega deAlcácer. de Lisboa,umadasmaissensatas disposições dosprimeirostempos
NosúltimosannosdoreinadodeAffonso resurgiram
II,

osconflictos dasuafundação nãoalcançoujamaiscumprimento

.3
com altoclero.A frented’este,encontrava-searcebispo deBraga,
o

Os alumnos, quepoderíamtertido vista,pelodecorrerdostem¬


o

á
Estevam SoaresdaSilva,homemdistinctonãosópeloseunascimento, pos,excellentes modelosparaexercitara mão desenvolvergosto,
e

o
mastambémpelasua illustração. No partidocontrario,destacavamforampor annos annosleccionados pelasvelhasacademias verme¬
e

mestre Vicente,deãodasédeLisboa rivaldobispo; mordomo-mór lhasdeVanloo,substituídas


e

depoispelaslithographias dolapisvistoso,
PedroAnnes, chanceller GonçaloMendes, partidário intransigente masincorrecto,deJulien.Os operáriose artíficesque,frequentando,
e
o

dasdoutrinas daomnipotência regia,quedeBolonhairradiavam, com


os princípiosdo direitoromano,desdeo começodoséculoxii.Como
Decretos
de25deoutubro de22denovembro dei836.Decretos de18denovembro

eranatural,o pontífice interveiu pordiversas vezes, primeiroadvertindo dei836de5 dejaneiro de1837.


e

brandamente, depoisfulminando censuras, queemmarçode1223, quan¬ DoConservatoriodeLisboa, informou Commissão deinquérito aoInstitutoIndus¬
a

doAffonsoexpirou, —aostrinta seteannos,—nãotinhamsidoainda trial, em185S,<que nuncachegára seruma realidade*. Governo instituidor
concedera
e

O
a

umtalGaspar JoséMarques,artista quedirigiraosmelhoramentos


a

levantadas, porqueo avido energico monarcha, ciosoemextremo das naldoRiodeJaneiro, dasofficinasdoarse¬


e

partedoedifício doThesouro Velho,quehavia occupado falle-


a

suasprerogativas, insistiaemnãofazerao clero minimaconcessão. cidoMatheus


o

Antonio,
a

porantonomasia, o Capitão dasBombas, paraahiestabelecer


a
pensamento dominante da políticadeAffonso foi sempredi¬ suaofficina
O

demachinas instrumentos physicosmathematicos.


II

Este foi Conserva¬


e

latar fortalecera auctoridade real.D’ellederivaramtodosos seus torio,e alguns modelos queláexistiam eram detãodiminuto
e

valor detáoduvidosa
e

actos:— resistência contraasdisposições utilidade,


quemalvaleriapena transportal-osparao Instituto
Industrial,segundo opi¬
a

testamentarias deSancho
a

I,

no tocanteásinfantas;as leisquepromulgou; inquéritoaosbens nava director esteestabelecimento,quepensou emaproveital-os.


o

0d

Osartigos
o

dodecreto
0

92. 93. de 20de setembro de dispozeram queosConser¬


ee

danobreza;os conflictoscom clero,conflictosparacujaviolência vatórios deLisboadoPorto 1844


o

ficariam encorporados oprimeironaEscola Polytechnica,


contribuiusemduvida introducção emPortugalde duasordensre¬ segundonaAcademia deegual denominação,
e

d'aquel!a
a

cidade,«noestado emque
e

ligiosasdepoucoinstituídas, dosfranciscanos dosdominicanos elleseachar».


a

e
a

as quaes,peloseucaracterhumilde popular,cedoadquiriram Porfim,


odecreto de
3o dedezembro dei852,que creouInstituto deLisboa,
Industrial
o

in¬ declarou,
e

emseuartigo 38.°,
extincto o Conservatorio dasArtes Officios deLisboa,
fluencia, prestigioe audacia.
e

doqual,aliás,j ninguém
á

suspeitava existência.
a

Foi, portanto, umreinadodeagitações combates,deAffonsoII; «SuaMagestade Rainha... —Haporbem ordenarseguinte:


e

a
o

masde combates agitações queobedeciam muitomais ambição


e

depoderquedominavao netodeAffonsoHenriques, do queaopen¬ 3.»Que Academia, fazendo occupar osArtistasaggregados


a

samentopolíticode fazerrecuaras fronteirasmahometanas,dar dros, narestauração dosqua¬


mandehthografar, gravar umaCollecçáo selecta,
e

respeitáveldosquadros
e

dos
e

organisaçãoforça liberdade aoterceiroestado, comoosoccorridos nossos Pmlnrpsrlnsitme


e

precedentemente.
Palacio
dasNecessidades,em3odedezembro dei836=Manoel daSilvaPassos .»
JoséPESSANHA.
(Collecçáodeleis,etc.,
i.°semestre deiS3y.
ARTE PORTUGUEZA 57

aodomingoquefosse,os Museusdosartefactos jornaleiros,poderiam ao passoquevão içandoa cidadecomas profusasamostras da ha¬


ter sidoeducados no amorda perfeição, queé almaaotrabalhobe- bilidadebonifratesca dosanonymos alumnosarchitectos quea nossa
nemerente; ao trabalhoquese estimae quesepreza,sobretodo e Academia vaelaboriosamente formando emseteannosdegestação.
qualqueroutro modode trabalhar;os operáriose artistascontinua¬ Em facedomonstruoso absurdoqueestasituaçãosuigenerisestá
ram a ficarprivadosd’essepoderosoincitamento, queé ao mesmo denunciando n’estepaizque,por tantotempoainda,bempoucoesta¬
tempoumaattracção e umestimulo, umarevelação e umensino. ria no caso de animaras Bellas-Artes,as Artes aristocráticas por
Perdeu-se, portanto,por incomprehendida, a verdadeira orientação excellencia,notára-se durantelargose longosannosa ausência abso¬
a dará actividade artisticade queo ministropretendera fomentara luta do ensinosystematico, immediatamente aproveitável ásArtes e
acção,e nemellesedemorouno podero temponecessário paravêr Officios,a lastimosa faltade instrucçãoartisticasufficiente
paraades¬
os resultadosda suaobra,e o comolh’aexecutavam, nemos quelhe traroperários a satisfazerem comperfeição asgeraes necessidades,
em
succederam cuidaramde remediar o desconcertoqueproveiudo in¬ mesteres quenãoaspirema serviros luxuososcaprichos dasminorias
completo ou do desnaturado do primitivoplano. abastadas.
Assimchegámos ao periodode expansão, quea pazquasiininter¬ Foi a estafaltaqueremediou emfim,em1884, AntonioAugustode
rupta,aindaquebemmalaproveitada, desuccessivos lustrosnospro¬ Aguiar,promovendo, a favordo decretode 20de dezembro de 1864,
porcionou,semde modoalgumnos acharmos preparados paralhe a creaçãodasEscolas Industriaes.
colheros fructos.Atravessámos uma correntede verdadeira febre Assim,um errodeplorável de governação esperouquasimeiosé¬
constructora,quese alastrouda Avenidada Liberdadeatéao novo culoquea previdência patrióticade um ministroo emendasse. Mas
bairrodo Calvario,e do bairroEstephania aoAlto do Pina.Simples essesquarentae oito annosperdidosparaumainiciativautil e pro¬
alvenéus,queem qualqueroutragrandecapitalda Europase con¬ veitosa,quantonão têemde custará nação? — Eis o que,maisque
tentariam comos modestos salariosdo seuofficio,nãotendotitulos provavelmente, ninguém seoccupará«nunca emaveriguar...
queos libertassem da trolhae da enxó,ahios temosvistoamontoar
fortunas,
arvorando-se a si propriosemomnipotentes mestres deobras, (Continúa) GOMES DE BRITO.

A ESTATUA
DO ESCULPTOR MANUEL PEREIRA

ANUEL Pereira foi um esculptor madeira, bem conservada,que revela bem a força, a alma,
insigne, portuguez, que residiu por do grande artista portuguez.
longos annos em Hespanha. Tra¬ O Palomino (Antonio Palomino Velasco, El Museopictó¬
balhou muito; as suas esculpturas rico, Madrid, 1724,pag. 36o) exaltaas qualidades e talentos
eram applaudidas na corte de Ma¬ do nobleportuguês, insigne escultor,e inventariaas estatuas
drid; muitas devem existir ainda que elle deixou em Hespanha:
agora; e talvez não fosse difficil o «Siendo testigos fidedignos el San Bruno de piedra, que
estudo da sua obra, averiguandoda está en la Portada de la hospedaria de la Cartuja, que fué
existênciae paradeiro das mais no¬ tan de la aprobacion dei senor Phelipe Quarto, que tenia
táveis. Cyrillo Volkmar Machado, na Collecção de memó¬ mandado á su cochero dei tronco, que, en passandopor la
rias relativas ás vidas dos pintores, esculptores,architectos calle de Alcalá, y llegando a el sitio de la Hospedaria de
e gravadores portugueses e dos estrangeiros que estiveram la Cartuja, paráse, fingiendo que se le avia descompuesto
em Portugal (Lisboa, 1823, in-8°), a pag. 25i, faz menção alguna hebilla ó correa, para dar lugar á que Su Magestad
d’elle, referindo-se á grande obra de Palomino. le viesse.»
Manuel Pereira falleceu em 1667, com sessenta e tres Em seguida, mencionaoutro S Bruno, o da Cartuja de
annos de edade. Miraflores, de Burgos, o representadona nossa gravura.
Raczynski, nas suas obras sobre as bellas-artesem Por¬ E vem uma serie de trabalhos de primeira ordem; a es¬
tugal (Les Arts en Portugal, Paris, 1846; e Dictionnaire tatua de Santo Antonio, no templo de Santo Antonio de
historico-artistique du Portugal, Paris, 1847), escreve por los Portugueses em Madrid; a de Santo Isidro, na sua ca-
vezes sobre o famoso esculptor portuguez, citando Palo¬ pella; a de Santo André, na sua parochia; os lavradores
mino, Bermudez, Nagler, e o nosso Ç. V. Machado. A santos, que circumdam o tabernáculo em que se venera o
pag. 440 de Les Arts, etc., insere uma interessantecommu- sagrado corpo de Santo Isidro; a celebre estatuade pedra,
nicação de Francisco de Assis Rodrigues. Segundo este, de S. Bento, na portada do conventode S. Martinho; outras
Manuel Pereira foi o primeiro esculptor portuguez cuja estatuas em Alcalá de Henares, na igreja das religiosas
memória mereça conservar-se: e conta-nosque se di\ia que bernardas e no Collegio maior; o Christo do perdão, no
elle fôra o auctor das imagens de Christo, S. Jacinto e conventodos Dominicos do Rosário, de Madrid; finalmente,
de S. Pedro que se viam na igreja dos Dominicanos de a de S. João de Deus, a ultima estatuado esculptor, for¬
Bemfica. Quem sabe se lá está ainda, n aquella singular mada por um milagre de aptidão. Manuel Pereira estava
igreja de S. Domingos de Bemfica, alguma esculptura de quasi cego quando lhe fallaram na estatua de S. João de
Manuel Pereira? São precisos elementos de comparação. Deus, um santo portuguez, para a portada do claustro do
Que existemlá boas esculpturas, não ha duvida; mas d’isto convento de Anton Martin. O velho esculptor acceitouesse
a affirmar, sem uma assignatura,um monogramma,ou um trabalho, e, com o seu tacto maravilhoso, a aptidão artistica
documento,ha perigo de erro. Em todo o caso,esseboato, a tornada em instincto, executouo modelo da estatua,que foi
tradição, vale alguma cousa, e é preciso attenderao diqia-se. esculpida em pedra por Manuel Delgado, seu discípulo.
Segundo Bermudez, a estatua mais celebre de Manuel Que extraordinária poesia n’esse trabalho do esculptor,
Pereira é a de S. Bruno, da Cartuja dei Paular. Palomino que mal conservavauns restos de sensação da luz, mode¬
elogia também a de S. João de Deus. lando a sua estatuapacientemente,dando-lhe vida, expres¬
A nossa gravura representa a estatua de S. Bruno, da são, na attitude, no gesto, que os seus olhos já não conse¬
Cartuxa de Miraflores, perto de Burgos; esculptura em guiam ver!
58 ARTE PORTUGUEZA

A estatua de S. Bruno da Cartuxa de Evora está, creio


que desde i 836, na igreja de S. Francisco, numa capella
á esquerda de quem entra. É uma formosa esculptura, cAZULEJOS DE DESENHO GEOMÉTRICO
também. O santo está em oração, rosto erguido, como se
ante o olhar pairasse uma visão mystica, de um encanto
sem fim. O esculptor vincou-lheos lábios, que parecemmo¬
ver-se, murmurando a oração. EPRODUZIMOS na ultima pa¬
S. Bruno foi thema dilecto de artistas, e até o nosso gina do nosso primeiro numero
grande desenhistaDomingos Antonio de Sequeira trabalhou alguns azulejos de desenho geo¬
em interpretar essa figura de abnegação. métrico; hoje, apresentamosou¬
É celebre também o S. Bruno de Houdon (século xvm), tros doze exemplares de diversos
que está na igreja de Santa Maria dos Anjos, em Roma. motivos.Os artistas arabese mou¬
Luiz Gonse, na sua obra recentementepublicada La scul- riscos souberam variar e combi¬
pture française, apresenta-nosuma boa gravura d’essaima¬ nar graciosamente os desenhos
gem. Éste tem a cabeça inclinada, braços cruzados sobre geométricos,conseguindoás vezes
o peito, em attitude de fundo meditar. «Esse homem fal- effeitos variadíssimos, com elementos mui singelos. Assim
laria, exclamou ao vel-o o papa Clemente XIV, se a regra obtiveram também a ornamentação opulenta de alguns te-
da sua ordem lhe não ordenasseo silencio». ctos de madeira. Uma só peça, um triângulo chanfradonos
lados, por exemplo,collocado de modos diversos, tangendo-
se pelos ângulos ou ajustando-se pelas bases, fórma dese¬
nhos mui variados; colorindo essas mesmas peças em duas
ou tres tintas, obtem-se logo outro e outro effeito. Seria até
um exercício bom para escolares essas combinações de pe¬
ças singelasproduzindo diversos effeitos decorativos. Estes
azulejos prestam-setambém a modelos para as escolasin-
dustriaes; são motivos susceptíveisde applicação a muitos
objectos.
Murphy, nas suas Arabian antiquiíies of Spain, apresenta
bellas estampasdetalhadasde ornamentação geométricana
Alhambra. Chegaram a maravilhas decorativas,partindo de
elementosbem simples. Em Coimbra, o tecto de madeirado
guardaventoda Sé velha era um bello entrelaçadomourisco,
cujo motivo se encontra também nos azulejos. Na capella
do palacio real de Cintra e na sé do Funchal, existembellos
trabalhos d este genero; é possível que em breve a Arte
Portuguesa apresente gravuras representando estes speci-
mens de decoração geométrica.Em Evora, descobriu-seha
annos, no velho palacio do pateo de S. Miguel, um anti¬
quíssimo tecto arabe, que infelizmente deixaram perder;
tinha grandeeffeitodecorativo,obtido apenascom o repetido
emprego de duas pequenaspeças de madeira diversamente
combinadas, agrupadas, etc. Os espelhos da arcada claus-
tral da sé de Evora são em granito, alumiados, apresen¬
tando entrelaços'mouriscos de variados typos. Os azulejos
que hoje apresentamossão todos provenientes de edifícios
portuguezes.
Como se vê, n’esteramo de arte, como succedeem outros
muitos, temos grandes series no paiz. A influencia mou¬
risca manifesta-se ainda na architectura, especialmenteao
sul do Tejo; as communas de mouros viveram á sua von¬
tade nas cidades do sul até ao século xvi; não havia festa
sem danças e descantesde moirinhos; alguns officios eram
exercidos quasi exclusivamentepor elles; e ainda nos cam¬
pos, na horta ou no pequeno casal, se encontrava o mouro.
Por isto tão grande numero de vocábulos de origem arabe
permanecena lingua portugueza. Demais, muito antes de
Na estatua do S. Bruno de M. Pereira, as linhas da terminar
a communa mourisca em Portugal, o portuguez
roupagem ampla levam todas á face; a cabeçanua, calva, foi conviver
com o mouro em África, em Tanger e Ceuta,
é agreste; no rosto se concentratodo o fogo da alma aus¬ e
em tantas partes, em longo domínio cortado de guerras,
tera. Tem o crucifixo na mão direita; fita-o, e parece
que havendo todavia dilatados períodos de convivência pacifica,
lhe está dedicandotoda a sua vida e energia.
de commercio aturado, com esse povo que tem sabido con¬
Ha verdade e simplicidade nessa esculptura; revela-se
servar as suas tradições, costumes e artes, através séculos
ahi bem a adaptação immediata da concepção intima á
e desastres.O xadrez de azulejo verde e branco, tão vul¬
perfeita creação externa.
gar entre nós nas construcções dos séculos xv e xvi, ainda
g. PEREIRA. hoje é de uso geral nas cidades de Marrocos.
ARTE PORTUGUEZA 5g

cendo, avolumando,com seus accidentes,picado de trechos


brilhantes,á magestadedo grande torreão, ao alterosovulto
VISTA DE LISBOA guerreiro do Castello, aos edifícios religiosos. Uma linha
formosíssima.
Nas aguas do Tejo fiuctuam as naus de differentesban¬
deiras, inglezas, hespanholas,ao lado das nacionaes.
Quasi a meio, estáuma nau com as bandeiras das quinas;
NOSSO director artístico teve a pa¬ em volta, alguns catraios, ou barcos menores; parece indi¬
ciência de reproduzir a Vista de Lis¬ cada a nau que vai partir, levando o futuro santo, o que
boa, que se acha, de ha muito, na será singularíssimo apostolo das índias.
Academia das Bellas Artes; prestou S. Francisco Xavier partiu de Lisboa em 7 de abril de
um bom serviço, pois ainda essatela, 1541; poucos dias antes, em 18 de março, escrevera a
de grandes dimensões,não tinha sido Santo Ignacio de Loyola. N’essa carta, elle refere-se á au¬
reduzida á estampa vulgarisadora. diência de despedida, que el-rei D. João III lhe dera, tra¬
Uma tentativa photographica, que se fez ha pouco, não tando-o com muito amor, e mostrando muito interesse pela
deu resultado. As tintas estão enegrecidas. sua missão. No quadro figuram dois padres; é possível
Partindo do oriente para o poente,a estampamostra-nos que algum dos fidalgos presentes ahi representadosseja o
a casaria da cidade, separadado rio por uma praia larga; vice-rei Martim Affonso de Sousa, grande e dedicadoamigo
está, logo no começo da vista, a forca; segue a ribeira, a de Francisco Xavier. Talvez o outro padre seja Simão Ro¬
celebre ribeira velha, toda orlada de barcos de cabotagem; drigues, que esteve na audiência, ou Francisco Mansilha,
entre a casaria conhece-se a casa dos bicos, com dois an¬ que foi companheiro de Xavier para a índia.
dares, um dos monumentosda velha Lisboa, que felizmente O pintor, bastanteafastado do tempo do seu assumpto,
resistiu a terremotos e innovaçoes; na linha superior, co¬ não foi minucioso. (Sobre Francisco Xavier publicou-se re¬
nhecem-sebem as vastas construcçoes de S. Vicente e dos centementeum volume interessante— Saint-François de
Loyos, o vulto proeminentedo Castello; e, no meio da ca¬ Xavier. Documentsnouveaux, par P. L. Jos. Marie Cros.,
saria, abaixo dos Loyos, sobresaemas duas torres alterosas S. J., Toulouse, 1894.)
da Sé de Lisboa, e a collossal torre do cruzeiro, com as A scena do despedimentoestá representadana parte su¬
suas grandes janellas. Como se vê, as torres da frente não perior, formando quadro com sua moldura; dois cherubins
terminavam então como agora. A venerandacathedral tem sustentam a moldura, e uma opulenta grinalda de flores,
soffrido muito com os terremotos, e um tanto também pelo á maneira de Josefa d’Ayala ou Josefa de Óbidos. Outro
mau gosto e vandalismo. cherubim, ao lado do quadro, mostra, desenrolado,um per¬
Ao fundo, estão indicados os montes da Penha, e o tem- gaminho que explica a scena do quadro: João III, tendo
plosinho de S. Gens, celebrados na tradição popular e re¬ recebidoas lettras pontifícias,despedepara a índia S. Fran¬
ligiosa da capital. cisco Xavier.
A meio, o vasto Terreiro do Paço, o grande torreão fi- Na igreja de S. Luiz dos Francezes, no alto da parede
lippino, a galeria que do paço vinha á beira do rio, e as á esquerda de quem entra, pende uma grande tela com
vastas construcçoes do lado norte da praça com os seus uma vista de Lisboa, que deve ser feita na mesma epocha,
arcos, a oriente os armazéns, e, no meio, a fonte monu¬ e, muito provavelmente,pelo mesmopincel, —a avaliar pela
mental. maneira e tom, — que delineou a vista que reproduzimos.
Avistam-se torres altas, aos pares, por detrás do paço, Na grande vista de Lisboa em i 65o, gravura acompa¬
e um edifício alto: é a Magdalena, e talvez as torres sejam nhada de lettreiros em portuguez e inglez, estão marcados
de S. Nicolau e da Conceição. os seguintes edifícios: Torre de S. Vicente de Belem, con¬
Em frente do Terreiro do Paço, ha uma praia larga; vento dos Jeronymos, palacio e jardins de Belem, Santo
apparece assim em muitas gravuras do século xvn. Nas Amaro, convento das Necessidades,conventos de S. Bento
curiosas estampas que representam a chegada da rainha e da Esperança, igrejas das Chagas, Santa Catharina, e
da Gran-Bretanha, D. Catharina, a Lisboa, está bem dese- Loreto, restos dos antigos muros, Corpo Santo, o celebre
. nhada essa praia (onde formaram as tropas) e a galeria de palacio dos Cortes Reaes, S. Roque, S. Francisco, Trin¬
embarque. dade, palacio de Bragança, a Ribeira das Naus, com seus
Junto a essa galeria, na nossa estampa, estáuma galeota; navios em construcção, S. Domingos, o Palacio real e a
Francisco Xavier e o seu companheiro embarcam; na pin¬ Casa da índia (Terreiro do Paço), Espirito Santo, Graça,
tura, essas figuras marcam-senitidamente. S. Julião, S. Nicolau (d’esta e d’outras igrejas a gravura
A poente do torreão monumental,mostram-se os jardins mostra apenas as torres), Magdalena, Castello de S. Jorge,
do Paço, e logo os estaleiros, com as suas officinase guin¬ Santo Eloy, o Limoeiro, a Sé, a Ribeira Velha, S. João da
dastes de rodas. Praça, e, finalmente, a vasta mole de S. Vicente de Fóra.
Estão dois navios em construcção. Alguns alterosos edi_ Pouco mais ou menos, e como é natural e ainda agora
ficios sobresaem, entre a casaria miuda: S. Francisco, o se pratica, estas vistas demonstrativasde Lisboa são tira¬
Carmo, Santa Catharina; e seguem, na beira do largo rio, das de em frente do Terreiro do Paço, a uns 1:000metros
apinhando-se, as construcçoes dos Remolares, S. Paulo, ao sul, deixando ver ainda Belem, e avistando já o Monte
Boa Vista, e da Rocha, e, como em rhythmo, vão approxi- de S. Gens. Quem frequentar o Tejo no vapor do Barreiro
mando-se as curvas do horisonte e da praia, ondulando algumasvezes encontrará o ponto approximado de onde se
ambas, Santo Amaro, Belem, Jeronymos. Bem afastada suppõem tiradas estas vistas.
da praia, descobre-se essa joia incomparável, a torre de Esta vista de i 65o é bem curiosa, e, como succede na
Belem. estampa que apresentamos, é documento valioso para a
Parece uma symphonia, esta vista da cidade; um drama historia da cidade e construcção naval.
g. PEREIRA.
musical, que nasce para os lados do mar, e vem em cres¬
62 ARTE PORTUGUEZA

cada vez mais nitida, aos olhos de mestre Francisco, sem¬


QÃ CHEGADA a GOA
pre encostadoá sua amurada, sempre absorto na sua visão
DE exterior e interior. Aquella terra não estava virgem de
christianismo, como o attestavamos altos campanarios das
S. FRANCISCO XAVIER igrejas, com as suas cruzes de ferro, que já se começavam
a distinguir, finamenterecortadas no azul lavado. Mas, ao
lado dos raros christãos, quantas almas, n’aquellas lumino¬
sas terras do Oriente, se achavam mergulhadas na densa
O dia 7 de maio do anno de 1542, obscuridade da idolatria, nas mais densas trevas do isla-
chegavaá barra de Goa a armadaem que mismo! E, em face d'este campo maravilhoso, promettendo
vinha do reino Martim Affonso de Sousa. tão vastas colheitas, o espirito do missionário exaltava-se,
Trazia uma demoradissimaviagem,tendo subtilisavase nos mais ardentes requintes da fé, o seu co¬
saído do Tejo em abril do anno anterior. ração adoçava-sen’aquellainfinita ternura pela humanidade,
Todos a bordo estavam,portanto, impa¬ sobretudo pela humanidade representada nos pobres, nos
cientespor chegar ao termo; e, n’aquella pequenos,nos abandonados,nos ignorantes, que foi um dos
manha, antes de o sol nascer, todos se grandes e raros predicados do seu caracter—ternura tão
agrupavam á proa, ou seguros das enxarcias, procurando intensa, acompanhadadexuin tão completo desprendimento
a desejada terra nas brumas da madrugada, sob o céu já de si mesmo, que parecia directamenteherdada de Jesus,
esbrazeado. em cuja Companhia assentarapraça.
De pé, no chapitéu de pôpa da sua nau, o novo gover¬ Claro está, que, a proposito de uma simples vista de
nador via surgir, pouco a pouco, do azul das aguas,o con¬ Goa, não pretendemos discutir mais uma vez a tão dis¬
torno da costa: á direita, a Senhora do Cabo; á esquerda, cutida Companhia de Jesus, nem esboçar a vida, aliás co-
a Aguada e os Reis Magos; em face, a entrada,prolongan¬ nhecidissima, do grande apostolo do Oriente. Unicamente
do-se pela ria do Mandoví, entre casas caiadas, que recor¬ notaremos, muito de passagem,que a celebre Companhia,
davam Portugal, e altos coqueiros, levemente balouçados se tivesse sido representadaem todos os tempos e todas as
na briza, que marcavam a feição exótica da região. Tudo regiões por espíritos tão altos e tão puros, como foi o de
aquillo lhe era familiar, como se o tivesse deixado na ves- mestre Francisco, não seria discutida nem discutível, e sim¬
pera; e, na sua memória tenazde marinheiro, ía conhecendo plesmentevenerada. Mas, neste caso, não seria uma Com¬
todas as marcas, cabeço a cabeço, e arvore a arvore. É que panhia de homens— já não é pouco ter tido um. mestre
Martim Affonso era um velho indiatico; poucos annos antes, Francisco no seu seio.
como capitão-mór do mar, havia entrado e saído aquella
barra, dezenase dezenasde vezes.Mas, agora, vinha como
governador, como chefe supremo do vastissimo dominio Do curioso quadro, de que a Arte Portuguesa dá hoje a
portuguez, que tão largamentese estendia, n’aquellestem¬ reproducção, pouco ha a
dizer, que não resulte desde logo
pos, pelos mares e terras do Oriente. E, pensativo, a so¬ da sua
inspecção. Não é, como se vê, propriamente uma
brancelha carregada, os olhos fitos na terra, que mais e vista de Coa, mas
antesuma especiede mappa, abrangendo
mais claramentese ia desenhandoá proa, embebia-seno toda a ilha de
Goa, todas as terras de Bardez até ao rio de
orgulho da nova e alta situação, no sentimentodas futuras Chaporá, e ainda,um
pouco ao norte, todas as terras de Sal-
e gravesresponsabilidades;calculavao modo por que desde sete até
para alem do rio do Sal ou de Betul. O conjunto
logo affirmaria a sua auctoridade; por que premiaria os do quadro, interessantee
fiel como é, dá-nos, comtudo, a
amigos,e reduziria ao silencio os inimigos, que alli deixara; impressão de ter sido
delineado em Lisboa, por um artista
por que se haveria com o seu predecessor, D. Estevão da que nunca viu o
que representou. Emquanto a vista de Lis¬
Gama; por que tomaria estrictas contas ao feitor Luiz de boa foi
evidentementetirada do natural, e tem um cunho
Moura, ou ao thesoureiro Ruy Gonçalves de Caminha. de intensa verdade, a vista de Goa, se assim se lhe
Mais longe, encostadoá amurada, mestre Francisco Xa¬ póde
chamar, pareceser compostasobre desenhos,plantas e des-
vier, pobremente envolto na roupeta gasta e roçada, exa¬
cripções, que como é bem sabido— por muitas e diversas
minava também attentae fixamenteaquella estranha terra, vezes
vieram da índia. É exacta em muitos pontos, compi¬
tão nova para elle. Mas os duros cuidados que no mesmo
lada e organisadacom cuidado, mas não tem de modo
momento carregavamo semblante de Martim Affonso, es¬ o algum
caracter de uma cousa vista.
tavam bem longe do seu espirito. Havia muito tempo
já É quasi inútil também notar, que o*quadro não é
que o antigo fidalgo navarro abandonaraas pompas e os con¬
temporâneo da scena que representa e commemora,
cuidados doestemundo. Vinha alli por obediência ao seu pois
isso se denuncia desde logo. O pintor não se
superior, Ignacio de Loyola, e ao papa Paulo III, a quem preoccupou
mesmo com a exactidão chronologica, não tentou uma re-
o rei de Portugal mandara pedir missionários pelo seu em¬
construcção da Goa de 1542, e delineou muito simples¬
baixador, D. Pedro Mascarenhas.Vinha para a índia, como
mente o que lhe indicavam os documentos do
teria ficadona Italia ou em Portugal, como teria partido seu tempo.
para As fortificações da Aguada, da Senhora do
a America, na absoluta abdicação da sua vontade, em Cabo, de Mor-
tudo mugão, que, aliás, são um tanto de
quanto não fosse o fim supremo da sua vida. Mas os im¬ phantasia, e nunca ti
veram o aspecto formidável com que estão
pulsos do seu coração coincidiam agora com as determina¬ representadas,
essas
ções do dever. Embebia-se, como Martim Affonso, no sen¬ a 1542,e fortificações^são,em todo o caso, muito posteriores
d ellas não ha vestigiono mappa ou vista
timento das suas responsabilidades.Enlevava-se,como de Goa,
elle, de Linschoten, publicado, no
na idéa de futuras conquistas,sómenteas suas eram emtanto,muitos annos depois,
espiri- já no de 1595. De resto, o pintor fez
tuaes, conquistas de almas a ganhar e a salvar. exactamenteo mesmo
para Lisboa, que representoutal qual a
A nau seguialentamente,cortando as aguastransparentes viu, sem se pren¬
der, ou sem pensar, mesmo, nas
dos tropicos. E a terra do seu futuro apostolado
definia-se o meado do xvi século. Isto alterações soffridas desde
era naturalíssimo, pois a idéa
ARTE PORTUGUEZA 63

de còr local, da exactidão no espaço ou no tempo, é muito d’estasovelhas lhe faziam, deliberoudar-lhes á gafeira o re-
moderna na Arte. medio radical. Preparou-lhes em Braga, junto da sua séde,
Ha no quadro de Goa um anachronismo mais singular casa apropriada, onde estivessemmais ao abrigo das ten¬
para aquelles tempos, e singular, sobretudo, em uma obra tações da carne e mais ao alcanceda sua vigilância de bom
evidentemente encommendada e inspirada pelos eruditos pastor. As freiras, porém, mais contentesde certo com as
jesuitas. O lettreiro explicativo da scena representada ao dadivas da terra do que com as esperançasdo céu, resisti¬
alto do quadro, diz-nos que o missionário e núncio aposto- ram a todas as suggestÕese argumentos do seu prelado
lico ajoelha aos pés do Primaz do Oriente. Ora, no anno para as reconduzir ao caminho direito da gloria. Foram
de i 5q2, existia em Goa um simples bispado e um simples doze annos de lucta pertinaz, com invocações do concilio
bispo, que então era D. João de Albuquerque; e aquella Tridentino, dos Santos Padres, com o emprego, emfim, de
igreja só foi elevada á dignidade de sé archiepiscopal e todas as armas mais aceradasdo arsenal theologico. A tudo
metropolitana, pela bulia de Paulo IV, no anno de 1557. as valorosas freiras oppunham, como escudo, razões mais
D. João de Albuquerque, que, —seja dito de passagem,— ou menos especiosas, de que a historia nos não dá conta.
foi um grande e intimo amigo de mestre Francisco Xavier, Afinal, a paciência evangélica do prelado ia-se exgotando.
não podia, pois, ser chamado Primaz do Oriente, no mo¬ Appellou para a força, e pediu auxilio ao braço secular.
mento em que este chegou á índia, e nunca teve mesmo Acompanhado por um desembargadordo Porto e por ou¬
aquella alta situação. tras justiças, alem de muita gente de Braga, seguido de um
Taes são as simples reflexões, que póde suggerir, n’um grande numero de cavalgadurasapparelhadaspara o trans¬
primeiro e rápido exame, o quadro relativo a Goa, o qual, porte das monjas rebeldes, D. Frei Agostinho foi-se a ca¬
em todo o caso, é um documento artistico muito interes¬ minho do convento.
sante. Mas o apparato de força não intimidou as arrogantes
Condede FICALHO. freirinhas. Bellicosamente,acudiram ás portas do mosteiro
a defendel-as.Parece que, entre as lições profanas recebi¬
das dos maus homensde Ponte de Lima e contornos, não
haviam sido das menos aproveitadasas que diziam respeito
MODELOS DE ARTE NAVAL PORTUGUEZA
á arte da guerra. Quebradas a machadoas portas pelos as¬
DO SÉCULO XVI saltantes, refugiaram-se as sitiadas noutra casa, onde se
tornou mister usar do mesmo violento processo. Por fim,
recolheramao côro, onde durante tres dias chegarama sof-
O espolio do mosteiro de frei¬ frer as angustias da fome, antes de obedeceremá auctori-
ras do Salvador, situado no dade paternal do primaz das Hespanhas, reforçada pela
campo da Vinha, em Braga, auctoridade,mais effectiva,das justiças do senhor rei D. Fi-
pertenciarrt varias fôrmas de lippe. Nos últimos apuros, renderam-se,apenascom o cas¬
madeira, recolhidas ha pouco tigo de uma ou duas mais refractarias, e tiveram a conso¬
na Academia das Bellas-Artes, lação ou a affronta de serem conduzidasprocessionalmente
e duas das quaes são repro¬ ao seu novo convento de Braga. Alli fizeram, d’então por
duzidas nas estampas juntas. deante, santa vida, ao que parece,visto que para outra lhes
Todas ellas são recommenda- haviam cerceadoas antigas liberdades. E, quando em 1674
se revoltaram tu¬
'veis pela nitidez da esculptura, accrescendoem algumas a as freiras dos tres conventos de Braga
D. Veríssimo
belleza da concepção allegorica. Mas o assumpto especial multuosamentecontra as ordens do arcebispo
escarmentadas
das duas, de que particularmenteme occupo, fez-me deve¬ de Alencastre, as do Salvador, porventurajá
anterior, foram
ras scismar. Constava que essas fôrmas eram empregadas pela recordação da renhida lucta do século
nos doces outr’ora fabricados pelas freiras. Mas, como é as primeiras a ceder.
que á mente das freiras de Braga occorrera a idéa de re¬ Ora, das prendas em que primariam as freirinhas, no seu
das Donas, notabilisava-se
produzir nos seus artefactos de confeitaria, assumptos de retiro semi-mundanodeVictorino
de reconhecida
arte naval do século xvi? A explicação não era facil. Á min¬ porventura a doçaria, industria conventual
nossos tempos. É provável tambémque, entre
gua de uma solução decisiva, aventuro a hypotheseque se fama até aos
me affigura plausível. os instrumentoshumanos de que o demonio se serviu para
Em Victorino das Donas, freguezia pertencente ao con¬
celho de Ponte do Lima, e distante 7 kilometros da villa
d’este nome, existia, até finaes do século xvi, um mosteiro
de freiras benedictinas,que, parece, fôra primitivamentede
frades. N’elle foram encorporados, por 1460, os mosteiros
de S. Salvador de Bulhente, em Ancora, e de Santa Eufe¬
mia de Calheiros.
Ora, não primavam pela santidade, ao que se deduz das
chronicas, as freirasinhas de Victorino. Longe do povoado,
o mosteiro, segundo diz o arcebispo D. Rodrigo da Cunha,
«estava tão exposto a descortezias de maus homens, que
cada dia havia matériade queixas n’esteparticular». Não diz
o venerável prelado se estas descorteziaseram do agrado
das monjas; mas é licito inclinarmo-nos para a affirmativa,
em vista do que se seguiu.
Em 1589, o arcebispo de Braga, D. Frei Agostinho de
Castro, cansado, provavelmente, das queixas continuasque
64 ARTE PORTUGUEZA

urdir as suas tentações,não escasseiassemos fidalgos que porventura phantasiadapelo artista para lisonjear o espirito
se aventuravamás arduas lides do mar. É sabido como o devoto das freiras. Ainda corrobora esta hypothese a au¬
porto de Vianna do Castello concorria em larga escala para sência do respectivo apparelho, tão minuciosamenterepro¬
o movimento marítimo de Portugal. Accrescente-se a in¬ duzido nas restantespartes da nau.
fluencia que deveria exercer sobre as freiras de Ancora, O outro relevo representa uma galé, ou, para fallar mais
encorporadas no mosteiro de Victorino, a vizinhança do correctamente,um navio da familia das galés, o qual é ne¬
cessariamenteum bergantim. Corresponde perfeitamenteá
definição fornecida por Pantero-Pantera, e reproduzida por
Jal: «O bergantim é um navio um pouco mais pequeno do
que a galeota, mas tendo fórma idêntica, com a difterença
de ter a coxia1 menos elevada do que a galeota. Tem co¬
berta, uma só vela, que é a grande, e oito a dezeseis ban¬
cos de um só remo.» O presente modelo tem dez remos
por banda. O seu característico mais notável é a existência
de um castello de proa, que falta nas galés e galeotastan¬
tas vezes reproduzidas nas estampasde D. João de Castro,
a que já me referi. O castello é armado com'tres peças de
artilheria,provavelmenteberços. Deve ser tambémum berço
ou uma meia esphera que está assestadaem grande eleva¬
ção, avante do mastro. Tres charameleiros, em figuras des¬
proporcionadas,tangem os seus instrumentos, em saudação
ou em tom de guerra, empunhando lanças desconformes.
A enorme bandeira farpada repete os distinctivos que se
vêem nas da nau.
Também nas galés do Roteiro citado se não vê o grande
Oceano e o contacto com os mareantes. É de notar, alem pharol de pôpa, que esta apresenta.
Quer-me parecer que
d’isso, como as tripulações das nossas armadas se abas¬ este facto já revela a influencia dos hespanhoes, visto
que,
teciam copiosamentede doces e generos de conservaria, como julgo ter já provado nos Estudos sobre navios
portu¬
mais de certo pela sua duração do que por simples gulodice.
guesesnos séculosxv e xvi, o uso dos navios de remo foi
Os nossos chronistas dos descobrimentose conquistas de quasi completamentebanido na
metropole durante aquelle
alem-marnão cessamde alludir a presentesde marmelada, período, subsistindo
apenas nas costas de África e no
conservas de fructas, etc., feitos pelos navegantes portu- Oriente.
guezes aos régulos de África.e aos rajahs da índia. Todas
estas considerações levam a explicar satisfactoriamentea 1 Corredorquese estendiaa todo o comprimento dosnaviosde
origem dos ornatos que, segundo a tradição, as freiras do remo,entreas filasde bancosdos remadores, paracommunicar de
Salvador empregavamna fabricação da sua doçaria. Eram pôpaá prôa.
as recordações que lhes restavam d’aquelles bons tempos HenriqueLOPES DE MENDONÇA.
de Victorino das Donas, em que os visitantes lhes traziam
ao mosteiro as emanaçõessalsas do Oceano e os balsamos
entontecedoresdo Oriente. Com effeito,uma das fôrmas, que
não são n’este momento reproduzidas, é uma bella allego- ÁLVARO GONÇALVES
ria do rio Nilo, e outra, cuja significaçãonão posso neste
momento determinar, contém attributos de caracter egy- PINTOR DO SÉCULO XV
pcio.
As presentesesculpturas, representandouma nau e uma
galé do século xvi, são da mão de um artista um pouco in¬ UBLICAREMOS alguns
gênuo, mas deverasconsciencioso.Raras vezes,em archeo- documentos que se referem
logia naval, se encontram exemplarestão perfeitos e minu¬ a artes e artistas em Portu¬
ciosos, revelando os conhecimentostechnicos do auctor.
gal. Julgamos inédito o que
A nau apresentauma conformação em tudo similhante
hoje apresentamos; e tem
aos documentosque nos ficaram do séculoxvi. As bandei¬
importância, como tudo que
ras farpadas, com a cruz em diagonal, determinam-lhea
respeita á pintura portu-
nacionalidade,por ser este o distinctivo que apparece em
gueza no século xv; por isto
grande numero de bandeiras portuguezas do tempo; basta
transcrevemos o estormento
citar muitas das galés insertas no atlas que acompanha
denpreitada,na integra, mo-
o Roteiro de Gòa a Diu, de D. João de Castro. Um por¬
dernisando a orthographia.
menor curioso é o apparecimentode uns madeiros em cruz
no extremo do gurupés. Duvido que seja isto a repro-
«Saibamquantosesteinstrumento de empreitada e obrigação vi-
ducção do mastareo que, antes de se imaginar o pau da rem,queaostreze
diasdo mezde outubro,annode NossoSenhor
bujarrona, se collocava erecto sobre o mastro do gurupés, JesusChristode mil
e quatrocentose sessenta,na cidadede Evora,
com verga para vela redonda. A sua pequenez, e a insigni¬ nospaçosdo reverendo senhorDomVasco,bispoda ditacidade,em
ficanteresistênciaque n’aquelleponto oíFereceriao gurupés, presença demimtabelliãoe testemunhas subescriptas,o dito senhor
são os motivos da minha duvida, attendendoao escrupulo bispo,quepresente estava,eÁlvaroGonçalves, pintor,comelle,disse¬
de que dá provas o esculptor em todos os mais pormeno¬ ramqueelledito senhorbispotinhafeitaavençacomo ditoÁlvaro
Gonçalves, dafeiturade esteinstrumentoatéumannocumprido,lhe
res. Avento de preferencia que fosse uma insígnia christã, dê feitosdois
retábulosde seiscovadose meioemlargoe denove
ARTE PORTUGUEZA

covadose meioemalturacadaura,de bordosdeFlandres,comseus e, emtestemunho d’isto,outorgaram ser feitossenhosinstrumentos-


embaixo,e comseusguardapós emalto,e comsuasportas Testemunhas: João AfFonso, licenciado,e GomesSanches, recebedor
escabellos
nasilhargas,queçarremos ditosretábulos, osquaespintaráde ima¬ do ditosenhorbispoe NunoAlvaresTisnadoe JoãoRodriguesPinga,
e de oiro e deazul,dedentroe de fóra,mais seusescudeiros. E eu,AffonsoGonçalves, vassallod’el-reieseutabellião
gense de maçonodia
as mostrasderradei¬ publiconaditacidade,queesteinstrumento, por autoridade realque
ricamente quesepoderfazer,segundo requerem
a elleditosenhor paraissotenho,parao dito senhorbispofiz escrever, e por mimo
rasquede elletemdadaso ditoÁlvaro Gonçalves
bispo,emguisaqueoutrostãobonssenãoachememPortugal;e um subescrevi e aquimeusignalfiz quetal (signalpublico)é.Pagou,de
d’ellesseráparao altarmórdeSantaMariado Espinheiro,e o outro notae ida,quarenta reaes.»
seráparao altarmórde SantaClara da ditacidade;outrosimque
pintede boaspinturas e côres,de oiro e deazul,naschaves e nos
logaresondefor cumpridoiroe nasarmasdo dito senhorbispo,em
É um pergaminho bem calligraphado, em bom estado de
todasasquatrocapellas quesãofeitasnosditosmosteiros; convema conservação. Era do mosteiro de Nossa Senhora do Espi¬
saber,tresemSantaMariado Espinheiro, comoestãofeitasa capella nheiro e pertence,de ha muito, á BibliothecaPublica de Évo¬
móre asduasqueestãonasilhargasdo cruzeiro,e a capellamórde ra, onde está no álbum, com muitos outros pergaminhos
SantaClara,queserãotodasde abobada, as quaespintarátodasde
da mesma proveniência. O bispo D. Vasco Perdigão foi
fundoatécima,ricamente e honradamente; e paraistocumprir,o dito
Álvaro Gonçalves dissequeobrigava a si e a suapessoa e seu/corpo grande bemfeitor do mosteiro do Espinheiro e das religiosas
os edifícios, as quadras ou claus¬
e seusbens,moveise de raiz,havidose por haver,a fazeras ditas de Santa Clara; em ambos
cousastodassobreditas declaradas, beme fielmente e semmaliciaal¬ tros devem ser do seu tempo; as igrejas foram ampliadas
guma,e tudodarfeitoe acabado atéo ditoarinocumprido, comodito e reconstruídas; das pinturas de Álvaro Gonçalves, nada
é; e prometteutere manter ecumprirtudoaquilloqueditoé,sobpena resta. Com escabellos e guardapós e portas nas ilhargas,
deellepagaraoditosenhorbispocemmil reaesbrancosde pena,e
seriam como grandes trípticos ou almarios, os corpos cen-
emnomedepenae interesse; e,levadaa ditapenaounãolevada,que
o ditocontractoseja firmee cumprido e perfeito e emtudoe portudo, traes pintados só n’uma face, as portas pintadas nos dois
e seobrigava porissosercitadoe responder e fazerdesi cumprimento lados. A pintura era de figuras e edifícios. O dourado das
dedireitoe justiça,sobretudoo quedito é, anteos vigáriosdo dito chaves, talvez signifique os dizeres ou lettreiros dourados,
senhorbispo,renunciando paraistotodasas leis e todosos direitos nomes de figuras, de sitios, e versiculos apropriados, como
civise todasasordenações, espaços e privilégiose outrasquaesquer
n’aquella extraordinária paixão, pintura antiga das mais
cousas,quesepossamcuidare allegaremseufavor;e o ditosenhor côro
bispodissequeelleseobrigava, pelasuamesapontifical, de dare pa¬ notáveis que resta em Portugal, que se conserva no
garporasditasobrastodasaoditoÁlvaroGonçalves, centoe dezmil de cima da Madre de Deus, de Xabregas.
reaesbrancose cincomoiosdetrigo,porestaguisa:o trigo,pagologo Capellas de abobadapintadas de baixo a cima ricamente,
todod’entemão, e osdinheiros, pagosemquatropagas.s. logono co¬ assimusavam entãoe era tradicional; pintava-se,dourava-se
rs.; e deahi a quatro mezes,
meçodaobra,vintesetemil quinhentos sobre a pedra; os fechos no cruzeiro dos Jeronymos ainda
outrosvintee setemil e quinhentos rs.; e a outrosquatromezesse¬
guintes,outrosvintee setemilequinhentos rs.;e,acabada aditaobra, mostram os seus oiros e côres.
queseráema fime acabamento do ditoanno,outrosvintee setemil A quantia é muito importante, para a epocha; o bispo
e quinhentos rs.,emcumprimento de pagodosditoscentoe dezmil estava bem resolvido a ter as melhores obras de Portugal
rs.; promettendo o dito senhorbispofazerpagamento aoditoÁlvaro nas suas igrejas; e vê-se do documento que a encommenda
detudoo quedito é, aostempossobreditos e declarados,
Gonçalves fez depois de estudadasas amostras, que o pintor apre¬
sobpenadelhepagarcemmil rs.de penae interesse; e, a ditapena se
ditocontrato sejaemtudo cumprido, o qual sentou por mais de uma vez.
levadaou nãolevada,o g. PEREIRA.
contratoasditaspartesO;louvarame o affirmaram porbome valioso,

EXPOSIÇÕES MODERNAS
DO LIVRO—DA ENCADERNAÇÃO—DAS MULHERES FORMOSAS

inter- tumultuosas,aoreclamodasquaesacodepressurosa, dasquatropartes


S grandesexposições
nacionaes,inauguradas, em do mundo,a multidão,avidade sensações e de prazerese, na sua
dominada pelaexpectativa damaisbanal
1851,pelaInglaterra,actua- maioria,quasiexclusivamente
rampoderosamente no pro¬ curiosidade.
Devem- A verdade, porém, é queesses ruidososconcursos d só
aindustria
gressodasindustrias.
lhes,inquestionavelmente, a aproveitam ás naçõesgrandese ricas: o maiorquinhãodo negocio
transfor¬ é invariavelmente paraos decasa.Os paizespequenos vãoreconhe¬
suaquasicompleta
cendo,á suacusta,que n’esses lautosfestinsda artee da industria,
mação todas aquellasque aoamphitryão.
maisdirectamente dependem o melhorboccado cabesempre
daarte. Effectivamente,a naçãoquefazashonrasdacasatemsempretudo
Ultimamente,porém, a a ganhar;dispõeas cousasa seubeiprazer,e aproveita, portanto,as
quelheproporciona o estardedentro.Em condições supe¬
ambição doslucros,e outras vantagens
maisdesafogadamente á ob¬
causas ainda—que,por mui¬ riores,e quelhe permittemdedicar-se
nosdispensa¬servação e aoestudo, vaetratandodesurprehender a cadaconvidado
to conhecidas,
essesbri¬ os seusprocessos os seussegredos
especiaes, deofficio;e, emquanto
mosde indicar— teem,poucoa pouco,feito degenerar maquia proveniente do obuloquevemdepor-lhe na
feirasfrancas arrecada
kermesses, a grossa
dotrabalhoemgigantescas
lhantescertamens
ARTE PORTUGUEZA

bandejao visitantecurioso,ao mesmo Exceptua-se a Dinamarca, a unicaentreasnaçõesexpositoras que


do apresenta algumcontingente de novidade.Accentuam-se, aliás,nos
Wm, temporecolhea partemaisavultada
resultado dasvendas. industriaesd’estepequenopaiz,ha umcertonumerode annos,mani¬
paraa reivindicação deumlogardehonranaspri¬
A situação, parao hospede, édiversa, festastendências
e muitomenosfavoravel. A quantidade meirasfileirasdosproduetores dasindustriasdearte;podendoaffir-
exorbitante.deproductos;o espaço mar-seque,no presentecaso,conseguedar lições ás naçõesmais
enormequeoccupam;a confusãopro¬ adeantadas. Na suapequena exposição, admiravel quantoaomethodo,
Ikf -z duzidapelamuitaaffiuencia e pelocon¬ e á escolhados objectosexhibidos,attrahiramdesdelogo a vista
emcoirolavrado,embutidoe marchetado
stantevae-vem daturbamulta,sãoou¬ as bellasencadernações de
trastantascausasquenãosó lhe diffi- variascores,generoqueos dinamarquezes iniciarame cujosmotivos
cultam,comoainda,emmuitoscasos, ornamentaes, deumsabortãooriginal e archaico, seinspiram emthe-
lhe tornamquasiimpraticável o con¬ masdecorativos coévosdaantigacivilisação escandinava, anteriorao
frontoe a apreciação dasespecies que christianismo. Affirma-setambém maisumaveza incontestável supe¬
levaemvistaestudar.E d’ahi,sentin¬ rioridadedos francezes em tudoque diz respeitoá artedo livreiro
do-sepequeno, assoberbado, perantea e do encadernador. Quasi a par dos da França,admiram-se o s tra¬
incontestável superioridade da grande balhosinglezes,aliásem numeroreduzido,porquea installação bri-
naçãocujoconviteseapressou a accei- tannica,por umqualquerconcursode circumstancias, nuncachegou
tar, poucoa poucovae-seretrahindo.; a completar se.
nenvjáconseguem induzi!o a iscadas Nãodesmente a Bélgicaos créditosadquiridos emanteriores expo¬
distincções e o engododasrecompensassições;a suainstallação, comtudo,não offereceá criticaelementos
honorificas, que a excessiva e notoria deabsoluta novidade.
complacência dos grandesjurys, tão Osaustríacos apresentam-se muitobem,conformecostumam. Irre-
irresponsáveis quantonumerosos, torna prehensiveis os seusproductos:o coirolavrado,a camurçae tudoo
cadadia maisbanal,e menosefficaz maisque abrangea industriados cabedaes, especialidade quecon-
parao effeitodoreclamo. stitueumadassuperioridades notoriasda ihdustriaaustro-hungara.
A reuniãod'estascausasdeuorigem A mãodeobra,boae emextremoegual.
a umnovogenerode exposições, mais
modestas e resumidas queassuasbri¬
lhantesprecursoras, as quaes,porém,
devidoao seucaracterrestricto,apre¬ A exposiçãode encadernações celebradaemLondres,muitome-•
sentamcondições maisvantajosas para nos brilhantee apparentando menosque a de Paris, cuja analyse
o estudoserioe consciencioso dosge- rapidaacabamos de apresentar ao leitor,— comprehende apenasum
nerosem queconsistem:—as exposi¬ resumidonumerode exemplares. Avantaja-se,no emtanto,muito
ções deespecialidades. áquella,emimportância, podendo mesmo affirmar-se a foitamente que
Vão estas,á medidaqueselhesre¬ o methodopor ella iniciadoé, hojeemdia,talvezo unicocapazde
conhecea utilidade, tornando-se dedia proporcionarás industriasde arte desenhos e schemas decorativos
paradiamaisfrequentes, emanifestandoverdadeiramente originaes, e a originalidade, —nãoo percamos jamais
resultados damaiorimportância parao devista,—devesempreconsiderar-se feiçãoprincipalemtodae qual¬
progressodas industrias;e os paizes querobraaptaa sertratadaartisticamente.
que,comoo nosso,vivem,pelaforça 0 expediente a queserecorreufoi o seguinte :
dascircumstancias, apartados dogrande Umacasaeditoraingleza, osesposos Tregaski,— umcasaldebiblio-
movimento artisticó-indüstrial, nãopo¬ philos,—lembrou-se (comotentativaquepodia,acaso,forneceren¬
dem nem devempermanecer indiffe- sejoparaa manifestação de idéasnovas,emboratalvezde caracter
rentesa factosdetãoaltasignificação, exotico,querparaa decoração, querparaa elaboração technicadas
comoestesque resultamda luctaem encadernações) de abrirum concurso,ao qual,alemdos encaderna¬
queandahiempenhadas, ha annos,as dores,podessem também seradmittidos bordadores e artíficesdeou¬
principaes naçõesproductoras. tros mesteres,cujosprocessos tivessemprobabilidades de encontrar
Entre as variasexposições parciaes applicações na encadernação doslivros.
celebradas duranteo estiodo annofin¬ Foi escolhidoparaesteeffeitoo romancefrancezdo séculoxvi,
do, duasmerecem particularattencão. intituladoHistoireditroi Fleurusetdela belleJehanne,recentemente
Ambasforamexclusivamente dedicadas traduzidocomprimorporW. Morris,um doshomensmaisnotáveis
aolivro;aprimeirarealisouseemParis, da epochaactuál,o valentecaudilhodacelebreligadasArtese Offi-
e a segundaemLondres,algumas se¬ cios(Arts andCra/ts),— essacolligaçãoqueestárepresentando papel
manasdepois.Emprehendida emescala tão preponderante na regeneração da pequenaarte ingleza,e cuja
muitomaisvasta,e de intençãomuito historia,tão brilhantequantosignificativa, embreveapresentaremos
maiscomprehensiva, abrange a deParis aosleitoresdaArtePortuguesa.
todaa especiedetrabalhos, que,mais Distribuiram os editoressetentae seisexemplares do livro:—dois
ou menosdirectamente, serelacionam terçospelasnaçõesda Europa,queellesjulgarammaisaptasa con¬
coma producção dolivro.Curiosaeem correrefficazmente, e os restantes pelasoutrastrespartesdomundo.
extremointeressante —principalmente O exito,conformese vaever, correspondeu emabsolutoá expe¬
sobo pontodevistaretrospectivo—a ctativa.Realisaram-se por completoas esperanças dosintelligentes e
exposição, installadacom excellente me- práticoseditores. Os resultados, inteiramente imprevistos emmaisde
thodo,apresenta, por ordemchronolo- um caso,abremsemduvidaalgumanovoshorisontes á artedeenca¬
gica,todosos successivos aperfeiçoa¬dernarlivros,tantono quedizrespeitoaosprocessos technicos, como
mentos, tantodofabricodopapelcomo no dominioda invenção e da composição decorativa.
da artetypographica, todosos proces¬ Dos exemplares distribuídos, apenastres falharam: — um quefoi
sosdeillustração, e todosospormenores devolvidode Cashmir,por não haveralli encadernadores nemoffi-
respectivos ao trabalhodo encaderna¬ciaesde qualquerofficiosimilar;outro quedesappareceu duranteo
dor.Alli sepodemestudar, no seucon- ultimotremorde terrana Grécia,e outroqueardeuemAltenburg,
juhctoe domodomaiscompleto, todos na Saxonia.
oselementos quecooperam naconfeccao O convitedirigidoaosconcorrentes eraegualparatodos:nãoim¬
do livro.Nãoabundam entreelles,infe¬ punharestricções,—salvo, todavia,ao preço,o qualnão deveria,em
lizmente,innovaçõesimportantes, no casoalgum,excedera quantiade 2 £. esterlinas. Apenasás nações
dominiodaarte;o progresso technicoé, exóticasera recommendado quese mantivessem dentrodoslimites
semduvidaalguma, extraordinário; po¬ dosseusestylospeculiares, caracterisando-os quantocompatível fosse
rém,osmotivos , osschemas decorativos comascondições especiaes daprovaexigida.
giramnomesmo circulovicioso, naeter- A actualexposiçãoconsiste,portanto,apenasem setentae tres
íi- narepetição deformulas já conhecidas. exemplares encadernados deum mesmolivro.
ARTE PORTUGUEZA 67

A França e a Inglaterramerecem os logaresde honra,e distan- É admiravelo effeitoda encadernação persa,á qual os artistas
ceiam-se visivelmente, sobo pontodevistatechnico, dosrestantes ex¬ d’aquellepaiz souberam adaptar,comnotáveldiscernimento, o seu
positores.Manteem-se os artíficesdeambasasnações,comosempre, conhecido processode pinturasobrelaminade prata,—systema este
— cadaqualno seugenero,—á mesma altura.Seolharmos, porém,ao de trabalho,que poderá,semduvidaalguma,suggeriraos collegas
desenho,á invençãodosmotivos, verdadeiro elemento de progresso, daEuropaboasapplicações paraas edições degrande luxo.
na ausência do quala artedo encadernador desceaoniveldooíFicio, Na exposição indiana,sãoos produetosde Uhvarsemduvidaos
encontramos nos specimens francezes completa estagnação deidéas; maiscuriosose originaes, peloestylodosbordados. E umgeneroaté
excedentes copias,e, quandomuito,imitaçõesmaisou menoslivres aquipoucomenosquedesconhecido na Europa,e emqueha idéas
dossuccessivos estyloshistóricos,e maisnada! aproveitáveis. Partedas encadernações indianassãoemcoiro,com
Apresentar-nos-hia o mesmoespectáculo, a nãoseremduasmere- umappendice quesesobrepõe á capa,aousomahometano, e queen¬
tissimasexcepções, a secçãoingleza.Na suageneralidade, observa-se cerracompletamente o livro.Sãolavradose gravados emarabescos,
o mesmoesforço puerilemimitaros trabalhos antigos,deestylona¬ comdouradura applicada pormeiode moitlak, especie d ecollavegetal
cional,e o constante receioemaventurar a maisinsignificante tenta¬ quemuitoempregam os indios.
tivade innovação. O trabalhoé de umpacienteacabamento, e rico,aliás,emindica¬
Formamapenasdestaque, entreestealardoda rotina,asobrasde çõesquenãodevempassardespercebidas aoartistaeuropeu.
doisverdadeiros artistas,— os únicos,segundo parece,quesenãore¬ Transluznasproducções das coloniaso manifestoempenhoem
signaram a considerara própriacabeçaapenascomocabideparao caracterisarem, pelaadopção dasmatérias primas,a proveniência das
chapéu!Mas,afinal,quandocessaráparaos artistasda industriaa obras.Sobresaem pelanovidade os specimens canadianos; umd’elles,
situaçãoaviltante de estarem o
illustrando,atéá saciedade, apologo empelledegamo, c oma lombada e os cantos d eumaespecie d ecor¬
do gralhoqueseenfeitacomaspennasdopavão?E o amadorapplau- tiça fina e bordadosa missanga, lembraa arteprimitivados indios
de; extasia-se perantea obra; mira e tornaa miraro volumepor pelles-vermelhas. As capasparalivro australianas, empelledecobra
todosos lados—«parecemesmoantigo!» —; colloca-odepoiscom alcatifa,constituem o contingente de Sydney.Melbourneenviaum
carinhoe cuidadoa par dosvestustos alfarrabios, maravilhas alguns, exemplar nãodestituido de effeitodecorativo, emmadeiras decôres,
— esses, sim!—doengenho deumartistadopassado. E á noite,assis¬ da Gippslandia.
tindoá representação danovaopera,ai dopobrecompositor, seacaso Topámosaindacomalgumasoutrasapplicações maisou menos
lhe escapou, perdidoentreos cincolongosactosdapartitura,aquiou felizesdosproduetos locaesá artee á industriada encadernação,—
acolá,algumtrecho,meiaduziade compassos apenas, reminiscência applicações queestabelecem outrostantosexemplos, quenãotardarão
de qualquerauctorclássico! — «Plagiato!»exclamao nossobiblio- decertoemseraproveitados, coma costumada intelligencia, peloar¬
philo— «Plagiato!»vociferaa critica... Taes cogitações levar-nos- tíficeeuropeu, a fimdeintroduzirelementos denovidade e devidaem
hiam,porém,longe... Náopercamos o fio aoassumpto. umadasmaisbellase antigas deentreasartesmanuaes, a qual,ultima
Extremam-se, comovínhamosdizendo,entreos trabalhos dosco¬ mente,tendia,semduvidaalguma, a estacionar. Estacionamento e de¬
pistas,asobrasdedoishomensdegenuinomérito:Morrelle Graham. cadência sãoporém,novocabulário daarte,quasisynonimos; e osar¬
A capadelivro apresentada peloprimeiro, e mmarroquim levantino, tistase os artífices devem compenetrar-se da verdade d’este axioma.
verde,é decorada na frentecomum motivocentralsingelíssimo, um
arbustoflorido,deestylisação emextremooriginal,comfloresembu¬
tidasem coiro brancoe umabemapropriada cercadura. Abrilhanta
o reversoum ornatovegetal,dispostoemdiaspero, emquealternam Entretantase tãovariadas exposições dearte,quedividema atten-
pequenas coroasquefonViam centrosao padrãorepetido. Nadamais ção do publicon’essamodernaBabylonia,nenhumaobtevetalvez
simples,mastambém nadamaisadequado á indoledolivro. exitotão extraordinário, —quer sobo pontode vistada arte,quer
O specimen dacasaGrahamé encadernado emvitella,comlavores peloresultado financeiro,— comoa recenteexposição das«Mulheres
em pyrogravura, —cauterisados a ferroembraza,—intermeados de formosas.»
pequenosespaçosgeométricos lisos,simulando pedraria.E absoluta¬ Chegaa parecerimpossível comoseconseguiu reunirtamanha va¬
mentenovoe originalo effeitodetãoexcellente combinação decora¬ riedadede retratos,quasitodosellesde mestre,e umatal profusão
tiva,opulentado aindapelafechariademetal,artisticamente lavrada. de exemplos da bellezafeminil.A admiração do publico,n’esfephe-
nomenal concurso inteiramente dedicado aobellosexo,divide-se, con¬
ANTO aqui comoemParis,competeo logarimmediato stantemente, entreo modeloe o pintor,comquantovejamosa ho¬
Petersen, d e Copenhagen, é o auctor menagem, — como, a liás,é de justiça,—tributada, na maxima parte
. á Dinamarca. Imm
dalindíssima capa,emcoiroembutido, formandomosaico doscasos,depreferencia aomodelo.
detrezecores,commotivosornamentaes de estyloescan¬ Abrangea exposição damagnifica galeriaGrafton,—umadasmais
dinavo,—umadaspeçasmaisdistinctas daexposição. recentemente inauguradas emLondres,—vastíssima collecção deobras
Merecem egualmente louvorosspecimens suissos.Genebra também quereproduzem, portodososprocessos entrando no dominiodaarte,
expõebonstrabalhos, solidos,despretenciosos e definogosto.O mes¬ a bellezae a elegancia damulher.Alemdosmuitose formososqua¬
mo se pódedizerda Áustria,emcujasecçãose repetem, porém,os dros a oleoe a pastel,dasminiaturas, aguarellas, desenhos, bustos,
factosa quealludimos,quandovínhamos tratando da exposição de etc.,mediante o s quaes - estãorepresentadas todasasdemaisescolas,
Paris. rivalisam,ostentando-se comdesusada opulência, —e predominando
O contingente daAllemanha é quasiumadecepção! A maiorparte na exposição,— as duasmaisbrilhantesescolasde retratodo século
dos produetosexhibidosnemse recommendam pelamãode obra, xviii:—a franceza e a ingleza.
— pesadae poucoapurada,—nemtão poucopelolado da arte.Os Sobresaem, entreos pintoresfrancezes, Clouet,Mignard,Rigaud,
desenhos são absolutamente destituídos de interesse e de novidade. Drouais,Greuze,Latour,Nattier,Larguillière,e outrosainda,achan¬
Muito se temclamado,ultimamente, por essemundofóra,emfavor do-sequasicompleto o batalhão sagrado. No grupodosinglezes, des¬
do ensinotechnicoofficial;e é paranotarque,sendoa Allemanha tacam-seReynolds,os seuscompetidores Gainsborough, Romneye
o paiz quedesfruetaemmaiorescalaum tal beneficio, o exemplar Hoppner;Opie,Raeburn, —o granderetratistaescossez, o precursor
unicoenviadopelaescolatechnica deGéra,proximodeLeipzig,é,no do modernorealismo.
dizerde um criticoauctorisado, «umspecimen barbarode todosos O aristocrático L awrence servede traço de uniãoentreaquelles
processose formulasartísticasquedevemserescrupulosamente evi¬ antigosmestres do retratoe seuscontinuadores, Millais,Owless,Her-
tados!» komer,F. Holl,Shannon, o americano inglezado, e Sergeant, o anglo-
cujoesplendido retrato dacelebre actrizElenTerry
Entre as restantes naçõesda Europa,apenasse distinguea Hes- franco-americano, da
panha,que enviouumaformosae perfeitaencadernação emestylo no papelde lady Macbeth, c onstitueum dos maiores atractivos
saragoçano do xvi século,na qual,postonãoapresente novidade, se exposição.
pelomenos,pronunciadissimo, o cunhonacional. Estaé aindaabrilhantada poralgumas télas primorosas, devidas a os
observa,
Os encadernadores dos EstadosUnidosnãoconseguem justificar, pincéismágicosdosgrandesmestres dosséculosxvi e xvii.O retrato
comos trabalhosqueenviaram, as manifestas pretensões á fundação de Catharinade Milãoé umHolbeinde primeiraforça.Rembrandt,
deumaescolaprópria. Rubens, Vandyke,Zurbaran,Sir PeterLely e Sir GodfreyKnelleres¬
Chegámos afinalá secçãomaiscuriosa,e talveza maispromette- tãotodosmaisou menosrepresentados.
— e de proveniência Que nemtudoé belloquantopertence ao bellosexo,é umades¬
dora,da exposição: a dos trabalhoscoloniaes — aliásexemplificada,
exótica.Sãobonitose bemacabados os specimens japonezes. O mais sasverdadeseternas, emmaisde um caso,na
bordadosemrelevo,de caracterorna¬ actualexposição; e maisdeumaformosura celebrenoseutempo, mais
rico, recamadode admiráveis
mental;o outro,do typousual,compinturase relevosemgrotesco. deumabeldade soberana, terádeseresignar a soffrerbaixadeposto.
68 arte portugueza
Afinal,é apenasquestãodegosto,e estaexposição provamaisuma e 2.0do Porto (6 e 18),o regimento 3, entãoi.° deOlivença,o 4, que
vezqueo sentimento do belloe o gostomudamconforme asepochas. tinhao nomedo seucoronel,o valenteFreiredeAndrade,o 19,que
Entre as innumeras effigiesfeminispertencentes a todasaserase provémdoregimento deCascaes, e o 13, do regimento de Peniche,o
a tãodiversas nacionalidades, —pois,a pardasgregas, egypcias e ro¬ maisantigodetodosos queseorganisaram emPortugal.
manas, figuraaflamenga rubicunda e aesgrouviada castellã medieval,— Aos veteranos d’estesregimentos f oi permittido usar,emquanto
maisdeuma,semduvida,seacharárepresentada, de cujasmãosfinas vivessem, umadistincção, queconsistia:paraos generaes, 11’uma gra¬
e fracasteráestadoum momentosuspenso o destinodoshomens, e nadadeouro,bordada,sobreo braçodireito;aosofficiaese cadetes,
quemsabeseo dasnações;maisdeum d’esses rostosadoraveis terá outraegual, m as emprata;adosofficiaes i nferiores e rabordada a seda
feito andará rodaa cabeçaaosavós; e alem,na paredefronteira, branca,e a dossoldadosa lã. Os artilheirosusavam,
entreas formosasdos nossosdias,quantas, com aquellesolhosde emlogardagranada, umapeça.
fada,capazes dedarvoltaaomioloaospobresdosnetos!Entretanta Quandose lê a historiad’essacampanha, con¬
feiticeira,ha,porém,suabruxaá mistura. Valham-nos, ao menos,as frangevero tris¬
feias... paradescanso d avista! teestado emque
Encaradapelolado do estudoe de quantose refereá historiada sempreandaram
arte,a exposição, é,aliás,abundante emresultados. Revelaalgunsno¬ asnossascousas
mesignorados; restabelece a paternidade demaisdeumaobramagis¬ militares.Rotos,
tral; colloca,emfim,á devidaaltura,maisdeumareputação usurpada, famintos, mal
ou, pelomenos,exaggerada, e ergueacimado nivelproducções de cuidados detoda
artistaspor longotempooffuscadas pelasderivaesmaisafortunados. a fórma,os nos¬
Suppostonãofosseesseo seufimimmediato, ministraella,noem- sos soldadosil-
tanto,interessantes informações e preciosos documentos comrespeito lustram-sepela
á indumentária e ásoutrasartessumptuarias do passado. Rendas, le¬ coragem com
ques,estofos,joiase outrosaccessorios, tudoalli tende,emsumma, que supportam
a provar,maisumavez,queos artistasdasgerações transactas, sem os seusmales,e
se afastarem da correntedo estylodominante emcadaepocha,sou¬ pelabravuraque
beram,emtodoo caso,mantera suaindependencia pessoal,e que, os distinguenos
emborase apoiassem nas tradições,e adoptassem, comobasedos combates. Todas
seustrabalhos,as formulasde outraseras,— emgeralo faziamsem as phases da
deformaalgumasacrificarem, quera respectiva individualidade, quer guerrapeninsu¬
o preciosodomdeinventar. lar sãod’issoum
E maisumalição: oxaláqueaproveiteáquellesque,nos nossos exemplofrisan-
dias,esquecendo a missãohistóricaquelhesincumbe, emvezdepro- te; apósunsprimeirosmomentos de hesitação e ti¬
seguiremna sendado progressodasidéas,malbaratam a suaactivi- bieza,devidosá desorganisação em que os manti¬
dadeartísticae embotam as faculdades inventivas, com tãopregui¬ nham,os regimentos portuguezes, em qualquer parteque se apre¬
çososexpedientes, quaessãoa copia,e a imitaçãoservil! sentam,conquistam os primeiroslogarespelasuadisciplinae valor.
Oshespanhoes já estavam desanimando nacampanha contraasvalen¬
PIN-SEL. tes tropasda Convenção Nacional,quandoa divisãoportugueza, na
batalhade Cerét,lhesprestouumimpulsoqueos reanimou. Apenas
chegados, doentes,exhaustos pelosincommodos de uma demorada
viagemem péssimos malvestidos,sobum invernoderi¬
transportes,
TRO PH EUS DE GUERRA gorosoclima,sãologoencarregados dadefesad’esteimportante ponto,
e é tãoefficazo auxilioqueprestam, quemudamemdecisãoashesi¬
taçõesdo generalhespanhol.
BANDEIRAS EXISTENTES NOMUSEU DEARTILHERIA Em seguida, na acçãodeVillelongue,portam-secomtal disciplina
e denodo,que,do regimento de Olivença,diz o tenentecoronelNe-
(Continuado depag.35) grièr,emigradofrancezaggregado ás nossastropas,haver-secon¬
duzidodeummodotãodistinctoe singular,quepoderiafazerhonra
aospropriosgranadeiros húngaros,a melhore a maisbravainfan-
ESTANDARTE queosnobres teriad’aquelle tempo.O 2.0 do Porto executaevoluçõestacticassob
conspiradores de1640 empunharamo vivo fogoinimigo,comumaserenidade e perfeição, queadmiraos
no dia da gloriosarevoluçãoque hespanhoes, sempreavarosdeelogiosparacomos auxiliares.
restituiua independencia a Portu¬ Nadesastrosa retiradadoRossillon,emquea mádirecçãoe indisci¬
gal,estáno poderdo sr. condede plinadastropashespanholas n’estamalfadada campanha, semanifestou
Atalaya,e certamente o illustrepa¬ maisdo quenunca,quantoé aprazívelaoorgulhoportuguezlembrar
trício o conserva, como máximo o nobreprocedimento deGomesFreiree do seuregimento, sacrificado
respeito, comopreciosajoia defa- aoperigosoencargodecobrira desordenada fugadastropasdo mar-
milia;mas,comoacimadetudoé quezdasAmarillas.
umajoia da patria,o paiz devia «Tratava-sedesacrificar algumas tropasparasalvaro resto,diz o
velarpor ella,a fimde não acon¬ coroneln’umofficioaogeneralForbes,e sedestinaram paraestefim
tecerumdiaquealgumdescuidado os portuguezes, por serfazenda maisbarata.»
successor de suaexcellencia tivesseemmenoslembrança essepre¬ O regimento tinha,áquelletempo,281praças;e os soldados, vendo
ciosolegado,eviessea acontecer-lhe desastresemelhante áquelleque queosimmolavam á salvação doshespanhoes fugitivos,murmuravam,
Fialho de Almeidanos contasuccedeu á preciosacamisado decapi¬ e o desanimo ía-os tomando,quandoGomesFreire,correndopara
tadorei deInglaterra, também guardada nasricasvitrinasdeumno¬ juntodasbandeiras e mostrando-lhes o sagradosymboloda patriae
brelord. dahonramilitar,lhesdirigiuestaenergicae breveallocucão:
No museude artilheria,encontram-se algumas bandeiras e outros
tropheusdasnossaspassadas glorias,e lá deviamreunir-setodosos «Camaradas! seoshespanhoes fugiram,devemos mostrar-lhes que
que,pordiversas formas,andamdispersos, poisa boaordeme cuidado umportugueq valeumadujiad’elles.Seoperigoégrande,tantomaior
alli presidem. seráa 7tossagloria.Porém,sevocêsquerem sertãofracose cobardes
Entre estesgloriososrestos,estãotresdasbandeiras quetêema comoelles,vão-se já a todososdiabos,queeuficareisócomasbandei¬
belladivisaganhanabatalhadaVictoria,poralgunsregimentos portu- ras,evocêspassarãopelainfamiadeas teremdesamparado e dedei¬
guezes, e umadasconcedidas aosregimentos de caçadores 7011,que xaremficar á suavista,empedaços, 0 seucoronel.»
tema legenda:
Distinctos
vóssereis
nalusahistoria, As bandeiras nãoforamdesamparadas; umsoldadodenomeBento
Com oslourosquecolhestes
naVictoria. deSousa,foi o primeiroa bradarquenãoabandonaria o coronel,e o
regimento,firmee ordenado, emvoltadasuabandeira, supportando o
Tambémalli seguardaumadasbandeiras concedidas aosregimen¬ fogodaartilheria, audazmente, deflancoa caval-
avançou ameaçando
tosqueentraram nascampanhas do Rossillone Catalunha. Eramo i.° lariafranceza, atéacabarde protegera retiradado i.° do Porto e do
ARTE PORTUGUEZA bc)

regimento dePeniche,que,de Cerét,marchavam e as tresbandeiras


paraasmontanhas; Balanza,um coronel,muitosofficiaese soldados,
em seguidao regimentoGomesFreireretirouvagarosamente no museudeartilheria.
para queseconservam
umasalturasá retaguarda da suaposição. N’um preciosomanuscripto — Mémoiresde la
Ondeacabariam os restosda gloriosabandeirado regimento de
GomesFreire?
Eis o honrosodiploma,querecompensa os serviçosdadivisãoau¬
xiliar:

«Por
decretode17dedezembro —Querendo
de1793. EudaraosseisRegimentosde
doMeu
Infanteria ExercitoAuxiliar,
quepassaram provas
áHespanha, manifestas
daMinha
pelovalor
Realsatisfação comqueserviramemtoda aguerra,ecomquesustentaram
a
doNome
Gloria Portuguez:Souservido
OrdenarquenasBandeirasdosmesmos Regi¬
mentosseescrevaparao futuro seguinte:
alettra doPorto-;
«AoValordoI Regimento
«AoValordoII RegimentodoPorto»;-Ao doI Regimento
Valor ; «Ao
deOlivença Valor
doRegimentodePeniche-; -AoValor
doRegimento -; «AoValor
deFreire doRegimento
deGascaes-. que,
E ordeno entregando-se Regimentos
aosditos NovasBandeiras,
coma
lettra,
referida sepubliquenasuafrente
opresente —OConselho
Decreto. deguerraote¬
nhaassimentendido,
eo façaexecutar.
deQueluz,
«Palacio em17dedezembro de1795.
—Com aRubrica doPríncipe
Nosso
Senhor.»

Verdadeirostropheusde guerrasão tres bandeiras hespanholãs,


querepresentam o nossomaisbrilhantefeitod’armas poroccasião da
guerrados seteannos,naqualinvoluntarimente fomosenvolvidos, e
deondesaímos airosamente, porque0 energicogoverno dePombal
amparava a nossajá entãovisiveldecadência.
A figuraaltaneirado grandeestadista nãosecurvavaa ultimatum
humilhante, nemsupportava affrontas,porquea sua grandiosapre¬
vidênciade homemde estadosabiapôr-nosao abrigode insultos.
Quandoo almirante inglezBoscowen, alcançando a esquadrafranceza
deLa Clue,pertodeSagres,alli a destroçou, semrespeitopelanossa portantes,relativosá campanha de 1762;d’aquellasextrahimosa
neutralidade,Pombal e nviouimmediatamente uma notaaPitt,exigindo ordemde29deagosto, ondeo condedeLippefazconstaraoexercito
a gloriosaacçãodeValênciadeAlcantara 1:
promptasatisfação; e o ministroinglezmandoulogoumenviadoex¬ portuguez
traordinário,quechegoua Lisboaem29de marçode 1760, apresen¬
desculpasa el-reiD. José. Algumtempo «Quart. gen.— Nisa, lc29d'aout 1762.
tandoas maiscategóricas
depois,a Françae a Hespanha convidavam-nos aentrarnaguerracon¬ «ParoleSt.lago Motduguet Olivensa.
tra os inglezes,aoque Pombalrespondeu, protestandoa nossainvio¬
«Mar. decamp. dejourdemain: D.Vasco daGamara.
lávelneutralidade. Em 3o deabrilde17G2, entrava
emTrás-os-Montes,
homens, o marquez deSarria,nãoparafa^erguerra,mas «Monsgr. lemaréchal genr. croitnepouvoir sedispenser detemoigner sasatisfaciion
com42:000 laquelle lestrouppes ontsupporté ladisetteetlafatigue depuis le
Pombalnãoacceitouestesprot«stos delaconstance avec
para utilidadedosportugueses. départd'Abrantes. Msgr. lemar. s'employera toujouravec joyeetdetout sondevoir,pour
de bellicaamizade, e declarouas hostilidades,pedindoá Inglaterrao lebien êtredes troupes autantque lescirconstanccslerendrontpossible,Msgr. lemarechal
auxilioda suaalliança. croitdesondevoir dedonner partà1'armée delaglorieuse conduite demr.leBrigadier
no tempoemquePombalsedis¬ Bourgoyne, qui,aprés avoir marche i5lieuessans relâcheaemporté Valença d’Alcantara
O queerao exercitoportuguez, p risonnierqui devoitenvahir1’Alemtejo,détruitleRegiment Espagnol
deduasnaçõespoderosas? As memórias l!épéeàlaraain, fait
punhaa resistirá imposição deSeville,etpristroisdrapeaux, uncolonel etplusieurs demarque
officiers etbeaucoup
daepochapintam-nos umbandodemiseros; ofliciaes desoldats.
«Msgr. lemar. génr. nedoute point quetousceux que composent 1’arméeneprennent
partàcetévénement etque chacun àproportiondesonemploy nes'efforce unsi
d'imiter
beiexemple.
«Lestentes arrivées,1'armée lesfera dresser;
ilyaura toujoursà1'avenirdeux ordenan-
cesdecavallerie auQuart. Gén. ; undrapeaux, montera lagarde auQuartier Général; les
piquetsd’infanterieresteront postés nuitetjour.Lesgran gardesserontfortalertes.Les
trouppesduchamp nes'éparpilleront point.
«P.M.
«Aprés laparole donnée, msgr. lemaréchalgénéral serenditàMontalvão ettrouvant le
>'/

Msgr.
e

capitaineetles5o duRégiment deLavradio dans cetordre:


laville,j luilaissai
mar.genr. ordonne aucapitaine quicommande lagarnison duFortdeMontalvão, dela
le

tenir
continuellement ensemble dans leFort,d'yêtre fortalertetdetenir dememe ses
Personne
sentinelles: decedetachement n'oseloger dans laville;pendantlejourlecom-
mandant peut donner permission quelques-uns
delagarnison dans
d'aller lavillepour
à

achetercedonfils auront besoin; lecommandant seferalivrer, contreunreçu, dupain


pourtrois)ours, pour lagarnison, ets'ypourvoira demême del'eau, afinqu'ilpuisse,en
casd'unattaque de1'ennemi, tenir, jusqu'àcequ'ilputêtre secouru. Lecommandant ré-
pondradesonhonneur pour l'exécution decetordre.

Umaoutrabandeira, tambémexistente no museude artilheria,é


que generalEsparterooffereceu, em iS36, ao batalhãode caça¬
o
a

doresdoPorto,organisado pelocelebreCaetanoBorsodi Carminati,


composto do restodoseuvalentebatalhãodo cercodo Porto de
e
e

muitosoutrosindivíduosquesepromptificaram comelleparaHes¬
ir
a

panha,comonoscontano Conimbricensesr. MartinsdeCarvalho.


o

Borsofoiencarregado pelogovernodarainhaIsabeldaorganisação
d’aquellaforça, recebeu postode brigadeiro. curioso fim
É

o
0
e

d’estecondottieri,
aventureiro que,tendoservido
valentee irrequieto,
causaliberalno nossopaiz,depoisdavoltada divisãoauxiliar,em
a

1837,ficouao serviçodaHespanha,morrendo por ordemde


fuzilado,
Espartero,quandoesteoccupavao logarderegente,em1841, tendo
Borso tomadoparte,em Saragoça,no pronunciamento levantado
contraelle.
Naordem de1762,
dodiade3ideagosto publico
faz-se quenatomada
deValença
1

deAlcantara, capitão
particularmente
sedistinguiu Antonio
PedroMousinho,
doregi¬
o

mento doPrado
doconde
deinfanteria (Regimento
daCòrte).

(Continúa) b. s. RIBEIRO ARTHUR.


7° ARTE PORTUGUEZA

( Historia ecclesiasticade Braga), na sua traducção, soffrivel-


ÍNSCRIPÇOES PORTUGUEZAS mente phantasiosa, restituiu a era exacta de 1209.
Na linha 4) suscitou-me duvidas a leitura commum do
(Continuado depag.3j) — hic,— pela fórma especial da inicial, que se encontra na
linha 6), onde parecia repugnar-lhe
o valor de — h—. Mas, não podendo
E:ffl:[CV[m:fT?flGlSin;GOHV:NODILI. : SIQV f
ler-se: — inic — ainda por: —in
DEMiGE(ER6:BRHCff!A:0niVN)V. : Ey5TiT:irvP0 hic — é forçoso acceitar a leitura
RE:/yEM:fl.F0HSi;iLLVRlS5Mn'[;P@TV6/115;nE geral. Na mesma linha, a palavra
— abnegans— tem evidentemente
:
GIS. hlCi.SECyL/iREfri:PBNE 6ANS: lYllLIC 1/MI IN i a fórma de — acbnegans,— que
BREVi:VT:LVCIFER. : E(i€VT:NfM:M:Wí5. : 6R®0 aliás diz o mesmo.
aM(M;PEEIT;IBia :P.:íDN&H 1VH nOlíINiRRFENiVT/M Na linha 5), a leitura geral é a de
— emicuit— por — emievit,— que
;
^it:[v:(D/i6ISto:efm:svo :cv FR7ftlSV0:iNPÍ£RR c positivamentea que está na pedra.
RlilS:9:E(i)P'l'TT5RE:INSfítEX | T.:R6M:l5MQ:/í5[/l 0 H/l;[BEFJl Preferimos, porém, a de — emine¬
vit,— de — emineo,— quemaisseap-
feTdi\X!lN^g/r:R(gN;5EP:9:5'D/N:BCfflEQmW;P5T.Xi>(Q
proxima, e que não altera, mas pre¬
w.w;/d:i?fm :(!1íev:'bvemp^tM'IMFeer<!ERV 5^:estr§ cisa mais o sentido. Foi-me suggeri-
!F/[TyJMS:EtfE:K?Gk 5:R©\Rfe»MViT;0<l^WPAXBR;]iOffii da por Gabriel Pereira esta versão.
Na linha6),Costa copiou—petiit —
MMIMHMjMFIBN/MíETmMiSACCVM:® por — pecnt, — e — hiermem— por
— in hermen,— que é o que clara¬
Thomar,
ConventodeCliristo,
sobre
o arco mente lá está.Vê-se que o
daSacristia
Velha. embaraçou também a fórma da
Leitura : inicial acima alludida, não querendo ler n’ella o — h — que
—Era MCC ■VIIII magister Galdinm nobili siquidem aliás não duvidáraler, como tal, no — hic — da linha 4). A so¬
genere Bracara oriundus exctitit tempore autem lução parece-nosser a de dar áquella fórma, aqui, o valor de
uma simples tremaçãoou dieresedo — i — lendo realmente:
Alfonsi ülustrissimi Portugalis regis. Hic secula-
rem abnegam miliciam, in brevi ut Litcifer eminevit, lermen ou — iner mam vitam—. Podem não ter gran¬
nam Templi rniles Gerosolimam peciit ibique per de importância estas variantes, mas é sempre bom conser¬
quinqueniiim non in liermen vitam, duxit cum Ma- var-se a fórma original em taes cousas.
gistro emm suo cum Fratisbusque implerigé preliis Na linha 7) onde se lê: —cvm Magistro enim svo,—
contra Egipti et Surie insurrexit regem. Citmque Costa permitte-seacrescentarum —fuit, — que lá não está,
Ascalona caperetur, presto eum in Antiocam per- nem é necessário.
gens sepecontra Sidan decionedimicavit. Post quin- Mas é na linha g) que as pretensõescorrectivas do auctor
quenmumvero ad prefatum qui et eum educaverat da Historia da Ordem, etc., tomam mais graves proporções.
et militem fecerat reversusest regem. Factus Dormis Assim: onde nitidamente se lê: —presto evm in Antio¬
Templi Portugalis Procurator hocdistruxit castrum cam, elle simula copiar: —presto
fuit in Antiochie,— e
Palumbar, Thomar, Oqe\ar et hoc quod dicitur Al- logo em seguida lê: — sepe Suldani — em vez de —sepe
moriol et Eidaniam et Montem Sanctum.— contra Sidan, como diz a pedra, e bem. Dá assim origem
ao erro que elle, Cunha, e os mais commettem, de traduzir
Versão:
Soldão por —Sidan ,— o soldão ou sultão, não se
—Era de i2og. O Mestre Galdino, certamentede nobre
sabe qual, pela cidade de Sidon, perfeitamente conhecida.
geração, natural de Braga, existiu no tempo de
Na linha 10), a leitura de Costa e dos mais,
Affonso, illustrissimo Rei de Portugal. Abandonando embaraçoü-se
na abreviatura— vo,— que se segue á palavra —
a milícia secular, em brevese elevoucomoum Astro, quinquen-
muni, claramente:— vero,— e achou então melhor
porquanto,soldadodo Templo,dirigiu-se aJerusalem, supprh
mil-a. Em seguida,reduziu a — eum, —a abreviaturaem
ondedurante cinco annoslevouvida trabalhosa. Com que
entravaum t muito bem definido,mas queo embaraçava
seu Mestre e seusIrmãos, entrou em muitas batalhas,
também. Restituimos —et eum— que é fórma conhecida.
levantando-secontra o Rei do Egypto e da Sr ria.
Na linha 11), tem-se lido sempre por —hoc construxit,—
Como fosse tomada Ascalona, partindo logo para
que é a leitura que immediatamenteoccorre, de certo, a fór¬
Antiochia pelejou muitas ve\espela rendição de Si-
ma ou phrase, que, pelo rigoroso confronto dos caracteres
don. Cinco annospassados,voltou, então,para o Rei
da inscripção,não podemosler senãocomo: — hocdstrvxit—.
queo creára e o fizera cavalleiro. Feito Procurador
da casa do Templo em Portugal , fundou lieste o cas- A primeira duvida suscitou-nol-a o — hoc,— não porque
não esteja bem definidonos caracteres,mas
tello de Pombal, Thomar, Zeqere e este que é cha¬ porque nos pa¬
mado Almoriol, e Idanha e Monsanto.— receu arrevesado ou inadequado ao sentido. É evidente,
porém, que se quiz precisar o paiq, o logar e não o
Esta inscripçao tem sido dada por diversos auctores,mas cto ou o obje-
castello, determinadamente,e assim traduzimos:
em nenhum é rigorosamente exacta a copia. O proprio —Feito
Procurador da Casado Templo, emPortugal, neste
Costa (Historia da ordem, pg. 178, doc. 14) figurando-a e. aqui)fundou, etc. Mas porque que todos têem
a (i.

fugido
é

toscamenteem reproducção graphica, erra logo na era a ler litteralmente: — dstrvxit ,— que forma original?
é
a

leitura, dando a de 1208pela de MCC VIIII ou


1209que tão Naturalmente, por entenderem que esta fórma
nitidamentese lê na linha 1). equivaleria
necessariamente de —destruxit
á

(de destruo)- dando


o

Este erro generalisou-se,repetindo-oViterbo Elucidário


( ) absurdo de ter Galdino destruído os castellos em vez de
e adoptando-oPedro Ribeiro (Dissertações).Debalde Cunha os
ter construído (construxit). Mas que não lembrou que
é
ARTE PORTUGUEZA 71

não era fatal ler —-destruxit,— e que, lendo-se— distruxit — Dá, ainda, uma tradição constante,e parece confirmar a
(de distrito), se obtinha a idéa contraria,ou a idéa precisade inscripção de Thomar, que fora creado na corte do pri¬
ter o Templário portuguez lançado, espalhado,ou construi-, meiro Rei portuguez, e por elle armado cavalleiro na bata¬
do, aqui, em diversaspartes, os fundamentosdesses diver¬ lha de Ourique, em 113g. E sómente dez ou mais annos
sos castellos. E mais explicado fica o — /zoe,— antecedente. depois d’esta data, que Galdino nos apparecenos documen¬
Finalmente, na ultima linha, ha duas abreviaturas:— dod. tos, e já comoTemplário graduado, consequentementede¬
dr. — ou talvez, por uma inversãoda primeira inicial: — qod. pois do seu regresso do Oriente.
dr. — que geralmentese lê, e parecebem: — quoddicitur —. Segundo Cunha e os diplomas reunidos por elle, seria,
Também esta interessantíssimainscripção, pela primeira até, sómente na era de 1199, correspondente ao anno de
vez directamente reproduzida por calco, que me enviou o 1161,que pela primeira vez nos appareceria como Mestre,
sr. Pinto, da escola industrial de Thomar, não tem obtido na doação que lhe faz o Rei: — tibi Magistro Gualdino,—
até agora uma traducção regularmenteexacta.Costa e Cunha de certas herdadescultivadase por cultivar junto de Cintra*,
não separam as orações,nem traduzemlitteralmente. mas Santa Rosa de Viterbo (Elucidário) encontra-omuito
O primeiro traduz: — sepepergens contra Sidan etc.— antes, em 1148,figurando como Mestre da Casa Templaria
por — e muitas ve\es venceuao Soldam, — o que é dupla¬ de Braga, n’uma concordatafeita com esta, e em 1ibq como
mente falso. Como já observei, iniciou o erro de ler — Sul- Mestre absolutoou Geral dos Templários em Portugal, suc-
dani, — onde, clara e rasoavelmente,está: — Sidan —. cedendo a Dom Pedro Arnaldo, que abdicou n’esse anno e
Cunha, que restitue a era exacta de 1209, antecede-a morreu no seguinte.Terá Viterbo lido bem aquellaprimeira
pela formula: — Em nomede Christo, — que lá não está, e data? A interrogação parecera impertinente em relação ao
acrescenta a filiação do Rei Affonso: —filho do Conde erudito investigador,se um factomuito positivo a não aucto-
Dom Henrique e da Rainha Dona Tareja —. Não contente risasse. Esse facto é a tomada de Ascalonia, expressamente
com isto, traduz que: quando Escalona foi tomada, ellefoi indicada na inscripção. Essa tomada, é claro que não foi a
alli prestes e prompto;— põe Galdino em Antiochia pele¬ de Saladino aos christãos, que só se realisou em 1187. Foi
jando muitas vezes — contra o poder do Soldão; — au- a dos christãos aos turcos. Estava lá, então,Galdino; isto é,
— estava no Oriente em n 53, que é a data d’esta conquista.
gmenta a enumeraçãodos castelloscom o de Cardiga ,—
supprimindo o de —Monsanto,— e alonga, finalmente, a (Michaud, Hist. des Croisades, t. 11.)
inscripção com as seguintes palavras: — Era 120Qannos. Estava, e demorou-seainda. Estando em 1167 em Por¬
Mestre Gualdim, nascidoemBraga, quelie cabeçade Galisa, tugal, e sendo feito, então, Mestre geral dos Templários
edificou esteCastello deAlmorol comosfreires seusirmãos
—. Portuguezes, partiria em ii 52, ou pouco antes, mas já par¬
Bastam estes exemplos. Como é sabido, a inscripção está tiria, então,como templáriograduado,se é verdadeiraa data
numa grande lapide de mármore sobre o arco da chamada de 1148, attribuida por Viterbo á concordata de Braga, o
Sacristia Velha do convento de Christo de Thomar, para que, de resto, não repugna inteiramenteá inscripção.
onde foi transferida do castello de Almorol, segundo a tra¬ Inclinamo-nos a crer que foi realmente em 1157 que
dição, no tempo e por ordem do Infante Dom Henrique. Galdino voltou, sendo então elevado ao cargo de Mestre
É claro que não havemos de fazer, agora e aqui, a bio- geral, ,ou, como a inscripção diz: —de Procurador do
graphia de Mestre Gualdino ou Gualdim ou Galdino Paes. Templo, em todo o Portugal, tendo partido, como simples
N’esse ponto, é justo louvar as diligenciase os trabalhosde Mestre da Casa de Braga, em ii 52, ou pouco antes.
Costa (.Historia da Ordem, etc.) e de Viterbo (Elucidário), Dos castellosalludidos na inscripção, dois, — o de Idanha
que reuniram interessantíssimosdocumentos sobre o Tem¬ e o de Monsanto, — são-lhe doados em 29 de novembro da
plário portuguez. Segundo o primeiro, Galdino nasceu em era de i2o3 (n 65), chamando-se-lhetambém Mestre: — vo-
ii 18 e morreu em 1195. Era filho de Payo Ramires e de bis Magistro Gualdino—.
D. Gontrade Soares, nomes que denunciam uma origem Á ideia vulgar da hierarchia monastico-militarpóde pa¬
visigoda. Pelo pae, era neto de Ayres Carpinteiro que lhe recer extraordinário que elle seja designado simplesmente
trazia, segundo Costa, uma bella tradição de fidalguia au- como Procurador, em outubro da era de 1207(1 169),quando
thentica; pela mãe, entroncava-sena prosapia dos Correias. lhe são doados, e á Ordem, os castellosde Zezere, de Tho¬
Goes, que gostámossempre de consultarTestas historias, mar, e ainda o de Cardiga —«com todas as herdades que
não parece ter encontrado nos Paes, do seu tempo, pelo alli fizeste e rompeste»— devendonotar-seque n’essemes¬
menos, uma genealogia muito antiga, pois que abre o mo anno como tal se apellida também, na doação: —«de
«titulo» com Payo Rodrigues que —«foi um cavalleiromuito toda a terça parte que pela graça de Deus poderem adqui¬
honrado em tempo deiRei Dom Affonso 0 quinto, e foi fi¬ rir e povoar desde 0 rio Tejo por deante—» para o sul, é
lho de Pedro Esteves, Alcaide Mór de Portei»—. São ou¬ claro, aos —«cavalleiros chamados do Templo de Salo¬
tros, evidentemente.Também da semente d’elle, como di¬ mão»— nas pessoas dos de Portugal e de — vobis Fratri
zem os geneologos,não seria facil haver noticia, espalhada, Gualdino in Portugalia rerum Tenipli Procuratori —.
como ficaria, clandestina ou ganceira, pela Syria e pelo Mas esta qualidade de Procurator, referida á gerencia
Ribatejo, nas aventuras e desmandos das campanhas do regional ou provincial dos diversos agrupamentos da Or¬
Templário. Segundo Cunha, nasceu o Mestre em Braga e dem, não era inferior, e muito menos incompativel, com a
— «Telia se conserva ainda hoje uma rua com o nome de categoria de Magister, a bem dizer a de Superior de cada
D. Gualdim, em que é tradição que nasceu»—. Casa ou Commenda, com tendênciaspara substituir aquella
Corrigem outros, observando que alli fòra Procurador pela separação das diversas communidadesnacionaes.
ou Mestre da Casa do Templo, que lá existira, 0 que é Não foi Galdino o unico cruqado portuguez; mas é dos
demonstrado por um documento citado no Elucidário de raros cujos nomes se apuram. Se das suas façanhas no
Viterbo,— mas que em Marecos, depois Amaraes e hoje Oriente resa sómente a inscripção, outros e diversos do¬
Amares, aio kilometros de Braga, é que realmentenascera cumentosa corroboram brilhantementena historia patria.
o Mestre, que fora até 0 primeiro a usar e a nobilitar o titulo
de Marecos, da herdade que foi o núcleo da povoação. (Continúa) LucianoCORDEIRO.
72 ARTE PORTUGUEZA

distinctodeBerlim,descobriuo meio
O escultorFritze,estatuário
decommunicar aobronzeumapatinaartificial,tãoperfeitae duradora
e quedefende perfeitamenteo metaldasavariasdo
UM SERÃO EM 1S21
comoaverdadeira,
tempo.
Depoisde repetidas experiencias,coroadasde excellente exito,o
na Allemanha.
processovae-segeneralisando
'UM impresso humorístico, publicadoem1821, encon¬
tramosumadescripção devisitade senhoras desege, ■*
quenospareceverdadeira e característica.
Vamosre¬
sumir,apenas. Realisou-se ultimamente, no MuseudeBerlim,umd’esses prodígios
Ouviu-seo motimdasege,rodandonacalçada, dehabilidade e depaciência quedistinguem osrestauradores dequa¬
e entrandono pateo.O creadogravedesceucom dros da Allemanha do norte.Os doispostigos lateraesdo precioso
dois castiçaes.A segeparou.O lacaioajudoua apearassenhoras, e retábulodo séculoxv, existentes no mesmoMuseu,reputadosobra
segurounossaquinhos doschalésde abafar.Isto, em1821, já estava primadosirmãosJan e HubertVan Eyck, e cujospainéiscentraes a
muitosimplificado; porque,d’antes, tinhamde ir maispessoas, para Bélgicapossue,teempinturaemambasasfaces.As tábuas,aliásdel¬
pegarnasenormescaudas. gadase emmuitomauestado, foramserradas aomeio,a fimdefacili¬
As damassubiram,e trocaramcumprimentos comas senhorasda tar, no seu conjuncto,ao publicoo examed’estapreciosareliquia
artística.
— Minhaunião!Minhaespecial!Minhaalegria!Minhaexquisita! Foramreunidasaosquatrospainéis,excellentes copiasdospostigos
Meu sim! Minhaexistência! Meumaisquetudo! Meudisfarcepara existentes naBélgica.
enleio! ■*
A meninamaisvelhamostrouum chalequebordaraemseteme-
zese doisdias;e, comosefallasseempontose marcas, ellamostrou Em umdosnumerosos leilõesdequadrosqueserealisaram durante
0 seupatinode modelosde marcar,com torres,armas,bandeiras, a estação deverão,aseason, emLondres,vendeu-se o annopassado um
açafatesde flores,gato,cão,cordeiro,e gallo,saloiose gaiteiros,e retratopintadopelocelebreReynolds,o fundadordamodernaescola
macacos;e atéumtafulvestidoá Constituição no ultimochefe. ingleza,pelabonitaquantiade 11:oooguinéus.
Mostroutambém unsparesdemeias,de abertosprimorosos.
Um dosrapazitos fezumatravessura: •*
—Acommoda-te, rapaz,quevemlá o fradinhodamãofurada.
—Acommoda-te, menino, quevemlá o fradequetelevanamanga. A galeriade Dresde,considerada umadasprimeirascollecções de
Parecequeosfradeserambonsparacalarrapazes. pinturada Europa,adquiriuultimamente, mediantea quantiaderéis

.^)
Começava entãoa generalisar-se o uso de dardomás senhoras, e 25:000 000 um dosmaiscelebresquadrosde Murillo— mortede

a
,
já assenhorias seíamenxertando emexcellencias. SantaClara,queexistiaemInglaterra, na galeriade lord Dudley.Fa¬
Umadasdamasdisse: zia partede umaseriede onzequadrospintadospor Murillopara

o
—Eu aindasoudotempodapragmatica; issoé queforampaixões, conventodosFranciscanos, de Sevilha.Roubadospeloexercitofran-
porqueentendeu comtodosostratamentos, e pilhouentãoassenhorias cezem1810, algunsforamrecuperados maistardepelogovernohes-
no seuauge;houveversos, satyras,e atélettrasquesecantavam pelas panhole existem naAcademia deS.Fernando;outrosestãonoLouvre;
solfasdosminuetes, queestãohoje(em1821)esconjurados. restoemInglaterra. quadrorepresentando mortede Santa

O
e
0

a
Outradamalembrou-se deumaquadra,quefoi celebre: Clara,adquiridoem 865pelo marquezde Salamanca, foi por este

i
vendido,annosdepois,a lordDudley.
Estapragmatica,
Manaquerida, •*
Foi n’estavida
Todo 0 meumal. Foramconcedidos ao MuseuNacionalde BellasArtes,de Lisboa,
tresfrontaes dealtar,exemplares excellentesdeguadamecis, courode
Umadasmeninas recitoualgumas decimas. Cordovado séculoxvi,douradoe estampado côres; umalampada

e
E veiuo chá.O doceserviu-se empúcarase covilhetes. demetal,umtantomaismoderna,porémmuitocuriosapelodesusado
Depois,emduasmesas, jogaramo casino,e o trintae um. dafórma.EstesobjectosexistiamemCaminha, no fortedaInsua,que
Ao mesmotempo,n’umgrupodedamase cavalheiros, leu-seum defendea barrado rio Minho, faziampartedasalfaiasdacapella.
e


papel O homem peixe,ouasbotasdecortiça.Umgraciosotinhain¬ Museucedeuemtroca, mesmacapella,numeroequivalente
O

de
á

ventadooutrapeta,quenãoteveo exitodasbotasde cortiça: objectos, osquaes,postoquedemenorvalorintrínseco, reunemtoda¬


viamelhores condições paraasexigências do culto.
Agoraseiquepor mar
Ha de,parao mezquevem,
Vir a torredeBelem
*
A Fundiçãoa limpar! 01 no dia de marçoqueserealisou aberturada
5

a
i

quintaexposiçãoannualde bellas-artes, organisada


E, ás dezdanoite,terminouo serão,e ouviu-seoutravezo rodar pelo GrêmioArtístico.Sao224os trabalhosexpostos,
dasege,fazendo grandebulha,aossolavancos, pelacalçada. 62 os concorrentes, entreos quaesSua Magestade
e

El-Rei.
Avultam,segundoo costume, os quadros oleo.Nasoutras
a

secções, —aguarella, desenho, pastel,architectura, esculptura,


gravurae arteapplicada,— são em muitomenornumeroos
trabalhos.
Na depinturaa oleo,nota-se faltade algunsartistascujas
a

obrasnoshabituaramosveremtodasasexposições doGrêmio.
a

Na deesculptura, apparecem-nos, alémdepromettedoras tentativas


de umadiscípulade MoreiraRato de discípulosde Calmeis,um
e

trabalhoquelogo nos prende attenção,e que realmente,


é,

notá¬
a

vel:—umbaixo-relevo de Motta,destinado para monumento Af-


o

fonsode Albuquerque.
Perspectographo é o titulodeumnovoaparelho recentemente in¬ secçãode architectura temesteannomaisinteresse
A

ventadonaAllemanha. do quenos
Applica-seao desenho donaturale aostraba¬ precedentes.
lhosdearchitectura. Reduze ampliadesenhos comabsoluta perfeição. Nadearteapplicada, umaobraapenas.
Uma brochura,publicadapelosprofessores Knorr e Hirth,notáveis No proximonumeronos occuparemos
vulgarisadores do ensinoartistico-industrial, detidamente d’estaquinta
contéma descripção do exposiçãodo GrêmioArtístico, daremos, emfolhaseparada, re-
e

aparelho e umaexposição dassuaspossibilidades evantagens, redigida producçãophototypica de algumasdas obrasexpostasnas salasda


peloprofessor Lõfftz,directordaAcademia deMunich. Academia.
Reservados
todos os direitosde PROPRIEDADE
LITTERARIAARTÍSTICA
E
e subitamente apparece a industria dos
paizes septentrionaes. Foram muito in¬
tensas as relações de Portugal com a In¬
glaterra, o norte da França, a Flandres,
logo nos primeiros reinados, pela passa¬
gem dos cruzados, pelas allianças regias.
ECHEIO DA CASA Os tecidos de Flandres, de Londres,
de Ruão, de Yprés, de Lille vulgarisa-
ram-seno reino; foi uma invasão enorme,
e de largo alcance, porque os cruzados
guerreiros passaram, e o pacifico mercador ficou. Os nacio-
naes andavamna sua longa briga com sarracenos.
Chega o preamar dos grandes descobrimentos asiaticos,
as naus e galeões descarregam nos caes de Lisboa os es¬
tranhos artefactos do Oriente; são as porcelanas da índia,
NÃO seria difficil agrupar elementospara a historia do China e Japão; as sedas e os charões, as esculpturas em
mobiliário portuguez; ha velhos escriptos, antigasilluminu- sandalo,marfim, em massa de arroz. Oh! que paraizo para
ras, esculpturas dispersas, d’onde, com paciência e critica, o fino colleccionadorseriauma casaportuguezaahi por i 56o!
é possivel colher muitos dados. Mas a industria nacional ficou abafada; chegaram a man¬
Como é natural, no mobiliário, no vestuário, na joalheria, dar fazer no Oriente serviços de louça, obras de marce-
na ceramica, as fôrmas e a ornamentaçãovariaram com o neria, e até imagens dos santos.
estylo da epocha. Os nomes dos objectos podem ser indi¬ As artes dos metaes preciosos, empregadaspor muito
cadores das suas origens. tempo, principalmente nas applicações do culto, expan¬
Nas designações dos objectos caseiros são frequentes as dem-se no século xvn na vida civica, no interior caseiro;
Nas famílias mais
que lembram romanos e arabes. A cadeira, por exemplo, as grandes casas enchem-sede pratas.
considerável das for¬
que vem de cathedra, apresenta uma serie de transforma¬ altas, as pratas constituemuma parte
ções, varia no tempo e pelo paiz; ha cadeiras regionaes; tunas, dos morgados.
outras officiaes, próprias para certos cargos. Seria bem in¬ Repare-se em que a tendencia para colleccionar é velha
teressantea historia da cadeira em Portugal. entre portuguezes. O infante D. Pedro, que foi mestre de
um
Ler antigos inventários de recheio de casa é assistir ao Aviz e condestavel, e depois rei de Aragão, possuia
André de Re¬
deslisar da civilisação na intima vida caseira, á mais funda afamado museu de medalhas e antiguidades.
de ve¬
influencia dos povos que passam, ou que entre si travam sende e Damião de Goes tiveram as suas collecções
muitos lharias e objectos de arte.
relações e contratos. Investigando bem, topam-se
dados; todavia, não farei n este momento dissertação eru¬ Pedro de Andrade Caminha versejou á casa de estudo
a
dita; farei apenas um singelo reconhecimento. da sr.il D. Maria e da sr. D. Catharina:
Da casa da illustre dama vimaranense,Dona Mumma, sa¬
NesterealMuseo,a ociosidade
bemos o recheio pelo seu testamento,datado do anno
Nuncatemtempo;cabeaquisómente
Uma casa de Guimarães no século x! Ella declara cuida-
A honra,e preço,e saber,e autoridade
damente a sua mobília, vestuário e joias, os seus candela¬ Lettras,continuoestudo,e diligente,
bros, lucernas e lampadas; os seus collares ornados de pe¬ Santíssimoscostumes,grambondade,
dras preciosas, as palias greciscas, trarnisirgas, túnicas, Maravilhas deengenho altoe prudente.
sabanas, e mantelos,os seus livros, as suas mesas, leitos e
cadeiras; os linhos e sedas com lavores; é um inestimável Manuel Severim de Faria tinha no seu museu, estatuas,
li¬

inventario de um interior medieval. moedas gregas, romanas e visigodas, louças preciosas,


extraordinários, papyros do Egypto, folhas de palma
Nos documentos portuguezes do primeiro século da mo- vros
com longas inscripções abertas ou grava¬
narchia, surgem muitos nomes mouriscos; é a arte supe¬ (olas) do Oriente
de metal.
rior dos arabes a invadir tudo, nos utensilios, nos tecidos; das estvlete
a
74 ARTE PORTUGUEZA

Mas estescasos eram excepcionaes;era sim trivialíssimo explosão; nem as mais altas, ao que se está vendo, se
encontrar na casa fidalga, na burgueza, na do marujo, ob- livram das liquidações.
jectos do Oriente, de Italia, do paiz flamengo. Quem tiver Mas, ao mesmo tempo, estão entrando todos os dias mo¬
paciência para ler inventários e partilhas póde reconstituir veis, joias, porcelanas, do extrangeiro.
com exactidão o recheio das casas portuguezas, das diver¬ São cadavez maisvulgares as imitações; já estamoscheios
sas categorias, de i 5oo até o nosso século. de louças modernas que tentam reproduzir as antigas. Em
o recheio da casa será de metaes
Que é feito de tanta preciosidade? dos grandes leitos ar¬ breve, por este andar,
mados, das valentesarcas, do vestuário luxuoso, das pesa¬ brancos sem valor, de porcelanas feias do extrangeiro, de
das pratas lavradas? que tão pouco resta! falsa índia, de sedas de urtiga branca. Tudo progride; o
Ainda hoje se ouve dizer a alguma velhota: quando ca¬ adélo, o ferro-velho cederamá casa de penhores, aos monte
sou a sr.a D. Fulana, as pratas foram em tantos carros! pios; agora, já vamos nos grandes armazéns liquidadores.
Ainda hoje ha casas nas pequenas cidades, em villas de Ha tempos, em sala de antiga moradia, aonde fui cha¬
Portugal, que têem velhos armarios recheados de pratas; mado para dizer de alguns objectos de outras eras, eu
taboleiros, fructeiros, jogos de salvas, bacias e gomis, terri¬ senti a poesia dolorosa do desastre; sósinho, entre precio¬
nas, serpentinasde prata lavrada, ao lado de outros arma¬ sidades accumuladasem successivasgerações, que me pa¬
rios com pilhas de grandes pratos orientaes, e junto das reciam contar historias, invadiu-me uma saudadeindefinida,
arcas de pau brazil, de grossa pregaria, onde se guardam motivada pelo conjuncto de recordações; íam abandonar-se,
os linhos bordados e as colchas de seda e damasco.Mas partir em diversos rumos, aquelles moveis e quadros, por
são raras hoje; ha apenasum século havia centenares. tantos annos companheiros. De súbito, um minuete estalou
Mestre burguez, o senhor fidalgo, o cavalleiromilitar per¬ o silencio triste; um bello relogio de carrilhão annunciava
deram quasi tudo; não se attribua, porém, isto só a faltas o meio dia, com a sua fina sonoridade. Na occasião, pare¬
de espirito de conservação; a lei e a sorte têem grande ceu-me haver no relogio uma implacável ironia; acabou o
parte de responsabilidade.A extincção dos morgados obri¬ minuete, soaram no timbre, espaçadas,as doze horas, agu¬
gou a rapidas liquidações; a invasão franceza foi uma rui- das, cruéis; e esmoreceulentamentea ultima. O tempo! o
na, e a forte contribuição de guerra exigida por Junot pa¬ tempo que tudo vae mudando e gastando!
g. PEREIRA.
gou-se principalmente em prata. Depois, veiu o vendaval
de 1832-1834. E veiu a ignorância, o mau gosto; veiu o
entrudo. Não se imagina o que o carnaval tem estragado;
a creadagemda casa foliava com as casacase colletes bor¬ MUSEU NACIONAL
dados, os chapéus antigos, os leques, os lenços, os chalés, DE
as saiasde sedabordada; tudo se ennodoavae manchavana
brinca do entrudo. Agora, felizmente,repara-semais n’isto. ‘BELL AS-ARTES
O convento e a igreja ainda salvou alguma cousa; póde
dizer-se que o bom que nos resta em joalheria e tecidos
foi salvo pelo clero; naturalmente,elle é conservador e tem
tradições; mantem-sefirme e reservado nas crises sociaes.
O convento de freiras, em 1834,foi a guarida salvadora de
paramentos, de frontaes, de imagens; e com essas imagens
foram as antigas andainas, as joias, as coroas, os peitoraes,
os botões. Ha frontaes feitos de pannos de saias; ha teci¬
dos do século xvi, e mesmo do xv; ainda ha maravilhas,
salvas pelo acaso e pela ignorância também.
E veiu o colleccionador.O amador entendidopóde prestar
serviços; pelo menos produz logo augmentode valor. Mas
os objectos em collecção carecemda infinda poesia da his¬
toria familiar.
Na collecção, é um objecto que foi comprado em tal
sitio; e na casa tem historia, recordação, poesia; é a casaca
do bisavô, é o vestido que se fez para o casamento da
tetravô; é a espada do tio fulano, que elle usou na guerra
da Península; a farda que outro vestia em tal solemnidade A secção ceramica portugueza do nosso museu nacional,
nacional. comquanto já hoje seja digna de attenção, não póde, por
Em compensação, o colleccionador póde ter a serie, a ora, considerar-se como absolutamente
representativa da
demonstração da vida de certo ramo de arte; uma collec¬ arte.do barro em Portugal.
ção de ceramica,por exemplo, de relogios, de instrumentos Constituída, na sua origem, apenas por limitado numero
de musica tem superior significação. de exemplares, sem duvida alguma importantes, prove¬
Fugir do armazém, do agrupamento feito sem paixão niente, a maxima parte, das sobras da
primitiva collecção
nem gosto. Certos colleccionadoresapenasmostram 0 seu do fallecido barão de
Alcochete, competentíssimoamador
poder monetário; n'essas collecções, sem amor nem me- de faienças,foi successivamente
ampliada por meio de espe-
thodo, os objectos brigam, irritam-se ou lamentam-seentre cimens,já adquiridos, já
arrecadados,pelo Estado, á medida
si; a approximação dos despojos de fôrmas e artes diver¬ que iam periodicamente
vagando os numerosos conventos
sas produz confusão e não harmonia. de freiras.
Uma vez chega a fatalidade, e adeus collecção. O que Estacionária, comtudo, durante alguns annos, installado
está succedendo em Portugal é deplorável; as collecções que foi o
museu, a direcção respectiva, conseguindo re¬
officiaes continuam incompletas, as particulares tendem á mover certo
numero de difficuldades e attritos nas regiões
ARTE PORTUGUEZA 7D

officiaes,obteve, finalmente, concessãode recolher os obje- e absoluta, de organisar collecçÕespublicas, o mais com¬
ctosvaliosos, relíquias de arte encontradasnos espolios dos pletas e methodicas possível, onde os artistas da industria
conventos supprimidos; e, de então para cá, a collecção possamencontrarsuggestoes,exemplosuteise indicaçõeste-
augmenta de anno para anno. chnicas de processosás vezes caídos em esquecimento,— o
A julgar pela quantidade e importância dos especimens certo é que o amador, em geral, se mostra pouco dadivoso,
reunidos, o museu espera ainda, recorrendo á mesma fonte, e o nosso museu nacional, menos afortunado que os de ou¬
quando não completar as suas series de exemplares das tras nações,aliás menosnecessitadosdo publico auxilio, não
póde, até á data de hoje, no que respeita ás suas collecçÕes
de arte applicada,registar qualquer cTessesfrequentesactos
de munificência, tão frequentes no extrangeiro, e que tanto
concorrem a opulentar outros institutos do mesmo genero.
Portugal, como dizia, annos ha, um dos mais notáveis
colleccionistas e ceramographos, o gravador Jacquemart,
«é 0 novo mundo da ceramica».
E de facto, não existiu, talvez, entre nós, industria com
mais fóros, ou maior numero de tradições gloriosas. Opu-
lentam o solo portuguez matérias primas de toda a casta,
e data no paiz de eras remotas a applicação da ceramica,
não só a utensilios dos mais indispensáveis á vida, como
tambémá construcção e á decoração de nossas casas. Olei¬
antigas fabricações nacionaes, agrupar, quando menos, nú¬ ros intelligentesjá em eras primitivas, e ricamente dota¬
cleo de abundantese valiosos documentos de consulta, tão dos de instincto artístico,viemos successivamentecultivando
uteis ao industrial como ao investigador das nossas tradi¬ todos os generos. No século xvi, produzimos boas louças
ções artísticas. vidradas,— majolicas, meias majolicas, barros emboçados,
Em periodo que não vae longe, a venda parcial, em hasta azulejos, etc. No séculoimmediato,a faiença,—barro esmal-
publica, do valiosissimo espolio de Sua Magestade El-Rei
D. Fernando, facultou ao Estado a acquisição de alguns
bons exemplares, entre os quaes figuravam vários especi¬
mens nacionaes, que assás contribuiram para o enriqueci¬
mento da collecção, a qual, actualmente,abrange cerca de
23o numeros.
Mais tarde, mediante algumas trocas de objectos dupli¬
cados, que o museu, a exemplo de todos os institutos do
mesmo genero, vae pouco a pouco archivando, poderão
ainda as series tomar maior incremento.
A attenção e o apreço concedidos ás velhas louças por- N."4

tuguezas, constituem, entre nós, facto recente: datam,
á intelli-
por assim dizer, da brilhante exposição de ceramicanacio¬ tado a cal de estanho; e, em fins do xviii, graças
nal, realisada, com tão louvável intuito de propaganda, na gente quanto efficaz protecção dispensada pelo grande mi¬
cidade do Porto, pela Sociedade de Instrucção, em fins de nistro de D. José á industria ceramica, a qual, por então,
outubro de 1882. definhava, a braços com a concorrência das louças fran-
industria reviveu,
O glorioso certamen artístico, dirigido, com admiravel cezas, hollandezas e genovezas,aquella
Extre-
methodo, pelo erudito quanto infatigável iniciador da orien¬ e, no Porto, Lisboa, Coimbra, Vianna do Minho,
das industrias artísticas moz, e ainda outras terras do reino, artistas e artífices
tação segura dos estudos ácerca
mestres extrangei-
do passado em Portugal, o sr. Joaquim de Vasconcellos, nacionaes, auxiliados por alguns hábeis
concorreu assás para ros, desenvolviam com extraordinária rapidez, em nume¬
a constituição gradual rosas fabricas, a producção da faiença, da louça fina, em
de collecçÕes serias; toda a variedade de especies, de fôrmas e de applicações,
porém, ou porque o e segundo os mais aperfeiçoadosmethodos francezes, alle-
colleccionista portu- mães, hespanhoese italianos da epocha,creando, em alguns
guez, por ora novato, casos,typos já com certa originalidade.
seja, como tal, natu¬ Portugal soube resistir á invasão da febre da porcellana
ralmente sofrego dos que, n’aquellestempos, grassava por toda a Europa e pre¬
seusthesouros,ou pelo cipitava a decadênciada faiença. Fundou-se, é certo, mercê
facto de não estar, por da iniciativa de José Ferreira Pinto Basto, —um beneme-
rito da industria portugueza,— a magnificafabrica daVista
cmquanto, suíficiente-
mente incutido no ani¬ Alegre, a qual, por tão longo tempo, houve de luctar com a
mo de nossos conter¬ concorrência da nova porcellana feldspathica, —ou pseudo-
râneos o sentimento porcellana ingleza,— e que, se não como arte, ao menos
da conveniência, pelo valor intrínseco do material empregado e o esmero
ou, antes, industrial do fabrico, reivindica ainda hoje logar honroso
necessida¬ entre as primeiras da Europa.
de urgente A concorrênciaextrangeira; —a lithogeognose,esse pro¬
cesso de estampagem em louça, que veiu substituir-se á
N."3 pintura; essa terrível invenção do Dr. Pott, nefasta sob o
7° ARTE PORTUGUEZA

ponto de vista da arte;— depois, os desastres da invasão Representa o n.° 2 uma botelha também para pharmacia,
franceza, arruinando e destruindo-nos as fabricas, reduzi¬ com esmalte mais encorpado e de aspecto mais unctuoso,
ram, por largos annos, a faiença portugueza á producção o branco um tanto amarellado, e a decoração a dois azues.
de consumo popular. Apesar do estylo antiquado da lettra que designa o nome
Hoje, porém, as nossas industrias ceramicasrevivem; a da droga, a peça não é talvez anterior ao primeiro quartel
louça vidrada, a faiença,a louça fina, o pó de pedra, o grés do século xvii. Este curioso especimen foi adquirido no
cerâmico, o azulejo, desenvolvem-se,e realisam incessantes leilão do espolio de Sua Magestade El-Rei D. Fernando.
progressos materiaes; os nossos oleiros e louceiros sabem O primeiro dos dois objectos representados na terceira
do officio. Todo o progresso, pois, a realisar, deverá ser vinheta, é um pequeno saleiro, ou azeitoneira, com tampa,
no sentido da arte decorativa. Exceptuando, todavia, algu¬ de grossa faiença branca; tão antigo, ao que parece, como
mas tentativasbrilhantes de artistas talentosose dedicados, a botelha acima descripta. O esmalte, espesso e imperfei¬
taes como o professor A. Gonçalves, em Coimbra, Bordallo tamente distribuído; a decoração, a azul avivado de cor de
Pinheiro, nas Caldas, Lopes, — o das Deveras, coróplasta vinho, caracterisamas louças de uso commum que são attri-
tão distincto,—no Porto, e as novas louças da Fonte Nova,
em Aveiro, — a decoração, o estylo, é ainda o ponto fraco
da arte jictil em Portugal. As fôrmas das nossas modernas
louças são praticas, racionaes; levam mesmo certa vanta¬
gem, a tal respeito, ás das epochas transactas.Evitam dis¬
cretamente,os nossos louceiros, as extravaganciasnataris-
ticas (pelo menos nos artefactosde immediata utilidade) e
as adaptaçõescaprichosas e irrefiectidas de typos impró¬
prios ao material empregado. Algum proveito, em lições,
souberam tirar da concorrência esmagadoraque, por tanto
tempo, lhes fez a louça ingleza. Levam, porém, a sobrie¬
dade ao excesso; descáe em monotonia e, ás vezes, em
banalidade. Quanto á decoração,ao desenho,ao gosto nos
padrões, á escolha e propriedade dos motivos,ha, por ora,
menos que louvar, infelizmente,e hoje, que a generalisação buidas ás antigas olarias de Lisboa e seus arredores. O Mu¬
do ensino artístico-industrial em todo o reino póde facul¬ seu recolheu este exemplar no espolio do extincto convento
tar ás industrias artífices educados,mal se desculpa a per¬ das Flamengas, á Pampulha.
sistência da rotina, —a escravisação a moldes velhos e a O gomil, que figura á direita do saleiro, é do principio
modelos extrangeiros. do século actual e um bom exemplar da excellenteproduc-
Abundantes elementostornam a arte do barro susceptí¬
ção da fabrica de Vianna do Castello (em Darque), circum¬
vel entre nós de muito maior desenvolvimento.Mais uma stancia aliás confirmada pela marca que apresenta. Bem
pouca de arte, de indepen¬ modelado em estylo concheadofrancez, do século passado,
dência de gosto, e pode¬ é esmaltado de branco um pouco terroso de tom, e a de¬
remos, como já podémos coração em ramiculos e folhagem cor de castanha, distri¬
no primeiro quartel d este buídos ao gosto d’aquelles tempos, a capricho e um tanto
século,no querespeitanão ao acaso. Este exemplar foi adquirido pelo Museu.
só á louça e á porcellana, Corresponde ao n.° 4 uma terrina, ou prato coberto,
como a todas as applica- ovoide, com a superfície levantada em gommos symetri-
ções da ceramica á con- cos, e igual no fabrico, no tom do esmalte e da pintura, á
strucção, supprir-nos com botelha atrás mencionada.Decora a face da tampa 0 bra-
elementos de casa. Que zão de armas da casa de Bragança. Esta peça provém do
grossaverba a diminuir da espolio do extincto convento de S. José, em Evora. Não
nossa tão imprevidente e apresentamarca de fabrica nem de louceiro, mas é possível
ruinosa importação! que seja de fabricação alemtejana,— talvez de Extremoz.
# Reproduz a vinheta n.° 5 uma terrina redonda, em estylo
* # dos fins do século xvm; bem modelada e esmaltada de
branco azulado; decorada com caprichosos silvados em
Estão representados, zig-zag; de tom azul um tanto duro, superficial. Lembra
nas gravuras queillustram pintura envernizada.É attribuida á fabrica de Miragaya.
esta breve noticia, alguns curiosos typos de
louças portu- O n.° 6, e ultimo, designa uma peça que constitue um
guezas, fazendo parte da collecção respectiva do Museu d esses enygmas,tão frequentescomo irritantes, deantedos
Nacional de Bellas-Artes.
quaes esbarra a todo o momento o colleccionista de
Reproduz a primeira, fielmente,um boião de pharmacia, louças
portuguezas. Esta formosa peça, de admiravel fabrico, ele¬
proveniente da antiga collecção Alcochete. Esta faiença,
gantíssima no seu perfil flexuado, e bem decorada a azul
branca, sem marca de fabrico, é decorada a azul morto e roxo, no estylo da faiença franceza de Rouen, apresenta
avivado de roxo, com as armas reaes portuguezas, sobre¬
todos os característicos dos productos da celebre fabrica
postas ao chronogramma—1655. A capa de esmalteestan- do Rato, e da epocha dos mestres italianos Thomás Bru-
nico, vitreo, lustroso e pouco denso, de tom algum tanto
netto e André Verol, e, comtudo, não está marcada, dan¬
esverdeado, commum ás louças da epocha, vulgarmente do-se o caso de existirem em varias
designadaslouças de Coimbra, denota fabrico mais aprimo¬ collecções particulares
exemplaresidênticos, com ligeiras variantesno tom, e mar¬
rado que o das peças de uso domestico, circumstancia
que cados com um P maiusculo, a linha dupla.
é, aliás, conspícuaem quasi todos os vasos para pharmacia.
PIN-SEL.
ARTE PORTUGUEZA 77

ULPITO DE SANTA CRUZ DE COIMBRA


REDUZINDO aos termos mais em quatro ou cinco categorias distinctas umas das outras
simples a complexidadedo assumpto, e constituídas por exemplaresligados entre si pelas mais
imponho-meo proposito de ser breve. intimas affinidadesde caracter e de execução,apenasmen¬
A reedificação da igreja e mosteiro cionarei a primeira e segunda, de uma egual elevação,ba¬
de Santa Cruz, emprehendida por fejadaspor uma egual exuberânciade espirito e de talento5;
D. Manuel, foi o ponto de partida, e e também,pela maior parte, as mais deploravelmentemuti¬
o fóco de irradiação, desse notável ladas pelos estragosdo tempo e pela incúria dos homens.—
impulso artístico, que, desde o principio do século xvi, es¬ Tempus edax, homoedacior.
palhou pela região de Coimbra os mais apreciáveisexem¬ Á primeira pertencem:
plares de architecturae esculpturano estylo da Renascença, o esplendido púlpito de Santa Cruz;
e iniciou uma successão de artistas, cuja actividadese pro¬ os tres quadros da Paixão de Christo no Claustro
longa até meiados do século xvii. do Silencio:—Ecce homo,Via sacra e a Deposição
D. Manuel esmerava-sepor que o mosteiro não ficasse no tumulo6;
inferior em ostentação e grandeza aos mais ricos monu¬ os quatro pequenos retábulos do Jardim da Man¬
mentos que levantava pelo reino. D. João III proseguiu no ga :— S. João Baptista, S. Jeronymo, S. Paulo
mesmo empenho'; e as obras, começadas cerca de 1515, eremita, e Santo Antão;
ainda continuavam,sob a direcção, ao que parece, de Diogo os dois pequeninosaltos relevos da capellade S. Sil¬
de Castilho, em i 5362. vestre?:— S. João
Comparando toda essa Baptista e S. Jero¬
abundancia de construcções, nymo;
porticos, retábulos e tumulos, o frontão da porta da
existentes na cidade e arre¬ Misericórdia de
dores, é facil de reconhecer Coimbra 8;
que podem classificar-se em e o retábulo de Var-
agrupamentos distinctos, dif- ziella‘J.
ferenciadosuns dos outros por No segundo agrupamento
dissemelhanças accentuadas, figuram:
não só quanto ao processo de o frontispício da igreja
factura, mas ainda quanto á de Santa Cruz;
sua idealisação artística. o altar-mór da igreja
A serie consecutiva, mar¬ de S. Marcos;
cada de espaço a espaço pela a Porta especiosada
Sé Velha;
elucidação esculpida das da¬
tas3, vaevagarosamente,a par¬ o altarde S. Pedro n’es-
tir dos dois primeiros períodos, te mesmo templo;
que foram por certo os mais e porventuraalgunsou¬
valiosos e pujantes, atraves¬ tros, cuja enunciação
sando phases características exigiria explicações.
de transformação. Primeira¬ Não compliquemos.
mente affectandouma simpli¬ É fora de duvida queD. Ma¬
cidadede artificio, e depois re¬ nuelchamouartistasextrangei-
vestindo-sede um maneirismo ros educados nas novas idéas
convencional, cada vez mais da Renascença,triumphantee
frio e inerte, até cair na de¬ dominadoraemtoda a Europa,
e que foram elles os mensa¬
generação completa e na ru¬
deza anarchica da epocha de geiros10d’essa brilhante reno¬
D. João IV. vação artística, que caiu em
terrenofecundo,e não deixaria
Ha, como é de prever, oscil-
de prolongar-se n’uma indefi-
lações4; mas o movimento de
nita florescência,se os infortú¬
decadência assignala-se pro¬
nios nacionaesnão viessemin¬
gressivamentee, guiadospelas
terceptaras correntesda seiva
datas, podemos seguir as ma¬
creadora.
neiras particulares a cada pe¬
ríodo, pelainfluenciade artistas
que espalhavamos seus prin¬
Como acontece na maior
cípios e processosindividuaes.
parte dos factos da arte que
Dé toda essa vasta produc-
PÚLPITODE SANTACRUZDE COIMBRA illustram os períodos mais
ção, que deve ser classificada
78 ARTE PORTUGUEZA

gloriosos e culminantesda vida portugueza, a historia não vá arrancando das entranhas mysteriosas dos archivos. É
conserva a recordação exacta dos nomes dos artistas aos certo que sobre as obras da igreja e mosteiro possuimos já
quaes devemos esses primores, que são um motivo de um documento de superior valia, mas que é insufficientea
apreço e admiração universal. fornecer elementospara juizo decisivo.
Os testemunhosdos poucos chronistas que, em referen¬ Nas suasapreciáveiscartas, o vedor do mosteiro de Santa
cia á vasta obra do mosteiro, fazem menção nominal dos Cruz, dando conta do estado e adeantamentodos traba¬
artistas alli empregados,inteiramente discordantese attri- lhos 15
, omitte os nomes dos artistas e perdeu o ensejo de
buindo ao mesmo nome producçóes de caracter o mais in¬ revelações preciosas, que lhe dariam direito ao reconheci¬
conciliável, lançam no problema uma perturbação inextri¬ mento da posteridade.
cável. De maneira que, para chegar a resultadosprofícuos, Assim, n’este momento, só por conjecturas inconsisten¬
será necessárioabstrahir por completo da cooperaçãodes¬ tes á mais ligeira contradicção, poderemos aventar uma
sas informações inverosímeis. hypothese sobre quem seja o auctor do púlpito' 6, hypo-
Primeiro que tudo, convem ter em vista que, simultanea¬
mente,alli trabalharamduas classesde artistas,obedecendo
a duas ordens de principios heterogeneos,embora tentando
por vezes uma conciliação apparente. Uns, educados no
sentir e nas doutrinas do Renascimento, dispondo de altas
qualidades, e de recursos poderosos e vivos de imaginação
e de saber; os outros, que a approximaçãofaz parecer in¬
cultos, fieis ao manuelino,mais ou menos indígena, susten¬
tando no conflicto aberto com a innovação os últimos es¬
forços da resistênciatolerante.
A esta distincção necessária, talvez nem sempre haja
sido ligada a importânciamerecida.
Provavelmente, a primeira seria formada pelos artistas
extrangeiros, sobre cuja nacionalidadeha divergência11 ; a
segunda,pelosnacionaes,ao numerodos quaespertence,por
exemplo,o conhecidoMarcos Pires, empreiteirodo Claustro
do Silencio, bem como o outro incognito, que esculpiu os
tumulos dos reis, á excepçãodas estatuasjacentes12 .
O synchronismo dos dois estylos é aliás um facto bem
notável e um dos mais suggestivosda historia da arte, por¬
que os sectários dos dois systemasacharam-seem conta¬
cto e quasi em mutua collaboração. SANTOANTÃO
—Retábulo
doJardim
daManga,
emSanta
CruzdeCoimbra

#
# # these que ámanhãse desfarána sua fragilidade complicada
e quasi gratuita.
LISTA fornecida pelos chronistas, dos Assentemos, pois, que, visto no campo da indagação
architectose estatuáriosque trabalhavam bibliographica reinar a completa discórdia ou a completa
nas obras do mosteiro, sem ordem de omissão, somos forçados a tentar se por quaesquer racio¬
preferencia, reduz-se a:—Mestre Nico- cínios será possível justificar uma presumpção plausível.
lau, João de Ruão 13 , Jacquez Loguim, A classificação por agrupamentos ou familias, de toda
Filippe Uduarte, Diogo de Castilho, Mar¬ essa producção da Renascença,não é extremamentedifficil.
cos Pires e, posteriormente,Thomé Ve¬ Para attingir conclusões acceitaveis, bastaria, portanto,
lho, mencionados em promiscuidade e conhecero nome do artista que devessesubscrever authen-
arbitrariamente. ticamenteum exemplar, pelo menos, de cada grupo, e so¬
Destrinçar o que ha de verídico nesta resenha e a parte bre esse facto incidir todo o trabalho de analyse e de com¬
que a cada um coube na decoração do monumento,não é paração.
empresa facil, como disse, pela absoluta carência de infor¬ Sem esses elementos prévios, no estado actual, toda a
mações circumstanciadase fidedignas. discussão é intempestivae temeraria.
D. Francisco de Mendanha, o mais antigochronista, des¬ Entre todos esses artistas, que nos seus trabalhos se re¬
culpa-se da deficiênciade noticias pelas condiçõesescassas velam, ha sobre todos um, que reveste às suas figuras de
em que escreve. Segue-seD. Nicolau de Santa Maria, cu¬ fartas roupagense bellas academias.É o estatuárioe archi-
jas afirmações, embora categóricas,são falliveis na opinião tecto mais rico de imaginação, e aquelle cujos trabalhos
dos cautos'4.E, finalmente,o pouco que foi trazido á luz por
maior semelhança e identidade apresentam entre si. Inne-
F. Simões, extrahido da chronica manuscripta de D. José
gavelmente,o púlpito de Santa Cruz, os quadros do Jar¬
de Christo. dim da Manga, os do Claustro do Silencio, os de S. Silves¬
O accordo do pequeno numero das indicações, que so¬
tre, etc., têem o cunho manifesto da mesma intelligencia.
bre o assumpto se nos apresenta,é impossível, porque es¬ E a mesma maneira de sentir, a mesma graduação dos
ses poucos dados brigam n’uma indocilidade caprichosa,
planos, o mesmo arranjo de panejamentos,a mesma subti¬
mostrando mais uma vez a experienciaquanto é arriscada leza de accessorios e detalhes, a mesma sciencia anato-
e desleal, no campo da historia da arte, a
confiança nas mica, a mesma confiança e firmeza até as ultimas minu-
velhas chronicas.
dencias.
Posto de parte éste auxilio, restam as noticias exaradas
em diplomas que o acasoou a diligencia dos investigadores ^Depois da observação conscienciosa,de tal fórma a ques¬
tão se apresenta, que, determinado o nome do auctor de
ARTE PORTUGUEZA 79

um delles, não póde deixar de ser attribuida a origem de O outro, o Sacrario, dá logar a um novo incidente.A sua
todos os outros á sua officina, á sua direcção immediata, qualidade é, sob todos os aspectos, secundaria, e levanta
sob o calor das suas próprias mãos. justos reparos e contestaçãoás aptidõesde um artista capaz
D. Francisco de Mendanha, na descripção do mosteiro, de produzir o bello grupo da Misericórdia. As vestes cáem
referindo-se aos pequenos retábulos do Jardim da Manga, em dobras achatadase quebraduras angulosas; e os cheru-
dá o nome de João de Ruão, em companhia de outros bins são arredondadose curtos21.
grandes officiaes. O chronista D. Nicolau de Santa Maria, Nenhuma accentuação de identidade se descobre entre
corrigindo, —ao que parece, sensatamente'7,— apresenta as duas producções. São de indole differente e inconfun-
unicamente o nome de João de Ruão. divel, no desenhoe na technica.
É sobre esta asserção, de um valor significativoe espe¬ É certo que a divergência poderá explicar-se natural¬
cial, que podem apoiar-se os que se lembrem de suscitar mente pela consideração de intervençõesauxiliares22; mas,
o engenho de Ruão para a creação do púlpito, sob estipu¬ por agora, quero limitar-me simplesmenteá exposição leal
ladas condições. do facto.
Advirta-se que ponho de parte todos os pequenosepisó¬ *
# #
dios que podem servir de embaraço, para seguir direito ao
meu fito. Soccorrendo-me apenas de indicações de algum alento
Mendanha é parcimonioso em citar nomes; e esta pru¬ presumivel, ponho de parte a vaga tradição, que de longe
dente reserva maior peso e auctoridade presta á sua affir- vem suggerindo o nome de Ruão 23 , a proposito do púlpito,
mação. Alem d’isso, deve ter sido contemporâneodo ar¬ para aproveitar um novo indicio, que será como um ponto
tista, e escreviapara uma corporaçãoque conservavanitida luminoso no meio d’esta obscuridade.
a lembrança dos acontecimentosoccorridos poucos annos Numa das faces do púlpito, uma pequenaplaca2* contém
antes. Elle escrevia em iõqo, e em 1535 ainda duravam as a marca fundamentegravada, que fielmentereproduzo.
obras no mosteiro. Não é crivei, portanto, que se deixasse Ora, persistindo no meu ponto de vista, a interpretação
cair em erro sobre este ponto delicado. d’estalettraseriarapidamenteencontrada:JoannesMagister.
Onde tantos artistas de reputação trabalhavam, embora Mas quem ousará affrontar a responsabilidade de uma
na inteira consideração dos seus méritos, comprehende-se tal affirmação?
que na apreciação da obra collectiva se não reconhecesse A mais escrupulosa discreção é um dever de consciên¬
vantagem em destacarindividualidades. Foi isso o que suc- cia. Em tal escassezde provas, todas as conjecturassão fal-
cedeu: os nomes dos artistas foram olvidados. liveis; porque, se as premissas não são garantidas, as mais
A magnificência do monumento era exclusivamentedes¬ lúcidas deducções podem cair pela base.
tinada á maior honra e gloria do mosteiro e dos funda¬
dores 18; as personalidades dos obreiros de nada valiam pe¬
rante esta rasão de ordem suprema. Uma vez, porém,
fixado sobre uma obra um nome por quem devia conhe-
cel-os, só será licita a contestaçãopelo simples prazer de
dar pasto a prevenções scepticas.
Mas é precisamente Teste ponto, que chega a vez a
D. José de Christo de perturbar a hypothese. É elle que
terminantedeclaraque o auctor do púlpito é Jacques Cuchim
(sic); e outrosim dos retábulos e abobadas das capellas do
Claustro do Silencio e das esculpturasdo Jardim da Manga.
Isto póde não ter importância, ser porventura uma affir-
mação, como tantas outras, sem echo; deixa, todavia, uma
impressãopassageira,porque a correlação d estasobras é in¬
teiramente lógica.

dopúlpito
Marca Cruz
deSanta

E ainda não é tudo. Um mau fado se compraz em en¬ —


Qualquer que sejaa solução ulterior do problema, João
redar de maiores embaraços a vereda que trilhamos por
de Ruão ou outro,— o cinzel prodigioso que esculpiu o
entre indicios incertos.
púlpito25e tantas outras bellas obras em pedra de Ançã,
Possuimos dois documentos irrefutáveis, que inculcam
que lançam no nosso espirito a mais profunda emoção,
João de Ruão como esculptor de duas obras ainda existen¬
corta e anima as suas figuras com uma segurança incom¬
tes: o Sacrario da igreja de Cantanhede‘9 (1542)e o frontão
-0 (iSqç))- parável, cheia de mimo e de sciencia.
que encima a porta da Misericórdia de Coimbra
e modelação, guiadapela As dobras amplas e variadasdos brocadosespessosfazem
O frontão tem a energica larga
um contraste delicioso e verídico com as pregas miúdas e
habilidade de um grande mestre; e, apesar d’isso, não póde
a exe¬ fartas dos tecidos finos.
ter Teste litigio uma funcção preponderante,porque
Falta-lhe a evi¬ A modelação do nú, sabiamenteaccentuada,dá um bello
cução é ligeira e relativamente descurada.
aspecto de magestadee de graça a pequenasfigurinhas de
dencia característica e convincente, para que 0 seu depoi¬
um a dois palmos de altura.
mento seja cabal e peremptório.
8u ARTE PORTUGUEZA

As cabeças expressivas,e as mãos ossudas, dos velhos, das attençõese debatedospareceres


se pódechegara umaconciliação fun¬
a musculaturaflaccida, as veias salientese a epidermeenru¬
damental.
gada nas articulações,tudo é sentido com uma grande alma 6 Haverácincoou seisannos,aoser
e com o carinho de um crente. reparadauma parededo Claustrodo
A delicadezavae até ás minúcias: os lavores dos sebastos Silencio,appareceu entaipado na alve¬
das casulas de santos papas e bispos, e as peças de passa- nariado muro um quadrode eguaes
dimensões, representando a scenado
manaria, tudo é afagado com o esmero de quem trabalha
Calvario,horrorosamente deformisado
marfim ou prata. pormãoinhabil,quecertamente tentára
Um extraordinário artista, quem quer que seja! restaural-o. Segundotodasasprobabi¬
O arranjo architectonico obedece á mesma superabun¬ lidades,seriaesseo mesmoquefalta
dância de vivacidadee de talento. Ha fertilidade de deco¬ paracompletar o numerode quatro,de
ração, ás vezes desligada,mas que se equilibra dentro das querezamas descripções.
7 Pequenooratorioparticulardo sr.
linhas geraes e componentes,porque a figura humana pre¬
ManuelCabraldeVilhena,actualpos¬
dominantevem sempre a proposito para attenuaras dema¬ suidorda igrejadeS. Marcos.
sias e salvar as concordâncias. 8 Creiofirmemente quea identidade
Em todas as obras dos dois agrupamentosque indiquei, artísticaentreeste retábuloda porta
está a perfeita e vibrante comprehensãodo periodo mais da Misericórdiae o daVarziellaha de
faustoso da Renascença,servida pela mais culta e poderosa serconfirmada. Aparteasdissemelhan-
habilidade de execucão. ças superficiaesdo processo,—um
simplificado e largo;o outro,esculpido
comumadelicadeza pacientee doce,—
sente-serefulgiro mesmotalentoe a
Pelo fim, cumpre-me assegurar a reserva prudente com mesmapersonalisação.
que exponho um alvitre, que talvez dentro em breve seja 9 E umapeçamagistral e grandiosa,
deumaperfeiçãoinexcedivel e deuma
o primeiro a reconhecerinviável.
integridadecompleta.O valor d'esta
Escrevo no momento mais desfavorável e arriscado a obraexcepcional sómente desdealguns
quaesquer cogitações sobre o assumpto, em vesperas de mezesé conhecido. Foi umaverdadeira
serem lançados a publico novos e até agora desconhecidos descoberta, n’um logarejode poucos
subsídios de exame e de critica26 . fogos.Os bustosde santasque ador¬
Não tendo, por emquanto,terreno sufficientementeestᬠnama predella, sãoadmiráveis, deuma
espiritualidade tocante.
vel para assentarconvicções,n’esta unica opinião me sinto
Os retábulossãotres; masos dois
persistente: lateraessão,poragora,desomenos im¬
Se por acaso a demonstração clara e indubitável fosse portância.
feita de que, além do baixo-relevoda Misericórdia, qualquer 10Estou fallandoespecialmente de
dos outros exemplares,que incluo no primeiro grupo, per¬ Coimbra.
11Quasitodosos escriptofes quea
tence a João de Ruão, — por mim confesso que, animado
ellesse referem,consideram essesar¬
de uma persuasão intuitiva, nenhuma duvida teria em o tistasdeproveniência franceza.
proclamar auctor do glorioso púlpito. 12As estatuas sãoposteriores. E não
édeduvidarquefossem executadas pela
occasiãoem que mestreNicolauveiu
a Coimbra,por ordemde D. João III,
TROTAS
paracoregeras sepulturas, segundoa
1 Pelas cartasdirigidasa Fr. Braz de cartaa fr. Brazde Braga.Ora,istofoi
Braga,encarregado por em1535; e emiÕ22,já osenterramentos
D. JoãoIII do governoe reformadomosteirodeSantaCruz,sepode
ver a solicitudecomqueestemonarcha estavam feitos,pelaaffirmaçao dovédor
cuidavado proseguimento dasobras,GregorioLourenço.
dasobras,recommendando e agradecendo as informaçõesquefre¬ '3 Mereceser notadaa insistência
quentemente lheeramenviadas. (Instituto,
de Coimbra,1889).
2 Ibidem,passim. comqueapparece o nomedeJoãode
3 Obras,decujasdataspossuoconhecimento: Ruão,porqueé indicioda suafamae
Em Coimbra,fragmento proeminência.
deum retábulo, no claustrodo mosteiro
deCellas,1535; doisaltaresno còrodomosteiro >4O sr. SousaViterbo já demons¬
deSantaClara r55i- trou, sobre o caso,os extraviosfla¬
altardo Sacramento daSéVelha,i 556; retábulodacapellano'claus¬
tro destamesmaigreja,1559;— grantesd’estechronista.
tumulo,comestatuade joelhosde 15As cartasde GregorioLourenço,
D.NunodaSilveira, naigrejamatrizdeGoes,1531;-retábulonaigreja
de Cantanhede, emlapidecommemorativa védordo mosteiro,forampublicadas
separada,1554;_0s dois pelosr.SousaViterbono Conimbricense
tumuloslateraes nacapellado Sacramento da mesmaigreja,1347; —
e, por informação, tumulocomestatua e no Instituto,deCoimbra.
dejoelhos,deDuartede í e 16A composiçãototal do púlpito,
mos,naigrejade Trofa, 1588 . Aforaos deTentugal,adeante meneio- se chegoua concluir-seconformeo
nados.E a colheitaé muitomaior.
4 Em Tentugal,por exemplo,encontram-se plano primitivo,foi vandalisada. Falta-
obras,queparecem lhe a cupula,ou baldaquino,
datadassema subordinação chronologica da evolução.Ha altares quedevia
marcados de i5So,1616 e i63o que,pelasuacaracterisácão ser 0 remateindispensável a dar-lhe
estylistica o aspectomonumental.
deveriam occuparepochasdiferentesd’essas. A s kilometros'de GregorioLou¬
dis¬
tanciadestavilla, na capellada Senhorados Milagres , deparamos rençoo certificana suacorrespondên¬
commaistres altares,no mesmocaso,de i65J. Estessão cia:
dc uma «Item.Senhor,mandou(D. Manuel)
grandesimplicidade e podemmarcaro termoderradeiro d’estaserie
’ fctjerhuupulpeto;estáfeito e asentado
tãoinsufficientemente conhecida.
5 Algunstraçosde separação entreo primeiroe segundo hopeitorilsobresuarrepresa:dallipera
grupo cima estahuuabaraqualiondeestava
podemnaotero assentimento dosdesprevenidos contraasapparen-
ciaslllusonas.Presumotodaviaestadistribuição ordenado sefa^erhuumporlalinhocom
a maisconformea
umavenlicação detidae prudente. É claroquesó pelaconvergência huuachanbrana em cima da obrado
peitorile rrepresa.»
ARTE PORTUGUEZA

17Para quê a coadjuvaçãode officiaes,em obrasque medem Essadiuturnidade já suscitouao sr. SousaViterboa mesmacon¬
70X64 centímetros? jectura,quepódeencontrar apoionacriticacomparativa dasobras.
18A possedo púlpito,exaltado pelaadmiraçãogeral,eraumtitulo 2?Rakzynski, emreferencia a João deRuão,levadopor essaaura
de legitimavaidadeparaos conegosregrantes. GregorioLourenço indecisaquese agitaemvoltada obra,diz abruptamente, semaddu-
d’estafórmao encarecia aomonarcha: zir quaesquer rasões:
«Divertiessesqueho vemqueemespanha nonhapeçadepedrade «II pourraitbiensefaire quela magnifique chaisede cetteéglise
melhorhobra.» fút sonouvrage.» Dicc.,253.
19Pelovocábulosacrario,deveentender-se nãosómente o taber¬ 24 Sobrea archivoltadonichoqueencerraa imagemdodoutorda
náculo,mastodaa composição queo circumda. igreja,S. Ambrosio;por exclusãodepartes,vistoqueos outrostres
20A Virgemda Misericórdia , acolhendosob o seu mantopro¬ têema denominação escriptaembelloscaracteres romanosf A lettra
tectorreis,papas,bispos,fradese cavalleiros,pareceter sido um M nãofoi durantemuitotemporeconhecida, porqueas duashastes
assumpto predilectoda devoçãodaepocha.Nadamenosdeseisretᬠangulares mediasse conservavam afogadas emtintapelaantigapin¬
buloscomessarepresentação se conhecem emCoimbrae arredores. turaa oleoqueo púlpitosoffreu.
A saber: 25Moldadoemgessopelaprimeiravez,foi enviadoá exposição de
Retábuloha poucoretiradodaigrejadeS. Thomás,em demolição Parisem1867, pelaAssociaçãodosarchitectos; e umasegunda repro-
presentemente; sobrea portada Misericórdia;na capellada quinta ducção,maisperfeitae fiel,tiradaemi883 , figuracomhonrano Mu¬
do Borges,arosda cidade;emTentugal;emCantanhede, e naVar- seunacionalde Lisboa,no museudeNovaYork, e na exposição do
ziella. Trocadero,emParis; por signal,esteultimocomdesignação errada
21Diga-sede passagem queas physionomias angelicaesassimma- no catalogo, queo dizexistente na cathedral deCoimbra.
terialisadasemexcesso,foi, emcertoslimites,umdefeitocommum a 26O sr. conegoPrudencioGarcia,illustradoinvestigador, anda
estesestatuáriosda Renascença. preparando a colleccionaçãodeapontamentos documentaes, colhidos
22Está averiguado que João de Ruãoestabeleceu residência em nosarchivos,ácercado movimento da arteemCoimbra,desdeepo-
Coimbra,aquicasoue constituiufamilia.Osdocumentos quelhedi¬ chasremotas;e, segundomeinformam, temconseguido elucidações
zemrespeitoabrangem umespaçodetrintaannos, desde1542 até1272, preciosas.
datadeum titulode vendade certacasaqueJoão deRuão,imagi¬ E o sr. dr. MartinsTeixeira de Carvalhoapplicaao problema
nário,fez ao mosteirode SantaCruz. E, postoque estelapsode da evoluçãoda Renascença em Coimbraas suaspoderosas facul¬
temponãosejademasiado paraa actividade
deum artista,sendode dadesde analysee vastosrecursosde erudição.
supporque a sua vindafoi muito anteriora 042, nãorepugnaa
possibilidadede o seguirnaprofissãoumfilhohomonymo. A. GONÇALVES.

SEPULTURA DE D. T HO AI AZ DE ALMEIDA
PRIMEIRO PATRIARCHA DE LIS130A

procedeuá posse,comos respectivos poderes deoutorga


9,

O meiodo cruzeirodaigrejadeS.Ro¬ cerda:


a

quee áquemda sepulturado bispodo D. José DionysiodeSousa,arcediago patriarchal;em16,depoisde


a

Algarve,D. FernandoMartinsdeMas- celebrarmissanaigrejade S. Sebastião daPedreira,foi-lhealli mes¬


carenhas,estásepultado o primeiropa- molançadoo pallio; defevereiro, deuentradapublica,comtoda
3
a
i

triarchade Lisboa,D.ThomazdeAl¬ pompa solemnidade, 20de junho,foi nomeadoconselheiro


e
a
e
a

meida. deestado.
Emvirtudedasobrasdeconstrucção No dia de marçode 1738,chegou Lisboa,com barretede
a

e o
3

donovocôrodacapella-mór, foi neces¬ cardeal,Julio Saccheti(conegodeS. PedronoVaticano camareiro-


sáriolevantara lapidesepulcral do pa- mórdopapa),porquem,'a6 do ditomez,foi postaaquellainsígniaao
triarcha;e, n’essaoccasião,vimoso novopurpurado, no oratoriodo palaciodasuaresidência.
ataúded’aquelleprelado,que,a titulo ServiuD.ThomazdeAlmeidacommuitozêloos reisD. PedroII,
reproduzimos hoje em D. JoãoV D. José mereceu estimae respeitodospontífices
o

de curiosidade,
e

a
e

I,

gravura,acompanhado dos seguintes InnocencioXII, ClementeXI, InnocencioXIII, BenedictoXIII, Cle¬


traçosbiographicos. menteXII BenedictoXIV.
e

NasceuD. Thomazde Almeidaem Sagrounovearcebispos quarentae umbispos; 17denovembro


e

Lisboaa 11desetembro de 1670.Foram de 1717, fez bençãoda primeirapedra dosalicerces do temploda


e
a

seuspaeso segundocondedeAvintes,D. AntoniodeAlmeidaSoares realbasílicade Mafra, 22deoutubrode 1730, fez solemnidade


a
a
e

e D. MariaAntoniade Bourbon,damada rainhaD. MariaFrancisca da sagração;a de novembro d e 1746, sagrou igrejapatriarchal,


a
3
i

que terremoto de 1755 reduziu ruinas.


e a

deSaboia.
o

Baptisouos infantesD. Pedro D. Alexandre, filhosdeD. JoãoV


Começouos seusestudosno collegiode SantoAntão,dospadres
y

jesuítas,e aosdezoitoannosentrouparaa universidade deCoimbra, asquatrofilhasdeD. José,quandoesteerapríncipedo Brazil.


e

V,

Casou princeza D. MariaBarbara, filhadeD.João com prín¬


o
a

ondesedoutorouemcânones.
do cipedasAsturias,D. Fernando, quedepoisfoi rei deHespanha.
Foi deputadodo SantoOfficioda Inquisição;desembargador
da Lançouas bênçãosnupciaesaospríncipesdo Brazil,D. José
e

Porto; aggravista da Casada Supplicação, deLisboa;procurador


fazendae estadoda rainha;deputadoda mesada consciência; juiz D. Marianna V ictoria.
expe¬ Sacramentouungiuel-reiD. João e,naqualidade
V,

dasmercês, decapellão-
e

do fiscoreal; chanceller-mór do reino; secretario


reaese casasdecampo, mór,recebeu juramento deel-reiD. José,na suaacclamação.
a o

dientee estado;vedordasobras dospaços


da
Deupara construcção igrejadeSanta Izabel g rande parteda
e secretariode estado.
por buliado papaCle¬ suarica preciosabaixellade pratadourada,servindo-se depoisde
e

A 6 dedezembrode 1706foi confirmado,


loucade barro; por verbadetestamento, deixouemlegadoparaa
e,

menteXI, bispodeLamego.
Desempenhou o officiode tabelliãona approvação do testamento mesmaobrao restodaprata,no valorde 4:000.^000 réis.
Despendeu grandes sommas c om fundaçãoda igreja convento
e
a

de el-reiD. Pedro sendoacclamado el-reiD. JoãoV, exerceuo


e,
II,

dasreligiosas Trinas do Rato,na igrejade Rilhafollese emmuitas


honrosocargode escrivãodaPuridade.
religiosas.
Em 22de junhode 1709,por buliatambémde ClementeXI, foi outrascorporações
FalleceuD. ThomazdeAlmeidaemLisboa, umaquartafeirade
a

confirmado bispodo Porto. de 1734, áscinco meiahorasdamanhã,com


de fevereiro
de 1716foi nomeadopatriarchade LisboaOcci¬ cinza 27
e

de dezembro
A
4

veneranda idadede oitenta tres annos,cinco mezes dezeseis


de janeirode 1717prestoujuramentodefidelidade fez
e

e
a
e

dental;
a
7

profissãode nasmãosdo bispodo Algarve,D. JoséPereiradeLa¬ dias.



82 ARTE PORTUGUEZA

Determinou em testamento ser inspice;si defactis ex hocdignitatumcumuloetaimorum serieconji-


sepultado na igrejade S. Roque,e cito.Amiosiion numeravit. Vixit LXXXIII. menses V. diesXVI. Ma-
deixoua suapreciosalivrariaaos gnis virtutibus tamlongam fortunaeindulgentiam meritus.Obiitamio
padresd’aquella, então,casapro¬ MDCC LIV. III kal. Mart. Timemórtalitatis memoriam Ecclesiare-
fessadaCompanhia deJesus. novavitefftcaxdociimentum. Immaniet tropoè vitarecisusvir digmis
O marquezde Lavradioe seu immortalitate. Solumliabuitin pretio quaeDeodestinaverat. Omnia
irmão,o reverendo D. Thomazde paiiperibus et Ecclesia■legavit.Hoc majus.Argentwnomnefactum
Almeida,sobrinhosdo patriarcha, D. Elisabelhae u din prodigentiav irtutemexercerei,non postmortem,
insinuaramcom repetidasinstan¬ in vitaunadie donavit.Inter sodalesJesu voluitquiescere, ut idem
ciasaodr.FilippeMaciel,deputado essetmonumentum amoriset cinerum.DolentPríncipes,gemunt pau-
daMesadaConsciência e Ordens, peres,lacrymat Lusitania,m eeret Religio.Sola impietasexultareini
que fizesseo epitaphio,que está talemvirum,quiprislinamejusaudaciam, in viviscompresserat,in tu¬
gravadocomlettrasdebronzeem muloadhuctimeret.Tu quoque viatorsi tepietascommovet abimees-
umabellapedra(mármore deCin¬ tus.Patruodesideratissimo Filii Fratis nalii maximihocin publico
tra), e que é encimadopelo bra- luetu breve meerentissimiposuere.
zão de armasdos Almeidas,tam¬
bémartisticamente executadoem Lisboa,io demaiode 1894. MENA.
bronze.
O epitaphioé doteorseguinte :

D. O. M.

Sta viator.Sepulchrum ne tan-


gito.Hic jacet.E. R. D. D. Thotnas
S. R. E. Cardinalisde Almeida.
PrimusUlyssip.Patriarcha.Sacri-
Baliu eferro,
decouro xv,
século
ficusMaximus.Regisa sanctioribus
consiliis,ac olim a secretis.Siim- propriedade
deS.M.aRainha,
asenhora
D.Amélia
musRegniConsiliarius. Episcopus
Lamecencis,mox Portugallensis.
IbiqueSenatus, etarmonimProfe- ATAÚDEDO PATRIARCHA
ctus.Si de nobilitatequa-risstema D.THOMAZ
DE ALMEIDA

TÃO... PITTORESCO

ÃO estranhe o leitor este ti¬ pava a hieratica boneca de massa, com olhos de pimenta,
tulo. E mister, porém, que braços arqueados em aza de cantaro e mãos na cinta,
saiba, que hoje o padeiro cul¬ sapatos de fita traçada e bicos dos pés para fóra, em pri¬
tiva as artes. meira posição de dança.
Padeiro artista, ou escul- De vez em quando, o barbudo cerbero esguelhavaolhar
ptor varino, vem, pois, no suspeitosopara o gaiato sonso e lambareiro, que espreitava
presente caso, a ser uma e a occasiãoazada a fim de ir deitando a unha a qualquer bolo
mesma cousa. appetecido... embora correndo o risco de apanhar 0 seu
Augmenta, de dia para dia, biscoito. Já lá vae, porém, esse clássico ornamento da
nos mostradoresdas padarias, feira das Amoreiras... Ella e a feira sumiram-se, arras¬
o numero de pães figurativos,representandoanimaes,esta¬ tados pela razoura do progresso, e foram para o rol das
tuetashumorescas,passarinhos, navios, barcos á véla, e até cousas esquecidas fazer companhia ao homem da alfeloa,
mesmo composiçõesarrojadas, celebrando façanhas tauro- do gergelim e amêndoadoce, á preta da á ... á ... cumunia
machicas. e a muitos outros typos pittorescos,que tão singular caracter
Não é cousa, aliás, de hoje nem de hontem, o flores¬ imprimiam a esta capital do meio dia.
cer do padejo plástico, nesta gulosa Lisboa; e qual será Ficaram ainda as varinas, valente raça de mulheres, in¬
o alfacinha, penteando já melena sal e pimenta, que se dustriosas quaes formigas. .. e artistas também. Que o
não lembre, com saudades,da imponente e sedentáriabo- diga a saia vareira, maravilha de senso pratico e de bom
lacheira, coeva dos seus dias de meninice; gravee fleugma- gosto—«a linda saia das mulheres de Portugal », verda¬
tica qual mandarim de louça; a cabeçaenvolta no immenso deiro achado indumentário, que os viajantes admiram e
e alvo lenço de cambraia, bordado, engommado,teso como citam a miude em seus escriptos, como typo unico e tão
papelãoe arrebitando a ponta posterior em véla latina? Cul¬ distincto entre os trajos populares de toda a Europa!
tivava, se bem me recordo, a ponderosa industrial, um Felizmente para ellas, ignoram o jornal de modas; esca¬
bigode, que chegavapara dois dragões de Chaves. pando assim á perversão do gosto, não perderam a noção
Installada na diminuta cadeira de assento de esparto e das fôrmas simples. Coloristas por instincto, fazem vibrar,
costas pintalgadas,para alli estava horas e horas, fazendo a todo 0 momento, nota alegre e brilhante entre as nossas
meia, impassível, de guarda ao taboleiro,no qual, entre os multidões pardacentas,hoje eivadas, á franceza, da myopia
tradicionaes especiones,a cavaca, a queijada, e a córnea da cor. Desprezamo tomfino, achromatico.Aquelles bellos
_
bolachinha fina, —á prova até de dente de garoto, cam¬ olhos peninsulares, acostumados á
refracção estrellante do
ARTE PORTUGUEZA 83

sol na areia, não se resignam a ver a natureza através Tudo tem nome, e por isso é preciso baptisar esta arte
de luneta fumada. Não é também cousa facil o impingir- que começa... Para irmos com a corrente, apanhará nome
lhes fancaria importada; ellas, que vivem na beata igno¬ grego,— mais ou menos barbaro, que isso, também, não é
rância do article Paris (que bem pouco lá é feito), não questão. Chamemos-lhe,pois, sitoplastka.
cáem na esparrella d'essas mil e uma frandulagens, que Esculptores sem pretensões,modestos e sempre anony-
dão volta ao miolo de tanta lisboeta mos, posto que arrojados na escolha dos themas, levam,
bonita... que quer ver se parecemais comtudo, estes artistas da massa triga, vantagem aos seus
feia. Ellas... olha lá!... isso sim! rivaes mais ambiciosos do mármore. Esta estatuaria co¬
Antes, pelo contrario, sabemimpor o mestível é mais barata... e o jury não a julga... come-a.
seu gosto á industria; e, se esta lhes Que o geito de decorar os bolos, de lhes imprimir cunho
quizer o seu rico dinheirinho, que artístico, é portuguez da gemma,ninguém póde pôr em du¬
tanto lhes custa a ganhar, ha de ser¬ vida. Os factos faliam bem alto. Vejam com que primor
vil-as ao modo d’ellas,— com fabrica¬ eram esculpidos esses preciosos chavões, essas artísticas
ções especiaes. fôrmas de madeira, hoje raras, e que eram, algum dia,
Graças, talvez, a este instincto, a accessorioindispensávelna copa, de toda e qualquer famí¬
esta transmissão do senso esthetico, lia que se prezava! Figuravam a par das pintadeiras e das
a formosura é, entre ellas, ainda hoje carretilhas de metal, e serviam para o embellezamentodos
hereditária.Transportadas,muito em¬ bolos, dos pasteis, das tortas e d’essas ricas travessas de
bora, para a má vida e mau ar da ci¬ doces portuguezes, que tanto a mim como ao leitor (con¬
dade,resistemá influenciado meio... cedo-lheessa justiça) nos fazem crescer agua na bôca.
Quer-me tambémparecerquemaisfa¬ «São os povos da península hispanica gente frugal e
cilmente se desnacionalisariaum hes- sóbria»— dizem os tratados de ethnographia; tal phrase,
panhol ou um inglez,—os dois entes porém, quanto a mim, não passa de um desses clichés de
mais façanhudamentenacionaes que diccionario; uma d'essas muitas mentiras, cem vezes refu¬
eu conheço. E elles... os varinos, gadas, as quaes, de edição em edição, os compiladores nos
esses guapos e athleticos mocetões, vem repetindo, que acabam por passar em julgado... e
tão indomitos e tão valentesno mar, que toda a gente repete, sem que, a final, se venha a saber
mas que, em terra, quando não tecem quem foi que a inventou. Algum grande comilão, prova¬
a rêde, ou lhe concertamas malhas, velmente, lá d'esses povos da Europa septentrional, mais
passamhoras esquecidasestiradosna gulotões, em geral, que os nossos conterrâneos.
areia, com a immobilidade do arabe? Quando tudo nos diz o contrario! Lembram-se d’essas
Fito o olhar penetranteno horisonte façanhas gastronômicasde el-rei D. Pedro, o primeiro, de
longínquo, dedilham preguiçosamente justiceira memória? D’essas pansadas nocturnas de fructa
as cordas da guitarra, improvisando, e vinho? Das legendáriasfestas populares, em que se assa¬
ás vezes, essas tão puras quanto sim¬ vam bois inteiros, e as fontes deitavamvinho? A verdade,
ples melodias portuguezas, os fados, é que fomos sempre uns grandissimos lambareiros. Que o
os landuns, que tanto se prestam a digam o amor e a delicia com que Garcia de Resende nos
montados,as pyramidaes
modulações infinitas e sempre novas! descreve os phantasiosospratos
Outra aptidão artística não tinham iguarias d’essesbanquetes homéricos, mediante os quaes,
revelado, até hoje. Mas, a final, deixando muito atraz de si o proprio Luculo, de gulotona
—quem tal diria!— sáem-se-nosagora memória, D. João II celebrava, nas sumptuosas festas de
estatuários! Como é que escapou á Evora, o casamentodo mallogrado príncipe seu filho.
observaçãoperspicazdos phrenologos Que fomos egregios mestres na arte das petisqueiras,
esta bossa encoberta? Será isto um profusamente o abonam as muitas narrações e memórias
caso de atavismo? Influencia, talvez, militares do tempo da guerra peninsular. Com que admi¬
das longínquas viagens dos avós ás ração nos não faliam os officiaes inglezes das ceias panta-
frades de Alcobaça
plagas africanas ou aos sertões de gruelicas dos rotundos e hospitaleiros
outras terras não menos remotas? —esses abysmos de comestíveis— e do espanto que lhes

—Vá lá... que remedio?— arrisque¬ causava a apparição, por horas mortas, da tremenda, a
mos mais uma theoria, cousa aliás farta posta de toucinho,que mereceuser cantadapor Garrett
commoda quando se quer fallar d’a- naquelle tão conhecidoverso:
quillo de que se não sabe: — se nós
padre;e vivaS. Bernardo!»
«Tremenda,
attribuissemos a genese deste novo
estylo esculptural, tão phantasistaem
seu impressionismo, um tudo nada e do vinho quente adubado, da socega, para aquecer o
barbaro, á contemplação do feitiço e estomago!
de imaginosos manipansos? E os clássicos jantares de annos, que duravam tardes
inteiras?... E as monumentaesconsoadas?...
E as bravatasdo trinchanteque, alçando o perú
na ponta do garfo, o desmembravano ar?
E conserveiros? Isso, então, estou em dizer
que foi uma das nossas maiores glorias artísti¬
cas. N’esse terreno, ninguém nos ganha... nem
mesmo os hespanhoes. Embora o cozinheiro
hespanhol, no século xvi —século que soube
2

84 arte portugueza
comer— disputasse primazias aos italianos, e apesar das piros, tabéfes!... E o clássico bolo real, a lampreia doce,
os castellosmonumentaes,e os moinhos, de ovos de fio?.. .
africas do celebre Juan Montino, cTaquelle seu famige¬
rado rodovalho, servido, a um tempo, cozido, assado e Paro aqui, pois receio que os leitores da Arte me julguem
frito, na mesa de Filippe III, e das mimosas gulosinas em peitado pelos confeiteiros, para os induzir em tentação.
que primam, ainda hoje, nossos visinhos,— fomos mes¬ E agora, porém, observemos o reverso da medalha.
tres. O modernismo, hoje em dia, desportuguezou-nos tudo!
Elevámos a confeitariaás alturas de uma arte,— porque Reduziu-nos á cozinha hygienica; aos menusem galli-parla;
o foi, e teve escolas: tantas quantas eram as províncias do aos jantares para gente dyspeptica. Com a conservariacos¬

reino. De Melgaço á Ponta de Sagres, não houve,por assim mopolita, vieram os doces para vista. Se até já nos ser¬
dizer, terra de alguma importância, cujas casas mais graú¬ vem pasteis de rhuibarbo! —doce de botica, que tédio!—
das não possuíssem receita, ou segredinho especial, que bon-bonsde baunilha.. . e não sei quantas heresias mais
era o orgulho da dona. d'essa confeitariafranceza — Deus lhe perdoe!— que todas
E nos conventos de freiras? Que infinitas especialidades ellas, quando não cheiram a pomada, sabem a pós de
de doces, todos com titulos miríficos: — celestes,toucinho dentes!
do céu, papos de anjos, beijinhos, melindres, delicias, sus¬ PIN-SEL.

«ÁlvaroVelho:—Nós,el-rei,vos enviamos muitosaudar. Vimosa


cartaquenosescrevestes sobreos vidros,e ouvimosa FranciscoAn-
riquesqueos tem;e havemos por bemqueos vidrosdasfrestasda
capellasejambrancos,combordadura decôresemredor,quesejade
HOUVE entrenós, mãotravessa de largura;e pelomeiosameadas as armasreaese a
em tempo de D. Ma¬ nossadivisadaesphera, e assia divisado pelicano,d’el-reiqueDeus
nuel,umvidreiro notᬠhaja,assicompassado comomelhorparecer,e quedê maiorgraça;
vel, mestre Francisco e emcimaseponhaa cruzdeChristo.E asfrestasdo cruzeiro,have¬
mospor bemquesejamde imagens, comovos,a vós e ao mestre,
Henriques, o qual tra¬ bemparecer;e quesejamasmaisperfeitas quepossamser.E quanto
balhou para o conven¬ aos dez mil réis que elledeveao thesoureiro de Coimbra,nóslhe
to de S. Francisco de escrevemos que,enviando-lhevós assignado vosso,de comoficaram
Evora, para o da Pena emvossamãoos ditosdezmil réis,do queellehouverd’haver, pera
em Cintra, etc. vóslh’osdardes,— lhelargueos vidros,peraellelogoospodertrazer.
E assilheescrevemos quevosmandeo concertoquecomelletinha
Existem no archivo
feitodo poerdosvidros,e asside comopunhama rededo fio nas
daTorre doTombo di¬ frestas,peramelhorvossainformação do quen’issohajaesdefazer.—
versos documentosre¬ EscriptaemAlmeirim,a 14diasdemarço.—Antonio Carneiroafez.—
ferentesa esseartista, 1
i 5o8.—Rei .
a maior parte inéditos
ou conhecidos unica¬ Em 27 de abril de i 5o8, dizia PeríEannes, em carta
mentepor extractosin- a Álvaro Velho:
completissimos e dis¬
cordes. Creio, pois, «Senhor:—RecebiumacartadeS.A., pera $ualmemandava que,
rece(bendode ?) v. m. um assignado per o qualme notificavafica¬
quenão seráociosopu-
remem(seupoder?) dezmil réis,do dinheiroquedevóshad’haver
blical-os todos na inte¬ FranciscoAnriques,da obradosvidrosqued’acálevaperaS. Fran¬
gra, como agora faço. cisco,peraperv. m. meserempagos,e os dardes,permeusignado,
Parece que Francis¬ a quemeu mandar,—em tal casoeu lhe soltasseos vidrosqued’elle
co Henriques fôra en¬ tinha,emcapçomde certodinheiro,etc.Item,maismemandaque
carregado dos vidros para Santa Cruz de Coimbra, não escrevao preçoque tinhafeito da obraque se haviade fazerem
SantaCruz,dosditosvidros.Digo,senhor,queeumecontracteicom
chegando,por motivos que desconheço,a collocal-os no ve¬ estemestre,a saber:—porpalmodo pintado,a centoe quarenta
lho mosteiro affonsino,e vindo, por determinaçãode D. Ma¬ réis2;masisto erade imaginariamuitosingular;e por o palmodo

.
nuel, a applical-os na igreja de S. Francisco, em Evora. É branco,a sassenta
réis,todopostoe concertado nasfrestas;e quanto
o que dão a entender as seguintescartas de D. Manuel a- é á rede,por palmo,tenhofeitoa dezréis,dandoos achegos, salvo
Álvaro Velho, védor e recebedor das obras de S. Francisco: só dasmãos;e assipor palmodagradedeferro,deo estanhar á sua
custa,outrosdezréis.Digo,senhor,seporventura quizerdes
quevos
mandea esteofficialqu’é umdosbonsqueeuvi, eu fareicomelle
«Quantoaos vidrosperaas vidraças,havemos por bemquevos quevos vá servirper estemesmopreçoque com elle contractei;
concerteiscom aquelleque os tem;e parece-nos queserábemos 0 qualmestreBoytacahouvepor mui proveitoso.Recebide v. m.
darpelospreçosporqueostinhadadosperaSantaCruzdeCoimbra; umacartae assiumcognoscimento dezmilréis.Encommendo
d’estes
e vóshaveios ditospreçospor certidãode Per’Eannes, thesoureiro nie
da sé de Coimbra1, e assivosconcertae (-7 de abrilp i5o8. Quantomontaao preçoda rede,
comelle,quandocommais medisseo mestreportadord’esta,que nom toca salvoá obrade
nossoserviçoo nãopoderdes fazere aproveitar.
(Almeirim,8 defe¬ SantaMariada Pena4.V. m. lhe pódeenviardar a informaçom
(í)

vereirode i5o8.)2 estaparteque elle toca.Mande-me v. m. dizero tempocerto


d

N’umainteressantíssima
cartadeGregorioLourençoa D. Manuel
1

Corpochronol.,parte maçoio, doc.7.


2 1

1,

ácercadasobrasde SantaCruz, citadoPero Eannes,comomestre


é

P. Ribeiro(Dissert.chronol.,tom.v, pag.328)traz 140réis;


J.

dospaçosreaesdeCoimbra. carta de28dejaneirodei5i8. (Corpo


A

Raczynski(Les artsenPort., pag.221),146réis.


e

chronol.,
1,

parte maço23, doc.10).


Pelosummario, no verso,sabe-seque data essa.
4 3

é
a

Corpochronol.,
parte maço doc.80.D’estacartaapenas
1,
2

6,

tran¬ Pareceisto quererdizerqueo preçodasredesparaasvidraças


screvi partequeserefereásvidraçás.
a

daigrejada Penaeradiverso.
i. D. EMILIA SANTOS BRAGA-Potíis dêAmor. 2. A. RAMALHO JUNIOR-i?c/raío deRoqueGameiro(pastel).3. L. FR
6. A. F. BAETA—PaisagememAguasBellas(Ferreirac
(Coimbra). 10.J MALHOA —Asésta. 11.J. C. GALHARDO- PontedaLava
S. J.V. SALGADO-Othello. 9. L. BATTISTINI- Sé-velha

SUPPLEMEÍ
rrUGUEZA

(I.isboa);
. deCamacho phototyp.
doE.RieI& C."(Porto).

iIRE—Cabritos.4. S.VAZ-Ao sol. 5. A. A. DA COSTA MQTTA Boixo-relevo a Affonsoie Albuquerque.


para0 monumento
0Zezere),j. s. M. EI .-líKl-.'Vo Alemtejo
(estudoa oleo).
eira(Freixial).12.J. DE BRTTO-Scenade A. GAMEIRO-Vetoufo(aguarella).
família. i3. J. MALHOA-A Olindadolagar. 14. ROQUE

TO AO N."
4
4

ARTE PORTUGUEZA 85

quandomandareipor os dezmil réisqueestomemvossamão,pera padonaobradosretábulosde S.Franciscod’essacidade.E pereste


enviarpessoacertaperquemos mandeseguros;e osvidrosserãoa e o assentodevossoescrivãoemseulivro,mandamos quevosseja
serviçod’essaobra,comoS. A. manda.— Thesaurarius — FeitoemEvora,a 5dias
levadoemcontao quen’issodespenderdes.
deJaneiro—ÁlvaroFernandes o fez—dei5og.—Rei.
A ÁlvaroVelho,quealuguee pagueduascamasperaos pintores,
Ignoro o nome do auctor dos vidraes que vieram a ser emquanto foremaccupados 1.
naobrado retábulo
collocados em Santa Cruz. Em duas cartas de Gregorio
Lourenço a D. Manuel, acercadas obras d‘aquelle convento, O pintor a quem estes documentos se referem, é cer¬
não é citado o nome do vidreiro, posto que numa se diga tamenteo que, annos depois, foi encarregado por D. Ma¬
que elle não fôra ainda assentar as vidraças. nuel de trabalhos para a casa da Relação, — artista muito
Observarei, de passagem, que as redes para os vidraes notável, «o melhor official de pintura que naquelle tempo
da igreja de S. Francisco de Evora, não foram feitas, ao havia», segundo affirma, em documentoa que já tive occa-
2
que parece, por officiaes da vetusta cidade alemtejana;pois sião de me referir na Arte Portugueia , o pintor Garcia
3
que em 27 de novembro de i 5o8, ordenava D. Manuel a Fernandes .
Álvaro Velho que alugasse uma cama «.peradormirem os O que se deprehende claramente do trecho que tran¬
2 screvi da carta de 26 de julho de iôio, é que Francisco
officiaes que faiem as redespera as vidraças» .
Actualmente, raríssimos vidraes antigos ha em Portugal. Henriques não era portuguez.
Encontram-se apenas na Casa do Capitulo da Batalha, na Seria hespanhol? Cean Bermudez não o cita.
sé de Braga, na igreja do Convento de Jesus em Setúbal,
e na matriz de Vianna do Alemtejo. Deslocado, ha um, em
Evora, na Misericórdia, o qual pertenceua uma rosacea da
Casa do Capitulo do extincto Convento de Santa Catha-
rina de Senna, d’aquella cidade. IDENTIFICAÇÃO do pin¬
Os que eram, com certeza, de Francisco Henriques, —os tor com o auctor das vidraças
de Cintra e os de S. Francisco de Evora, — desapparece- coradasda Pena e de S. Fran¬
ram. São modernos os que hoje se vêem na capella da cisco de Evora, afigura-se-me
Pena. Mandou-os fazer el-rei D. Fernando, em 1840 e tan¬ improvável.
tos:—os do coro, em Inglaterra, por uma composição do Não que, por esse tempo,
dominassejá a esterilisadorae
visconde de Menezes; os do corpo da igreja, na Allema-
nha. absurda formula da arte pela
* arte (que vae sendo, felizmen¬
* * te, abandonada),ou que os vidreiros fossem menos consi¬
derados que os pintores.
Pelo trecho seguinte de uma carta de D. Manuel a Ál¬ Tornava-se, então, muitas vezes impossível distinguir o
varo Velho, escripta em Almeirim a 26 de julho de i 5io, artista do artífice. Benvenuto Cellini, um ourives, era, ao
um admiravel esculptor. Os maiores artis¬
vê-se que se chamavaFrancisco Henriques o artista incum¬ mesmo tempo,
a de S. Francisco para Evora, qua¬ tas da Renascença não se dedignavam de intervir em ap-
bido de pintar imagem
dro a que fazia moldura um retábulo de Olivier de Gand,— plicações da arte. Raphael, por exemplo, fez composições
o mestreOlivel dos documentos portuguezes, auctor do ce¬ para tapessarias.
no¬
lebre cadeirado do côro de Thomar :
3 Quanto á arte do vidreiro, era tida como profissão
bre: «Vétat est noble et les hommesqui y besognentsont

E, quantoá imagemdoS.Francisco,havemos porbemquesepinte nobles», diz Bernardo Paliss}^.
rico, comoFranciscoAnriquesdiz queha de pintaro de Lisboa,e Não é, porém, crivei que um pintor da nomeadade Fran¬
comoospintamemsua terra,peracorresponder como retábulo;e, cisco Henriques, por diversas vezes encarregadode obras
quantoásimagensdevultoqueera obrigadopintare houvemos por
importantes, se entregasse com a assiduidade que os do¬
bemque se nom pozessemem cimado guarda-pó, vereiso que cumentos revelam, á arte dos vidraes. Que uma ou outra
no
se mereciad’ellas,e descontar-lh’o-heis pagamento q uehouver
vez, excepcionalmente,fizesseuma composiçãopara um vi¬
d’haver...4
drai, acceita-se.Mas que persistentementese consagrasse
de trabalhos em vidro, não é, na ver¬
Outro documento nos prova ainda que Francisco Henri¬ á própria execução
fôra incumbido de trabalhos de pintura (provavel¬ dade, muito de crer.
ques
mente de todos, por empreitada, segundo então se costu¬ Julgo, pois, que, com o nome de Francisco Henriques,
Francisco de Evora. O documento dois artistas de primeira ordem exerceramentre nós a sua
mava), na igreja de S.
actividade na epocha de D. Manuel. Um, extrangeiro; ou¬
é o seguinte:
tro, que nada nos leva a conjecturar não fosse portuguez.
ÁlvaroVelho:—Mandamos-vos quealugueisduascamasderoupa Aquelle, pintor; este, vidreiro.
pintor,e lh’aspagueisemquanto fôr accu-
peraFranciscoHenriques, É o que me parece dever concluir-se dos documentos
1 Corpochronol.,parte1,maço6,doc.101. transcriptos.
3 Corpochronol.,parte1,maço7,doc.64.
parte1,maço24,n.”6.
i Corpochronol.,
3 Aos trabalhosde mestreOlivelparaS.FranciscodeEvora,refe-
3 Pag.i3.
rem-seos documentos seguintes da primeirapartedo Corpochrom-
3 Por cartade2 dejunhode1514,foi o pintorFranciscoHenriques
logico:— n.0' 79,80,91 e 95 do maço6; n." 12do maço8; n.”12do
12. nomeado passavante (Gavetai5, maço7,doc.2.)
«Santarém».
maço 10;e n.° do
37 maço
MestreOlivelmorreuem outubrode i5i2. N’umpequeno caderno
José PESSANHA.
de contasrespectivasaocadeirado do côrodeThomar(caderno hoje
Tombo),lê-se, na parteinferiordo ultimode
existentena Torre do —
umaseriederecibosdeOlivier,datadode3o desetembro de
«Até’quiserviue aquifalleceuo mestreOlivel.»(Pag-9)-
4 Corpochronol.,parter, maço9, doc.40.
86 ARTE PORTUGUEZA

JESUS
Quadro de J. V. Salgado

GRAVURA do Jesus foi aber¬ Pela escuracharnecamelancholica,invadida já pelas som¬


ta em madeira pelo sr. Luciano bras da noite, elle vem sereno, n’um enlevo de alma.
Lallemant. E um campo ondulado, agreste, forrado de curta vege¬
Jesus é uma pintura a oleo tação, monotonacomo esteval; no ar, nem sorrisos de luz,
executadapelo sr. Salgado. O nem o voo de uma ave; o céu é uniforme, sem sol, nem
publico, os artistas viram esse luar, nem estrellas; é tudo austero, de uma quietude abso¬
quadro, que fez impressão, na luta.Veste a túnica alva, candidato do martyrio; votado a
exposição do Grêmio Artístico uma idéa, a um destino implacável; em meditação ou
realisada no ultimo anno. prece, monologo de clemencia e perdão; como a fugir dos
Na quinta exposição do Grê¬ homens em demanda do infinito; sairá dalli para o trium-
mio, ha pouco encerrada,foram premiados dois gravadores pho ephemero da cidade, e para o Calvario, extremo da
em madeira. Lallemant apresentoua gravura que hoje pu¬ sua missão terrena.
blicamos e a das Macieiras emflor, ultimo quadro e con¬ A representaçãoartística de Jesus de Nazareth tortura
stanteproblema de Silva Porto. Constanteproblema, digo, a nova geração.Formula da justiça e da bondade absoluta,
porque na exposição geral da obra de Silva Porto, estive¬ da completa abnegação,do altruísmo incondicional, da pu¬
ram patentescinco estudosde macieirasem flor, elaborados reza divina, ella tem saído do choque das opiniões cada
em períodos distantes.As gravuras em madeirade L. Lal¬ vez mais exalçada e gloriosa. Agitadores de nervos e cora¬
lemant, e as de Netto (o 3.° numero da Arte Portuguesa ções, pessimistas,doce e sceptico espiritualismo de Renan,
publicou a gravura da estatuade S. Bruno) marcam,a nosso naturalismo de Zola, ou theorias revolucionarias de Leo-
ver, uma epocha na historia da gravura em madeira em pardi, de Tolstoi, sobre todos de Wagner, têem semeado
Portugal. Mas não repousemsobre os louros; é preciso tra¬ nos cerébros novas agonias; e o Nazareno a subir, a trans-
balhar e progredir. figurar-se ainda; quantas mais amarguras atacam as al¬
A gravura do Jesus dá, nos parece, a impressão do mas, mais se procura a divindade e se tende a desmateria-
quadro. lisar.
Na paizagemsevera, destaca-sea figura de Jesus; susta- Ao ver as télas dos pre-raphaelitas, idealistas, mysticos,
se a respiração, para que se não perturbe o silencio.
primitivos, lembro-me sempre de trechos portuguezes.
ARTE PORTUGUEZA s7

No fundo da alma portugueza ha uma vaga melancholia; mes, nas neblinas do inverno, ao sol do estio, ao branco
pezar de saudades, amarguras de altos ideaes não realisa- luar, nas noites negras. grande morro do castello de

é
O
dos, de esperanças vãs. Na vida nacional deslisa sempre uma severidadeimponente; em noite de verão sem luar,
a lenda maravilhosa; nos campos ha mouras encantadas. Lisboa Tejo vistos de Monsanto ou do alto da Ajuda

e
o
Desde S. Vicente, guardado pelos corvos, á fatalidade de têem um mysterio palpitante, que não sei onde se lhes en¬
D. Sebastião, corre uma ladainha de martyrios, de herois- contre parceiro.
mos, de lendas santas. Agostinho da Cruz nos ermos da Porque não vingará também aqui bello ideal?

o
Arrabida, onde se ouve a reza do mar, compõe as suas Quem poderá estranhar que n’esta capital surja um dia
poesias; e Thomé. de Jesu, nos cárceres da mourama, es¬ uma escola idealista, aqui onde terra, as aguas, luz

a
a
creve a sua prosa ascética; e as rainhas santas, o infante têem aspectos tão variados sublimes, linhas tão gran¬

e
santo; e essa multidão dos missionários, arrojando-se aos diosas

?
g. PEREIRA.
supplicios pelos sertões de África, nos palmares indosta-
tanicos, nas ilhas japonezas,—formam um cortejo intermi¬
nável de abnegaçõessagradas.
Os poderosos desenhos de Doré, as biblicas scenas de
Ary Scheffer, cheias de agonias, ou as dramaticas, como.a
Jl ‘PENA
illustração do Fausto, que fazem meditar, iniciaram, me
parece, as novas correntes. Em Inglaterra Burne-Jones, em
Ailemanha Bõcklin deram novo impulso, e alastraram o Sr. Carlos Munro teve a. amabili¬
primeiro caudal; Wagner, com o estranhopoder da musica, dade de nos dirigir seguinte carta

a
perturbou ainda mais os espíritos, sacudiu todos os ner¬ ácerca da auçtora dos .(.(Croquisde
vos;- Zola impõe 0 naturalismo, outro elementofundamem Cintra », cujos originaespertencem

a
tal para à lueta; e agora, ao percorrer, por exerhplo,os úl¬ os dois desenhos que reproduzimos
pag. 17 38 da Arte, Portuguesa:


timos numeros de Die Kunst fiir Alia , a cada folha se.en¬

a
contra o quadro de um mystico, idealista, pre-raphaelita; é
o Noli metangera de Fritz von Uhde, a Pietà de Max-Klin- Lisboa,1 dèabrilde 1895.
3

ger, os Christos de A. Schneider; e isto para não citar se¬


não Christos, visto que estamosescrevendodo Jesus de Sal¬ No numero da Arte Portuguesa,de fevereirode artigo

,5
8
g
2

i
Pena, artadirigida D. José Pessanha, queixa-se illustre.aqòtor
gado. É uma lueta de pesadelos, de agonias; faz lembrar o

p
a
À

d’aquelle artigo,
interessante d o:nãoserfacil averiguaçãodaauctora

a
versículo de Oseas— «Sou o que te fallei pelos prophetas, da collecçãointitulada«Croquisde Cintra, dessinés
dos desenhos
e eu lhes multipliquei as visões»: (Cap. 12., v. 10.) d’aprèsnatureetlithograpíiiéspar C.neB.»
Parece-me que vamos longe da Inspiração Christan de Tenho dizerquepossuo collecção,creio que completa,dos
a
a

Puvis de Chavannes, o glorioso, o delicado mestre, que referidoscroquis,menosa capaexterior.São dezoitoos que tenho,
foramdesenhadoslithographados por M:'VeC.‘“Brelaq(se bem
sabe representar o sentimento elevado, a alta poesia, ra¬
e
e

melembro,Célestine), distinctaamadorade desenho, quepublicou


diante numa execução de frisante simplicidade. aquellacollecçãopor subscripção particularentre sociedade
a em
Se alguns frescos do Pantheon me impressionaram de Lisboad’aquellaepocha.
súbito, mergulhando-me o espirito em vaga, doce medita- Fui um dosassignantes,conhecimuitoa familiaBrelaz, tendo
e

comos irmãos.Era estarespeitável familia


tação, transportando-me á lenda religiosa, na sua singela tido relaçõesdeamisade
oriundada Suissa,e aindahojeexisteemLisboaum sobrinho,bem
factura, na pureza ideal das linhas e da composição, não
conhecido.O restodafamilia,ou nãoexiste,ou retirou-sedo paiz.

me succede o mesmo ao ver (em photogravuras) alguns Quem,comoeu, completou tresquartosdeséculodepermanên¬


dos modernos trabalhos; falta o colorido, mas o desenho ciaemLisboa,bemse lembrad’estafamilia,assimcomose lembra
e a composição são partes da maior importância; alguns do muitoqueviu, do muitoqueconheceu, do muitoquepresenciou
dos modernos Christos parecem-me professores preleccio- da vidavelhade Lisboa.Agora,viveelle,ou, antes,existe,só de
nando. Ora, é isto que não succede com o de Salgado; recordações!
Inclusoremetto meunome,paragarantir quedeixodito,
e
o
o

aquella figura é a de uma victima do ideal; podem appli- com pseudonymo comquerubriquei listadesubscri¬
a

assigno-me
o

car-se-lheas palavras de um mestre: «ellevae em demanda pçãodos «CroquisdeCintra».


sconosciuti fantastas- Bertram.
gli

de — una luce incerta e lontana,


e

tici mondi di lá... concepite voi pure infinito, eterno,


1
1
E

Lisboa.
daArtePortugueqa.—
... Redacção Administração
e

rimmateriale, divino». (Farte ideale, Estética de Mario


il

Pilo. Milano, 1894.)


Ao nosso amavelcorrespondenteagradecemos sua inte¬
a

natuieza,
Domingos Antonio de Sequeira foi idealistapor
influen¬ ressantecommunicação.
não sei relacionar as suas composições com alguma
n uma
cia na sua epocha; em desenhosgrandes pequenos,
e

de anjo, ou n’um grande cartão todo cheio, elle im¬


cabeça
prime sempre cunho do, sentimento elevado, do bello
o

ideal. Vejam-se as quatro grandes composições existentes


na sala que tem seu nome no museu nacional; preciso
é
o

saltar sessenta annos para encontrar G. Doré, que parece


estão na
seu discípulo. Os grandes effeitos do seu trabalho
composição na luz; era um genio.
e

beira do
grande cidade em alterosos montes
á

Lisboa,
a

impos¬
seu grande estuário, tem effeitos de grandiosidade deE. Casanova
xiv,propriedade
lavradoferro,
decouro
Bahu século
e

Ella apre¬
síveis de encontrar nas outras capitaes europêas.
luz próprias
senta aspectos bem diversos nas variantes de
subli¬
do nosso clima; tem vistas graciosas, dramaticas
e
88 ARTE PORTUGUEZA

tinha vinte e tres annos, segundo se declara na seguinte


qARCHITECTOS RORTUGUEZES obra, que existe na Real Bibliotheca de Ajuda:

OS TINOCOS Retratosdevariasaves.TiradasaoNatural.Por Luis NunesTinoco.


Annoa-tatissua:23 & 1666.
depag.47)
(Continuado
Comprehende oitenta e nove folios. Segue-se:

E João NunesTinoco existemduasobras OutrosRetratosassimdePassaros,comodeAnimaesquadrúpedes,


manuscriptas: uma que se conserva na & algusfabulosos, & menosnaturaes.
Real Bibliotheca da Ajuda; outra que
fez parte da Bibliotheca do marquez de Vinte e sete estampas.
Castello Melhor, e que está hoje na Bi¬ Este manuscripto havia pertencido á Congregação do
bliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Oratorio.
A primeira intitula-se: Em 1689, Luis Tinoco, era mordomo da confraria de
S. Lucas.
Livro daspraçasdePortvgalcomsvasfortificações. Desenhadas Foi architecto das obras do mosteiro de S. Vicente de
pellosEngenheiros de S. Mag.deCosmander, Gilot, Langres,Santa
Fóra, succedendo-lhe,em 1720, João Frederico Ludovici.
Colomba& outros:Delineadas por loãoNunesTinoco Architecto
de
S. Mag.deAnnoi663. Não encontrámos registado o decreto de sua nomeação,
que de certo nos daria pormenores que esclarecessema
Este titulo numa grande tarjeta coroada por emblemas sua biographia, e nos indicaria, porventura, se elle era filho
militares. Em baixo e aos lados, dois meninos: um com de João Nunes Tinoco, a quem succedeu n’este cargo.
um livro, outro com instrumentosda arte. Ao meio, o bra- Encontrámos, sim, diversos documentos relativos a um
zão do conde da Torre. Em tira sinuosa: Luiz Nunes Tinoco, seu contemporâneo, que, em 1718,
fôra aposentado como Contador proprietário dos contosdo
Esteliuromandou fa^er0 Sfir Condeda Torre.Strenvvs nonindi- reino. Tinha o foro de cavalleiro fidalgo. Em 1716 foram-
get armis. lhe concedidos 20$ooo réis de tença, pelos serviços pres¬
tados, entre os quaes se indicam:
A segunda,formando uma collecção de seis plantas, ori-
ginaes e a aguarella, a maior das quaes tem estas dimen¬ aj Formaturae reformação dos Liuros dosnovosdireitos;o que
sões: om,428X om,622,—intitula-se: fesescreuendo algunsdellese fazendoastarjasdoslivrose maistitu-
los comgrandeperfeição;
b) AjudaraoArchitetoEngenheiro Matheusdo Coutoa fazertodos
«Desenhos e plantasilluminadasdoRecifedePernambuco, daBahia os papeise traças,quemeupaee senhor(D. PedroII), queestáem
detodososSt.0*,daCostadomar,e BarradaBahiaathéa do Gâma- gloria,mandoufazer.
mü,dafortificação daTaparica,e dousdasfortificações do Morrode
S. Paulocomalguma differençahumdooutro,etodosseisassignados
coma rubricadeTinoco,e encadernados comtrespapeisdealgumas Estes trechos indicam que era bom calligrapho e dese¬
explicações, umdosRios,quehadaBahiaaté Pernambuco, outroda nhador; mas esta circumstancia não basta a identifical-o
distancia,quevaydasFortalezas dePernambuco e Recifede umasa com o architecto de S. Vicente. Os respectivos alvarás não
outras,e o terceirodasViagens daCostadoMardoSul,etc.(i63i-33).» se esqueceríamde mencionarestetitulo. Estamos, portanto,
persuadido, emquanto não apparecer testemunho em con¬
Esta collecçao figura no Catalogo da exposiçãode histo¬ trario, que ha apenas uma
relação de homonymia, quando
ria do Rio de Janeiro sob o n.° 1468. muito de parentesco.
João Nunes Tinoco é também auctor de uma carta topo- Temos agora outro ramo da familia Tinoco: os Tinocos
graphica de Lisboa, levantadaem i 65o, e cujo original pos¬ da Silva, ou Silvas Tinocos.
suía o generalEusebio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado,
que a mandou lithographar em i85i, offerecendoum exem¬
plar á camara'. IV
Na Bibliotheca Nacional de Lisboa existe um manuscri-
pto A/6j42, que contém alguns desenhos de Tinoco, de RANCISCO da Silva Tinoco.— Em 1678 era
assumpto religioso. architecto d’el-rei, e já estava servindo este
Informa-nos o sr. Rodrigo Vicente de Almeida, segundo cargo ha quarenta e oito annos. D. Affonso VI lhe
indicações encontradas na Bibliotheca da Ajuda, que elle fez mercê de poder, por sua morte, nomear seu so¬
fizera o orçamento do balanço na obra da igreja de N. S. brinho Francisco Tinoco da Silva na propriedade da
da Piedade em Santarém, em 1667,e fizera egualmentea
praça de 5o$ooo réis, de que era proprietário, con¬
planta das casas que Antonio Cavide mandou fazer na sua tinuando o mesmo seu
sobrinho a estudar architectura com
quinta de Chellas (1654). elle. Eis o respectivo documento:

III «Evo Príncipe&c. faço saberaosqueestemeualuaráviremque


tendorespeitoa FranciscodaSilvaTinoco,meuArquiteto,meestar
seruindonaditafaculdade a quarentae outoannoscomo milhorprés¬
Luis Nunes Tinoco. — Talvez filho, ou parente, pelo me¬
timo,uerdade e satisfaçaõ,
e ao talentoe préstimode sobrinho(falta
nos, do anterior. Nasceu em 1642 ou 1643, pois em 1666 a palavraseu)FranciscoTinoco daSilva,quetempraçadeaprender
a arquitetura
siuel,Heypor beme mepraz de fazermerceao dito
' Vide ascartasquea esterespeito Franciscoda SilvaTinoco de lhe concederlicençaparaquepor sua
setrocarame queo sr.visconde mortepossanomearno ditoseusobrinhoFranciscoTinoco da Silva
de Castilhopublicouna suaLisboaantiga,pag.355e seg.doiv
volu¬ a propriedadedapraçade sincoenta mil reis,dequeheproprietário,
medosBairrosorientaes.
e selhepagaõnacazadascarnes,asime damaneiraqueellea them,
ARTE PORTUGUEZA

comdeclaraçao queo dito seusobrinhoFranciscoTinoco da Silva Chamava-seo sobrinho:


continuaráa ditaarte,emquanto eunãomandar o contrario,
pelloque
mandoaosvedoresde minhafazendaque apresentando-lhe o dito VI
FranciscoTinoco da Silva esteAluaráe nomeaçaó quedaditapro¬
priedadelhefizero ditoseuthioFranciscodaSilvaTinocoe sentença
porqueconstequeheo mesmoe quetemaspartese
dajustificação, Diogo Tinoco da Silva .—Aprendeu com o antecedente.
requezitosnecessários e a hidadequedespoem o regimento,lhe façaõ As únicascircumstanciasque conhecemosda sua actividade,
passarcartaemformada propriedade deliaemqueesteAluaráse constam do seguintedocumento:
quesecomprirátãoemteiramente
treslladará, comonelleseconthem
e valerácomocarta,postoqueseueffeitohajadedurarmaisdehum «DomPedro,etc.façosaberaosqueestaminhacartaviremqueha-
anno,semembargo da ordenaçaõemcontrario,e pagoudenouosdi¬ uendorespeito a DiogoTinocodaSilvaestaraprendendo Architectura
reitossincomil r.*,queforaócarregados ao thezoureirodelles,etc. ciuelcomseutioo P.cFrancisco TinocodaSilva,Architectoe mestre
ManoelLuis deAsarioo fesemLx.a aosvintede setembro de seis dosPaçosdaRibeiradestacidade,e aotalentoquemostraperabem
centose setentaoutoannos: LuisTeixeiradeCarualhoo fesescreuer, 0poderseruirnaditafaculdade: Heyporbememeprazfazerlhe merce
Princepe da propriedade da praçade aprender ArchitecturaCiuel,quevagou
porpromoção deManoeldo Coutoa praçademestreArchitectodos
paçosdasVillasdeSaluaterra deMagos,Almeyrim,MosteirodaBata¬
D'este mesmo anno (2 de julho), encontramosum Alvará lha,comobrigação queestudará como dito seutio e farátodosos
nomeando um Francisco da Silva Tinoco thesoureiro do papeisquepelloProuedor d eminhas obrase Passoslhefor mandado
e tudoo maisquefor de meuseruiço;a qualpraçateráe seruirá
deposito das commendas da ordem de S. Thiago, com o
emquanto eu0 ouuerporbeme não mandaro contrariocomdecla¬
ordenado de 80.^000réis. emalgumtempopor qualquer
raçãoquetirandolhoou extinguindoo
cauzaquesejalhenãoficaráporissominhafazenda obrigadaa satis¬
V
façãoalguma,com0 qualhaueráde ordenadoem cadahumanno
vintemilreispagosnoAlmoxarifado daCazado pescado destacidade
comsertidãodo Prouedordeminhasobrase Paçose decomocum¬
Francisco Tinoco da Silva. — Sobrinho do antecedente.
precomsuaobrigação e heo mesmo quetinhaehauiaseuantecessor.
Era padre, continuando, todavia, a exercer a arte, sendo Pelloquemando,etc.Joaõ deAlmeydao fesemLisboaa dezdeou¬
em 1690 architecto e mestre dos paços da Ribeira. Como tubrodemil seiscentose nouentaannos.Sebastião daGamaLobo o
seu tio, tinha também um sobrinho, a quem leccionava e fezescreuer. EIRey1.
#
transmittia os seus conhecimentosarchitectonicos. # #
Em 1734,Custodio Vieira foi nomeado para vários loga-
res de architecto, que estavam por preencher, entre elles Estas são as achegasdocumentaes,que temos até agora
o de architecto das obras dos Paços da Ribeira, que vagára podido colher, para illustrar e comprovar a biographia da
por fallecimento do padre Francisco Tinoco da Silva. dynastia artística dos architectosTinocos.

1D. Pedro liv. 19,45verso.


Doações,
II,

de D. AffonsoVI, Doações,liv.
i Torre do Tombo—Chancellaria
43,folio 194. SOUSA VITERBO.

FABRICANTES DE INSTRUMENTOS MÚSICOS

A FAMÍLIA haupt

com outras noticias, me parecem muito interes¬


NTRE os numerosos artistas extran- juntamente
Portugal pelasantes para historia da arte nacional.
a

geiros, attrahidos
a

Frederico Haupt, nascido em Berlim, cerca de 1720,es-


administraçãopombalina, notável
o
é

torneiro fabricante de instrumentos tabeleceu-seem Lisboa, pouco antes do terremoto de 1755,


e

músicos, Frederico Haupt, tronco de numa casa defronte da antiga igreja dos Martyres. Ahi o
uma familia que durante largos an¬ surprehendeu terrível cataclysmo,do qual escapoucom os
o

seus, ficando, porém, casa em ruinas; de entre os escom¬


a

nos, até aos nossos dias, exerceucom


bros salvou um pequeno torno, em que trabalhava, que
e

muito brilho industria do seu pro¬


a

ainda hoje conservadopelo seu bisneto, com estimação


a
é

genitor.
familia, sr. Augusto Fre¬ de uma reliquia de familia.
actual representanted’essa
o
O

Em seguida nova edificaçãoda cidade,Frederico Haupt


a á

derico Haupt. cuja amisade me honra, cujos favoies agra


e e

foi morar para rua de S. Paulo, n.° 2. andar, no pre-


5

informações, que,
,

deço, obsequeia-me com documentos



ARTE PORTUGUEZA

sejafeito constrangimento algumcontrasuavontade, e quenãoseja


dio encostadoao arco grande sotoposto á rua do Alecrim,
Tutor nemCuradordequalquerpessoaquesejacontrasuavontade;
no andar inferior áquelle em que, tempos depois, Mattos quenãopaguenenhunspedidospeitasfintasnemtalhasnempague
Lobo assassinou a familia do pianista e compositor João direitosalgunsdos mantimentos e Alfayasqueparasuacazae uzo
Evangelista Pereira da Costa. delialhevierematheseisservidoinsou criadosnãosendoEspanhoins
Tendo perdido a sua carta de privilegio, naturalmente paragozarem dosmesmosprivilégios,e quenãosirva,nemva servir
pormarnempor terraa nenhuma partequesejacontrasuavontade,
por occasião do terremoto, Frederico Haupt solicitou a paçadoemforma,ou desegu¬
nemo prendãopor qualquermandado
recopilação d’ella, em 1757, o que lhe foi concedidoem 19 rança,ou outraqualquerordemde crimepaçadaantesou despois
de novembro do mesmo anno. destaminhacartadeRecopilação dePrivilegiosendoprimeiropaçada
É curioso documento essa carta; por ella vemos as re¬ pella minhachancelariaem observançia dos Privilégiosliberdades
galias com que antigamentese attrahiam os extrangeiros,e franquezas eizencoin?quesãocomsedidas as ditasNacoins,e so por
ordemdo ditoseuJuiz Conservador ou por seumandado hequecon¬
como se lhes asseguravaum viver tranquillo, que os inci¬
tra ellesepodeproceder, e nãopor outraalgumaporqueavendotal
tasse a estabelecerem-seaqui, com geral proveito para a Hey por bemque pellodito seuJuiz, ou
cazoquedevaserprezo:
instrucção e desenvolvimentoda arte e da industria. Alcaydeempeçoasejalevadoao CastellodeSamJorge destaCidade
Constitue tal documentouma prova histórica, e por isso tomandolhe termodehomenage na formaddEstillo observado, enão
o reproduzimos textualmente,sem mesmo lhe corrigir os seraprezoemferros,e os officiaisde justiçaqueo contrariofizerem
emcorrerão n os emcontos d e sincoenta cruzados parao Hosp. alRial
erros de grammatica, os quaes ficarão lançados á conta do
detodosos santosdestaCidadepelloque mandoao escrivãoque0
escrivão, que os commetteu,e do juiz desembargadorque
acompanhar citelogoaoAlcayde,ou Meirinhoe detudofaraautoe
os sanccionou. Eis o documento: o entregara logoao dito FedericoHaupt; e a simo tenhaentendido
o dito escrivãopenade suspenção de seuoffiçioparaquelogoseja
OM Joze por GracadeD.8Rei de Portugale entregue ao escrivãoque estesobscreveo ou quemseucargoservir
dosAlgarvesdaq. me dalemMaremÁfricaSnr parao autuar,e fazerconduzoao ditoJuiz Conservador ouquempor
de Guinee daConquistaNavegação Comercio elleservirparaqueprosedacontraellescomofor deJustiça,e com
da EthiopiaArabiaPreciadaíndia&.a Eu El suspensão deseosofficios,e seremprezose delherecarsirem todasas
Rey faço sabera todasasJust.asemgerale a perdase danosque do contrariolherezultarempor suaspecoas&.a
cadahumemparticularemnossas jurisdicoens El Rey NossoSenhoro mandoupelloDoutorFranciscoGalvãoda
e a q.mestam.”cartade Recopilação de Pri¬ Foncequado seuDezembargo e seuDezembargador e variadordose¬
vilegiovirememesmo emestam.aCortee Cid.e nadodaCamerae Conservador daNacaoAmbrugueza, e Alemamem
de Lx.a e Juizo da Conservatória da Nação todasas suascausasasimeiveiscomocrimesemqueforemAutores
Amburgueza c or
per. o meuDez. Conservador da ou ReosnestaCidadede Lisboa e seislegoasao Redordeliapello
d.,aNacaoporq.mestapaçoue vayasignada se ditoSenhor&.aDadaemLisboaaosdezanove diasdomesdeNovem¬
tratarãoe processarõ 1®por elleforão bro doAnno do NacimentodeNossoSenhorJezuschristodemil e
e finalm.
sentenciados hunsautosde p.ome just.amde setecentose sincoentae setteannos:e Eu João ManoelTaveyraa
FredericoHaupte por ellase via e mostrava subs.= FranciscoGalvãod’Affon. ca
»
serAmbruguez de Naçãon.alda cid.dcde Berlimfreg.de S. Jorge,e
por asimconstaraod.'°meuDez.orJuiz Comservador proferioa sent.a Frederico Haupt trabalhava em obras delicadas,tanto de
seg.le «Heypor Justeficadoq. o Just.®FredericoHaupthe Alemam madeira como de marfim, feitas ao torno, e construía toda
por sern.aldacid.edeBerlim1e comotallhecompete gozardetodos a especie de instrumentos músicos também de
madeira,
os Privilégioscomsedidos a nacãoAutorae AlemampellosSenhores
taes como flautas, oboés, clarinetes, fagotes e seus conge-
Reys destesReynos,que se lhe passesua cartaquerendoa. Lx.a
dezacete 0 de mil e setecentose sincoentae seteannos. neres. As medidas e proporções das flautas eram idênticas
de Novbr.
Franc.0 GalvãodaFonc.a» ás dos fabricantes allemães, os quaes construíam pelos

Flauta
deErnesto
Haupt,
pertencentem
aoex." sr.D.Fernando
LuizdeSousa
Coutinlio

«Porbemdaquallhemandey pacara prez.lcm* cartaderecopila¬


modelos aperfeiçoados do celebre flautista Quantz, mestre
ção de previlegios a qualserapaçadapellam.*sec. riados Contose
e as a de Frederico o Grande; esses modelos são os mais con¬
Cid. pelloq. mandoaosoff. deJust. lhe nãoemtrememsuacasa
a lhe darvarejo,nema lhefazerdelig. 8 algumasalvopor m.'10do d.10 formes com as boas condições de sonoridade e afinação
Juiz conservador, oucumpraçe ,u
seu,ou deq. seucargoservirou indo d’aquellesinstrumentos, sob o ponto de vista da sua fórma
aposdealgummalfeitoremfrangante delitoachadoporq.emtal caso antiga de tubo conico.
hir r
poderá outraqualq.Justiçasobpennadeventecruzados dosem- Empregava sempre excellente madeira, fosse ébano ou
coutosp.ao d.t0FredericoHaupt.e q.nehumas pecoas dequaq. restado
e comdição q. sejalhenãopouzeemsuacazade apozentadoria buxo, escrupulosamenteescolhida. E vem aqui a proposito
digo
cazade morada,nemadega,nemcavallariçe, nemlhetomeseupao, notar-se 0 seguintefacto: os antigos catalogos de fabrican¬
nemvinho,nemroupa,nemoutranenhuma couzadeseucontrasua tes francezes,mencionandoos instrumentos de maior preço,
vontadee lhenãotomema d.tasuacazadeapozentadoria denenhuma tinham a indicação — ébanode Portugal — para significar
maneiraquesejasobpennadosemcontos de Seismil Reis: Poderá que eram construídos
trazerArmasofençivae defençiva com a madeira de melhor qualidade.
denouttee dediaa simcomlume
comosemelleantesdo sinocomodepoisdellepor todosos meus O ébano que nos vinha do Oriente e enviavamos aos mer¬
Reynos,e Senhoriosnãofazendoporemcomellaso quenãodeve cados da Europa era reputado como o melhor.
fazere istosemembargodaminhaordenação e defezaemcontrario A marca adoptada pelo primeiro Haupt, para distinguir
e quepossaandarcombestamuardesellae freyopor todoo meu os instrumentos
que saíam da sua officina, eram duas cabe¬
Reynosemembargo dadefezae ordenação sobreellafeita;e lhenão
ças humanas,vistas de perfil, tendo por legenda — Haupt —
1 O documento Lisboa. Todos os seus descendentesconservaram a mesma
chamaindistinctamente hamburguez e allemãoa
umnaturaldeBerlim;estaignorância geographica marca, de sorte que hoje' não é possível distinguir qual
provaquea Prús¬
sia,e suacapital,eramn’aquelletempomalconhecidos donossovulgo, d ellesteria fabricado qualquer instrumento que se apresente
quetinhadeHamburgo umaidéadeproeminência porcausadasfre¬ com essa marca, podendo apenas conjecturar-se a epocha
quentesrelaçõescommerciaes comestacidade. da sua construcção,por certas
differençasna fórma. Sómente
ARTE PORTUGUEZA 91

Ernesto Haupt, de quem adeantefallaremos, empregouum Em 1810, isto é,


distinctivo particular, em circumstanciasque serão mencio¬ quando completava
nadas no logar proprio. dezoito annos, sentou
Sobre a habilidade do primeiro Haupt, conservaa tradi¬ praça no batalhão de
ção uma anecdota, que eu ouvi contar, ha muitos annos, caçadores voluntários
ao flautista José Gazul. Diz-se que, pouco depois da sua de Lisboa, exactamen-
chegada a Lisboa, foi apresentar a el-rei D. José uma pe¬ te na epocha em que
quena peça, trabalhada em marfim, obra de grande paciên¬ a capital se preparava
cia e delicadeza. D. José, emquanto a mirava, perguntou: para resistir á invasão
— Para que serve isto? de Massena.
— Para metter na algibeira, respondeu o artifice, ao mes¬ Não deixou, porém,
mo tempo que tirava o objecto da mão ao rei e o guardava. de trabalhar, ajudando
Por motivos obvios, esta anecdotanão é crivei; mas serve seu pae, e substituin¬
ella para demonstrar que o protogonista deixou memória do-o quando elle falle¬
tradicional de ser summamentehabil. ceu.
Falleceu em epocha ainda não averiguada,mas que deve Em 1828, tendo
ter sido cerca de 1813, chegando a completar noventa e triumphado o partido
tres annos de edade. Quando veiu para o nosso paiz trouxe absolutista, Ernesto
comsigo dois filhos: o primogênito separou-seda famila, e Haupt, que por modo
não restam noticias d’elle; o mais novo, que veiu ainda na nenhum acceitava as
primeira infancia, pois nasceraem Berlim no anno de 1751, idéas d’esse partido, esquivou-se ao serviço militar, reco-
foi o successor do pae, e chamou-seAntonio José Haupt. lhendo-se em casa, e valendo-lhe, para não ser incommo-
Tomou este a direcção da casa ainda em vida do seu dado, os privilégios concedidos a seu avô.
progenitor, por quanto já no anno de 1785figura como dono Logo, porém, que alvoreceu o celebre dia 24 de julho
e chefe da officina, agora elevada á categoria de fabrica, de i 833, apresentou-seaos chefes das tropas constitucio-
segundo se vê no seguinte documento, a muitos respeitos naes, e foi, com o posto de tenente,nomeado commandante
interessante: da força destacadapara ir guardar o paço de Queluz. Seu
filho mais velho, de quem adeante fallaremos, que então
«OPRESIDENTE E DEPUTADOS daJuntadaAdministração das apenas contava quinze annos, imitou-lhe o exemplo, sen¬
Fabricasdo Reino,e Obrasde AguasLivres.Concedemos licençaa tandovoluntariamentepraça n’essemesmodia, cabendo-lhe
AntonioJoséHauptparaque possa abrirnesta Cidade huma Fabrica
isso a gloria de tomar parte nos combates das linhas
deTorneirode Madeirae MetaesemquesefaçãoInstrumentos Mú¬ por
sicos castoensde Ouro, e Prata,e outrasobrasdelicadas, quese de Lisboa.
guarnecem comos mesmos Metaes,á similhança dasquenesteReino Em i 835, Ernesto Haupt, lembrou a utilidade de se or-
seintroduzião dosestranhos; e istoemvirtudedaReal Rezolução de ganisar no arsenal do exercitouma officina de instrumentos
suaMagestade, a favordosArtificesdosNovosInventos;comdecla¬ músicos. Acceita a idéa, foi o seu iniciador nomeado para
nascionaes,
raçãoporem,queseráobrigadoa ensinardousAprendizes dirigir a nova officina e construir os instrumentos de ma¬
alemdosmaesqueemnumerocompetente lheforemarbitradospor
se requisitassem, ficando os instrumentos de
estaJunta,instruindo-os semrezervaalguma, semqueporesterespeito deira que
lhespossapedirou acceitarprêmioalgum,nemaindapecuniário du¬ metala cargo de um especialistaegualmentehabil, chamado
ranteo tempoda suaobrigação, quenão excederáde cincoannos; Raphael, com officina no largo da Graça.
fazendo-os igualmente matricularna Secretariada mesmaJunta; e Haupt estreiou-seno serviço do arsenal, fabricando uma
aosreferidosdousdentrodo tempode seismezes,contadosdadata flauta de ébano,ricamenteguarnecidade prata lavrada, que
deste;tudonaformae debaixodasobrigações doTermoqueassignou
tinham destinadoofferecer ao príncipe Augusto de Leuch-
nadita Secretaria desteTribunal;vistoquepelasuapericiasecon- qual era, como
temberg, primeiro marido de D. Maria
e II,
o

stituedignod’esta graça,q uelhefacultamos p or esteAlvarápor Nós


Beauharnais, sua avó, rainha
e selladocomo sellodestaJunta.LisboahumdeJunhode seu pae, príncipeEugênio
a
o

assignado,
oitentae cinco. Hortencia, muito aftéiçoado musica.
á

milsetecentos
(Rubricasinintelligiveis.J A morte prematura do sympathico infeliz príncipe não
e

se realisasse oftêrta, ficando flauta con¬


pelale¬ permittiu que
a
a

impresso em branco, c omasarmas reaescercadas


(Sello em poder do arsenal, que ainda guarda no seu
a

genda:Juntada Administração dasFabricasdoReinoeAgoasLivres.) struída


No verso:«P.por despacho da Juntade3o deMayode 1785». museu. Essa flauta figurou nas exposições industriaes de
10a f. 258do L.° 2.0 deRegistonaSecretaria
Reg.' damesmaJunta. 838 1888.
e
i

Todavia, officina do arsenal nunca chegou ter uma


a
a

definitiva, nem mesmo chegou funccionar no


a

Antonio José Haupt continuou trabalhando na officina e organisação


seu director trabalhava, sim, por conta do Esta¬
Ò

edifício.
casa de habitação da rua de S. Paulo, com a pericia men¬
do construindo muitos instrumentos para fornecimentodo
cionada no precedente documento, e de que o seu actual
exercito; porém, na sua própria casa. Os instrumentos fei¬
descendenteconserva alguns specimens interessantes.Fal¬
tos n’essas condições receberam uma contramarca espe¬
leceu aos sessentaannos de edade, em 10 de fevereiro de
seu filho Ernesto brederico cial, consistindo nas iniciaes A E (Arsenal do Exercito), en¬
1811,deixando por successor
de outubro de cimadas por uma corôa.
Haupt, nascido em 29 1792.
dos Haupts, aquelle que maior Eram excellentesos instrumentosfabricados pelo Haupt
É este o mais conhecido
Existem ainda muitos, alguns d’elles têem sua his¬
a
e

músicos, o qual ainda hoje pae.


fama grangeou entre os nossos
foi feita por elle velha flauta de cinco chaves em
a

de seus filhos, toria:


se designa por Haupt pae, para o distinguir durante sua longa
que sempre tocou Antonio Croner
e
a

que adiante mencionaremos. carreira artística, flauta que lhe foi dada pelo
era homem de activissima
Haupt pae, ou Ernesto Frederico Haupt, mestre, Botelho; do mesmo fabricante era a
intelligente seu bondoso
grande seriedade e consideração, artista habil, José Gazul, os clarinetes de Carlos Campos, as-
flauta de
e laborioso, muito dedicado ao paiz em que nasceu.
ARTE PORTUGUEZA

sim como os diversos instrumentos de muitos artistas e José, o primogénito, falleceu em 21 de abril de 1867,fi¬
amadores, uns já fallecidos outros ainda vivos. O sr. Au¬ cando desde então só Ernesto Junior á testa da officina.
gusto Haupt possue também com grande estimaçãoa flauta A industria começou pouco depois a definhar: ensom¬
que expressamentepara elle foi feita por seu pae, em 1845. braram-na os productos bonitos e baratos da fabricação
Ernesto Haupt tornára-se egualmentemuito apreciado parisiense. Os fabricantes nacionaes não se acharam com
numa especialidade:boquilhaspara clarinetes.Os tocadores energia nem com meios para sustentar a lucta; conserva¬
deste instrumento sabem quanto é difficil obter uma boa ram os t3^pos antigos, em vez de os alindar, e de os aperfei¬
boquilha, porquanto a construcçãoperfeitad’esteaccessorio çoar no que realmentecarecesse de aperfeiçoamento; não
exige um acabamentopacientee cuidadoso. A obra d’esta poderamou não quizeram baixar os preços; não procuraram,
especialidadeque vem do extrangeiroé na maior parte ordi- emfim, fazer frente aos seus competidores, empregandoar¬
narissima e mal acabada.Nenhum dos nossos antigos artis¬ mas eguaes. Enervou-os a demasiada confiança no credito
tas tocava com boquilha que não fosse feita pelo Haupt. adquirido. O resultado foi o seu completo aniquilamento.
Julgo interessante saber-se os preços que este notável A officina da rua de S. Paulo fora transportada em 1838
fabricante levava por alguns dos seus artefactos, preços para a rua nova da Palma n.° 20, onde esteve até 1840;
que os filhos conservaram até se extinguir a officina: uma nesse anno, mudou-separa a rua Augusta n. os5i e 52, con¬
flauta de buxo com uma só chave de latão, custava seis servando-seahi por bastantes annos em estado brilhante.
pintos (tanto me custou aquella em que comecei a apren¬ Soou, porém, a hora da decadência. As vendas e encom-
der); uma flauta de buxo com cinco chaves de latão, cus¬ mendas foram diminuindo progressivamente, até quasi se
tava moeda e meia; uma flauta de ébanocom cinco chaves extinguirem; chegando o desfalque nas receitas a ponto de
de prata, cinco moedas; uma boquilha de ébano, dois pin¬ não darem para custear as despezas do estabelecimento,
tos; de marfim, meia moeda; um clarinete,cinco moedas. Ernesto Haupt Junior foi, em 1869, installar-se numa casa
de renda barata, na calçada do Garcia. Nem ahi mesmo
pôde, porém, sustentar-se.Ao cabo de poucos annos, viu-se
RNESTO Frederico Haupt perdeu a vis¬ constrangido a largar para sempre as gloriosas ferramentas
ta quandotinha sessentaannos de edade; que tanto brilho haviam adquirido nas mãos de seu pae e de
sobreviveu ainda dezenoveannos a essa seusavós. A nostalgia do trabalho attribulando-lhehorrivel¬
catastrophe, fallecendo em 20 de julho mentea existência,veiu a dor moral a originar padecimentos
de 1871. physicos, de que muito soffreu. Valeu-lhe n’esses transes
Tinha quatro filhos: José Frederico angustiosos o carinho fraterno; nem por um só momento
Haupt, nascido em 2 de janeiro de 1818; sentiu afrouxarem-seos laços de amisade com que viveram
Ernesto Frederico Haupt Junior, nascido sempre ligados todos os membros d’essa honrada familia.
em 9 de dezembro de 1821;Filippe Fre¬ Ernesto Frederico Haupt Junior, depois de prolongada
derico Haupt; Augusto Frederico Haupt, e atroz doença, falleceu em 8 de dezembro de 1891.
o unico actual sobrevivente. A historia d’esta familia é interessante a muitos respei¬
Os dois irmãos, José e Ernesto, tomaram conta da offi¬ tos. A sua florescênciafaz parte da historia geral das artes
cina quando 0 pae ficou impossibilitado de a dirigir; o mais e industrias no nosso paiz, desde a epocha em que recebe¬
novo, reconhecendoque o trabalho não podia chegar para ram o impulso energico dado pela mão vigorosa do mar-
todos tres, seguiu outro rumo, tornando-semusico distincto, quez de Pombal; a sua decadênciadeve também constituir
e, graças a uma intelligenciaillustrada, pôde obter um em¬ objecto de util lição, para ser aproveitadapor todos os que
prego na camara municipal dos Olivaes, onde se acreditou se interessam no renascimento da Patria.
como funccionarioserio e bemquisto.Filippe tomoutambém
outra occupação. ErnestoVIEIRA.

Inscripções portuguezas
depag.71)
(Continuado

XI Antonio de Padua, mais propriamente: de Lisboa. Bolhôes


eram a familia d elle. Vicente Bulhão se chamou o avô, ou,
melhor, Vicente Martins dito 0 Bulhão, o que devia descon¬
certar um pouco os genealogistas,no
esforço de engrandecer
e nobilitar a alcunha que se tornou patronymico: — Vicenti
Martimi dicti Bulhou, —segundo a nota obituaria que elles
encontraram—«no livro de mão da Kalenda da Sé antiga
de Lisboa».
D’esteVicente, veiu Martim Bulhão, —Martinus Bulhou,
resava a mesma nota,— que, desposandoTheresa Taveira,
teve os seguintesfilhos:
—Esta sepultura é de dona (?) Igne$ Eannes, sobrinha —Pedro Martins de Bulhão, do qual, nota semelhanteá
de VicenteDomingues Bolhão. citada, dizia:—6 nonas julii obiit Petrus Martinii dictus
de Bulhou,—tendo vivido na primeira metadedo séculoxiii;
Tem um certo interesse de occasiãoesta inscripção mo¬ d elle
procedeu um personagem relativamente illustre, o
destíssima,agora que vae celebrar-seo centenáriode Santo confessor da
Rainha Santa, capellao de Dom Diniz e lente
ARTE PORTUGUEZA 93

de theologia da Universidade: Dom Domingos Martins, co- do salso argento, como diria um arcade. São deliciosos, de
nego de Santa Cruz. uma alegria serena,alguns d’essesidyllios. E não é neces¬
sário ver os quadros para lhes comprehender a indole:
basta ler-lhes os titulos— as Gaivotas, Barcos da minha
terra, o Concerto da rede, Tranquillidade e as Bateiras.
frima Jttnrttns ítf $uU)ãa, Poderia
elle ser o pintor da nossa epopéamarítima? Talvez,
mas para isso teria de se preparar com estudos históricos,
e visitar a África e a índia, e haver quem o encarregasse
o nosso futuro dessa empreza... Onde está tudo isso, que entre nós é
ideal? Contentemo-nos,pois, com o que elle nos dá, e não
lhe tracemosambiciosos programmas, difficeis, se não im¬
ôanto 3lutomo; possíveis, de realisar.Tudo tem o seu logar e o seu valor;
e, depois do enthusiasmohomérico dos Lusíadas, o espirito
descansacom deleite nas amenidadesternas e suaves de
um idyllio de Theocrito ou de Rodrigues Lobo.
—Vicente Martins de Bulhão-, A aguarella é uma especialidadecultivada, com altas as¬
—Feliciana Martins Taveira; pirações e grande exito, em Inglaterra, em Hespanha, na
—Maria MartinsTaveira, freira, que morreu tambémcom França e em Italia. São celebrese têem reputaçãoeuropêa
ares de santidade, em 18 de fevereiro de 1240. as obras assignadas pelos nomes illustres de Cattermole,
Mas é claro que o Vicente da inscripção não é nem o Leloir, Fortuny, etc.
primeiro nem o segundo. E, porém, da familia, neto de Entre os nossos pintores, Lupi, quando veiu de Roma,
um ou bisneto do outro, segundo Monterroyo. trouxe uma formosa collecção, e depois ainda aqui a au-
Teve duas irmãs Vicente Domingues, que casaramfidal¬ gmentou com algumas, que não desdiziam em nada das
gamente: uma, Dona Sancha Martins Bulhão, com Dom suas romanas.Tinham o vigor e a belleza dé tom da pin¬
Soeiro Fernandes Alam, que viveu no tempo de Dom Af- tura a oleo. Em Inglaterra —onde a aguarella é' uma arte,
fonso III e Dom Diniz, e com o qual se orgulham os Soares por assim dizer, nacional—- ha virtuoses de um valor ex¬
de Albergaria; a outra, Dona Dordia, que foi mulher de traordinário, e, como é natural, os seus processos, tendo
Pedro Martins Botelho, de Riba de Vizella, e depoisde Re}t- em vista luctar e rivalisar com a pintura, tornaram a sua
mondo, —como quem diz Raymundo,— de Portocarrero. arte um pouco complicada e difficil, pela variedade dos
Mas nenhuma d’estas senhoras parece ter-nos dado a meios empregadospara conseguiremo seu fini.
Ignez da inscripção, cuja paternidade modestamentese es¬ Data de poucos annos a apparição,nas nossas exposições,
condeuna prosapia do tio, especie de conservadorou agente das primeiras tentativas sérias Teste genero. Deve-se ao
official dos negocios das colonias extrangeirasem Lisboa. sr. Henrique Casanova a iniciativa da primeira escola de
Uma Ignez se encontra, proximamente,na familia; mas aguarella em Portugal. O sr. Conde de Almedina também
é Ignez Dias Bulhão, procedente da geração da Dona Dor¬ em tempo —ha muitos annos— convidou para o seu atelier
dia, e que Dona Leonor Telles, a rainha bigama, conside¬ — proximo da Praça do Príncipe Real— os artistas que
rava sua parente. cultivavam a aguarella; mas não era uma escola, era ape¬
Temos, pois, de nos contentar com o facto do tio nos nas uma reunião de amadores,que não teve nem duração,
authenticar a antiguidade da inscripção, que obsequiosa¬ nem influencia. Hoje, ao lado de Casanova e dos seus dis¬
mente nos forneceu o estudioso e dedicado secretario da cípulos, figuram artistas de profissão, filhos da Escola de
Arte Portuguesa, sr. D. José Pessanha. Bellas Artes de Lisboa, e as obras de uns e outros já con¬
stituemuma secçãomuito interessantenas nossasexposições
(Continua) LucianoCORDEIRO.
de arte moderna; e quando dizemosinteressante,não é pelo
numero de trabalhos expostos, é pelo seu valor.
Os srs. Alfredo Gameiro e Nicolau Bigaglia —artista ita¬
liano, e professor da escolaindustrial Afonso Domingues—
ARTE PORTUGUEZA EM 1894 são os que mais se distinguemTesta Exposição. O sr. Bi¬
gaglia expõe uma bella vista interior do Claustro dos Jero-
(Concluídodepag.54) nymos, que, se não é absolutamenteperfeita, é, todavia,
um trabalho de subido merecimento.
II São de Alfredo Gameiro 0 retrato de uma senhora, algu¬
mas paizagense dois estudos. Destacam-se—como supe¬
doGrêmio
A Exposição Artistico elleMaria Gomes, e o estudo que
riores — o retrato de M.
tem por titulo — Um frade. Estas aguarellas, e as que pos¬
temos visto do mesmo auctor, pela correcção
JOÃO Vaz —e com este me despeço, por agora, teriormente
desenho, e pela frescura, harmonia e verdade do tom,
dos pintores — é um polygrapho também como do
collocam este artista no primeiro logar, entre os portugue-
quasi todos os nossos. D elle se pode dizer que tem
t actualmentecultivam esta especialidade,que não
um pé no mar e o outro em terra, e por isso não se zes que
e cujas difficuldadestêem de ser
afasta da costa. As suas scenas marítimas vêem-seda admitte arrependimentos,
á primeira investida, de chofre. E Tisto se parece
praia. As suas ondas não são as do oceano encapelladoe vencidas
ella com a pintura a fresco.
furioso; não são as ondas tragicas que arrebatame sepultam
no seu seio as naus e os navegadores: as suas marinhas Menos numerosa ainda é a secção dos pastellistas; mas
de Latour já tem cultores entre nós, o que é um
não são capítulos de sanguinolentas epopéas— são idyllios a arte
Aqui figuram Antonio Ramalho com um
em aguas remansadas, illuminados por um sol sem nuvens, bom symptoma.
do pintor Ezequiel, José Malhôa e as suas disci-
batendode chapa sobre a superfície transparentee prateada retrato
94 ARTE PORTUGUEZA

pulas. Compôe-se quasi exclusivamentede retratos esta pe¬ intermédio dos jornaes, não se lembrando de que esse sys-
quenina secção. Notáveis pelo vigor do colorido, têemtodos, tema de culto de capellinha, podendo lisonjear-lhes o amor
na sua execução,um ar de familia, que manifesta,da parte proprio com os cumprimentos banaes dos seus amigos e
dos discípulos, um espirito de imitação, que ha de natural¬ freguezes, torna impossíveis as grandes vistas do conjunto
mente desapparecercom o tempo e o estudo, pondo em das obras, que, approximadas, se poderiam comparar entre
evidencia a individualidade do artista. si; resultandod’esteconfronto a critica, e d’estaa emulação,
Dos desenhos, pouco diremos. Recordamo-nos da Ita¬ para os que são susceptíveisdeste nobre sentimento,a que
liana, de Ernesto Condeixa, do Pas de quatre, do sr. Conde as artes devemalgumasdas suasmaiscelebradasmaravilhas.
de Almedina, e das caricaturas de Celso Herminio, algu¬ Na imprensa, e ultimamente nas sessões da Direcção do
mas das quaes são felizes. Grêmio Artístico, tem-se discutido a idéa de uma exposição
Luciano Lallemant expoz só uma gravura— um lindís¬ de arte applicada, de arte industrial moderna. Conhecemos
simo retrato de Sua Alteza o Príncipe Real. Uma só, e todas as difficuldades desta empreza numa terra em que
pequena, mas vale por muitas — é um primor. Entre os a iniciativa particular é limitadíssima, onde os appellos, oor
trabalhos do sr. Manuel Diogo Netto, sobresae o bello re¬ mais calorosos que sejam, raro são ouvidos, e onde é im¬
trato — já publicado no Occidente— do nosso amigo e possível realisar qualquer plano, sem a intervenção directa
eminente poeta Bulhão Pato. Reproducção magnifica da ou indirecta dos altos poderes do Estado, do que são exem¬
esplendida photographia do distincto amador, o sr. Julio plo aqui de casa—como se diz— estas exposiçõesde arte,
Guerra, este primoroso retrato mais uma vez confirma a que, desde as da Sociedade Promotora até ás actuaes do
reputação do notável gravador. nosso Grêmio, se têem feito rrassalas da Academia, cedidas
A historia da esculptura em Portugal não enchevolumes, pelo governo aos artistas expositores, ou em casas particu¬
mas são dignos de figurar rfella alguns artistas contempo¬ lares, como as do Grupo do Leão, que receberam a hospi¬
râneos. Não lhes sorri o presente,e não lhes podemosvati¬ talidade na Avenida (no deposito das faianças de Raphael
cinar para breve um futuro prospero; mas, por isso mesmo, Bordallo Pinheiro) no salão da Sociedade de Geographia,
ainda são mais para louvar os que, entrando na carreira, e nas salas do Commerciode Portugal. Mas, por ser diffi¬
não desanimam,e proseguem. cil, não se deve concluir que é impossível.
Desappareceude entre os vivos um dos maiores — Soares Quando se fallou pela primeira vez numa exposição de
dos Reis; mas restam alguns dos que o acompanharamna arte ornamental,não faltaramos apathicos e os pessimistas,
senda da arte, e surgem outros, cujas primícias são pro- a prognosticar um Jiasco monumental, que seria mais uma
mettedoras. Entre estes, contamos o sr. Antonio Teixeira vergonhapara o paiz, etc.
Lopes, discípulo —creio eu— da Escola de Bellas Artes O resultado,porém, foi tal, que assombrou os proprios ini¬
do Porto, e actualmentedo esculptor francez Cavelier. Os ciadores da ideia, os que maior confiançan’ella depositavam!
seus esbocetose os seus bustos, em mármore e em bronze, Ponhamos, pois, mãos á obra, e trabalhemos. Estas ex¬
honram o mestre e o discípulo. posições annuaes de pintura e de esculptura, quantos, ha
E também pela aprimorada execução que se distingue annos, as julgariam impossíveis? Hoje, entraramnos nossos
a estatua em mármore de Carrara — a Superstição— de¬ costumes, e são já como uma especie de festas, consagra¬
vida ao cinzel do eminenteprofessor Simões de Almeida. das e registadasno kalendario da nossa civilisação.
Os que o conhecem,sabem quanto elle respeita a sua arte,
2i demaiode 1895. Zachariasd’AÇA.
e reconhecema seriedade dos seus trabalhos, a correcção
do seu desenho, e a bella composição das suas figuras.
Não daremos a esta a primazia sobre todas as suas obras
— é difficil representaruma idéa complexa, como a deste QUINTA EXPOSIÇÃO
sentimento, que se pode manifestar de tantas fôrmas — DO
mas, pondo de parte o titulo, a estatuaé um bello estudo de
mulher, que revela a sciencia, a mestria, do seu auctor—
GRÊMIO ARTÍSTICO
um artista consummado.
Em arte applicada,vimos um tecto Luiz XV, do distincto STAS linhassó serãolidasdepois
decorador Pereira junior; as pinturas ceramicas da sr. :l de encerradaa exposiçãode arte
D. Angélica Loureiro e da sr.a D. Herminia de Araújo; um queasmotiva.
biombo da sr. a D. Maria Portocarrero da Camara, outro As minhasnotasnão terãopor
isso o caracterde umaapreciação
do sr. Alberto Benarus, e um baixo-relevoem prata repous-
minuciosa dasdiversasobrasdeque
sée—a Mater puríssima — uma bella copiade outra do gran¬ ellasecompõe. Nãoasdisporeitam¬
de esculptor florentino Donatello, executadapelo sr. Cristo- bémpor formaa constituírem uma
fanetti, professor de uma das escolasindustriaes de Lisboa. seriede perfisdos artistasqueha¬
Uma exposição annual, como esta do Grêmio Artístico, jam assignalado,
mais forte e in¬
confundivelmente,a sua individua¬
é evidente que não póde ser rica de esculpturas,e quem o lidade,porqueestaquinta
exposição do Grêmionãoé decerto,—por
estranhar é néscio ou de má fé; mas a pobreza da secção ausência ou desvaliade documentos,— a maisprópriaparanosdar
da arte applicada mostra que entre nós ainda não se com- a justamedidado valordosnossoshomensde arte.
prehendeu a vantagem—para os artistas, e para os indus¬ Limitar-me-hei,
portanto,a consignar,muitosimplese despreoccu-
padamente, as consideraçõesgeraesque ella mesuscitou, — a tirar,
triaes que os empregam— da exposiçãodas suas obras, ou
por assimdizer,a moralidade do caso.
dos modelos dos seus artefactos. As salas da Academia,
cedidas pelo Estado, são pequenas para tal fim? Feliz se
reputaria a Direcção do Grêmio, se tivesse de luctar com
essa difficuldade, pela affluenciade expositores.Mas não
não corremos por ora esse perigo. Os industriaes, donos Quemcomparara nossaartede hoje,não direi,coma d’aquella
celebreexposição de 1843,a queha referencias, entreanimadoras e
de officina, convidam os fieis para visitarem a sua casa por
irônicas,nos livros de Raczynski(leilõesrecentestêemtrazidoa
ARTE PORTUGUEZA 95

lumealgumasobrascfessestempos),mas,com a maioriados tra¬ O moçoesculptor compenetrou-se bemda situação, estudouintel-


balhosquefiguravam nasexposições portuguezas dehaquinzeannos hgentemente o effeitod’ellanos diversospersonagens, e conseguiu
reconhece logoquesetemprogredido bastante sobo pontodevista dar-nosumacomposição queimpressiona e domina,que tem,sem
dafactura,dosprocessos technicos. duvida,alguma cousado caracter synthetico dasverdadeiras resurrei-
É effectivam enteinnegavelque,por exemplo,se desenha e pinta çõesartísticas do passado.
melhor.E note-seque o progressonão é evidenteunicamente nos Na secçãode architectura, figuramvantajosamente o sr. Adães
artistasque foramcompletara sua educaçãono extrangeiro, mas Bermudes, quecompletou ha poucoo seucursona escolade Paris,
também n’aquellesquenãopoderamatéagorasahirdo paiz,ouque e o sr.J. A. Soares,quefoi alumnomuitodistinctodadeLisboa.
poucosdiasestiveram lá fóra. Não occultareiumaobservação quemeoccorreuaoexaminaros
Este facto,bemcomoa segurança e rapidezcomqueos nossos trabalhos dosdoisintelligentes artistas:
pensionistas avançam geralmente e m Paris,provaqueo ensinoar¬ Ao passoqueos architectos se occupamem regrano estudode
tísticoentrenós,setemporemquanto imperfeições elacunas, todavia grandesedifíciosmonumentaes, inspiradosgeralmente n’algumdos
nãoé tãodeficiente e improductivo quesedevadarpormalempre¬ estylosantigos, e destinados, namaiorpartedoscasos,a nãopassa¬
gadoo dinheiroquenoscusta,comosetemjá ditoe escripto, leviana remdo papel,—oproblemada construcção da casamoderna,tão
ou apaixonadamente. difficil,tãocomplexo, detãolargoalcance, estáquasiexclusivamente
Ha quempensequeosprogressos technicos nãoconstituem motivo confiadoa operários, queumacasoda fortunaelevouá categoria de
paranos felicitarmos,e que a partepraticaé bem secundaria, a mestres deobras,e a quemfaltaabsolutamente a forteeducação espe¬
pontode nemsempre os grandes artistasseremirreprehensiveis no cial queo mistérde construirexige.Calcule-se o queseriaactual-
tocanteao officio.A verdade,porém,—se menãoenganomuito,— menteLisboa,se emtodasas numerosíssimas edificações que nos
é que,em todasas fôrmasda arte,o conhecimento plenodosmeios últimosdezannossetêemlevantado, houvesse influído,demodode¬
de execuçãoé essencialparao artistase fazerentender, paranos cisivo,a altacompetência scientifica e esthetica, quesimplespráticos
commover comoellese commoveu, paranosinteressar pelarevelação nãopodemevidentemente possuir!
clarado estadoda suaalmaperanteos aspectos da natureza oupe¬ Importaqueosarchitectos seesforcem poreliminara opiniãocor¬
ranteos phenomenos do mundomoral,paranosdar a perceberos rente,dequesó servemparatraçarno papelcomplicados e dispen¬
maisdelicadose subtiscambiantes dasuaemoção. diososplanos.
Mas,por outraparte,é necessário queo artistanãosacrifique já- Este anno,comonos passados, ha entreos concorrentes muitos
maiso sentimento á forma,nãose preoccupe exclusivamente coma professores de escolasindustriaes, —portuguezes e extrangeiros,—-
perfeição technica,nãoprocureapenas mostrarquesabevencertodas e umadassecçõesda exposição é a de arte applicada.Pois bem:
as difficuldades do officio;porque,—não o esqueçam os artistas,— todosessesprofessores assignam quadros;nem um só apresenta
verdadeira obrade arte,pura,dominadora, eterna,só seráa quefôr qualquercomposição de naturezadecorativa, e na secçãode arte
sentidae vivida. applicada, vê-seapenas umsimplestrabalho depaciência, querevela
Portanto,certo,comoestou,de que os nossospintoresquerem certamente umexecutante habilíssimo, masqueé destituído porcom¬
seralguma cousamaisdo que simples copistas h ábeisda natureza; pletodesignificação artística.
dequenãosubstituirão aosentimento a habilidade, e dequenãofarão É necessário combatera todoo transeas preqccupaçóes acadê¬
dasuapericia,emmuitoscasosnotável,um fimmasummeio,—re¬ micas,quetendema encerraro artistana espherada denominada
gistocom satisfaçãoos consideráveis progressos technicoseviden¬ artepura;é necessário fazer passar p elaindustria umafortecorrente
ciadosnosseusúltimostrabalhos. de arte,quea transforme e eleve;é necessário descobrirformulas
O quesemprese notanasexposições portuguezas, —e esta-não decorativas, queoriginalisem os productos dasnossasindustrias, e os
fazexcepção, nemera de esperarquefizesse,—é a faltadecompo¬ facamtriumphar naconcorrência dosmercados.
marinhas, quadros deflores, Comoseriaparadesejar q uea secção de arteapplicada f ossede
siçõesde certaimportância. Paizagens,
reproducções de velhosedifíciospittorescos, algumas cabeças dees¬ annoparaannodenunciando umaconvergência cadavezmaispode¬
tudo,um ou outro retrato,—eiso que sempreconstitueos nossos rosade esforçosdedicados e intelligentes, paraa obrada renovação
concursos depintura. dasnossas industrias d e arte,mas renovação bementendida, subor¬
O factonão é difficilde explicar,e já aquimeprecedeu naenun¬ dinadaaosprincípios geraes, inilludiveis, daartedecorativa, inspirada
um escriptorquedesdemuitovemse¬ n’aquelle alto exemplode concordância da fórmacoma matériae
ciaçãodassuasdeterminantes, coma fórma,quenosoftêrece, lu¬
guindocominteresseo nossomovimento artístico.Mas,senãopóde destinodo objecto,e da decoração
razoavelmente exigir-sequenasexposições deLisboae Portofigurem minosamente, a artepuríssima d osgregos!
sempreobrasd’essasque demandam tempo,despezae preparação
intellectualacimad’aquelles dequeos nossosartistaspodemdeordi¬ *
náriodispôr,—quer-me parecerque não seráimpertinência pedir- # *
lhesquevariemum tanto a gammados seusassumptos, interpre¬
tandoalgunstrechosbemsuggestivos e typicosda nossapaizagem,
deantedosquaesaindanenhumpintorse lembroude armaro ca- Quer-meparecerquesó n’umaexposiçãoofficialseriapossível
algumacousado genioe do viverdas reunirtodosos artistas. Aindaassim,o Grêmiotemjá podidoorga-
vallete;fazendo-nos aperceber
assimcomoda nossavida nisarconcursos muitomaiscompletos e significativos do que este.
populações contemplativas da beira-mar,
proclamar, á vistad’elle,que a nossaarte
rural,tão diversasegundoo caracterda paizageme as variantes Deusme livre,pois,de d ’estaprimavera acasoencer¬
esmorece, comosea exposição
ethnicas;dando-nosmesmo,de quandoa quando,algumatentativa decáe detodososnossos
— emesboçoa lapisou a carvãoqueseja. rasseosmaisconcludentes e decisivos depoimentos
de reconstrucção histórica, representativa
ellaporventura fosseabsolutamente
Em todoo caso,a exposiçãotemesteannoumcertoarportuguez, artistascomose
prefe¬ danossahodiernaactividade artística1
quemecaptivae enternece. Os artistasderamdecididamente momento c ontar comalguns tra¬
A verdade, é quepodemos n’este
renciaaosnossoscampos,ás nossaspraias,aosvelhossolaresmeio reunemá maisfina
por essasprovínciasfóra,aosre¬ balhadores dafórmae dacôr,queprovadamente
derruídosqueaindase encontram u mapoderosa technica, e
do sentimento educação
cantosmaisdeliciosamente cheiosde pittorescoe de caracterdas susceptibilidade e triumphar, noscentros
dos quetêemporvezesconseguido distinguir-se
nossasantigaspovoações históricas,aos claustrosabandonados
maisconcorridos e maiscultos.
conventos extinctos,ás figurasmaisou menostypicasde diversos artísticos meiolhesnãosejacontrario!Assim o governomostre
pontosdanossaterra. Assimo
que sãoverdadeiras medidasde salvação publica,do
É preciso,porém,quenão se limitema pintaremPortugal,mas comprehender alcance, damaisabsoluta urgência, einteiramente com¬
queseesforcem porpintaremportuguez; istoé,pornosdaremconta, maisprofundo de começoexijam,todas
dossacrifícios que,porventura,
comverdade e sentimento, de quantono paiztenhaumaaccentuaçãopensadoras artísticos; e assima sociedade
um aquellas que tendamaosprogressos
nacionalmaisprofundae evidente,de modoque,se porventura suscitando algum
—ondeascousasdeartevãofelizmente
de nósalgumahoravisseemterraextranhaum quadroportuguez, portugueza, que,nomeiodasduvidas e incertezas queator¬
dopaiznatal,súbito interesse,— reconheça
logosentissemaisintensae pungitivaa saudade da fria aridezda vidacontemporânea,
evocadopelarealisação artística,flagrantemente verdadeira e delica¬ mentamo espiritomoderno,
e do conflictodasopiniões,a arteé o
damente sentida,deumdosaspectos maiscaracterísticos e inconfun¬ da anarchiadossentimentos
maisseguro refugio, a maisdoceconsolação, o maispoderosoele¬
díveisdasuavidaou dasuapaizagem.
Nasecçãodeesculptura, é quenos apparece umacomposição figu¬ mentodeconcordia!
rativadeumsuccesso danossahistoria:—umbaixo-relevo deMotta,
Abril de ,895. JoséPESSANHA.
parao monumento a AffonsodeAlbuquerque.
NOTICIÁRIO

LEIBTRAU, grandedesenhador, e mestrenaarte


de compor,e detraduziro movimento e a acção
dasgrandesmassas teriasidoumpintor
defiguras,
de batalhasdereputação europêa, se nãotivera
dedicadoquasiexclusivamente o seu pincela
reproduziras victoriasdo exercitoaliemãona Foramtambém recolhidosdosmesmosconventosalgunsexempla¬
campanha de 1870. resdeporcellanasjaponezase, entreelles,umajarrinha,variedadede
Eis o motivoquetornao seunometãopouco balaustre, pequenina,bomexemplar. Algunsobjectosdemobília,taes
conhecidoáquemdo Rheno. comocadeirasdo fim do séculoxvm,typo inglezChippendale ; uma
estantede côro,mediana,emobrade talha,ricamente ornamentada
debronze.Umbaixorelevoemjaspe,commolduradebronze,lavrada.
Umaarcaencourada e taxeada, antiga,de dimensãomuitomenordo
usual.Algunsd’estes antesdeserempostosemexposição
objectos, tem
deserreparados.
*
Burguezes e pintoresnemsemprese entendem, cousaaliásquea
ninguémsurprehende. Rarasvezes,porém,as relaçõesentreasduas
classesterãoassumido caractertão acrimonioso,comodurantea ex¬
posiçãocelebrada esteverãona cidade.deGlasgow. A susceptibilidade
GabrielMax, notabilidade da modernaescolaallemãde pintura, pudibundados municipes da segundacapitalda Es-
presbyterianos
exhibiuultimamente, na exposição
do grupodissidente (os seccessio- cossiapronunciou-se contraa admissãode todo e qualquerquadro
nistas)deMunich,umquadrointituladoPithecanthropus alalus. representando figurasnuas.
O pintor,n’estasualucubraçãodarwiniana representou a mãecom- Medidatão radicale quenão deulogara excepçÕes, pozfórada
mumaohomeme aomono,amamentando o seumenino (?).Completa portatrabalhosde mestres, taescomoWatts,sir F. Leighton,presi¬
o interessantegrupoo papá,simiescoantepassado do artista,abor¬ dentedaAcademia Realingleza,Dicksee,Hackere outros,e levantou,
doadoaotroncoarrancado deumaarvore. comoaliásdevesuppor-se, altosclamoresda partedosartistas.São
A obra,notabilíssima,
no dizerdoscríticos,pelaintensidade deex¬ curiosas asdiscussõesnosjornaes:osseraphicos edistêemouvidocoi-
pressão dasfiguras,levantou
acérrimas
discussões naAllemanha e exci¬ sinhasde cabeça. A nada,porém,semovea impassibilidade doscabe¬
touasirasdo partidoclerical. çudosdescendentes dosterríveispuritanosdoséculoxvii.Ossectários
de John Knox fulminamos irritadosartistasá força de citaçõesda
Biblia;e o casoé queos pintoresnãolevama melhor.Os santarrões
O Museude Longchamp(Marselha) soffreuha poucoum roubo ignoram, ou desprezam, a celebresentença de Diderot:«Nãoé o nú,
importante.Entre os objectosroubados, contam-se tresquadrosde massimo despido, queoffende».
mestres daescolaflamenga e numeroimportante dedesenhos deRem-
brand,Vandycke deoutrosartistascelebres.

*
Na Bélgica,falleceuHenryPickery,esculptordistincto,auctordo
formosomonumento a Jan Van Eyck,e deoutrosainda,dedicados a
perpetuara memória dosgrandescidadãos deBruges.
A Bélgicaperdeutambém umdosseusmelhores pintoresanimalis-
tas,CarlosTschaggeny.
Os jornaesitalianosannunciam a morte,emMilão,do architecto
Fontana.Deixaalgunsedifíciosnotáveis,entreoutroso palaciodaIn¬ O notávelarcheologoSchliemann,descobriu, emHissarlik,nasex-
dustriaemS. Petersburgo. Falleceramtambémna Italiao veterano cavações deumacollina,asruinasda antigaTroia.No decursod’este
estatuário
Luigi Ferrari,professornaAcademia deVeneza,e o pintor anno,ellee osarcheologos queo acompanham, pozeram a descoberto
romanodeassumptos históricos,
ScipioneVanutelli. todaa cercafortificadada cidade.Estão assásbemconservadas as
muralhas.Têem-seencontrado porticos,torres,edifíciospúblicosepar¬
ticulares,
armazéns,umafonte,louças,etc.É estesemduvidaumdos
achadosmaisnotáveisemmonumentos architectonicos,queatéhoje
setêemfeito.
*
Realisou-se
ultimamente, nagaleriadoSalãodevendas, naAvenida,
umaexposiçãode trabalhosde doisartistasportuguezes: —o pintor
JaymeVerdee o esculptorTeixeiraLopes.O primeiroexpozvinte
e cincoquadros,— paizagens doMinhoe daBretanha, principalmente.
O segundo, alémde tresbustosde creança,emmármore, duasma-
Deramentrada, ha pouco,no museude BellasArtes,de Lisboa,e quettes emgesso(A Victoriae SoaresdosReis),e um estudoparaa
foramjá encorporados na secçãodasantigaslouçasportuguezas, os estatuado infanteD. Henrique.
seguintesspecimens,recolhidosdosespoliosdosextinctosconventos
deVilla Novade Gaia,Porto,e deSantaThereza,Coimbra.Do pri¬ ■K
meiro,tres paresde jarras,de faiança,do typobalaustre,
emvarias Outraexposição.—ARevistade Hoje, queseestápublicando no
dimensões medianas,dasfabricasdo Porto: umpartema marcados Porto,propÕe-se organisarexposiçõesdeArte.
RochaSoares.Um gomil,tambémd’estafabricação, comumamarca A primeirarealisou-se
emabril,no PalaciodeCrystal,e eraconsti¬
curiosae poucovulgar.Dosegundo, um pratogrande,fabricodo se- tuídaunicamente portrabalhos deColumbano BordalloPinheiro.Com-
caloxvm,deencommenda, comumlettreiro.Umamolheiraouterrina punha-se dagrandetéla«Camões invocandoasTagides»;dedezenove
pequena, octaedrica,
branca,compinturaazul,empadrões retiformes, retratosdeescriptores
e artistas,
sendo doisa pastel;deduascabeças
avese folhagens,
etc.Umvasocylindrico,assásgrande, quesesuppõe de estudo;dosquadros«Umtrechodifficil»,«Umgaroto»
serdaantigafabricadoJuncai,revelada porum documento, (Caldasda
cujades¬ Rainha)e «Umpateo»(CaldasdaRainha),e dediversosdesenhos, um
cobertaé recente.
dosquaesrepresentandoumfragmento dotectodotheatrodeD.Maria.
Reservados
todos os direitosde propriedade
litteraria e artística
nheiro para o verdadeiro, ha para a
imitação, para o fingido, — comtanto
que tudo se embelleze.
,ARTE INDUSTRIAL E ha razão para isto. Comprehen-
de-seque o campesinonão sinta gran¬
de falta de arte decorativa,se elle tem
a paizagem, os largos horisontes, as
dos mil cam¬
ESIGNAÇÕES diversas: arte curvas das montanhas, e a festa constante
ornamental, arte util, arte in¬ biantes do céu; mas o pobre cidadão, o habitante de uma
dustrial, ou applicada á indus¬ metade de um andar de um prédio de estreita rua, tem
tria, significam a alliança do de satisfazer as tendênciasestheticas em limitado campo,
bello com o util, da conveniên¬ procura animar o seu meio com o gracioso. E por estas
cia com a arte; designaçõesque razões, a arte decorativa assume actualmenteenorme im¬
todas se comprehendem hoje portância.
na fórmula, arte decorativa,que Nos paizes ricos, nos mais cultos e industriaes, o traba¬
Fragmento
deum bordado,
tapete é a arte applicada ao embelle- lho artistico merece cada vez mais as attenções: que dire¬
deArrayollos. caseira) zamentodos objectosusuaes,da mos do que se passa em Portugal, que paira na crise, na
(Industria
habitação,dos objectos de luxo, lucta do cambio?
não com o fim de fazer a obra de arte, o primor de enge¬ Salvando as barreiras proteccionistas, a arte industrial
nho, o quadro ou a estatua, mas de tornar agradaveis á extrangeira invade-nos a cada momento; os pesados di¬
vista objectos de determinado destino,— moveis, joias, ves¬ reitos aduaneiros não bastam a evitar a entrada dos mais
tuário, etc. insignificantesproductos da arte applicada.Importamos le¬
Segundo uma auctoridade, o termo decorativo applica-se ques ordinários, cartonagens, ceramicas ornamentaes,vi¬
a todas as artes, quando os productos são concebidos e dros, metaes,flores de trapo... um paiz pobre a gastar um
executados com o fim de satisfazer a condições especiaes dinheirão em superfluidades, em quinquelheria de França,
Allemanha, Inglaterra e Áustria. Não creio a questão muito
de utilidade.
Procura-se o artigo extrangeiroporque é bonito,
O decorativo é essencial no espirito humano: selvagens complexa.
de rudimentar civilisação procuram o ornato. de aspecto fino, bem executado. E, em muitos casos, não
o bom, sim o gracioso; recusa-seo pesado e o so¬
Nas famosas grandes civilisações antigas o decorativo foi se quer
in¬ lido, prefere-se o leve, o elegante. E, aqui, a arte continha
sempre cultivado, mas de certo modo de uma maneira
afastada da industria.
completa,como succedetambém entre o povo rude. O povo
do norte de Portugal ornamenta a pessoa, e descuraa casa; Parece que nos falta senso esthetico.
o povo do sul abrilhanta a habitação, e as pessoas usam Nas ruas da baixa, pouco a pouco se têem substituído os
ornatos, as mulheres antigoslagedos dos passeiospor empedradosde pedra miú¬
cores escuras, vestuário com poucos
da, o que é bem feito; na rua Augusta, ornamentaramesse
não ostentam joias.
trabalho com desenhosde um modelo só, e de mau gosto;
Hoje, a gente culta exige o decorativo em tudo, e a civi¬
das pas¬ na rua da Prata, baniram toda a ornamentação: porque
lisação moderna somma todas as ornamentações
não um desenho variado em cada quarteirão, baseado em
sadas epochas. Conhecem-se processos de trabalho nume¬
museus, motivo portuguez? Ao mesmotempo, na Avenida forram os
rosos; as matérias primas domam-se á vontade; os chuvoso, inex-
as exposiçõesostentam modelos em profusão. passeios de betons,incommodos no tempo
o gotaveisde fina poeira no verão: porque não o empedrado
As sciencias chimicas, os mil machinismos modernos,
á portugueza, o grande mosaico, alli, com uma bella orna¬
progresso enorme da archeologia, tudo se combina para da capital estão a encher-se
augmentaro poder da arte decorativa. mentação? As praças e largos
inconscientes e irresponsáveis
as ruas, as praças, as avenidas, alindadas, o de kioskes feios; operários
Queremos das fachadas dos tem¬
mármores, passam á escoda as esculpturas
exterior das casas forra-se de esculpturas, de
tectos, pavimentos, plos... ao mesmo tempo uma invasão extrangeira. con-
de azulejos finos; no interior, paredes, armazéns. nas confeita-
ha di¬ stante, implacável, nas lojas, nos
aformoseam-se; o vestuário elegantisa-se; se não
98 ARTE PORTUGUEZA

rias; uma inundação que chega ao objecto mais barato, O artista da Fonte Nova faz obra de arte, uma n’um dia,
quer dizer—ao fundo da bolsa do pobre. que na loja, ao lado da austríaca,faz menos figura, é menos
Pela Semana Santa, era por essesestabelecimentoscom- decorativae é mais cara.
merciaes um preamar de cartonagens, cestinhos de palha, Casos analogosrepetem-sea cada passo. O que se passa
saccosbordados e pintados, que vieram de França, pagando com a industria do leque, dos brinquedos infantis; com o
direitos enormes, salvando câmbios, tudo, e se vendiam sacco, a sombrinha bordada, e tantas cousas mais, é dolo¬
caríssimos, por tres ou quatro vezes o seu valor. E raras roso. Não se sabe também aproveitar a faculdadeartistica,
vezes, ao lado, quasi escondidas, as modestascanastrinhas a execuçãopacientee fina, da mulher. Por toda a parte, hoje,
das Caldas, na sua simplicidade primitiva, sem um forro se emprega o trabalho feminino na arte decorativa da ce¬
de setim, um ornato, uma applicação,que as transformasse ramica. Em geral, esse trabalho serve até certo ponto: de¬
em objectos de brinde. pois o artista modifica, toca, dá o tom definido, o caracter.
Porque o publico, em toda a parte, naturalmentepro¬ Ha muitos annos que no ensino secundário se compre-
cura o artefactogracioso, o aspectoagradavel, e é para isto hende o desenho, e já decorreram alguns depois da inau¬
que o artista tem de intervir. Indaga-se das razões: o com- guração das escolas industriaes. Francamente, o resultado
merciante,o industrial e o artista não se conhecem,não se não se vê bem; na economia social não se conhece a mí¬
procuram; todos se queixam, ninguémtrata de unir fileiras. nima influencia. Recentemente,temos outro campo de de¬
A fabrica da Fonte Nova, e outras de ceramica, com os monstração do nosso atrazo deplorável.
seus grandes esforços, não conseguembater as louças alle- Os estabelecimentosestão cheios de objectos antonianos
mãs e inglezas; o producto sáe caro; fazem o objecto de origem extrangeira; francezes, allemães e italianos.
unico, isto é, a obra de arte, e não cultivam a arte indus¬ Ha por ahi, nas vidraças das lojas, centos de imagens
trial. Compare-se, por exemplo, a placa de Vienna com a com seus lettreiros em hespanhol, italiano, francez, inglez,
da Fonte Nova: a deVienna é mais bonita, e barata; mas é allemão. A arte indígena manifesta-sepouco e mal. O nosso
de estampilha,—podéra!—pois o industrial de Vienna não industrial foi descobrir pseudo-artistas, o artista não pro¬
quer fazer a obra de arte; o desenhoserviu-lhepara dezenas curou o industrial, e o publico, naturalmente,vae ao mais
de placas; depois, as mulheresda fabrica metteramas côres, gracioso, ao extrangeiro; e o centenáriodo santo portuguez
a que o artista deu uns toques finaes; no trabalho de um levará para terras extranhas, talvez para paiz de herejes,
dia, de um artista e duas mulheres, com o mesmo dese¬ alguns milhares de libras.
nho, e colorido variado, ficaram promptas quarentaplacas. g. PEREIRA.

UM desenhobem simples e genuinamenteportuguez: recordar as desoladas famílias, que deixaram nos lares em
A muleta de pesca, deslisando á superfície das aguas, afervoradaprece,unico amparo que lhes fortifica os ânimos;
desfralda ao vento as ponteagudasvélas e deixa ver a seu a terra, ao longe, avivaa saudade,conduzindo á reminiscên¬
bordo os arrojados tripulantes, ao longe descobre-sea linha cia do passado; e a atmosphera limita o pensamento,não
da terra, e no ultimo plano accumulam-seos tons da atmos- permittindo sondar o espaço indefinido, que a imaginação
phera. intenta traspassar, em poderoso voo.
Quantas idéas, porém, desperta este singelo quadro a D esta multidão de idéas associadas e impressões com-
quem sobre elle attenta! moventes,resulta um amplo quadro, delineadoem um sem
O barco, como assumpto principal, representadono seu numero de motivos, que o tornam complexo e grandioso.
conjuncto pelo casco, leme, mastro, vergas, cabos e vélas, Já o mar, impellido pelo vento, encrespa a superfície;
synthetisaa arte nautica, que arrancou ao engenhohumano montículos de plúmbeas vagas, recortadas por franjas de
um domicilio e um meio de transporteno vasto liquido que branca espuma, balouçam a muleta, que completamente
cobre o globo, assegurando a existência e o isolamento alagam, fustigando ao mesmo tempo os tripulantes, que
d’aquelles que lhe confiam as suas vidas; o mar, elemento ensopam até á medula. O aspecto carregado do céu ate-
magestosoe profundo, repleto de mysterios e tempestades, morisa os pescadores; ouvem o ranger do apparelho, sibi¬
lança no espirito de quem o contempla uma preoccupação lando gemidos que entibiam os ânimos; e, ora fortalecidos
vaga, mistura de receios e encantos, que provoca á medi¬ pela experiencia de longos annos, ora sobresaltados pela
tação; os pescadores,nas suasmelancholicasattitudes,fazem
lembrança das mães, mulheres e filhos, que ficam ao des-
ARTE PORTUGUEZA

amparo, proseguem na dura faina. Entra a vaga com fúria, Vae passadoo mau tempo.
destruindo a borda; rasga-se a véla grande; está o barco A muletacorre novamentedonairosasobre as aguas, em
desmastreado; pesada nuvem despejou em catadupas a demandado porto, e as flores matizam os campos, embal¬
abundante agua que transportava; exgotam á força de samando a alegria dos lares.
braços energicos e possantes Taes são as vicissitudes da existênciados pes¬
o liquido que faz adornar a cadores e da classe que elles representam.
muleta; desenrascam o mas¬
tro e a véla, e aguardam sere¬
namenteo destino que a pro¬
videncia divina lhes reserva.
Mas já descobre o céu ve¬ Entre os variados typos de embarcações por-
lho, tinto de azul escuro, ve¬ tuguezas, possue certamente um original sabor
lado, cm grande parte, pelos artísticoa muletausada pelos pescadoresdo Seixal
vapores esbranquiçados que e do Barreiro, para o lançamentoda muito antiga
correm suspensos no ar. Um rede de arrastar a reboque pelo fundo, denomi¬
primeiro raio do sol, e, em nada tartaranha.
seguida, todo o feixe lumi¬ A muleta tem o fundo largo e chato; a proa,
noso, bate em cheio no mara¬ excessivamenteboleada, remata em arrufado be-
vilhoso quadro, illuminandoos que; a popa, muito inclinada, recua em cima; ca¬
tons, aquecendo as côres, e racterísticosestes que, juntos ao grande amassa-
dando vida e alento aos tri¬ mento dos flancos, dão ao cascoo aspectode uma
pulantes. O vento amainou; tosca naveta normanda do século xin.
a ondulação vae diminuindo O apparelho da muleta compõe-sede um mas¬
pouco a pouco de amplitude; tro, muito inclinado para vante, onde iça a verga
os pescadoressacodemos en¬ de uma véla grande triangular, latina, e de dois
charcados fatos, e preparam compridos paus, denominados batelós, deitados
o mastro e o panno. Já ver¬ pela proa e pela popa, que servem para amurar e
dejaa collina e rescendeo per¬ caçar as outras vélas, e, ao mesmo tempo, para
fume da vegetação^marginal; nas extremidadesamarrarem os cabos que segu¬
as mães riem para os filhos, ram a rede, quando esta funcciona. A ré, caça no
que fazem saltar nos braços, extremodo batelósum triângulo, que iça na penna
e os pobres operários do mar da véla grande, denominadovarredoura de cima,
sentemnova vida invadir-lhes e, por baixo, outro, a varredoura de baixo; e em
o endurecido organismo. estaes que vão da cabeça do mastro para a roda
de proa e para o batelósde vante, içam umas seis
a sete pequenasvélas, chamadastoldos, muletins.
varredoura e cozinheira, que, segundo o seu nu¬
mero, compensamo eífeito das vélasde ré, quando
a embarcação se mantem atravessada,durante a
pesca.
As muletas largam a rede proximo da emboc-
cadura do Tejo, no começo da enchente,e, ma¬
reando o panno, vão caindo ao longo da costa da
Trafaria e margem do sul, montando o pontal de
Cacilhas e continuando a derivar pelo Mar da
Palha, até terem completado o lance, recolhendo
então a rede, e apanhando o peixe que vem no
sacco.Outras vezes,arrastamfóra da barra, desde
o largo até á enseadade Entre Cabos. Este typo
de embarcaçõesvae acabando, a ponto de actual-
mente existirem apenas duas. Tem sido substi¬
tuído pelos modernos bateis, que pescam pelo
mesmo systema. No museu de archeologia naval
de Paris, ha um modelo reduzido da nossamuleta,
que o ministério da marinha offereceuáquelle es¬
tabelecimento;e mais dois outros modelos figuram
nas collecções da escola naval, e do museu marí¬
timo da escola industrial Pedro Nunes, de Faro.
A rede tartaranha, empregada pela muleta,
consta de um sacco com malha muito miuda,
alargando para o lado da bócca,onde ligam duas
bandas de rede, muito compridas e estreitas,na
extremidade das quaes amarram os cabos que
sustentam o apparelho dentro de agua, e que re¬
cebem o nome de alares.
IOO ARTE PORTUGUEZA

MULETA de meiei. BRANCO^


ou cokez
V TIJOLO

Mcineira- ciear
cl esparre/ta..

O sacco tem duas costuras convergentes,prendendo a notáveldas artes de arrastar, sendo em Portugal unicamente
face de cima á de baixo, formando uma gargantaafunilada empregadapelos pescadores do Seixal e do Barreiro.
e dois cantos triangulares, denominados beliches, onde o Imagine-seestephantasmacolossal, com o enormeventre
peixe se accumula sem poder sair, na occasião de suspen¬ dilatado,a bôcca escancarada,os braços estendidos,moven¬
der a rede. A tartaranha constitue uma variedade muito do-se no abysmo oceânico, engulindo milhares de seres dif-
ARTE PORTUGUEZA ioi

ferentes,e esmagando, com o pesado corpo, tudo que en¬ A muleta de pesca, pela sua fórma exquisita e pittores-
contra na sua devastadora digressão pelo fundo. ca, e pelo gosto artístico que revela, tem sido representada
A acção destruidora d’este gigantesco engenho do mal em modelos, desenhos, gravuras e aguarellas, merecendo
exerce-sesobre a vegetação submarina-,sobre os ovulos e a predilecção de muitos admiradores da sua belleza, entre
germens das mais preciosas especies, que nas plantas os quaes se contam o finado Rei D. Luiz, El-Rei D. Car¬
encontram auxilio para o seu desenvolvimento embryo- los, o almirante Páris, Pedroso, Pinto Basto, Camacho,
nario; sobre a fauna e flora, que servem de alimento ás Vaz, Casanova, o auctor d‘estas linhas, e o sr. R. Mon-
especies novas e adultas; e sobre a própria colheita, que, leon, de quem são os bellos desenhosque acompanhameste
na maior parte, fica inútil para qualquer applicaçãoprovei¬ artigo, e que representamas mais minuciosas particularida¬
tosa. des do casco, apparelho, velame e accessorios,da muleta.
O damno causado por estas redes, tem dado logar á pro¬ Que bellas applicaçõesse podemfazer da muletade pesca
mulgação de diversas medidas repressivas do seu exercicio, na ourivesaria,na ceramica,na tapeçaria, e em muitas ou¬
desde 9 de abril de i6i5, data do primeiro alvará que as tras artes uteis e decorativas!

larreiro

prohibiu por tempo de oito annos, para favorecer os pes¬


A fórma do seu casco dá esplendidamente,imitada em
cadores do alto, da cidade de Lisboa, contra os que pes¬ porcelana ou 'barro, uma admiravel terrina ou saladeira,
cavam com as ditas redes, procurando remediar a falta de e um elegante centro de mesa ou floreira, com especial
pescado,que attribuiam ao uso das tartaranhas. E, como
a aspecto marítimo, genuinamenteportuguez. Em mármore,
arte, na sua progressiva evolução, nem sempre dá resulta¬ pôde modelar-se com ella um lindo tanque ou baptisterio,
dos beneficos, acontece que este systema de exploração de puro estylo náutico nacional. Tem desusadae signifi¬
cativa applicação o desenhoda muleta no lavor central de
dos seres que habitam as aguas, se tornou ainda mais no¬
um tapete, alcatifa ou cortinado. Em oiro, prata, bronze
civo com o emprego da navegaçãoa vapor no arrastamento
do immenso sacco, imprimindo-lhe maior velocidade e in¬ ou ferro, ou pela combinação e entrelaçamentod’estesme-
taes, quantos objectos de arte se podem conseguir com a
tensidadede acção, motivo por que o decretode oo de julho
fórma ou delineamentogeral da muleta de pesca?! Care¬
de 1891, confirmando a previsão do velho alvará, estendeu
cemos tanto de um estylo genuinamentecaracterístico da
a prohibição ao moderno arrastão, rebocado pelos vapores
nossa feição especial de povo de navegadores,cheio de tra-
de pesca.
102 ARTE PORTUGUEZA

dições marítimas, perpetuadasem poemas sublimes e mo¬ gueza nao póde desenvolver-sesem conseguir este deside-
numentos grandiosos, que é forçoso reunir, e methodisar ratum.
em formulas praticas, os elementossimples e as concépções
16de marçode 1895.
Campolide,
geraes, que devem orientar o nosso gosto artístico na com¬
posição dos productos da industria nacional. A arte portu- a. a. BALDAQUE DA SILVA.

JLRTE MODERNA
EXPOSIÇÃO TECHNICA —CONGRESSODE PINTURA

IGURAVAM quadros em diversas ex- dos mestres das grandes escolas do passado, tentandores¬
0 posições recentes, os quaes, apesar de tabelecer mais de um processo esquecido, ou systematica-
modernos, apresentavamjá inequivocos mente abandonado. Por outro lado, os néo-gregos, tinham
signaes de prematura decadência;e a maio¬ de ceder o terreno aos noros-classicos,a cuja frente cam¬
ria dos artistas, pouco dispostos a concordar pava Ingres, o raphaelita, e que constituíam desde logo a
que lhes cabe, a esse respeito, uma tal ou phalange dos desenhistas,arvorando por pendão o idealis¬
qual responsabilidade, mercê da pouca im¬ mo ao modo de Raphael. Mantinha a nova seita, na execu¬
portância que algunsd’ellesconcedemás exi¬ ção dos seus quadros, muitos dos erros technicos de seus
gências technicas da sua profissão, erguiam predecessores. Tudo pelo desenho — era o seu lemma.
ainda ha pouco, em Paris, clamor quasiuni- Predominava o contorno, — idealisado, se entende,— e,
sono, pedindo providencias aos poderes pú¬ posto que a technica, graças á influencia dos antigos mes¬
blicos, e indicando como causa principal de tres, tivesse melhorado sensivelmente,produzia ella ainda
tão deploráveisfactos, a pouco conscienciosafabricação das mais de uma obra incolor; colorido terroso da pintura;
tintas, e de outros artigos para uso do pintor. aspecto corneo das superfícies; composições arranjadas
Para que possamos avaliar devidamenteaté que ponto com apparato artificial; os eternos grupos de ensaiador, a
sejam fundadas tão imperiosas reclamações,vamos percor¬ inevitável pyramide, — confusão de pernas e braços sem
rer de relance, com a vista, os tramites principaes da evo¬ dono, verdadeira salada humana; roupagens em demasia
lução por que têem passado, durante o presente século, os systematicas, e metallicas na contextura; carnes polidas,
processos da pintura a oleo. frias, e apresentando o aspecto do marfim velho.
A cruzada do Romantismo, que coincidiu, em França, Nas fileiras dos românticos,vinham encorporar-seospseu¬
com a-revolução de i 83o, vinha encontrar já de todo gas¬ do-coloristas; e, como, a esse tempo, a França disputasse
tos os princípios em que se firmava a escola de David. A já, com decidida vantagem, á Italia, a primazia em artes.
multidão principiava a aborrecer-se da rhetorica psendo- Paris, que afinal principiava a ser o centro artístico do mun¬
classica, e virava as costas, já cansada de assistir ao des¬ do, via affluir, solícitos, a buscar o seu ensino, estudantes
filar d’esse incessantee theatral cortejo de gregos e roma¬ vindos dos paizes mais longínquos.
nos, vistos atravez do prisma das convençõesda impolada Defendia cada seita com denodado ardor seus princípios
tragédia á moda do Império. O gosto publico, portanto, e os respectivos processos technicos. Auxiliava-os podero¬
mais favoravelmente disposto a acceitar quaesqueroutras samentea critica; e a sciencia, interessando-setambém na
formulas de arte, comtanto que mais humanas fossem, lucta, em breve veiu pôr á disposição dos artistas conside¬
interessava-setambém muito mais na lucta que vinham ráveis elementosde progresso technico.
travando entre si os diversos grupos em que se repartiam Lograram, porém, os românticos, passado algum tempo,
os pintores da epocha. Preferiam os românticos pedir ins¬ levar de vencida seus contrários; a technica, comtudo, no
pirações á Edade-media e á Renascença, seguindode perto que dizia respeito á grande arte, estacionou, por assim di¬
a corrente de investigaçõeshistóricas, á qual se entregára, zer, durante alguns annos, transviando-se até em maneiris¬
com tamanho enthusiasmo,a litteratura; e, mercê de taes mos. No emtanto, entre os efficazeselementos extrangeiros
propensões, dirigiam também sua attençãopara a technica que vieram actuar poderosamentena evolução do Roman-
ARTE PORTUGUEZA io3

tismo, predominava um, —a paizagem,— o qual estava pintura de genero, e, logo no fim do primeiro certamen,
destinado a operar na escola franceza completa transfor¬ retiravamcobertosde loiros Knaus, Deffreger e outros mes¬
mação. tres da escolatudesca.Paravam, estupefactos,os francezes,
O grande paizagista inglez Constable e o notável grupo peranteo simplismovoluntário dos audaciosospreraphaeli-
de sinceros pintores naturalistas seus compatriotas,por um tas inglezes, cujo ascetismoarchaico, de continuo oscillante
lado; do outro lado, Diday, Calame, os mestres da es¬ entre o sublime e o ridículo, os artistas, perplexos, con¬
cola suissa, que vinham substituir ao frio convencionalismo templavam, hesitando se haviam de rir, se admirar. A ir¬
da paizagem classica as suas interpretaçõespittorescas da mandade preraphaelita, acaudilhada por Dante Rossetti,
natureza,— em breve patentearamao espirito critico, fino Hollman Hunt e Millais, vinha attestar que o pintor, con¬
e tão assimilador, dos francezes, a flagrantecontradicçãoque tendo-se dentro dos estreitos limites dos mais singelos e
existiaentre aquelles quadros das duas escolasextrangeiras, primitivos preceitos da sua arte, servindo-se dos recursos
—tão sinceros e tão directamenteinspirados da natureza, profissionaes mais simples, conseguia, no emtanto, inter¬
e tão diversos, comtudo, no modo de interpretação,— e as pretar a natureza com rara elevação de estylo. Verdadei¬
convençõesacadêmicas e rotinas de ofíicina, dos pintores ros mestres, alguns, desdenhavamtoda a especiede artifí¬
figuristas da escola franceza. cios, não violentavamem caso algum a relação mutua dos
Foi este, sem duvida alguma, o mais vigoroso bote,-a planos, evitavam escrupulosamenteo claro-escuro de ca-
mais perfurante estocada,que, até áquella data, havia apa¬ mara óptica, fugindo das habilidades de prestimano e da
nhado o academismo classicista. commoda esgrima do toque.Affirmava ainda por cima a es¬
cola ingleza, —e foi isso talvez o seu principal contingente
ÃO é demasiadamenteinventivo o genio fran- para o progresso da moderna pintura,— que os seres da
A cez; está, porém, na indole d’aquelle povo, nossa especienão precisavam,para serem reproduzidos em
iB raciocinador, e subtil quanto perspicaz,encon- pintura, sacar dos bahús do bisavô o gibão, as trussas, a

Hf W trar, desde logo, o melhor modo de aproveitar casaca de peneiras, ou pedir emprestado ao guarda-roupa

qualquer boa invenção, aperfeiçoal-adesde do theatro — o elmo, o arnez de lhama e os ouropéis e
o começo, e achar-lhe applicações impre¬ lantejoulas.Foi de então para cá, que os pintores entraram
vistas. N este terreno, ninguém lhe ganha.Em breve espaço a procurar assumptosnas scenas do viver hodierno.
Efficacissimaslições e raro contingentepara o aperfeiçoa¬
de tempo, a escola de Fontainebleau, assimilando os me-
thodos dos paizagistas inglezes e suissos, conquistava su¬ mento do officio ministrava também a aguarella, com suas
premaciaincondicional, e, optimamentepreparadaa França, entoaçõeslímpidas e degradaçõesde tons finos e luminosos.
já mediante o solido ensino do seu desenho, já pelas admi¬ Successivamente,e á medida que se realisavam outras
ráveis e puras tradições da sua esculptura, d’essa grande exposições, revelava-se a nova escola hespanhola, com a
— e, á
escola de estatuaria do século xv, que sustenta,sem pejo, singular espontaneidadee o vigor da sua pintura
confronto com os primores e maravilhas da Renascençaita¬ testa d’ella, Rosales, Madrazo, e Fortuny, o luzeiro dos
liana, — surgiu, e, pouco a pouco, veiu tomando corpo, o modernos coloristas.
realismo, e, com elle, a escola dos paizagistas de Barbizon, A escolahespanholae a italiana lograram também intro¬
d’esse grupo de grandes quanto inspirados mestres, cuja duzir alguns elementos de colorido na pintura franceza\
e os francezes, assimilando com presteza e habilidade ra¬
intuição superior lhe continha em respeito as demasias.
Não são por fôrma alguma extranhos ao progresso da ras os tão variados contingentes de progresso, fundiram
definitivamenteassentaram,a technicamo¬
pintura dois factores poderosos, os quaes, por essaepocha, na sua escola, e
finalmente,a escola franceza impôr-se a
patentearam novos horisontes á composição artística dos derna. Conseguiu,
e a França, graças aos seus perfeitos e li¬
assumptos:— os inventos successivos de Daguerre e de todas as outras;
sua influencia
Talbot. O daguerreotypo e a photographia concorreram,e beralíssimos methodos de ensino, estendeua
não pouco, para o decisivo progresso da moderna techni- artistica pelo mundo todo. A absorpção
encontrou, aliás,
a Inglaterra, podendo
ca: revelaram ao pintor a scienciados valoresdo tom, e en¬ poucas resistências. Exceptuou-se
duas escolas, apenas, se mantêem
sinaram-lhe a ver de modo justo o vulto, subordinado ao affirmar-se que, hoje,
— a franceza e a ingleza. A primeira, com¬
ambiente da luz diffusa, independentementede quaesquef frente a frente:
mais completa, tende a absorver lentamente a
artifícios de claro-escuro. Esta cabal transformação do es¬ tudo, por
como acontece sempre nas invasões dos
tudo da perspectiva aerea; esta sciencia,—porque o é, sem segunda; porém,
adopta involuntariamenteo que con¬
duvida,— foi a que, mais tarde, de si veiu a dar a escola povos conquistadores,
do ar livre. quista—uma grande parte das idéas e dos costumes do
Inaugurava o anno de i 855 as grandes exposiçõesinter- conquistado.
nacionaesde pintura; e, de então para cá, o principio da A Italia, tendo aliás abjurado, sem reservas, antigos con¬
vencionalismos,e adoptado francamenteos princípios da
internacionalidadena arte creou raizes: repetiram-se, e re¬
afrancezou, comtudo, mais lentamente.
petem-seainda, estas sumptuosas festividades do talento. moderna pintura,
italianos conservamainda certo cunho proprio.
Reunindo, temporariamente, em centro commum, tra¬ Os quadros
balhos de pintores vindos de paizes ás vezes bem longín¬ Permanece a maioria dos pintores austro-hungarosainda
ao Rubenismode Mackart, e singularisa-se a arte
quos e desviados da grande metropole da arte, tornaram-se aferrada
ellas fertilíssimas em revelações do máximo interesse.Vie¬ hespanhola, que, apesar de moderníssima, conserva parte
tradicionaes que lhe são próprias. A
ram manifestando engenhosissimas resoluções de proble¬ das superioridades
não se deixa, aliás, absor¬
mas technicos; maneiras pessoaes de alguns artistas ex- forte nacionalidadehespanhola
ver facilmente.
trangeiros, até então quasi ignorados alem das fronteiras
de seus paizes, e cuja fama era agora sanccionadaem Pa¬ # #
ris, cidade que monopolisava, ha pouco ainda, o privilegio
A superioridade do moderno processo de pintar consiste
de impor o cunho ás reputações artísticas. Os allemaes.vi¬
na sua extrema singeleza. Condemna o actual
nham mostrar aos povos latinos o que era a verdadeira exactamente
104 ARTE PORTUGUEZA

ensino artifícios inúteis e artimanhas de officio: — segredos opaca, e as tintas, excessivamentemoduladas e com predo¬
de algibeira. Desdenha quaesquerostentaçõesde pueril vir¬ mínio dos tons grisalhos, — binários e ternários, em cuja
tuosidade. composição entrapreto, —veem, por fim de tempos, a des-
O seu segredo reduz-se a reproduzir sinceramentea na¬ cahir, e a harmonia do quadro assume aspecto pardacento.
tureza, sejam quaes forem os seus aspectos, sem jámais Digamos também, de passagem, que a pintura exclusiva-
lhe vestir falsas galas. Arredando velhas preoccupaçÕesde mente opaca envolve inconveniente,que poderosamentein-
estjlismo, conseguiram os francezes transportar para a pin¬ flue na alteração e nos estragos dos quadros. Estes seccam
tura os methodos racionaes e analyticos do seu desenho. hoje, apparentemente,mais depressa, porque o pigmento
Copiam o tom exacto de qualquer objecto, graduando ri¬ opaco é, de sua natureza,mais seccanteque o transparente;
gorosamenteas modulações dos seus valores pelas succes- comtudo, a absorpção dos oleos pelas camadas inferiores
sivas e multíplices modificações que a perspectiva aerea e pelo apparelho é ainda lenta, e a maioria dos pintores,
imprime aos planos, empregando rigor idêntico áquelle já por impaciência, já per necessidadede adeantaremseus
com que o esculptor accusa os mínimos incidentes da fôr¬ trabalhos, muitas vezes repintam sem dar ás camadas so¬
ma no relevo das superfícies. brepostastempo de enxugarem completamente.
O ideal do processo é ser effectuado de uma vez, em O processo moderno não satisfaz cabalmente as aspi¬
plena tinta, realisando o pintor a juxtaposiçao dos planos, rações dos coloristas. Muitos artistas de talento ha tam¬
sem cansar a pintura. Com tal intuito, e também para su¬ bém, cuja indole espontânea prefere naturalmente metho¬
bordinar o acabamentoá distancia da visão perspectivica, dos mais syntheticos e expeditos, baseados na magia das
preferem os pintores, —nos casos compatíveis,— aos pin¬ opposiçõese contrastes das cores. Outros, com ideaesmais
céis, a brocha de cabo comprido do decorador, e pintam elevados e transcendentes, não se resignam a ver unica¬
sem apoiar a mão no tento, para disporem de mais liber¬ mente na mera reproducção material, exacta,photogi'aphi-
dade de acção. ca, por assim dizer, do aspecto exterior das coisas, um fim,
Similhantes methodos, sem duvida mais racionaese pra- mas unicamenteum meio.
cticos que os antigos, apresentam, comtudo, sob o ponto
de vista technico, alguns contras. A pintura, demasiado P. S.
(Continua)

FERRAGENS
OMEÇA, manhãsinha cedo, o la¬ a safra, e toca a malhar, e logo sôa por toda aquella redon¬
butar do ferreiro! Féro martellador deza o tim-tim despertador.
chamuscado, agitando-serijamente Elle lida com o ferro, o fogo e a agua. E elle que faz e
entre a forja e a safra, na officina concerta os instrumentos do trabalho — o dente e a garra
negra cortada de chispas, de cla¬ que augmentam o poder do homem, e preparam a terra
rões de labaredas, é elle que dá a para dar o pão. Por isto nas velhas mythologias, nas pro¬
nota alegre na aldeia. fundas, mysteriosas lendas do povo, o primeiro ferreiro, o é
Ha musicas do campo que são
um encanto; afinam com a paizagem: na larga pastagem
verde-dourada o som grave dos chocalhos da boiada, ou a
fina sonoridade das esquilas do rebanho de ovelhas; a
chiada lamentosa do carro vagarosopor entre os pinhaes,
o zumbido do moinho de vento; a cantilena da nora, sob
as nogueiras, na horta. Sobresáem dois sons:—o sino da
freguezia, que marca o tempo e a oração, e o tim-tim do
ferreiro, que proclama o trabalho.
Vae uma pessoa pelos campos, serra ou charneca, fati¬
gado da caminhada, e ouve de súbito 0 tim-tim do ferreiro.
E uma alegria:—está perto o povoado. Mais um bocado,
e surge a torre da igreja e o fumo da chaminé da officina.
Dorme-se na casa hospitaleiraou em pobre quarto de es¬
talagem, e, ao despertar, soa o tim-tim do ferreiro, alegre,
rijo. E madrugada ainda, muito antes do sino tocar as ave¬
ntarias, pelo postigo da janella mal se divisa a facha branca
da manhãsinha,e já se ouve o tim-tim do mestre ferreiro,
eterno madrugador. Brazeira
deferro
forjado,
pertencente
aoMuseu
Nacional
deBellas-Artcs
Pois se é elle que concerta a ferramentado trabalho, e o
trabalho começaao nascer do sol! O cavador pôde precisar primeiro homem que inventouo martellar no ferro, apparece
da enxada ou da sachola, e busca o ferreiro antes de co¬ com aspecto raro, é um forte, um luetador, que vive nas
meçar a jorna. Para estar ao nascer do sol na arranca do cavernasentre fragores e fulgores, que rasga o seio da mon¬
matto, ou na cava da courella, larga a enxergaainda com tanha, e que atira o malho de um a outro cabeço, salvando
estrellasno céu, e vae ao ferreiro, ao extremo do povoado; o valle: Vulcano, Cyclopes, Tubalcaim, os deuses trabalha¬
e o mestre, n’um credo, põe o ferro em brasa, e gira para dores do metal, os domadores do ferro.
ARTE PORTUGUEZA io5

Aos armeiros e alfagemespertence lavrar morriões, ca¬


pacetes, celadas, elmos, peitos e espaldares,manoplas, es¬
cudos, lanças e partasanas,alabardas e espadas.
Espingardeiros fazem espingardas, clavinas, escopetas,
mosquetese pistolas.
Tem havido sempre especialidadeslocaes, como é natu¬
ral, ou por segredo ou habito tradicional de trabalho, ou
pelas condições locaes, outriora imperativas, e que hoje,
apesarde tudo, aindavalem.Toledo ha muitos séculos que
tem privilegio na tempera do aço para folhas de espadas
ou lancetas: é das aguas, dizem alguns; Solingen está no
mesmo caso, e tantas outras. No meiado do século xvin já
eram salientes os cuteleiros de
Guimarães e Lisboa.
E eram tidos por melhores na
sua classe os armeiros de Braga,
e ainda hoje se fazem espingardas
ordinárias em Braga. São indus¬

trias locaes,tradicionaes,mas não


conseguem bater as extrangeiras
delampada, similares. Não sabem fazer o
Suspensão
forjado,
deferro muito bom, e, cousa rara, não
pertencente
aoMuseu Naeional
deBellas-Artes conseguemfabricar o mau muito
barato. Em Portugal e colonias,
vende-semuito a cutelaria ordinaria allemã, a espingarda
belga, etc.
Candelabro forjado,
deferro existente
naescada
nobre Havia outra especialidadeno fabrico de freios, estribos
doPaçorealdeVillaViçosa
e esporas. E os agulheiros de Coura, muito notáveis, que
fabricavamagulhas, alfinetes e cadeias.
Segundo um velho tratadista portuguez Os picheleiros lavravam em estanho, pratos, tijellas, jar¬
de ha dois séculos, trabalhadores de ferro ros, galhetas,gamellase frascos. Ha meio século, seria rara
são: ferreiros, serralheiros, cuteleiros, espin- a casa portugueza que não tivesse estanheira; também se
gardeiros, bombardeiros e alfagemes:os fer¬ foi o estanho.
reiros empregam varias qualidades de ferro, Os arameiros trabalhavam no arame candieiros, alam-
rijo, acro, pedre\, brando, morto e o aço. padas, alguidares, tachos. O arame tem resistido; ainda
O rijo, para arados; o pedre\, para bombas hoje é indispensávele ao mesmo tempo decorativo na casa
e granadas;o brando, para serralheria e pre¬ popular.
garia,canos de mosquetes e canhões; o mor¬ Quando se avizinhamas festas locaes, a mulher alemteja-
to, é o não temperado, como o da espada na, a mulher do povo, da aldeia, do logarejo, caia as paredes
preta; e o aço, é para lancetas, facas e es¬
padas.
Os ferreiros trabalham com a bigorna, sa¬
fra, fornalha, dorna, martellos e limas, fu¬
rador, burnidor, rascador, arco de furar e
talhadeira.Que diria um antigo ferreiro, ven¬
do os finos e poderosos tornos de hoje!
Fr. João Pacheco, no Divertimento eru¬
dito, diz que o ferreiro deve saber soldar, e
ha de entender dos humores das aguas e
azeites, e das cores que o ferro mostra es¬
friando-se.
As acções de um ferreiro são: madrugar,
pôr carvão na fornalha, accommodar o ferro;
manearos folies; recozer, bater, soldar, ba¬
nhar, tirar, formar e pulir.
Os serralheiros fazem fechaduras para ar¬
cas, portas, contadores e bufetes, chaves,
escudetes,fixas, visagras, lemes, cadeados,
aldravas, ferrolhos e passadores.
Os cuteleiros fabricam cutelos, facas, na¬
valhas, tesouras e ferramenta de estojo.
io 6 ARTE PORTUGUEZA

levo batido e de chapas vasadas ou alumiadas. As chaves


até o degrau da porta, e ás vezesum boca¬ formam uma familia; ha machas e femeas, mestras, feitiças
dinho da testada, e limpa o arame, a limão e gazuas. Na chave, ha o annel, o cano, o palhetão e os
azedo e areia fina ou cinza, passa-o com dentes. É prodigioso o trabalho do espirito humano na re¬
um panno, e põe-no ao sol a enxugar; or¬ solução do problema da ligação do movei e do fixo; a serie
namenta depois a grande prateleira, alta, das fechaduras, a serie das fivelas, dos colchetes, dos nós,
no panno de tijolo da chaminé, e fica o são bem interessantes.
arametodo brilhante, entreramos de louro O serralheiro, no ferro malleavel, em brasa, com a talha-
virente. deira e martello, facilmenteobtinha a variantee o pittoresco.
O estanhoera popular também, mas su¬ Elle fez o torcido e o encanastrado; e estylisou espontanea¬
miu-se rapidamente. mente gatos, cães, lagartos, cavallos, para arcas e barras e
Na arrumação das industrias, na baixa para martellos de portões. Vejam nas grades das janellas,
de Lisboa, isto é, no principal centro do das varandas, que variedade de desenhos, alguns de fino
paiz, o arameiro e o caldeireiro, a par do gosto decorativo.
mercador de panno, occupam os seus an¬ Parece-me que se póde affirmar que ha entre nós aptidão
tigos logares tradicionaes,na rua Augusta, especialpara a serralheria. Infelizmente, não têem os nossos
entre as ruas dos metaes preciosos, a do Ouro e a da operários um tratado bom. Os francezes têem vários, por
Prata, esta, em maior decadência,relativamente:o que na exemplo, o de E. Barberot, Traitè pratique de sernirerie,
verdade me custa a entenderno momento actual, porque, constmctions en fer, serrurie d’art (Paris, Baudry, 1888).
estando a prata em baixo preço, sendo o uso da prata tra¬ Num antigo tratado, encontro uma allusão a grades cele¬
dicional no paiz, havendo aqui artistas que sabemtrabalhar bres, e entre ellas a uma que veiu para Portugal: «... les
n’este metal, não sei como não batem o christojle e simi¬ grilles du chceur de Notre Dame, celle de Vabbaye de
lares. S. Denys ... la chaire de Vabbayede S. Antoine, les belles
E bem curiosa a variedade de ferrolhos e fechaduras, de grilles que M. Destriches a faites pour le Portugal ...»
aldravas, argolas e martellos de porta, que a serralheria (Descriptions des arts et métiers. Art du serrurier, par M.
portugueza tem produzido. As escolas e os estylos mani¬ Duhamel du Monceau. Neuchatel, 1776,pag. 4).
festam-senuma collecção de escudetesde fechaduras,com E de esperar que as escolas industriaes tenham uma in¬
as suas abas, coroas e cruzes. fluenciagrande no trabalho do ferro, e em geral dos metaes,
O artista, muitas vezes, inspirou-se na heraldica e lavrou no que prestarão um grande serviço ao paiz.
o escudo com seus paquifes e timbre; ha trabalhos de re¬ g. PEREIRA.

Ji ACADEMIA DO NU
depag.5y)
(Continuado

M dos maisformososespíritosquePortu¬ Ora,essesquarentae oito annosperdidosparaa indus¬


instrucção
gal temvistoservil-odedicada e intelligen- trial do operariadoportuguezsãotambéma resultante danossaper¬
temehte;um dos nossosmaisbenemeritos sistênciana attitudeabstensa queo bomJosé SilvestreRibeirola¬
compatriotas,quetodaavidaconsumiu emser¬ mentava nosseuscompatriotas; sãotambém o tristecorollariod’este
viço da patria,desdeque,emverdesannos,to¬ fatalsystema nossodetudoencarregar aosgovernos, emmenosprezo
mouarmasporella—oconselheiro JoséSilves¬ dainiciativa,do concursoe dasdiligencias, individuaes.
tre Ribeiro,escreveuem uma das suasmuito Se os queinteressam realmente emdispôrde um pessoalhabile
prestimosas compilações osseguintes judiciosos instruído,conhecedor dos processosde bemexecutar,familarisado
períodos,que são tambémo maisindubitável como lapis,e tendo,emboramenoshabilemmanejar e
attestado do patriotismoferventequeanimava armarentretensá preguiça,bemfirmesna memóriaos esfuminhos
princípios
a almado venerando escriptor: fundamentaes da arte de riscar; se os que podemavaliare prezar
todoo alcancedavantagem deacharem a quempagarbemo trabalho
«... O queeulamento, é queos cidadãosportuguezes seatenham queselhe mandefazer,tivessem procuradoantecipar a iniciativade
em tudo aos esforçosdos governos, abstendo-se da iniciativae do
concursodas diligenciasindividuaes,que em Inglaterra,principal¬ ' Historia
dosEstabelecimentos
Scientificos,
Litterarios
eArtísticos —
dePortugal
mente,e nosEstadosUnidos,operammaravilhas'.» Vol.VI, pag.89
.
ARTE PORTUGUEZA 107

AntonioAugustodeAguiar,organisando escolas segundo asespeciaes pessimamente guiado),—«apedrejou asjanellasdacasa,ondea Aca¬


necessidades, semdependencia nem chancellado governo,é bem demiaprojectada haviadeterassento» 1, e foi precisoceder.
a
possívelque feição do nossomicroscopico meio industrial,sob Nãoconseguiu, aindaassim,estecontratempo destruirno espirito
qualquer a specto que se considere, fossebemmais lisonjeirapara dos artistasa evidenciade umanecessidade instanteparaos pro¬
todos,—patrõese operários,—do queestásendoe ha de continuar gressosda Arte.— CyrilloVolkmarMachado,homemintelligentee
a ser. devariadainstrucção, artistaque,senãohaviasidodotadopelanatu¬
Da escolaespecial, «comumafeiçãoeminentemente practica», se¬ rezade «umtalentoraro paraexercitara nobreArte da Pintura»,
gundo a muitoapropriada expressão d o decreto de 3 de janeirode como dizo seu,emdemasia, encomiástico panegyrista 2, erapintorde
1884, já nós havíamos tido umatentativano fim do séculopassado. tal ou qualmérito,apesardasseveridades do condede Raczynski;
Sobesserestrictopontode vista,a semente já fôra lançadaá terra CyrilloVolkmarMachado foi quemseatreveua arcarcomo precon¬
hahojebonscentoe quinzeannos,e conformeo desejouJoséSil¬ ceitopublico,e o levoudevencida.
vestreRibeiro:— por iniciativaparticular. NasceraesteartistaemLisboa,a 9 dejulhode1748, e fôrabapti-
Abafadapor motivosque hoje não teriamrazãoalgumade ser, sadonafreguezia deS. Nicolau.
houvede esperar, paraquegerminasse e florisse emfim,quea nossa ComoPedroAlexandrino, Cyrillorecebeu na piabaptismal o nome
fatalinérciarecebesse a generosaimpulsãode um alto e poderoso do Santoquea Igrejacommemora n’aquelledia,segundoo consa¬
espirito. gradocostume. Eram seuspaeso cirurgiãoManuelMachadoFer¬
É a historiad’essatentativainfelizquenos propomoscontarem reira,da familiados Machados, lavradoresdo termode Setúbal,e
singela narrativa.Que o leitorindulgente nosperdoeas incorrecçÕesD. MariaRosaVolkmar,filhado súbditoallemão JoãoPedroVolkmar,
dequedecertopadece,attendendo aoespiritoquenoslevoua publi- antigolutheranoconvertido, que se estabelecera em Lisboa,onde
cal-atal qualha já algunsannosa temostidosepultada no fundode casárae procreáranumerosa progenie. O futuroartistafoi o quarto
obscura gaveta. dosseisfilhosdeManuelMachado, sendoasduasirmãsemcujacom¬
panhiaviveu,porquese conservou celibatário, as ultimasvergonteas
d’essaextensa prole.
II Foi seutio, o pintorJoão PedroVolkmar,segundoirmãode sua
mãe,que,apósa mortedeseuspaes,o iniciounaArte,paraa qual
■Mas comquanto sentimento conheci bem desdetenrosannossentiavocaçãoirresistível.
fundada a queixa, quemuitos tèem feito Um episodiode amoro determinou, por evitar-lheas consequên¬
dosnossos Antigos, emnáo apontarem me¬ cias,a fazera viagemdeRoma.
mórias, paravirmos noconhecimento de
muitas cousas que nossãodesconhecidas!» Atravessando o Alemtejo, demorou-se a trabalhar emEvora cerca
dequatorze ou quinzemezes, passando depoisa Sevilha,ondeprati¬
JosédaCunha Taborda —Ensaio a ideiadeimplantar esse
Piclorico, coupelaprimeiravezo Nu, eondelhenasceu
Prologo, XVII-XVIII.
estudoemLisboa.Tendopassado o invernoemSevilha,transferiu-se
a Cadiz,e alliembarcou paraGênova, seguindo paraa CidadeEterna.
ÃO bastanteanterioresa 1780asprimeiras tentativas De regressoa Lisboa,emoutubrode 1777,tratouda erecçãoda
para dotarcom o estudodo Nu o ensinodasBellas Academiado Nu, —objectoda presente narrativa,— voltandoainda
ArtesemLisboa. ao Alemtejo,onde,atéjunhode 1779,ora emEvoraora emEivas,
FranciscoVieira (Lusitano)e AndréGonçalves fo¬ tevecomqueseoccuparfartamente.
ramosprimeirosquen’esseempenho lidaram.Esteul¬ Nãotendosabidoencaminhar bema preten-
timo,n’istose mostraaindao artistaamanteda suaarte,que,para çãoquetinha,devoltara Roma,comopensio¬
a defender, o
empenhára engenho deJoséGomes daCruza escrever nistado Estado, r esolveu-se a solicitarquelhe
o Elogio daartedapintura1. fossepermittidoexecutaralgumas pinturasem
Já n’esseprimeiropasso,porém,para alargaros horisontesda Mafra,para ondepartiuem maiode 1796,e
se apparelhavam paraser paraella o que d’ondenão voltousenãoao cabode dez ou
Arte,as circumstancias
sempre depoissetêemconstantemente patenteado:—juradas inimigas onzeannos.
e florescência emPortugal.Frustradas virampara Convidadoem 1814paradirigir e executar
do seuprogresso
logoos doisartistasas suasexcéllentes intenções, porque,havendo- variaspinturasno palacioda Ajuda,n’esseser¬
casaparao effeito esco¬ viço se occupouexclusivamente por espaçode
sedivulgado no publicoa noticiade quena
tresannos.D’ahiatéá morte,succedida em12
lhida,sedeviaexpôrno estadode nudezumacreaturahumanapara
JoséSilvestreRibeiro, deabrilde1823, poucas mais obrasproduziu.
sercopiada, «opovorústico»,dizo conselheiro
— e Cyrillofoi, ainda quenãotantocomoPedro
segundo Cyrillo (maisdo querústico,diremosnós: embrutecido
Alexandrino, como quala clientella lhefezpar¬
tilhar o favor,artistafecundo,sim, masmais
1Carta apologética eanalytica, quepelaingenuidade dapintura, emquanto scienciai brandoe maiscru do que o seu confradee
escreveu com profundíssimo respeito m“ eex.">"
á»7/. sr.«D.Anna deLorena, marque\a,
Gonçalves, pintor ingênuo ulyssiponense. Lisboa, amigo.Dedicadotambémás lettras,estudioso,
cameréira-môr, etc.,a rogodeAndré a sua actividade intellectual,
naRegia Ollic.Silviana,1752, 4.0deXVI-58 pag. com estampa allegorica, dainvenção ledorinfatigável,
domesmo André Vid.Diccionario Bibliographico, vol. I V,pag. 36o, auctor, chamando-o egualmente paraessecampo,creou,
Gonçalves.
JoséGomes daCruz. a pardo artista,o erudito,sem,todavia,o sin-
Emumdosmassos depapeis deCyrilloVolkmar Machado, deque seacha deposse a
porintervenção, cremos, do gularisarnemcomopintornemcomohomem
Bibliotbeca daAcademia RealdasBellas-Artes deLisboa,
antigo estabelecimento,oprofessor dearchitectura, JosédaCosta Se¬ delettras.
secretario d'este
queira, sepóde ver,resumida emexigua folha de papel, uma e specie de projecto manu- Simples e modesto, amandoa nobreza,comoelleproprioo con¬
scripto d'estacarta,—doproprio punhodoauctor, segundo todas aspresumpções. fessaemsuaauto-biographia, Cyrilloparecenaverdadeter disposto
A serassim, Cyrilloteriaporventura entrado naposse dealguns papeis deAndré apanagio d’ella.Flebildecom¬
nascido; vaga supposição esta, detodasasqualidades quesesuppõem
Gonçalves, emcasa dequem a <Cartaapologética »teria invertidaemirremediável
outra, antiga, dedifferentes cadernos queentre pleição,a suaobraretrata-lhe emdemasia,
que aprocedência evidentemente emais É a ella,
aquelles papeis seacham, eadifferença dopunho dequem osescreveu, faria admittir. demérito, essafeiçãonaverdade apreciável do seucaracter.
Soboponto devista doestylo edalinguagem, aobra dodouto jurisconsulto, talqual felizcompensação, seficoudevendo o melhorquese
saiua lume, emnada desdiz, comeffeito, domerecimento deescripto clássico, quea porém,que,por gostodasMemórias,
que sabedospintoresdo seutempo. Cyrillotinha0
marca (C),noDiccionario deInnocencio, lheattribue, tendoemvista acircumstancia
consagrada, notom. I, áexphcaçao dassiglas que,aindamesmo quandomalinspirado,é sempreutil.Penafoi que
0infatigável bibliographo aponta napagina tido maisintelligente herdeiroe
ouabreviaturas. . ..can .0 os seusapontamentos nãotivessem
A linguagem d'esseescripto é,naverdade, excellente,elegante oesty o ,justi editor.
tudooscncomios que ãobra teceu ocensor d’ella,Diogo Barbosa Machado, porparteo maisconsciencioso
Desembargo doPaço: ,. 1HistoriadosEstabelecimentos eLitterarios
Scientifícos dePortugal, vol.II,pag.
24
«Para estabelecerosantigos detãoillustre
brazões Arte,cdosseusroessores, iz
—Colleccáo Prefacio.
salie acampo o ouor eseg. dememórias.
0douto abbade deSever, nãomenos conceituoso ecompetente, j ConegoLuizDuarte daSilva,
Villela improvisado editor dosapontamentos deCy¬
JoséGomes daCruz, armado dasuainimitável elegancia. • chamados «Colleccáo dememórias «.Veja-se o quea respeito
aqueo seuauctor, como juriscon rillo pretenciosamcnte Bibliographico,
A fórma, porém, deverdadeira harenga forense
seav^m um d’esteescreveu Innocencio Francisco daSilva,emseuDiccionario
sulto,
eabalisado, quedizem tersido,nãopoude poupar asuaapologia, éque Note-se queesta nossa narrativa éprincipalmente fundada notexto
vol.II, pag.116. manuscripto, de finalrevisão;
falta queo
tantomalcomanatureza doassumpto. . .
das d'esse livro,
queseuauctor deixãra ecarecido
Deresto, épreciso quenoslembremos dequeoconspícuo advogado damais bella d e
Maria Alcaçova nem sequer suppriu capazmente.
entreinfinidade de antigo deSanta
thesoureiro-mór
Bellas-Artes,produziu nemmenos deoitotrabalhos apologéticos,
Mcmoriaes, Discursos, Manifestos, Reparos, Cartas, Epitomes eDiálogos °°MES DE BRITO.
Erapécha dotempo; perdoar-lhe.
mister (Continua)
faz-se
io8 ARTE PORTUGUEZA

chalupa se fizera em hastilhas de encontro aos rochedos,


de que ilha está guarnecida—como cintas de um castello

a
VEQUENAS NOTAS original. almirante mandou desapertaras vélas dirigiu-

e
se directamentepara ponto em que os seus haviam des¬

o
embarcado.
Não tardou que avistasse muitos cavalleiros, desmon¬
A CAPELLA DE SANTA MARIA, NOS AÇORES tando, entrando armados numa chalupa dirigindo-se

O á
caravella, no intuito de se apossarem da pessoa delle.
capitão em pé, no seu barco, requereu de Colombo garan¬
EPOIS das horrorosas tempestadesde tias de segurançapessoal; esterespondeu affirmativamente,
fevereiro, em regresso da sua primeira interrogando-o dos motivos por que não se achavana cara¬
viagem,—aos 16 do mez— os marinhei¬ vella nenhum dos seus homens. Acrescentou, solicito, que
ros de Colombo, extenuadosde comba¬ se approximasse; seu fim era tomal-o ás mãos

e,
com

o
ter as ondas, que subiam ao ar, abrindo elle, em refens, recobrar sua gente.Mas salvo-conducto?

o
o seio aos raios—-, proximo da hora re¬ Certamente que portuguez fora primeiro violar pa¬

a
ligiosa das trindades, avistaram ao longe lavra dada, faltando aos compromissos de paz segurança

e
uma luz, porventura em terras, que na que estabelecêra.
vespera tinham distinguido. capitão estava de má fé: não quiz entrar. Mas discuti¬

O
Era Santa Maria, a primeira ilha dos Açores. ram ambos, acrimoniosamente,com más palavras para com
A 18, costearam-n’aos navios que o temporal não lográra os soberanos um do outro. Colombo partiu para S. Mi¬

E
separar. Gente de terra, que numa chalupa se apparelhou guel. — Mas, dois dias depois, de regresso Santa Maria,

a
a reconhecer os recemvindos, informou-os de que jamais pôde obter os seus companheiros, uma vez mostradas as
tão bravo desencadeamentode procella fora terror daquel- suas patentes as cartas de credito dos Reis Catholicos.

e
les oceanos.Colombo ripostou-lhes que descobriraas índias na volta dos prisioneiros, soube que havia ordem formal

E,
em serviço do Redemptor do mundo e dos senhores Reis de reteremna ilha: assim era vontade de el-rei D. João II.

o
de Castella e de Aragão, significando-lhesque, apesar das

é,
Tal muito em sombra, abreviado epitome de um dos

o
cerraçõesda tempestade,fora para elle ponto assenteachar- capítulos que liga historia dos descobrimentospeninsulares

á
se entre as ilhas, que compunham o grupo dos Açores. a curiosa ermida, que nossa estampa representa', que

é
João de Castanheda, o capitão mór da ilha, enviou para mais um exemplardo t}'po das pequenas capellas minhotas
bordo refrescos e pão; e, sem apresentar-seem visita ao asturianas,da meia-idade, com seu alpendre caracterís¬
e

o
almirante, fez communicar-lhe o testemunhode que dese¬ tico. Pelas circumstancias da sua fundação, ella mais ou


java tratal-o pessoalmente. menos havia compartilhadodessagloria; se não, ver que

e,

é
no testamentodo infanteD. Hen¬
rique, entre grupo das edifica¬

o
ções piedosas,por elle alevantadas
na Madeira nos Açores, vem ex¬

e
pressamente designada «igreja

a
de Santa Maria na ilha de Santa
2
Maria ».
Para ali, tem estadono esqueci¬
mento pitoresca ermida, apenas
a

recordada no culto estremecido,


que Ernesto do Canto, —o bene-
merito do Archivo dos Açores —
presta ás coisas do seu archipe-
lago, até que presidente dos
o

Estados Unidos se lembrou de

o a
pedir, photographada, durante
período das festas do centenário
Entre os pavores da tormenta, fora consagrado o voto do descobrimento da America.
da tripulação
ir,

em camisa,penitenciar-seno primeiro altar O capitão Chaves Mello, naturalista insigne honra da


e

de invocação de Santa Maria, que encontrasse em sitio sciencia portugueza, encarregou-se,como eminentephoto-
de paragem. almirante, sabida existência de templo
O

grapho amador, de satisfazeros desejos do primeiro magis¬


a

nessas condições, resolveu que metade da equipagem se trado da Confederação americana.Mal diría meu illustre
o

fosse ao cumprimento da promessa;


e,

pois que entre Cas¬ amigo, ao enviar-me um dos exemplares da sua primoro-
tella Portugal não houvera quebrantamentode paz, du¬
a e

sissima reproducção, que, pouco mais de um anno trans¬


a

rante sua ausência,requereuum padre que viesse bordo corrido, sob alpendre, cuja estampa elle me presenteava,
a

celebrar officios religiosos.


Entretanto, os que terra tinham descido, no momento
a

primeiraprovada nossagravurafoi, peloautordesteartigo,


1
A

em que ouviam missa, eram agarrados manietados.Os presenteadaBibliotheca


e

CivicadeGênova,decujaColombina ficou
á

insulares, com seu capitão mór frente, prenderam em fazendoparte.


o

cárcere privado os companheiros de Colombo. Talantdebienfere—1394-1894—testamento


2

doinfanteD. Hen¬
O

A demora no regresso deu rebate de suspeitasao animo rique—Copiadosmanuscriptos dabibliotheca


nacionaldeLisboa.Porto,
typographia 8.°16p.—V. p. — testamento
nacional,1894, do In¬
O
3

do Genovez; de duas, uma: ou sua gentefora victima de


.
i
a

fantefôraantespublicadona Conferencia
sobrea escola
deSagres,do
cilada, que lhe coarctára liberdade segurança, ou
a

e
a

marquezde Sousa-Holstein,no ArchivodosAçores.


a

e
ARTE PORTUGUEZA 109

baldados os esforços para penetrar no templo, havia eu de dias manuelinas,que o vandalismomunicipal immolou, nos
escrever as estrophes, que para aqui traslado, das minhas seus altares,á radiação e abertura de novas ruas espalhafa¬
notas de viagem, como um documento da impressão que tosas; e, como documentamos typos architetonicos,nella
me causou o grandioso espectáculo da natureza vulcanica representados,a sua construcçãoadianta-se,pelo menos, ao
da ilha: meado do séculoxvi; porventura se aproveitaramnella ele¬
Manhanlimpida,abertaaosol vivificante, mentosde mais antigafabrica, attentoas ordensque a com¬
Que incendeia,
acordando,a rutilapupilla:
põem.
— Umarochaescarpada ergue-se aoar.Tranquilla,
Salmeiaa vozdo Oceano,agrilhoado Formosas tradiçõesse ligam a estacuriosissimajanella:—
atlante.
uma, recentissima,a de haver pertencido aos hypotheticos
Umadoçuraestranha, umaharmoniavaga, paços reaes, em que Arnaldo Gama estabeleceuo nasci¬
Contrastesingulardo trágicomomento, mento do Infante; outra, até nós conduzida pelo testemu¬
Em queo Pico surgiu,extraordinária
adaga, nho popular, a de ter sido a cathedradonde o Leal Senado
Rompendo o flancoaomar,numímpetoviolento!
da capital do norte procedeu á acclamaçãode D. João IV,
Então,da Naturezao torvocataclismo depois dos successosdo i.° de dezembro de,1640.
Explodia,ululando,emtabidascrateras, Não é licito inquirir documentosou professar investiga¬
Comoum fulvoleão,rugindoo paroxismo, ções, para achar base a desmentimentosa quem procure
Ao pávidoclamordeum circulodeferas. approximar do infante D. Henrique e da sua epocha a ja¬
nella hoje reerguida em Avelleda. Basta attentar na traça
Que santaplacidez,agora!Solitário,
O poetaentrevê,na suaingênuacrença, da sua edificação,pondo de lado as provas justificativas da
A sombrado quefoi o Dantevisionário, não existênciade paços reaes no Porto, ao tempo do casa¬
EncontrandoBeatriz,nasruasde Florença... mento de D. João I e nos annos immediatos. Num folhetim
de curiosidadesdo sr. Joaquim de Vasconcellos, que cum¬
pre ler, para a historia da Casa do Infante, accentua-se,pela
II primeira vez, no assumpto, o seguinte trecho da Historia
seraphicados frades menoresde S. Francisco de Portugal,
UMA JANELLA MANUELINA
por fr. Manuel da Esperança, trecho escapo ao trabalho,
tão lúcido e tão suggestivo,do meu illustre amigo, sr. Conde
Do mesmo modo que, durante o Jubileo Colombino, ne¬ de Villa Franca 1:
nhuma das illustrações ad hoc avocou ás suas columnas a «Estimavamtanto este convento (S. Francisco) os reis,
vetusta capella, a Santa Maria erguida, naquella diminuta assim por casa real, como pela fama de sua religião, que,
ilha do atlantico,—assim a festa do infante D. Henrique, não tendo casas grandes no nossotempoantigo, nem apo¬
cujos últimos échos estamos sentindo, ainda, no appareci- sentoscaparesda sua soberania, nesses pobres, que acha¬
mento do livro do sr. Raimond Breazley 1, deixou de archi- vam, se recolhiammais contentesquandovinham á cidade*
var a estampade uma das lin¬ do que emoutros maiores.Fa¬
das recordações que tal cer- zemos menção sómentede el-
tamen acordava. A esbelta e rei D. João I, por ser o casa
senhoril janella dos paços em mais digno desta lembrança.
Estava determinadoque nesta
que viu a lu\ do dia o mais
duro, ambicioso e systema- mesmacidade celebrassesuas
tico dos «altos infantes da in- bodascoma rainhaD. Filippa;
e, tendo ella já vindo da ilha
clytageração»,ficou no nimbo
das citações apenas, que nem de Inglaterra, donde era natu¬
ral, aqui na nossa igreja, á
um unico visitante solicitou
sombra de S. Francisco, na¬
permissão de vêl-a, nem um
só dos nossos artistas levou o quella tarde, em que veiu de
Coimbra, o esteveesperando.
ousío a tentar o estudo dos
Passadas as suas primeiras
pormenores da sua struetura.
vistas, a rainha se recolheu
Apparece apenas estampada,
para as casasdos bispos,onde
agora, a vez primeira, na Arte
estavapousada: o reificou com
Portuguesa, com motivo desta
osfrades, e da sua companhia
noticia fugidia. Salva do ca-
se foi receber com ella, para
martellodestruidor, inevitável,
grande felicidade e gloria da
acha-se, gentilmente, assente
reino de Portugal. Por estaoc-
sobre um pequeno lago da
casião, tomaramtanto amor a
Quinta de Avelleda, subúrbios estesantoconvento,que,quan¬
de Penafiel. Para ali a tras¬
do fallavamnelle, um e outro,
ladou Manuel Pedro Guedes,
lhe chamavama minha casa
distincto cavalheiro,patrício e
do S. Francisco do Porto.»
amigo de quem estas linhas
firma, e que a nosso pedido a 1D. João1e a Allicmça
Inglesa,
fez photographar. Pertencia a peloCondedeVillaFranca— Coim¬
uma das característicasmora- bra,Imp.daUniversidade, in
1884,
8.°É doslivrosmaisinteressantes
1 Prince Henry the navigator, quenosúltimosannosvirama luz,
heroeof Portugalandmodemdis- emlinguaportugueza.
covery.London,1895.
I Io ARTE PORTUGUEZA

Aos testemunhosreunidos n’esse laborioso escrito cum¬ notáveis, —se não a mais notável,— é a celebre cru\ de
pre acrescentaro de Cândido José Freire, que, apesar de D. Sandio, que era do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,
rhetorico e emphatico, foi sempre tido por homem de ver¬ e hoje está no gabinete numismático e de antiguidades do
dade. O famoso Cândido Lusitano residiu no Porto, durante palacio da Ajuda.
largo espaço, numa epocha cem annos mais vizinha dos São também de mui velha data as duas chapas lateraes,
successos a que nos reportamos, e, escrevendodo Infante, em estylo bysantino, de um relicário de prata dourada,
nem uma palavra consagra ás habitações reaes, divulgadas feito de peças de diversas epochas e estylos, e pertencente
por Arnaldo Gama. ao riquíssimo thesouro da sé de Coimbra. Uma, representa
Não é, porém, intento nosso entrar na discussão deste S. Pedro; outra, S. Paulo. Reproduzimol-as adeante.
quesito; o que nos importa, sim, é accentuarque, houvesse
ou não houvesse no Porto um paço real, donde o Infante
sahisseou não, para as ceremoniasdo baptismo, como pre¬
tendeu o auctor da Ultima Dona de San Nicolau, nunca
a janella, de que nos vimos occupando, poderia pertencer
a esse edifício, senão como um accrescentamento,realisado
mais de dois séculos depois.
Gênova,abril,1895. Joaquimde ARAÚJO.

CÁLICES ‘BYSANTINOS
DO

MUSEU NACIONAL

ECORDO-ME de ter lido emLacroix


e Seré, que a ourivesaria é irmã da
architecturae da estatuaria.A arte do
ouro tem-nas effectivamenteacompa¬
nhado em toda a sua evolução atra¬
vés dos séculos e das civilisações.
Todas as phases de uma e de ou¬
tra, desde a eleganciaausterado clás¬
sico até á mystica florescênciado ogi-
val e ágalanteflexuosidadedo rocaille, Calixdeprata
dourada, xv,pertencente
doséculo aoMuseu
Nacional
deBellas-Artes
se encontram na ourivesaria conclu¬
dentementedocumentadas. Muitos artistas arabestrabalhavamentãoentre nós, e bem
Attente-se, por exemplo, nos cáli¬ cedo se estabeleceramem Portugal ourives extrangeiros.
ces, nas cruzes, nas pyxides, nos re¬ Mestre Jo\epe, ourives da rainha, ao qual D. Fernando
licários, nas custodias, do estylo go- passou uma carta de seguro, que se encontra registada a
thico. E a mesma linha, a mesma fl. 16 do livro 4. 0 da sua chancellaria, não era, provavel¬
decoração,o mesmo caracter,o mes¬ mente, portuguez. E de crer que também o não fosse o
mo espirito, da architectura e da es¬ ourives Salter, a quem, por carta de 21 de dezembro de
tatuaria. Algumas d’essaspeças, dir- 1412', foram aforadas umas casas em Santarém.
minusculase preciosasde cathedraes. Em Cintra, a 25 de julho de 1467,approvavaD. Aífonso V
Como exemplo, observe-se o nó, —bem singular, por si- a ordenança feita entre os ourives de Lisboa e os ourives
gnal— do formoso calix do século xv, aqui reproduzido. extrangeiros (assim da prata como do ouro), que viessem
Hoje, unicamente me occuparei dos cálices bysantinos assentarsuas tendas e usar seus officios, na cidade2.
que o nosso Museu possue. Comquanto não sejam tão no¬ Na epocha de D. João I, já havia em Lisboa uma rua da
táveis como o da sé de Coimbra, na copa do qual estão re¬ Ourivesaria. Por carta de 11 de julho de 13923, fez aquelle
presentadosos apostolos em baixo-relevo, e que tem ainda monarcha doação de umas casas, aos caimbos* de Lisboa,
o mérito de ser datado (era 1190,correspondenteao anno na rua da Ourivesaria, a Diogo Lourenço da Veiga, creado
ii 52), são, comtudo, bastante apreciáveis. do dr. João das Regras, se casassecom Ignez Eannes, filha
A ourivesaria tem sido sempre muito cultivada entre de Francisqu’Eannes, moedeiro.
nós, — por vezes distinctamente.Logo nos primeiros annos O oífício dos ourives da prata estava regulamentado em
da monarchia, apesar da agitação e das luctas da epocha, 5
146o ; e nos fins do séculoxv, os ourives de Lisboa consti¬
foi muito importante a nossa actividade n’esse ramo das tuíam confraria, sob o patronato de Santo Eloy, como se
industrias artisticas. prova pela subscripção de um códice de 1491,que faz parte
Uma das peças mais antigas, é talvez a taça 1 de um ca¬
1 D. João i, liv. 3 fl. 58
.°,

lix de prata batida, existentenas pratas velhas da sé de


1
e .° .

Torre do Tombo,liv. daExtremadura,


54 3 2

Evora; e, entre as d’essesprimeiros tempos, uma das mais fl. 262,v.°


5

D. João liv.2.0 fl. 69, liv. 11daExtremadura, 69,v.°


1,

fl.
,

1 A taça,porquea basee a hastesãoindiscutivelmente


maismo¬ Casasdecambio.
dernas.Deu noticiad’essecalix,ha annos,n’umjornalde Evora,o Vejam-seos capítulosrespectivosa esteoflicio,no liv. da

5

directorlitterariodaArtePortuguesa. Extremadura,a fl. 237.


4
3

ARTE PORTUGUEZA

Mas voltemos aos cálices bysantinos.


Na exposiçãoretrospectivade arte ornamental,com tanto
brilho effectuadaem Lisboa em 1882, figuravam seis cáli¬
ces bysantinos.Alem dos tres que hoje reproduzimos,viam-
se:—o da sé de Coimbra, a que já me referi, e que é sem
duvida o mais notável, pela profusão e delicadeza dos la¬
vores; o da Confraria das Almas de Santa Marinha da Costa
(Guimarães), calix cuja copa é inteiramentelisa, mas cuja
basetem seismedalhõescirculares,representandoem baixo-
relevo leões e folhagens, e, finalmente, 0 da sé de Braga,
attribuido ao arcebispo S. Geraldo, e que tem a copa de¬
corada com animaesphantasticos,folhas e fitas.
Descreverei agora os do Museu Nacional.
N.° 1—Prata dourada, 21 centímetrosde altura. Na ba¬
se, que é larga, apenas a cruz de Aviz. Nó espherico, re¬
vestido de filigranna e pedras. A copa é larga e lisa. Na
sua face interior, a inscripção seguinte:— In nomineDomini
+CrtUXISIfl>H0N0R60)D616TSc6 (DffilSD6flLêBfldflFAC^SeS-õ Nostri Jesu Christi hunc calicem dedit Regina Dulcia Al-
CUBACIEIN HONORE Dei ET GLORIOSE VlRGINISMaRIE, AD SER-
VIENDUM IN MAIOREALTARI.
1
da Collecção pombalina da Bibliotheca nacional , subscri- —
N.° 2 Prata dourada. Altura, 18
pção em que se declara haver esselivro (uma vida d’aquelle centímetros.Na base, unicamenteuma
santo) sido escripto por ordem dos mordomos da confra¬ cruz. O nó é dividido em oito segmen¬
ria de Santo Eloy, «dos honrados ourivesesd’esta mui no¬ tos com ornatos cinzelados. Copa lisa.
bre e leal cidade de Lisboa ». N.° 3—Prata dourada.Altura, o"',171.
Meado o século xvi, havia, em a nossa capital, quatro¬ Na base,uma cruz, cercadapor um qua-
centos e trinta ourives, — segundo uma preciosa estatistica drifolio, e a seguinteinscripção: — Calix
de 1551, o Svmmario em que brevementese contemalgvas ISTEAD HONOREM DeI ET SaNCTEMaRIE
covsas... qve ha na cidade de Lisboa, ordenado por Chris- de Alcobacia factus est. Nó dividido
tovam Rodrigues de Oliveira. em segmentos.Copa lisa.
Outra estatistica, mas essa manuscripta2, accusa a exis¬ No catalogo da exposiçãode arte or¬
tência em Lisboa, no anno seguinte, de cincoenta e tres namentalportuguezae hespanhola,rea -
tendas de ourives do ouro e quarenta e cinco de ourives lisada em 1881nas galerias do museu
da prata, as quaes empregavam, ao todo, cerca de quatro¬ de Soiith-Kensington, em Londres, fo¬
centas pessoas. ram estes dois últimos cálices attribui-
Do regimento da corporação dos ourives, copiado no «.Li¬ dos ao séculoxv, ou aosfins do xiv. Pa¬
vro dos Regimentos dos officiaes mechanicos ... de Lisboa » rece-me, porém, evidente (sobretudo-
(1572),existenteno archivo da Camara Municipal, vou tran¬ perantea comparaçãocom os datados),,
screvera parte mais interessantesob o ponto de vista artís¬ quepertencemao séculoxn, ou, quando
tico:—o programma, como hoje diriamos, do exame. muito, aos primeiros annos do xm. Fi-
Os ourives do ouro eram obrigados a fazer lippe Simões, no catalogoda nossa,ex¬
posição de arte ornamental,designa-os.
«umacinta... lavrada,e apparelhada paraesmaltar, comseumeio como do século xn.
relevoe coronetae remate;e umajoia ordenada do mesmoteor».
Occupando-sedos seis cálices bysan¬
tinos que figuravam na exposição, diz
As provas para os ourives da prata, eram as seguintes:
aquelle distincto antiquário, n’uma das
«E a pessoaquefizerum gomilcomoo queadeante estadebu¬ cartas que sobre ella escreveu ao re-
3
xado, maiorou menor,bemfeitoe acabado, poderá serexaminado dactor do Correio da Noite:
detodaa obrademartello,chã;convema saber:— baciosdecozinha «A existênciad’estes seis cálices, to¬
e decortar;e poderáusar,emsuatenda,detodaa ditaobra.
está dos dos reinados de D. Affonso Hen¬
«Ea pessoaquefizeroutrogomillavrado,comoo queadeante
debuxado, bemfeito e bemacabado, seráexaminado detodaa obra riques e de D. S ancho I, todos mais
tirandoimagens;e daditaobrapo¬
de martello,de cinzele bastiães, ou menos semelhantesuns aos outros,
deráusaremsuatenda. faz suppôr que terão sido fabricados
«E a pessoaquefizerumamaçãdecalix,como a queadeante v áe
convem a sa¬ em Portugal, n’essesprimeiros tempos
debuxada,seráexaminado de todaa obrademaçanaria,
4, thuribulos,e assimtodas da monarchia.
ber:— cruzes,cálices,porta-pazes, bagos
asoutrasmaispeçasdemaçanaria; e detodasellaspoderá poertenda. «Tornar-se-ha, porém, mais notável a supposição, se at-
«E o que fizeruma imagemlavradade cinzel,de relevo,e uma tendermos a que o mais perfeito, o da sé de Coimbra, está
chapade prata,de suaphantasia011contrafeita por outra,bemla¬ Geda Menendi\, nome wisigothico, usado no
vrada,ou bemacabada, poderáusarde todasasimagens e detodaa assignadopor
território portuguez *.»
obradecinzel.» 2
Observarei, com o sr. dr. Sousa Viterbo , que do facto
de se ler na base do calix de Coimbra — Geda Menendiz
1 E o cod.n.°746.
2 Pertenceá collecçãodemss.daBibl. nac. dearteornamental portuguesa e hes¬
Ha,porém,entre 1 A exposição retrospectiva
3 No livro não estãoreproduzidos os desenhos. — redactordo «Correioda Noite»—
os diversosparagraphos,uns espaços,que,naturalmente, lheseram panholaemLisboa Cartasao
pag.68.
destinados. 2 Artese artistasemPortugal, pag.117e 118.
4 Báculos.
I I2 ARTE PORTUGUEZA

MEFECITIN ONOREM Sei MlCHAELISE MCLXXXX—,IlSo Se deve no gosto dos velhos esmaltes de Limoges, mais frequen¬
concluir que Geda Menendiz fosse o ourives: póde ter sido tes do que se suppõe, nos antigos mosteiros e cathedraes,
antes o doador, como se vê da seguintelegenda na patena e por vezes mencionadosem documentos portuguezes dos
de um calix do século xvi, que era do mosteiro de Arouca mais vetustos, com o nome de alemoges.
e pertence hoje á Misericórdia do Porto:— Ad laudemDei Comquanto estes reparos tornem menos plausível a con¬
Milícia abatisa mefecit. jectura de Filippe Simões, é bem possível que sejam por¬
Notarei ainda que no interessante folheto Exposições de tuguezes os tres velhos cálices que hoje reproduzimos, e
arte ornamental, da collecção intitulada Estudos eborenses, que pertencem, como disse, á valiosa secção de ourivesaria
escrevendo ácerca do calix chamadode S. Geraldo, diz o do nosso esquecido, mas interessante,Museu Nacional.
nosso director litterario que não sabe se esse notável obje-
cto de arte poderá ter-se como portuguez,por ser esmaltado José PESSANHA.

^S ARTES DECORATIVAS NO FIM DO SÉCULO


EM póde dizer-se que vamos em maré bresaltados, o leopardo, o leão e o unicornio; o sentimento
de centenários, e o anno de i85i esta¬ nacional irritou-se; e um grupo de homens superiores, que
beleceu uma data que os artistas e ar¬ sustentava,annos havia, cruzada estrenueem favor da rege¬
tífices vindoiros hão de celebrar, com neração da industria ingleza pela intervenção da arte, apro¬
pompa digna dos factos que comme- veitou habilmentetão favoravel ensejo, e logrou estabelecer
mora. umas d’essasimpetuosíssimascorrentes de opinião, tão fre¬
Realisava-sen’esseanno, em Inglater¬ quentes entre aquelle povo —que sabe querer como ne¬
ra, a primeira d’essas grandes exposi¬ nhum— corrente que teve, como final resultado, o erguer-
ções internacionaes, e estava dado o se em Londres o primeiro palacio de crystal, colosso de
primeiro passo para a regeneraçãodas ferro e vidro, no qual, em i85i, a Inglaterra, abrindo exem¬
industrias artísticasno séculoxix, o qual, plo ás nações continentaes,inaugurava a sua tão memorável
revolto e terrível desde a sua entrada, exposição internacional.
tão funesto se manteve, até meados do O enthusiasmo do momento assás facilitava o impulso
seu percurso, para o progresso das ar¬ enorme, imprevisto, que os inglezes imprimiam á diffusão
tes decorativas. do ensino artistico-industrial.
Restabelecida, afinal, a paz na Europa, as nações, an- A protecção intelligente do príncipe consorte, Alberto de
ciosas, tentavam, á porfia, refazer-se dos enormes desas¬ Saxe-Coburgh, á iniciativa do grande architecto austríaco
tres que haviam soffrido, e concentravamo melhor da sua Semper, reuniam seus
esforços Ruskin, o celebre critico,
attençãoem activar o fomento da riqueza publica, mediante Gunliffe Owen, Franks, Digby Wyatt, o erudito Owen
o desenvolvimentodo progresso material. Jones — preclaro organisador dos estudos de arte orna¬
Experimentaram notável impulso as sciencias,a agricul¬ mental— e ainda outros vultos eminentes. Creou-se o mu¬
tura, as grandes industrias, a viação, o commercio: nem seu de South-Kensington, gigantescoemporio das relíquias
foi esquecida a grande arte— as artes liberaes, como por artisticas de outras eras.
então lhe chamavam. E, comtudo, ninguém sequer se lem¬ Quasi em seguida, factos de idêntica importância trans¬
brou das artes decorativas. formavam na Áustria o ensino artístico, nas suas applica-
O academismo,que imperava na arte d’aquella epocha, ções ás industrias.
encerrou-seno seu egoismo, e, envolto em seu exclusivismo Depois, foi a Allemanha que conseguiu, em poucos an¬
orgulhoso, hierático, abandonavade todo as artes menores nos, multiplicar dia a dia as suas escolas para operários e
a operários, a artífices com aptidões secundarias, e cuja vulgarisar o ensino do desenho artistico-industrial, quasi a
ignorância, cujo quasi total esquecimentodos antigos pro¬ par da Inglaterra. Pouco a pouco, as
nações menos ricas
cessos technicos —dos segredos da mão de obra— tão tentavam emular com as primeiras.
sensíveis se tornaram nas primeiras exposiçõesindustriaes, A França, porém, com singular imprevidência, e fiada,
realisadas antes do meiado deste século. Ainda mais: ca¬ ao que parece, na sua incontestável superioridade artística,
vava um abysmo entre as bellas-artes, propriamente ditas, não acompanhavao movimento.Pelo contrario, Paris, trans¬
e a arte applicada ás industrias. formada por Napoleão III em capital da arte, não soube
Exceptuava-se, por então, honrosamente,a França, que defender-seda constante espionagem dos vizinhos, que vi¬
conservavaainda assásvivas as magnificastradições da sua nham espreitar-lheos segredosde officio, desviar-lhehábeis
arte decorativa, e, graças á superioridade dos seus arte¬ artífices, e estabelecer,pouco a pouco, essa terrível concor¬
factos, sobrelevava ás outras nações, ainda as mais impor¬ rência extrangeira,que hoje, apesar da manifesta superiori¬
tantes, e a todas conseguia impor o seu gosto. dade que a França ainda mantem, lhe assoberba as artes
Figurava sempre no fim do rol a Inglaterra, cujos pro- decorativas, ameaçando também a sua influencia artística.
ductos, salvo raríssimas excepções,posto que bem fabri¬ Hoje, as mesmas nações que mais aproveitaramcom o seu
cados, eram a negaçãoda esthetica,e denunciavamaberta¬ ensino, arrastadas pela lucta dos interesses, combatem o
mente a deficiente educação artística dos povos do Reino- predominio do gosto francez.— Está na ordem do dia a
Unido. nacionalisação do gosto.
Albion tem poucos amigos, e seus cordeaes inimigos não O mais temivel dos concorrentes é a Inglaterra.
a pouparam a motejos, a ironias pungentes, que vinham —« L’art anglais, ça sent la bière/»— diziam em 1855
ferir no amago o amor proprio britannico. Acordaram, so- os maliciosos críticos parisienses.
ARTE PORTUGUEZA

A John Buli, a chalaça ficou-lhe lá dentro a roer*,não se tadores e de copistas, atrophiando-lheas faculdadesinven¬
esqueceue amolou; foi sorvendo o seu groge resmungando: tivas, incutindo-lhe involuntariamente a convicção de que
— «Ha, hal Johnny crapaud, vizinho e amigo, achasque tudo estavajá feito, de que as velhas formulas serviam para
cheira a cerveja? Pois deixa estar que, mais tarde, talvez tudo, e de que a minima tentativa de manifestaçãoorigi¬
te cheire ainda a esturro!» — nal representavaum feio attentado contra os cânones.
E, de facto, o teimoso insular, devolvidosuns trinta annos, Do fetichismopelo antigo, imperfeitamenteestudadoeste,
não só reduzira já a menos de metade a sua importação sem discernimentoe sem escolha, — mercêtambém do es¬
de artefactos francezes, como também conseguia invadir a tado por ora cahoticodos melhores museus e collecções,—
França com outro tanto em productos proprios. resultou essa constante abundancia de fôrmas incongruen¬
O cervejeiro da vespera não tinha perdido o seu tempo. tes, essa continua adopção de typos inadaptaveis ás exi¬
Factos de tamanha gravidade, e que hoje preoccupam gênciase aosusos, tão especiaes,do viver da nossa epocha;
deveras a opinião sensataem França, foram, porém, desde essa confusão de estylos que dão á casa moderna, —em
o seu começo previstos, com rara perspicácia, por um sabio, que actor e scenario estão em absoluto desaccordo,— as¬
um antiquário distincto:—o conde de Laborde. Este, que, a pecto tão extravagantee irrisorio.
datar da exposição de i855, viera observando os progres¬ Não quizera estar na pelle de qualquer archeologo do
sos das industrias extrangeiras, soltou o grito de alarme. futuro. Em presença dos artefactos de hoje, perante os
O brado echoou no animo de alguns patriotas, e em breve eternos plagiatos, que duvidas, que confusões, hão de vir

um grupo de homens de subido valor constituía o núcleo assaltar-lheso espirito! Coitados! que fabulosas heresias
da benemerita Union des Arts Dêcoratifs, d’essa aggremia- lhes não faremos dizer!
ção dedicada, que tão relevantes serviços prestou, e presta Concorreram assás a enraizar tão ruim tendencia a má
ainda, não só á França como a todo o mundo civilisado. direcção do espirito artístico, a inércia e o desdem da
Não sei quem foi que disse que o século xix era a edade maioria dos artistas pelas artes de applicação immediata e
do papel. Fosse quem fosse, acertou. Na vasta e complexa util, esse mal entendidoorgulho de classe,medianteo qual
de es¬
organisação do ensino artistico-industrial, a questão princi¬ malbaratam seus ocios em discussões mesquinhas
do aca-
pal desviou-se; e ninguém mais prestava ouvidos aos avisos colas. São, porém, vicios que ficaram do periodo
nem aos conselhos de Semper e de Owen Jones, como demismo. Os pseudo-classicos, os akadémicos,já lá vão;
a ainda
ninguémpensava também em estabelecersolidas basespara os que ficaram, porém, são, quanto preconceitos,
uma arte que fosse a expressão exacta da epocha em que tão acadêmicos como os outros: a differença, como vêem,
vivemos. N’este comenos, mettêra-se de permeio a peda¬ consiste apenas numa lettra...
gogia. . . e a questão complexa dos methodos de ensino Desconhecem os exemplos d’esses valentes e egregios
desses bons tem¬
absorvia por largo tempo as attenções. De envolta com artistas das geraçõesque os precederam;
cada artista era um artífice, mas em que tam¬
pedagogistas sinceros, que prestaram inquestionáveis ser¬ pos em que
artífice merecia o nome de artista, e le¬
viços, appareciam também, como é costume, dúzias de pe- bém mais de um
dagogueiros. .. Panella mexida por muitos!... gava á posteridade as maravilhas do seu engenho.Mal sa¬
— «O theatro —dizia a um professor, certo emprezario biam que tal indifferença lhes viria a ser fatal! Estavam
em breve, de semelhanteerro,
fallido— seria a mais humana e perfeita manifestação da bem longe de prever que
uma concorrência funesta.
litteratura. . . se não houvesse auctores, actores, publico lhes viria a resultar
e. . . mães de actrizes.»— Nem está isenta de culpas a critica. Esta, por muito
— «Tal qual a pedagogia— retorquia-lhe o magister. Que tempo, pouco pensou, também,na arte decorativa.Restrin¬
mais das vezes, ao circulo apertado da grande
admiravel sciencia, se não existissem professores, compên¬ gindo-se, as
— arte _ás subtilezas speculativas da estheticatranscenden¬
dios, alumnos. . . e seus papás!»
Rabiscaram-se léguas de papel com debates de subtile¬ tal
_ e esquecendo,a todo momento, que a funcção mais
efficaz do critico é a de interprete, a de ini¬
zas didacticas. Dos prélos que rebentaram, porém, não util e mais
do publico á intenção e ao ideal do artista cuja obra
constou. O labyrintho dos methodos... o problema do ciador
assumir outro papel: brotou em cada critico
ensino technico, cujo alcance e cujos limites ainda hoje se discute,—quiz
Esta attitude, porém, que elle prefere, que é
discutem, absorviam o melhor das attenções. Por outro um Mentor.
fraco, tem seus contras. O pedagogo desperdiça o
lado, a necessidadede improvisar mestres, de multiplicar o seu
Chegada a hora da lição, Telemaco, quando não
as escolas, e de lhes fornecer de prompto abundantesmo¬ seu latim.
.. faz bolas de sabão, ou anda aos grillos.
delos para estudo, foram tornando cada dia o ensino mais lhe respinga.
das do passado, — dos estylos anti¬ A arte, porém, é uma só; e a arte decorativa(dizia ainda
dependente tradições
ha pouco Georges Berger, um dos seus eminentes defen¬
gos. Favoreciam esta corrente a paixão pelos estudos his¬
archeologicas, o enthu- sores e distincto professor de esihetica)é a expressãomais
tóricos, o fervor das investigações
predominante que universal e mais perfeita da applicação do Bello ao Util.
siasmo pela arte de outras eras,—feição
como a escola vem Entretanto, os gigantescos esforços, os milhões entorna¬
caracterisa a nossa epocha; e eis aqui
inteira de meros imi¬ dos por toda a Europa e pela America, a fim de implantar
pouco a pouco educandouma geração
i 14 ARTE PORTUGUEZA

o ensino da arte applicada, não deram, em parte alguma, do ensino,— apoderou-seo industrialismo, por toda a parte,
todo o resultado que se. esperava. D’essa enorme concor¬ da producção artistico-industrial.
rência de estudantes, condemnados pelo falso gosto da Ora, copiar, é facil, muito mais commodo que inventar,
epocha á copia, á imitação servil, ou, quando muito, ao e os museus são accessiveis a toda a gente; a machina
plagiato ou ao pasticcio do antigo ou do exotico, é claro simplifica o trabalho; e eis como veiu invadindo os merca¬
que os mais ricos em dotes artísticos naturaes não se re¬ dos do mundo inteiro essa infinidade de objectos de falso
signam facilmente a produzir avassaladospara sempre ás luxo, e de gosto ainda mais falso, — de envolta com o bom
velhas formulas,—a viver, para com o antigo, comooutrora e verdadeiro, porque o ha, felizmente, e muito, ainda—
os mendigos e os galgos, á espreita dos restos e das miga¬ que Deus nos defenda de cahirmos no erro grosseiro, e tão
lhas da mesa do opulento solarengo. Os que têem talento, vulgar, da generalisaçãoexcessiva.
— ou que julgam tel-o,— desistem; arrasta-os a Do excessodo proprio mal, porém, parece querer surgir
ambição
para o campo mais aristocrático, —segundo as idéas, até o remedio. A reacção manifesta-se; produz-se com visivel
certo ponto, ainda correntes,— das bellas-artes,e vão, com energia. Reagem em vários pontos da Europa essas intel-
educação menos completa e especial, estabeleceraos artis¬ ligentes minorias que não se deixam embahir pelo falso
tas essa deplorável concorrência em que ha pouco fallava- gosto, e que repellem, desdenhosas,as incoherenciasver-
mos. Multiplicam-se os pintores, nos generos mais fáceis e satís, e os disparates, da moda.
accessiveis.De paizagistasbanaes,por exemplo,vaehavendo Outra resistência, mais efficaz porventura, a julgar pela
um formigueiro por esse mundo fóra, que, se vão por este sua indole, se declara também: a dos interesses lesados.
caminho, d’aqui a meio século devorar-se-hãouns aos ou¬ As nações pequenas e pobres vão tentando pôr um dique
tros. A Europa voltará aos tempos primitivos: ver-se-hain¬ á concorrência esmagadora d'essa arte cosmopolita,—que
festada por uma nova raça de cannibaes:—os maus pin¬ é a caricatura da arte. Ciosos de seus interessesmoraes e
tores. materiaes, tendem a reconcentrar-se nas suas antigas tra¬
As industrias de arte vêem-sepois reduzidas quasi que dições, e esforçam-se por imprimir aos seus productos de
apenas a esses que, por mediania de faculdades,não pode- arte o cunho nacional.Todas, aliás, se sentemassás educa¬
ram erguer o vôo: — os homens de officio. das para não admittir tutela extranhaem questõesde gosto.
Tão bem preparado o terreno; abundando por tal fôrma Coitadas! algumasaccordaramtarde. Foi o que nos succe-
os operários e artífices educados; trazidos a lume inúme¬ deu.Trabalhemos, porém, e lembremo’-nosde que o vinho,
ros processos e segredosprofissionaes,—por que tão pro¬ o azeite, o pão não podem chegar para tudo.
fícuos resultados sem duvida alguma se devem á cruzada PIN-SEL.

'nscripções portuguezas
XII cidade, sr. Manuel Henrique Pinto, de encontrar a jazida
Thomar.Igreja
deSanta dosOlivaes,dos restos do glorioso Templário. Aproveito a occasião
Maria
naparede
dasegunda
cnpella,
ádireita. para dizer, com reconhecimento,que o sr. Pinto tem sido
Leitura : o meu mais dedicado e caloroso auxiliar nesta colheita de
-Obiit frater gvaldinvs magister militum templi portu- calcos de inscripções portuguezas. Honra lhe seja, que
galie E. MCCXXXIII, iu° idvsoctobris.Hic castrvm
Tomaris cutrt multis aliis popvlanit. Requiescat in
pace. Amen.
t :0BII5. FRKGGR;(3VIL
:

V ersão:
— Morreu Frei Galdino, Mestre dos Cavalleiros do T)I PV5ÍCOTGIS (5£ R: 021
Templo em Portugal, na era de 1233, terceiro dos |UTISM:5H5I?PU;P0RTU
idos de outubro. Este castellode Thomar, com muitos
outros, povoou. Descanceempa\. Amen.

No movimento, um pouco desordenado, diga-se de pas¬


sagem, das celebrações apotheosicas, centenaes ou não,
/mSiOCTOflsiRlClCAS
que ultimamente se tem manifestado entre nós, pensaram 5Rvq?;T0MHRis;cisq?r
0?l flj5 1S; Hli IS -P OP V LAGIÜ;
alguns cavalheirosde Thomar em promover uma que attra-
hisse as attençõese a concorrênciade forasteiros á formosa

Re ppie scflDiTpflce iPõ?;


cidade do Nabão, bem digna realmentede ser mais conhe¬
cida e visitada. Tiveram, então, a feliz idéa de tomar por
I
thema o nome e a memória do valente Templário portu-
guez, Galdino Paes, tão deploravelmenteesquecido tam¬ n'isso não é a mim, mas á Historia e ao paiz, que presta
bém, e de quem pôde dizer-se que foi, alem de fundador um bello serviço.
de Thomar, um dos mais intrépidos e persistentescoope- Obtendo licença para sondar as paredes d’aquella inte¬
radores da fundação de Portugal. ressantíssima e vetusta igreja de Santa Maria do Olival ou
Sob aquellaidéa se reanimou o empenho do meu amigo dos Olivaes, que por si dava assumpto para uma soberba
e distincto director-professor da Escola Industrial daquella monographia sobre a historia da architectura nacional, o
ARTE PORTUGUEZA I 1D

sr. Pinto, com dois amigos egualmente interessadosmesta a sua iniciação de Cavalleiro do Templo nas longínquas
pesquiza, começou-a e teve a fortuna de, ás primeiras ten¬ campanhas da Syria; mas, por mais cedo que naquelles
tativas, encontrar a pedra (naturalmente um dos lados do tempos se fosse homem, é claro que andam erradas algu¬
sarcophago),em que está, nitida e graciosamentecavada a mas datas das suas doações e fundações. Apparecer-nos
inscripção de que tirou e me enviou o magnifico calco, em elle como Mestre, — tibi Magistro Gualdino, — em 1161,
poucos minutos reproduzido pelo lapis primoroso e firme isto é, aos quarenta e tres annos, na doação das casas e
de Gasanova. Como se vê, a inscripção não offerecehesi¬ herdadescultivadas e por cultivar junto de Cintra, não re¬
tações ou duvidas de leitura ou de contemporaneidade, pugna, comtudo.
esta ultima perfeitamenteflagrante, para quem conhece a Em 1169,ist0 é, aos cincoentae um, é que recebe toda
epigraphia tumular do tempo, com as suas cruzes espal¬ a terça parte que podér adquirir e povoar desde o Tejo
madas (pattées)iniciaes, com as maiusculasoscillando entre por deante, em doação «a Deus e aos cavalleiroschamados
o romano e o gothico, com o seu pautado, até com a sua do Templo de Salomão», como Procurador d elle em Por¬
redacção dos velhos obituários e livros de calendas,monas- tugal:—« vobis Fratri Galdino in Portugal rerum Templi
ticos. Lê-se ao primeiro relance. Que o til ou plica que Procuratori »,—e mais os castellos da foz do Zezere, de
ornamenta um dos XX da era, não suggira reparo. Tem Cardiga, e o deThomar, com todas as herdades—«que fi¬
o mesmo valor que os do e (era), do m (mil) ou dos cc zestese rompestes».Já anteriormente,em n 65, lhe haviam
(duzentos): isto é, nenhum tem. O Viterbo do Elucidário sido doados,—vobis magistro Gualdino, —e á Ordem, os
já advertiu esta especie de mau habito decorativo, incon¬ castellos de Idanha e de Monsanto, e antes ainda, segura¬
sciente. mente,— «aquelle castello que se chama Ceras» — e a Re-
A era é indiscutivelmentea de 1233, correspondente ao dinha. Rigorosamente, estas doações não eram mais que
anno de Christo de 1195. Sempre se lucrou, com a idéa do as confirmaçõesreaes das fundações, das conquistas e das
centenário,ficarmos definitivamentesabendo que o grande exploraçõesagrícolas,com que o activoTemplário e os seus
Templário morrêra em 1195,a i 3 de outubro. Teria então freires iam acrescentandoe consolidando, dia a dia, a pa-
setenta e sete annos, se também acertou Costa (Hist. da tria christã e portugueza.
Ord.J, quando o dá nascido em 1118.Cedo fizera Galdino LucianoCORDEIRO.

Quer sejam,porém,artefactos cerâmicos, esmaltados,ou apenas


modestobarropintado,avultasempre,emqualquerdos casos,nos
trabalhosdosnossosbarristas, o interesse artístico.
A coroplastica, encantadora,
artedeliciosa, teveepochaflorescente A coroplastica chegouaoapogeuentrenósduranteo séculoxvin.
emPortugal. A maioriadospresepes, quetantoabundavam nosconventos defrei¬
Os barristasnacionaescontampor umadasgloriasartísticas da rase aindanascasas eramd’essaepocha.O grupore¬
particulares,
patria,e a imaginariadospresepes é paranóso mesmoqueparaos presentado nagravuraqueacompanha esteartigo,e conjunctamente
gregosforamasfigurinhas deTanagra. maisalguns domesmogenerofazendotambém partedeumapequena
A exemplodo quesuccedéu comos demaispovoslatinos,conser¬ collecção existente no MuseuNacional de Bellas-Artes,têemsido,
vámossempre,maisou menosvivo,o cultoda plastica.As tradições — com maiorou menorfundamento,— attribuidosa Machadode
da antigaesculpturaapresentam aindavestígiosatravésdasnossas Castro,o esculptorcelebre,cujonomeficouligadoao monumento
epochas rudes,e revivemcomforçaaoprimeiroalentocivilisadorde erigidoá memória deel-reiD.JoséI. . . e doseugrandesecretario de
periodosmaispolidos. estado.Não foi Machadoo unico,entreos nossosestatuários distin-
É deverasextraordinárioo desenvolvimento que a coroplastica, ctos,quesedignoucultivara artemodesta do barrista:Avellar,Fer¬
— entretodasas fôrmasda estatuaria semduvidaa maispopular, — reirae maisalguns, nãodesdenharam trocar,emoccasião opportuna,
veiua adquirirentrenós. o mármore e o bronze pelobarropintado.
De nortea sul, por todo o reino,nos mosteiros, nos conventos, Nãotinham ainda os emfinsdo
esculptores, séculoxviu,esquecido
nascapellase oratoriosde ricos paçossolarengos, na modesta casa quetodaa arteé paraos artistas,que,aindamesmonasmaishumil¬
domechanico e aténa choupana humildedopobre,portodaa parte, desapplicações da arte,lhesincumbeo deverde imprimirdirecção
— o grego
emsumma, penetroua machineta coma figurinhade barro,do pre¬ ao gosto.Como séculoxix,porém,comofalso grego...
dasacademias, tãopoucoparecido, aliás,como daGrécia,—entraram
sepe. —
ou imaginários,barristas,os também as jerarchiasna artee o egoismo no atelier: architectos,
Mantiveramescolade estatuários,
opulentos e anafadosmonges deAlcobaça;e o visitante admira,ainda esculptores e pintores,envoltosno peplmnclássico,e entretidosa
hoje,nocelebremosteirocisterciense,capellasi nteiras, e
grupos, ima¬ compor-lhe a symetria das archaicaspregas,miravamdesdenhosos,
asmanifestações maismodestas e come¬
gensisoladas,queassásabonamo valordos artistas,e o bomgosto do pincarodesuagrandeza,
zinhasda arte,-^-as applicações do bello ao util; e aindahoje,que
d’aquellessybaritasao divino.
o séculoestáprestes a findar,são,infelizmente, assásrarosos Pyat,
Entreessasbellasobrasde arte,campaumdosmaisrarosdocu¬
mentos —felicíssimoanachronismo,— parao os Frampton,
precioso ou os Carrier-Belleusc.
iconographicos, deAveirotivessem fornecido
estudodanossatãopoucoinvestigada arteindumentária: O S. Se¬ Ha razõesparasuppôrqueasolarias
defigurinhas paraospresepes doreino.O sr.Mar¬
bastiãode calções,ou antes,de calçasaltas,inteiras,assásde bem ma°nocontingente
producçao, se¬ ques Gomes,umeruditoa quemsedevemtãosériosestudosácerca
corrigidas,com suasatacasde cordõese agulhetas,
gundoresaa lenda,de talentosa maspudibunda freira,ciosada de¬ dasartese industriasd’aquellaregião,cita,na excellente memória
contraos ata¬ publicada por occasiãoda exposição de arteretrospectiva,celebrada
cênciae do decoro,ou talvezsolicitaemresguardar de artistaslocaes,hábeismode-
emAveiro em 1882, variasobras
quesdo rheumatismo cruelastibiasdo santinhodesuadevoção.
ladoresquetrabalharam nasolariasda cidade,e transmittíu aosvin¬ de impecunia memória,—coubeem sorteimplantar,—unicasatis¬
dourosos nomesde doisimaginários distinctos:—Joaquim Marques façãodo amorproprio,—emcabeças francezas,umchapéuá la por-
dosSantose Bartholomeu Gaspar. tugoise.
O coroplasta, comtudo,semprequese afastava da figurinhape¬ Osadornosdo rostoe dacabeça têemsidopreoccupação constante
quenaou mediana, e emprehendia trabalhosnaescalamaisambiciosa paraos povospeninsulares. N’estesentido,o seuraroinstinctosugge-
da estatuaria,comoessesdascapellinhas da mattado Bussaco,que riu-lhessempreadmiráveis soluções a todoe qualquer p roblema es-
tãodevastadas andavam aindahapouco,masquehoje,graçasa Bor- thetico.Aindahoje,attentemos no lenço da mulherdo povo,emto¬
dalhoPinheiro,embreveveremos —
restabelecidas,ou quandoinven¬ dasas suasadaptações, no chapéudascamponezas da Maia,no da
tavaessesescribase phariseus de tãoruimcatadura, terrordospe¬ beira-mar, e, depois,volvamosum olharparaos innumeros quanto
querruchos, no BomJesusdeBraga,denunciava fatalmente, através insignificantissimos
modelos, paraessasinvenções fashionable, —ada¬
do esforçosuperiorao seualento,fraquezas de estyloe de maneira. ptaçõesirritantesdetampinhas decanastra, dealcofas,ceirasdefigo,
Em uma que outra figurinhareligiosa,a crença,a fé viva,ampa¬ tapetes paracastiçal...equeseieu?...— paratodaessaparaphernalia,
ravaásvezesa mãodo artista;asfigurações porém,esses emsumma,
históricas, que a ronhaanglo-saxonia, ou a argúciafranco-gauleza,
reis magose quejandostyposorientaes,os israelitas,etc... . era emsuadictadurado pseudo-gosto, nosimpinge,e cujo traçosaliente
cadajagodesde fugir!Trajo historico,côrlocal...—verdadeira mas¬ e commumé seremabsolutamente inadaptaveis e imprópriospara
caradasempre,no gostotheatrale bombástico da epocha.Nasinter¬ servirde adornoou.de molduraao bello rosto,á physionomia tão
pretações da fauna,aquiparanós,o coroplastaera,ás vezes,mais harmônica, das mulheresdo sul da Península!Productosdo acaso,

quearrojado: chegava .. Mr. deBuftbn,seacasose quea esgalgada
a serfantasista. coiiturièreenfeita,rindoantecipadamente, ásvezes,
lhe mettesseem cabeçaclassificar comalgumrigorumcertodrome¬ a bandeiras despregadas, da ingênuacredulidade da futuracompra¬
dário,o boi e a inseparávelmulinha,estouquea miudeteriadeco¬ dora,e que a espevitada demoiselle de magafin,se acasoumacol-
çar... naperucapolvilhada,e lhe falhariao latim.O triumpho,po¬
rém,do barropintado,o quelhe imprimelegitimovalor,é a riqueza
documental.Tanto escriptores comoartistas, semprequequeirames¬
tudara historiapittorescado povo,a final,é aquelleo livroquetêem
defolhear.
Aquellasepochasjerarchicastransmittiram-nos, comtodo o cui¬
dadoe minúcia,dadospreciosíssimos ácercadoscostumes e hábitos
sumptuariosdas corporaçõesreligiosase dos fidalgos.Do povo,
mal se occupavam, ou tratavamapenasem massa,em montão,o
grandeanonymo, semdescerem a traçosindividuaes. O barrista,po¬
rém,comoartistapopularqueera,tomoua desforra,e reservouo
seucarinho,todaa suaobservação, o melhordasuaarte,emsumma,
paraos seus,e,quantoaopovo,a esse,tratou-osemprea valer.

legamaiscommedida lhe censuraa extravagancia e o cynismo, com-


menta,declamando:
UEM attentarbemnasfigurinhas dospresepes, — «OhI c’esttoujoursasse%bonpoitrdessauvages! •>—
e n’essasestatuetas reproduzindo typospopu¬ — «Productosparaclimasquentes», — chamam, lá do outrolado
lares,— já d’esteséculo,em grandeparte,e do canaldaMancha,áquillodequeellesnãogastam.
com certezado Porto as melhores,—encon¬ —-«Paraa consumidora extrangeira,a moda— balãodeensaio», —
traráirellasaindaoutralição,cujo valornão repetemos do ladodecá...
será, decerto,menor.Terá de reconhe- E, entretanto,unse outros,quandonos veemtrazera camelote,
cer no povo o verdádeiro criticodasmodas.Observará com pelosmodosaindapor cáencontram resquícios de invenção artística,
qiie indifferença assistiaaodéslisarjnacorrente,d’essasconti- dosquaesvãotirandopartido.Não ha muitotempo,tinhamenorme
nuas invenções, filhasdo falso ideal artísticode magnifi¬ extracçãoemLondres,doispadrõesdesedase damasco: — ospor-
cênciaa tòdòtranse,e do góstóversátil,' —maisartísticoquèo de tuguese patterns.
hoje,sem-díividá,masjá pervertido,—e tratavade ir deitandoa Oravejamcomoos temposmudam! Fossemlá dizerásnobresdo¬
mão,na passagem, a quantoò naturalbom.sensoe o seuinstincto nas de algumdia,que,-secülos depois,outras,contandoumastrinta
seguroe simplistalhe indicavam comosendoexpressão exactae es¬ ou-maisgeraçõesde aristocracia, de educaçãoe.gostotransmitti-
theticadesuasiihmedíatas necessidades.- dos, estariamaguardando, anciosas,no dia primeirode cádamez,
Que fomósartistas,maisdeumavez:o affirmarám célebresaucto- á chegada dofigurino,—da bónecapadrãodeelegancia; quelá d’essa
res'extráhgeifòs, quevisitaramnossaterra;e o professorHaupt,em extranjalhe impõea heroinada calçademeia,— a femeadelocuple¬
■livroespecialréceriteníentepublicado,referindo-se ás originaesma¬ tadochatim...ou aindapèior1
nifestações de estylo,quetantoo impressionaram ao contemplar os Tristeepocha,a nossa,que,tãoufana,e a propositodetudo,falia
nossosmonumentos da epochamanuelina, declaracom insistência, depapoemarte...masque,no fundo,attingeapenasaosnobbismo da
que,comonenhumoutropovon’aquellaseras,soubemos assimilar arte;— emqueo cultodo bonito,—artisticamente considerado este,
formulase expressões de estylosdiversos,e sobretaesbasesfundar quasisemprefeissimo,—substitue0 culto do bello!Maisextranha
um estyloabsolutamente nosso,queaindaveiua exercerinfluencia contradicção ainda:— votamosa maximaindifferença á estheticade
na architectura doshespanhoes, nossosvizinhos.Se algumdiaviera nossaspessoas, entregando-a unicamente ao cuidadode interesses
serestudada commethodoa nossaartedo séculoxviii,reconhecer- mercenários. O nossogostoé o do alfaiate,e a nossaesthetica a con¬
se-haque,quandoadaptámos o rococó,o $opj\o pompadour, e, em veniênciados tearesde Leeds,— que,se fossea dosnossos,sequer
summa,todasas variantesda maneiracontorcida,aftectada e tão ao menoshaveriaa desculpaeconomica. Agoramesmo,chegando á
eivadade chinezice do séculopassado, ásnossasmelhores construc- janella,doucomos olhosn’umexemplofrisante:— elleahivae,—o
çÕesparticulares, empregando meios,aliás,bemsimples,por vezes elegante, o uptodate,— correctissimo, garrotado no collarinho,hom-
attingimos resultadosdignosdelouvor,— e, senão,queo digames¬ brosde cabide,empertigado... A mãodireitaempunha um fueiro...
sesnumerosos palacetesaindahoje espalhados por todoo reino,e Enfunadas pelovento,escandalisam a vistaumascalçasde quadra¬
que o gostotrintabotõesnãologrou,por emquanto, substituirpelo dos,—a mesmalei estheticagovernando as pernasdo taful... e o
chalet,—modelolithographado: 2 fr. 5o. forrodo seutravesseiro! E o chapéualto?
Por maisqueme digam,nostemposdeoutr’ora,asnossasclasses Temo ingleznasuahistoriatresnodoasindeleveis: —JoannadJArc,
dirigentestiveramo sentimento da arte.Reis,rainhas,fidalgose fi¬ Napoleão...e a invenção dochapéualto.Comasduasprimeiras, nosso
a
dalgaseramartistas, seumodo.Umaprincezaportugueza, la belle alliadoJohn poucose rala.Quandolh’aslançamemrosto,estende,
portugaloyse, levavaparaFlandres, —e outra,ainda,paraSaboya,— desdenhoso, impassivel,o queixomassiço, e rosnapor entreos com¬
modasnossas.E mesmona própriaFrança,foi darleis,emmatérias pridosdentesde carnívoro: — «Noçõescontinentaes! »—Mas,á ter¬
deelegancia, a viuvadeel-reiD.Manuel.AtéD. Catharina deBragan¬ ceira,faz-semaiscorado,e,porpenitencia, lá vaeinvertendo milhões
ça,—princezatãopacatae sisuda,— impunhaá côrteinglezausanças paraegualarem educação artística,—ou paraexceder,se poclér,—
de Portugal.Ao proprioprior do Crato,— pretensortão burlado,e o continental.Sentadono barril de pale-ale,nas horasvagas,o
ARTE PORTUGUEZA

nossoloiro alliadofolheiaora a suabiblia,oraum compendio


dees- Orapois:— emclimaportuguez, casaportugueza,commoveispor-
e entôa(oudesafina)
thetica, «RulcBritannia!» tuguezes,habitadaporgenteá portugueza Formosas
vestida. patrícias
minhas: — como poderde quedispondes, estáemvossasdelicadas
Mas,talvezo leitornãosaibaqueel-reiD.Manuel,deartísticame¬ mãoscontribuirparao bemestare a riquezada patria.Entram,fe¬
mória,colleccionava barretes,etc.Entregorrosecarapuças, deixouem lizmente, já hoje,emvossaeducação, elementosde arte.Tendes,em
seutestamento pertodeduzentos! «Porfôra cordasdeviolaeporden¬ geral,mestrede desenho.Sabeipois quenão bastacopiarexacta-
tropão bolorento»— é ditadomuitonosso. O senhorde Guiné,que, menteo bustode Caracalaou o Apollo,que consigaes pintarcom
sendotãocasamenteiro, nãodeviaterfaltadequemlheolhasse pelas geitoa vistado jardim... ondeprimeirovos captivoualfredol...
roupasbrancas...deixou,porém,só quatroparesde ceroulas. — O Roubaeunsinstantinhos por dia ao vossopiano,ao feio movel-pa-
cargodelavadeira do paço,nãoera,bemveem,sinecura.—Em ques¬ chyderme, emque(perdão!),paraflagellodosvizinhos,moeistanta
tõesdechapéu,o monarcha afortunado nãoseria,aoqueparece, facil fusae tantasemi-colchêa, comoem moinhode café!Folheaeum
decontentar... «Andou,dizDamiãodeGoes,muitotempopeloguarda ou outrotratadinho deartedecorativa. Apprendeide memóriameia
roupad’el-rei,sçmqueestelhe ligassemaiorimportância, umcara- duziadospreceitos geraesdo gosto,algumas dasleis principaes da
puçãopersa, t rasterico,presente n ãoseidequem...» — Sempre quero harmoniadasfôrmas,e, depois,vóse maisvossosmestresde dese¬
quemedigamqueimpressão produziriana regiae esthetica pupilla nho,constitui-vos emcommissão: desenhae asvossasmodas,e asal¬
umchapéualto?Imaginemos, porum pouco,Pedrod’Alcaçova Car¬ faiasdeusodomestico, —comvista,depreferencia, áquilloquecáse
neiroouVascodaGama,enfiandona cabeçao absurdocylindro!Pe¬ sahefabricar,— que,ondenãohouver,— nadadefossilismo! — venha
quenas causas — grandeseffeitos. J eronymos, C apellasimperfeitas, de fóra.Não sou tão caturracomopareço;bemsei que o luxo e
jornadadaíndia... eraumavez! a modasãofactores inseparáveis
doprogresso — Mas,
dasindustrias...
Um artistade talento,correspondente de umarevistaallemã,es¬ direisvós,e asresistências dosinteresses constituídos?—Ora! sabeis
creviaaindaha pouco,a respeitode umaexposição de pinturaem quemais? deixaelá chiaro intermediário, queesse,a final,conse¬
Milão,o seguinte: — «Quando,d’entreestaconfusamultidãodetoi- guesemprearranjar-se bem:— tira as ameixas da púcarae, se al¬
lettesbanaes,amaneiradas, e tresandando a jornaldemodas, sedes¬ guémse escalda...é o proximo.E d’ahi,emvezde gatopor lebre,
tacaumasenhoravestidacomverdadeira artee legitimotoquede importaria...gatoporgato,— que,emtodoo caso,sempre seriapru¬
é invariavelmente
individualidade... anglosaxona:inglezaou ameri¬ denteverificarse a pelledo gatonãoviria cheiade palha,ou esto¬
cana.Quevergonhaparaa gentelatina!»E quefamosalição,digo fadacomserradura!
eu,quebelloexemploa seguir! PIN-SEL.

A mascara
imprescindível. deelegancia quecobreascousasvulgares,
caindocoma modaou como uso,transforma-os de um modotão
prompta se impõenecessaria¬
XENÜAS PORTUGUEZAS desagradavel,que a sua substituição
mente.Nãoacontece o mesmo comos objectosa rtísticos:a suaper¬
sonalidadetorna-ossympathicos, e,mesmo quandodeixam deser-nos
e guardamos, a
comovelhosamigos quemagra¬
O grandedesenvolvimento da industriamechanica no séculoxix, uteis,os estimamos
os docesmomentos deintimaconvivência quenosderam.
espalhandoportodaaparteosseusproductos, —comoumrioquetras¬ decemos
Melhordo quea qualquer o utraindustria,se podeapplicaresta
borda,nivelandotudoá alturadassuasaguas,— pareceuporummo¬
e a bel- ordemde ideasá industriadasrendas. Finaflor do luxoe daelegan¬
mentoafogaras bellasindustriasartísticas,tantoa barateza delicada,temrecebidoido¬
caprichosa,
excellencia,
lezaapparente dos seusproductosseduziam. Só os espíritosde um cia,femininapor considerada, —tantoo seu
perseguições,massempre
delicadoresistiama essainvasão perigosa;a modafavo¬ latrias,soffrido
raffinement aosdiversosobstáculos que,
reciaas imitaçõesde todaa especieque,n’umbric-à-brac deestylos attractivolhe deu forçaspararesistir
annose séculos,seergueram no seucaminho etriumphos.
d
e epochas,vulgarisavam deumfalsoluxo, através
objectospseudo-artisticos, emdiversas c idadesd aEu¬
Volúvel,temimplantado o seuthrono
deapparencia ruidosae de ruinososeffeitos. emtodasumindestructivel rastrodegloria.
A friezad’essesobjectos,quenãotêema animal-os o pensamentoropa,deixando Malines,dis¬
a gelar o en- Veneza,Bruxellas,Alençon,Chantilly,Valenciennes,
deum artistae a mãode artíficeconsciente, começam
as maisbellaspalmas da suacorôa. Aos seusadmiradores
e o trabalho dasmachinas, mono- putaram
thusiasmo do primeiromomento, fezcommetter loucuras,consumiu milhões,e os editos
irritaou desconsola,nain apaixonados
tonoe pesadocomoassuasengrenagens, levantaram-secontraella— princezado luxo,tentadora
timidadedetodosos dias,aquellesqueprocuram nosobjectosdeseu sumptuarios
uso,alemda satisfação dequalquer necessidade, umgosointe ectua subtil.
ARTE PORTUGUEZA

Os seusbenefícios, porém,erammuitosuperiores aosmalesque Emquantooshomensaffrontam os perigosdomar,asmulheres entre-


causava. Seumaparteda sociedade faziado seuabusoumdosvaria¬ têemassaudades dosausentes, tecendona almofada a renda,comoa
dosexcessos a quea paixãodoluxoarrasta—como industriacaseira pobreamante daslagunas, aquemo noivo,aoembarcar paraa guerra,
auxiliavaosbonscostumes, e a economia domestica,nasvillase cida¬ deixara,comolembrança, a redea quese prenderaumaalga,se en¬
desem quemilharesde raparigasse entregavam socegadamente ao tretinhaimitandocomo fio os entrelaçamentos da flor dasaguasna
seufabrico. rede,— tudoo quelhe restava,talvez,dassuasesperanças queridas.
As investigações n’estesentidofeitas,indicamVenezacomoa pa- O typogeraldasnossasrendasassemelha-as, maisdo quea qual¬
tria darenda.O pontodeVeneza é a primeiraa reinarentreasrendas queroutra,á rendadePuy.Em Peniche,adquiriuestaindustriabas¬
de agulha,e umadeliciosalendaescondeentreas famíliasdepesca¬ tanteimportância, poispódedizer-sequesustenta a povoação durante
doresitalianosa origemdasrendasdebilros.O verdadeiro appareci- osterríveismezes deinverno,emque,impossível apesca, enãohavendo
mentod’estaindustrianãovaealemdo séculoxvi; e é no reinadode trabalhoemqueoshomens possam empregar-se, sãoasmulheres que,
Luiz XIV, entreas opulências da suacôrte,queellaattingeo apo¬ fazendorenda,suppremasnecessidades maisurgentes e evitama ex¬
geu,quandoLe Brundirigiao gostoartístico,quandoAlençonrivali- tremamiséria.Imitam-selá quasitodosos generos.de rendade bil¬
savacomVenezae a excedia,quandoas damase os grandessenho¬ ros, e sãod'alli as maishábeisrendeiras. Não se limitamá simples
resda epochase carregavam derendasprimorosas, e as espalhavam rendaemtiras: todosos objectos,de qualquerfórmaquesejam,a
por todosos objectosdeseuuso,numaprofusãodeentontecer. queseappliquea renda,lá sãoexecutados.
O fabricodas rendasestendeu-se por todaa Europa.A simples Constaqueumabelga,M."1*Dumont,quedirigiaemParisumama¬
enumeração depontodeVeneza, pontodeFlandres,pontodeFrança, nufacturade rendasno séculoxvm,vierafundarem Portugaluma
pontodeHespanhae pontodeInglaterra,mostrao seudominiopor outra.Parece,pelo maiordesenvolvimento queestaindustriatornou
todaa parte. emPeniche,queteriasidoparalá queellasedirigiu;mas,dasinfor¬
A rendade bilros,modestanos seuscomeços, simplesespiguilha maçõesqueobtive,nenhuma medánoticiad’estefacto.Só a investi¬
guarnecendo as roupasbrancas,ao alcance,peloseupreço,do con¬ gaçãodedocumentos d’essaepochao poderáesclarecer.
sumopopular,transformou-se maistardenasbellasguipuresdeFlan¬ QuandoasrendasdePenicheadquiriram a suamaiorperfeição, foi
dres,nassoberbas applicaçôesdeBruxellas,nasriquezas dopontode pelomeadod'esteséculo.Sendonomeado governador d’aquella praca
Hespanha, tecidocomsedae oiro. em 1836o condede Casal,a condessa, grandeamadorade rendas,
Invejandoas delicadezas da agulha,imitou-asnopontodeMilão, encommendava paraseuusomuitas,paraasquaesdavadesenhos ori-
nasValenciennes, nasMalines,nasChantillye nasBayeux,vapori- ginaes,mandando vir tambémas melhores linhas,conseguindo assim
obterrendasdegrandeperfeição, sobretudono generoMalines,com
asquaesasdePenicheseconfundiam muitasvezes.
O sr.EmygdioNavarro,aotratarda creaçãodeescolasindustriaes,
tendona devidacontaa industriadas rendasde Peniche,fundou
n’essavillaumaescola,quedevia,dandoaostrabalhos ahifeitosuma
direcçãoartística, serutilíssima.Foi nomeada directoraa sr.aD. Maria
AugustaBordalloPinheiro.Recommendavam na ao ministroa sua
elevadíssima intelligencia,especiaes conhecimentos e notávelaptidão
artística.
As rendasdePenicheapresentavam, a essetempo,umavisivelde¬
cadência. Os antigosmodelos, maisartisticamente desenhados e exe¬
cutados,iamcedendologarao trabalhomaisfacil,aosdesenhos po¬
bres,incorrectose despidosde originalidade, copiadosmuitasvezes
de rendasde tear:—os parcoslucrosqueasrendeirascolhiamnão
eramde moldea incitai-asao aperfeiçoamento. Os primeirostraba¬
lhos executados soba direcçãoda sr.a D. MariaAugustaforamhesi¬
tantes,comoé naturalseremtodosos primeirospassos;mas,com-
prehendendo embreveo grandepartidoquepodiatirar-sed’estabella
industria,começoua dirigil-aparaumcaminhoquea podialevara
umagrandeprosperidade, masquenãofoi logocomprehendido pelo
espiritorotineiroqueinfluian’ellademuitosannos.
A passagem a
dasr. D. MariaAugustapelaescolade Penicheficou,
porém,assignalada, apesardo poucotempoque a dirigiu.Fundada
em 1887,já na exposiçãode Paris de 1888as rendasexpostaspor
estaescolaobtiveram umamedalha deoiro.
D. MariaAugustaapaixonára-se pelarenda,tinhasonhadocrear
umaindustriaartistica,a suaimaginação phantasiára transformar as
rendasportuguezas, conservando-lhes o queemsi têemdeverdadeira¬
sou-senasligeirezas dasblondes, e tornou-se tãopreciosae tãobella menteoriginal,maselevando-as a umaperfeiçãosuperior,e impri¬
comoa suarival. mindo-lhes um cunhodeartee ao mesmotempodeelegancia, queas
O alvoroçoemquea revoluçãofrancezae asguerrasdosprincí¬ collocasse na categoriadasricasrendas,creandoassimsobrea an¬
piosdo séculoxix pozerama Europa,abaloupor todaa partea in¬ tigaindustriaumanova,demuitomaiorvalor.
Dotadadeumasingu¬
dustriada renda,assimcomotodasas queseoccupavam deartigos laractividade, e d’essaadmiravel
deluxo.O progresso mechanico intuiçãoartistica, queé apanagio da
prejudicou-as aindamais.A verdadeira familiaBordallo,dedicou-se de corpoe almaa estaempreza; asdiffi-
rendavae,porém,restabelecendo o seudominioentreos quesabem culdades comquetemluctadonãoa desanimaram; trabalhando inces¬
apreciar asbellascousas, e emFrança,a patriadamoda,3oo:ooomu¬ santemente nasuaobra,dedicando-lhe todososseusesforços, conseguiu
lheresoccupadas nomisterdarendaprovambemo vigorcomquealli já paraassuasrendas, quepelaprimeiravezappareceram naexposição
temrenascido estaindustria. industrial
deLisboaem1888, umamedalha deoiro,obtidanaexposição
A fabricaçãodas rendasdeVenezacaíraem completadecadên¬deAnversem1894,
cia; a sympathica rainhaMargarida, distincçãodesummaimportância, porserconce¬
deItalia,deumaintelligencia que didan’umpaizqueproduzrendasdasmaisafamadas e bellas.
egualaa suaelegancia e distincção,comprehendeu o quantoerautil Eu admirocomoella,queignoravacompletamente os segredos do
darnovavidaá industriaquetantonotabilisára e enriquecera a no¬ misterderendeira, adquiriucomtantarapidezumaaptidãoprofissio¬
bre cidadedo Adriático,e auxilioucomtodoo seuempenho a fun¬ nalquelhe permittenãosó desenhar e prepararos piquessobreque
daçãode umaescolade rendeirasna ilha deBurano,ao nortede sãoexecutadas as suasrendas,masexecutarella mesmaos pontos
Veneza,quetemdadooptimosresultados e pódesero pontodepar¬ maisdifficeis,emquehesitamasmelhores rendeiras, dirigindoassim
tidaparaumanovaepochadeprosperidade. nãosó artistica,mastechnicamente, a suaofficina.Hoje,D. MariaAu¬
Em Portugal,é antigaa industriarendeiranaspovoações maríti¬ gustaBordallo,teminstallada no pateodoMartel,proximodo atelier
mas.Por todaa extensacosta,de sul a norte,se fabricaa rendade deseuirmãoColumbano, umaofficinade rendas.
bilros;emSetúbal,Peniche,Vianna,Villa do Condee outraspovoa¬ Quando,depoisde ter
saídoda escolade Peniche,desprotegida,
ções do litoral, todasas mulheresdo povo,principalmente as da quasiperseguida officialmente(porqueé assimqueemnossaterrase
classemarítima, fazemrenda.É aindaa tradiçãodarendade bilros. premeia,as maisdasvezes,qualquernobreou
intelligente esforço)
ARTE PORTUGUEZA

voltouássuasoccupações habituaes, asidéasquesobreo aperfeiçoa¬por ella,dando-lhe


umadirecçãosuperior, de queresultouo seuen¬
mentodas rendastinha concebido,tomaram corpo,e levaram-na a grandecimento.
dedicar-se-lhe inteiramente. Começouemsuacasa,como auxiliode O lequede quehojedamosgravura,feitoparaSuaMagestade a
duaspequenas rendeiras,a crearessasbellasrendas,quejá sãoco¬ Rainhae
inspirado nogostodaepocha deD.JoãoV,quetãoassignalada
nhecidaspelo seu nome,trocouo systemada execução de pecas ficouparaa nossaartecoma opulência dosseusmonumentos, é um
inteiras,cá usado,pelamaneiraflamenga, darendaemfragmentos de delicadíssimotrabalho,em que se vencemdifficuldades comoa de
formaadequada á do objectoa queé destinada, — o quetema dupla executar emrenda,dando-lhe verdadeiro relevo,umafigura;o dese¬
vantagem de poderexecutar-se em poucotempoumapeçaimpor¬ nho dosescudosé tambémbellissimo e deumperfeitorigorde es-
tante,queconsumiriamezesemumasó mão,e depermittir,peladi¬ tylo;agraçacomqueseharmonisa todoo conjuncto,—rico, semque
visãodo trabalho,o confiarásrendeirasmaishábeise experientes as sejaexcessivamente pesado,— completa umtrabalhoque,primorosa¬
partesmaisdifficeis,e aproveitaras outrasparao trabalhodosfun¬ menteexecutado, é umafinaobradearte.
dos,sempremaisligeiroe facil. O lençoquereproduzimos, e emqueo entrelaçamento caprichoso
Os desenhos, de muitavariedade, são primorosos, e encontra-se daslinhasgothicas sobresáe n’umfundoadmiravelmente combinado,
emtodosellesumagrandeharmoniade motivose umabellezade é também rico e bello.Pertence egualmente a SuaMagestade.
concepção, quesó umverdadeiroartistapoderiadar-lhes. Temutili- Entreosúltimostrabalhos executados soba direcção dasr.aD.Ma¬
sadotodosos estylos:— as riquezasdo gothicomanuelino, tãoori¬ riaAugusta,vi um cabeção Luiz XVI e umpannode almofada, des¬
ginalmente nosso,as pesadas opulências da epochade D. JoãoV, as tinadosa SuasAltezas, quesãoumverdadeiro primordedesenho e de
delicadezasdo fimdo século passado;mas,tendocomoprimeirains- execução. O panno,tendono centroasarmasda casadeBragança,
piradoraa natureza,mestrasublimeda arte,procura,sempreque e,aoscantos,festões deflores,é deumsoberboeffeito.
póde,os seusmotivosentreosquemaiscaracter e originalidadeofte- Todososquesentirem verdadeiro interesse pelaartenacional, por
recemparaasrendas,filhasda beira-mar;e, entreos seusdesenhos, certodesejarão quea sr.“D.MariaAugustaBordalloconsigao seu
sãodecerto osmaisbellosaquelles emqueseharmonisam osproductos empenho, de tornarperdurável a industriaqueao seuintelligente e
dasaguas.As plantasmarítimas,os crustáceos e peixesde formas incansável esforçodeveo apresentar-se sobtãoformosos auspícios.
caprichosas,e os búzios,deumtãorico effeitodecorativo, produzem
sobreos fundosmovimentados, n’umbelloclaro-escuro, effeitosde MariaRIBEIRO ARTHUR.
bellezasurprehendente. Comumdesenho d’estegenero,seguindo nas
linhasgeraeso estylodaepochadeD.JoãoV,
vi umsoberbopanno,quesó porsi bastava
paraglorificaro trabalhode D. MariaAu¬
gusta.
As suasrendasíamadquirindoa devida
reputação, e SuaMagestade a Rainha,a Se¬
nhoraD. Amélia,que temsido incansável
emauxiliartodo o esforçoqueno sentido
da artesetemfeitoduranteo seureinado,
sabendo, como seu fino gosto,apreciaro
valordasrendasde D. MariaAugustaBor-
dallo,e comprehendendo o alcancequepo¬
deríavir a ter o progressod’estabellain¬
dustria,determinou auxilial-a,facilitandoa
acquisiçãode casaparaofficina,ondepo-
desseemprehender-se emmaislargaescala
o fabricodasrendas.N’estaofficinado pa-
teodo Martel,cujo simplesmaterialsãoas
almofadas e os innumerosbilros,trabalha
umaindapequeno numeroderapariguinhas
do povo(umasdoze),quealli encontram a
apprendizagem lucrativadeumofficioapro¬
priadoaoseusexo,e executam asmaisbel¬ CAPITEIS
las rendasquese têemfeito emPortugal.
Lequesdelicadíssimos, e punhos, DA
cabeções
pannos,graciosasborboletas,ricas rendas
delargurasdiversas, tenhovistoexecutadas SÉ DE LISBOA
n’aquellepequenoatelier,ondeum grupo
decabeças infantis,soba vigilância deuma
poucomaisque adolescente, —a primeira
A gravurarepresenta oscapiteis
rendeira,—inclinadassobreas almofadas,
do porticoda sé de Lisboa,á di¬
seguem comattenção o desenho dospiques,
reitade quem entra;e novecapi¬
fazendosurgiro maravilhoso tecidode en¬
teisdo claustro. O porticoda sé é
treos dedos,que movemos bilros ligeira¬
um monumento de alto valor; é
mente. umarelíquiada primeiraconstruc-
Seestaempreza encontrasse emtodosos conservada;no
ção milagrosamente
quedevemter capacidade paraa apreciar, claustroha trechosde valortam¬
favoregualao quelhe dispensa SuaMages¬ bém;penaéqueumasmodificações
tadea Rainha,seriaum beneficioenorme mesquinhas lheestejam obstruindo
paraa populaçãofemininae pobrede Lis¬ a quadradescoberta.
boa,e maisum elementode riquezapara Gregose romanosornaramos
o paiz,assimcomoé já umtitulodegloria frisos;na artechristã,asmetopes
paraa distinctasenhoraquetevea coragem do friso,lavradase historiadas de
deemprehendel-a, e temtido a energiade symbolos e figuras,desceram a en¬
a sustentar.
Á velhaindustriadarendapor- rolar-senoscapiteis.
tuguezafaltavaestaimpulsãoartística.Se Ao povodaEdade-média aspe¬
nas principaesepochasdo apparecimento drasdo templofallavam, e davam
dasrendas,a rendade bilros na Flandres motivosde pensar:noscachorros
adquiriurapidamente uma perfeiçãoexce¬ ou misulas, noscapiteis, nosarcos
pcional,foi porqueos artistasflamengos, dosporticos,haviadecorações si¬
queíamestudarpinturaá Italia,a transpor¬ gnificativas. O porticodeVillar de
taramd’alliparao seupaizeseinteressaram
I 20 ARTE PORTUGUEZA

Frades,entreBragae Barcellos,é um grandenimbohistoriado.Ha galerias:haquadrosquemalsedesfructam, e outrosquerapidamente


gargulasquerepresentam viciose peccados;capiteiscomscenasde se., vãodeteriorando. Entre os maisseriamente atacadospelahumi¬
milagres, históricas,
mysticas;figurasphantasticas do Apocalypse. dade,contam-seobras dosle Naine deRigaud;osdePrud’honlargam
Os rudescapiteisdeAlmacave(Lamego)estãoornadosdesymbo- a tintaa pedaçose nãohaesperanças depoderemsersalvos.
los dasprimeirasepochas christãs,a pomba,assereias, ospeixes.
Nos capiteisdo claustrode Cellas,nosdeS: Franciscode Guima¬ ■*
rães,nosdospreciosos templosmedievos deCoimbra,ha decorações
opulentas, scenascompletas. Tendea desenvolver-se rapidamente na Áfricameridionalo gosto
Nos capiteisdo claustrodeLisboadominaa ornamentação vege¬ pelasbellas-artes.CapeTown possueumaescoladepintura,cujafre¬
tal. Creio queás plantasmaisusadas,classicas por assimdizer,nos quênciaé numerosae queapresenta nassuasexposições trabalhos
séculosxiii e xiv,acantho,carvalho, videira,avença,rosa,rainunculo, quehonrariam qualquerestabelecimentodeensinoartísticonaEuropa.
hera,fetos,malva,trevo,morangueiro, o esculptorportuguez gostava Pintoreseducados naescola deJohannisberg t êemjá comparecido di¬
dejuntaras algas,o olho da alface,da couve,estylisando sempre, e gnamente nasexposiçõesdeParis,deLondrese deMunich.—Durban
combinando graciosamente.As vezes,nãomodificava: copiavaa natu¬ temescolasdeiniciativaparticular,queesperam obterdo governodo
rezafielmente, e existemrepresentações deinteiraverdade. Natalsubsídios
d’essas, paraenviardiscípulosdistinctos,comopensionistas,a
Oscapiteis doporticosãounsdecorados comvegetaes, eoutroscom Londrese a Paris.— Estãoem estadoprosperoas escolasde Port
figuras,—guerreiros a cavallo,entessymbolicos. Um,representado na Elisabethe dePieternaritzburgh.
gravura, retratatalvezossantosdeLisboa,Veríssimo, MaximaeJulia. Apesardosprofessores seremtodosinglezesou escossezes, é evi¬
Quandosetratadeumtemplomedieval, é precisoconhecer a ico- dentea intençãodefundarumafuturaescolaindependente, e propria¬
nographiados santosda localidade, a maneiratradicionalde os re¬ menteafricana.
presentar. ■*
E muitocaptivante o estudodosymbolismo naarchitecturachristã,
e temosno paiznumerosos exemplares queapreciar. Visto estarmostratandode quadros,não deixaráde vir a propo-
sitoumareceitaparaos limpar,cujadescoberta sedeveao professor
G. PEREIRA.
Gabl,pintorallemão,e notávelespecialista emtudoquantodiz res¬

peitoá conservação, poisa restauração estáemtal descrédito, que
o vocábuloaté já se evita escrever,—• e tratamento dos quadros
velhos:— Bem sacudidoo pó á téla com um trapoperfeitamente
secco,corta-seao meioumacebola,cujasecçãoseimpregna defari¬
nha,misturada comumpoucode salrefinado,e comellaseesfrega
devagara pintura.Por maisenresinadas queestejamas camadas de
pó e de impurezas, acabamsemprepor cederá acçãoeficazd’este
processo.

NOTICIÁRIO
A secçãode estatuaria e dereproducções moldadas sobreesculptu-
ra, do MuseuNacionalde Bellas-Artes,que occupaduassalase o
Um dos maisvenerandos monumentos da artee da archeologia atrio do edifício,foi recentemente ampliadacom algumasestatuas,
correperigode desapparecer, levadona correnteirresistível do mo¬ baixos-relevos, etc.,— moldagensde specimenscelebresexistentes
dernoutilitarismo.
Os engenheiros inglezesencarregados de elaborar emmuseusextrangeiros.
um projectoparaa construcção do vastoreservatório dasaguasdo Em breveficarátambém patenteaopublicoumaimportante instal¬
Nilo,pretendem edifical-ono terrenooccupado pelasruinasdeShilae. laçãode alfaiase tecidosdearte,queoccuparáumadassalasdo pa¬
Saírama campoosegyptologos, tendoá suafrenteJorgeEbbers. vimentosuperior,e umanovasalacontíguaao atrio,na qual,alem
Publicaramumprotesto energicoe,—expediente, aliás,maisefficaz, da collecçãogalvanoplastica e demetaes, serãoexpostos aindaoutros
e proprioa convencer esseshydraulicos iconoclastas— apresentaramobjectosartísticos.
um contra-projecto,de condiçõeseconômicas quasiidênticas,mas A direcçãotencionatambémremodelar algumassecçõesda gale¬
querespeita o preciosomonumento historico. ria de pintura,no intuitonãosó de coordenarmelhoros quadrosjá
collocados,comode introduzirnumeroconsiderável de télase pai¬
* néis,—entreestesalgunsquadrosdeartistasportuguezes, assimanti¬
goscomomodernos.
ha
Appareceram, pouco, n osEstados Unidos,doismagníficos qua¬ ■*
drosdeRembrandt, dosquaesnãohavianoticianaEuropa,assignados,
e coma data 1634.Suppõe-se representarem o Dr.VanTulp e sua Na Revuedesdeuxmondes, do i.°dejunho,o sr.G. Lafenestre pu¬
mulher.Pertenciam ágaleriadocapitalistadeBoston,FrederickAmes, blicaumartigodecriticaartística,— Les salonsdei 8g5: La peinture,
cujaviuvaresolveu offerecel-osaomuseud’aquella cidade. ondeencontrámos umareferenciaagradavel aos expositores portu¬
guezes.
■K Depoisdemencionar os pintoreshespanhoes, notandoa precipita¬
çãodealguns,o imperfeito e quebrado dasuaexecução, diz:
Albaninaé o titulode umanovatintabrancaparauso de dese¬ «Lesportugaissontplusassagis;c’estavecde 1’esprit,dela dis-
nhistas.L tãoalvae brilhante,quesupprecomvantagem e economia crétion,ungoutparisien, queMM. Salgadoet SousaPinto continuent
o brancoda China.Tem, até agora,dadoexcellentes resultadosna à sefaireunebonnerenommée, l’unparsesfidèlesportraits(S. M. la
pratica,especialmenteemdesenhos reproduzidos pelaphotographia. ReinedePortugal,M.rae VirginieDemont-Breton), 1’autrepassesétu-
Esteutil preparado deve-se á casaWinsor& Newton,deLondres. desdetypespopulaires et sesportraits.»

■* •Sfr

Na recenteexposição deinverno,realisada na AcademiaNacional O sr.S. R. Koehler,conservador


da secçãodasartesgraphicasdo
deLondres,e especialmentededicada ásartesdometal,figuravamnu¬ museude Boston,estevealgunsdiasemLisboa,e visitouemexcur¬
merososespecimens deourivesariaartísticaportuguezadoséculoxvi, sõesde estudoCoimbra,a Batalha,Evora,etc.E umentendedor se¬
havendoalgunsdeepochaanterior. rio, de sabervastoe intensonasuaespecialidade.
Visitouos Açores
antesdechegara Portugal.Em Lisboa,mereceram-lhe especialatten-
•& çãoo MuseudeBellas-Artes, collecçãodequa¬
pelasuaextraordinária
drosantigos,os quadrosda MadredeDeus(AsyloMaria Pia), e os
A imprensa periódicafrancezaclamaunanimecontraa insufficien- maisantigoslivrosportuguezes daBibliothecaNacional,as gravuras
ciado palaciodeLuxembourg, naqualidade demuseurepresentativodaVitaChristi,àoVespasiano, dasOrdenaçõesmanuelinas,assimcomo
da modernaartefranceza. Superabundam alli,accumuladosemsalas a collecçãode estampas, quecontémespecies valiosas.O sr.Koehler
quenãoforamprimitivamente destinadasá suainstallação
methodica, é auctorde trabalhosespeciaespublicadospelaSmithsonian Institu-
quadrose esculpturas.
São assásdeficientes deluz das tion.Ao sabere competência,
as condições reuneumaextremaaffabilidade.
todos os direitosde propriedade
Reservados litteraria e artística
DiRECTOR Litterario— Gabriel Pereira. DiRECTOR Artístico— E. Casanova.

Secretario da Redacção— D. José Pessanha.

Anno I Junho de 1895

Era preciso evocar os espíritos dos antigos architectos,


pintores, esculptores,para saber o que elles fariam ou te¬
‘RESTAURAR E CONSERVAR riam tenção de fazer; sem duvida uma bella aspiração,
mas positivamenteum disparate e um perigo.
Com a theoriadeViollet-le-Duc, não ha saber ou engenho
O Dictionnaire raisonné de Varchite- capazesde salvar as obras de arte do arbítrio; e o arbítrio
cture française du xi e an xvi e siècle, é n’este caso uma falsificação,uma ratoeira aos vindouros,
Viollet-le-Duc estabeleceua sua theo- e mentira aos contemporâneos.
ria sobre restauração; theoria que Camillo Boito, a meu ver, expõe bem esta importantís¬
passou á pratica, que foi admirada e sima questão de restaurar e conservar (Questioni pratiche
seguida, mas que está actualmente dê Belle Arti, Milano, 1893). O cumulo da habilidade
provocando uma corrente contraria, d estes sábios, diz elle, consiste em fazer que o novo pa¬
dia a dia mais forte. reça antigo, de modo que o antigo e o novo se confundam.
—Restaurar um edifício não é con- (Entre nós tem-se praticado outra habilidade: fazer tudo
serval-o, reparal-o, ou refazel-o; é estabelecel-o novo, fazer desappareceraté o tom antigo, tão lindo, que
n um estado completo, que é possível que nuncatenha 0 tempo dá aos mármores e cantarias.)
existido,—e foi esta theoria que o grande architecto francez Ora Boito, citando o provérbio oriental —«é vergonha
poz em pratica em algumas grandes restauraçõesque exe¬ enganar os de agora, maior vergonha enganar os vindou¬
cutou, Pierrefonds, por exemplo. ros»—-, condemnaa theoria de Viollet-le-Duc por levar fa¬
Nenhuma civilisação, nenhum povo, nos tempos idos, en¬ talmenteá falsificação, por não ser facil encontrar gemos
tendeu assim a restauração. Variava-se com o gosto da em qualquer parte, e por destruir elementos de trabalho,
epocha;quer dizer: o augmento, o concerto, a interpolação, talvez actualmentesem valor, mas a que é possível que o
destoavado primitivo, desafinava. Mas, diz-se agora, era futuro, ou uma nova sciencia, dê alto mérito. Nada de des¬
verdadeira, sincera; a própria variante lhe punha a data. truir o que está; salvar da ruina, apenas; amparar, limpar,
O espirito tende a achar a verdade, a obter o conheci¬ tirar raizes, tapar fendas, lavar com agua; e, quando fôr
mento exacto. Os estudos históricos, o empenho no desco¬ indispensável mexer ou alterar, tirar, antes da obra, pho-
brimento das origens, das fontes, das raças, dos idiomas, tographias, plantas, alçados, todas as representaçõesgra-
das producçoes artísticas, têem obrigado também á critica phicas possíveis.
dos antigos monumentos, e levado os espíritos a este de¬ Para apreciar o monumento,é preciso ser sabio e artista,
ver a importância archeologica, a apparenciapittoresca, a
sejo natural de saber como seria o original, o primitivo,
antes dos concertos, accrescimos e reparações. belleza architectonica.—«Per attenderealia conservazione
Restaurar! por consequência, diz Viollet-le-Duc, basean¬ di un monumentoabbisognanole mille cure sollecite e de-
do-se no impulso de Vitet. Conservar, salvar da tuina! licate deli’ amore infiammato o deli’ ardente carità, come
diz-se hoje; porque já se tem a experiencia do que póde ai malati 1’assistenzadi una sposa o di una suora.»
Eu comparo monumentos,quadros, etc., aos velhos per¬
fazer, do mal irreparável que póde produzir, o architecto de
sabio no edifício, o pintor habil nas telas, e nas taboaspin¬ gaminhos; não quero rasuras, emendas, interpolações
sábios astutos; quero o texto tão ingênuo e sincero como
tadas: prodígios de engenho talvez, mas que se arriscam
a antiguidade0 legou, com as suasfalhas, lacunas,estiagos,
muito a ser falsificações. Ainda é preciso notar que os es-
na manchas, e dobras. Tratar de o salvar, impedir a conti¬
tylos variam de povo para povo; dentro de Portugal,
nuação, o progresso, da ruina. E, quando for indispensável
mesma epocha, a arte tem manifestações diversas. O ai-
alCTum concerto ou arranjo, que este salte á primeira vista.
chitectoencarregadode uma restauração(diz Viollet-le-Duc) Boito:
deve conhecer exactamentenão só os estylos proprios
a Sigo a doutrina,do poeta citado pelo
a Serbareio devoai vecchimonumenti
cada periodo de arte, mas ainda os estylos pertencentes
venerando
1’aspetto e pittoresco...
cada escola. Mas isto é enorme. É impossível, diz a critica
moderna. É ridículo mesmo suppôr perguntas como esta. Far io devocosicheognundiscerna
Como faria Miguel Angelo, ou o Boutaca, ou o
Sansovino, un’operamoderna.
Esserl’aegiunta r PPRRIR A
n’estecaso?
122 ARTE PORTUGUEZA

acceite, depois das hesitaçõesdivergentesesclarecidaspela


proficiência dos debates.
SÉ VELHA DE COIMBRA A genealogiados monumentoscoevos, áquem e álem dos
Pyreneus, está superabundantementeprovada pelas suas
intimas affinidadesde escola e de homogeneidade.
ETERMINAR precisamente Em Portugal, a hypothese de que essa mesma corrente
as condições favoráveis á im¬ franco-hespanhola, estendendo-separa o sul, pruduziu a
plantaçãomaravilhosada arte serie de monumentos, de que ainda resta um grande nu¬
romanica em Portugal; as cor¬ mero, mais ou menos incompletos, mais ou menos defor¬
rentes e influencias estheticas mados por attentados successivos, em grande parte des¬
que a impulsionaram; os ele¬ protegidos e ignorados,— constitue um postulado de tão
mentosmentaese circumstan- accentuadaracionalidade histórica, que vae adquirindo fo¬
cias sociaes que concorreram ros de incontestável,antes mesmo de receber uma completa
para a sua opportuna adapta¬ e scientifica demonstração.
ção; e, finalmente,que recursos materiaes,no periodo de Quando chegar o momento d’essa indispensávelcompro¬
formação de uma nacionalidade,poderam simultaneamente vação critica, a Sé Velha produzirá um depoimento elo¬
levantartantas edificaçõescongeneres:esseé o trabalho que quente e solemne.
está por fazer a respeito da Sé Velha,—o unico verdadeira- Ella é o unico monumento românico puro, do ultimo
mente util e fructuoso, no actual momento. periodo e de grandes dimensões, que o paiz actualmente
Contra a pretensão frivola de attribuir esse desenvolvi¬ possue; e, não obstante os vandalismos e mutilações que
mento innovadorá naturaliniciativadeuma evoluçãoingenita soffreu, em estado de reposição facil na sua genuína e ma-
e espontânea,se insurgem abertamentea razão e a historia. gestosaintegridade.
Hoje, será preciso relacionar as origens d’esse admirável Pela concepção geral da planta e pela disposição dos
phenomeno com o movimento energico da architecturame¬ seus membros: nave central e duas lateraes; transeptum
dieval da França, e sentir como essa vitalidade expansiva com as tres capellasabsydaes;pilares divisórios, com meias
se propagou pelos diversos estados da península hispanica. columnas adossadas nas quatro faces; as proporções do
Sabe-se como ao abrigo das igrejas, nos grandes estabe¬ córte transversal,tendo por base fundamental o triângulo
lecimentos religiosos, se refugiaram todas as intelligencias equilátero; sob o triforhim, o systema de abobadas de
devotadas á cultura das sciencias e das artes, porque era aresta, construídas de argamassae brita, segundo a pratica
unicamente no seu seio que podiam encontrar um pouco romana; abobada principal semi-cylindrica, reforçada por
de tranquillidade e de paz, no meio d’esseespantosocahos arcos sobrepostos, de secção rectangular; todos estese ou¬
de trevas e ignorância, de guerras e crimes. tros caracteres,detalhesaté de decoração,formam um typo
Sabe-seo papelpreponderanteque a corporaçãode Cluny completo e exactoestabelecidoem Hespanha no século xn.
exerceu no aperfeiçoamentoda Europa Occidentaldurante
o século xi; como a architecturaahi floresceu; e como de¬ #
* #
pois, emancipadada tutela monachal, passando do recinto
do claustro ás mãos avidas e fortes dos architectossecula¬ O genio dos artistas, adestradopelo raciocínio e pela ex¬
res, estes se lançam em novos e desconhecidoscaminhos, periencia, solicitava-os a
innovaçõesousadas; e a Sé Velha
e, á força de tentativas persistentes, de experiencia e de oíferece exemplos significativos e interessantes d esse es¬
engenho, em pouco mais de um século attingem o conhe¬ forço progressivo.
cimento das soluções e das leis dos mais assíduos proble¬ A reciproca adaptação e evidente alliança das funcções
mas da estaticae da mechanicada construcção. ornamentaes e constructivas, que os elementosarchitecto-
Avizinhava-se a aurora de uma nova epochana aspiração nicos desempenham,é um dos titulos da sua maior belleza.
intellectual dos povos, e, com ella, a mais completae auda¬ O monumento ostenta-senuma imponente
simplicidade,
ciosa revolução que a arte tenha operado:—o advento do cheia de força e grandeza: tudo é sobrio, solido e harmô¬
estylo gothico. nico. E a par disto, que energia e delicadezade decoração,
A influencia dominantedos artistas francezessobre a ar¬ que firmeza e lucidez de plano e de
execução!
chitectura hespanhola,a conta das luctas da reconquista,é Se a culminante superioridadede um edifício depende da
hoje um facto definitivamenteaveriguado e unanimemente sciencia,habilidadee critério com que foram escolhidos,cor-
ARTE PORTUGUEZA 123

tadose assentesos materiaes,de fórma a garantira suaestabi¬ À fertilidadedas fôrmas correspondea profusão dos mo¬
lidadee duração,—na Sé Velha, essasqualidadessãoadmira¬ tivos: o alicatado,a Hora,a fauna, em combinaçõese defor¬
velmentemanifestasna verticalidadedas prumadas,mantida maçõesphantasiosas,de detalhestenuese graciosos.O cão,
atravésdemaisde seteséculos,semdeslocaçõese semabalos. o leão, o grypho, a pomba, o gallo, a serpe, o mythologico
Essa vasta mole de cantarias, n uma construcção onde o centauro,tudo seimmobilisahieraticamente,numa grandeli¬
arco predomina, com tres naves abobadadas,semi-cylindri- berdadede inspiraçãoe de sentir, dentro das normasinviolá¬
cas, atrevidamenteerguidas á mesma altura, contrafortan- veis, subordinadasás exigênciasseverasda harmonia geral.
do-semutuamente,ajudadas de simples gigantesexteriores No recolhimentode nós mesmos, no silencio e na con¬
de exigua resistência apparente, mostra que espirito sabe¬ templação d’essas arcadas hirtas e perduráveis, cerca-nos
dor e reflectido presidiu a toda a obra. uma atmospherade lenda e de mysterio; e os capiteis,
A estreitezado espaço, destinadoa um ligeiro artigo, não quasi por toda a parte collocados ao alcance da vista, não
comporta mais que simples referencias; supprimo por isso fazem mais do que completaressa impressão inexprimível
notas elucidativas, não sem pesar, porque tudo que deva de sonho e de visão!
dizer-se,que não sejam asserçõesfáceis, precisa de ser de¬ Domina-nosa lembrança de outras eras, e surgem ao es¬
duzido e validado com testemunhose provas. pirito revelaçõesimprevistas.
Os instinctos semi-barbaros,a custo reprimidos pelo ri¬
*
# # gor de penalidadessummarias;a vida do povo, accidentada
de perigos e fundos terrores,—uns reaes, pela rudeza dos
O effeito principal é serenamentedado pela perspectiva costumes, outros suggeridos ás mentes debeis pela igno¬
das grandes linhas e pela combinação e contrastesdas mo¬ rância e pela superstição! As ruas, veredas lamacentas,la¬
deradassuperfícies. No interior, apenasos capiteissão fina¬ deadas de casas infectas, habitadas por gente esqualida e
menteesculpturados. miserável!...
Dentro dos mesmos perfis e identificadosna mesma sug- E do meio de tantadesolação,como refugio benevolente,
auste¬
gestão,animados pelo mesmo sopro, o lavor de tantos ca¬ erguia-se a cathedral, grandiosa na plenitude da sua
piteis, de grandezas diversas, desde os columnellos das ja- ridade imaginosae sentimental.
nellas,arcaturase galerias, até ás grandescolumnasda nave O homem moderno, cercadode conforto e de segurança,
media, transeptum e capellas absydaes, —cuja totalidade só pelo esforço da phantasiapóde conjecturar das emoções
se eleva ao numero de trezentos e oitenta,— é de uma que o grande monumentoaccordaria na alma das popula¬
abundanciae variedade tal, que difficilmentese encontrarão ções medievicas!
dois de reproducção exacta. a. GONÇALVES.

Ji SEGUNDA RENASCENÇA
dignasda maximasympathia, pois ambasnos apresentam exemplo
UEM noslivrada eternafolhadeacantho?! resultados.
incessante das salutar,e desdejá fértilemprofícuos
«Quempõeum diquea essarepetição
velhasformulasde arte,gastase sédiçasá torçadetanto Operam,frentea frente,em Françae na vizinhaInglaterra,duas
incon¬ colligações imponentes, animadas do maisgenerosoaltruísmo, e que
abuso,adaptadas,asmaisdasvezes, comabsoluta
por¬ sustentam nobilíssima propaganda, tendente a sacudiro marasmo que
sciênciadosprincípiosqueas geraram,desviadas,^ ealibertalasdoestado, porassimdi¬
asindustriasartísticas,
tanto,do seuprimitivodestino,da sualegitimaapplicação?Donde pesasobre asvaedeixaro decimononoséculo.
de idéas,que zer cahotico, emque,infelizmente,
sopraráum alentode vida sobrea actualestagnação attinge
estádandoemresultadoumaartesemepocha,semcunhoproprio,e Andam,emnossosdias,tãoaccesososinteresses egoístas,
proporções taesa egomania, que,empresença de manifestações de
emdirectaopposiçaocomo meio?» e o respeitoimpõem-se a todos.Param
vemechoando ordemtãoelevada, a admiração
Eis o clamorque,deum extremoa outroextremo, indifferentes.
Descansae, e olhamattentos atéos proprios
portodoo mundocivilisado.—D’onde soprará,perguntaes. e tenazcontraa ro¬
Sustenta, annosha,emFrança,luctaenergica
porém,queembreveo sabereis. os excessos demercantilismo nasartes,essa
do espirito tinainveterada e contra
No deslisard’essacorrente,por ora tenuee vagarosa, desartsdécoratifs, quetema sua
innovador,quepromette,emprazomaisou menosdemorado, regene¬ já hojetão celebreUnioncenlrale
sédeemParis,e trabalha no mesmo sentido da liga ingleza dasArts
rarporcompleto asartesdecorativas, o
elevar-lhes ideale impôr-lhes
Postoambaspretendam attingiridênticos
mododesermaisracionale harmonico, veemenvoltosdoispoderosos andcrafts(artese officios). duascollectivi-
são,todavia,
resultados, assásdiversos osideaesd’estas
factoresde progresso,duascruzadasde caracterimpulsivo,ambas
ARTE PORTUGUEZA

dades,e bemdifferentes nãosóaorientação porambas adoptada, como votaremaodesprezo a herançaqueasgerações transactas nostrans-
aindaosmeiosquepõemempraticapararealisarem osseuspropositos. mittiram.
A indoleespeciala cadaumarevela-se, aliás,desdelogo,na diver¬ Estudacom solicitudea benemerita associação o logarquedeve
sidadedoslemmas querespectivamente adoptaram. ser concedidoá machinano funccionamento da modernaindustria
É maisbrilhantee apparatosaa primeira,a franceza;celebra artística, — e defacto,devidamente aproveitada, a machina, quehoje
conferencias,ruidososcongressos, mantemescolas,publicaumapri¬ representa umconcorrente temivel,poisbarateia asindustrias dearte,
morosarevistadeartedecorativa, magnificamente redigidae editada, banalisando-as, pódemuitobemsertransformada emauxiliardo ar¬
e conseguiu,comseunobreexemplo, queascidades maisindustriosas tista,empreparador do seutrabalho.
da Françafossem,poucoa pouco,fundandoassociações do mesmo Sabemos, porém,comoé lentaa marchadasidéas,e queestassó
genero.Instituiuum museu,adquirindonas exposições exemplares conseguem impôr-seás turbasquandolhes despertam sentimentos.
escolhidos,uma um,de entreas maisdistinctasproducções dosar¬ A molareal queimprimeos grandesmovimentos ás sociedades, é,
tistasmodernos dasindustrias.Contandocominnumeras adhesões e aliás,e será,provavelmente, sempre, o interesse.
recebendo umatal ou qualprotecçãodo estado,dispõeactualmente Permaneceram, pois,durantelargosannos,quasiindiflêrentes á
de avultados cabedaes. Alistaram-se nas suasfileirasalgunsvultos, propaganda da Union,o publico,e atéos propriosinteressados na
assimdassciencias e daslettras,comodasartese dasindustrias. prosperidade dasprofissões artísticas.
Por umlado,a ambiçãoimmo-
São seuspresidentes GeorgeBerger,celebreprofessordeesthetica deradadasriquezase a instabilidade das posiçõese das fortunas,
e estadista,
e o veteranoGillaume,o Nestorda artefranceza, illustre accumulando enormes capitaes emmãos,quantase quantas vezes,de
esculptor,e professorde vasta erudição.Entre os seusmembros ignorantes; poroutrolado,a espantosa virtuosidade dosartistase dos
maisactivos,contaarchitectos, pintores,estatuários, ouriveses, cera¬ artíficesfrancezes, cujavaidadese nãosubmette (nenhumabdicade
mistas,etc., taes bomgradoo desejode brilharindividualmente); a versatilidade do
como Gr éard, gosto,resultadoineluctavel dainfluencia damoda;a maniapuerildo
Trélat,Falize,Ro- antigo,assimgenuinocomoimitado,e aindaoutrascausas, lançaram
ty e outrassum- as artesdecorativas na maiscompletaindisciplina,e a Union,que
midades dasartes, durantelargosannosprégou,paraquedigamos, no deserto, só agora,
e das industrias quea Françaprincipiaa experimentar os graveseffeitosda concor¬
quetêemcomas rênciaextrangeira, começaa serattendida. Anciosa,pois,por segurar
primeirasparen¬ tão propicioensejo,poz em praticaumahabil medida—verdadeira
tescomaisoume- afirmação deprincípios: — abriuumconcursoparaa grandeexposição
•nosintimo. internacional de 1900, o programma do qualresao seguinte:
Entre os seus «Projectode um museuadaptado á installação dascolleccões de
artigosde fé, fi¬ umamadordeobjectosdeartemoderna.» E destinoutambém, desde
guraemprimeira logo,avultadaquantiaparaacquisiçãode especimens de arteappli¬
linhaa unificação cada,absolutamente modernos, originaese independentes de estylo,
das artes.Esta¬ queencontrarão logarnosescaparates do referidomuseu.
belecendocomo Osresultados doconcursoforamapenas medíocres, —nem,porora,
principio funda¬ era de esperaro contrario.O trabalhopremiadoe escolhidorevela,
mentalquea arte não ha duvida,um artistade talento.Está,comtudo,longede cor¬
é uma só, quer responder, emabsoluto, aoidealdosiniciadores da tentativa.
que desappare- E, porém,tempodelançarmos avistaparaalémdoPassodeCalais.
çam por umavez Prende-nos d’allia attenção, de modoirresistível, outrapropaganda,
as falsasdistinc- menosruidosa,semduvida,masmuitíssimomaisintensa,devidaá
ções de generos. energiainquebrantável, aoconvictofanatismo, deumunicoindivíduo.
Combateascate¬ William Morris,escossez da rija temperad’esses severospuritanos
gorias na arte. do séculoxvii,doscovenanters austerose dosintrépidosironsidesde
* k g Pretende, portan- Cromwell,quebrandiam coma destraa espada e arvoravam naoutra
i to, acabarcomos mãoa Biblia; homemdevastaerudição,poetainspiradoe artistade
-& l.|-‘M -i,». ■--—-— “—
1[‘[ .
preconceitos que talento,devendo, alemd’isso,aoscaprichosdo acasoumariquezade
predominam ain¬ nababo,pozassuaselevadas faculdades, a suavontadede ferroe os
da hoje entreos seusenormeshaveresao serviçode umaidéa:—regenerar as artes
artistas, e persua- no solo britannico, e expulsar, comoellediz,osphariseusdo templo:
« x ' / f1 t |
' ms diraestesquede¬ Tão firme convicçãoactuandoqualcontagio,Morris não tardou
vem,comseuta¬ emver-serodeadode proselytos — de homenseminentes, de artis¬
lento e superior tas de primeiraordem,comoAlmaTadema,Watts e BurneJones,
intuição,intervir os grandesidealistas; Walter Crane,LewisDay,exímiose originaes
na orientação fu¬ ornatistasetambém escriptores degrandeauctoridade; Cave,Sumner
turadasartesde¬ SelhvynImage,celebremestrevidreiro;Blomfield,LawrenceHarvey,
corativas.Empe¬ distinctosarchitectos; etc.Constituiram, entretodos,a Liga dasArts
nha-se também andCra/ts,cujosadeptos sãojá hojemaisdesetenta. Nemtodostêem
emelevar,comrelaçãoás artes,a posiçãoda mulherfranceza, apro¬ as mesmas ideias,estáclaro.Se ellessãotantos!... Masprofessam
veitando-lhe devidamente as rarasqualidades e delicadoinstinctoe todos,maisou menos,os mesmosprincípios. — É ouvil-os:— Morris
induzindo-a a seguiros exemplos., a forteiniciativa,damulheranglo- ferrenhoadeptodastheorias idealistasdograndecriticoJohn Ruskin,
saxonia,—querbritannica queramericana,— e já conseguiu queem dosausteros princípiosdairmandade pre-raphaelita , e, comotal,ad¬
França ficassesequerao menosconsignado o principiode queas versárioacérrimodaRenascença, vitupera-lhe a influencia n’estester¬
mulheres seriam,deoraávante, admittidas nasescolas dearteedearte mos:— «A renascença italianafoi paraasartesverdadeira calamidade.
applicada,emegualdade decircumstancias comoshomens. Esforça-se Esseinvadirda civilisação m edieval,christã e espiritualista, peloma¬
poracabarcomo anonymato nosmesteres artísticos, istoa fimdepôr terialismoclássicoe pelosensualismo pagão,desnorteou osespíritos,
côbroás explorações illicitasdo industrialismo, e de assentar, como perverteu o gostoe o sensoesthetico, e,finalmente, veiuestancar de
praxeestabelecida, quefigurem,emtodae qualquerobradearte,as todoa fontedasidéasoriginaes.»
assignaturasdequantosn’ellaexerceram cooperação artística— o que, Adversoao cultodo belloabstracto, vituperacontraasexuberân¬
digamol-ode passagem, nemsempreserá praticoou exequível,e ciasdecorativas da Renascença, condemna em absolutoa ornamen¬
lhe temlevantado maisdeumadifficuldade, e atéantagonismos ori¬ taçãomorphologica e verberaenergicamente a inclusão,entreos
ginados,comosedevesuppôr,naresistência dosinteresses. elementos dacomposição ornamental, dafigurahumana, semfunccão
Estabelece, já sevê,comoprincipalfundamento, queos diversos definidae semmotivojustificado.Insisteem que estasó deveser
ramosdasartesdecorativas devemfiliar-see depender daarchitectu- adduzidana qualidade de symbolo;quandorepresente uma ficcao
ra; e queé mister,comopontode partidaparaa regeneração das poéticaou qualqueridéadecaracterelevado. Intransigente paracom
artes,queos artistasvoltemde novoa inspirar-sedirectamente da o cultodaartepelaarte,esseegoismo vaidosodavirtuosidade pes¬
natureza,buscandonovasformulas,semesquecerem, comtudo,os soal,a meretricious art,—comoellesdizemdoladodeládaMancha_
princípiosfundamentaes, semabandonarem de todoas tradições, ou fulminaos excessos deluxo,a arteapenaspararicos.Querumaarte,
ARTE PORTUGUEZA I 25

ao alcanceaindadosmaishumildes,e á noçãolatinadossuppostos Crafts,abrindoo


exemplo, convidouV. Champier, o maisdistincto
direitosdo artista, oppõea affirmaçãoperemptória de que,antes escriptor dequedispunha a suaemula, a publicarumaapreciação cri¬
pelo contrario,estedevesempreobedecera razõespraticas;sub- ticadasuaexposição.
a todasas imposições da sciencia;acceitaras restriccões vidaram Nãolhequizeram ficaratrazosfrancezes, e con¬
metter-se LewisDay,celebreartistae escriptortambémdistincto,a
dahygienee do bomsenso;nãoviolar,sobpretextoalgum,o fun¬ tazera analyse dosproduetos
preceitodemanteremestreita artísticos
exhibidos pelaUnioncentrale.
damental harmonia a fórmae a funccão O criticofrancez,prestando devidahomenagem á originalidade,ao
de todoe qualquerobjecto.Archaistas,maisou menos,tantoélle cunhoabsolutamente e aoelevado
britannico ideal,quepredominavam
comoos seusadeptosvoltama inspirar-senaartedos períodospri¬ na exposição ingleza,estigmatisava,comtudo, os excessos desimplis-
mitivosda sua civilisação,constantemente preoccupados em crear mo,a austeridade um tantosystematica dos artefactos, e lembrava
fôrmaspuras,novas,de umaabsolutaverdade, mastambémdeuma que,emmatériadearte
applicada, a ethicaprimandoparatodosos
absolutaindependencia. effeitossobrea esthetica, produz,inevitavelmente, em maisde um
Impugnam a classificaçãopor estylos,applicadaao conjunctoda caso,resultados assásfeios.
producção artísticadealgunsperiodoshistóricos, queellesqualificam LewisDay,pelasuaparte,tecendoenthusiasticos elogiosá profi¬
apenas como maneiras; declarandoque,emgrandeparte,taesestylos, ciênciamaravilhosa, ásuperioridade dosartífices
indiscutível, francezes,
aunicaqualidade quenãotêem,éestylo;poislhesfaltamospredicados dizia:—«soisos primeirosentreos
primeiros,porémnãovosenten¬
maisessenciaes paracorresponderem a semelhante designação. To¬ deisunsaosoutros,não tendesidealdeterminado, nemgostofixo.
mando aopédalettrao aphorismo «oestyloé o homem» —sustentam Soisasmodistas daarte.Navossaarte,asformulas, todasdeslocadas,
que,sempre queo artistaconseguiu realisarumconjuncto harmonico e dãoemresultado queproduzisapenas umaartedeprateleira...Sois
verdadeiro,creouumaobrade estylo.É esteo unicoqueadmittem. unicamente osmestres dabugiganga paraescaparate!»
Nema W. Morris nema nenhumdosseusconsocios se pôde,de E asperae rude,a criticad’estes gaélicosascetas da arte,injusta
certo,applicaro rifão«Bemo pregafreiThomás...»Ao contrarioda paracomos artistas, aosquaesnãoé lealtomarcontasdaparteque
Unionccntrale, a colligaçãodasArtsandCraftspregadandoo exem¬ representa a tyrannica imposição do falsogosto,e queestesutopistas
plo.Comactividade surprehendente, Morrisadquiriuconhecimentosdo cardoe do tartan,no interesse da propaganda, finjamquenão
technicosnasprincipaes especialidades
dasartesuteis,e montouá sua veem...É dura,severa, semduvida,a linguagem deMorris,deHarvey,
custaofficinas,teares,manufacturas;e osoutrosforam,poucoapouco, e deLewisDay...e muitomaisrijosaindaos botesatiradosporWal-
seguindo-lhe as pisadas. terCrane,o apostolo, o prégador peripatheticodocredodasArts and
Nasexposições que celebramannualmente, os variadosproduetos Craftsaosphilisteus daarte.E certo,comtudo, emquepeseá prosapia
exhibidos sãotodosfirmadospelosmembros da associação. dagentelatina, queestanãodeveemabsoluto desprezar taesexemplos,
Harvey,compungenteironia,estigmatisa o queellechamaa edu¬ e queestádestinada a exercerumacertainfluenciana regeneração
cação pedantesca d as escolascontinentaesde architectura:— que dasartes, a novaarteanglo-saxonia. Vergonha o u nãoparanós,mais
cadaumad’ellasé viveirode pseudo-architectos, de virtuoses,de velhosnaarte,temosderoel-a!
constructores de decoração, os quaes,depoisde absorverem largos E também certoquesemelhante arte,absolutamente nacional,—bri-
annosa estofara memóriacomformulase maisformulas doscentoe tannica eprotestante naindole,e,muitomais,nasfórmulas austeras,—

tantosestylose sub-estylos conhecidos, atéestancarem detodoa fa¬ é poressefactomaissalutarpelainfluencia, do quepropriamente pe¬


culdadeinventiva, vãoaindaparao torrãoclássico fazerhypotheticas rigosa.O idealpatrióticoquea anima,pódee deveservir-nosde
reconstrucções de templos pagãos e deoutras ruinasdamesma u tili¬ exemplo.Nãoha,porém, m edodequea nossa indolelatinaa tome
dadepratica,e regressam inteiramente incapazes desesujeitarem ás paramodelo e lheacceite a expressão e osresultados.Interessam-nos,
exigênciasespeciaes daarchitectura domestica, deedificarem qualquer porém,algunsdosprincípiosqueaffirma, já sobo pontode vistain¬
casaque um sujeitodecentee recatadopossahabitar,—pois,em tellectual e moral,já peloladoeconomico. A defesadanacionalidade
vezde prédios,impingem, invariavelmente, retalhosdemonumentos l na arte,e, portanto,da producçãonacionalcontraa concorrência
Atrophiados pelaerudiçãoexcessiva, e obnoxiaquantopedantesca, fi¬ externada artede ba^ar e daartedefigurino,indicaásnaçõesme¬
cam,dizo temivelfundibulario, reduzidos a verdadeirosamanuenses da nos poderosas e abastadas o caminhoa seguir,a fim de restabele¬
arte.E, depois,tudo é queixarem-se do utilitarismodo pobrebur- ceremo verdadeiro equilibriodasuariqueza:— a defesa dosdireitos
guez,daconcorrência do engenheiro, daintrusãodomestredeobras! dasclassesproduetoras, e, portanto,o augmento d’estàs,na razãoda
— «Menosecletismo,amigose vizinhos,e maissensopratico! diminuição, ipsofacto,dasclasses parasitas.
Occupem-se menosdafórmapor quehabitavam os gregos,quepas¬ Sehacabecaemquesirvaa carapuça...é sema mínimaduvidaa
seiavamsemcamisa.. . e tratemdevercomose aninhavam nossos donossovelhoPortugal!
avóschristãos, paletotl» Portanto— guerraásimitações estultase rotineirasdevelhosmol¬
quejá usavam
comtudo, daro devido des—guerra á ridículamaniade galvanisar cadaveres, de resuscitar,
Temíveis,estesradicaesdaarte!Devemos,
dedilettantis- applicando-as fórade proposito, fórmulasquepassaram comasepo-
desconto aosseusexaggeros de sectários, e aosexcessos —
mointellectual; são,emparte, verdadeiras,chas e as idéasque lhes deramorigem e guerratambémás
e,se,nofundo,asaffirmações de
Aindano fôrmas extrangeiradas, cosmopolitas, exuberantes riquezainso¬
é certo,porém,queo fanatismo osarrastaa sereminjustos.
emesta¬ lentee de falsogosto. — Acatemoso antigo,no seudevidovalor;
presente caso,pregamtambém como exemplo. Esforçando-se
domestica, como elles respeitemos os princípios,asverdades admittidas. É dever,e actode
belecerseparação completa e ntrea architectura
lhechamam, dasArtsandCrafts,«evi¬ meragratidão. Abram-se, também, deparempar,asportasaoprogres¬
ea monumental, osarchitectos dasciencia;porém,
assimnasuaexpo¬ so á innovação, atodososbenefícios, emsumma,
tandoasléguasdepapelWhatman», apresentam, a ninguém.
par¬ troquemos-lhes as voltas.Fórmulas,não se acceitam A
siçãocomonasalheias, apenasmodelosemvultode construcções a geo¬
infinitas,
ecomo cunhonacional, natureza, devidamente estudada emsuas combinações
ticulares,
immediatamente exequíveis, praticas, decomposição inexgottaveis.
fornecem aodesenhista elementos
paraasquaesadoptam unicamente os materiaes queo paizlhespossa metria,
asnossas fórmulas;imponhamos-lhes, quantopossível,á
proporcionar.Excusadoserádizerque,a par dosedifícios,exhibem Sejamestas e tãobrilhantenacionalidade.
logoosprojectos de decoração interna,— moveis, tapeçarias etodasas nascenca, o cunho,o sêllo,danossaantiga
Conscios,porém, damediania d enossos r cessemos,
ecursos, poruma
alfaias,
rigorosamente adaptadas acadaumadassobreditas casas, des¬
o boi,e prepare¬
cendoa extremas minúcias,nasuaintençãodemanterem, aseumodo, vez de illustraro apologoda rã quetentaimitar
o logarquenoscompete no cortejodasegunda
estricta
harmonia eabsoluta affinidade entretodasasexpressões daarte. mo-nosparaassumir
Haverácousadeum anno,a colligaçãofrancezae a inglezacele¬
braram, a parumada outra,exposições emLondres.A ligaArts and
126 ARTE PORTUGUEZA

Linha,
3fios Linha,
3cordões Linha
forrada
afio Linha acordão que caractensou para a
forrada
o o o ffliiaiiaim n posteridade a nossa ge¬
nuína feição de povo de
Linhacom
fiopassado
nacoxa Gaxeta áportugueza Gaxeta
deduasfaces,
edequatro Gaxctadetresfaces navegadores.
E o estylo marítimo,
a nosso ver, o unico em
decavallo,
Rabo Rabo decavallo, docavallo,
Rabo que podemos filiar a ori¬
simples,
de3cordões embotijado, de8cordões cmgaxeta,
largo, combcordões Rabo decavallo,
embotijaio,
miúdo
ginalidade da nossa pro¬
ducção artistica, quer
nos elementos simples
da composição,quer nos
grandes traços de con¬
torno e concepção, im¬
primindo, não só ao todo
cm geral, como também
a cadaparte em especial,
um caracter apropriado
ao seu uso e objectivo.
Vamos desenvolver o
plano de uma especiede
demonstradorpratico do
que se póde fazer em es¬
tylo marítimo, começan¬
do por apresentar uma
collecção, ou i.° grupo, de 20 ornamentossimples, tirados
da antiquíssima arte do marinheiro, os quaes podem ser
NA Cl ONA L ISA CA O
applicados em linhas rectas, quebradas, curvas, mixtas ou
DA sinuosas, para a composiçãoe decoração de muitos produ¬
etos da ourivesaria, ceramica, estamparia, marcenaria, ar -
ARTE PORTUGUEZA chitectura, mobiliaria, estofaria e muitas outras artes uteis
e decorativas.
Estes 25 bellos padrões, combinados dois a dois e tres a
EMPREHENDIMENTO acima enunciado é tres, podem fornecer 2:600 lindíssimas variedades de the-
grandioso de mais para ser levado á pratica sem mas genuinamenteportuguezes e de analogiamarítima, re¬
applicar muito trabalho e tenacidade; porém, se á presentativos das nossas tradições e glorias, muitos dos
boa vontade e enthusiasmo dos que contribuem quaes já figuram e estão radicados, nos monumentos na¬
para estaRevista, juntarmosa dedicaçãoe o auxilio dos bem cionaes.
intencionados artistas e industriaes, que o paiz felizmente Como se vê, tratamos n’este artigo apenas de um pe¬
possue, poderemos tornar exequível esta grande e legitima quenogrupo de ornamentossimples, que, aindaassim, com¬
aspiração de nacionalisaro estylo e a expressãonatural da binados todos entre
si,

produzem 33.554:431 variedades;


produeçao artística portugueza. quando, porém, tivermos apresentado maior numero del-
Cada paiz diligencia imprimir ás suas obras de arte um les passarmos em revista centenaresde outros elementos
e

cunho de originalidade genuinamenteingenito ou tradicio¬ simples de ornamentaçãomarítima, tirados também da arte


nal, que as torne estimadas, e lhes augmente o valor ar- do marinheiro, obteremosmilhões milhões de variedades,
e

tistico para a permutação commercial. E um facto assás que, por assim dizer, se podem compôr multiplicar inde¬
a e

reconhecido que a imitação dos typos extrangeirosrebaixa finidamente, — que prova evidencia pujança gran¬
o

e
o valor e limita a saída dos produetos nacionaes, e que, diosidade d'este estylo,— constituindo uma serie quasi inde¬
portanto, todo o paiz industrial precisa possuir um estylo finida de ornamentos, começar nos de maior simplicidade,
a

característico, para conseguir mercado e promover a pro¬ que, combinados,se tornam pouco pouco mais intrincados,
a

cura para as suas produeçoes. até attingirem maxima complicação.


a

Actualmente, Portugal não é mais do que uma feira da São estespadrões que devem servir de modelos nas nos¬
producção artística extrangeira,e a própria producção na¬ sas escolas industriaes, fornecendo estado cada uma
o

cional, com raras excepções, é confeccionada nos moldes d’ellas uma collecção de trabalhos do marinheiro, no ge-
d aquella, imitando ou repetindo os typos e padrões de es¬ nero da que possue escola industrial v.Affonso Domin-
e a

tylo extranho,e a maior parte das vezes(o que é peior) tam¬ gues», de Xabregas, também com elles que os indus¬
é

bém phantasioso.Não nos faltam, porém, motivos tradicio- triaes artistas portuguezesdevem compôr as suas obras,
e

naes, profusamenterepresentadosnos nossos monumentos combinando-os seu gosto tendo sempre em vista plano
a

e costumes,que possam ser methodisadosde fórma que im¬ que fica esboçado que desenvolveremosem outros artigos.
e

primam á arte portugueza um cunho de originalidade ge¬ Com concurso de todos que têem verdadeiro interesse
o

nuinamente portuguez, isto é, que symbolise o caracter e pelo incremento das industrias nacionaes, haverá menos
a historia da nacionalidade portugueza na sua phase mais difficuldadeem alcançar resultadoque visamos que, esta¬
o

brilhante e util á civilisação, durante o período dos desco¬ mos certos, abrirá uma nova epocha de originalidade,activi-
brimentos marítimos, quando o engenhonacional se mani¬ dade riqueza para as artes uteis decorativasem Portugal.
e

festou e progrediu assombrosamente,em multíplices appli-


Campolide,demaiode 1895.
1

caçoes,reveladorasde um genio emprehendedore fecundo, l. a. BALDAQUE DA SILVA.


ARTE PORTUGUEZA
127

Luiz Miró, segundo, as EstreiasPoetico-Musicaes, paraSantos

e
o
Pinto.
TL A NO DE UM THE ATRO PorémGarrett,espiritomaisecleticodo que auctordaHistoria

o
dePortugal, maisaltruístadoque traduetordeVirgílio deOví¬

e
dio,repartiuquinhãoegualpelasartescongeneres dotheatro. Con¬

O
QUEO CONDEDOFARROBO PRETENDEU EDIFICAR servatório da artedramaticacomprehendia tresescolas:i.“,escola
dramatica propriamente ditaou dedeclamação; 2. escolademusica;

,a
. escolade dansa,mimicae gymnastica

,a
3
especial. Egualmente esta¬
beleceuprêmiosparaosauctores assimdepeçasdeclamadas comode
EM havidoalgunsMecenas emPortugal;nenhum, peçascantadas oulyricas.
porém,maismagnanimo, e poucosdevistastão Logoqueseencontrou com seuConservatorio installado, Garrett

o
largas,comoo inolvidável condedoFarrobo. fez um novoesforçopararealisara construcção
Se tinhaumaespecialidade do theatro;instou
—a musica—que comtodosos sociosd’aquelle institutoparaque coadjuvassem,

e
maisvivamente lhe excitavaa devoção artística, emconferencia de21deoutubrode 838ficoueleitaumacommissão,
a todososoutrosramosdaarteemgeraleraegual- presidida

i
a ,
pelocondedoFarrobo,com incumbência deformaruma
menteafleiçoado, e a todosprestava o auxilioque sociedade de accionistas. Eramvogaesd’essacommissão o proprio
a sua grandealmae cultivadaintelligencia lhe Garrett,RodrigodaFonsecaMagalhães, Castilhoe CaetanodaCosta
suggeria. Martins. rainhaD. Maria rei D. Fernandosubscreveram com

e
o
II
O caso,aliáspoucosabido,deter projectado, e quasicomeçado a io:ooo#>ooo réis;o condedoFarrobo,comi2:ooo#>ooo réis;embreve
realisar, a construcção deum theatromonumental, como0 quea pre¬ subscripção attingiua sommade o:yoo^ooo réis.

3
sentegravuramostra,theatroqueseriaconsagrado á arteportugueza Escolheu-se de novo local,recaindoagora escolhaemparte

a
constitue umaprovadequantovaliaa magnaminidade daquellever¬ dacercadoconvento deS.Francisco, ondeestava o HospíciodaTerra
dadeirofidalgo. Santa,actualmente occupado peloGovernocivil.
A historiad’esseprojectofoi umdosepisodiosqueprecederam a Proseguiam os trabalhos como maiorincremento, quando,de re¬
dotheatrodeD. Maria sonhodouradodeAlmeidaGar- pente, condedo Farrobo,por um d’aquelles
II,

edificação
o

0 rasgosquelhe eram
rett,quetantocustou tornaremrealidade. Referem-se ligeiramente peculiares, declarouquenãopodialevarávantea formaçãode uma
a

elleasMemóriasdo Conservatorio, no seuultimoartigo,emquese sociedade de accionistas, propozfazerconstruirellesó theatro,


a

o
narramtodasasperipécias dagrandeluctaquefoiprecisotravar,desde com
condição delhevenderem terrenoporbaixopreço ficaro
a

e
836até 1842, paraseconseguir que theatronormaltivesse umedi¬ edifíciosendopropriedade sua.
o
i

fícioapropriado. Não facilaveriguar hojequalfosse causaintimadetalresolu¬


é

a
Garrett,em deabrilde1834, tinhaapresentadocelebreplanode ção,porquenenhumdocumentoa deixaperceber;masnão julgo
1

reformageraldos estudos,e n’elleficáraconsignada construccão desarrazoado suppôrno condeum justo


a

dotheatropara artenacional.A política—ou inveja— não dei¬ receiode que musica,suaartepredi-


a

a
xaramdirigir execução d’esseplano, asideasque cantordeCa¬ lecta,viessea serexcluídadotheatrona¬
a

mõesligaran’umaordemlógica,harmoniosa scientifica, foramre¬ cional.Entendeu, talvez,que,ficandona


e

talhadas, apresentadas aospedaços,destruindo-se desastradamente possedoedifício,conservaria nasuamão


a

unidade systematica queasconcatenara;d’ahiresultaram asreformas os meiosdeevitaro malpensado exclu¬


e

successivassempreincompletas, queaindahojeserenovama cada sivismo.


e

momento, para cadamomento setornaremobjectodacensurapu¬ que certo, queAlmeidaGarrett


O
a

é
blica. acceitou promptamenteproposta, em¬
a

e
idéaaccessoria de um edifíciopara theatroportuguez, foi um pregoutoda suainfluencia paravencer os
A

a
o

dosretalhosfeitosno planogeral, apoderou-se d’ella,emjaneirode obstáculos, queaindaforammuitogran¬


e

iB36 (estandoGarrettausenteemBruxellas),o engenheiro Joaquim des, p araque terreno sepozesse venda.


o

á
Larcher,queeraentãogovernador civil deLisboa.Projectouformar Em princípiosde 1840, estava tudo
umacompanhia deaccionistas, paraobterosmeiosnecessários, que promptoparasedarcomeçoao trabalho já
o

governo nãopodiadispensar; escolheuo terreno, dandoa perferencia material d a edificação: terrenopostoem


aoqueexistianaAnnunciada, proximoaotheatrodaruadosCondes, praça,condições de construcção determi¬
submetteu os seusprojectos consideração do ministro,queera nadas, planoelaborado. N’isto,surgem exi¬
e

JoaquimAntoniodeAguiar.Na listadosaccionistas, figurava entre gências, cujaespecie ignoro,porparteda


osprimeiroso condedo Farrobo. procuradoria g eralda fazenda. Farrobo,


Entretanto,sobreveiua revoluçãode setembro, ManuelPassos, excessivamente melindroso, dá-seporof-
e

ministropopular,tão sinceramente dedicadoao progresso intelle- fendidó,e põedepartetodososseuspro-


o

ctual artísticodo paiz,ampliouos trabalhos encetados, incumbindo -*jectos.


e

Garrettde proporum planopara fundação organisação do thea¬ assimabortou,por ninharias, talvez


E
e
a

tro nacional. Foi entãoque grandepoetalançoumãos,comtodoo adredepromovidas, umaidéaqueficariadandoperenne testemunho


o

enthusiasmo de umafé pura, suaobramaisqueridae quemaiores dagrandeza dealmaquepossuiaaquellehomembenemerito.


á

Encetaram-se depoisnovasdiligencias, que aindaconsumiram


o

fadigas lhe custou: Conservatorio.


o

Para edifíciodo theatro,preferiu-se d’estavez localondeesta¬ melhordedoisannos,atéfinalmente sedarcomeço, em1842,á con¬


o
o

vamos restosdo antigopalaciodainquisição, napraçadeD. Pedro, strucção do actualtheatrodeD.MariaII.


foi encarregado do plano seuorçamento architecto Luiz Chiari. Que theatroprojectado p eloconde do Farroboeramuitosupe¬
0
e

o
e

porém, rioraoqueseconstruiu, facilmente sereconhecevistadoprospecto.


á

As agitações dapolítica—a malditapolítica—continuaram,


A suafachadaprincipaldesenvolvia-se amplae magestosa,suaca¬
a

entravaro proseguimento d’estaobrautilitária.


a

Naopodendosoffrermaisdelongasemobjectoque interessavapacidade erasufficiente parasatisfazer a todasas exigências de um


o

tantotambém, o condedoFarrobotomou,emmeiadode 838 em- theatro deprimeira ordem. N ãotinha, p ortanto,0 maiordefeitoque
a
i
,

prezado theatroda rua dos Condes,quetinhaentãoas honrasde senotano theatrodeD.MariaII:—a faltadeespaço. Preferiu-se para
sendo este Rocio,pelarazãodeficarembellezadasegunda praçadaca¬
a

theatronormaljuntascom proveitodeumpequeno subsidio,


o
o

departe essencial emqualquer e difício,


director celebreEmilio Doux.Foi n’essaepochaquese cantaram pital;maspoz-se condição
a
o

os fins quesedestina. No emtanto,o theatrodo


as melhoresoperascômicasdo coevoreportoriofran- que preencher
a

emportuguez
é

doFarrobo defrontaria honrosamente com deS. Carlos,e po¬


o

cez,taescomo Barcarolla Dominó Preto,deAuber,o Campo conde


e
o
a

a
disputar-lhe primazia.O theatro nacional, campeando
dosDesafios (Le Pré aux ClercsJ,de Herold,etc.'.Os doisgrandes deriamesmo italiana, seriaumdesafio permanentefaria
daopera
e

vultosdanossalitteratura moderna, Herculanoe Castilho,comquanto altivoaolado


vezesacerarumarivalidade util para causapublica,pois
a

secundassemobrade Garrett reconhecessempoderosoauxilio algumas


0
e
a

para aperfeiçoamento dasartesrivaes.


umaguerracruelcontra existên¬ quecontribuiria
o

do condedo Farrobo,levantaram
a

auctor do projecto. desenho ori¬


O

Restasaberquemteria sido
o

ciadamusicano theatroportuguez;depois,repararam emparte mal


o

assignatura tem;textoexplicativo ou documentos que


d’essa injustaguerra,escrevendo,primeiro,OsInfantes deCeuta,para ginalnenhuma
o

lhedigamrespeito, nãosesabeondeparam, se queexistem. Temos,


é

emprezadotheatro caso, a tre¬


e,

suaegide n’este
1

condedoFarrobopouco tempo conservousoba comasconjecturas,


O

denoscontentarmos
a

normal; emfinsdeiS3S,tomoudotheatro deS.Carlos,onde pôdedesafogadamenteos¬ portanto,


vo-mea propor seguinte, quejulgonãosermalfundada:o archite-
a

tentarsuamagnificência bomgosto.
a

e
12S ARTE PORTUGUEZA

ctoqueplaneoue dirigiua erecçãodotheatrodeD. Maria Fortu- cada.Eis comoum jornal da epochaencetauma circumstanciada

II,
natoLodi, eraparentedo condedo Farrobo tinhacomelleintimas noticiadofacto:

e
relações;foi o reconstructor
do theatrodasLaranjeiras,emcujoses¬ «Apesarde sero nossojornalexclusivamente dedicadoa objectos
pectáculos tomavaparte,cantando noscoros.Não poisnaturalque de theatro,parece-nos conveniente darnoticiaao publicodosesfor¬

é
condeconfiassea outroum trabalhoqueerade suaunicainicia¬ ços queseempregam paradotarestacapitalcomumestabelecimento

o
tiva.Demais,umacertaanalogiase notaentre projectodo conde grandioso, ondeos distinctosdiscípulosde Euterpepossamentre¬

o
doFarrobo theatrodoRocio.Em ambospredominao classicismo gar-secom maiorcommodidade aosseusbrilhantes

e
o
exercíciosphi-

e a
italiano,cujaslinhassymetricas serviramparapautar palacioda larmonicos, ondeos chefesdefamiliadeparem comumpassatempo

o
Ajuda, basílicadeMafra, igrejadaEstrella,etc.Creio,pois,que variadoe emtudodignodacapital.
a

o
auctordo planoabortado nãofoi outrosenãoFortunatoLodi,italiano «Umaillustrepersonagem, bemconhecida peloseuamorásbellas
deorigem,sebemquenascidoemPortugal,filhodocelebreempreza- artes, pelaprotecção quetemliberalisado muitasemprezas uteis,

a
rio de S. Carlos,FranciscoAntonioLodi, cunhadodo condedo resolveucooperarpara reuniãodasduas philarmonicas

a
associações
Farrobo. deLisboa, para construcção deumvastoedificiocomaspropor¬

a
# çõesnecessáriasparao decente entretenimento dossociosnasnoites
# # ordinárias, com capacidade própriaparagrandes bailes concertos

e
magestosos,nasoccasióes de solemnidade...» (O EccodosTheatros,
Algunsannosdepois, condedoFarrobotentouaindaoutroem- 17dedezembro de 1845.)
o
prehendimento grandioso, nãomenosutil do que construcção do Reuniram-seasassembléas dasduassociedades,
e
applaudiramidea,

a
theatronacional:—foia construcção deumedificioapropriado para nomearam cadaumasetemembros, que,reunidos,deviamconstituir

e
umaacademia deamadores demusica,edificioqueinfelizmente
ainda umacommissão incumbidadeestudarosmeiosderealisaro projecto.
hojenãoexiste.Narremos succintamentefacto,quejulgosertam¬ Por partedeambasas sociedades, foi o condedo Farroboescolhido
o
bémpoucosabido. parapresidented’essacommissão. Surgiram, porém,logomil embara¬
SociedadePhilarmonica,creadaem1822 porDomingos Bomtem- ços,quecomeçaramentravar
A

o bomandamento do negocio.Muitos

a
po, imitaçãoda celebrePliilarmonicSocietyde Londres,produziu, d’esses nãodeixariam— — deserpro¬
á

embaraços comosempre succede


depoisdaguerracivil,duasfilhas,rivaes: Assembléa Philarmonicae movidospor vaidadesnão satisfeitas, melindresferidos, também
a

e
Academia Philarmonica.
Estasduasirmãsguerreavam-se encarnica- invejasmaldisfarçadas. fermentod’estaspaixõesfoi cobertocom
a

O
damente, comofazemhoje as philarmonicas de aldeia,nãoobstante umaquestão benifutil tituloque novasociedade
ostensiva, devia

a
:
muitossociospertencerem egualmente ambase por ambasegual- ter.Queriamos sociosdaAssembléa queestenomecontinuasse vi¬
a

a
menteseinteressarem.condedoFarrobo,quefôraactivomembro gorar;pretendiam
O

osdaAcademia queprevalecesseseutitulo. cabo

A
o
dasociedade deBomtempo, exerciagrandeinfluencianasduassocie¬ demuitasdiscussõesintrigas,o condecansou-se —ou ennojou-se —

e
dades,e tentou,em1845, congraçal-as,reunindo-as
n’umasó.Como abandonando maisumavezos seusgenerosos intuitos.
testemunho da alliança—arcade novaespecie—propozfazercon¬
struirumedificioadequado, queficariapertencendosociedade unifi¬ Ernesto VIEIRA.
á

FAIE NÇAS ‘PORTUGUEZAS mais completa do que seria, se acaso tivera por base uni¬
camenteos trabalhos, aliás muito valiosos interessantes,

e
de José Accursio das Neves.
Eis as condições mediante as quaes foi permittido, em
ÜX.OTAS 1769, Paulo Pauletti estabelecerem Portugal uma fa¬
a

o
brica de faienças:

'«IS seu instructivo artigo sobre faienças


^

«i. Queelle,fabricante,
a

seobriga fazerlouçafina,chamada vul¬


Blpf a
nacionaes,publicado em n.°4 desta Revista,
o

garmente faiança,da maisperfeita,excedendo quevemdefórado


1

a
allude meu espirituoso amigo que se occulta reino, vendel-apara mesmoreino suasconquistas,
o

emarma¬
e
a

sob pseudonymo de Pin-Sel, um P maius- zémpublico,comsortimentos, e


por preçosaccommodados;
o

culo, linha dupla, que apparece marcando algumas «2."Que seobrigaa fabricar ditalouçacomofficiaesd’estama¬
a
*J I 1

nufactura,portuguezes; queassimestescomoos apprendizes se¬


e e

peças de faiença, muito semelhantes uma, não mar-


a

rão nacionaes do reino; sómentepoderáadmittirna fabricaseus


cada, nesse artigo descripta. irmãos,—tambémprofessores
c

da mesmaarte,—no casoque elles


A leitura do trabalho de Pin-Sel recordou-me que queiramvir paraestereino;
y

sob duas fôrmas (que eu saiba) lettra P, isolada, Que selhe concedeo podertiraros mineraes do terrenoem
«
3
a
f

constituemarca de faiençasportuguezas:—a linha sim¬ queos achar,assimn’estacôrtecomonassuasvizinhanças, ou em


ples, um tanto cheia n este caso sobrepõe-se lettra um outrasquaesquer partesdo reino,pagandoaosproprietários do ter¬
(e

reno damnoquelhescausar,sendoprimeiroavaliadopor louvados


o

ponto grosso), linha dupla. Aquella marca foi pela pri¬


e
a

quebem entendam, comtantoquenaotrabalheemterrenosquese


o

meira vez reproduzida no Catalogo da Exposição de Arte achemoccupados pelaprimeirafabrica,estabelecida


nositiodo Rato;
ornamental; esta, no magnifico estudo do sr. Joaquim de " - Que selhe concede
a

o fazermoinhodeaguapara ditafabri¬
4

Vasconcellos sobre ceramicaportugueza. ca,na ribeira sitio quelheconvier,queservirásómenteparaeste


e
a

Conjectura distincto investigadorportuense que pri¬ fim,pagandoelle,fabricante,a rendada terraqueo moinho seus
e
o

precisoslogradouros occuparem,qualqueroutroprejuízoqueo dito


meiro P designa fabrica estabelecidaem Lisboa pelo ita¬
e
a

fabricante possacausar;
liano Paulo Pauletti. Quanto mim, acho plausível que Queselhepermitteo tomarcasasparaa ditafabrica,e assis¬
a

."
«
5

uma d’essas marcas se refira effectivamente Pauletti; e, tênciad’elle,fabricante,


ondelhe convier,e fazern’ellasas commo-
a

como as faienças portuguezas estão agora sendo collec- didadesprecisasparaaquelles fins,pagandoa rendaquefôr justa,
e

cionadascom enthusiasmo estudadascom interesse,apro¬ os prejuízosquen’ellascausar,queserãoavaliados por louvados, no


e

casoquenão se julguembemfeitorias; comtantoque as ditascasas


veito ensejo que me offerece publicação d’esta nota
o

sejamdasquese costumam alugar,e nãose achemoccupadas pelos


ao bello artigo de Pin-Sel, para reproduzir seguinte seuspropriosdonos;
o

documento inédito, respectivo fabrica de Pauletti, «6. Que se concedemá dita fabricaos mesmosprivilégiosque
a
á

para publicar lista que o exame de alguns livros do¬ têemas fabricasda seda de pannos,pelo quepertencea mestres,
e
a

cumentos da extincta Junta do Commercio me permittiu officiaese apprendizes;queelle,fabricante,


seráisentodepagarde¬
e

cima,maneio, ou qualqueroutracontribuição,presentee futura,por


elaborar, das fabricas de louça existentesem Lisboa ar¬
e

tempodedezannos,em attenção nãopedirajudade custoou ou¬


a

redores na segunda metade do século xvm,—lista muito tro algumfavor realfazenda;


á
ARTE PORTUGUEZA
129

«7.»Que se obriga,finalmente, elle,fabricante,a ter semprequa¬ FabricadaPanasqueira, juntoa Sacavem.—Fundador:—José An¬


tro apprendizes portuguezes,
matriculados na Juntado Commercio selmode
reinose seusdomínios,aosquaes Aguiar.—Louçade fogodelgada, á imitaçãoda de Gêno¬
d’estes seráobrigado a vestire sus¬ va.—(Doc.de
tentar,assime na mesmafórmaquese praticacomos apprendizes Fabricade 1776). — Existem
Bellas.—Fundadore mestre:—JoséVeroli.
dasreaesfabricas,sendoobrigado,dentroemcincoannos,a lhesen¬ duaspeças
authenticas,empoderde um descendente deVeroli.—
sinartodosos diversosofficiosrelativosa fazerperfeitamente a lou¬ (Doc.de 1780).
ça; e, findoo referidotermo,querendo servir-sedosmesmos como FabricadeSantaMartha.— Proprietário:—Joaquim
lhespagaráo seucompetente AntonioOu-
officiaes, salario; de 1789).
zedo.—(Doc.
«8.“Parao cumprimento detodasasreferidas condições, seráobri¬ FabricadeSantoAmaro. —Proprietários:—Henrique Franciscode
gadoa assignar termona referidaJuntado Commercio d’estesreinos Andrade& C."—Mestre:—Severino JosédaSilva.—'Era«umadas
e seusdomínios,a qualficaráencarregada de fiscalisarsobrea sua melhores doreino»,segundo sedeclaraemdocumento official.—(Doc.
observância'.» de 1789e 1790).
Fabricada calçada deNossaSenhorado Monte. —Proprietário: —
O termo de sujeição, isto é, o documentoem que P. Pau- João GomesCotta.—Segundo informação doDr.Domingos Vandelli,
letti se obriga perante a Junta do Commercio a cumprir produzialouçaordinariasuperiorá dasoutrasfabricas, louçafina,e
excellentes
azulejos.—(Doc. de 1793).
todas estas condições, foi assignado no dia i 3 de julho do Fabricadatravessa daBellaVista,á Lapa.— Fundador:—Manuel
referido anno. Encontra-se no livro da Junta que tem Nunesde Carvalho.—Em 1794, requereu seugenro,Luiz Alvaresda
actualmentena Torre do Tombo o n.° 69, a fl. 10 v.° Eis SilvaBastos,licençaparacontinuarexplorando estafabrica.Sobre
0 fac-símile da assignatura: esserequerimento, informou o Dr.Domingos Vandelliquea fabrica
dequesetratava, e emquesemanufacturava louçaordinaria, eradas
denominadas olarias;quen’ellasefabricavam bonsazulejose alguma
aqualpoderiaaperfeiçoar-se
faiença, coma continuação; queosregi¬
S&irfp %uleni mentos dosofficiosnãoserviam
das,e nuncaparaadeantar
0 requerentenegociante
senãoparafomentar
e aperfeiçoar
matriculado,
intrigase deman¬
asmanufacturas;
e possuindo
que,sendo
fundossufficientes
paraproseguir comvantagem na exploraçãod a fabrica, se tornava
Segue o termo de matricula d’estes apprendizes:—Fran¬
dignodeserattendido. E foi-o,comeffeito,porimmediata resolução
cisco Gonçalves, da freguezia de Poyares, termo de Bar- de2 deagostode
1794.
cellos; Thomaz de Carvalho, de Trancoso; e João de Car¬ FabricadoCastello Picão,aoMocambo.—Fundadores:—João Bento
valho e José Elias Pereira, ambos de Lisboa. Tem a data daSilvaPereiraeLuizAntonioAlvares. —Louçabranca,e decôres.—-
de 19 de fevereiro de 1770. (Doc.de 1794).
FabricadaBicadoSapato. —Fundador:—LuizSoaresHenriques. —
Agora, a lista de que fallei: Mestre:—Joaquim Simpliciano de 1766, e 1801).
Franco.—(Doc. 17Q7
Fabricado Ralo.— Era umadasannexasá RealFabricadasSe¬ Em largo estudo que preparo, sobre o nosso movimento
das.—Mestre:—Thomaz Brunetto.Contra-mestre: —JoséVeroli.Fo¬ industrial na segundametade do século passado
(sem du¬
ramsubstituídos por SebastiãoJosé d’Almeidae SeverinoJosé da
vida um dos capítulos mais instructivos da historia do tra¬
Silva.— Fundadaem 1767, existiaaindaem 1827.
Fabricadatravessa'dosLadrões,á Estrella.—Fundador e mestre:— balho portuguez), darei publicidade, entre muitos outros,
PauloPauletti.— (Documentos — Outrofabricante,
de 1769). porven¬ aos documentosde que me vali para a organisação d’esta
turasuccessordePauletti,nosapparece maistardeestabelecido natra¬ lista, os quaes se encontram,como disse, nos livros e pa¬
vessadosLadrões:—JoséJoaquimPereiraZagallo. — (Doc.de 1789).
peis da extinctaJunta do Commercio, hoje encorporados
no Archivo nacional.
1 JuntadoCommercio, liv. 9.0deregisto,fl. i38. (TorredoTombo). José PESSANHA.

PINTURA DECORATIVA
DATEMPERA
PROCESSOS
OSDIVERSOS

I SQUECIDA durantelargosannos,oure¬ Datade erasremotasa pinturaa colla; e, antesquefossecom¬


servada,quandomuito,parascenarios de pletamente postade parte,serviu,maisde umavez,de auxiliará
theatro,decorações de festejose quejan¬ pinturaa oleo.Muitostrabalhos acabados por esteultimoprocesso,
das applicações de caractertransitório, têemporbasetonslocaesatempera.
emnossos A paletado pintortemperista dis¬
reviveua pinturaa tempera,
re¬ punhaapenas, nãohaaindamuitotem¬
dias,mercêdeváriosdescobrimentos
a imprimiraos po, de uma escalaassáslimitadade
centes,que concorreram
considerávelprogresso. tons.Erammaisgeralmente emprega¬
respectivos processos — Ocresclaros,ama-
a mal- dosos seguintes:
A tempera, semduvida,nãoapresenta
rellose vermelhos escuros,calcinados;
leabilidadeda pinturaa oleo,suarival priyile- deItalia;almagre;zar¬
terravermelha
y giada;não attingeo mesmovigorde colorido; cão; cinabre ou vermelhão da China;
c inferiora estaultimanascondições de resistência;
e,
roxo rei; sinople;flôr de chiote; ver-
comtudo,pela muitalimpideze extremafinurados dacho;verdeescuroinglez;azulinglez;
tons, adapta-se admiravelmente á decoração de apo¬
Nãohaprocesso azuldeAntuérpia;verdeimperial;Ín¬
sentos.
Reuneaindaoutrospredicados nãosomenos. dechromo,
digo(flôrdeanil);amarellos
depinturaemqueas tintasenxuguem commaisrapidez: qualquer
n.° i e 2; pretode osso,e caparosa.
demãode tintaa colla,emtemponãomuitohúmido,estará,porvia Podiamaindaadmittir-se s terrasde
a
deregra,bemsêcca,decorridaumahora,e permittiráaopintorpro¬ Casseie deColonia;asdesombra
a collanão alteram —á (Um-
seguirno seutrabalho.As côrespreparadas bria),cruae calcinada,e,emcasosres-
excepção,todavia,dos chromosalaranjados e daslaccas,tintasaliás trictos,a de Sienna,calcinada. Hoje,
noprocessorigorosodatempera,
dispensáveis —a collaanimal, po¬ comtudo, são,porassimdizer,infinitos
dendo,aindaassim,empregal-as o pintor,comumatal ou qualpar¬ ospigmentos adaptaveisátempera, cuja
cimônia,mesmoquandoadoptecomovehiculoa collavegetal.
13o ARTE PORTUGUEZA

paletapodeactualmente competiremriquezacomas do oleoe da rellistas,portátil,porémdemaioresdimensões, queveiusubstituira


aguarella.Em Allemanha, e aindaemoutrospaizes,encontram-se no grandepaletade madeirarodeiadade cacifosparaos tons,quèhoje
commercio tintasjá preparadas decolla,quesediluememagua,exa- apenasse usa na scenographia e outrasdecorações de dimensões
ctamente comoas deaguarella. Ospreparados sãodeduasespecies: vastas.As tintasdecollatêemmuitopeso,e é conveniente, paraevi¬
os de colla animal,applicaveis á scenographia e a outrostrabalhos tar o adormecimento do dedopollegar,—emborapartedo pesoda
em pontogrande,e os de collavegetal, paraobrasmaisdelicadas,— paletadescanse sobreo braço do pintor,—reforçara mesmacom
de estirador ou cavalete. um contrapeso dechumbo, juntoaoorifícioporondeseenfiao dedo.
Os trabalhos daespecieultimamente designada podemexecutar-se Ostrabalhos empontopequeno, executados, naturalmente, a collas
sobrequalquerpapelou cartão,proprioparapintara aguarella, e maisfinas,podemserrealisados comos pincéisde martado agua-
admittemlevecamadadevernizde espirito,ou de cera,comopro¬ rellista.Empregam-se maisusualmente pincéisredondose bicudos;
tecçãoe comomeiode avivaro effeitoás tintas.A temperaé aliás os pincéischatosservemsó paraperfilar,e paraacabamentos. A tem¬
applicavelás superfíciesde variadíssimos pera,quandoapplicadaa vastassuperfícies, é, de todosos processos,
materiaes:—á télae outrostecidos,á ma¬ o maisexigente, no quediz respeitoa brochase pincéis,quedevem
deira,aos metaes,ao couro,á pedra,ao ter as sedasmuitocompridas, elasticase flexíveis, porémresistentes,
cartão,ao papel,etc.,comtantoquesejam parase embeberem bemde tinta,e facultaremao pintor manejo
impermeáveis á aguae, que,portanto,nãoembebamfrancoe expedito.Os pincéisimperfeitose ordinários,que abram
a pintura.Adapta-se, pois,perfeitamente á decoração muito,e cuja sedasejamolle,devemser immediatamente regeita-
de paredes, tectos,sobre-portas, etc.Preservada da dos:— cospema tintae espargem pingossobreo trabalho.
humidade, a sua duraçãoé maisquesufficiente, e A pinturascenographica, semduvidaa maisbellae prestigiosa
proporcional á dosprédiosmodernos. Encontramui¬ applicação datempera, e que,namaximapartedoscasos,é executada
tas applicações nasindustriasartísticas,taescomo sobrevastospavimentos, —nãoobstantea suaexecucão brevee sum¬
pinturasimitativasde estofosou de tapeçarias, le¬ maria,é de todasa queexigepincéismaisespeciaes. Nãose encon¬
ques,biombos,etc. A extremasingelezados seus tramestesno commercio: fabricam-n’os ospropriospintores,ou seus
processos, a execução rapidae summaria a tornam ajudantes. Sãoassásdispendiosos, porquea sedaprópriaparaa sua
mui própriaá pinturade ornatoe arabescos. confecção, deveter,pelomenos,maisde palmode comprido,e não
Todososesforços empregados noaperfeiçoamentoé actualmente facildeencontrará venda.
dosprocessos da tempera intentavam combater um
defeito,que a todosellesera commum:a faltade
elasticidade dasdiversas camadas depintura,emge¬
ral um tantoestaladiças, descascando comrelativa As tintasparapinturaa tempera, seccam-se comexcessiva facili¬
facilidade,por issoque não formavam corpocom¬ dade;á medidaqueregraxam,endurecem, a pontodeficardetodo
mumcomo apparelho. empedernidas e, comotaes,inutilisadas;portanto,a prudênciae a
Entre as muitasformulase receitashojeadopta- economiaaconselham quena paletase disponham apenasas quan¬
dasna preparação das collasdepintor,parece-nos tidadesindispensáveis parao trabalhodeumdia.
recommendavel a seguinte:—Deitem-se oito colhe¬ Algunspintores,parademorar o enxugodospigmentos, interpõem
res dechádealcatiraemumlitro devinagrebranco,e cercadevinte ástintase á paletacamadas depapelpardomolhado. Quandose ado-
pingosde oleodelinhaçafervido,ou porçãoidênticadeterebinthina ptemas coresem tubos,é indispensável conserval-os semprebem
deVeneza.Desfaça-se emum almofarizou gral,um ovo de gallinha, rolhados. A qualquer interrupção detrabalho, mergulhe-se a paletaem
no qual se deitarãotambémalgunspingosdo mesmooleo(gôttaa aguaou borrife-secomagua.
gôtta,augmentando a doseá medidaqueo mixtofor engrossando);
bata-seestepreparado muitobem,e guarde-se emfrascohermetica¬
menterolhado.Bastaráumovoparacadameiolitro. Sejaqualfôr a natureza da superfície destinada a servirde baseá
A porçãod’estecolla proporcionalá tintanão differede outra pintura,deve,emtodoo caso,serimpermeável á tintae,portanto,na
qualquer,e, parase verificarse a temperaestá,ou não,na devida maioriadoscasos,receberumappare¬
conta,empregar-se-ha o meiousual:—tocarlevemente umapincelada lho estendido a pincel,já decollaforte
do tomquesepretende empregar, napedradesombra(terradeUm- e gessode presa,ou cré,e mesmode
bria, natural).Se a tintaenxugarinstantaneamente, abrindo,istoé, alvaiade,—o queserávariavelsegundo
apresentando tomlimpido,e como aspectobaçodobiscoito ouenxa- a dimensão e a finurado trabalhoque
cotedaporcellana, o preparado estarána devidaconta. se intentarealisar.Convémabatera
Estevehiculonão é,advirta-se, a principio,muitosolúvelnaagua. excessivacruezado brancocomuma
Ao contrario:é extremamente denso, e sódesfaz aocabodealguns dias. ligeiraaddiçãode qualquertom quen¬
As tintas,muitobemmoídas, misturar-se-hão á collacomo auxilioda te,—laccavermelhae ocre,por exem¬
espatula, sobreplacade vidro,conservando-se depoisemboiõesde plo. No casode se haverde preferir,
louçaouporcellana. Evitar-se-ha queastintasenresinem, misturando- para trabalhosem ponto pequeno,a
lhes,empequena quantidade, aguadistillada oufervida.É, aliás,efficas- téla,serásufficiente apparelhoumali¬
sissimomeio,napreparação dacolla,agemma ouaclaradoovo.A com¬ geiracamada degelatina,administrada
binaçãodagemma deovo,mele oleodelinhaça,ou a damesmacom deumavez,a pincel.
vernize sabão,produzcolladesufficiente adherencia e assáselastica. O papelemcujofabricoentrea colla,
Nãoé inferioremresultados o preparadoseguinte:—Noactode dispensa apparelho; emcasocontrario,
triturara tintasobrea placade vidro,deitem-se-lhe quatroou cinco deveráserpreparada a superfíciea colla
pingosde oleo de papoulae umagemmade ovo; e, depoisdetudo animal.
muitobemamassado, paralhe augmentar a adherencia e a elastici¬ Qualquerparedequehajadereceber
dade,algumas gôttasdevinagredemadeira. pintura,necessitade ser previamente
Quandoa pinturadevaser applicadaa superfícies em extremo alisadaa pedrapomes,e apparelhada
lisas,taescomo.mármore, etc.—serábomaddicionar á aguaquese comdemãoassásdensadecollae gesso
emprega paradiluira colla,unspingosdevinagre. depresa,ou de cal.Attendendo a que
As collasanimaes, tãogeralmente conhecidas, e asvegetaes, como a pinturaa tempera é processodeexe¬
a farinha,a batata,a gommade amido,etc.,fornecemvehiculos cuçãoexpeditae definitivae nãoadmittindo, quasi,emendas ou he¬
abundantíssimos ao pintortemperista, o qualencontrahoje,aliás,no sitações,é preferível,comogarantia paraa segurança do trabalhoe
mercado,paracimadecincoenta ou sessenta tonsjá preparados com limpezade processo,transportaro debuxoou padrãodo desenho
a collasufficiente parasepoderemempregar, apenascoma addição sobreo apparelho, picando-o, e percutindo-lhe sobrea facea boneca,
deumapoucadeagua. bemcheiade qualquertintaempó,escuraou clara,conforme a con¬
veniênciao exigir,e depois,recobriro contornoponteadocomqual¬
querescuropreparado a colla,ou comtintadeescrever. O contorno
As tintasgeraesdevemcombinar-se sobreo vidro ou pedrade escurotransparecerá sempreatravésdasdiversas demãos depinturae
moera tinta,e serd’ahipassadas paravasosde louça. permittirálocalisarcomsegurança astintasdebase.
Paratintasdeusomaisparcial,adoptaram ultimamente ospintores Graças á extrema m alleabilidadedosprocessos queatrásindicámos,
paletade zincoesmaltado, coma bordarevirada,comoa dosagua- o artistapódehoje,a seubel-prazer, tratara temperajá a corpo,
ARTE PORTUGUEZA 131

já ao modode aguarella, e reuniraté,simultaneamente, emum só distantes,


o que,atécertoponto,lhepermittiam ascarnes, etc.— édeobviaconveniência quesejammetlidos,
os doisprocessos, já ascollas conjunctamente, a fresco.
vegetaes. Adoptadoo processode pintarpor transparência, o gesso
ou a cal do apparelho, reservados,ministrarãoos clarosou toques
principaesde luz. A rapidezdo enxugopermittirá,decorridameia O pintortemperista
do trabalho. deveter mãosegura, firmee ligeira,e saber
hora,a continuação bemo quequer,antesde começar.
opácotem,comtudo, Nãoé pinturaparaprincipiantes
O processo vantagens:—é semduvidamais ou inexperientes. Em casode erro,ou de falharalgumtom,espe-
difficil,porqueas tintasmudammuitono actode pintar,e perdem rar-se-haque
enxugue, e repintar-se-ha depois,por inteiro.Nada
emgrandepartea respectivaintensidade de tom; porémos tons deemendas, retoques parciaes ou arrependimentos. Os repintadosem
maisabertose luminosose também maislimpos,melhoro adaptam a frescomancham sempre.
pinturas quetenhamdeserobservadas a poucadistancia.O maiorin¬ Os realcesou toquesluminosos sãopintadosa toquee como má¬
conveniente queselheencontra, é obrigaro pintora calculare experi¬ ximocorpodetinta;
assombras, emvelaturaou esfregaço. As inter¬
mentar préviamentequasitodaa escaladostonsquetemdeempregar, rupçõesdetrabalhosó
devemterlogaremsuperfícies divididas.
e, paraessefim, a tocal-osa todoo momentona pedrade sombra.
Sejaqualfôr o processoparaquesehajade appellar, a execução #
temdeser rapidae segura,aliásos tons,cansados e impuros,apre¬
sentariam superfícies
cobertasdemanchas ou delaivos. A pinturaa gua^o (maisvulgarmente entrenós pelo
designada
É importante a graduação darelativaconsistênciadascollas:—a vocábulofrancezgouache, apesarda suaorigemitaliana)em nada
do apparelho, a plenaforça; comum terçodeagua,os tonslocaes; differeda tempera, da qualé apenasumaapplicação. Gosoudeim-
e maisdestemperadas d’ahiemdiantee á medidaqueseforemsobre¬ mensofavornosfinsdoséculopas.sado.
pondoasrespectivas demãos. Preferem-lhe hojeospintores, geralmente,aaguarella, processocom
Antesdeseprocederaoempaste dostons,é conveniente, sea pin¬ o qual,aliás,é absolutamente compatível,e muitosaguarellistaso em¬
turasedeverealisarsobrequalquerparede,humedecer levemente o pregamcomoauxiliardaprimeira. Os trabalhos a guaq^o podemser
fundo.As côresfundirãomelhor,pintar-se-ha commaisfacilidade, terminados a aguarella, e vice-versa.
a tinta,adelgaçando ao contactodo apparelho húmido,encorporar- A preparação dastintasparaapinturaagua^oera,aindanomeado
se-hano mesmo,e a elasticidade dapinturaserámaior.Este meio d’esteséculo,especialidade italiana.Hoje,porém,os inglezesapode¬
permittetambémesbatere fundir as côresemfresco,alcançando raram-se d’essa fabricação, e o artistaencontra á vendatintasempó,
o artista,d’estafórma,maisharmonia,e superiordelicadeza no ma¬ resguardadas emtubosde zincoe abrangendo escalade tons mais
tizadodos cambiantes. Os objectosque devemapresentarpouco quesufficiente paraa composição deumapaletacompleta de pintor
destaque de contorno,ou quetenhamde ser mantidosemgamma a guafzooua tempera.
detonsfinose degraduação subtil,taescomoatmospheras e planos P. s.

RETRATO
DE

VASCO DA GAMA

RETRATO que a nossa gravura


reproduz, é pintado num quadrado
de madeira, cujo lado mede 24 cen¬
tímetros.
Tem sido attribuidoaopintor hol-
landez Ghristovam d’Utrecht, que,
pelo meado do século xvi, veiu á
Península e trabalhou em Portugal,
onde lhe foram conferidas algumas
honrase distincções,e ondemorreu.
Parece ser Vasco da Gama o re¬
tratado.E, em todo o caso,um ho¬
mem de alta posição, e já de dias.
Tem na cabeçaum gorro preto, e
sobre o peito do saio a cruz de Ghristo. Veste um roupão
negro, guarnecido de pelles, e segura na mão direita uns
oculos, e na esquerda um papel escripto.
Este formoso quadrinho, sem duvida do século xvr, fez
parte da collecção do conde de Farrobo e pertence hoje
ao Museu de Bellas-Artes, ao qual foi doado em 1866por
el-rei D. Fernando. A sua actual moldura, de primorosissi-
ma talha, foi feita e offerecidapelo eximioesculptorem ma¬
deira,Leandro Braga, quando, em 1892,o quadro que hoje
reproduzimosfoi enviadoá exposiçãorealisadaem Madrid,
ao commemorar-seo quarto centenáriodo descobrimento
da America.
( O illustre pintor militar Armand Dumaresq reproduziu-o
^PaJco^d& e Çfi/rza a agua-forte, quando esteveentre nós, e offereceu a gra¬
C dc<J?s6on/ie.
77lusêe vura a el-rei D. Fernando. São raras as provas, e por isso
daprèsle^Eaiteaudu
cremos que será apreciada a reproducção que n’este nu¬
2)edt á a /eSff.oldofi' iSèr/ia/ido mero offerecemos,de uma delias. A chapa é actualmente
Se
parArmandDumartsf propriedade de el-rei.
POIS devido a essas dissidên¬ vitres. Entre outros escriptos auctorisados, sobresae uma
cias de ideas entre os artistas, carta de Mr. Robinson, ex-director de uma secção do mu¬
que se originou a quantidadesem¬ seu de South Kensington, e actual conservador da galeria
pre crescentede scismas, de ma¬ real em Inglaterra. Os allemães, que, de ordinário, tão
nias e até de modas, que actual- pouco confiam no instincto esthetico da sua raça, e cuja
mente veem dividindo, cada vez fronteira está sempre aberta a influencias artísticas exter¬
mais, o campo da pintura moder¬ nas, das quaes não conseguem defendel-os nem os seus
na. Algumas, infelizmente, pro¬ canhões,nem a rigorosa disciplina militar, — inquietos com
cedem de aspirações menos legi¬ a invasão dos scismas e manias, que da França, como no-
timas; mas todas, mais ou menos, doa de azeite em panno fino, vem alastrando por toda a
têem concorrido para introduzir parte, inauguraram um congresso technico da pintura, no
contusão deplorável nos processos da pintura. intuito de adoptarem medidas de defesa contra a invasão
A vulgarisação do ensino artístico tem multiplicado a tal e seus perigos. As resoluções mais dignas de menção fo¬
ponto a multidão dos pintores, e, entre a quantidade pro¬ ram as seguintes:—Que se pedisse ao estadoa fundação de
digiosa de quadros que atulham hoje em dia as exposi¬ cadeiras de technica nas escolas de pintura e, á similhança
ções, avulta tanto o numero de obras insinceras, cujo unico do que se fez já em Inglaterra, a annexaçãoaos museus,
fim é dar nas vistas, fazer bulha ou sensação, á custa de ou ás mesmas escolas,de laboratorios aonde os estudantes
extravaganciase de verdadeirasmystificações,—que muitos fossem apprender practicamentea preparação das tintas,
artistas convictos, afastando-seda turba-multa, preferem a drogas e outro material da pintura, e os pintores podessem
esses grandes bazaresda pintura, já as pequenasexposições encontrar o mesmo material, garantido de todos e quaes-
em grupos, já as exhibições especiaesa um unico artista. quer perigos futuros. Deliberou tambémo congressorealisar
Tem concorrido, e não pouco, para desenvolveras ma¬ exposiçõestechnicas, a primeira das quaes se effectuouno
nias, a febre dos imitadores; porque, ai do pobre artista palacio de crystal de Munich, nos fins do anno de 1893.
que inaugura com bom exito qualquer idéa ou fórmula, Entre os diversos elementos theoricos que a exposição
pessoal e desusada! Surgem-lhe logo em redor dezenasde abrangia, distinguiam-seos notabilíssimos trabalhosdo eru¬
macaqneadores,e a innovação, diluida pelas mediocridades, dito pintor bavaro Ernesto Berger, sendo o principal a se¬
em breve descamba em sórna insupportavel. A Traviata rie de numerosos quadros e tabellas explicativas, expostos
nos realejos,— como ha tempos escreviaum critico inglez. com o titulo commum: «Historia analytica da technica da
Merecem menção especial, entre os muitos scismas, des¬ pintura, desde a sua remota origem até á decadência do
tinados, alguns, pelos mystificadores de atelier, a empan\i- império romano». São curiosisimas as descobertas de Ber¬
nar o biirgue\ (como por lá dizem), os seguintes:— Os im¬ ger, e não menos as suas reconstrucções (documentadas
pressionistas,cujas aspirações,demasiadoambiciosas,posto pelos restos encontrados em escavações,ruinas de monu¬
que legitimas, consistemem surprehendereffeitosnaturaes, mentos, etc.) dos processos da pintura encaustica. Reco¬
vencendo difficuldades consideradas,algumas, até aqui, in¬ nhece-se que a pintura a oleo tem origem muito mais re¬
superáveis, ou, pelo menos, inattingiveis pelos processos mota do que até aqui se suppunha. Berger prova, com
mechanicosda pintura; os coloristas, os primitivos, os mys- documentos, que já era conhecida nos séculos vn e ix, e
ticos, os idealistas, cujos programmas os titulos definem; que não representa descobrimento,mas sim uma modifica¬
os symbolistas; os laministas; os vibristas, havendo estes ção gradual do processo da pintura a cera (encaustica ou
últimos adoptado um processo singular, de importação ja- fixada pelo calor). Prova ainda o erudito artista que a pin¬
poneza, o qual consiste na applicação de cores puras, ex¬ tura pompeiana não é, por fôrma alguma, o processo do
tremes, ponteada a pintura a bico de pincel (imitando os fresco. Em outros estudos ácerca de epochas mais recen¬
methodos da miniatura), no intuito de alcançar o effeito das tes, dá-nos o mesmo auctor uma restituição da pintura a
vibrações da luz, e do deslumbramentoque causam as cô- tempera, conforme ella era praticada no século xin.
res vivas, quando observadas á claridade intensa do sol. A parte pratica da exposiçãp incluia um sem numero de
A fim de evitarem os perigos de tão extranho processo, elementos, tão curiosos quanto uteis. Estavam alli repre¬
substituemaos oleos a terebinthinae outros vehiculos, taes sentados, em toda a sua variedade, os processos modernos
como o tiirps, o turpinois, preparados francezes, inglezes e os novos descobrimentos,relativos quer á pintura a fresco
e allemães, aos quaes serve de base a mesma terebinthi¬ e a tempera, quer a outras de invenção recente, alguns dos
na, com addição de copahiba, de almecega e de outras quaes não passam ainda de experiencias.Figuravam alli as
substancias, e que nem todos, provavelmente,virão a dar, tintas para a pintura mineral de Keim, applicavel tanto a
no futuro, bons resultados. quadros como á decoração de paredes; as tintas Kasein,
Tão variados scismas envolvem, como é de suppôr, ap- para a tempera, fresco, etc.; a stereochromia de Fuchs
plicações technicas diversas, algumas das quaes represen¬ Schlottau (pintura sobre pedra), e uma tão curiosa quanto
tam inquestionável retrocesso aos processos complicados, notável applicação do mesmo processo, realisada pelo pro¬
aos betumes, etc. Sobresaltadosos ânimos dos que tomam fessor R. Seiss, e que envolve modificações e aperfeiçoa¬
verdadeiro interesse pelos progressos das artes, saíram a mentosdo processoKeim. Era interessantea experienciada
publico alguns protestos e avisos, destinados a prevenir os pintura litho-caustica, sobre tijolos, descobertado professor
artistas contra os funestos resultados de tão perniciosos al¬ Ulke, podendo adaptar-seá pintura monumentalao ar livre.
ARTE PORTUGUEZA

Distinguia-se também uma restituição da antigapintura a Vê-se que todos estes esforços se concentram em dois
tempera dos quatrocentistas, baseada em receitas de anti¬ empenhos principaes: — encontrarum processo de pintura
gos formulários, encontradas pelo barão Pereira, e que ou¬ inalterável ao ar livre, e outro que possa substituir com
tros investigadores pozeram em pratica, aperfeiçoando-as. vantagema pintura a oleo. Quanto á primeira aspiração, o
Pertence a esta secção a Emulsions tempera,de Friedlein; problemaparece, quandonão resolvido,a caminhode se re¬
as tintas Sintonas, de Belkmann, e uma curiosa experiencia solver; no que diz, porém,respeitoá segunda,os resultados,
do professor Gussoiv, effectuadapor meio de tintas em cuja por emquanto,apresentampouca importância.
composição entram a argilla e o acido sulfurico. P. S.

SEQUEIRA
A historiadapinturaportugueza, Sequeiraé semcontestação tinho,Sequeirafoi nomeado, em1802, pintorda côrte,e incumbido

N umadasfigurasprimaciaes.
Discípuloda aulade desenhofundadaem1781,
Antoniode Sequeirareveloutão notáveldisposição paraa arte,que
de dirigir,comVieiraportuense,
Domingos novahabitação real.
A partird’essadata,diversas
os trabalhosde pinturad’aquella

honrase distincçoes lheforamconfe¬


nãosó alcançounumerosos prémios,comoobtevedafamiliadosmar- ridas.Mas o grande artistasentia-se attrahidoirresistivelmente por
quezesde Marialvaumapensãode 3oo#>ooo réis annuaes, parair outrascapitaes maiscultas,poroutrascortesdemaisdelicado gosto;
artística. e em1823 partiuparaParis,ondesedemorou até1826, e ondepintou,
completar emRomaa suaeducação
conquistou umabrilhantere¬ entreoutrosquadros,o querepresenta a mortedeCamões, o qual,
NaItalia,ondeestevede 1788a 1796,
C .Volkmar segundo informação do condede Lavradioa Raczynski, figurouna
putação.Um dostrabalhosquelá executou, foi,segundo
a batalhade Ourique.É possível exposição de1824, e foi elogiado porGérard,Granet, Vernete outros
Machado,um tectorepresentando
queosensaios ou apontamentos quehojereproduzimos, fossem feitos pintoresfrancezes.
por¬ Em 1826,Sequeira dirigiu-se paraRoma. A hi executou numerosos
paraessacomposição. Nãonosatrevemos, porém,a assegural-o, — A adoração
composições
quena parteinferiore esquerda da folha,lê-se:— «Ensaiosparao quadros,entreellesas quatrobellissimas
dosmagos,o Descimento da Cruq, a Ascensãoe o Jitijo final,quefo¬
quadroda appariçãoa AffonsoHenriques.—Sequeira».
emRomapeloduquede Palmella,algunsannosde¬
O meioportugueznão era,decerto,nos últimosannosdo século ramadquiridas
do príncipe poisdamorte do grande artista,occorridan’essacidadeem1837.
passado,sob o governode D. Maria I ou a regencia quadrose desenhos de Sequeira.
D.João,o maisproprioparaanimarumartista.Nãoadmira, portanto, Existemem Portugalbastantes
detãointensame- A colleccãode desenhos e xposta n’umasalaespecialdo Museude
queSequeirasedeixasse possuirdetal desanimo, valiosae interessante.No archivodaCasa
lancholia,quese sentisseattrahidopelavidamonastica e fossere'fu- Bellas-Artesé emextremo
emRoma,conservam-se numero¬
giar-se,—pobre almaincomprehendida e desconsolada,nas soli¬ deSantoAntoniodosportuguezes, pintor.Nãofal¬
daCar¬ sose importantes documentos relativosa otalentoso
dõespoéticasdo Bussaco,e, depois,nosclaustrossilenciosos paraum estudo completo ácerca de Sequeira.
tam,pois,materiaes
tuxa. quempossadignamente prestar
Oxaláquemuitobreveo emprehenda
Restituiram-n’oaomundoe á suaarteas obrasdopalaciodaAju¬ homenagem aogloriosoartista!
Mafra,incitamento e essamerecida
da,queforam,comoanteshaviamsido as de ^
escolaparamuitosartistas.A instanciasdeD. RodrigodeSousaCou-
i3 4 ARTE PORTUGUEZA

de-se uma larga campina, coberta dum extremo ao outro


0 PÔR DO SOL pelas verduras intensas do fim da primavera. No primeiro
plano, um velho lavrador pára no caminho barrento, tri¬
PHYSIONOMIA artística de Carlos Reis lhado de rodas; e volta as costas a uma parelha de pujan¬
'
Mmrrçgm tem me interessadovivamente, desde que elle tes cavallos de lavoura, tapando a cara assustada com o
appareceuem tres ou quatro das nossas peque- chapéo de palha, que cérca dum nimbo claro e opaco o
Wc-t ^ nas exposiçõesde quadros, com a sua assigna- seu duro perfil de bruto. Mais adeante,uma pobre mulher
'¥ tura posta em fogosasmanchasde paizagem,escaldadasde edosa e mal vestida benze-se humildemente, curvada para
luz, sob a ardente palpitaçãodos ares encalmados,ou em o chão; emquanto que, á direita, meio afogado em som¬
bellos estudos de figura, retratos, tentativasde composição, bra, um cão negro levanta a cabeça para o ar, com o gas-
trechos de modelo apanhado em flagrante, nos quaes des¬ nete cheio d’uivos, quisiliado por uma suggestão do seu
abrochava com francas arrogancias de factura o seu tem¬ instincto. Algum espectáculo singular occorre, portanto,
peramento inquieto de colorista. dentro do scenario calmo da natureza.
Guiava-o então a influencia persuasiva de Silva Porto, Por trás d’uma ceára franjada d’espigas, no segundo
mestre affectuoso, d’alma branda e recolhida nas suas de¬ plano, começa efféctivamentea passar o acompanhamento
dicações de amigo, que se apaixonou até ao ponto de ven¬ d’uma creança, cujo caixãosito é levado por um rancho
cer a suatimida isempçãode contemplativo,avessoás luctas de raparigas d’aldeia, de branco veladas, revestidas com
asperas das vontades, e fez valer o seu apoio declarado, os trajos virginaes da primeira copfissão, para susterem
quando viu Carlos Reis envolvido n’uma intriga de sacris¬ nos seus braços o ligeiro residuo d’uma alminha evolada
tia, que poderia impedil-o d’ir completar a sua educação no para o espaço como o perfume duma flor murcha. Á frente
extrangeiro, como pensionista do estado. Transposto esse d’um grupo de pessoas em luto, um parente enxuga as
estorvomesquinho,o rapaz abalou, triumphante,lançado na lagrimas com o lenço, num movimento acabrunhado de
carreira com a energia que costuma resultar das primeiras afflicção. E a cruz alçada, cortando a serenidade da tarde
contrariedadescalcadas, e animadopela fé nos proprios re¬ em que deve badalar a reboada triste d’um sino, dá espi¬
cursos, a qual se torna fecunda, se não descáe na cegueira ritualidade e caracterisaçãoreligiosa á ceremonia ambulante
d’uma autolatria derrancada d’orgulho ou de vaidade. do enterro e a todas as cousas que a envolvem, passiva¬
É possivel, todavia, que por occasião da sua entrada em mente. Por cima d’este episodio da dôr humana, que des¬
Paris, quando teve d’encarar com as innumeraveis solici¬ fila sobre a terra, a resplandecênciamoribunda do poente
tações desnorteantesd’um grande centro d’arte,, elle ex¬ assumetambém um certo aspecto dramatico.
perimentasse algumas difficuldades d’adaptação, e vacil- Ha uma associação insinuante da emoção do assumpto
lasse um pouco, ao choque das passageiras perturbações com o effeito saudoso da luz. Carlos Reis não se contentou
que servem de prova á força de resistência das vocações com a representaçãotoda plastica duma paizagem, exte-
decisivas. Mas refez seguramenteo equilíbrio de todas as riorisada com habilidades superficiaes de toque; e, sem re¬
suas qualidades fundamentaes, robustecendo e desenvol¬ correr a combinaçõesincompatíveis com a realidade, nem
vendo a sua individualidade, durante meia duzia d’annos, falsear os seus meios de acção, isto é, sem inventar per¬
pela cultura progressiva da visão e do espirito. E agora ahi sonagens d’entremez trágico, nem esgualdir tintas abusiva¬
está de volta, com uma barbicha eriçada de bardo da pa¬ mente symbolicas, tornou-a pulsante d’idéa, conjugando-a
leta, e com a sua aptidão triplicadamenteaproveitada,não ao incoercível sentimentoque está latente na vida univer¬
só em trabalhos valentes de pintura, mas ainda em curio¬ sal,— o sentimentoda morte, que escurecede terror a face
sas experienciasd’esculptura e d’agua-forte. encorreada daquelle labrego importante, alquebrado pela
Em França, abundam os logares illustrados pela residên¬ edade e deformado pelo trabalho, mas arreatado aos bens
cia ou pela exploração poética d artistas de nomeada. Bar- d este mundo pela gosadora posse da sua casa, dos seus
bison é celebre, entre todos, com a gloria camponeza de animaes, dos seus prados, e do seu rico dinheiro.
Millet. Nos últimos tempos,a povoação bretã de Malestroit A execução foi estudada com vontade; e impõe-se logo
tem sido frequentadapor uma verdadeira coloniade pintores pelo vigor e pela unidade do estylo, vinculadamente
pes¬
portuguezes, que vão transportando á porfia para as suas soal, que harmonisa o conjuncto laborioso da extensa téla.
télas as húmidas veigas passeadasde vaquinhasgordas, os Por toda a parte a pincelada correu com vivacidade, ao
arvoredosfrios do norte, interioresde templos,eos costumes gosto de uma
observação impressiva, que soube definir a
vulgarisados das mulheresde touca. Desviando-sedo rumo, proposito alguns vestigios de claridades alouradas, ou dis¬
ou antes, do pendão habitual dos seus compatriotas,Carlos solver levementena ambiencia as fôrmas já
roçadas pela
Reis procurou, nas proximidades de Paris, o pittoresco sitio penumbra, accentuandoem cada vulto e em cada
porme¬
de Auvers, recommendado já pela tradição naturalista de nor a cuidadosa
notação da hora crepuscular.
Daubigny, e onde Silva Porto também achoumotivos idylli- Assim, tudo concorre para que o Pôr do Sol tome a ca¬
cos para alguns quadrinhos da sua primeira maneira, como tegoria duma completa obra d’arte, felizmente concebida
que repassados duma seiva densa d’impressionismo. e realisada com sinceridade.
Foi lá que o novo paizagista, identificando-secom a vida Tenho-o analysadorepetidamente,e n’elle acho, como na
local, colheu demoradamenteos elementosnecessáriospara musica descriptiva, um encanto sempre crescente.Por isso
a structura do vasto e solido quadro que constitueuma do¬ mesmo receio que o admiravel quadro de Carlos Reis venha
cumentaçãoopulenta da conclusão do seu curso, e que tem a ser sequestrado,a setetrancas, nos armazénsobscuros da
este titulo simples: Academia,e quenão mais reappareçaaospobres olhos profa¬
O pôr do sol
nos! Para dizer a verdade,entendo que elle está sendo recla¬
Debaixo da nevoenta luminosidade alaranjada e rubra, mado por uma parede do Museu nacional, onde ha estendaes
empastadaem tons de ferro em braza, e maculada de bor¬ de provectascrostasque se obstinam em occuparo logar de¬
rões violáceos, que ficou na atmospheradepois da fuga do vido á consagraçãolegitima dos nossos pintores modernos.
astro para além da barra emergentedo horisonte, esten¬ Em Fevereiro,
—g5. MONTEIRO RAMALHO.
arte portugueza i 35

0 "iAPOCALYPSE ESTAMPADO »

DE LORVÃO

NTEGRADO em i 853 na collecção da Torre do


Tombo por A. Herculano, o códice de
que nos

I
occupamos é o mais antigo dos actualmenteexisten¬
tes em Portugal. Pertence ao ultimo quartel
do sé¬
culo xii. E um exemplar do Commentarioao
Apoca¬
lipse pelo monge Beato, de Liebana, obra de que
existem na Europa diversas copias. A nossa, era do
mosteiro de Lorvão e foi escripta, e,
provavelmente,
illuminada, por um certo Egas, em
1189.
Quasi da mesma epocha, e muito semelhantena lettra e
nas illuminuras, e o Livro das Aves, de Adramerio,
que
também pertenceu áquelle convento e hoje se guarda na
Torre do Tombo. Esses dois códicese algunsdos da famosa
collecçãode Alcobaça (felizmentequasicompleta)constituem
os mais antigos monumentos da illuminura em Portugal.
As estampas do Commentario ao Apocaljpse são
traça¬
das, incorrectamente,á penna, sobre fundos amarellos ou
vermelhos. Da ingenuidade do desenho, dão perfeita idéa
as gravuras que acompanham esta rapida noticia.
Diz Filippe Simões que as illuminuras dos mais antigos
códices hespanhoes que figuravam na exposição de arte
ornamental pareceríam perfeitas a quem as comparasse
com as do nosso Apocaljpse, — exceptuadasas do Breviá¬
rio mosarabe, anterior, segundo se crê, ao século x.
Mas, apesar da sua extrema incorrecção, têem um altís¬
simo valor, porque nos revelam alguma cousa ácerca dos
trajos, mobiliário, jaezes, etc., da epocha, e são raríssimos
em Portugal, como se sabe, os monumentosde tão longes
tempos.
E bastante curiosa, por exemplo, a estampa que repre¬
sentascenas da vida rural, — a ceifa, a vindima e um lagar.
A architectura reproduzida nas illuminuras d’este códice é
geralmentearabe, uma ou outra vez romanica.
Uma nota collocada em frente da primeira pagina, e es¬
cripta e assignada por A. Herculano, explica a natureza,o
valor historico e a proveniência, d’estebarbaro mas precio¬
síssimo documento da nossa primitiva illuminura.

M PORTA DO CELLEIRO DA PIBLIOTHECA DE EVORA

ERTENCENTE e contiguo ao edifício publica, que vae encostar-seá parede do paço archiepis-
da Bibliotheca publica eborense,ha um copal, poente do terreiro.
grande celleiro, com sua porta voltada O celleiro da Bibliotheca tinha sua alpendrada, como o
a sul, abrindo para um terreiro; um do cabido; não sei quando, ha muito tempo com certeza,
recanto raro, especial, como acontece encheramos arcos; de modo que o celleiro tem hoje uma
tantas vezes na velha e gloriosa cidade especiede vestíbulo, e n’estedepára-sea porta que a nossa
alemtejana.— Imagine-se um pequeno terreiro, irre¬ gravura representa, que era a que antigamentedava para
gular, dividido por um socalco que o corta obliqua¬ o alpendre aberto.
mente, e em plano inclinado; de um lado, as altas Os dois batentessão formados de grossas tábuas de cas¬
paredes sombrias da sé; do lado do nascente,umas tanho, sem lavor algum; mas sobre os batentesapplicaram
casas pittorescas,varandas com parreiras,uma alpen- tarjas de ferro, alumiadas,muito lavradas, de vários dese¬
drada que é do celleiro do cabido, e um portal bra- nhos de nitida execução.A folha de ferro empregada terá
zonado que dá para o pateo de S. Miguel; do lado do i millimetro de espessura.Vinte pregos, de cabeças circu¬
-norte, a torre chamada de Sertorio, —onde está o lares e vincadas, fixam as tábuas nas travessas: treze de
decorativos,estão na tarja
observatorio meteorologico,— o celleiro e um lado do edifí¬ cabeçaslavradasem flor, muito
cio da Bibliotheca, e um passadiço, salvando em arco a via superior.
i36 ARTE PORTUGUEZA

As tarjas que estão ao alto são do mesmo typo; as duas A porta mudejar da sacristia da sé é notabilíssima; vi
inferiores e as quatro superiores são de motivos diversos; uma egual no museu archeologicode Madrid; nada tem de
de modo que a porta apresenta-nossete diíferentesfrisos, commum com esta.
ou tarjas, de ferro lavrado. É unica, esta porta! A grade do baptisterio é do século xv. Por isto podemos
Na tarja superior, pregaramuma sobre outra duas folhas talvez aventar que esta porta seja, ou as suas tarjas, da
do mesmotypo. Parece á primeiravistaqueaquellesfragmen¬ mesma epocha.
tos sobraram de outros trabalhos, e alguém os aproveitou O que é certo, é que esta porta é objecto para museu,
para ornar a porta. A grade de ferro do baptislerio da sé e será convenienterecolhel-a no que lhe fica vizinho, ou,
eborenseé muito notável; temuma cimalhaentreos batentes melhor ainda, transformar o tal celleiro, com alguns centos
e a decoração superior. Esta cimalha é ornada com uma de mil réis, em annexo do museu, o que é bem preciso,
tarja egual a uma das que se encontramna porta do celleiro. deixando a porta no seu logar.
Não conheço outro exemplo; nem sei de porta eguala esta. g. PEREIRA.
ARTE PORTUGUEZA i3 7

UBLIA HORTÊNSIA DE CASTRO


A bellae aindajuvenilmulher, desviadas do campoondepoderíam ter fructificado, se esterilisaram
de habitopretoe toucadobranco, na de «flosculos
confecção theologicaes», e deversossacros.
cujaphysionomia a gravuraadjun- E verdadequetambém nenhumaoutraentreas lettradasportu-
cta reproduz,pertence áquellepe¬ guezas tinhasidofrancamente humanista —verdadeira virago— como
quenogrupodedamas lettradasque as italianasdo séculoxv, no sentidohonoríficoemqueos homens
se distinguiram e ganharam nome da Renascença empregavam o termo,hoje tão mal acceite.A re¬
no séculoxvi,durantea muito daslettraspenetrou emPortugaldepoisdograndeschisma
nascença
curtamasvivazflorescência do daigreja.A ReformadosEstudos(i53y)coincidiuquasicomo Con¬
renascimento portuguez, e cilio Tridentino, sendoseguida depertoda introducção daCensurae
que é costume(um tanto incorrecto) agruparmos em daInquisição(i53cj)e do triumphodaCompanhia deJesus(i 545):é
volta da infantaD. Maria, i celebrando-asem globo, porissoquequasitodosos escriptorescultivaramdesdeentão, con-
comphrases sonorase hyperboles encomiásticas,comosóciasdeuma junctamente, comadmiravel prudência, sciencias humanas e divinas.
academia feminina, insignesemsciencias e artes,ououtrastantasmu¬ Mas,aindaassim, nacôrtelia-seeescrevia-se, nosdiasdeD.JoãoIII,
sasinspiradas e inspiradoras — quaecumomnevetustate certanteru- a pardeobrasde theologia, romances de cavalleria, novellaspasto¬
— parad’estemodoencobrirmos
ditione a nossagrandee lastimável ris, trovasdefolgare versosdeamor,emquanto emEvorapredomi¬
ignorância á cerca do seuméritoreal. navamassciencias sacras.
É verdadeque aquellade quetratamosnãoé dasmaisconheci¬ Ninguém imaginará PaulaVicente,JoannaVaz,LuizaSigea,D. Leo-
das,quesedestacavam altase altivasdaschieravolgare,cingidas das nordeNoronhano tragereligiosodeHortênsia deCastro.
aureolasda admiração geral,derivada dasuaprosapia, seugenioe for¬ E bomdistinguirmos, estabelecendo estasdifferenças, quea gra¬
mosura, demodoa seremavistadas de longe.Os severos e poucovul¬ vuraajudaa fixar.
garesconhecimentos d’ellaforamapplaudidos apenas por umcirculo
restrictodesábiosconterrâneos.
Nãosendosenhorade sanguereal,nemda primeiranobreza, não
tinhaa dispensar valiosissimos favores,nemmesmoviviana côrte Quandoa vipelaprimeiravez,fiqueiumpoucodesapontada—con¬
emcontactocomospoetasáulicos: fesso-ocomfranqueza. Aos leitoresda Arte Portuguesatalvezsuc-
Maestraenpalacio cedao mesmo.
delasartesdeLacio A lindamenina da lenda,disfarçada emalegreestudante, o qual
vestíamos (maugradodocrassoanachronismo) como velludopretoe
comoasduasSigeas,JoannaVaz e Paula,a tangedora. as rendasdosmodernostunantes da naçãovizinha;a donzellalusi¬
Porissonãorecebeumissivasdepapase imperadores, nemtrocou tana,quepelaartedo seudizerganhouo cognome deHortênsia, ac-
emprosae metrocumprimentos emtreslinguasmortascomassum- crescentado ou substituído ao seunomedebaptismo, fazendo-o es¬
midadeslitterariasda epoca.Nenhumauctorconhecidolhe dedi¬ quecercompletamente4; aquellaquearrebatou umauditorioselecto
couassuasobras.Nemumsó poetaa celebrouemvidaou pranteou dedoutoslatinistas, e quereis,príncipese embaixadores iamouvire
depoisdemorta.Os posterostampouco selembraram delheattribuir comparavam á famosaromana,citadacomomodelodè eloquência
versosalheios,inserindo-os, emnomed’ella,emmiscellaneas manus- mulherile herdeiradostalentos do pae,o rivaldeCicero,cujosbri¬
criptas.Nem sequero fabulista-mór, que enriqueceu e amenisou a lhantesimprovisos, lúcidadisposição dasmatérias, voz melodiosae
historiada litteraturanacionalcomquantasanecdotas e lendasro¬ gesticulação artística,a historiaregista — ei-laahi transformada em
mânticas encontrava, applicaveis a typosportuguezes, a menciona n o gravefreira,rosárioempunho,a psalmodear, por encommenda de
Epitome, naEuropaou nosCommentarios camonianos, entreasnota¬ umaausterainfanta,queencheudois in-folioscomsuasnotasaos
bilidades patrias. Evangelhos paratodosos domingos 5.
Apenasumportuguez, umeruditodereconhecida probidade scien- Masestadesillusão nãonosdevetornarinjustos.E talveza freira
tifica— vir minimeadulatorsedgravissibique semper constans— que sejatãopoucohistóricacomoo estudante.
a viu e ouviuno primeirodia da suajovengloria,se lembroude A physionomia quea gravuraapresenta, é realmente sympathica,
attestarurbiet orbi o seusaberaristotelico e os seusdotesdeora¬ muitoembora nadaahilembreainspiração dequem,fallando, commo-
1
dora ; e, um poucomaistarde,um viajante extrangeiro pôdeainda veeenthusiasma asmassas, nem dosarrobos e xtáticosdeuma noivado
registarestamesmafamano seuItinerário. Senhor.Muitopelocontrario,o olharé umtantoabsorto,calmo,e,
É, portanto, umararaboafortunae umacasoquasiinexplicável o paraassimdizer,«viradoparadentro»,comodequem,reflectindo, es¬
o seuretrato,comofoi raraa boafortunaquenos con¬ cutaattento, áespera daspalavras emqueo cerebello, depoisdelenta
possuirmos
irá condensando as sensações querecebeu. Pódeserque
servounãosóaquellaunicacartalatinadeMestreAndrédeResende, elaboração,
queencerraa summula biographica daHortênsialusitana, masainda meengane, masaffigura-se-me que,abrindoellaa boccae fallando
enterrada atéo meadodo emprosaportugueza, as palavras p roferidas n ãosairiam fáceis,em
a preciosa notado italianoJ. B.Venturino,
rapidascatadupas de elegantes phrasesfeitas,masantesvagarosas e
séculonabibliotheca doVaticano.
nasobras graves,tendoumcunhoindividual, isto é,reproduzindo comsinceri¬
Se aquellase perdesse, comotantasoutras,nãoentrando
paraa Hispaniaillustrata dadee singelleza o quea própria mente lheiria dictando.
do benemerito archeologo, nempassando
E aquellamãodededosafilados, quesegurao calamo,escrevería
deSchott,e d’ahiparao Gyneceode NicolasAntonio,o Jardim de
heroino, o Portugalil- pausadamente, emcaracteres fortes,distinctos apenas pelasóbriacia-
Portugal,a Bibliotheca Lusitana-,o Theatro
volumes, impressos e ma- rezadostraços, apophthegmas moraesou trovasmuitosentenciosas,
lustradopelosexofeminino, e quantos mais
pesado dosdictosdafreira quedevemos aD.Joanna
nuscriptos, foramdedicados, dentroe fóradePortugal,ásdonasque no gostoe estylo
outracontemporânea e irmãemMinervadeHortênsia, que
illustrarama Penínsulaemvirtudes,lettras,armase artes3;e seHer- daGama,
culanonãotivessetrazidoá luz a Viagemdo CardealAlexandrino, o viveue morreuno mesmoambiente.
Faltam-nos, infelizmente, osmeios deaveriguarmos seesta diagnose
nometantasvezesrepetido— Hortênsiade Castro quevemosin- emromance vulgar
é verídica,ou seno queescreveu
scriptona nossagravura,seriahojeum meronome,nãonosdizendo —pensierosa— descobrir-se, contraa minhaespectativa, aquellaartedear¬
cousaalguma. podería
e correcta,pelaquala Hortênsia romana ganhou
Paraexplicartantaescassez denoticiase tantafaltadeenthusiasmo gumentar elocução 6, orandoempresença dostriumviros, e foiaccla-
nosauctores quinhentistas, emgeraltãoprodigoscomlouvores, deve¬ a causaquedefendia
mada nontantum in sexus honoreml. NadarestadasobrasdaHortên¬
moslembrar-nos aindadequeHortênsiaveiutarde,naperturbadíssi¬ cujostituloso doutoabbade deSever recolheu dequal¬
maeradoinfelizD.Sebastião, quandoo astroportuguez ía declinando sialusitana,
de querindiculo manuscripto. As Cartasvariase asVariaspoesias(em
comvertiginosa a
rapidez,parad’ahi pouco seapagar n astrevas
longe latime portuguez), queo irmãodafallecidapossuiaemi6i3, assim
Alcacer-Quebir. E, demaisa mais,nasceue viveunãosómente sobreassumptos dereligiãoe philosophia, intitula¬
deLisboa,masexactamente noquartelgeneral damiliciadeIgnaciode comoos dialagos a quejá alludi,e unsoitopsalmos, nacio-
Loyola,sobcujainfluenciaquasiillimitadaassuasaptidões naturaes, dosFlosculustheologicalis,
138 ARTE PORTUGUEZA

nalisadosa pedidodainfantaD. IsabeldeBragança, quepertenciam aconselhando o phantasiosomonarcha ácercadaSantaLiga e seuca¬


á livrariaregia— tudodesappareceu — consequência fataldo prover¬ samentocommadame Marguerite, observaros fios que,partindode
bialdesleixod’estanaçãofidalga, queconsidera comoindignamesqui¬ Roma,Lisboa,Evora e Paris se cruzavame enleavam, ásvezes,no
nhezarrecadar e contarvalorestãomiúdos. Escurial.CaminhodeEivasa Evora,o Legadodo Pontífice,Miguel
Existeapenasumacarta-prologo, depoucaslinhase diminutoal¬ Bonelli(aliás,cardealAlexandrino), queía acompanhado do geralda
cance,dirigidaá suaprotectora, e quenãoprimapelaforma®. ordemdeJesus,o venerável S.FranciscodeBorja,e grandecomitiva,
Concluiremos quea gloriosaantonomasia, nãodevendo no
serenten- hospedou-se magnificopalaciodos duquesdeBragança. No pro-
dendidaao pé da lettra,significaapenas queHortênsiadeCastrofoi grammadosfestejos projectados,figuravaum discursode Hortênsia.
no séculoxvi (quedistribuíaliberalmente oscognomes dePlatão,TᬠMasnãoserealisou,por faltadetempo.
cito,Seneca, Virgílio,Ennio,Plauto,Lucano),a primeiraportugueza Foi entãoqueJ. B. Venturino,quetomaraa seucargodescrever
que«orou» empublico9? Outeremosdesuppôrquea poucafluência emitalianoo processodaviagem,lançouao seumemoriala notase¬
da suaprosaportugueza provinhaexactamente do costumede arre¬ guinte:
dondarperíodosnalinguadeCicero,e queno seuespiritosetravara «Villaviçosatemformosas mulherese,entreoutras,umaquenãoo
certaluctaentreaselegantes e typicasformulas dosexercícios latinos é menosdealmaquedocorpo,daedadedevintee tresannos,filhade
e as construcções syntaxicas da linguapatria,tão poucocultaainda Thoméde Castro,á qual,por suamuitalitteratura, chamamPublia
então?«o Hortênsia.Estadonzella,quetinhaestadoemSalamanca, quizdefen¬
# derconclusões naturaese legaes,o quenãotevelogarpor causada
súbitapartidado LegadoM.»
Tresannosmaistarde,encontramos HortênsianaresidênciadoSe¬
Podemosassignalar tresou quatrodiasnavidadaillustrecalopoli- nhorD. Duarte,creioqueemEvora,nospaçosreaes,no quartoda
— o
tense,entreos quaesum só foi degloriae defrancaalegria pri¬ infantaD. Isabel,que,alvoroçada coma partidadeD. Sebastião para
meiro.
EstamosemEvora,no annode 1565(seosmeuscálculosmerecem
confiança),na sumptuosa saladosactosdaUniversidade do Cardeal-
Infante,ou porventura no paçoarchiepiscopal. Hortênsiatinhaentão
dezesete annos,e todaa frescurae todoo enthusiasmo d’essaedade.
Estavalá paradiscursarsobreassumptos de philosophiamoral,de¬
fendendothesescontraquantoseruditosopponentes quizessem que¬
brarlançascomella.
No auditorio,queincluiriatudoquantoa cidadedeSertoriotinha
demaisselectoemlettrase sciencias, achava-se,conforme já seindi¬
cou,o venerando septuagenário AndrédeResende, quedistribuiupal¬
masenthusiasticamente, jubilosoporquea suamuitoamadaterrana¬
tal, cujahistoriacontinuava a elucidar,possuiaa final a suagloria
feminina,umaoradoraerudita,quepodiarivalisarnãosó comasda¬
masda côrte,masaté comas notabilidades de Salamanca e Alcalá,
Paris,Bolonhae Roma,mesmoa RomadeCicero.
Depoisdeterfelicitadoo pae,ThomédeCastro,e o irmãoJerony-
mo,assimcomoosprofessores circumstantes queos tinhamcoadju¬
vado,prognosticando á gentilmeninaumfuturobrilhante,eil-oreco¬
lhendo-seapressadamente ao seugabinetede estudo,que equivalia
a um museudeantiguidades, e sentando-se á escrivaninha,parapro¬
palara boanova.
Comquemcomeçaria?
Deviadesculpas a um jurisconsulto afamado, hespanhol, queten-
táravisital-o,poucosdiasantes,e a quem,muitoa seupesar,não
poderáfazeras honrasda cidade,porqueo «barbaro»quemandava
durantea ausência do governador, fecháraasportasaovisitante, pre¬
textandoque,emboraviessedeTalavera,podiatrazercomsigoo ba-
cillusda temívelepidemia quedevastava Sevilha.Traçou poisa fór¬
mulainicial:

BARTHOLOIVLEOFRLE ALBERNOTIO JURISPERITO


DOCTISSIMO
L. ANDREAS RESENDIUS (Segundo
umquadro aoleo, cobre,
sobre
pertencente mo
aoex. tíraamcamp
sr.Anselmo Freire)
S. P. D.

e principiou,poucomaisou menos: a primeiraguerrade África,quizquea suaprotegidarezassecom


«Quantaalegriaa tuavisitameteriaproporcionado, tantatristeza voz eloquente, massemseafastardaspalavrasda EscripturaSanta,
me causoua inqualificável grosseriado meticuloso vice-governador pelavida e victoriade seufilho D. Duarte(o presumptivo herdeiro
da comarca...Penafoi realmente quenãoentrasses n’estacidade... dacorôadeD.Manuel),queembarcava como monarcha (1574).
porque,aindaquemaisnadativesses encontrado, dequete regosijas- NotemosqueHortênsia, depoisde se ter desempenhado, apparen-
ses(e,paradizerverdade, temosaquialgumas c ousas bembonitas), temente c omrigorosaexactidão,daincumbência, accrescentouainda,
seisdiasdepoisdatuapartida,a umespectᬠmotu-proprio,
poderiaster assistido, umajaculatória —outrofragmento demosaicofeitocom
culo unico,ouvindoa PubliaHortênsiade Castro,umameninade versosdeDavid—pedindoaoOmnipotente a destruição
dos turcos,
dezeseteannos,instruída,alemdo vulgar,nos estudosaristotelicos, hereges e maisinfiéis.
disputarpublicamente, desfazendocomsummapericiae graçaos ar- Em Eivasé quesepassao ultimoacto.FilippeII estavarealisando
guciososargumentos quelhe oppunham muitoshomensdoutos,es- a suaentrada solemne no reinoconquistado,e todosquantosnecessi¬
forcando-sepor combater asthesesd’ella.E mesmotu,ó sabiojuris¬ tavamdefavores approximavam-se d’elle.Hortênsia,
quejápassava dos
consulto,teriasconfessado quenuncapresenceaste um torneiomais trinta,esquecendo no meiodoluetonacional, depoisdo grandecata-
formoso,nempoderiaster negadoque umacidadequeproduztal clysmo,os seussonhosjuvenisdegloriapessoal, desejavarefugiar-se
donzella(demaisa maisdefiguramuitoagradavel) 11
, eradignadeser no quietoremanso deummosteiro, semterquema ajudasse a pagaro
— e fossesómente
visitada por estacausa'2.» doteconventual. A infantajá nãovivia(desde16desetembro dei5y6).
Se nãofoi ao fim do discursoquea oradorafoi acclamada Hor¬ O senhorD.Duarte,quevoltarasãoe salvoda inútil expedição a
tênsialusitana,somosforçadosa admittirque já ganharafamae Tanger,fallecera poucodepois(28novembro dei5y6),semselembrar
nomeanteriormente, vistoqueResende a appellidaassim. no seuextensotestamento d’aquella
que,emdiasdeangustia, mistu¬
O theatroda segunda scenafoiVillaViçosa,d’ondeHortênsiaera rara su«slagrimase precescomasda edosamãe.O Jrmãoía entrar
oriunda.Uma embaixada especialvinhaem 1571de Roma>3, para, (ou já entrara)naordemdosprégadores.
ARTE PORTUGUEZA 3g

I
Só e solteira,quehaviadefazersenãosubstituir o enclausuramentouniversidade peninsular,l metteuestenome,semreceiode errar».

6
emumdosmuitosconventos alemtejanos ao encerramento naprópria Os nacionaes, pelocontrario, metteram Coimbra.Sabendo, porém,de
casa,ondetinhavividoatéentãocomo«viuvade observância», para scienciacerta,que nuncadamaalgumase tinhasentadonas ban¬
empregarmos a formulaclassicadaepocha? cadasdasaulasconimbricenses, idearama unicaexplicação possivel,
A idéadeutilisarpelaultimavezo seubellotalento, a fimde achar dando-a comocerta:queHortênsia vestiratrajesdeestudante, vivendo
umnovoprotector,nãoé extranhavel. incógnitanacompanhia dedoisirmãos.
Ignoramos seHortênsiafallourealmente empresença daSacraCe- Fizerammaleminventardoisirmãos,não se contentando como
sareae RealMagestade deFilippeII, comoa lendaquer,ou seteve, unicocujaexistência estáprovada, porque,d’estemodo, historiade

a
comotantosoutros,finurabastante paraemmudecer gelada deante do Hortênsiaficoudemasiadamente parecidacom de outrasmulheres

a
magestatico sociegodo impassível monarcha; ou seeste,desejoso de illustres, como,porexemplo, dacelebreD. IsabelVergara.

a
comprarcorações, nemmesmoa avistou,contentando-se comasin¬ Os poucosfactospositivosqueconhecemos, obrigam-nospresu¬

a
formações e recommendações dosinfluentes quea metteram nalista mir,tendoemcontao caractere tendências da nação do tempo

»
,7
e
dosquemereciam umatençasinha. O certoé queno diadapartidade queHortênsia, queencontramos emEvora,Villa Viçosa Eivas,mas

e
Eivas,depoisdavisitaá casade D.Catharina deBragança, FilippeII nuncafóradasuaprovíncia, foi doutrinada emcasa,comoquasitodas
dooua Hortênsiaumapensãoannualde i 5#>ooo réis,«havendo res¬ as filhasde lettrados»S, primeirona sua cidadenatal depoisem

e
peitoássuaslettrase sufficiencia», «perasemelhorpodersustentar e Evora,auxiliadapeloarcebispo D.João deMello, santodeaspecto

o
recolher»—mercê daqualsepassoualvará,comforçaretroactiva, oito mortificadoqueVenturinodescreve, proximoparentedeThomé

e
mezesmaistarde,a pedidodo príncipe-cardeal, Albertod’Áustria, o de Castro:recommendal-a-ia aospríncipese magnates nassuasre¬
vice-rei. petidasvisitas cidadedeSertorio, facilmente impetraria d’estee

e
Publicoo alvarádeFilippeII, queo sr.D. JoséPessanha obsequio¬ d’aquell’outro lentedo collegiodo EspiritoSanto,fundadopelocar¬
samente procurouparamimnaTorre doTombo.Acha-seahinolivro deal-infante emi55i transformado emuniversidade emi55g, favor

o
conhecidopela designação, D. Sebastião e D. Henrique,livro 45.°, delerem suaintelligente sobrinhaumprivatissimum emlinguas, let¬

á
a 217,v. diz:
fl.

tras sciencias. Nãoduvidoquerezasse, conjunctamente comseuir¬


E

e
e tc.
«D.Felippe, Faço saber aosqueestacarta virem,que,havendo mão,primeiropelaDoutrinachristãdo padreMarcos,apprendendo
respeitoás lettras sufficiencia de PubliaHortênsiade Crasto latimpela obra de ManuelAlvares,estudando depoiscom Mestre
e

e
a

m’opedir PríncipeCardeal,heiporbemdelhefazermercêqueella Ignacio Luiz deMolina, recebendo


e maisdeumavezos christia-
o

e
haja tenhade minhafazenda, emcadaumanno,quinzemil réisde nissimos conselhos deS.FranciscodeBorja,que,comoGeraldaOr¬
e

tença,perasemelhorpodersustentar recolher;os quaescomeçará dem,desejavaardentementeprosperidade das fundações eboren¬


e

a
vencerde 28diasdo mezde fevereirod’esteannopresente de581 ses .

a

emdeante. Pelo quemandoaosvédoresdeminhafazenda quelhefa¬ Aos poetas, quenãoquizerem abandonar idéado disfarce,lem¬

a
çamassentar os ditosquinzemilréisde tençanolivrod’ellase despa¬ brareiapenasqueo trajedosestudantes era— talarpreto, rou¬

a
o
chardosditos28defevereiroem cadaumanno parteonded’elles petadosjesuítas.
é, a

hajabompagamento. porfirmezado quedito lhemandeipassar *


E

estacartade padrão,por mimassignada selladacom meusello * #


e

pendente.
«Baptistade Guevaraa fez.— Eivas, doisdenovembro, annode Lancemos maisum olharsobrea nossagravura. Nãopudevêr

o
a

581.—Eu,ManuelPessoa,a fiz escrever.» original.


1

Paraondeiria? provávelque«serecolhesse» semproferirvotos Se pequeno quadro, p intado oleo sobrecobre,que se acha


a
o
É

nagaleriado ex.,," sr.Braamcamp


>

vistoque ninguémfalia de SororHortênsia,ou lhe co¬ actualmente Freire—e que,sob

o
monásticos,
nheceo novonomereligioso. pontodevistadaarte,parecenãotergrandeimportância— fôr real-
BarbosaMachadodizquefoi sepultada noclaustrodosAgostinhos menteumaveraeffigie,talvezdatedoannodei58i emqueHortên¬
deEvora(Pantheondos Duques).Ponhamos d asAgostinhas ( vulgo, siaseresolveua enclausurar-se, nãopodendo s erposterior a oanno de
convento do MeninoJesus), teremosencontrado o mosteiroonde i5g5,emquemorreu.
e

talvezpassasse restodosseusdias—discursando, escrevendoen¬ Que palavrasmysteriosas são as que acabade inscrevercomo


e
o

toandono officiodivinodosdiassolemnes canto-chão, semcorrom¬ lemmana paginaabertado livro quesymbolisaa suaerudição? Um


o

devotae grave, versículo daBiblia?uma salomonica queattrahiu suaat-


a
pernemmudar u mpontodoantigo, attenta,mesurada, sentença
comoexigia severoAspilcuetaNavarro— atéadormecer, em tenção, que procurainterpretar, relembrando experiencias pes-
e
,5
1
5
g
o

na paz do Senhor,tendo,portanto,um santo bomfim,apesardos soaes?


e

mausprognosticos comqueo povoameaça, zombando o u comseria Dantimihisapientiam, dabo gloriam.


Glorificarei quemmefe$sabia? Escrevereipanegyricod’aquelle
0

malquerença,«mulherquesabelatim».»
a
5
a

varãoquemeinstruiu?Louvareiaquellequememostrouo meuver¬
dadeirodestino, abrindo-me asportasdoconvento? Ou antes:Canta¬
reihymnose psalmos aoCreador,que,concedendo-me a minhaintelli-
gencia,mefej ditosa?Ou ainda:Bemdireia quem,n’estasdensas
cercam, meder sciencia, desvendando -meos myste-
ICOU dito quemuitosentreos estudiosos, trevasquenos
a

historiarama riosdavida damorte?


e

quedo séculoxvnemdeante
culturaintellectualde Portugal,copiaram Ignoro-o.
asphrases deResende Ventu- Sabemos muitopoucodeHortênsia deCastroparaadivinharo seu
glosaram
e
e

rino sobreHortênsia. pensar intimo.


Seráprecisoassentarmos agoraque os
repetidoresaccrescentaram algunsponti¬ KPTAS
C

nhos historia,creando umalenda?


á

Deixandode parteaffirmações gratuitas, antiquárioeborense erae detalordem, que0 auctor daBi-


renome doerudito
é
1
O

como daassistência no paçode D.Maria, bliotheca hispana náoexaggerava muito quando dizia,
com relação Hortênsia
deCastro:
a
a

errospequenos, como20$>ooo réisemlo- InAndréa Resendii monumentis eeternum vivet.


e

queBarbosa Machado dispunha demais algunsmateriaes,


Ê,

réis,fallareiapenasde um porém, justoconfessar


5

gar de #>ooo —Desconheço


predecessores. o
5

próprias
investigações ouaotrabalho dosseus
n’estefindarde devidos
i

pontoqueofferece certointeresse deVillaViçosa deFrancisco Moraes Sardinha,nem tenhoagoramãoEvora


á

os Parnasso padre
século,em que mulher, q ue tentadestruir gloriosa deFrancisco da Fonseca. Tampouco reli Enthusiasmus poeticus
do An¬
o
a

dosReis,vêrsehaahialgum dístico emhomenagem Hortênsia. nunca tive


injustosprivilégiosdo sexoforte,deitadevezem tônio
E
a
a

ensejodelerumartigo deJoaquim Heliodoro daCunha Rivara naRevistauniversallis-


quandoum olharde piedosa gratarecordação bonense
e

deoutubro de 1844),que se occupa dos talentosfeminisportuguezes,


fazendo
(5

paraasprecursoras quenosséculospassados suc- deHortênsia.


commemoração
enthusiastica
das náoa conheceu. mesmo valedeDuarte Nunes deLeão,
O

cumbiram, tentandoemvãodesacorrentar-se Jádisse queFariaSousa


3

.dasperfeições damulher portugueza. dedicando umcapitulo dasua


e

peiasqueasaleijavam. que,tratando 10 suahabilidade liberaes,


Portugal para aslettrasartes náo
(o

entiou Descripcáo de 9o"


á

deVenturino,quecitámos,
)

Parece-mequena passagem Hortênsia aoladod i


as nfantas,
princezas, fidalgas mestrasregiasquec elebra.
e

umpormenorinexacto.OuvindodizerqueHortênsiadefendera the- admitte Hortênsia, ou,antes,com orthographiaclaudicante,


Hortencia.
A gravura dizapenas
*

dizexpressamenteque lhederam
ses, italianoinferiuqueellafizeraacto,depoisdetercursadoregu¬ Todos Hortênsia.italiano
O

osmaischamam Publia
a
o

universidade, osdoisnomes «por suamuita litteratura.. filhadoopulento causídico,


Q.Hortensius
Á

larmentehumanidades, philosophia theologian’uma portanto,que


e

Hortalus,náo p porém,
ertence, nome Publia .—Deveremos pensar, Thomé
0

como,aoverde todosos extrangeiros, Salamanca era verdadeira


a
e
140 ARTE PORTUGUEZA

deCastro deuasuafilha, noactodobaptismo, onome ?Queillustre


Publia latinista
seria 13É n’estadata quesebaseiam osmeus cálculos
—aunica queconhecemos,
vistoque
então o seupadrinho? Náoconheço outra Publia portugueza,
entreasQuinhentistas.Os acarta deResende nãotemnenhuma. Quem em1571 erade23annos
deviacontar17em
nomes romanos ainda nãoestavam entãonamoda. i565,tendo nascido em1548 eperfazendo 33em158» noactoderecolher-se.
6Barb. Mach., 1,924b. '* V. Herculano, vi,p.57-58.—
Opusculos, Com respeito veja-se
áviagem, ainda:Barb.
0Isenção dasricasoptimatesdecertos impostos queosquestores queriam
lhes lançar. Mach., Memórias deD.Sebastião, ui,cap.vi.—Fr.LuizdeSousa,Barthol.
dosMar-
: Quint.,1.1.6.—Vai. Max.,viu,3,3. tyres,iu,p.22. —Sanches Moguel, Reparaciones
históricas, —Falcão
p.245-2G6. deRe¬
* «Vossa Alteza mehamandado tirarosversos doPsalterio
com quesepudessem pe¬ zende, Poesias,p.i3i.
diraDeus quattro vidaevictoria
cousas: para oPríncipeD.Duarte,seucaríssimofilhoe 16Ainda hapouco, F.A. Coelho, quetambém sereferiu
aHortênsia
nosseusinteres¬
príncipenosso; itemqueDeus o livrasse dosperigos daterra,domaredosinimigos.santes estudos sobre aHistoria
dainstrucção popular doensino,
(Rev. x,p.63),citoúo
E V. A. como mais conversacomosceos quecomnósoutros, medeuaordem como proloquio popular,emais alguns dictos
sobre o mesmo assumpto.
compuzesse 0 psalmo, cmo qualhavia depedir estasquattro
cousasquememanda; 16 Osannaes dauniversidadedeSalamanca, queregistamcomosdevidoslouvores
queoPsalmo
scilicet comece emlouvores deDeus, o qualeuobservei;
porque noprin¬ bastantes nomes portuguezes,
eosdealgumas meninas quesematricularam
castelhanas
cipioponho umoudoisversos invitatoriosouquenosconvidam alouvaraDeus, elogo effectivamenteemhumanidades, philosophiaetheologia—como D.AlvaradeAlba,em
umverso com que V.A.louva aDeus» etc.etc.—Barb. Mach.,u,629•». 1546—nãofaliam deHortênsia.
V. D.Alejandro VidalyDiaz,Memórias
históricas
dela
8 Nãodigoaunica, porqueestou lembrada deD.Isabel deCastro eAndrade que universidaddeSalamanca, Sal.,1869.
«defendeuconclusões dephilosophiaetheològia noconventodoVaratojo». 17 Baste citaro nome deD.Antonia deLebrija.
10Comparem oportuguezdoshumanistas comoseulatim. —Everdade queadicção 18A vidadeSoror AutadaMadre deDeus,dequem seconta
omesmo facto,
nãopóde
deBarros easproposições masculas deGoes jásignificamumgrande progresso,mas, serallegada como provacontraproductiva,
vistoqueestáenvolvida
emtrevasc lendas.
naminha humilde ehereticaopinião,nãohouve bom estylo
deprosaantesdeBritoefrei 18D. JoãodeMellohospedou em1571 o cardealAlexandrino
eSãoFrancisco de
LuizdeSousa. Borjanospaços deSertorio,onde vivia.
" >Omitto formam intra
modum venustam».
11 DeAntiquitatibus Libriquattuor.
Lusitcmiae. Romae, —Sóesta
1597. cartaseconser¬ Porto,15 dejulhode
vou.Todavia, quem conhecermedianamente amania epistolar
quegrassava entreossᬠ1895.
biosdaRenascença, nãoduvidaráquemuitos mais correspondentes
dorespeitável
ancião
foram devidamente inteirados
doapparecimento d'aquella
oitava
maravilhadoAlemtejo. Caroliná MICHAÉLIS DE VASCONCELLOS.

O TERCEIRO CASAMENTO rio, passasse incólume o quadro que representao terceiro


DE casamento do monarcha venturoso. Altos destinos! Este
quadro tem passado por um original do pretendido Grão
EL-REI D. MANUEL Vasco, ou da sua escola! quando elle é puramente da es¬
cola hespanholaantiga. No anno de 1861foi o quadro man¬
QUADRO que representa o dado restaurarpelo visconde de Benagazil,entãoprovedor.»
casamento de el-rei D. Manuel Esta restauração foi seguramenteuma fatalidade, como
com a infanta D. Leonor per¬ tantas outras restaurações de pinturas que se têem perpe¬
tenceá Santa Casa daMisericór¬ trado n’este paiz, arruinando para sempre joias de subido
dia de Lisboa; orna ha muitos valor; todavia, eu creio que as linhas principaes, o desenho,
annos o gabinete do ex.moPro¬ o tom geral do quadro venceramo amanho; tal como está,
vedor, com outros quadros e é ainda um bello quadro, da escola hespanholaantiga; para
objectos dignos de nota. O qua¬ nós, um documento de primeira ordem.
dro foi mui cuidadosamentede¬ No quadro ha doze figuras singellamentevestidas, e a
senhado pelo sr. Gameiro. scena passa-se n’um interior de igreja pobre. Como tal
O abbade de Castro escreveua respeito d’esta pintura: simplicidade no terceiro casamentode D. Manuel, na plena
Resumo historico sobreo quadro a oleo representandoo acto gloria d‘esse extraordinário reinado?
do casamentod’el-rei o senhor D. Manuel com a senhora Na frente, estão os retratos de D. Manuel e de D. Leo¬
D. Leonor. (Lisboa, typ. Univ., 1871,folh. de 6 pag. in-8.°). nor, dando as mãos; o prelado abençoa; ao lado direito,
Pondo de parte algumas confusões do escripto do abbade avista-setoda a figura de D. Álvaro da Costa; ao esquerdo,
de Castro, ha no folheto dados aproveitáveis. a figura toda de uma dama, ainda nova: de outra só se vê
D. Álvaro da Costa, provedor da Misericórdia de Lisboa, o busto, de outras duas apenasas cabeças;e, á direita, qua¬
encommendoua pintura ao toledano Blas dei Prado, disci- tro homens barbados, atrás de D. Álvaro. Os homenstêem
pulo de Pedro Berruguete. No lado direito do quadro se as cabeças cobertas, de barretes ligeiros; o rei está desco¬
vê o retrato de D. Álvaro da Costa, com o manto de ca- berto. O sacerdote,que é D. Martinho da Costa, arcebispo
valleiro da Ordem militar de Christo, tendo em lettras doi¬ de Lisboa, está de barrete também, sem mitra.
radas, na orla do manto: D. Álvaro da Costa, PrimS 0 Parece, e é verdade, que estavam todos de viagem, de
P. dorTesta Casa. abalada.
Primeiro provedor depois que a irmandadeda Misericór¬ Esse casamento com D. Leonor, filha de Filippe I de
dia tomou posse do edifício novo; porque D. Álvaro foi o Castella, irmã do imperador Carlos V, foi, ao que rezam
oitavo, na lista dos provedores. chronicas, um capricho bem singular de D. Manuel; em
No Abcedario Pittorico de Pellegrino Antonio Orlandi, roda da gentil princeza, antes e durante o matrimonio, ra¬
augmentado por P. Guarienti (Venezia, 1753), fallando do biou a intriga palaciana,e ainda depois de viuva de D. Ma¬
pintor Blas dei Prado, se diz: Nella casa dei Signori Fra- nuel (ella passou a segundasnúpcias com Francisco
I),

em-
telli delia Misericórdia eu Portogallo, di mano di lui veg- quanto se demorou em Portugal, as más linguas cortezãs
gonsi i Sponsali dei Re Dom Emmanuele egi~egiamente rap- badalaram farta.
á

presentati. (Folheto do abbadede Castro, pag. 5. Raczynski, (Sobre este casamento: Historia genealógica, por A. C.
Les Arts en Portugal, pag. 317). de Sousa, pag. 235 seg. do tomo m.—Damião de Goes,
e

«Tudo n’este quadro é perfeitamentepintado, observa o


4.a

parte da Chronica dei Rei D. Manuel, cap. xxxm


e

abbade. É necessáriamuita observação do natural e muita xxxiv.—Pinheiro Chagas, na Hist. de Portugal, vol. v,
pratica de pintar para se conseguir tanto. Pode-se reputar pag. ui g, etc.).
3
e
i

um bom quadro. O que sem duvida causa admiração é casamentofoi negociadopor D. Álvaro da Costa, vulto
O

que, tendo a irmandade da Santa Casa da Misericórdia de mui notável do tempo de D. Manuel, com o maior segredo;
Lisboa, pelo fatal terremoto e incêndio do i.° de novembro eífectuou-sepor procuraçãoemSaragoça,em maio de
5

e
8
i
i
,

de i 755, soffrido tantos destroços no seu sumptuoso edifí¬ por pessoasnahumilde igrejado Crato, emnovembrodo mes¬
cio, templo, alfaias, casa do despacho, secretaria e carto- mo anno. Chegaram ao Crato por uma tarde de novembro.
ARTE PORTUGUEZA

«Este dia que se século xvi. Era moda


despediram uns dos aquella linha.
outros, veiu a rainha O braço de D. Ma¬
dormir ao Castello de nuel é mui comprido;
Vide, onde esteve um não é erro do pintor;
dia, e ao seguinte se D. Manuel tinha os
foi ao Grato; depois da
braços extraordinaria¬
rainha ter ceiado, che¬ mente compridos, nos
gou el-rei ásnove horas diz Damião de Goes.
da noite, o qual a rai¬ Já fiz notar a singel-
nha veiu receber no leza da indumentária:
peitoril da escada da são pessoas da corte
sala, onde se fizeram em trajos de viagem.
suas cortezias como Todas as figuras pa¬
d'entre marido e mu¬ recem retratos; o de
lher, o que feito, o prín¬ D. Manuel deve estar
cipe (pobre príncipe!) parecido; tinha então
que vinha com el-rei, quarentaenoveannos;
quizera beijar a mão á recorda bem a cabeça
rainha, mas ella lh’a do quadro n.° 68o do
não quiz dar, posto que Museu Nacional de
o príncipe n’isso insis¬ Bellas Artes, e outras
tisse; após o príncipe, pinturas.Póde fazer-se
lh’a beijou D. Jorge, uma serie de retratos
duque de Coimbra, de D. Manuel, em dif-
mestre de S. Thiago e ferentesedades.Este é
de Aviz; e porque a talvez o ultimo.
rainha, como disse, ti¬ D. Álvaro da Costa
nha já ceiado, houve apresenta-nos uma
logo na mesma sala bella figuraportugueza
serão; n’esta mesma d’aquelle extraordiná¬
noite os recebeu o ar¬ rio período. Esse ho¬
cebispo de Lisboa.» mem jaz num dos
Isto contaDamião de maiselegantestumulos
Goes.Foi um casamen¬ emmadeira,
(Pintura deLisboa;
naMisericórdia
existente desenho
deR.Gameiro) em estylo do renasci¬
to n’uma cavalgada; mento que temos em
chegadainesperada,cortezia, um bocado de serão, e benção Portugal, na capella-mórdo mosteiro do Paraiso, emEvora.
nupcial, de D. Manuel com a irmã do imperador! Parece que A scenapintadan’estequadro, bem explicadae desfiada,
ella, quando viu o príncipe, disse admirada: Este ésel bovo? dava um interessantevolume de historia portugueza, e até
porque lhe tinham pintado o príncipe como um desastrado. um romance historico de incidentes palacianos,comicos e
A cerimonia nupcial foi á noite; isto não se vê no quadro, dramáticos,com assoviosde intrigas e angustiasde corações
não ha tochas, nem alampadas; provavelmenteD. Álvaro rasgados, graves embaixadoresfazendo política e pesando
esqueceu-se d’esta circumstancia, ou não a quiz lembrar, oiros, juvenisdamasem galanteiose saraus,mesquinhostrai¬
quando fez a encommenda a Blas dei Prado. A attitude dores e espiõesinfamesenvenenandoprojectose devaneios;
da infanta, com o ventre adeantado, não causa extranheza; a miséria que nos parece impossível no meio de triumphos
vê-se frequentementeem retratos de damas principaes, no tamanhos,em dias de tantasmaravilhas. G PEREIRA

CASA PORTUGUEZA
(S. PEDRO DO SUL)

OS typos de casas
de S. Pedro do Sul que
apresentamos repro¬
duzidos em gravura,
têem bem definido ca¬
racter. Escadas exte¬
riores, com ou sem
guarda; varandas co¬
bertas, salientes, de
madeira.
Dois prédios contí¬
guos, um d’ellesfazen-
142 ARTE PORTUGUEZA

do a esquina; n’este, a escada outro, só o patamar é guardado; ha


lateral, no lado da travessa; no ainda um exemplo que nos mostra
outro, a escadaá frente, sob a guardado só um lado do patamar, e
varanda; em ambos estes pré¬ outro, finalmente,sem defesaalguma.
dios a varandatem o seu apoio Parece á primeira vista que uma es¬
na parede mestra, grossa, for¬ cadasemguarda,aindaque de poucos
mada de grandes pedras no pa¬ degraus, é um perigo constante; são
vimento inferior, mais delgada degraus direitos e de bom tamanho.

e reintrante no segundo pavimento. Em construcçõesmodernas de Lisboa, carpinteiros mui ha¬


Outro typo: a parede não varia de prumada; então, para bilidosos produzem escadasde pescoçode cavallo, em leque,
apoiar a varanda, ergue-se uma valente pilastra, ou uma etc., bem mais perigosas, verdadeiros quebra-costas. Mas
columna. que differenças entre estas casas de S. Pedro do Sul e as
Em um prédio de mais nobre apparencia, mantem-se a de outros pontos do paiz! Como estamos longe das casas
escadaexterior, toda com sua guarda em pedra lavrada; em urbanas ou rústicas das provindas meridionaes!

O PORTAL DOS JERONYMOS


Ao ver o portal dos Jeronymos, eu imagino um quadro de doutores, de cavalleiros, de homens-bons, de pescado¬
com muitas figuras e episodios. res, da maruja e até da arraia miuda faliam, dão senten-
Mestre architecto, portuguez, italiano ou biscainho, com

os seus papeis da traça e o seu giz vermelho, carapuço á


banda e gibão desatacado,gira e attende, entre as dúzias
de canteiros lavranteâda silharia; e os grupos de frades,
H4 ARTE PORTUGUEZA

E o mestre, rindo, vae mettendona traça, das), se abremdois vãos devolta mui achatada,
brincando, os elementosque elleslembram na tendo entre si um pilar acompanhado de co-
sua ingenuidade. lumna, cujo capitel serve de peanha á estatua
—De que mais se lembrarão vocês? que representa effigiado o infante D. Henri¬
E fica, e ficou, representada a mente da que, em corpo inteiro, vestido de arnez, gre¬
epocha: o estadoda patria; a historia, a reli¬ vas e de cotta de armas. Aos lados e no mes¬
gião, a crença popular; o motivo do cultismo, mo nivel, vêem-seem nichosos dozeapostolos,
o elementoda moda, á romana,a par do trecho também de pedra e do mesmo tamanho. Por
do ultramar, do alem da barra, da sublime cima do remate da guarnição exterior do arco
foz do Tejo, que se ouve e se vê alli perto, maior, acha-seuma grandeimagemda Senhora
vaginaa mais gloriosa da civilisaçãomoderna. dos Reis, cuja é a invocaçãod’esta igreja. Está
E ficou a estatuado Infante, heroe da scien- á sombra de um magestoso baldaquim, que
cia e da patria, não da lenda; e a espherade guarnecesuperiormenteuma fresta ou janella
D. Manuel, e o escudo das quinas, e ficou a que fica sobre a porta, com seu pequeno nicho
religião, o Crucifixo, Senhor dos Afflictos, e a habitado em cada hombreira. Aos lados d’esta
imagem da Virgem, mãe dos desamparados, janella, se vêem outras doze estatuas de san¬
e o S. Miguel, que afugentao demonio e os tos, menoresdo que as de baixo*mas também
maus pensamentos. E até uma vez um can¬ comoestasemnichos, coroadasHe baldaquins.
teiro, num recantoescuro da igreja, quasi oc- Na cimeira,fica em egual correspondênciada
culto por uma folhagem, esculpiu o peixe, o balaustradado telhado o archanjo S. Miguel.
pequenino e adorado peixe, que muitas gera¬ Para os lados, vêem-se dois frestões ou ja-
ções de pescadores tem forrado de beijos e nellas altíssimas e com eguaeshombreiras de
lagrimas. lavor entresachado, tendo a cada lado, em
Essa fluetuação do manuelino representa, meio relevo, dois fustes como de supporte,
a meu ver, exactamente,o espirito do tempo. findando em agulha, etc.»
E um echo da celeumada multidão; está ahi Pag. i 3 e 14 da Noticia histórica e descri-
esculpido o evangelhonacional. ptiva do mosteiro de Belem. (Lisboa, 1842),
publ. s. n. devida a Francisco Adolpho de
*
# # Varnhagen.
# *
Do mosteiro de Santa Maria de Belem, no
seu conjuncto ou dos seus trechos, têem tra¬ OS PREGOS
tado muitosescriptoresnacionaese extrangeiros.Rackzynski,
Quinet, o moderníssimo A. Haupt são bem conhecidos. Em quatro janellas ou frestões da parede sul do mos¬
E de F. A. de Varnhagen a Noticia histórica e descri- teiro dos Jefonymos, os canteiros, adoptando o motivo de¬
ptiva do mosteirode Belem (Lisboa, 1842). corativo da pregaria, apostaram, ao que parece, em variar
Na Historia de Portugal, continuação á de Schoefferpor cabeças. As gravurinhas representam alguns exemplares
J. L. Dominguesde Mendonça (Lisboa, 1845),no tomo vm, escolhidos entre as muicas dezenas de typos. Hoje, que
vem, como appendice, uma notável Noticia histórica de tanto se falia em estylisar, merece attenção esta pregaria.
Sancta Maria de Bethelem. Onde procuraram os motivos? alli perto, na praia, nas plan¬
O abbadede Castro, Antonio Damaso de Castro e Sousa, tas da horta: ha o caracol, o buzio, a patela; a amora, a
escreveu sobre o mosteiro. No Archivo pittoresco, vols. 1, romã entre-aberta, a capsula da dormideira, e outras se¬
vi, vm e ix se encontram artigos acompanhadosde gravu¬ mentes; ás vezes um barrete talvez, ou o turbante mou¬
ras do interior da igreja, do claustro e do portal. risco; e a esphera sob a cruz, ou a flor de tres, quatro,
O architecto da casa real, J. P. N. Silva, tem trabalhos cinco pétalas. Os motivosestavam alli perto, como se vê.
sobre o mosteiro. O que eu acho admiravel, é a graça com que esseshomens
Ribeiro Guimarães, no Summario de varia historia, estylisavam, como sabiam aproveitar o elemento, dando-
vol. 111;
Mendes Leal, nos Monumentosnacionaes;no vol. 11 lhe com facilidade um tom artístico na adaptação propor¬
das Artes e Lettras, etc., ha noticias e descripçõesde muita cionada e harmônica.
valia. *
* * #

O sr. Bigaglia, architecto, professor das escolas indus-


«O exterior das naves e torre é o pedaço da frontaria do triaes, desenhouum bello trecho do pavimento superior do
edifício mais digno de admiração, e muito especialmenteo claustro dos Jeronymos. Augmentou assim a serie de de¬
que diz respeito ao nobre e magestoso portal. Fica este senhos do claustro mais lindo do mundo. No effeito de
entre dois soberbos botaréus, cuja fórma desapparececom perspectiva, os cantos do claustro de Belem sobrelevam aos
os lavores e nichos, columnas e estatuas,de que são orna¬ dos claustros da Batalha e de Santa Cruz de Coimbra,
dos. Apesar de que a arte e o esmero de
construcção em¬ ambos excellentes.Os ângulos cortados por arcos dão em
pregado n’este portal lhe dê o primeiro logar, comtudo não pouco espaçouma successãode planos de diversas inclina¬
póde ser a porta principal, porquanto esta era de uso ficar ções, produzindo extraordinário effeito.
opposta ao altar mór, que em todas as igrejas antigas se
costumavasituar ao nascente.
Dentro do espaço que comprehendeum grande arco de ERRATA
volta inteira, todo bem cinzelado e com boas esculpturas
Nasgravuras doscálicesbysantinos,impressas a pag.111d’estare¬
de meio relevo (algumas das quaes parecem estar embuti-
vista,substituam-se:—n.°1 por n.°2; n.°2 por n.°3; n.°3 por n.° 1
Reservados
todosos direitosDE propriedadelitteraria e artística
ReVIS7fl[ oeMCM®!» M 50B fl PR0?6CÇfl0 g
jHR?e ffiooeRnfl.
*4 De sims ü)fl®.
e DEAr

DiRECTOR LlTTERARIO — Gabriel Pereira. DiRECTOR ARTÍSTICO— E. Casanova.

Secretario da Redacção— D. José Pessanha.

CIRCULAR

S incessantes contrariedades de toda a especie que me têem

assaltado; a falta absoluta de auxílios em que punha a mais

firme esperança, e que me encheram de animo para íundar

esta Revista; a indifferença, por emquanto bastante accen-

tuada, do publico, por tudo quanto a serio se refere a artes,

—indifferença motivada sem duvida pela falta de compre-

hensão do valor economico e moral da Arte nas sociedades

as avultadas despezas de collaboração litteraria e artística, etc.,


modernas— e, por ultimo,

ordem, obrigam-me a suspender, neste sexto numero, a


inherentes a uma Revista d’esta

publicação da Arte Portugueza.

considero segunda
Impulsionava-me não só a minha dedicação por este paiz, que já

me inspiram as esplendidas obras d’Arte


patria. como também a admiração que cada dia
profusamente espalhadas por toda a parte em Portugal, e que tanta gloria e individuali¬

dade lhe deram outrora, doendo-me bastante que esses significativos exemplos não tenham

sido ainda sufficientemente vulgarisados, nem utilisados pelas artes e industrias actuaes,

que, aproveitando-os com certo critério, poderiam adquirir uma feição genuinamente por-

tugueza, emancipando-se por completo da cega e rotineira imitação de productos extranhos,

que nunca poderão satisfazer o sentimento artístico nacional, (jjgís-a»,

N’estes intuitos, comecei por traçar um programma diverso do das publicações simi¬

lares do extrangeiro, e adaptado ás necessidades especiaes das artes e industrias portu-

guezas no actual momento; procurei collaboração escolhida, quer litteraria quer artística;

diligenciei aproveitar, tanto quanto possível, na parte material, os mais seguros elementos

nacionaes, apesar de maior despendio, e marquei um preço inferior ao das revistas conge-

neres de outros paizes, suppondo que assim obteria as assignaturas suficientes para cobrir

a despeza—minha unica ambição n’este commettimento, porque, se porventura algum

dia houvesse lucros, era meu intento empregal-os em melhorar a publicação, e em promo¬

ver concursos artísticos e litterarios.

Os numeros publicados, se não definem por completo a natureza e intuitos d’esta Re¬

vista, cujo principal objectivo era dar ás artes decorativas a feição essencialmente artística

e nacional, cuja ausência tão ruinosa é para este paiz,—deixam, comtudo, suppôr o que seria

possível conseguir, tanto na parte material, como na doutrinaria e artística.

Sinto não ter podido, por falta de tempo, cumprir o programma no que se refere

ás industrias e ás escolas profissionaes. Tinha, porém, já bastante material preparado—sobre¬

tudo artístico. KS-Sk,

Infelizmente, nem o governo nem a maioria do publico mostraram comprehender o

valor e o alcance da nossa energica propaganda, que tendia toda, mais ou menos directa-

mente, á creação de uma arte portugueza, e portugueza de lei,—nova, sim, mas firmada

na experiencia do passado artístico da nação. E, todavia, essa propaganda é tanto mais


urgente, quanto é absurda e perigosa, sob o ponto de vista artístico e economico, a exces¬

siva importação actual de productos que se não harmonisam geralmente com a raça, o clima,

os usos e as tradições do paiz.

Bem severa foi a lição que o meu quijotismo recebeu; não a julgarei, todavia, perdida,

se acaso alguém, com elementos mais poderosos e a indispensável protecção oíficial, con¬

seguir realisar o pensamento que me inspirou e a que obedeci, e podér demonstrar sen¬

satamente a riqueza do paiz em manifestações artísticas, que, bem interpretadas, podem

sem duvida traduzir-se em fecundos elementos de regeneração moral e material. 0^©^

A todos quantos mostraram comprehender o meu intuito e me auxiliaram rfesta

mallograda tentativa, dou aqui, eífusivamente, publico testemunho do meu apreço e da

minha gratidão. (Bksh*,

Aos assignantes de anno, peço a fineza de me reenviarem os seus recibos, para lhes

ser desde logo abonada a importância do semestre de que lhes sou devedor.

Lisboa, 50 de setembro de 1895.

O Proprietário,
Arte Portugueza. Revistade archeologiae arte moderna.Sob a
protecçãode Süas Magestades.Director Litterario — Gabriel Pe¬
reira. Director Artístico—E. Casanova.Secretarioda Redação—
D. José Pessanha.Lisboa: Janeiro a Junho de 1895.In-fól. gr..
6 núms.com o total de 144págs.e um Prospectode 4 págs.,em
um Vol. E.
Publicação e muitoapreciada.
de arteinteressantíssima Contém colabora¬
çãodealgunsdosmaisnotáveis portugueses
e artistas
escritores con¬
temporâneos,e estáornadadebelasgravuras a prêtoe a còres.Pri¬
morosa execução impressão
tipográfica; muinítidasobreóptima pape
—Colecção
inglês. completa,
MUITORARA.

REGISTO DE ENTRADAS

Observações
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