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AULAS 2 E 3:

A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE


Bibliografia básica:
FIGUEIREDO, L. C. M.; SANTI, P. L. R. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão
histórica da psicologia como ciência. 2ª ed. São Paulo: EDUC, 2002. 98p.
OBJETIVOS
Objetivo geral: Apresentar a Psicologia como uma ciência independente, de modo a situá-la
historicamente em sua constituição.

Objetivos específicos:
- Discutir as condições históricas em que se desenvolveu as bases da Psicologia, dando
destaque para a constituição da subjetividade privatizada.
- Compreender a constituição e a crise da subjetividade a partir do pensamento filosófico e
em seguida das condições sócio econômicas do indivíduo moderno.
- Refletir sobre as condições da prática científica que permitiram o surgimento da psicologia
cientifica.

INTRODUÇÃO
- Figueiredo e Santi (2002) estabelecem como objetivo apresentar uma visão panorâmica e
crítica da Psicologia contemporânea.
- Os autores constatam que só recentemente surgiu o conceito de Ciência tal como
conhecemos, deste modo somente após a segunda metade do século XIX surgiram
indivíduos que dedicaram-se a constituir estudos psicológicos em um território próprio,
ganhando espaço nas universidades e centros de pesquisa.
- A criação de um novo campo científico, de modo que se torne uma ciência independente
exige duas condições:
a) demonstrar que existe um objeto próprio a ser estudado;
b) que se tenha métodos adequados para estudar esse objeto

UMA VISÃO PANORAMICA E CRÍTICA


- Figueiredo e Santi (2002) apontam que no caso da Psicologia, antes de sua
independência, diversos sistemas filosóficos desde a Antiguidade discutiam e abarcavam
noções e conceitos da Psicologia, como o “comportamento”, a “alma” e a “mente”.
- Os conhecimentos psicológicos também estavam espalhados em outros campos de
conhecimento que amadureciam na Idade Moderna: Anatomia, Física, Medicina, Fisiologia.
- Assim, como os conhecimentos psicológicos estavam presentes nos campos científicos
que ganharam sua independência no século XIX, constituindo as Ciências da Sociedade:
Economia Política, História, Antropologia, Sociologia e a Linguística.
- Os autores reconhecem que a Psicologia estava dispersa em diversos campos de
conhecimento que poderiam ir de especulações filosóficas às ciências físicas e biológicas
ou até mesmo das ciências sociais, dispersão esta que marca a identidade e multiplicidade
da nossa profissão até os dias atuais.
- Auguste Comte (1798-1857), criador e divulgador do Positivismo, negou a necessidade de
se ter uma “psicologia” entre os campos de estudo das ciências biológicas e sociais, tendo
em vista a problemática do objeto de estudo da Psicologia: a psique.

“ Mas várias vezes é mais fácil, por exemplo, um psicólogo experimentalista que trabalha
em laboratórios com animais, tais como o rato e o pombo, entender-se com um biólogo do
que com um psicólogo social que estuda o homem em sociedade. Este, por sua vez, poderá
ter diálogo mais fácil com antropólogos e linguistas do que com muitos psicólogos que
foram seus colegas na faculdade e que hoje se dedicam à clínica psicoterápica. ”
(FIGUEIREDO; SANTI, 2002, 15-16)

UMA REFLEXÃO
- Figueiredo e Santi (2002) provocam uma reflexão ao ressaltar os esforços em se fundar a
Psicologia como uma ciência independente (o que justifica sua institucionalização na
universidade e centros de pesquisa) ao mesmo tempo que esse diálogo se estreite com
outras áreas do conhecimento.
- Se a psicologia científica depende de outras áreas de conhecimento para progredir em
seus estudos, por que justifica-se como uma ciência independente?

PRECONDIÇÕES PARA A INDEPENDÊNCIA DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA


- Figueiredo e Santi (2002) esclarecem que para que se constitua uma ciência voltada ao
“psicológico”, portanto, interessada na psique, é necessária que haja precondições
socioculturais específicas, que os autores exemplificam a partir de duas condições:
a) a existência de uma experiência da subjetividade privatizada;
b) a experiência da crise dessa subjetividade privatizada.

O que é subjetividade privatizada?

SUBJETIVIDADE PRIVATIZADA

- Subjetividade privatizada: É nossa experiência íntima, portanto, acessível privadamente.


Pensar na tomada de decisão;
Sentir emoções, sem demonstrá-las aos outros;
Ter pensamentos privados que não compartilhamos com mais ninguém.
- Figueiredo e Santi (2002) argumentam que essa experiência íntima tão comum a nós, não
é natural, mas historicamente construída, essa aparente liberdade de tomada de decisões e
emoções no campo privado não é comum a todos os seres humanos, tampouco em todas
as épocas.
- Os autores constatam que é em momentos de crise social que as tradições culturais são
questionadas, quando surgem novas subjetividades, nessas circunstâncias o fato do
indivíduo não conseguir respaldo na sociedade, permite a contestação e criação de modos
de pensar e viver:

“ Quando há uma desagregação das velhas tradições e uma proliferação de novas


alternativas, cada homem se vê obrigado a recorrer com maior constância ao seu ‘foro
íntimo’ – aos seus sentimentos (que nem sempre condizem com o sentimento geral), aos
seus critérios do que é certo e do que é errado (e na sociedade em crise há vários critérios
disponíveis, mas incompatíveis). A perda de referências coletivas, como a religião, a ‘raça’,
o ‘povo’, a família, ou uma lei confiável obriga o homem a construir referências internas.
Surge um espaço para a experiência da subjetividade privatizada: quem sou eu, como sinto,
o que desejo, o que considero justo e adequado? ” (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 20)
- Figueiredo e Santi (2002) reforçam que as artes ou mesmo as expressões religiosas
contribuíram para criar as condições de constituição de uma subjetividade privatizada.
- Esta não foi construída linear e progressivamente, mas na medida em que homens e
mulheres foram modificando a sociedade e a si mesmos, passaram a sentir-se autônomos,
refletir sobre si, sentir-se “livres” ou tendo controle de suas próprias vidas, constatação
naturalizada nos dias de hoje.
- Porém, é a ilusão de liberdade dentro de sociedades contemporâneas pautadas no
consumo que se criam não só condição de desenvolvimento de uma subjetividade
privatizada, mas da própria necessidade de existir uma ciência independente como a
Psicologia para revelar essa ilusão.

A SUBJETIVIDADE NA MODERNIDADE
- Figueiredo e Santi (2002) apontam que a noção de subjetividade privada que conhecemos
atualmente, surgiu nos últimos três séculos na passagem do Renascimento para a Idade
Moderna, de modo que a crise desta subjetividade ocorreu no fim do século XIX, momento
em que surge a Psicologia.

Renascimento: movimento cultural que surgiu entre os séculos XIV e XVI, descentralizando
Deus como principal referência, na medida que valorizava o homem como centro do mundo
Idade Moderna (1453-1789): período posterior à Idade Média que se inicia por volta do
século XV, tendo como um de seus principais marcos a queda de Constantinopla (1453) e
as grandes navegações (expedição de Cristóvão Colombo data de 1492) expandindo o
horizonte dos homens europeus com o contato com diversas culturas.
- Figueiredo e Santi (2002) constatam que com a falência da Idade Média e a entrada na
Idade Moderna, as relações sociais e compreensão de mundo dos homens mudam
radicalmente:

“A experiência medieval fazia com que o homem se sentisse parte de uma ordem superior
que o amparava e constrangia ao mesmo tempo. Por um lado, a perda desse sentimento de
comunhão com uma ordem superior traz uma grande sensação de liberdade e a
possibilidade de uma abertura sem limites para o mundo, mas, por outro, deixa o homem
perdido e inseguro: como escolher o que é certo e errado sem um ponto seguro de apoio?”
(FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 23-24)

- Figueiredo e Santi (2002) reconhecem o papel importante do período do Renascimento em


que os seres humanos ao passarem por esta sensação de desamparo e perdas de
referências passaram a produzir conhecimento, portanto interpretar o mundo, produzindo
novos modos de ser (o “Homem” como centro).
- A crença em Deus permaneceu, mas Deus não era mais o centro do mundo, era o próprio
ser humano que por meio das transformações e criações da época criou as condições
ideais para a ciência moderna cujo marco foi a contribuição de Galileu Galilei (1564-1642)
para a sistematização do método científico.
- Nesse período surgem personagens reais e fictícios que expressam tais transformações
de seu tempo, revelando a subjetividade privatizada: Leonardo da Vinci (1452-1519), Miguel
de Cervantes (1547- 1616), Dom Quixote, William Shakespeare (1564-1616).
- Os autores também apontam que nesse período surgiu a imprensa que permitiu a difusão
da leitura silenciosa, experiência solitária em que o indivíduo poderia desenvolver um ponto
de vista próprio.
- Michel de Montaigne (1533-1592): foi um pensador francês, em seu livro Ensaios propõe a
tomar a si mesmo como objeto de análise, mesmo admitindo ser uma pessoa comum,
distante de feitos notáveis, o que permite que desenvolva o seu “eu” numa obra escrita por
20 anos e com mais de mil páginas, dá mostras do reconhecimento de uma subjetividade
privatizada.

SUBJETIVIDADE PRIVATIZADA
- Figueiredo e Santi (2002) apontam que a descrença do período, atrelada ao nascimento
do individualismo permitiu duas reações distintas: reação racionalista e reação empirista.
- A Igreja Católica e as Igrejas Protestantes racionalizaram as ideias de individualismo e
liberdade, transformando-as em uma articulação de crença em Deus e o livre arbítrio.
- Segundo os autores, o período da Reforma e da Contra Reforma foram fundamentais para
criar formas de controle do indivíduo e a ideia de individualidade característica da Idade
Moderna.

- Pico dela Miramdola (1463-1494): foi um humanista que contribuiu para a racionalização
ao reescrever a Gênese e defender que a liberdade seria o presente exclusivo que o ser
humano ganhou de Deus, cabendo a ele, fazer bom uso desse presente para ser
recompensado ou punido, ou seja, sustenta-se a ideia de liberdade e individualismo, mas
com uma concepção religiosa disciplinar.
- Figueiredo e Santi (2002) estabelecem como o marco do pensamento moderno as
reflexões René Descartes (1596-1650), cujo principal objetivo era estabelecer condições
seguras de produção de conhecimento da verdade, portanto, refletindo sobre o método e os
pressupostos do conhecimento, servindo se da dúvida metódica para identificar ideias
verdadeiras. É o reconhecimento de si, como ser que duvida (“Penso, logo existo”), toda a
produção de conhecimento daí em diante terá como pressuposto a evidência de um “eu”.
- Figueiredo e Santi (2002) apontam Descartes como inaugurador do pensamento moderno,
sinaliza que não se deve buscar a verdade na transcendentalidade, mas na representação
correta do mundo.
- A representação do mundo é interna e parte do pressuposto de uma consciência, o “eu”
(sujeito do conhecimento) transforma-se em elemento transcendente (fora do mundo).

“ O sujeito do conhecimento (o ‘eu’) é tornado agora um elemento transcendente, ‘fora do


mundo’, pura representação sem desejo ou corpo, e por isto supostamente capaz de
produzir um conhecimento objetivo do mundo.” (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 31)

- Francis Bacon (1561-1626): um filósofo e político inglês, contemporâneo de Descartes,


também dedicou-se a desenvolver bases seguras para a produção do conhecimento,
publicando obras em sua época que se debruçavam sobre o método, no entanto, sua visão
o levava a refletir a partir das experiências dos sentidos e da percepção, inaugurando o
empirismo moderno.
- Figueiredo e Santi (2002) situam Francis Bacon como o responsável pela reação
empirista, direcionando a ciência moderno para o rigor do método que valoriza a
experiência e a percepção.

“ É necessário dar à razão uma base das experiências dos sentidos, na percepção, desde
que essa percepção tenha sido purificada, liberada de erros e ilusões a que está submetida
no cotidiano. Bacon escreveu uma série de obras importantes, entre as quais o Novum
organum, em que elabora suas propostas de como se livrar do erro e encontrar a verdade
tendo como base a experiência subjetiva sensorial e racional. ” (FIGUEIREDO; SANTI,
2002, p. 31)

A CRISE DA SUBJETIVIDADE MODERNA EM SUAS EXPRESSÕES FILOSÓFICAS


- Figueiredo e Santi (2002) esclarecem que a crença em se obter uma verdade absoluta a
partir do Método correto desenvolvida por Descartes e Bacon é criticada no Iluminismo do
século XVIII.
- Iluminismo: movimento filosófico do século XVIII, também conhecido como Ilustração ou
Século das Luzes, cultivou-se as ideias filosóficas dos séculos precedentes, inclusive de
Descartes, valorizando as experiências individuais e o empirismo, mas criticando-as em
determinado momento.

“ Por um lado, isto representou uma consciência mais profunda, sólida e complexa de toda
a problemática do conhecimento, mas, de toda a forma, começou a se colocar em xeque a
soberania do ‘eu’, seja o ‘eu’ da razão, seja o ‘eu’ dos sentidos purificados.” (FIGUEIREDO;
SANTI, 2002, p. 32)

- David Hume (1711-1776): foi um filósofo que criticou a substancialidade do “eu” que era
compreendido não como algo concreto e estável, mas como o efeito das experiências,
portanto, o “eu” é produto da experiência dos seres humanos e não o condutor dessas
experiências, dessa forma o indivíduo não poderia considerar-se a si própria a base do
conhecimento.

- Immanuel Kant (1724-1804): foi um filósofo prussiano que opõe-se à radicalidade de


Hume, mas considera a problemática da crença dos conhecimentos absolutos, desta forma
o indivíduo só tem acesso aos fenômenos, não nas coisas em si, por que elas são
inacessíveis, portanto, todo conhecimento depende da subjetividade humana (esta
transcendental, não individual).

- Os autores situam o Romantismo como um movimento significativo de crítica ao “eu” e à


razão universal, tendo surgido no final do século XVIII, como uma critica à vertente
racionalista do Iluminismo, se opôs à ideia de que o homem é um ser racional.
- Neste sentido, o Romantismo baseia-se em uma crítica à modernidade, ao mesmo tempo
que expressa uma nostalgia de um estado anterior perdido e revela camadas profundas do
ser humano.
“Aquilo que na ‘fundação’ da modernidade deve ser excluído do ‘eu’ ou mantido sob o férreo
controle do Método parece agora invadi-lo. A razão é destronada, o Método parece agora
invadi-lo. A razão é destronada, o Método feito em pedaços e o ‘eu’ racional e metódico é
deslocado do centro da subjetividade e tomado agora como uma superfície mais ou menos
ilusória que encobre algo profundo e obscuro.” (FIGUEIREO; SANTI, 2002, p. 35)

- Figueiredo e Santi (2002) reconhecem que a crise do ‘eu’ se estende ao longo do século
XIX, em especial em sua primeira metade quando sua soberania continua a ser
questionada.
- Charles Darwin (1809-1882): foi um biólogo e naturalista que ao propor a teoria da
evolução, destronou a concepção cristã de que o homem seria um ser especial criado à
semelhança de Deus.
- Karl Marx (1818-1883): foi um filósofo e teórico político que ao desvelar o capitalismo nas
entranhas da Economia Política demonstra as leis econômicas que submetem os indivíduos
às condições de exploração.
- Friedrich Nietzsche (1844-1900): foi um filósofo alemão que radicalizou as concepções de
Hume explicitando a crise da subjetividade no século XIX, ao utilizar-se do método da
genealogia, desconstruiu os fundamentos da filosofia ocidental desde Platão, questionando
as crenças e ideias socialmente estabelecidas, de modo a
reconhecer a historicidade das ideias e sua utilização.

“ Assim, a ‘ideia’ platônica, Deus, o sujeito moderno de Descartes ou de Bacon são


revelados como criações humanas. Nossas crenças e valores estão comprometidos com a
perspectiva em que nos colocamos a cada instante. A crença em algo fixo e estável seria
uma necessidade humana, na tentativa de crer que tem controle sobre o devir. Nietzsche dá
um passo bem largo e radical: não só o homem é deslocado da posição de centro do
mundo, como a própria ideia de que o mundo tenha um centro ou uma unidade é destruída.
Assim, quando Nietzsche denuncia o caráter ilusório e não necessário de todo o fazer
humano, isto não representa a defesa do abandono da ilusão em favor de outro modo de
ser mais legítimo ou bem fundamentado (como na crítica católica ou romântica à
modernidade). A ilusão não pode ser substituída por nada melhor por que simplesmente
não existe nada melhor. A questão de Nietzsche é saber o quanto cada ilusão em cada
contexto se mostra útil à expansão da vida.” (FIGUEIREDO;SANTI, 2002, p. 37-38)

SISTEMA MERCANTIL E INDIVIDUALIZAÇÃO


- Figueiredo e Santi (2002) reconstituem a crise da subjetividade privatizada pela ótica do
pensamento filosófico que se desenvolveu entre os séculos XVI e XIX.
- Os autores também apontam para a necessidade de se compreender a existência do
sistema social e econômico dessa época, ou seja, o capitalismo nascente que se
desenvolveu no período.
- Considera-se que em todas as sociedades houve uma relação de troca, em um primeiro
momento famílias, clãs ou aldeias trocam seu produto excedente com outros que assim
como estes são “especializados” em algum tipo de produção. Inicialmente existia a
produção social.
- Os autores apontam que em determinado momento ocorre uma mudança, deste modo são
indivíduos que passam a se especializar e produzir produtos para trocas, não família, clãs
ou aldeias, criando-se condições para a subjetividade privatizada quando cada um deve
descobrir um ofício adequado.
- Nessas novas condições, os indivíduos devem trocar seu produto no mercado, onde por
sua vez instaura-se a situação de negociação e possibilidade de lucro ou prejuízo,
universaliza-se a ideia de que os interesses individuais estão acima dos interesses da
sociedade, surge o mercado de produtos.
- Nessas novas relações sociais em que se sobressai o indivíduo e não os interesses de
grupo, surge também o mercado de trabalho, onde homens que não são donos do meio de
produção vendem a sua força de trabalho para sobreviver, são assalariados. A produção
passa a priorizar lucros privados.
- Os autores compreendem que essa transformação das relações sociais entre a Idade
Média e a Idade Moderna marcam o início do capitalismo.
- Tais mudanças reconfiguram a organização social e a relação que os indivíduos tinham
com o trabalho:
“ Isto significa a ruptura dos vínculos que nas sociedades pré-capitalistas uniam os
produtores uns aos outro e todos aos meios de produção. A produção era sempre
diretamente social: embora pudesse haver algumas especializações entre os homens de
uma família ou entre membros de uma pequena comunidade, a existência de cada um
dependia fundamentalmente de sua vinculação com o grupo. ” (FIGUEIREDO; SANTI,
2002, p. 42).

- Figueiredo e Santi (2002) apontam que o surgimento do capitalismo, ocorreu somente com
o desaparecimento das relações servis, momento em que o mercado de trocas e o mercado
de trabalho se alteram compondo o sistema mercantil. Verificar Ferla e Andrade (2007) para
compreender a transição do feudalismo para o capitalismo.
- O surgimento do trabalhador livre, o indivíduo que tem a liberdade de vender a sua força
de trabalho, significa a perda da solidariedade do grupo (família, aldeia, clã), a perda da
proteção do senhor.
- O indivíduo no capitalismo torna-se livre, mas esta liberdade vem acompanhada do
desamparo, no entanto para que se operem essas transformações as ideias na sociedade
também precisam transformar-se.

IDEOLOGIA LIBERAL E ROMANTISMO


- Figueiredo e Santi (2002) demonstram que nos séculos XVIII e XIX, surgiu na cultura
ocidental duas formas de pensamento que expressavam as experiências da subjetividade
privatizada na sociedade mercantil: ideologia liberal e o romantismo.
- Ideologia liberal: forjada na Revolução Francesa (1789) propunha que os homens são
iguais em capacidade e direitos, mas aponta-se a necessidade de que a liberdade nessas
condições deve ser acompanhada da solidariedade entre si.
- Romantismo: surgido na Filosofia e nas Artes (século XVIII), reconhece-se não somente a
liberdade entre os indivíduos, mas a liberdade de ser diferente.

IDEOLOGIA LIBERAL E ROMANTISMO


- Os autores sustem que as relações sociais no período e as transformações históricas que
se deram, precisaram do desenvolvimento da ideologia liberal e do romantismo, não sem
contradições:
“ segundo a Ideologia Liberal, todos são iguais, mas têm interesses próprios (individuais);
segundo o Romantismo, cada um é diferente, mas sente saudade do tempo em que todos
viviam comunitariamente e espera pelo retorno desse tempo. Enquanto isso não vem, os
românticos acreditam que os grandes e intensos sentimentos podem reunir os homens
apesar de suas diferenças. Já os liberais apostam na utópica fraternidade.” (FIGUEIREDO;
SANTI, 2002, p. 45)

REGIME DISCIPLINAR
- Figueiredo e Santi (2002) pontuam que a “liberdade individual” trouxe a sensação de
desamparo, solidão e uma carga de responsabilidade que permitiram novas formas de
sofrimento.
- É nesse contexto que surge um sistema de docilização/ domesticação do indivíduo para
amenizar os “inconvenientes” da liberdade, sistema esse conhecido como Regime
Disciplinar ou Disciplinas, pautado por técnicas científicas e atuante nas agências sociais
(escola, prisões, Estado etc.):
“ Embora essas disciplinas reduzam em muito efetivamente o campo do exercício das
subjetividades privatizadas, impondo padrões e controles muito fortes às condutas, à
imaginação, aos sentimentos, aos desejos e às emoções individuais, faz parte de seu modo
de funcionamento dissimular-se, esconder-se, deixando-nos crer que somos cada vez mais
livres, profundo e singulares. É claro, porém, que vai se instalando um certo mal-estar e vão
se criando condições para a suspeita dos homens em relação a si mesmos. ”
(FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 46-47)

A CRISE DA SUBJETIVIDADE PRIVATIZADA


- Figueiredo e Santi (2002) recolocam que o surgimento para os projetos de uma psicologia
científica, dependem de uma subjetividade privatizada e de que esta entre em crise ao ser
questionada.
- As ideias sustentadas pela ideologia liberal e o romantismo não contestam, mas
fortalecem a experiência das subjetividades privatizadas, legitimando-as no contexto do
sistema mercantil.
- Ao passo que os pensamentos filosóficos se em certa medida contribuem para também
constituir a subjetividade privatizada, ao reconhecer a constituição de um “eu” (Pico dela
Mirandola, Descaters, Bacon, Kant), em um segundo momento apontam para uma crise
desse eu soberano (Hume, Nietzsche).
“A subjetividade privatizada entra em crise quando se descobre que a liberdade e a
diferença são, em grande medida, ilusões, quando se descobre a presença forte, mas
sempre disfarçada, das Disciplinas em todas as esferas da vida, inclusive nas mais íntimas
e profundas. A crença de que a fraternidade seria possível, ainda que todos defendessem
seus interesses particulares, não sobreviveu por muito tempo. Os interesses particulares
levam a conflitos; a liberdade para cada um tratar de seu negócio desencadeou crises, lutas
e guerras. Os trabalhadores do século XIX foram aos poucos descobrindo que se
defenderiam melhor unidos em sindicatos e partidos do que sozinhos. O Estado, a
administração pública não ficaram inertes. Para combater os movimentos operários
reivindicatórios, para pôr um pouco de ordem na vida social – em que cada um defendia o
que era seu sem pensar nas consequências para todos – e para defender os interesses dos
produtores de uma nação contra os das outras, a administração pública cresceu, cresceram
o Estado, a burocracia, cresceram as forças armadas. ” (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p.
47-48, grifos nossos)
A DECEPÇÃO NECESSÁRIA
- Figueiredo e Santi (2002) afirmam que ao passar pela experiência da subjetividade
privatizada e verificar as ilusões de sua suposta liberdade, aparecem crises e a
necessidade de se pensar nas causas e significados de suas ações, emoções e
pensamentos, daí: surgem as condições para a psicologia científica.
- O interesse no campo da psique se reflete em diversas demandas e interesses sociais que
podem surgir a partir de muitas direções e com muitas intenções, dentre as quais:
a) a demanda individual de se compreender e lidar com essas crises.
b) a demanda do Estado que por meio do regime disciplinar precisa conter e controlar os
conflitos. c) a demanda dos modelos liberais e românticos de se compreender o mal estar
da época.

PSICOLOGIA E SUA INDEPENDÊNCIA


- Figueiredo e Santi (2002) constatam que o reconhecimento e a crise da subjetividade
privatizada criaram não só as condições para a necessidade que permitiu a existência da
Psicologia como ciência independente, mas da possibilidade de diversos projetos científicos
de psicologia.
- Desta forma, deve-se considerar a preocupação de cientistas e filósofos do século XIX que
antes de criarem uma psicologia “científica” precisaram estabelecer as bases da própria
Ciência.
- As ciências da natureza (Astronomia, Biologia, Física, Química) foram consolidas nos
últimos três séculos, lançando as bases para a Ciência Moderna.

O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA
- Figueiredo e Santi (2002) sinalizam que para a existência de um conhecimento científico é
necessário o reconhecimento de que o homem tem o direito de manipular a natureza,
portanto, escapando das restrições impostas pelas doutrinas religiosas.
- O rigor científico exige que para obter o conhecimento verdadeiro, deve-se abandonar
preconceitos, desejos e sentimentos, de modo a utilizar procedimentos passíveis de
“objetividade”.
- Portanto, desenvolve-se uma metodologia científica que elimine quaisquer resquícios de
“subjetivismos” para se obter por meio de procedimento científicos um conhecimento
verdadeiro.

SUBJETIVIDADE COMO CONDIÇÃO HUMANA


- Figueiredo e Santi (2002) apontam que após séculos de tentativas se observou que não é
possível a eliminação da subjetividade na investigação científica, pois o pesquisador é um
indivíduo que ao produzir conhecimento detém uma experiência subjetiva que é
individualizada e privada.
- O avanço da Ciência necessitou conhecer e controlar essas subjetividades, permitindo que
para além do conhecimento das diferenças individuais o indivíduo torna-se em si, um objeto
de estudo em si:

“ A epistemologia (teoria do conhecimento) e a metodologia (regras e procedimentos na


produção de conhecimento válido) desembocam na psicologia: a denúncia e o expurgo dos
‘ídolos do conhecimento’ exigem um estudo prévio da subjetividade e de seus
subterrâneos.” (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, destaques nossos)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Figueiredo e Santi (2002) concluem que a psicologia científica surge e se desenvolve
marcada pela contradição:
a) pressuposto de indivíduos livres e diferentes entre si tem o direito de transformar a
natureza;
b) mas tem de dominar a própria subjetividade, eliminando a diferença entre si, a fim de
garantir um método que expresse a objetividade do conhecimento.
- É neste quadro geral que podemos refletir sobre a Psicologia como uma ciência
independente, cuja busca pelo conhecimento verdadeiro está atrelada às condições
socioculturais de sua época e que desde sua fundação não garantiu o consenso de uma
psicologia, mas de projetos de psicologia científica.

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AULA 4 – PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL
Bibliografia básica:
MASSIMI, M. História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: EPU,
1990. 82p.

“A exclusão do domínio historiográfico dos conhecimentos psicológicos difundidos no seio


das diferentes tradições culturais e julgados não relevantes implica a renúncia à memória
das raízes dessa disciplina presente em tais tradições e o esquecimento das questões
originais que determinaram o seu surgimento, ou favoreceram a sua influência e seu
desenvolvimento em específicos ambientes culturais.”
Marina Massimi

OBJETIVOS
Objetivo geral: Compreender os conhecimentos psicológicos produzidos na cultura
brasileira que precederam a institucionalização da Psicologia, situando historicamente as
contribuições do período colonial.
Objetivos específicos:
- Discutir o interesse voltado à cultura dos povos originários do Brasil que estimularam a
produção de reflexões sobre a subjetividade e comparações com o comportamento dos
europeus.
- Refletir sobre a atuação da Igreja Católica no Brasil, sobretudo dos jesuítas no âmbito da
Educação, mas também na compreensão dos comportamentos sociais que expressaram
ideias psicológicas como forma de conhecimento da subjetividade dentro da racionalidade
cristã.
- Analisar a constituição da necessidade de um saber psicológico no contexto colonial que
progressivamente ligou-se à psicologia moderna em seus moldes de cientificidade a partir
da contribuição da medicina.

INTRODUÇÃO
- Marina Massimi (1990) defende a tese que para se conhecer a Psicologia do Brasil,
deve-se remeter ao período colonial, onde ideias psicológicas se desenvolveram antes da
psicologia moderna.
- Entende-se que a carência de estudos nesse campo se deu por um duplo preconceito:
a) desconsideração dos brasileiros de sua própria história;
b) desconsideração de conhecimentos que não se adequavam à tradição de cientificidade
que marcou a autonomia da Psicologia como ciência.

- Neste sentido, a autora optou por investigar as ideias construídas pelos viajantes e
missionários que produziram conhecimento no período colonial na tentativa de compreender
a cultura indígena, focalizou nas ideias desenvolvidas pelos clérigos, em especial, os
jesuítas e, por fim, a estruturação dos conhecimentos psicológicos em moldes científicos
com a influência das tendências iluministas.

PERÍODO COLONIAL
- Laima Mesgravis (2019) reconhece que o período atribuído à colonização brasileira,
denominado Brasil Colônia, circunscreve-se de 1500 à 1822.
- A chegada dos portugueses ao território que posteriormente foi batizado de Brasil, foi um
dos diversos episódios de choque cultural entre europeus e os povos originários que viviam
no “novo continente”, marcando um dos momentos mais emblemáticos das Grandes
Navegações como marco da Idade Moderna.
- Os europeus como homens brancos e cristãos manifestaram estranhamento frente aos
indígenas, chegando até mesmo a debater sobre a sua humanidade no sentido de justificar
a sua escravização, o que gerou um debate entre os clérigos entre os que defendiam que
indígenas não tinham alma e outros que defendiam a sua humanidade, debate encerrado
com o “reconhecimento” da bula papal de Paulo III em 1537.

A DOMINAÇÃO COLONIAL
- A autora descreve que apesar desse estranhamento inicial os portugueses mantiveram
uma convivência pacífica com os indígenas, por meio de presentes que em troca permitiam
que obtivessem madeira (em especial pau brasil) dentre outros produtos extraídos da
floresta valorizados no continente europeu.
- No entanto, esta relação harmoniosa se findou quando os portugueses interromperam o
fornecimento de ferro (potencial bélico) e os indígenas se desinteressaram pelos presentes
(não mais novidades):

“Os colonos construíram casas e povoados, desenvolveram a agricultura e passaram a


querer obrigar os índios a trabalhar para eles em caráter forçado e supervisionado
permanentemente, com vistas à geração de lucros. Os portugueses – que, em sua maioria,
haviam chegado sós, sem família – também passaram a roubar mulheres indígenas para
usá-las como criadas, artesãs e objeto sexual. A partir de então, cresceram os ataques de
lado a lado.” (MESGRAVES, 2019. p. 17)

A CONSTITUIÇÃO DA COLÔNIA
- Mesgravis (2019) descreve que a preocupação da Coroa portuguesa com possíveis
invasões de outros europeus, criou condições por meio do Tratado de Tordesilhas (1534)
para dividir parte do continente americano e dentro deste lote estabelecer as capitanias
hereditárias atribuídas a iniciativa privada de donatários que em acordo com a Coroa
administrariam aquelas terras, redundando em fracasso.
- Foi fundada a primeira cidade brasileira, estabelecendo na Colônia uma sede no território
da Bahia em 1549, administrada pelo governador geral Tomé de Souza (1503-1579).
- O Brasil Colônia em suas primeiras décadas de colonização não rendeu os lucros
esperados para a Metrópole, a iniciativa privada com os donatários fracassou exigindo uma
reorganização econômica.

A UTILIZAÇÃO DA ESCRAVIDÃO NA COLÔNIA


- A autora aponta que com as experiências exitosas em outros territórios portugueses (Ilha
da Madeira, Cabo Verde e Açores) , optou-se pelo plantio de cana de açúcar no Brasil.
- No entanto, não havia força de trabalho portuguesa suficiente (nem interesse em uma
população reduzida) para garantir uma produção em grande escala (lucrativa), o que
desencadeou no uso de escravos africanos:

“ Do ponto de vista de Portugal, como escravos, os negros africanos ofereciam grandes


vantagens em relação aos índios brasileiros: tinham maior resistência natural às doenças
epidêmicas dos europeus estavam acostumados a viver sob a autoridade e controle de
seus superiores hierárquicos, já que provinham de culturas estruturadas com chefes, reis,
príncipes, nobres, sacerdotes e também escravos. Além disso, pesou enormemente na
decisão de adotar escravos africanos no Brasil o fato de o tráfico trazer lucros
extraordinários para comerciantes, armadores de navios e capitalistas da época.”
(MESGRAVIS, 2019, p. 36)

- Mesgravis (2019) situa historicamente a associação do negro como sinônimo de escravo,


fenômeno da modernidade que se instaurou somente a partir do século XV na entrada da
modernidade.
- A escravidão existiu desde os primórdios da humanidade, não tendo a princípio
marcadores de cor e raça, como confirma a escravização dos romanos com os povos
conquistados ou dos gregos que escravizavam em situação de guerra ou mesmo dívidas. A
escravidão moderna se deu com o florescimento do capitalismo:

“ Considerar os ‘negros’seres inferiores aos ‘brancos’ facilitava a aceitação social de sua


escravidão. Além disso, o aumento da população negra no convívio com os ‘brancos’ (nos
lugares em que se empregava a mão de obra escrava negra em larga escala, os negros
eram a maioria da população) ameaçava a supremacia dos brancos; a discriminação racial
era uma das formas de mantê-la intacta (o mesmo ocorrendo quando havia negros
libertos).” (MESGRAVIS, 2019, p. 42)

QUADRO HISTÓRICO DO BRASIL COLÔNIA


- Refletir sobre a constituição de conhecimentos psicológicos no Brasil Colonial deve ter
como ponto de partida que o país era uma Colônia, submetida à dominação da Coroa
portuguesa, tendo sua autonomia limitada aos interesses da metrópole (o que impediu por
longo tempo a existência de universidades).
- Esta dominação estava impregnada de tradições europeias e valores cristãos que
influenciava a mentalidade dos europeus e brasileiros que estranhavam/ discriminavam
indígenas e africanos.
- A própria produção de conhecimento psicológico está envolta nesse estranhamento
(preconceito), permitindo que os escritos fossem filtrados por matrizes de pensamentos
estranhos à cultura analisada, ainda que se verifique opções de valorização: valoriza-se a
cultura indígena (ainda que para dominá-la); desvaloriza-se a cultura africana (para
dominá-la e apagá-la); expressão do processo histórico da época.

CONHECIMENTOS PSICOLÓGICOS
- Massimi (1990) reconhece que antes da institucionalização da Psicologia e mesmo antes
da constituição da psicologia moderna, já havia no Brasil a circulação de conhecimentos
psicológicos.
- Esse conhecimento aparecia em escritos e tratados de autores brasileiros de diversos
campos do conhecimento como: medicina, moral, teologia, pedagogia, política, arquitetura.
- Os autores dessas obras tiveram influência significativa na cultura brasileira, o que
favoreceu a divulgação de suas ideias. A maioria desses intelectuais completaram os seus
estudos superiores na Europa, tendo em vista a ausência de universidades no Brasil, onde
eram influenciados por diferentes matrizes filosóficas escolástica, empirista e iluminista.

CONHECIMENTOS PSICOLÓGICOS DOS ÍNDIOS BRASILEIROS


- Massimi (1990) reporta-se aos escritos de viajantes e missionários, mas não sem
compreender as limitações desses documentos que não foram produzidos pelos povos
originários.
- Essas fontes secundárias (produzidas por brasileiros), diferente do que seriam as fontes
primárias (produzidas pelos próprios indígenas) passaram por um filtro que parte da visão
do brasileiro e do europeu branco em interpretações externas à cultura indígena que, por
sua vez, não tinha tradição escrita, limitando-se à tradição oral enriquecida pelo cultivo da
memória na comunidade indígena.
- A autora discute dois aspectos da cultura indígena que ganham destaque nas fontes
analisadas e na produção de um saber psicológico:
a) a criança na sociedade indígena;
b) a mulher na sociedade indígena.

A CRIANÇA NA SOCIEDADE INDÍGENA


- Massimi (1990) apresenta a descrição e reflexão de Fernão Cardim (1540-1625) que em
Tratados da Terra e Gente do Brasil (1625) descreve a relação harmoniosa dos indígenas
para com as crianças.
- Essas observações do referido autor e de outros da época apontam a diferença da criação
de crianças indígenas em relação às crianças europeias, de modo a situar a proximidade do
pai com os bebês e o papel da mãe dentro da comunidade que não se restringia somente
aos cuidados da criança.
- Essa comparação entre culturas também pode resultar negativamente na organização
social dos povos originários, por exemplo, a crítica de José Bonifácio de Andrada e Silva
(1763-1838) sobre o extenso período de amamentação das mães indígenas, desconsidera
que esse processo permitia a prevenção da desnutrição dos bebês e o controle de
natalidade.

A CRIANÇA NA SOCIEDADE INDÍGENA


- Massimi (1990) verifica nas fontes que a criança indígena é inserida desde cedo nas
atividades laborais, acompanhando as mães nas atividades da roça, assim como são
estimuladas desde cedo à nadar e lavar-se.
- A participação nas festas, em especial, com as danças, permite a apropriação e
transmissão cultural dos valores da comunidade (tradição oral), como posteriormente
psicólogos e psicanalistas confirmaram ser importante no desenvolvimento infantil e para a
saúde psíquica.
- Os indígenas não se utilizam de métodos punitivos na educação de seus filhos, não havia
castigos, diferente da pedagogia europeia, ao contrário, verifica-se uma aproximação afetiva
e respeitosa entre as partes, o que contribuiu para a aquisição de uma identidade pessoal e
social. Essa constatação no Brasil do século XVII coincidiu com os estudos de psicologia do
desenvolvimento realizados no século XX por Erik Erikson.
- A autora reconhece nos relatos sobre a infância na cultura indígena, ainda que filtradas
pelo visão dos intelectuais brasileiros, contaminada com o saber e valores europeus, uma
tentativa de construir/ constatar conhecimentos psicológicos que se identificam com a
construção de saber da psicologia moderna:
“Em suma, nas práticas educativas com relação às crianças, os índios brasileiros – cuja
vida é descrita nos documentos do período colonial – revelam atitudes e conhecimentos em
muitos casos confirmados pelos resultados da psicologia moderna. As condições da vida
social indígena aparecem como elementos que facilitam um desenvolvimento psíquico sadio
e bem integrado em todos os seus fatores. A clareza acerca do significado e da positividade
da vida, transmitida pelos adultos, permite à infância aquela alegria, vivacidade, abertura à
realidade, muitas vezes observadas pelos missionários e viajantes, e relatada em seus
diários de viagem.” (MASSIMI, 1990, p. 11, grifo do autor)

A MULHER NA SOCIEDADE INDÍGENA


- Massimi (1990) permanece reportando-se à Fernão Cardim para expor a compreensão da
mulher na sociedade indígena, a partir de:
a) relações com o parceiro;
b) maternidade e parto;
c) participação social.
- Verifica-se que a relação entre homens e mulheres pauta-se no bom trato, com raras
brigas ou maltrato entre as partes, há uma organização tática no acompanhamento do casal
para a caça em que sobressai papéis de gênero na proteção do casal.
- A maternidade é vivida com naturalidade e as mulheres exercem sua vida cotidiana logo
após o parto sem apartar-se da vida social, carregando as crianças em typoyas, o que
permite desde cedo a inserção destas na vida comunitária e integra a mulher nas relações
sociais sem ter na maternidade sua exclusão nas relações.
- A autora aponta para uma importante função da mulher indígena com o cerimonial de
receber hóspedes na casa: na recepção calam-se, mas logo após sentarem-se, choram e
relatam os acontecimentos da aldeia para o visitante, ao término do relato, interrompe-se o
choro e demonstram-se alegres dando boas vindas e oferecendo comida. O que quer dizer
esse ritual?
“Esta cerimônia parece possuir um significado simbólico: nela, as mulheres assumem a
função de depositárias da memória da vivência da aldeia e a responsabilidade pela
comunicação dessa memória. A memória não é apenas uma lembrança do passado, mas
implica reviver no presente a história evocada. O pranto significa o reacontecer da dor
evidenciada na narração. A comunicação da história da aldeia para o outro, um estrangeiro,
é um gesto de comunhão, ao torna-lo participe, através do conhecimento, do passado da
tribo e, ao mesmo tempo, é um convite a que ele também comunique sua própria
experiência. Emerge, então, desse fato, um papel muito importante da mulher na sociedade
indígena: ela detém a memória da história e o poder de reevocá-la como cultura e
expressão da identidade da aldeia. ” (MASSIMI, 1990, p. 12, grifo nosso).

CONHECIMENTOS PSICOLÓGICOS:

CONTRIBUIÇÃO DA CULTURA CATÓLICA


- Massimi (1990) ao situar as fontes do período colonial como centro de seus estudos,
identifica a relevância do catolicismo na cultura brasileira.
- O Brasil como colônia de Portugal esteve submetido à uma dominação e influência que
espelhava os costumes e características do povo português, dentre os quais está o
catolicismo, sendo que as principais congregações que atuaram no Brasil foram:
beneditinos, franciscanos e, principalmente, jesuítas.
- A ação de jesuítas se sobressaiu entre os séculos XVII e XVIII, sobretudo, pelo
desenvolvimento de sua Pedagogia, catequese e pelo desenvolvimento de uma teologia
moral.

EDUCAÇÃO NO BRASIL COLÔNIA


- Paulo Guiraldelli Junior (2015) reconhece que a educação no período colonial ocorreu em
três fases:
a) predomínio dos jesuítas (1549-1759);
b) reformas do Marquês de Pombal (1759-1808);
c) período de governo de D. João VI (1808-1821).

- O recorte do texto ao referir-se à psicopedagogia dos jesuítas, circunscreve-se ao primeiro


período entre os séculos XVI e XVII, encerrando-se com a intervenção de Sebastião José
de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal (1699-1782) que rompeu com a tradição
jesuítica a partir da concepção iluminista.
- Com o estabelecimento do governo-geral na Bahia em 1549, estabeleceu-se no Brasil o
Padre Manoel de Nóbrega (1517-1570), clérigo português pertencente à Companhia de
Jesus.

A COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL


- Guiraldelli Junior (2015) situa historicamente a Companhia de Jesus como oficialmente
reconhecida pela Igreja Católica em 1540, criada dentro de um contexto de conflitos, como
a Reforma Protestante.
- Este grupo auxiliou a Coroa portuguesa na expansão das fronteiras geográficas atuando
em três campos:
a) defesa e promoção da fé cristã;
b) propagação da fé nos territórios coloniais;
c) educação da juventude.

- Manoel da Nóbrega, exerceu um trabalho pedagógico pioneiro no Brasil, abrindo caminho


para outros padres jesuítas, baseado no Ratio Studiorum (Ordem de estudos), um projeto
pedagógico com o objetivo da formação integral do homem cristão (curso básico de
humanidades articulado com Filosofia e Teologia).

AS BASES DA EDUCAÇÃO JESUÍTICA


- O autor ao apontar monopólio dos jesuítas por quase dois séculos na sociedade brasileira,
aponta que esta educação estava voltada não somente para os filhos dos colonos, mas
também para as crianças indígenas, oferecendo uma formação básica, necessariamente
pautada na religiosidade cristã.

“Manoel da Nóbrega forjou um plano de ensino adaptado ao nosso país, segundo o que ele
entendia que era a sua missão. O plano de estudos de Nóbrega continha o ensino do
português, a doutrina cristã e a ‘escola de ler e escrever’ – isso como patamar básico. Após
essa fase, o aluno ingressava no estudo da música instrumental e do canto orfeônico.
Terminada tal fase, o aluno poderia ou finalizar os estudos com o aprendizado profissional
ligado à agricultura ou seguir mais adiante com aulas de gramática e, então, completar sua
formação na Europa.” (GUIRALDELLI JUNIOR, 2015, p. 28)

A ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA DOS JESUÍTAS NO BRASIL


- Massimi (1990) ao tratar na abordagem psicopedagógica dos jesuítas no Brasil, explicita
as suas fontes: A arte de crear bem os filhos na idade da puerícia (1685) de Padre
Alexandre de Gusmão Nova escola para Ensinar a ler, escrever e contar (1722) de Manoel
de Andrade Figueiredo
- Em ambas as obras expressam-se os conhecimentos modernos da época, obrigando os
autores a definirem o conceito de infância, tendo como definições da época:
a) infância até os 7 anos;
b) até o momento da aprendizagem da fala;
c) circunscrita ao período da amamentação;
d) até o momento em que se domina as faculdades da razão.

Gusmão assim entende a infância da seguinte forma: “ ‘Nós chamamos infante à creança,
em quanto de sy nam tem acçam racional e, para viver, necessita do alheio socorro.’ ”
(Gusmão apud MASSIMI, 1990, p. 14)

- Massimi (1990) identifica que nessa época os pedagogos jesuítas defendiam a


amamentação, contrapondo-se com o costume de encaminhar os bebês às damas de leite,
prática comum em Portugal.
- Essa recomendação pode ser associada ao conhecimento psicológico da psicologia
moderna, porém, em sua época baseava-se em bases morais, tendo como justificativas:
a) a analogia do leite materno com o sangue com que o bebê habituou-se no ventre
materno;
b) a influência do leite materno no caráter da criança.

- Apesar de se esboçar argumentos biológicos e psicológicos, existia por trás um caráter


moral na compreensão da amamentação ao reservar à mãe a responsabilidade da criação
de seus filhos.

- Massimi (1990) constata a visão determinista do desenvolvimento ao verificar à ênfase


dada às determinações ambientais para a constituição da personalidade infantil.
- Os autores da época atribuíam à educação um recurso fundamental para garantir um bom
caráter à criança, vista como uma “tábua rasa”, o que de certa forma foi também defendido
com argumentos científicos pelo behaviorista J. B. Watson em 1929, ao compreender que o
comportamento infantil seria determinado a partir das condições ambientais e da criação da
criança em seus primeiros anos de vida.
- A punição é concebida como uma prática eficaz na educação de crianças, tendo o castigo
como fruto de teorias dos séculos XV e XVI, como método de controle e correção em
consonância com a época de ascensão dos regimes absolutistas, distanciava-se da
dimensão moral para a dimensão comportamental.
- A autora sinaliza que a educação e o desenvolvimento da personalidade infantil são
complementares, o que comparece nas fontes com a valorização da educação intelectual e
da razão.
- A família e os educadores são o centro desse debate, sendo que os pais são estimulados
a busca auxilio dos políticos (especialistas das relações sociais), neste sentido Gusmão
orienta:
“ ‘nam devem os pays desamparar aos filhos, que sentiram de más condiçoens,
desconfiando de fazer nelles frutos, porque nenhum pode ser de tam mao natural, que
doutrinado, e domado, nam possa ser de proveito, por meio da boa creaçam’.” (Gusmão
apud Massimi, 1990, p. 16)
- Ao inserir-se os castigos na educação, entende-se não somente como punições físicas,
mas também morais, tal como a prática de José de Anchieta (1534-1597) relatada por Pero
Rodrigues ao descrever a ação de Anchieta para com uma criança que furtava laranjas
(Massimi, 1990, p. 17).
- Massimi (1990) reconhece que os jesuítas incluíram os jogos infantis em sua prática
pedagógica, recurso anteriormente proibido nas rotinas escolares.
- A função educativa dos jogos só foi reconhecida no século XVII e através de contribuições
dos jesuítas que assumiram os jogos para educar a ler e a escrever, mas também para
catequisar, permitindo também que os estudos fossem atenuados e se evita-se a
ociosidade, por meio do movimento e da imitação.
- O projeto pedagógico dos jesuítas também inovou no sentido de incluir as mulheres nos
colégios em uma época que estas estavam excluídas e eram tidas como intelectualmente
inferiores, preconceito difundido nas sociedades europeias, como a portuguesa em que a
mulher era relegada à subalternidade.

DOUTRINA E TERAPÊUTICA CRISTÃ


- Massimi (1990) constata a elaboração de conhecimentos psicológicos expressa nos
séculos XVII e XVIII em Sermões e Tratados de Teologia Moral surgidos a partir da tradição
teológica e catequética, no que deduz um claro interesse em assuntos psicológicos, mas a
partir da Antropologia Cristã.
- As fontes utilizadas pela autora para analisar a temática apresentada parte das seguintes
fontes:
Sermões (1648-1679) de Padre Antonio Vieira.
Sermões (1711 – 1751) de Dom Mateus da Encarnação Pinna
Botica Preciosa (1754) do Padre Angelo de Sequeira

AUTOCONHECIMENTO E SUBJETIVIDADE
- Massimi (1990) reporta-se à Dom Mateus da Encarnação Pinna (1687-1764) para
compreender o autoconhecimento de si, ou seja, o conhecimento da própria subjetividade.
- Neste sentido, assume-se que o sujeito possa representar a sua vivência interior por meio
de seu discurso, em que constata-se uma relação entre fenômeno psíquico e as palavras,
derivando-se desta as fontes das emoções e das paixões.
- A autora identifica que a adoção do diálogo como recurso terapêutico reconhecido pela
psicologia moderna já se expressa na doutrina cristã em tratados morais, como demonstram
os escritos do Padre Angelo de Siqueira (1707-1776).
“A comunicação da experiência interior através da palavra constitui um modo de
objetivação. Com efeito, o conhecimento e a expressão da própria subjetividade implica
uma operação de auto-abstração que a pessoa realiza. Tal operação é definida por Pinna
como ‘sahir de si mesmo’ e consiste no distanciar se da forma imediata em que os
fenômenos internos se manifestam. Esse enfoque baseia-se no postulado, característico da
‘filosofia natural’ escolástica, de que somente uma determinada distância do objeto é
possível a visão clara e precisa dele. Nesse ponto, enfrenta-se um problema epistemológico
ainda hoje muito vivo em psicologia: o fato de o sujeito do conhecimento pôr-se também
como objeto. A atitude de auto-abstração, ou ‘sahir de si mesmo’, proposta pelos autores,
representa a solução para a questão, pois impede a identificação total do sujeito com sua
própria vivência e permite, dessa forma, o estabelecer-se de uma relação epistemológica
entre sujeito e objeto. Esta relação, por sua vez, é condição indispensável para que
qualquer forma de saber se estruture.” (MASSIMI, 1990, p. 19-20, grifos nossos)

SER HUMANO, PAIXÕES E SEUS REMÉDIOS


- A autora identifica que a “psicologia” proposta pelos autores cristãos em seus Sermões e
Tratados de Teologia Moral, parte da concepção de um ser humano integrado, tendo a alma
(ou consciência) como o lugar da experiência humana, criticando-se a visão restrita à
fisiologia da filosofia natural.
- Deriva-se desta compreensão de ser humano, a perspectiva metodológica do estudo das
emoções, compreendida como as paixões e seus remédios, indicativo da preocupação com
os comportamentos sociais:
“O interesse por esse tema não é teórico mas principalmente prático, visando-se a
descrição dos efeitos comportamentais das paixões e a identificação de meios para o
controle e a modificação delas. As paixões consideradas fenômenos de origem física tendo
correlatos fisiológicos, expressivos, comportamentais e subjetivos. ” (MASSIMI, 1990, p.
20-21)

FENOMENOLOGIA DA TRISTEZA: A MELANCOLIA


- Massimi (1990) recorre aos Sermões do Padre Antônio Vieira (1608-1697) para extrair um
estudo sobre as paixões, identificando o interesse na melancolia em um escrito de 1654.
- A melancolia é encarada como uma doença universal comum à época, que produz um
“cadáver vivo”, caracterizada por excesso de tristeza no coração, cujo efeito é exalar
“venenos mortais” pelo corpo que:
“ ‘ferem à cabeça, e perfurando o cérebro, lhe confundem o juízo; ferem os ouvidos, e lhes
fazem dissonante harmonia das vozes; ferem o gosto, e lhe tornam amarga a doçura dos
sabores; ferem os olhos e lhes escurecem a vista; ferem a língua, e lhe enmudecem a fala;
ferem os braços, e os quebrantam; ferem as mãos e os pés, e os entorpecem; e ferindo
todos os membros do corpo, nenhum há que não adoeça d’aquelle mal, que maior moléstia
lhe pode causar, e maior pena e não pode tardar muito em matar.’” (Vieira apud MASSIMI,
1990, p. 21)

OS REMÉDIOS DA TRISTEZA
- Massimi (1990) ao citar a descrição do fenômeno da melancolia em Vieira, não deixa de
notar que outros autores também lhe davam atenção, não somente em sua compreensão,
mas em tratamentos.
- O padre Angelo de Sequeira recomendava comer, beber e dormir para que o indivíduo se
recomponha, mas também indicava o lazer e o canto, promovendo a socialização e a
possibilidade de expressão do choro e da contemplação da verdade.
- Frei Mateus da Encarnação Pinna remete a melancolia à saudade ocasionada pela
ausência do objeto amado (pessoa, prática ou coisa), sugerindo como remédios localizados
na natureza para a cura dessa tristeza com ação voltada para: o plano intelectual e plano da
comunicação. No primeiro substitui-se o objeto penoso por outras representações e no
segundo estimula-se o choro e a palavra com fins catárticos.

EMOÇÃO COMO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO


- A autora sinaliza que o conhecimento psicológico produzido no período colonial tinha a
finalidade de catequizar e estabelecer referências educativas e éticas, visando intenções
práticas de controle social.
- Os fenômenos subjetivos da época não se distinguiam entre as dimensões física, psíquica
e moral, impedindo a diferenciação em enfermidade corporal, doença mental e vício moral,
ainda que o indivíduo fosse instruído a buscar equilíbrio e a controlar o seu estado psíquico:
“Nesse tipo de saber, o sujeito ocupa um papel ativo, sendo o conhecimento possível pela
transformação em discurso da vivência interior que ele próprio elabora. A consciência dos
fenômenos e sua comunicação verbal são as condições para o entendimento desses
fenômenos. A expressão, além de permitir a compreensão do que ocorre na vida interior,
tem uma importantíssima função catártica, ou terapêutica, pois as palavras, ao mesmo
tempo em que objetivam os fenômenos subjetivos, exteriorizando o que era contido na
intimidade da pessoa, favorecem a libertação das emoções penosas associadas a tais
estados.” (MASSIMI, 1990, p. 23, grifo nosso)

IDEIAS ILUMINISTAS NO PERÍODO COLONIAL


- Massimi (1990) sinaliza que as doutrinas iluministas do século XVIII, passam a exercer
influência no Brasil, expressando-se nos intelectuais brasileiros através do entusiasmo com
o método científico.

Mathias Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1770): filósofo, literato e cientista.


Francisco de Mello Franco (1757-1822): médico.
José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho (1742-1821): bispo, economista e pedagogo.

- A perspectiva científica que passa a ser a base da produção do conhecimento psicológico


desse período, exige que o ser humano seja estudado como um objeto, utilizando métodos
e princípios das Ciências Naturais, abrindo caminho para os fundamentos de uma
psicologia científica.

O MODELO CIENTÍFICO DA PERÍODO COLONIAL


- Massimi (1990) verifica nas obras do período essa mudança de perspectiva em um estudo
de Mathias Aires que trata as ilusões visuais de mineiros a partir de variáveis físicas
(geofísica, vapores de enxofre, luzes artificiais), afastando-se de quaisquer explicações
sobrenaturais ou metafísicas.
- Este autor defende que os estudos devem pautar-se com experimentos com observação e
controle de variáveis, de modo a identificar causa e efeito, assim como o controle da
subjetividade do cientista, postulados compartilhados por Mello Franco que recorre à
definição de determinismo e reducionismo:

“ de um lado, o reconhecimento de uma relação de causalidade rigorosa entre os


fenômenos; de outro lado, o pressuposto de que o domínio das causas pode ser reduzido
ao âmbito do mundo da matéria. Em outras palavras, o estado físico do organismo
determina os fenômenos do ‘espírito’. ” (MASSIMI, 1990, p. 25)

O MODELO CIENTÍFICO DA PERÍODO COLONIAL


- A autora identifica que as principais influências do período derivam do iluminismo francês,
permitindo o desenvolvimento de uma psicologia e uma psicopatologia inovadoras em
relação ao passado colonial.
- A medicina e a “psicologia” desenvolvidas na época incorporam a moral em uma
perspectiva científica:

“Tais premissas parecem proporcionar os fundamentos de um saber objetivo sobre o sujeito.


De fato, sendo a mente redutível ao organismo, e sendo este regulado pelas leis da
natureza, é possível abordar o seu estudo através do método científico, que já se mostrara
eficaz na física e na biologia. Dessa forma, os distúrbios psíquicos, que vêm a depender do
funcionamento do organismo, podem ser conhecidos casualmente, prevenidos e tratados,
modificando as variáveis determinantes, através de remédios físicos e normas higiênicas.”
(MASSIMI, 1990, p. 25, grifo nosso)

A MEDICINA COMO SABER OBJETIVO DO SUJEITO


- Massimi (1990) constata que a psicologia médica constituída na época propunha-se como
uma alternativa em relação ao saber produzido pela cultura cristã no período colonial.
- Um exemplo dessa mudança é o estudo de Mello Franco em 1794 sobre os três “pecados”
entendidos como “lascívia, a cólera e a bebedice”, no entanto, encarados como objeto de
estudo científico, não eram mais considerados como vícios morais, mas como doenças
orgânicas. Pretendia-se no modelo científico definir uma “verdade”, substituía-se a
confissão pelo discurso científico:

“ Substituem-se as categorias éticas de culpa e de castigo pelos termos médicos ‘infração’ e


‘distúrbio’. A punição do pecado é transformada em ‘castigo da natureza’; as normas morais
tornam-se ‘regras gerais de higiene’. A felicidade ou a salvação da pessoa é identificada
com a boa regulação ou equilíbrio da máquina corporal, segundo a ordem estabelecida pelo
sistema da natureza.” (MASSIMI, 1990, p. 26-27)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Massimi (1990) reitera que o conhecimento psicológico produzido no Brasil se deu de
forma fragmentada, constituindo reflexões de diversos campos de saber e assuntos, não se
configurando dentro de uma disciplina autônoma como a Psicologia veio a se tornar no
campo científico.
- Reconhece-se que o saber psicológico produzido no período colonial sinalizava para
problemas psicológicos que se tornariam centrais na psicologia moderna, tais como: a)
controle e terapia do comportamento;
b) influências de determinações ambientais na subjetividade;
c) controle de condições metodológicas para a produção de um saber psicológico; d) estudo
de papéis sociais.

- Aponta-se também que a condição de país colonizado impediu o desenvolvimento de


instituições e pesquisas científicas no Brasil, ainda que não impedisse a produção de
conhecimento psicológico.

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