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PSICOLOGIA SOCIAL

Relações
interpessoais,
intergrupais e
intragrupais
Marcela Montalvão Teti

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Conceituar relações interpessoais no cenário contemporâneo.


> Descrever o funcionamento dos grupos e as relações intergrupais dentro
da psicologia social contemporânea.
> Explicar os processos de construção dos grupos sociais e das relações
intragrupais.

Introdução
Existe uma tradição de contar a história da psicologia e de tratar da constituição
do indivíduo moderno como se fosse um processo linear. A psicologia teria
seu nascimento na filosofia antiga e, após alguns percalços nos mosteiros da
Idade Média e nas desventuras da Idade Moderna, encontraria seu apogeu e
sua superioridade no final do século XIX. A história contada dessa maneira faz
parecer que a psicologia científica é resultado do amadurecimento mental dos
povos. A partir dessa mesma perspectiva linear, lança-se luz sobre a formação
do indivíduo moderno. Aparentemente, o que somos hoje é a etapa final de
um processo que se iniciou, talvez, com o homo neandertal. A mente humana,
com seus sabores e dissabores, seria resultado claro do processo evolutivo de
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amadurecimento, que já estava lá marcado desde seu início, sendo necessário


somente esperar o tempo passar para ver a subjetividade moderna florescer.
A história de uma ciência e a constituição do indivíduo moderno contadas
dessa forma seriam fáceis de entender. Com relação à primeira, bastaria indicar
alguns nomes, algumas datas e teríamos uma única forma, positivista e verda-
deira, de entender os processos históricos. Com relação à segunda, uma análise
substancial do indivíduo tal como ele é hoje seria suficiente para entender as
pessoas desde o início dos tempos, e qualquer mudança no desenvolvimento
desse indivíduo deveria partir somente dele.
Felizmente, historiadores e psicólogos sociais aparecem para destacar que a
história não é resultado da mentalidade de indivíduos ou o resultado bem-sucedido
de um gérmen da humanidade que já estava plantado lá no início. A história da
sociedade é feita de acontecimentos intempestivos e não de “ouropéis” (FOUCAULT,
2006a). Do mesmo modo, o desenvolvimento de uma ciência, como diria Robert
Farr (1996), deve ser contado a partir dos fatos históricos e das instituições nas
quais as perspectivas teóricas nasceram. Em outras palavras, a constituição de
uma ciência deve ser pensada atrelada às relações sociais, políticas e históricas
nas quais seus criadores estavam inseridos. Do mesmo modo, deve ser encarada
a constituição do indivíduo moderno. O que somos hoje é resultado das relações
sociais, políticas e históricas em que nos situamos. Problemas, sofrimento, alegrias
e conquistas são resultado das relações interpessoais, intergrupais e intragrupais
que desenvolvemos e mantemos.
Neste capítulo, você vai conhecer um pouco da história da psicologia e da
psicologia social, de modo a compreender o que são relações interpessoais no
cenário contemporâneo. Vai, também, identificar quais são os principais emba-
tes teóricos e metodológicos entre as vertentes europeias e estadunidenses,
no tocante aos modos como as pessoas se relacionam em seus grupos e entre
grupos. Ao final, será possível reconhecer os processos de construção de grupos
sociais e aprender sobre influência social a partir da interação intragrupal, entre
o indivíduo e os grupos dos quais faz parte.

Para além do indivíduo-substância,


um sujeito constituído socialmente
Existe um mito em torno do nascimento da psicologia. Acredita-se que a
atividade clínica e a análise dos problemas individuais antecedem as aborda-
gens sociais, no percurso da história — talvez porque em pleno século XXI os
problemas os sofrimentos psíquicos de grande repercussão girem em torno
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da depressão, da ansiedade, do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Tais


transtornos, embora acometam muitas pessoas, não “abatem” todas elas, de
modo que nos convencemos de que o problema é só “daquela pessoa especí-
fica e não tem nada a ver comigo”. De forma equivocada, também, a vertente
social de aplicação da psicologia é, muitas vezes, confundida com uma prática
voltada ao atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade. A clínica
social existe e implica uma consulta com valor abaixo da média. No entanto, a
psicologia social não se reduz a isso. A psicologia social é uma forma de pensar
o indivíduo. É uma racionalidade, uma maneira de entender a subjetividade
de uma pessoa não restrita só a ela. A depressão, a ansiedade e o TOC só
vão existir ou somente serão possíveis se a sociedade, o coletivo em que as
pessoas estão envolvidas produzirem indivíduos com transtornos mentais.
Em O nascimento da medicina social, Michel Foucault (2006b) argumenta
que esta veio antes da medicina clínica. A medicina social nasceu de uma
demanda social, agrupamentos sociais que estavam se organizando em torno
da formação de estados-nações. Para organizar as pessoas em torno do que
seriam países, era necessário organizar ruas e passagens e higienizá-las de
modo a interromper contaminações mortais. O exame do indivíduo veio após
essa necessidade política de organização social. Na psicologia observamos
um caminho parecido. A história social, ou a configuração social moderna,
impõe a existência de profissionais responsáveis por entender o que mobiliza
o indivíduo, no final do século XIX. E, embora a ciência que desponta durante
o século XX tenha como foco a análise da consciência ou do inconsciente
individual, vemos florescer vertentes de cunho social que pensam o indivíduo
na sua relação com os seus pares. Figueiredo e Santi (2006) sinalizam um
momento histórico preciso em que o projeto wunditiano se faz necessário
na sociedade que se constituiu após a ruína do feudalismo.

O indivíduo para o nascimento da psicologia


Entre os séculos XVI e XIX, observa-se uma expansão dos modos de vida.
Durante a Idade Média, soberanos e servos de gleba viviam em espaços de
terra, conhecidos por feudos, distantes de si uns dos outros, com núcleos
sociais restritos em quantidade e em comunicação. Com o fim da Idade Média,
a tríade Igreja–Coroa–servos de desfaz. Com o desenvolvimento das trocas
comerciais e do monetarismo e o surgimento de uma nova tecnologia de poder,
centrada na produção de vida, chamada de “biopoder” (FOUCAULT, 2007a), as
estruturas feudais se “rompem”, abrindo espaço para a circulação de pessoas
não mais vinculadas à terra. Esse acontecimento histórico, marcado também
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pela queda da igreja católica e pela desintegração das coroas medievais,


estimula o surgimento de burgos, sementes das futuras cidades europeias.
O século XVI apresenta, também, a novidade dos recursos às grandes nave-
gações e a consequente extração de minérios de ouro e prata dos litorais da
América recém-descoberta. Assim, dá-se início a um processo de mudança
da configuração social do mundo medieval e instauração de novos modos
de existência, inaugurando o acontecimento filosófico chamado de Idade
Moderna, ou, de acordo com Foucault (2007a), a idade clássica.
O deslocamento entre as Idades Média e Moderna impõe mudanças nos
modos do sujeito ver a si mesmo, a natureza e os outros. A partir do século
XVI, instaura-se uma sequência de movimentos culturais e intelectuais, como

„ o renascentismo, colocando o sujeito como fonte do conhecimento


legítimo;
„ o empirismo, apontando a experiência e o experimento como prepon-
derante à descoberta das verdades naturais;
„ o iluminismo, colocando para o sujeito da razão a presença “obscura”
da subjetividade humana.

No campo das práticas, contata-se o desenvolvimento do “sistema mercan-


til e individualização” (FIGUEIREDO; SANTI, 2006), além da paulatina constituição
do “regime disciplinar” atrelando os indivíduos aos sistemas fabris, em uma
dinâmica de produção “anatomo-política dos corpos” (FOUCAULT, 2002). A
partir de tais acontecimentos no campo dos discursos e das práticas, cons-
tata-se o nascimento do indivíduo moderno. Um sujeito dono da sua história,
capaz de mudar a situação em que vive e a natureza da sua realidade, encara
a sua sombra no desenvolvimento cotidiano de suas tarefas. Esse sujeito é
paralelo ao indivíduo livre, capaz de ir e vir, autodeterminado, mas vinculado
à produção de mercadorias e preso ao sistema capitalista decorrente da
revolução industrial.
O processo de migração dos espaços rurais às futuras cidades modernas,
entre os séculos XVI e XIX, acontece de forma lenta, marcando irreversivel-
mente a história mundial. Com a finalidade de viver melhor, as cidades ficam
povoadas, ocasionando o surgimento do fenômeno da população (FOUCAULT,
2007b). E se, de um lado, a história é marcada pela presença de indivíduos
com uma clara experiência de subjetividade privatizada (FIGUEIREDO; SANTI,
2006; FIGUEIREDO, 2007) e vida livre e independente, de outro, tem-se, pela
primeira vez na história, a presença massiva de indivíduos juntos e, consequen-
temente, a desordem social. Indivíduos coletivizados promovem alterações
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sociais, implicando, muitas vezes, destruição de fábricas, miséria, mendicância,


doenças, revoltas populares. Tais fatos associados culminam na colocação
do indivíduo como objeto para o conhecimento, fazendo da psicologia uma
ciência necessária à constituição da sociedade moderna.
A psicologia enquanto ciência surge, portanto, no final do século XIX.
Wilhelm Wundt (1832–1920) é tido como o pai da psicologia científica, a partir
do momento em que cria o laboratório de psicologia experimental em Leipizig,
no ano de 1879. Naquele momento, Wundt atendia a uma necessidade, a um
problema social que se disseminava em diversas partes da Europa e da América
do Norte. Alguns acontecimentos históricos deram início a certa desordem
social, impondo aos intelectuais das ciências nascentes questões em torno
das razões pelas quais as pessoas agiam de tal forma. Nesse sentido, Wundt
e o Laboratório de Psicologia experimental buscam atender à demanda de
entender por que as pessoas agem como agem. Para tanto, a consciência passa
a ser objeto de investigação, a partir do “método experimental-introspectivo”
(BERNARDES, 2013, p. 23).
Ao projeto wundtiano de psicologia experimental, seguem como correntes
clássicas no estudo do indivíduo moderno a psicanálise e o behaviorismo.
Apesar de terem pensamentos opostos, os dois projetos focam em compreen-
der os problemas que atravessam o indivíduo de forma particular e propor
soluções para eles de forma isolada. Para a psicanálise, o objeto de estudo
é o inconsciente, uma parte do indivíduo que ele mesmo desconhece que
exista. A investigação desse inconsciente acontece a partir do método da
“fala livre” e da análise dos sonhos do indivíduo que sofre. O behaviorismo
foca suas análises em uma variável observável, o comportamento, por meio
do método experimental sem introspecção, e defende que as mudanças na
vida de um indivíduo acontecerão por meio da manipulação das consequências
ambientais às respostas emitidas por esse indivíduo. Por meio de diferentes
estratégias, tanto o behaviorismo como a psicanálise identificam um indiví-
duo-substância, fechado em si mesmo. A interação social como condicionante
da subjetividade desse indivíduo tem participação coadjuvante, só aparece na
figura da família (complexo de édipo, pai–mãe–filho) ou do ambiente. Assim, a
valorização do social, ou dos processos de interação social para investigação
da subjetividade, viria por outros caminhos.
Farr (1996) é o teórico que defende que as raízes da psicologia social são
europeias, mas seu florescimento acontece em território norte-americano.
É possível afirmar isso porque paralelamente ao projeto de uma psicologia
experimental, Wundt deu início, na Alemanha, a um projeto de psicologia social,
entre 1900 e 1920 (BERNARDES, 2013). Os objetos de estudo dessa psicologia
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social eram a linguagem, a cultura, a religião, o mito, os costumes. Para Wundt,


estes são claramente fenômenos sociais. O desenvolvimento da psicologia
social nessa época não avança tanto em virtude das Grandes Guerras que
assolam a Europa e da consequente migração de intelectuais para os Estados
Unidos. No entanto, antes de isso acontecer, a Alemanha chegou a receber, de
acordo com Farr (1996), mais de 10.000 americanos para estudar psicologia.
Dentre eles, estava George H. Mead, um dos precursores da psicologia social
nos Estados Unidos. Foi, inclusive, aluno de Wundt, permaneceu na Alemanha
por três anos e, mesmo quando retornou a seu país natal, manteve contato
com Wundt e sua equipe de trabalho.
Nos Estados Unidos, sob grande influência do behaviorismo, observa-se o
desenvolvimento de uma ciência psicológica social fundada no método expe-
rimental, inspirada no positivismo de Augusto Comte. Essa psicologia social,
que tem por referência Gordon Allport e o Handbook of Social Psychology,
tinha por princípios básicos tratar os fenômenos sociais como fenômenos
naturais “através de métodos experimentais, sendo que seus modelos expli-
cativos nos remetem sempre, em última instância, a explicações centradas
no indivíduo” (BERNARDES, 2013, p. 27). Para Allport e demais pesquisadores
dessa vertente de psicologia social, a sociedade nada mais era do que uma
reunião de indivíduos. Assim, em solo estadunidense, dissemina-se uma ciência
social que exclui o projeto wundtiano de volkerpsychologie (psicologia dos
povos ou psicologia das massas), bem como as vertentes críticas da psicologia
social, como as correntes marxistas alemãs e a psicologia social de George
H. Mead. Entendendo as vertentes críticas e relacionais de psicologia social,
Robert Farr destaca o desenvolvimento de duas formas de psicologia social
durante o século XX: uma de cunho psicológico e outra de cunho sociológico.
A forma psicológica defende a individualização da psicologia social, reduzindo
o sentido das relações e interações sociais às leis do indivíduo. A gestalt e o
behaviorismo seriam representantes dessa vertente.

Já as formas sociológicas de psicologia social refletem a relação entre o individual


e o coletivo. Buscam uma superação desta dicotomia, não reduzindo as explicações
da psicologia social ao individual, nem tampouco ao coletivo. São exemplos desta
perspectiva a Teoria das Representações sociais [...] e o behaviorismo social [...],
dentre outros (BERNARDES, 2013, p. 32).

A tradução da história da psicologia e da psicologia social divulga uma


organização linear do pensamento, enfatizando a história das ideias e das
perspectivas teóricas. No entanto, pensar a psicologia social sob esse embasa-
mento é desconsiderar a importância dos acontecimentos e das relações sociais.
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Psicologia social sociológica: perspectivas


estadunidenses e europeias
Em oposição a essa forma individualizada de pensar a subjetividade humana,
passamos ao estudo das vertentes de psicologia social de caráter sociológico
e, por isso mesmo, vertentes de cunho crítico que refletem a formação do
indivíduo moderno a partir da história, da cultura e dos modos de interação
social.

Interacionismo simbólico
As ideias de Georg Simmel chegaram aos Estados Unidos a partir de Robert
Park e se tornaram referência para psicólogos sociais da Escola de Chicago.
Simmel era alemão, considerado por alguns teóricos como um dos pais da
sociologia moderna, dividindo esse lugar com Durkheim, Marx e Weber. Apesar
de ser sociólogo, suas pesquisas giravam em torno das relações entre indivíduo
e sociedade e, por isso, de acordo com Álvaro e Garrido (2017, p. 70), “deva
ser considerada uma referência da psicologia social”. Para Simmel (1973), a
sociedade é resultado de ações e interações entre seus membros e por isso
mesmo é dinâmica. A perspectiva processual de sua concepção aponta para
a ideia de que nem indivíduo, nem sociedade devem ser concebidas de forma
isolada. A partir dessa ideia de sociedade, seu objeto de investigação eram
os estados mentais das pessoas e o que acontecia diariamente na vida delas.
“Seu objetivo principal era realizar uma descrição das distintas manifestações
da vida social por intermédio do estudo das inter-relações sociais básicas”
(ÁLVARO; GARRIDO, p. 70).
Cotidianamente, as pessoas dão sentido às suas interações a partir de eti-
quetas e modelos a que tiveram acesso em outros lugares. Em resumo, Simmel
se dedicou ao estudo dos seguintes modelos a partir dos quais as relações
humanas se organizam: conflito, intercâmbio, estranheza, supreordenação
e subordinação. A partir desse jogo, ele esteve interessado em investigar
uma série de tipos sociais, especialmente duas figuras, a do estranho e a
do pobre. Simmel ficava intrigado pela vida na cidade nascente, sobretudo
pela condição de estranheza que permeava os modos de vida sem qualquer
relação vicinal. A cidade era a representação da perda dos laços afetivos
do campo por meio da aproximação e da constituição de relações sociais
mediadas pela moeda, pelo dinheiro.
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Ainda que suas reflexões marquem o início do século XX, percebe-se o


reflexo do seu pensamento na atualidade. Simmel (1973) fala da vida na cidade
como desconectada de sentido e, por isso, caracterizada por certo frenesi,
nervosismo. O tipo de indivíduos típico dessa sociedade era o “homem blasé”,
que carregava o desejo mais profundo de se distanciar dos choques da vida
urbana na metrópole. Segundo Jacques (2014), esse homem se deixa arrastar
e disciplinar pelas exigências externas da modernidade, é um homem pas-
sivo, alienado de suas condições de existência. Nessa sociedade, o dinheiro
coordena as relações de modo a criar um sentimento de oposição entre as
trocas comerciais monetizadas. Inicialmente, o dinheiro aproxima as pessoas
do que elas desejam, mas ele também é por causa dele que desejos são
afastados daqueles que desejam. Para o sociólogo, o dinheiro nos aproxima
“a prestações” de pessoas com as quais não teríamos nenhum vínculo pessoal
e ao mesmo tempo nos torna independentes das normas sociais, daqueles
grupos dos quais fizemos parte. Nessa perspectiva, as relações interpessoais
acabam por se tornar a representação da sua expressão monetária.
Os modos de análise da subjetividade moderna, totalmente contextualizada
com o momento histórico no qual vive, com base nos processos de interação
social, fazem Simmel o formulador de uma teoria microssociológica — que
será inspiração a outros teóricos sociais que marcam uma vertente sociológica
da psicologia social, a exemplo de Erving Goffman. Antes de chegarmos ao
autor da obra Manicômios, prisões e conventos, iremos tratar um pouco sobre
George Herbert Mead.
George H. Mead costuma ser esquecido na história da psicologia social,
porque a princípio é conhecido como filósofo. Mesmo professor de psicolo-
gia social, ele preferiu ser conhecido entre os seus alunos como da área de
filosofia. O que se conhece da produção de Mead é resultado da organização
de escritos provenientes das anotações de seus alunos e posteriormente
publicados. Dentre os alunos mais conhecidos estão J. B. Watson, “pai” do
behaviorismo, e Herbert Blumer. Este último, quando Mead morreu, em 1931,
assumiu seu curso anual de psicologia social e atribuiu o nome de intera-
cionismo simbólico ao tipo de psicologia que Mead colocava em prática.
A psicologia social de Mead tinhas raízes darwinianas, que foram esquecidas
quando Blumer levou seu pensamento para o campo da sociologia. George
Mead se intitulava um behaviorista social (PORTUGAL, 2007, p. 466). Seus
interesses de investigação giravam em torno do problema da mente humana,
da sua consciência, em relação à sociedade. Ele tecia críticas ao behaviorismo
e às suas relações com a psicologia social, pois apontava reducionismo nas
análises em torno do estímulo-resposta. Essa corrente endossava a dicotomia
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mente-corpo, recusando a legitimidade da presença da mente nas respostas


dos indivíduos. Mead não recusava a mente, nem o corpo, mas era contrário
à ideia de indivíduo-substância nas relações sociais. Não haveria dicotomia
entre os dois eixos, visto que sua dinâmica é processual. Mead, para a vertente
crítica da psicologia social, passa a ser importante pois destaca a relação
dialética entre indivíduo e sociedade. Para ele, o ser individualizado é efeito, é
consequência da socialização, que tinha por investigação central a linguagem.
O estudo da linguagem era central na psicologia social de Mead. Ele se
interessava pela função da significação. Para ele, esta não é proveniente da
mente do indivíduo, mas ela “se origina e se mantém no ato social” (PORTUGAL,
2007, p. 466). O indivíduo, para ele, é resultado da experiência, e indivíduo e
sociedade são um processo que ultrapassa os dois eixos, sendo atravessados
por relações históricas e contextuais. A significação, para ele:

[...] nasce em um processo relacional tríplice que envolve o gesto de um organismo,


o ato social que já inclui este gesto e a reação do outro a esta ação. O gesto ganha
sua consistência no ato social que fornece diretividade para os indivíduos envol-
vidos. Não se trata de estatuir uma anterioridade absoluta ao ato social, mas de
insistir em seu caráter relacional e em sua exterioridade em relação ao indivíduo
(PORTUGAL, 2007, p. 466).

A significação é, portanto, compreendida sem fazer referência a uma


consciência individual estanque, o que explica a ideia de que o indivíduo é
resultado das interações que produz cotidianamente. Um dos objetos produ-
zidos nesse processo de interação é a mente. A mente aqui ocupa um lugar
de reflexividade. É, portanto, uma função social, dinâmica e processual.
Portugal (2007) destaca que se constitui um erro recorrer ao passado de uma
pessoa para buscar compreender seu presente. Passa a ser lógico investigar
os objetos presentificados que estimulam a função de reflexividade para
que possa surgir a mente. A constituição de um eu será devagar e imersa no
jogo das relações sociais. Na experiência social, a presença dos outros impõe
pontos de vista a respeito do eu e a adoção de algumas atitudes necessárias.
Assim, a mente não é unitária, mas se assemelha a uma “colcha de retalhos”,
na medida em que acumula “recortes” de cada relação em que está imersa.
A mente, portanto, é uma experiência eminentemente social.
O pensamento de Mead, seu behaviorismo social, ainda é presente na
Escola de Chicago entre os sociólogos, sob o título de interacionismo sim-
bólico. Em diversas universidades do Brasil, seu pensamento é adotado e é
possível constatar o estudo dos gestos e da significação nos departamentos
de sociologia e antropologia social e urbana e programas de pós-graduação.
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A microssociologia de Erving Goffman representa um segundo momento


da Escola de Chicago. Ele coloca em prática o interacionismo simbólico para
refletir sobre as pessoas em situação de vulnerabilidade social e descrever
em minúcia as formas de relação mediadas por instituições. Ele coloca em
prática o método etnográfico de trabalho e traz a possibilidade de analisar a
subjetividade humana a partir da observação de diversas situações sociais.
Continua sendo uma referência para a pesquisa de campo e para a percepção
de si mesmo como efeito do jogo das relações sociais. Em Manicômios, prisões
e conventos, ele se preocupa em apontar como as estruturas arquitetônicas
das instituições totais, a forma como se dispõe a equipe técnica, e os modos
“minúsculos” e microssociais de interação entre indivíduos podem acarretar
processos de identificação social. Em seu trabalho, o doente mental não é
obra de uma interioridade problemática, mas resultado da combinação entre
comportamentos, atitudes e coerções cotidianas produzidas por pessoas,
funções, normatizações e equipamentos urbanos.

Influência social: tendências a


comportamentos e atitudes com
base nos grupos
O campo de análise das pesquisas em psicologia social impõe certo nível
de atenção. Entende-se que a psicologia tem como objeto o indivíduo e os
fenômenos que dizem respeito a ele. Já a psicologia social entende que o
indivíduo e os fenômenos que o atravessam estão inseridos em um contexto
social, histórico e cultural que deve ser considerado como imanente ao campo
de análise em torno desse indivíduo. No entanto, esse nível de análise deve
acontecer sem que a psicologia prescinda dos indivíduos e opere uma análise
somente da sociedade. A sociedade não é a mera composição ou somatório
de indivíduos. Assim, cabe à psicologia social e aos pesquisadores do campo
social propor ferramentas para entender como os indivíduos se relacionam.
A saída desse impasse é operada de forma diversificada. Algumas correntes
teóricas, como vimos, focam na forma como as pessoas interagem entre si ou
na forma como se organizam em torno de grupos. De acordo com Simmel, “os
indivíduos ou os grupos sociais mantêm relações que têm seu fundamento
nas imagens mútuas que elaboram no decorrer de suas ações recíprocas”
(ALVARO; GARRIDO, 2017, p. 74). Nela existe a defesa de uma relação dialética
entre indivíduos e sociedade. A interação entre os indivíduos aparece como
mediada pelo contexto no qual estão inseridos, mas essa interação é criadora
de tipos que influenciam atitudes e comportamentos sociais.
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No tocante aos grupos, especificamente, Myers (2014) argumenta que eles


exercem influência de forma diversificada sobre os indivíduos. Em diversas
situações do cotidiano é possível notar que um mesmo indivíduo tem um
desempenho excepcional quando faz uma tarefa sozinho, mas quando está
em grupo seu desempenho é aquém do esperado. Ao mesmo tempo, chama
a atenção que, em situações competitivas, como os jogos olímpicos, recordes
são quebrados e diversos indivíduos demonstram sua capacidade física e
mental ampliada diante de uma plateia que ovaciona o seu desempenho.
Seguindo essa ideia de que o grupo influencia as decisões e os comportamen-
tos de indivíduos, algumas orientações para o alcance da alta performance
acadêmica sugerem que estudantes intelectuais que saem com outros inte-
lectuais reforçam os interesses intelectuais uns dos outros e ampliam seu
desempenho estudantil. De outra parte, estudantes desajustados que saem
com outros na mesma situação reforçam suas tendências não muito sociais
(MYERS, 2014, p. 215–216).
Ainda de acordo com Myers (2014, p. 2017), os grupos são constituídos
por “duas ou mais pessoas que interagem e se influenciam mutuamente. Os
grupos percebem a si mesmo como ‘nós’ em contraste com ‘eles’. Segundo
Carlos (2013, p. 200), diversos autores “partem da descrição do mesmo fenô-
meno social” para conceituar o grupo, qual seja, “a reunião de duas ou mais
pessoas com um objetivo comum de ação”. Para o autor, as especificações
a respeito de como os grupos funcionam ou quais são suas características
mais importantes vão depender do referencial de ser humano que se adota.
No entanto, alguns pontos comuns podem ser identificados entre aqueles
que estudam esse fenômeno social. A literatura ressalta a importância do
contato entre as pessoas, a busca de um objetivo comum, a dependência
entre os membros, a coesão.
Muito do que se conhece sobre grupos foi apresentado por Kurt Lewin.
Proveniente da Alemanha, chegou aos Estados Unidos fugido do nazismo e
se tornou professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Lá ele
fundou, em 1945, o Centro de Pesquisa em Dinâmica de Grupo (BERNARDES,
2013). Para Lewin, o grupo é composto por pessoas que são interdependentes.
A ação de um indivíduo vai mudar a forma como o grupo se organiza, pois a
experiência do grupo é determinada pela posição e relação entre os demais.
Para ele, o grupo é o um “todo dinâmico” (CARLOS, 2013), o que significa dizer
que “uma mudança no estado de uma das partes modifica o estado de qual-
quer parte” (CARLOS, 2013, p. 200). Em sua concepção, o grupo trabalha para
encontrar uma essência, visto que a organização de pessoas as transcende.
Para ele, haveria uma concepção de grupo ideal, em que as relações são
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horizontais, em que não há conflito. Essa forma de conceber o grupo poderia


ser entendida como uma espécie de anticapitalismo romântico (CARLOS, 2013).
Lane (1989) ressalta algumas características políticas da associação or-
ganizadas entre pessoas. Para ela,

[...] o grupo [...] é condição necessária para conhecer as determinações sociais que
agem sobre o indivíduo, bem como sua ação como sujeito histórico, partindo do
pressuposto que toda ação transformadora da sociedade só pode ocorrer quando
os indivíduos se agrupam (LANE, 1989, p. 78).

Nessa concepção, o grupo é compreendido como uma estratégia de liber-


tação. Junto às pessoas que se veem e conversam com regularidade é possível
pensar, refletir sobre as condições em que se vive, discutir essas mesmas
situações ou ainda eventos que entravam o funcionamento do grupo e a vida
das pessoas que o compõem. De acordo com Lane, aí está uma possibilidade
de os participantes se sentirem sujeitos e partilharem uma experiência única,
que em outro lugar não seria possível. Nesse sentido, Gomes, Maheirie e
Corrêa (2022) defendem o uso do dispositivo de grupo para o trabalho com
jovens em situação de vulnerabilidade social em um Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos, na periferia da cidade de Florianópolis (SC). O
grupo aqui é usado como uma estratégia de intervenção psicossocial e faz
parte da proteção social básica da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS). As autoras apontam que o grupo, junto às políticas públicas, “acaba
sendo orientado de uma forma corretiva, moralista e julgadora” (GOMES;
MAHEIRIE; CORRÊA, 2022, p. 5), especificamente nos serviços vinculados à
assistência social que têm como foco a população empobrecida e fora do
serviço. Dessa forma, o trabalho que realizam como psicólogas sociais é de
oportunizar a fala, para produzir encontro e estranhamentos a fim de que
elaborem novos posicionamentos subjetivos.
Rodrigues (2018), em ensaio sobre os processos de influência social, afirma
que nós, seres humanos, não evoluímos de indivíduos dependentes para
independentes. O desenvolvimento do ser humano é uma passagem para
a “interdependência entre adultos” (RODRIGUES, 2018, p. 2). Olhando com
atenção para o cotidiano da vida em geral, nota-se a frequência com que as
pessoas se associam. Os grupos existem em todos os lugares: na escola, na
igreja, nas associações desportivas, na faculdade, no trabalho. No entanto, tais
grupos são organizados de formas distintas e têm características singulares.
Carlos (2013) separa os grupos em espontâneos e organizados. Na primeira
categoria estão incluídos os grupos de que fazemos parte por opção pessoal
e aqueles de que não nos damos conta de que participamos. Na segunda
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categoria estão os grupos, coordenados pelos próprios participantes ou por


um profissional, que refletem formas de organização da sociedade, como os
associados anônimos, e que pode estar a serviço da transformação social ou
da sua manutenção. Dentro da concepção de grupos organizados ainda exis-
tem os grupos vinculados às empresas que atrelam a atividade ao alcance de
objetivos e metas, na busca por de produtividade. Nessa vertente, não existe
a intenção de se autocriticar ou “buscar o seu caminho para o funcionamento”
(CARLOS, 2013, p. 199), mas se colocar a serviço da instituição.
Lopes et al. (2018), a partir de estudos sociológicos, apresentam a seguinte
diferenciação entre os grupos: primário, secundário, endogrupo, exogrupo e
grupo de referência. O grupo primário diz respeito ao grupo da associação,
caracterizado pela colaboração íntima e sem intermediários, como pessoas
que constituem uma família residente em um mesmo local. O grupo secundário
diz respeito a um grupo formal, com pouca intimidade, como aqueles que
observamos no cotidiano do trabalho. A nomenclatura de endogrupo destaca
a categoria em que as pessoas se sentem vinculadas e se distinguem como
“nós”, podendo incluir um pequeno grupo ou toda a sociedade. O exogrupo
é a organização em que as pessoas não apresentam vínculo entre sim. Em
comparação com o exogrupo, o endogrupo se sente superior e melhor do
que os demais, entendendo que o que é aceitável para ele não deve ser para
aquele. A nomenclatura de endo e exogrupo, portanto, tem um paralelo com as
categorias de estabelecidos e outsiders, definidas por Elias e Scotson (2000).
A respeito do grupo de referência, Lopes et al. (2018) indicam que se trata do
grupo padrão, a partir do qual as pessoas se avaliam e avaliam os outros.
Em geral, o grupo de referência tem a função de regular, impondo padrões,
crenças e ações normativas, além de funcionar como modelo de comparação.
Dentre as formas mais conhecidas de influência social, Myers (2014) destaca
a facilitação social, a presença de observadores, o receio da avaliação, a vadia-
gem social e o processo de desindividuação. A seguir, é possível acompanhar
uma explicação detalhada de cada um deles.

„ Facilitação social: nessa modalidade de influência social, a presença de


outras pessoas facilita o desempenho em tarefas em que a resposta
é fácil. A empolgação das pessoas próximas, por exemplo, aumenta
qualquer tendência da resposta que é dominante. Quanto maior a
empolgação, maior o desempenho da tarefa — sempre que ela for
fácil. No tocante às tarefas difíceis ou complexas, o efeito inverso é
verdadeiro. Nesses casos, se há empolgação das pessoas próximas, a
tendência é que a resposta favorecida seja a incorreta. Em geral, nessas
14 Relações interpessoais, intergrupais e intragrupais

ocasiões, é necessária certa dose de concentração, e a euforia ao redor


certamente dificulta o desempenho. Por exemplo: atletas olímpicos, que
treinam regular e exaustivamente, têm seu desempenho aumentado
diante da euforia da torcida.
„ Presença de observadores: a presença de pessoas observando o de-
sempenho em uma tarefa tem efeito semelhante ao da excitação, na
facilitação social. Ser observado por um indivíduo ou por uma multidão
facilita o exercício das respostas dominantes. A presença, portanto, de
alguém a acompanhar o desempenho impulsiona o que é considerado
fácil de executar, mas prejudica o exercício de uma atividade que for
considerada difícil. Por exemplo, se uma criança percebe que está
sendo observada, enquanto desempenha uma tarefa que ache fácil,
ela se sente estimulada a fazer o seu melhor e a exibir o resultado em
seguida. Caso a tarefa seja complicada, a presença do observador pode
gerar nervosismo e insegurança de modo a prejudicar seu desempenho.
„ Receio da avaliação: essa categoria tem efeito semelhante ao da pre-
sença de observadores. Quando se percebe que há alguém a observar
e mensurar desempenhos, o aumento das respostas dominantes é mais
forte. Se o indivíduo considera que a tarefa é fácil, a resposta dominante
é a correta, ou o desempenho dominante é o melhor. Por exemplo, no
ambiente de trabalho, o receio da avaliação, de estar sendo observado
constantemente, faz com que os colaboradores se dediquem com mais
afinco à tarefa que sabem bem qual é.
„ Vadiagem social: trata-se da probabilidade de as pessoas se esforçarem
menos quando seu trabalho é unido em torno de um objetivo comum.
Caso a tarefa fosse desempenhada de forma individual, o esforço para
a tarefa seria maior. Os experimentos em torno da vadiagem social con-
trariam a ideia de que a “união faz a força”. Em geral, os indivíduos de um
grupo se sentem menos motivados no desempenho de uma atividade
quando executam tarefas somativas. A razão disso é que os indivíduos
não se sentem responsáveis pelo trabalho que desempenham, visto
que está difundido no corpo social do grupo. O mais interessante nessa
categoria de influência social é que quando exercem menos força no
desempenho da tarefa de grupo, os indivíduos não percebem que o
fazem. Uma das estratégias de combate à vadiagem social seria buscar
avaliar o desempenho dos indivíduos do grupo separadamente. Quando
se percebem sendo avaliados, a facilitação social acaba acontecendo.
Outra estratégia é engajar as pessoas em atividades que promovam
melhorias para cada uma delas e que sejam, de fato, desafiadoras. Por
Relações interpessoais, intergrupais e intragrupais 15

exemplo, é comum, na escola, no trabalho, que nas atividades de grupo,


especialmente quando o grupo é de médio e grande porte, somente
alguns se engajem na tarefa.
„ Desindividuação: acontece desindividuação quando as pessoas perdem
seu senso de identidade no grupo. Em geral, quando a empolgação vem
acompanhada de ausência de responsabilidade, não se pode avaliar
individualmente “quem fez o quê”. Com a redução das inibições normais,
os indivíduos não se reconhecem como pertencentes a um grupo. Os
casos de individuação são alarmantes e chamam a atenção quando
acontecem, visto que as pessoas podem cometer atos de vandalismo
e ações destrutivas. Os comportamentos sem limites são efeito desse
poder do grupo de perder-se na multidão. Nesses casos, o medo da
avaliação cai e o tamanho do grupo permite que os membros não ve-
nham a ser punidos, pois ninguém consegue identificar individualmente
quem agiu de forma imprudente. Por exemplo, os movimentos chamados
“arrastões” que acontecem nas praias brasileiras são fundamentados
pela ideia da responsabilidade diluída no grupo que é de grande porte
e por isso difícil de encontrar o responsável pelo vandalismo.

Subjetividade como processo psicossocial


A ciência psicológica é uma ciência rica. Nascida no final do século XIX, abarca
diversas correntes teóricas e metodológicas. Ainda que tenha como objeto
de estudo o indivíduo, consegue pensá-lo a partir de diferentes recortes.
As vertentes centradas na personalidade examinam o inconsciente, a cons-
ciência, o comportamento, a doença mental, na clínica ou no laboratório. No
entanto, a riqueza dessa ciência interessada no humano ultrapassa o estudo
do indivíduo per se. As vertentes sociais, portanto, marcam o nascedouro
da ciência psicológica apontando diversas formas de investigar o indivíduo
inserido nos grupos dos quais faz parte, indicando que a psique se forma na
relação com os outros. A psicologia social, desse modo, implica o indivíduo
no seu contexto histórico, político, cultural. Sinaliza que a despeito do que
aponta o senso comum, somos sujeitos sociais, dependemos uns dos outros,
criamos o mundo a partir das nossas relações proximais. É uma vertente
por isso, implicada na luta contra os abusos do capitalismo e das relações
opressoras individualizantes e biologizantes. É uma forma de racionalidade
que percebe a existência humana imbricada, articulada e produtora da sua
própria realidade social e, por ela, condicionada, orientada.
16 Relações interpessoais, intergrupais e intragrupais

O interacionismo simbólico, embora tenha raízes europeias, floresce nos


Estados Unidos por meio do trabalho de George H. Mead. Muitas vezes tomado
somente como filósofo, Mead permanece alheio às rotinas da pesquisa social
na psicologia. No entanto, é possível perceber que sua forma de conceber o self
o coloca na categoria de psicólogo social. Ele se intitulava behaviorista social,
mas seu pensamento se afastava do de Watson ou de Skinner. Para Mead, a
mente era importante sendo efeito da interação dos indivíduos. Debitários
de Mead, Blummer e Goffman seguem seus projetos apontando a formação
do indivíduo em diferentes situações como resultado da configuração social
da qual fazem parte.
Seligman (2011) ressalta que nossa tendência a buscar por grupos é resul-
tado evolutivo da seleção natural. Em grupos permanecemos mais fortes e por
isso sobrevivemos às adversidades. E, embora seja nítida a nossa presença nos
mais diversos grupos, temos a tendência de pensarmo-nos não influenciados
por eles. As pesquisas em psicologia social emergem para refletir exatamente
no sentido oposto. Os grupos são vias de adaptação à realidade em que se
vive, como uma via de coerção à submissão às regras sociais, mas também
como via de libertação. A partir do convívio com os demais, durante as trocas,
o diálogo, o compartilhamento de experiências, é possível notar que o pro-
blema de um perpassa tantos. A via do coletivo, então, conscientiza a respeito
dos problemas sociais e muitas vezes é a estratégia de organização para o
enfrentamento às situações de opressão, discriminação e violências sociais.

O termo subjetividade, ou subjetividades, aqui mencionado, não


tem qualquer relação com a ideia de interioridade, não é inerente ao
sujeito e não representa formas substancializadas, naturalizadas ou universali-
zadas que podem estar associadas a essa ideia. Também não é considerado um
fenômeno unívoco, nem natural. Como afirmam Prado Filho e Martins (2007), a
subjetividade é tomada como construção histórica. O termo deve ser pensado
aqui, no presente texto, como os autores citados mencionam, ou seja, em termos
sociais, históricos e políticos, de “produção de subjetividade”. A subjetividade
para uma perspectiva histórico-política de análise é o “resultado de dispersão
das forças sociais”, e deve ser tratada “em movimento, como virtualidade”. Ela
se produz no instável jogo de forças dos enunciados e dispositivos, na relação
de forças que atravessa o sujeito.
Relações interpessoais, intergrupais e intragrupais 17

Referências
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Leituras recomendadas
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TORRES, C. V.; NEIVA, E. R. Psicologia social: principais temas e vertentes. Porto Alegre:
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