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25/09/2020 A MPB se debate: uma noite com Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo e Aldir Blanc | Revista

o e Aldir Blanc | Revista Movimento

Foto: Luiz Paulo Machado

A MPB se debate: uma noite com Chico Buarque, Caetano Veloso,


Edu Lobo e Aldir Blanc
Reproduzimos conversa realizada em 1977 e publicada originalmente em suplemento especial da Revista do
Homem.
REVISTA DO HOMEM
5 MAIO 2020, 18:00

Em setembro de 1977, a Revista do Homem (ano 3, n. 26) publicou num suplemento especial
uma entrevista com Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo e Aldir Blanc. Republicamos
aqui, na íntegra, em tributo a Aldir Blanc, compositor brasileiro que faleceu ontem (4/5) de
Covid-19.

Um pega que durou uma noite inteira


Dez anos depois dos festivais, como está a música popular brasileira?
Se vocês pensam que para Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo e
Aldir Blanc esta pergunta é simples de responder, quem sabendo que
eles se reuniram discutindo sobre isso das 22h de uma quarta-feira até
às 4h da madrugada seguinte.
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Eles estavam ali, reunidos no bar particular que Chico montou em sua
casa do Alto da Gávea, porque sem dúvida são os nomes mais
importantes da geração mais talentosa que a MPB já produziu (Milton
Nascimento, Gilberto Gil e Paulinho da Viola, de igual geração e
talento, não puderam aparecer: estavam viajando). O pega começou
sem Caetano, que ensaiava seu show e só apareceu lá pela meia-noite.
E, com a missão de botar mais lenha na fogueira, também
participaram do debate o crítico, produtor musical e compositor
Sérgio Cabral (e mais Nelson Silva, da sucursal carioca da Abril) e
Fernando Pessoa Ferreira, de Homem). Marieta Severo, mulher de Chico, preferiu nem car
por perto: pegou Wanda, mulher de Edu, e as duas foram conversar lá embaixo, bem longe da
linha de tiro.

HOMEM — Várias tendências têm surgido ultimamente na MPB, através de novos


compositores, isolados ou em grupos. Apareceram os mineiros, os cearenses, os
pernambucanos, estão aparecendo os gaúchos. O que vocês acham desses novos, os que estão
pintando depois de vocês?

ALDI BLANC — Tenho uma crítica a fazer à geração que apareceu depois da minha e que,
prejudicada por um excesso de publicidade, não acha meios de se encontrar, de ser ela
mesma. Esse pessoal tende a um caminho imitativo e jamais conseguirá construir um
trabalho estético de valor se não sair dessa para se compreender. O cara tem de pensar: “Moro
num quarto na Pavuna e é a partir daqui que eu escrevo”. Se ele não zer isso nunca
conseguirá escrever algo de valor. Cada um de nós, aqui, provavelmente tem seus seguidores,
embora abominemos a existência deles. O que desejamos é que cada um consiga a mais plena
criação possível, pois só assim será possível manter a vitalidade do processo.

HOMEM — Esse não é um problema exclusivamente de hoje. Na geração de Chico e Edu


houve gente imitando a geração anterior, assim como na geração do Aldir houve gente
seguindo a geração do Chico. Isso sempre aconteceu. E acontece até surgir alguém que cria
uma linguagem nova.

EDU LOBO — São as pressões das próprias fábricas de discos que levam as pessoas a fazerem
coisas já consumidas e aceitas.

ALDI — Isso cria um dilema terrível para nós: como poderemos lutar por um tipo de
trabalho estético e ético, contra o domínio da multinacional à qual cada um de nós está
ligado? O fato é que não temos controle sobre uma parte da produção, o valor de uso hoje foi
maquiavelicamente transformado em valor de troca. A multinacional pega um sujeito no
subúrbio, veste-o bem e muda seu nome, de Aníbal da Silva para Joseph McLean. Essa
transformação do valor de uso em valor de troca é feita dentro de nosso próprio país, sem que
os brasileiros tenham qualquer tipo de lucro. Aliás, há um que lucra: aquele suburbano em
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que investem, mas isso à custa da sua despersonalização. Precisamos tomar uma posição a
respeito disso porque é uma política cultural.

SÉ GIO CABRAL — Só discordo de colocar isso como um fato novo, mas não acho que por ser
antigo não deva ser combatido.

HOMEM — Essa política afeta sobretudo a quem pretende começar a divulgar seu trabalho.
Mas vocês estão acima disso, já superaram essa fase, não?

ALDI — Sim.

EDU — Acontece que o cara que topa essa jogada das gravadoras é aniquilado no mesmo
momento em que. aparece, mesmo que dê certo. Pode até ser um cara com algum talento, uma
pessoa que poderia fazer alguma coisa boa, mas ao entrar nessa onda arti cial ca
completamente acabado. Dura dois, três anos, mas será varrido no momento em que a onda
mudar. Quando a onda acaba ele acaba junto. Não sobra nada desse cara, que logo é trocado
por outro.

HOMEM — Mas muitas pessoas não querem mais que aproveitar a onda até que ela acabe.

ALDI — O problema é que são as gravadoras que decidem quando a onda vai acabar e ser
substituída por outra.

HOMEM — A Jovem Guarda, por exemplo, foi inventada e planejada. Pelo que se sabe,
Roberto Carlos está consciente de que foi um ídolo inventado pelo Magaldi e pelo Carlito
Maia.

ALDI — Esse é um caso diferente.

HOMEM — A diferença não seria que Roberto Carlos, por acaso, tem talento e pôde
sobreviver ao passar da onda?

ALDI — Não. É que na televisão a dinâmica é outra. Lembro-me quando escolheram Ivan
Lins para ser ídolo. Ivan é um cara extremamente competente e canta bem, mas o Boni (NR:
José Bonifácio Sobrinho, diretor da TV Globo), ao escolhê-lo como parâmetro de um
programa musical, tirava o som da tevê que tem em seu escritório, guiando-se apenas pela
imagem. Considero isso uma grave deformação do critério de respeito ao ser humano que
deveria existir em relação aos que fazem música. Por que não protestar contra o fato de um
cantor ter a sua voz anulada num aparelho que é transmissor de som e imagem? É que aquilo
obedecia rigorosamente à estética da Globo na época.

EDU — Que permanece até hoje.

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ALDI — Mas hoje a tendência é para a vaselinagem. Querem nos fazer supor que temos o
domínio da técnica, ou, se não o domínio, um certo conhecimento. Cada um de nós pode fazer
um disco e opinar sobre a casa, sobre censura, sobre uma série de detalhes. Entretanto, sei de
vários compositores de valor que estão sendo censurados não por Brasília ou pelas censuras
estaduais, mas pela política das gravadoras.

EDU — Das multinacionais.

ALDI — Isso vem acontecendo em todos os níveis, de Edu a Sueli Costa. É uma denúncia que
considero muito grave: a gravadora pode barganhar num nível que foge ao nosso controle. A
barganha é feita entre o advogado da gravadora e uma área especí ca do governo, que con a
a essa gura o poder de dizer quais são as coisas graváveis ou não. Recuso esse direito a quem
quer que seja e estou certo de que todos aqui recusam.

HOMEM — Por que você não cita nomes?

ALDI — Cito. Por exemplo, o trabalho que é feito hoje na CA Victor pelo Dr. Duran e na
Odeon pelo João Carlos Muller não tem qualquer relação com o trabalho artístico e não
favorece em nada a criação.

HOMEM — A que eles se propõem?

ALDI — A uma barganha industrial. É preciso gerar dinheiro a qualquer preço, a roda não
pode deixar de girar. Eles se propõem a olear ainda mais essa roda. Isso tem um preço para o
criador, para a cultura e, conseqüentemente, para aquele que ouve.

HOMEM — Todos vocês sofreram esse tipo de pressões?

CHICO BUA QUE — Não sinto exatamente “pressões”. O negócio é feito agora num nível
mais so sticado do que era há três ou quatro anos. A censura naquela época era ostensiva e
hoje ela é vaselinada.

HOMEM — Como é essa censura vaselinada?

CHICO — Há hoje um interesse menor em proibir uma música minha, por exemplo, ou do
Caetano, do Gil ou do Edu. Essa preocupação não existia antes…

HOMEM — Esse interesse é da censura ou das gravadoras?

CHICO — As duas coisas caminham juntas. Não podemos deixar de levar em conta a força da
opinião pública. Hoje, quando uma peça do Plínio Marcos é proibida há uma grita muito
maior do que havia há cinco anos atrás. Sentimos que há uma preocupação liberal em
diversos setores. Há cinco anos esses setores já estavam insatisfeitos, mas hoje eles se
manifestam abertamente. Privacidade - Termos

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EDU — Até os setores capitalistas estão chiando.

CHICO — E assim como o presidente da federação não-sei-de-quê chia, a Philips,


representante da rainha da Holanda, chia também.

HOMEM — Vocês poderiam dar exemplos dessa ação repressiva das gravadoras? Digamos
que ao gravar um disco vocês queiram incluir certas músicas que não interessam à gravadora.
O que é que ela faz?

EDU — Já fui aconselhado várias vezes assim: “Pega um troço teu de cinco anos atrás, algo que
funcionou, e regrava isso”. São pedidos, conselhos, ditos de forma aparentemente afetuosa.
Acontece que não me interessa repetir o mesmo de cinco anos atrás.

ALDI — Depois que o meu disco “Galos de Briga” saiu, o advogado da CA escreveu pra
Brasília dizendo que não havia motivo de preocupações, pois a gravadora seria mais
comedida no lançamento seguinte. Ele pretende exercer sua atuação ao nível de criação,
determinando o expurgo das faixas onde possam existir equívocos. “Os equívocos saídos no
‘Galo de Briga’ não mais acontecerão neste ano”. Essa carta existe nos arquivos da CA, é só
pedir uma cópia.

CHICO — Há uma série de artimanhas às quais lançamos mão para facilitar a liberação de
nossas músicas. São tantas que até podemos falar nisso. Nesses casos, a gravadora, que
encaminha a música para a censura, teria de ser um cúmplice, mas descobri que, na verdade,
a gravadora abria o jogo. Tinha medo de represálias e boicotava meu talento de simulador.

EDU — O cara da gravadora tenta tudo que puder para te convencer a fazer alguma coisa mais
fácil de vender, mas você tem ainda a garantia de que ele prefere não te perder. É com essa
garantia que você joga. Se dissermos a ele que queremos fazer um disco com duas faixas
somente, uma de cada lado, vai ser terrível para ele, mas ainda assim preferirá que o disco
seja feito na sua gravadora. Não dizem: “Se você não zer como eu quero, caia fora”. Apenas
dão conselhos sobre o que “devemos” ou não fazer.

ALDI — Eles sabem que, no mínimo, teu disco venderá cinco mil cópias. Em geral isso já
será o su ciente para cobrir o investimento feito na produção. A partir daí tudo é lucro e,
além desse lucro, boa parte do dinheiro vai reverter pra Socimpro, onde as gravadoras
recolhem, como produtoras, 50% do apurado nas vendas em lojas.

HOMEM — O que é a Socimpro?

ALDI — Uma sociedade de produtores de discos. Acontece que os produtores liados à


Socimpro são as próprias gravadoras. Um verdadeiro produtor jamais receberá da Socimpro,
embora ela seja, o cialmente, uma associação de produtores. Mesmo que a Socimpro falhe,
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mesmo que o esquema montado a partir de cinco mil cópias também falhe, a gravadora ainda
descontará o prejuízo no ICM. É um grande negócio…

SÉ GIO — Fazer discos no Brasil é um grande negócio?

ALDI — Um negócio onde o prejuízo é impossível.

SÉ GIO — Então poderíamos dar essa dica aos leitores: montem gravadoras que carão
ricos.

CHICO — Eu jamais daria esse conselho. Como é que se conseguiria entrar no esquema da
distribuição? Iria brigar com a CA, com a WEA, com a Philips, com a Odeon e com a TV
Globo? Seria uma luta inglória.

EDU — Principalmente a briga com a TV Globo, pois a Som Livre não é brincadeira.

HOMEM — Até que ponto a Som Livre tem prejudicado ou favorecido a música popular
brasileira?

EDU — Só tem prejudicado.

CHICO — Concordo.

HOMEM — Por quê?

EDU — Os caras são tão gananciosos que não têm cuidado algum com a música popular
brasileira. Para eles só interessam as músicas das novelas e a execução imposta. Essas
músicas são mesmo tocadas, são cantadas pelo povo, mas ninguém sabe quem são o autor e o
cantor. São músicas dos personagens da novela. Antigamente tínhamos o problema da
“música da cantora”. A gente dava a música pra cantora interpretar e ninguém sabia que o
autor era a gente, mas, pelo menos, sabiam quem era a cantora.

CHICO — Hoje em dia só sabem que a música é da “Marcela”, personagem da novela tal.

EDU — A Som Livre faz isso todo o tempo, dispondo de uma máquina poderosíssima, e vende
mais discos que todo o mundo. Pode impor e põe tudo na parada de sucessos.

ALDI — Não conheço qualquer critério de música popular brasileira na Som Livre. Seu
único critério é rigorosamente comercial. Quando uma novela vai ser lançada, a Som Livre dá
uma geral, procurando apanhar os lançamentos nacionais mais signi cativos de cada
gravadora. Isso não tem o menor critério cultural.

EDU — Cultura é a última coisa que passa pela cabeça deles.


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ALDI — Sob esse aspecto a Som Livre é muito mais nociva que qualquer outra gravadora,
até mesmo porque todas as outras abaixam sistematicamente a cabeça para poderem colocar
faixas suas nos elepês da Som Livre, que são previamente preparados à guisa de promoção.

CHICO — Nesse esquema desleal não estão só as músicas de novelas, mas também aqueles
discos em que a Som Livre encaixa vinte músicas. Poderia encaixar até trinta, se quisesse, mas
sucede que, para isso, tem de comprimir os sulcos da gravação e o disco não presta. Essa
jogada não é invenção brasileira, existe também lá fora, mas é uma vigarice. O cara pensa que
está levando a maior vantagem se comprar um disco com vinte faixas, julgando-se mais
malandro que o otário que compra um disco só com dez. Acha que está recebendo mais por
seu dinheiro. Só que a qualidade de som do disco vai pras picas. O sulco ca tão estreito que a
agulha já não chega ao fundo…

EDU — O som se achata, os graves e os agudos somem…

CHICO — O malandro bota esse som na aparelhagem que a TV Globo convenceu ele a
comprar e ouve aquela porcaria. E depois de ouvir o disco umas dez vezes a agulha já começa
a pular…

ALDI — e a agulha também se acaba!

CHICO — Se formos olhar na lista dos discos mais vendidos encontramos só Vários, Vários.
Ou é música de novela ou é Os Grandes Hits de/// é Os Grandes Hits

HOMEM — Recentemente, alguém falou que a qualidade das músicas das novelas só não é
melhor porque muitos compositores se recusam a trabalhar pra novela, desconhecendo que
ela é hoje o grande meio de comunicação.

ALDI — Isso é uma mentira deslavada. A verdade é que ninguém faz música pra novela. As
gravadoras é que cedem determinadas faixas para as emissoras de televisão.

CHICO — A última trilha sonora encomendada para uma novela foi feita por Toquinho e
Vinícius para O Bem Amado. Como saía bem mais caro, deixaram de encomendar trilhas.
Fazê-las dava o mesmo trabalho que uma trilha de lme ou de peça de teatro e era pago
igualmente.

ALDI — As emissoras achavam isso um mau negócio.

CHICO — Hoje elas pegam todas as músicas de graça e ainda conseguem um conjunto mais
variado. Há uma música minha e do Caetano, gravada por Miúcha e Tom Jobim, abrindo a
novela das oito na Globo. A música toca, toca, toca, e isso é bom para a CA – que está
lançando o LP de Miúcha e Tom -, é bom também para a Sigla, que está lançando o disco da
novela. A CA cedeu essa faixa inteiramente de graça, para com isso tentar empurrar as
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outras faixas do elepê para o público. No caso de O Bem Amado, pelo menos a emissora
contratou Toquinho e Vinícius. Depois foi lançado um elepê com as músicas deles, mas para
isso tiveram de pagar músicos, estúdios e os direitos autorais para os dois.

HOMEM — Você recebe alguma coisa por essa música sua que está na novela?

CHICO — Recebo os direitos de execução, como recebo de qualquer outra música minha que
esteja sendo tocada numa boate ou numa rádio.

SÉ GIO — Menos do que se fosse tocada em rádio, porque o que a televisão paga é ridículo.

CHICO — Agora parece que melhorou, mas ainda é menos que no rádio. Quando eu morei na
Itália, e estava lá no maior perigo, um amigo meu veio me contar, entusiasmado, que uma
música minha iria entrar como pre xo num programa de televisão. Esse programa iria ao ar
quatro vezes e, assim, minha música seria tocada quatro vezes. Mas, por essas quatro vezes eu
iria receber uma ótima grana… a música era Roda Viva.

HOMEM — O desgaste excessivo de uma música tocada em novela, dia após dia, meses a o,
não é também um fator prejudicial?

CHICO — Acho que é. Se eu pudesse escolher não daria música minha para novelas. A música
que está nessa novela é antiga e foi usada sem me consultarem. Quem autoriza a execução da
música é o editor e não o autor.

SÉ GIO — Estou em desacordo com vocês, pois acho interessante ter música em novelas. A
Som Livre, de fato, vai com muita sede ao pote. Acho que ela deveria pagar uma taxa pelo uso
do tema. Mas acho também que colocar uma música numa novela é vantajoso, não só pela
divulgação, como também pelo fato de que a emissora está ocupando aquele horário com
música brasileira.

CHICO — Sérgio, você precisa ver que mesmo uma produção cinematográ ca modesta
concorda em pagar para ter sua própria trilha sonora. E o que é um produtor de cinema
brasileiro comparado com a Rede Globo? Uma titica. No entanto, esse produtor faz questão
de convidar compositores brasileiros para comporem música especialmente para o lme. Isso
signi ca mercado de trabalho, além de uma série de outras vantagens. Já a Rede Globo, que
tem tudo na mão, pega a coisa já pronta.

ALDI — Mesmo admitindo que o compositor brasileiro tenha sido divulgado e prestigiado
com a inclusão de sua música nas novelas do horário nobre, não devemos esquecer que não
basta ele ser divulgado ou prestigiado: acima de tudo ele deve ser pago pelo trabalho que faz.

CHICO — Não há compositores por aí que ainda não são conhecidos e não têm onde gravar?
Por que a TV Globo não os contrata? Por que a TV Globo não encomenda mais trilhas sonoras
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para as suas novelas? Não digo que seja o caso de encarregar só uma ou duas pessoas de fazer
toda uma trilha, mas por que não encomendar composições a várias pessoas e pagar a elas
por esse trabalho?

SÉ GIO — Eu acabo de fazer uma música especialmente para uma novela.

CHICO — E eles te pagaram?

SÉ GIO — Não. Mas o que posso falar? Vou ganhar com uma vendagem maior de meu disco.

EDU e ALDI — Tá errado!!

CHICO — É claro que você tem de cobrar! Não cobraria se fosse para um lme ou uma peça?
Teatro paga, cinema paga… e a TV Globo? Não paga?

EDU — No momento em que você aceita uma proposta dessas está sendo logrado. Posso
a rmar isso de cadeira, porque já me zerarn três propostas para fazer música especial para
três novelas diferentes. A minha resposta foi: “Perfeito, custa tanto”. “Mas custa o quê? Você
vai receber direito autoral, tua música vai virar sucesso… ” “Nada disso, custa tanto.” Como o
Chico disse, se um cara sem grana se vira para pagar 200 ou 300 mil cruzeiros para a gente
fazer uma trilha sonora para um lme, por que a Rede Globo, que é milionária, não vai
pagar? Quem topa isso está sendo logrado.

CHICO — Seria a mesma coisa que eu gravar um disco e a Philips me dizer: “Não vamos te
pagar porque essa música vai fazer sucesso e você vai ser convidado para fazer shows”.

ALDI — Seria o mesmo que a revista Homem me dar uma coluna sobre música popular e me
dizer: “Você não vai receber coisa alguma porque essa coluna já vai te dar muita projeção”.

HOMEM — As gravadoras, se pudessem, não fariam o mesmo que as emissoras de tevê?

ALDI — Fazem o que podem. Nós estamos acostumados, por exemplo, a considerar a
gravadora, a editora e a arrecadadora como três entidades diferentes. Mas hoje os interesses
da gravadora confundem-se com os da editora, que se confundem com os da arrecadadora. E
esses interesses vêm sendo enfrentados pelo trabalho do Conselho Nacional de Direito
Autoral. Esse trabalho, embora venha recebendo algumas críticas, pelo menos tenta eliminar
o vínculo entre aqueles interesses. Podemos voltar nossas baterias para a gravadora,
representante de uma multinacional, e para a editora, representante da gravadora. O tempo
das editoras independentes já passou.

HOMEM — O que fazer para contornar esse problema?

EDU — Se ao menos tivéssemos o direito de não liberar o fonograma (NR: som gravado. No
jargão dos meios musicais, a palavra é usada para designar a gravação de uma faixa de disco), Privacidade - Termos

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não permitindo que ele fosse transado pela gravadora, a coisa mudaria por completo.

HOMEM — Não passariam a botar só música importada nas novelas?

EDU — Mas aí a coisa começaria a car ruça. Eles acabariam precisando de nós. Os
compositores deveriam poder cobrar por seu trabalho e ter o direito de recusar ou não o seu
uso.

HOMEM — Qual seria o meio de obter esse direito de veto?

EDU — Não sei. Quando você grava uma música, a gravadora passa a ser proprietária do
fonograma. Outro dia conversei com Menescal (NR: Roberto Menescal, diretor artístico da
gravadora Philips-Phonogram) sobre isso e pedi uma garantia de que uma música minha não
seria jogada em novela. Ele me respondeu que a Philips adota a política de não ceder as
músicas sem o consentimento do autor. Assim como há peças que eu não sinto vontade
alguma de musicar, existem novelas nas quais não gostaria de ver uma música minha.

HOMEM — A coisa então se resume numa relação entre o autor e a gravadora? O autor não
tem outra maneira qualquer de fazer respeitar seus direitos?

EDU — Taí, tem sindicato que dá até carteirinha…

ALDI — Mas o nosso, como tantos outros, é um sindicato manipulado. Qualquer


reivindicação apresentada por nós provavelmente seria solapada por uma série de esquivas.
Só será possível mudarmos essa situação se tomarmos o controle dos sindicatos dos
compositores e dos músicos e, a partir daí, estabelecermos uma política de defesa dos
interesses da classe. Quem impediu os compositores brasileiros de se unir foram eles, os
atuais dirigentes dessas entidades. Adotaram uma política planejada dentro das editoras e
arrecadadoras. Adoto como princípio não poupar nome algum que esteja ligado e essa
máquina, por maior que seja o valor de seu trabalho artístico. Humberto Teixeira, na minha
opinião, é um gangster. Tem uma obra contra a qual não posso falar coisa alguma, mas na sua
atuação no processo do direito autoral brasileiro ele é meramente um gangster.

SÉ GIO — Acontece que a única coisa que durante certo tempo uniu os compositores foi a
luta contra a censura. Aí surgiu a Sombrás, o primeiro movimento de verdadeira união entre
os compositores. Até então eles só se uniam dentro de suas sociedades de direito autoral. Na
Sombrás descobriu-se o seguinte: há muito tempo existe um sindicato dos compositores, mas
nenhum de nós era liado a ele. E havia pessoas tirando vantagem disso.

ALDI — O importante pra nós é tomar esse sindicato.

EDU — Vou dar um exemplo de como funciona um sindicato de músicos nos Estados Unidos,
para que vocês tenham uma idéia de como é diferente a coisa por aqui. Lá, cada cidade tem a
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sua Union e qualquer trabalho que você zer é pago através dela. Se o empregador não pagar,
fecha em 24 horas – mesmo se for a Columbia, a maior gravadora americana. E você recebe o
justo valor de seu trabalho. Para poder trabalhar por lá você tem de ser liado a esse
sindicato. Há pessoas trabalhando clandestinamente… estrangeiros… mas se forem
apanhados serão postos para fora do país. O fato é que não há essa safadeza aqui, de
contratarem um músico menos conhecido para poder pagar um preço mais baixo. Se
conseguíssemos ter um sindicato desses aqui seria ótimo…

ALDI — É um modelo que podemos tentar seguir.

CHICO — A idéia da Sombrás é essa.

HOMEM — Mas não é evidente que esse tipo de sindicato não foi doado?

EDU — Foi uma conquista dos músicos. O diretor de cada Union é um músico.

HOMEM — No Brasil, é possível alguém viver só com o trabalho de compositor?

ALDI — No momento tenho outra transação que não tem a ver com música, mas não tem a
ver só até certo ponto. Foi em conseqüência do fato de minhas letras fazerem sucesso que fui
convidado a escrever no Pasquim. Devido ao meu trabalho no Pasquim fui convidado a
escrever para Homem. Vivo exclusivamente do meu trabalho como letrista e do meu trabalho
jornalístico. A questão de “dar ou não dar para viver” é sempre relativa. O fundamental é
saber se o que ganho corresponde ao trabalho que z. Quando reclamei da SICAM, minha
arrecadadora, fui expulso e quei um ano sem receber praticamente nada. Nesse período eu
tive Dois pra Lá, Dois pra Cá, O Mestre-Sala dos Mares, Kid Cavaquinho e De Frente pro
Crime, entre outras músicas. Não recebi nada por elas durante um ano inteirinho. Mas vi que
sempre dá para esperar mais da nossa própria capacidade de resistir. Cheguei onde estou
porque me decidi a dizer não. Resistir não é só uma opção nossa: é tudo que nos resta para que
possamos continuar sendo nós mesmos. É o único caminho para sair desse mato. Mas não
venham nos rotular de heróis, pois essa resistência nos tem custado a pele e di cultado as
coisas, mas o que queremos é o inverso disso: tornar mais fácil o acesso de todas as pessoas
que compõem aos meios de comunicação. Todos nós conhecemos compositores ótimos que
não conseguem sequer gravar um compacto.

EDU — Nem sequer um jingle.

ALDI — Sei que, no momento, minha situação dentro do panorama musical é privilegiada.
Mas faço questão de pôr fogo no capim debaixo de meu cavalo, pois sei que a longo prazo serei
um dos primeiros a pegar fogo. Daqui a três anos, quando escolherem as novas caras, os
novos cabelos, as novas barbas, talvez não sobre nada de mim. Se alguma coisa sobrar de nós
será a nossa música, a letra, e não o marketing da fábrica. Cada vez a roda gira mais rápido e a
gente não tem como fazê-la parar. Privacidade - Termos

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HOMEM — Em que medida a concorrência da música popular importada tem afetado a nossa
música?

EDU — Voltamos ao problema dos discos com 20 faixas. Esses discos custam 50 mil cruzeiros
à gravadora e vão concorrer com discos produzidos no Brasil que custam 400 mil cruzeiros.
Citamos a Som Livre, mas esses pacotes são feitos por todas as gravadoras. Um disco do Stevie
Wonder sai por uma ninharia para ser lançado no Brasil e vai competir com um disco de
Chico que custa 400 mil contos. A concorrência é nesse plano.

CHICO — Esse problema também existe no teatro e no cinema. No teatro, em geral escolhem
uma peça que já vem de sucesso na Broadway, pegam dois ou três atores que estejam fazendo
sucesso em novela… e formam uma companhia. O texto custa só um direito autoral pequeno,
não tem problema com a censura e já vem com o aval da Broadway.

HOMEM — Na entrevista de Carlos Manga que publicamos em nossa edição de maio, ele
propôs taxar os lmes importados como se taxa outros produtos que têm similar nacional. Os
automóveis, por exemplo…

EDU — É preciso ver também que, embora não seja cobrada taxa alguma das gravadoras pela
importação de matrizes de discos estrangeiros, é cobrada uma taxa de 180% sobre
instrumentos musicais. Para importar uma palheta de saxofone o músico brasileiro paga uma
fortuna. O resultado disso é uma péssima qualidade musical. O Brasil só fabrica um saxofone,
o Weril, que é uma porcaria.

SÉ GIO — O maestro Marlos Nobre já declarou publicamente que o Weril é uma josta.

EDU — O som dele é horroroso mesmo. E a única opção é comprar um sax importado, que é
caríssimo – por causa das taxas. E tem de continuar usando a palheta velha, já cheia de baba.
E tem mais: há instrumentos, como o fagote, que não têm similar nacional, mas são taxados
do mesmo modo.

CHICO — A respeito dessa taxação sobre produtos que tenham similar nacional, temos de
lembrar que o similar nacional nem sempre é nacional. Como não interessa pra Ford – que
fabrica o Corcel aqui – que venham carros dos Estados Unidos, cria-se essa proteção. Que
proteção tem o produto genuinamente nacional?

ALDI — Eles não vão permitir que tenhamos acesso à técnica e aos instrumentos que ela
gera. Teremos de usar mesmo o saxofone fabricado aqui para termos de reconhecer a
hegemonia deles: “Tá vendo como fazemos melhor que vocês?” Se formos veri car, é capaz de
a fábrica nacional ser apenas um tentáculo da estrangeira. Eles sabem jogar.

CHICO — Isso mostra que a nossa briga é muito mais inglória que a que os músicos
americanos tiveram para criar as suas Unions. A gente tem de se unir não para auxílio mútuo Privacidade - Termos

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ou para não prejudicar os colegas, mas sim para enfrentar o dragão. Talvez nem seja mais
possível a gente se juntar, porque o dragão está de olho. Lá nos Estados Unidos as condições
são outras. A concorrência de música estrangeira que enfrentam é mínima e eles têm muita
força.

EDU — Eles são o dragão.

CHICO — E nós somos a matéria-prima desse dragão, ou melhor, de subdragões. Nossas


gravadoras são todas empresas estrangeiras.

EDU — Nem podemos falar de mercado brasileiro, se a gente for comparar com o deles… lá
aparece de repente um cara como o Peter Frampton, que vende 16 milhões de elepês. Naquele
mercado americano, que comporta tantos, só existem duas sociedades arrecadadoras, a
ASCAP e a BMI. No nosso mercado existem cinco.

HOMEM — Diante de problemas tão sérios, vocês colocariam em mesmo plano o problema
da censura?

EDU — Muitos caras que são só músicos dizem que a censura não os afeta porque eles
transam só com sons e a censura só se preocupa com as letras. Acho isso uma grande
basbaquice. A censura também afeta esses caras na medida em que os impede de ver certos
espetáculos, de ler certos livros e de ter acesso a uma série de coisas.

HOMEM — O que é mais grave: a censura ou a auto-censura?

SÉ GIO — A auto-censura só existe por causa da censura.

CHICO — Mas a auto-censura é mais grave porque existe ao nível pessoal de cada um. A TV
Educadora diz assim: “A gente não pode porque tá proibido”, e quando a gente vai ver não está
proibido coisa alguma. Nas outras emissoras, nas revistas, nos jornais, a auto-censura já se
implantou na cabeça das pessoas. Muitos portugueses sentiram-se incapazes de criar alguma
coisa após o 25 de abril porque já não sabiam como. No Brasil, a censura ostensiva torna-se
quase desnecessária. Eles perceberam que uma proibição direta às vezes desgasta mais.
Proibiram uma peça minha e do uy Guerra, chamada Calabar. Mas Gota d’Água, embora
enfrentando mil problemas, foi liberada. Tenho consciência de que ela foi liberada em parte
por causa da proibição de Calabar. Essas coisas acontecem: “Chico é chato, vai chiar, vai dar
nota no jornal, já proibimos uma peça dele… ” Pô, eu tenho de chiar porque os caras
atrapalham a gente paca. É um pouco como o programa do MDB na televisão: “Como é que
não temos liberdade se permitimos esse programa?” Sempre conseguem faturar em cima dos
fatos. A TV Globo também fez isso com A Longa Noite de Cristal. uma peça de Oduvaldo Viana
Filho, anunciando que os atores de suas novelas trabalhavam nela. O sistema dá a volta por
cima, diluindo o que as pessoas dizem. Então nós temos de dizer sempre.
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EDU — Falar da censura não é uma moda.

CHICO — Ela está mais branda mas daqui a um ano pode endurecer de novo. Hoje ela pode
liberar porque tem seus meios de neutralizar.

SÉ GIO — As pessoas já estão habituadas com a repressão. Já acham normal que alguém que
fale mal do governo seja preso. Começa a ser formado um tipo de opinião pública habituada
com a violência.

CHICO — Eu nunca fui “jovem”… No meu tempo diziam que eu era “moço”, ou “garoto”.
Jovem, naquela época, era adjetivo e não substantivo. Mas quando eu era mais moço a minha
geração se conscientizava para enfrentar uma barra pesada. Hoje os jovens colocam-se
distanciados e não querem participar de nada. Tudo pra eles é velho, velho é sinônimo de
ruindade… e acabou. Ficam lá “na deles”, simplesmente ignorando qualquer coisa que tenha a
ver com a realidade, da qual mais cedo ou mais tarde serão obrigados a participar. Ou veste
paletó e gravata, ou vai pro Pinel, ou vai trabalhar na Rede Globo… não podemos culpá-los,
porque são pessoas desinformadas. são vítimas da situação. Não lêem jornal. O cara vive de
saco cheio e não vai ler a Coluna do Castelo.

EDU — Não estão desiludidos porque nem chegaram a ser iludidos.

CHICO — Consideram de muito mau gosto falar de Arena, MDB… E no dia em que forem
obrigados a entrar na realidade estarão perdidos.

HOMEM — Sua tese não é demasiado pessimista?

CHICO — Pelo contrário, acho que esta situação não vai durar muito tempo. É algo cíclico: a
garotada que está vindo agora está novamente no embalo. Eu me referia àquela faixa dos que
pintaram entre 1969 e 75.

EDU — Você falava da garotada que adotou valores estrangeiros.

CHICO — Agarraram-se onde puderam.

HOMEM — Gilberto Gil considera o Black Rio um negócio muito mais saudável e espontâneo
que as escolas de samba, que estariam corrompidas pelo comercialismo. Qual a correlação
entre esse movimento, a onda do soul, e a chamada realidade nacional?

ALDI — Não vejo correlação alguma. O Black Rio foi insu ado meramente por uma
mudança na política das grandes fábricas de discos. Quando Midani saiu da Philips e foi para
a WEA, resolveu estimular esse tipo de coisa que nem sabia direito o que era mas que
culminou no Black Rio. Esse movimento, a rigor, não tem e jamais terá qualquer importância
cultural. Não há como comparar o Black Rio com a história e as tradições das escolas de
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samba, mesmo com tudo o que haja de discutível dentro delas. As críticas às escolas de samba
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partem do próprio meio, partem do Candeia, por exemplo. Nelson Cavaquinho só aceitou
des lar recentemente. A escola de samba, por mais questionada que seja, é uma força real e
uma cultura legítima.

HOMEM — Mas o Black Rio não é também um fenômeno de massa?

ALDI — É evidente que não.

EDU — O Black Rio não chega a ser fenômeno nenhum. Não há como discutir isso.

ALDI — O Black Rio não existe, a não ser como uma banda.

HOMEM — E esses bailes onde vão 20 mil pessoas?

ALDI — Elas vão como eu fui recentemente, para ver soltar um balão com 33 metros de
altura. Tudo bem. O que é que as pessoas foram ver naquele clube em Cachambi? Foram
dançar soul ou foram ver um balão gigantesco? Não vi quase ninguém dançando na quadra,
ao passo que ao lado, num terreno baldio, havia uma multidão enorme preparando as
lanterninhas do balão. É claro que havia lá muito nego que mora em Ramos, usando boné e
camiseta com a palavra “Massachusetts”. Acho saudável que esse cara não goste de morar em
Ramos…porque Ramos é uma m…

EDU — Então esse nego acha que o Harlem é uma boa…

ALDI — Ele quer trocar a quadra de futebol do Con ança por uma quadra de basquete do
Harlem, sem saber que lá ele iria levar muito mais porrada. Não tenho nada contra esse cara.
Mas insu ar esse tipo de política em termos comerciais é que é uma calhordice sem tamanho.

HOMEM — E essa súbita redescoberta do chorinho?

CHICO (rindo) — Tem alguma coisa por trás disso, Aldir? Eu adoro choro, mas de repente tá
todo mundo chorando…

EDU — O choro é um gênero riquíssimo, que dá muita possibilidade de improvisar. É um


material fascinante para qualquer músico. Se o choro está pintando agora é porque os caras já
estão transando há muito tempo. Choro não se aprende a tocar em uma semana… exige um
estudo e um treino de execução. Quer dizer, demora às pampas.

SÉ GIO — A palavra súbita só é válida para os ouvintes, não para quem faz.

ALDI — Não existe nada súbito para músico algum. Quando um músico começa a tocar um
instrumento é fundamental que pretenda tocar cada vez melhor. Precisa assimilar novas
técnicas e novos gêneros. Mas, quando constata que a realidade musical nacional oscila entre
uma submúsica pretensamente regionalista e uma submúsica aculturada pelas Privacidade - Termos

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multinacionais – como as do tipo Feelings -, esse instrumentista não sente estímulo algum
para continuar preso a essa faixa e acaba se voltando para o que aconteceu no passado. Aí é
provável que vá se debruçar sobre a bossa-nova ou o choro e prosseguir por aí. Quando esses
garotos vão ao choro dão o melhor de si como instrumentistas. “Redescoberta” realmente não
é a palavra mais adequada. O que houve foi uma desmisti cação de valores que não tinham a
menor importância cultural.

HOMEM — Há alguma jogada comercial por trás disso?

ALDI — Bem, as multinacionais vão jogar com o choro porque jogam com qualquer coisa. Se
eu beber mal e zer um strip-tease posso até ser sucesso…

EDU — A bossa-nova também tem um requinte harmônico riquíssimo. Não se aprende a


tocar bossa-nova numa semana.

ALDI — Esses garotos chegam ao choro através da bossa-nova. Todos eles perseguiram
desesperadamente os acordes de João Gilberto. Mas hoje já acharam o bandolim ideal na loja
tal e estão tocando choro. José Ramos Tinhorão vai ter de engolir essa, igual a espinha de
bacalhau: o responsável por essa onda de choro foi João Gilberto.

HOMEM — Mais direta e menos remotamente, não se pode esquecer o peso do trabalho de
Paulinho da Viola, sem dúvida o grande nome da nossa música que mais divulgação deu ao
chorinho. E Paulinho é daqueles raros artistas populares que atingem o público da classe A à
classe Z. Aliás, as pessoas sempre começam fazendo música à maneira de quem acham que
faz melhor. Há casos em que é picaretagem, mas também pode ser uma coisa espontânea.
Qualquer artista começa à maneira de seus ídolos.

ALDI — Mas só quando percebem que é preciso deixar de imitar é que conseguem tocar sua
arte pra frente. Isso não signi ca negar as in uências porque todos as têm.

CHICO — Eu passava horas, dias, meses, tentando tocar violão igual a João Gilberto, até que
um dia descobri que poderia fazer algo diferente.

HOMEM — Digamos que você não tivesse essa sua capacidade auto-crítica e que atingisse um
nível de imitação razoável. Aí poderia aparecer alguém dizendo: “Puxa, que genial, vamos
gravar um disco com você!” Se você se empolgasse poderia partir para uma de imitador de
João Gilberto.

ALDI — E não estaria aqui hoje neste debate.

HOMEM — Chico, você sabe que há um cara aí cantando e compondo à sua maneira?

CHICO — Sei; há algum tempo ele vem me perseguindo. Isso é diferente, é picaretagem. Não
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tem nada a ver com o jovem que está começando a fazer música. Assim como tem Martinho
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da Vila, agora tem Jorginho do Império.

EDU — Depois de Zumbi apareceram uma série de músicas que a imitavam e que inclusive
vendiam mais que ela. Aquela imitação que Chico Anísio faz, 0 Baiano e os Novos Caetanos,
vende muito mais que os discos do próprio Caetano.

CHICO — Nesse caso é uma sátira aberta. A picaretagem a que me referi não é sátira.

HOMEM — Esses imitadores não seriam apenas ingênuos e imaturos?

EDU — Não. Conheço um que trabalha muito mais que nós, porque tem de mudar de
personalidade a cada três meses. Tem época que é Chico, tem hora que é Jorge Ben…

HOMEM — Você se refere ao Abílio Manuel ?

EDU — Esse mesmo.

HOMEM — Atualmente, qualquer livro de poesia que venda uns cinco mil exemplares é
considerado um sucesso. Assim, quando um poeta descobre que se musicar seu poema ele
poderá ser ouvido por 200 mil pessoas ou mais, passa a ser estimulado a fazer poesia
musicada. Há quem diga que uma nova geração de poetas – entre os quais vocês-escolheu
cantar os seus versos.

CHICO — Há rnuita discussão sobre isso e há até certo ressentimento dos poetas em relação a
isso. Mas eu não me considero poeta nem pretendo ser.

HOMEM — Essa opinião não impede que você seja.

CHICO — Não, eu não saberia escrever poesia. Tenho resistido a publicar livros com as letras
de minhas músicas porque elas não resistem como poesia, não foram feitas para isso. Por
minha vez, desa o os poetas a fazerem letras pra música. A jogada é outra.

EDU — Acho que são pro ssões diferentes.

CHICO — O Aldir escreve letras para João Bosco musicar, mas eu nem isso faço, pois ponho
letras em músicas já prontas. Já coloquei músicas em letras, mas isso o Edu faz melhor que eu,
porque é mais músico. Ou faço música e letra ou faço a letra para a música de outros. Neste
último caso o melhor que posso fazer é procurar sentir a música como se ela fosse minha…

EDU — É a importância da sonoridade.

CHICO — Aldir e João Bosco, por exemplo, são uma coisa só. En m, o que quero dizer é que
escrever poesia é uma coisa e fazer letra de música é outra completamente diferente. Para
fazer letra você tem de ser musical. Privacidade - Termos

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HOMEM — E o Vinicius de Moraes?

CHICO — É um caso à parte. Pode ser que o Aldir também seja um caso à parte e seja também
poeta. Mas eu não o sou, sou letrista.

SÉ GIO — Quando Vinícius é letrista não é poeta.

CHICO — Quero dizer que ser poeta é outra jogada. E é muito di ícil um poeta – mesmo um
grande poeta – colocar letra numa música.

EDU — Assim como o músico encontra di culdade para musicar poemas. Nem todo poema é
musicável. Fiz várias tentativas para musicar poemas de João Cabral de Mello Neto e quebrei
a cara em todas elas.

CHICO — Eu também quebrei a cara em Morte e Vida Severina. João Cabral não conseguia
entender por que eu havia cortado certos trechos, cortes que pareciam arbitrários para ele,
mas que para mim, como músico, eram trechos impossíveis de musicar. Manuel Bandeira é
um poeta mais musicável, mas é interessante observar que era um cara que transava música.

EDU — João Cabral, inclusive, não gosta de música.

ALDI — Hoje em dia existe um grande folciore em torno de caras que apresentam qualquer
quadrinha e já se dizem letristas. Não é bem isso, ser letrista é mais complicado: tem de
obedecer à parceria e entender a alma e o som. Senão, não tem letra.

SÉ GIO — Você faz suas letras pensando que o João Bosco vai musicar?

EDU — Pensando na sonoridade de cada palavra?

ALDI — São coisas técnicas, como saber se o som vai pra baixo ou pra cima, saber quando
abre em a ou quando fecha, embora não sejam coisas complicadas demais. O que o candidato
a letrista precisa é ouvir e aprender mais.

[Nesse momento, chegou Caetano Veloso. O debate foi interrompido por alguns instantes. Chico foi até a
despensa apanhar mais uísque. Voltamos a ta alguns minutos para Caetano ver em que altura estava a
discussão. E ele entrou exatamente no ponto em que ela havia parado.]

CAETANO — Esse negócio de passar do livro pro disco, da poesia impressa pra poesia
cantada, não aconteceu necessariamente com a nossa geração. Nunca escrevi poesia, comecei
mesmo fazendo letras de música. A questão de saber se poesia é o que está impresso ou o que
está gravado é mais uma conseqüência do status atribuído à palavra poesia, que ganhou tal
respeitabilidade que dizemos: “Puxa, essa letra do Luiz Gonzaga é um poema!” Como se isso a
quali casse melhor.
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CHICO — “Isso não é letra, é uma poesia!”

CAETANO — Dá a impressão que nós da música popular continuamos adotando uma posição
elitista que mantém o peso semântico da palavra poesia como algo erudito, sério, importante.
Eu acho a música mais importante que a poesia. Muitas pessoas, no entanto, querem conferir
um status à música popular dizendo que ela chega a ser poesia. É como as pessoas que
estudam música erudita e dizem: “Realmente, a invenção melódica deste samba chega ao
nível de música erudita”. Na verdade, o problema da divisão entre música popular e música
erudita é muito mais de áreas objetivas de ação que de algo perceptível pela criação.

SÉ GIO — São coisas tão juntas…

CAETANO — E se correspondem. Acontecem coisas na música popular que podem ter


in uências sobre a música erudita. A forma popular de canto é uma revolução no modo de
cantar. Não foi o caminho do canto erudito que criou um João Gilberto, um Chet Baker ou
uma Ella Fitzgerald.

EDU — O comportamento erudito não é necessariamente melhor que o popular.

CAETANO — Há sempre aquele problema da separação de áreas delimitadas.

EDU — Porque elas não são comparáveis. Comparar João Gilberto com Stravinski é uma
loucura. Dá pra dizer quem é o melhor?

CAETANO — No fundo é um problema de formação.

EDU — Não, é de informação.

CAETANO — Nós, compositores da classe média, não fazemos uma arte erudita mas também
não fazemos uma arte popular – “popular” entendido como algo que sai do povo. O povo é
tido como uma espécie de produtor puro de coisas não contaminadas por algo que não seja a
sua essência. Ver o povo dentro desses moldes é uma atitude medieval.

EDU — Assim, a música do Hermeto – que é popular -acaba sendo de nida como não
popular.

CAETANO — O problema da poesia está ligado a isso. Estamos numa época de mudanças nos
conceitos dos modos de criação artística.

ALDI — A partir de uma informação não-revolucionária o povo pode vir a fazer uma forma
revolucionária de poesia.

CAETANO — Isso não entendi bem.


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ALDI — O povo pode fazer uma síntese desses elementos todos, criando um novo modo de
cantar.

CAETANO — Sabe que o Zé Ramos Tinhorão escreveu um artigo no Jornal do Brasil, onde
conta corretamente a história da nossa geração? Ele desce o pau na geração de autores
letrados e universitários mas, de uma certa forma, conta a nossa história.

SÉ GIO — A grande conquista desse papo seria arranjar um nome para a música dessa
geração, um nome que não seja “popular” ou “erudita”.

HOMEM — Para isso seria preciso convencionar o que é música popular e música erudita.

CAETANO — E a Banda de Pífanos de Caruaru, como seria classi cada?

SÉ GIO — Popular.

CAETANO — Mas é uma coisa bem erudita. O seu consumo é o mais erudito possível.

EDU — O consumo de João Gilberto também é.

CAETANO — Mas o consumo popular do João foi maior. Ele vendeu muito bem, fez sucesso, é
uma gura de massa.

EDU — Não tanto assim.

CAETANO — Pô, a bossa-nova foi um acontecimento popular, reconhecido por todos.

EDU — Pela massa não.

CAETANO — Mas, em comparação com a Banda de Pífanos de Caruaru, João Gilberto é um


Elvis Presley. E Egberto Gismonti, é músico popular ou erudito?

SÉ GIO — Há tantas sutilezas no meio disso que se acaba não de nindo nada.

CAETANO — Então adotemos uma de nição objetiva: é músico popular quem trabalha na
área da música popular.

HOMEM — Louis Armstrong a rmou certa vez que música popular é só aquela que serve
para dançar. O jazz moderno não seria música popular porque não serve mais pra dançar.

CHICO — De nição reprovada.

ALDI — O ato de compor uma sonata não é superior ao ato de fazer um samba-canção.

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CAETANO — Outro dia, Agnaldo Timóteo estava conversando comigo e falou assim: “Ângela
Maria, que voz linda ! Como canta bem ! Ela deveria ter sido mais inteligente e ter
aproveitado mais. Quando ela surgiu não era como agora, tudo dividido. Vocês são
considerados classe A e eu sou classe C. Mas, na época da Rádio Nacional, ninguém colocava
se o fulano era classe A ou C. As músicas que zessem sucesso no rádio eram de todo mundo.
Ângela deveria ter aproveitado para car na classe A”.

SÉ GIO — Como faz normalmente Elizeth Cardoso.

ALDI — Isso con rma a tese de que a arte, até certo ponto, expressa um padrão
determinado pela situação social e econômica da época.

CAETANO — Esse determinismo eu não posso suportar.

ALDI — É possivel que a grande arte ultrapasse as fronteiras desse determinismo, mas ele
existe e tolhe uma porção de possibilidades artísticas.

CAETANO — A situação sócio-econômica das pessoas que fazem arte numa determinada
época é determinante para que ela seja feita daquele modo, mas tenho a impressão de que a
feitura da arte transcende a isso. Eu acho que a arte – e não o pressuposto social – é que
determina a arte. Aliás, a arte determina também o social. Há uma inter-relação misteriosa e
di cil de se controlar ou acompanhar para dizer em que medida uma atua sobre a outra. A
verdadeira realidade da relação da criação de arte com a estrutura social é algo muito
protundo. Tudo isso são grandes dúvidas para mim.

ALDI — Pra mim também. Acho gue a grande arte do nosso tempo vai traduzir o con ito
fundamental existente entre uma classe cada vez mais minoritária em razão direta de seus
privilégios e uma classe majoritária cada vez mais relegada a um segundo plano. A tradução
desse con ito em arte será cada vez mais a arte verdadeira. Não é preciso ter consciência
desse con ito para fazer essa grande arte, mas a constatação de sua existência pode ajudar o
trabalho criador de cada um.

CAETANO — Concordo em que não é preciso ter essa consciência, mas duvido de que a idéia
da luta de classes seja o instrumento fundamental para a avaliação da obra de arte. Os
sentimentos provocados pela vivência do dia-a-dia são importantes pra mim, mas não sei se
meu pensamento sobre isso determinará minha criação artística. Juro que não sei. O
sentimento da injustiça social é muito profundo em mim. Fiz uma música agora que diz:
“Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Isso é básico e talvez nunca mude em mim.

HOMEM — Antes de você chegar, discutiu-se aqui o problema da sobrevivência do


compositor popular brasileiro.

(Aldir resume as opiniões emitidas sobre o assunto.) Privacidade - Termos

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SÉ GIO — Você nunca sofreu pressões para fazer concessões?

CAETANO — Não.

HOMEM — Nem vaselinadas?

CAETANO — Nada. Nunca tive esse tipo de problema e nem sabia que existe. Mas pelo que
vocês disseram é uma coisa horrível. Não sei até que ponto uma gravadora, por interesses
puramente comerciais, impede um artista de trabalhar, mas sei que jogam muito no escuro e
usam os argumentos da censura. Em Tenda dos Milagres, lme do Nelson Pereira dos Santos
baseado no livro de Jorge Amado, uma empresa de publicidade resolve nanciar um evento
em torno de Pedro Arcanjo, um escritor mulato. Mas aí ela resolve que isso não seria tão
interessante para ela e então diz ao escritor: “Foi proibido”. Usam a censura como uma arma a
mais. Preferem dizer que está proibido do que confessar que nao querem gravar.

ALDI — E deixam o artista em pânico diante da a rmativa de que foi proibido.

CAETANO — Há dois lados na moeda. As gravadoras também participam de tentativas para


liberar as músicas. Há nisso uma relação natural entre empresa e Estado.

ALDI — Di cilmente um compositor novo, com um disco de caráter mais experimental,


receberá essa ajuda.

CHICO — A censura chegou inclusive a prejudicar essas empresas nanceiramente, mas hoje
a coisa se acomodou de tal forma que há uma cumplicidade.

CAETANO — Essa cumplicidade seria mais no sentido de reprimir que de liberar?

CHICO — Não existe mais a aliança tácita entre o artista e sua gravadora contra o que seria
um inimigo comum.

CAETANO — Acredito até que essa aliança nem tenha chegado a existir.

CHICO — Não estou sendo romântico nem ingênuo, mas, naquela hora, os dois estavam
juntos. A censura era mais nova e violenta e as gravadoras estavam sendo realmente
contrariadas de modo arbitrário. Hoje o processo é vaselinado e não há mais aqueles atritos
sérios.

CAETANO — Por quê? Há mais boa vontade por parte deles?

CHICO — Porque os interesses estão se acomodando.

CAETANO — Não acompanho muito bem esse negócio de política mas sinto alguma coisa
parecida… O fato de estarmos aqui conversando talvez seja resultado dessa acomodação. Privacidade - Termos

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(Aldir volta a falar sobre os métodos utilizados pela gravadora para dominar o trabalho do artista)

ALDI — Eu contava muito com a sua opinião sobre isso.

CAETANO — Pra mim é di ícil opinar sobre isso. Não con o no acordo do artista com a
empresa, mas ao mesmo tempo sei que há um acordo real, no qual os interesses são comuns.
É di cil para nós porque na verdade começamos querendo apenas gravar e lançar um disco.
Quando uma gravadora aceitava nós achávamos bom. Isso ainda deve acontecer com a
maioria dos que estão começando a carreira. Nós, que chegamos à universidade, que temos
uma visão crítica e pretensiosa da realidade, criamos a ilusão de que entramos nisso
mantendo um certo controle, mas na verdade o que queríamos era poder gravar, poder lançar
nosso disco, que ele zesse sucesso e que a gente pudesse viver dessa pro ssão. Nós, as
pessoas que fazem música popular no Brasil, temos uma concordancia quase absoluta com a
empresa gravadora e divulgadora. A situação real de nossa classe é essa, embora a rmemos
que fazemos isso mas poderiamos não fazer. Temos um certo esnobismo mas, no fundo, o que
queremos é só gravar nosso disco.

CHICO — Não estamos discutindo aqui se as pessoas querem ou não gravar um disco de
qualquer maneira, mesmo de graça, mas sim que o justo é que a gravadora pague por esse
trabalho. É injusto que ela ganhe os tubos em cima de um trabalho que não paga. Quem pode
protestar contra isso não é o cara que está tentando gravar agora o seu primeiro disco, mas
quem já tem o direito de esnobar e pretender alterar essa situação. Isso tem de ser feito já,
porque daqui a pouco você já era e não terá mais condições de fazê-lo. Acusam a Sombrás de
elitista porque reúne pessoas famosas, mas são justamente essas pessoas que têm condições
de reivindicar alguma coisa com um certo peso.

EDU — Para isso é preciso ter um mínimo de poder.

CHICO — Estamos aqui debatendo pra revista Homem sobre os problemas da classe quando
poderíamos estar nos lixando para esses problemas. Os caras que estão começando lambem
os pés da gravadora pra poderem lançar aquele primeiro disquinho.

EDU — Você, Caetano, tem poder na medida em que vai para a Phonogram e grava o seu
Araçá Azul, que um cara novo nunca conseguiria gravar.

CAETANO — Claro. Pode parecer, por tudo isso que eu falei, que eu seja um cara desanimado.
Não, acho que se deve lutar, mas devemos também reconhecer a di cuidade até mesmo de
formular pensamentos quanto a isso. Nossa relação com a empresa é basicamente de
concordância.

CHICO — Mas se a gente não se mexer isso nunca mudará.

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CAETANO — Também acho, mas sempre com uma auto-descon ança permanente. Nós
somos profundamente comprometidos.

EDU — Somos dependentes dessa estrutura.

CAETANO — A ilusão de que estamos isentos é perigosa. Tudo que zemos, todas as músicas,
todos os discos que zemos são resultados desse relacionamento. Mas Chico tem razão,
porque esse relacionamento tem um con ito interno, não é uma realidade fechada e
inabalável. Desse con íito é que virá a possibilidade de tomar atitudes críticas, combativas, e
lutar contra as injustiças.

EDU — E até de conceder.

CAETANO — Se você partir para um radicalismo maior afastará a possibilidade de gravar


discos. Vai ter de esperar que passe este mundo imundo pra poder fazer suas músicas no reino
da liberdade.

EDU — Pode não fazer nunca mais.

CHICO — Quem faz greve numa fábrica são os operários dessa fábrica. Para agir dentro da TV
Globo você tem de ser ator de novela. Se largarmos nosso trabalho não vamos ter mais força
nem expressão pra dizer coisa alguma.

CAETANO — Mas o artista que nada concede já concedeu tudo de início. A partir do momento
em que quer ser conhecido já está comprometido.

EDU — Tem de saber conceder inteligentemente.

HOMEM — Chico falou da necessidade de se alcançar uma certa situação de poder para ter
condições de in uir. Muita gente critica Pelé, por exemplo, porque ele ao invés de falar dos
problemas de sua raça dedica o seu milésimo gol às criancinhas do Brasil. Com o prestígio e o
poder que ele tem, poderia contribuir para combater a discriminação racial.

ALDI — Não podemos desconhecer que hoje, reunidos, a soma do nosso poder tem uma
tremenda força. Isso cou comprovado quando a Sombrás derrubou facilmente todos aqueles
anos de política autoral.

CAETANO — O que se falou há pouco sobre Pelé é revelador. Quando você cobra de Pelé uma
atitude em relação a problemas sobre os quais você pensa de uma determinada maneira, você
está se esquecendo de que Pelé é uma pessoa que já fez muito. É di cil uma pessoa conseguir o
que Pelé conseguiu. Você está projetando em Pelé os valores utópicos que você tem, sem
analisar os fatores que levam um indivíduo a se tornar um Muhammad Ali ou um Mao Tse-
Tung. Como é que Pelé, jogando o futebol que joga, poderia ter uma consciência politica? Não
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quero dizer com isso que não se deva pedir mais. Porém temos de ver como Pelé chegou a esse
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nível de realização dentro desta sociedade. Temos de ver o lugar onde nasceu, as condições de
onde veio, como as coisas se processaram. Não conheço nenhuma declaração importante de
Pelé sobre a situação do negro no Brasil e no mundo, sobre a situação do homem pobre, sobre
a situação do Brasil diante dos outros países, ou mesmo sobre a situação jurídica dos
jogadores de futebol. No entanto, todos esses assuntos foram afetados por ele, Pelé, pelo
simples fato de jogar o grande futebol que joga e de ter chegado ao ponto em que chegou,
abrindo uma imensa gama de possibilidades. Pedir a ele mais que isso seria pedir energia
demais a quem já dá energia em demasia. Sem que Pelé dissesse uma só palavra, o jogador de
futebol no Brasil ganhou a possibilidade de dizer suas próprias palavras. Os nossos jogadores
eram escravos… é proibido vender gente no Brasil, mas os jogadores de futebol eram
vendidos e comprados e ninguém contestava isso. Eles não tinham nenhuma
respeitabilidade. Pelé conseguiu mudar coisas imensas pelo simples fato de jogar no Brasil. A
gente tem de parar e ver a carga de informação cultural e a energia de liberdade e de verdade
que emanam de Pelé, ao invés de desrespeitá-lo. É uma humildade que temos de ter. Alguns
jogadores de futebol tentaram discutir politicamente a sua pro ssão e suas carreiras pouco
duraram, não só por causa da reação contra a sua tentativa de serem conscientes, mas
também por causa de sua própria formação psicológica. Penso em Afonsinho e em Nei
Conceição. Acho, por isso, que a armadura de Pelé é útil e necessária. Ele é um homem que
diz: “Eu não falo ! Não quero falar ! Não posso! Não tenho nada a ver com isso! Quero ser
uma pessoa grande!” Esse é Pelé, um rei dentro de uma pessoa. Não me consta que João
Gilberto tenha se preocupado com direitos autorais, com relação dc produção nem com a
estrutura do poder. Nunca se ouviu ele dizer que a injustiça social está errada. No entanto,
estamos todos aqui por causa dele, porque cantou e tocou daquele jeito, porque a energia de
rei dentro daquele homem funcionou iluminando uma porrada de coisas.

EDU — O que não vale para Roberto Carlos.

CAETANO — Roberto Carlos também mereceu a sua coroa de rei. É um homem que disse
assim: “Sigo incendiando bem contente e feliz/ Nunca respeitando o aviso que diz/ “É
proibido fumar’ “. É poesia tão boa quanto de Maiakóvski.

EDU — Mas você não gostava da música dele…

CAETANO — Não gostava até o dia em que gostei. Quando digo estas coisas estou falando de
mim também, eu também já pensei aquelas coisas de Pelé.

SÉ GIO — O seu discurso sobre Pelé foi de fato brilhante. Mas o que que explica o fato de um
camarada ter uma atitude política até um deterninado momento e a partir dai não ter mais?

CAETANO — Você está dizendo que eu era uma pessoa política?

SÉ GIO — Exatamente.
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CAETANO — Isso é uma mentira. Meu nível de consciência política continua o mesmo de
antes. Minha capacidade e minha atuação política continuam as mesmas; reconheço que
sempre foram limitadas.

SÉ GIO — impressão que você e o Gil me davam antes era de que tinham outras atitudes.

CAETANO — Quando?

SÉ GIO — Por exemplo, quando você disse: “O samba vai vencer / Quando o povo perceber /
Que é o dono da jogada”.

CAETANO — Naquela época você não me conhecia nem de vista. Eu era estudante na Bahia e
z essa música para uma escola de samba que ia ser formada por uns colegas de universidade
que eram de esquerda e se interessavam por política. Eu nunca participei de qualquer grupo
político. Foi preciso provar isso o cialmente e provado está. Na universidade eu gostava
muito menos de política do que consigo gostar hoje por um esforço meu. Na verdade, eu não
reconheço no nível político nenhuma superioridade sobre os demais níveis, acho que é
apenas uma maneira de pensar e de agir. Até hoje não vi nada que me provasse que esse nível
de pensar e de agir seja prioritário ou superior aos outros. Não sei, não consigo ver, sou um
artista cujo nível de pensar e de agir não é esse. Um homem pode se dedicar à política e depois
mudar por completo de vida, tornando-se simplesmente um pai de família. Está fazendo uma
coisa diferente e não quer mais se interessar por política. Pode se interessar por religião e
querer ser um santo.

HOMEM — Você admite que essa mudança agrada a determinadas camadas políticas e
desagrada a outras?

CAETANO — Depende da época.

HOMEM — Então essa mudança é também uma atitude política…

CAETANO — Não há dúvida. Toda atitude é também política.

CHICO — Eu respeito cada posição ou atitude política das pessoas. É claro que não vamos
car cobrando do Pelé porque ele não tem obrigação alguma de colocar esses problemas. Mas
é altamente negativo dizer que se Pelé os colocasse poderia derrubar seu próprio sonho. Pelé é
um rei que cria ilusões em todos os engraxates, e não se manifestar deixa um vazio muito
sério. Eu adoro futebol, sou ã do Pelé e tudo bem. Mas o vazio existe. Não concordo que
Afonsinho ou Nei tenham deixado de ser Pelé porque se preocuparam com isso. Você
realmente acha que uma coisa prejudica a outra? A consciência política prejudica o futebol?

CAETANO — Não, de jeito nenhum. O que eu quis dizer é que o tipo de psicologia que
propicia uma gura férrea como a de Pelé di cilmente resultaria numa outra coisa. Produzir
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uma gura excepcional é algo demais para uma sociedade, entende? Você até pode – e deve –
pedir mais, mas sem perder de vista que muito já está sendo dado e que talvez seja necessário
ser assim para que tanto pudesse acontecer. Você falou do engraxate que sonha ser Pelé. Isso
tanto pode ser negativo como positivo. Quando ele sonha ser Pelé não pensa só no jogador de
futebol mas também no homem respeitado, que fala com presidente da República. Um dos
nomes mais respeitados na África é o de Pelé, e depois o de Muhammad Ali. Aquela gente vê
Pelé como uma a rmação de sua raça, independentemente do que se passe na cabeça dele.

CHICO — Qual a diferença entre esses dois, Pelé e Ali?

CAETANO — Muhammad Ali tem mais consciência, né? Mas não podemos amar nem medir
as pessoas pelo que elas tenham de consciência. A sociedade americana é outra, lá a luta racial
é de agrada. E Muhammad Ali tem um esquema publicitário que cria esse clima.

EDU — Do jeito que você colocou, Pelé ca sendo uma pessoa intocável, acima da sociedade.

CAETANO — Não, ele é um produto e um agente dessa sociedade.

CHICO — E também cou sendo um esquema publicitário.

CAETANO — Qualquer um de nós que car famoso tende a car assim.

EDU — O sucesso de Pelé, ou do João Gilberto, ou do Roberto Carlos. exerce um grande


fascínio sobre você?

CAETANO — Sem dúvida. Minha vontade de me identi car com essas coisas é tão grande que
hoje sou um artista famoso. Incluo também nessa lista o Luiz Gonzaga.

HOMEM — Você não está entrando muito numa de que todo mundo é bonzinho?

CAETANO — Gostaria de estar, mas a verdade é que, por exemplo, acho o Fagner uma bosta.

HOMEM — Outra questão debatida aqui na sua ausência foi a da utilização de músicas de
vocês nas novelas de televisão, sem que nada seja pago por isso.

CAETANO — Quando em ouço Tigresa na televisão eu acho uma maravilha.

(Chico repete o que havia dito antes sobre a questão.)

CAETANO — Ao ouvir Tigresa meu prazer é estético. O preço que pago por esse prazer
estético é essa situação, mas não quero por causa dele me colocar como reacionário, dizendo
que as coisas devem continuar como estão. Não, devemos criticar e tentar mudar. Mesmo
assim não deixo de sentir prazer estético em ver minha música numa novela.
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CHICO — É claro. Se eu passar pelo Maracanã e estiver tocando uma música minha não vou
car triste por causa disso, mesmo que não esteja recebendo direito autoral algum.

CAETANO — Nem por isso vai achar certo que esteja sendo explorado injustamente.

EDU — Você pode estar feliz, achando tudo bonito, mas estão te usando.

CAETANO — E além de eu estar sendo roubado, estou permitindo que outras pessoas sofram
o mesmo. Talvez para alguns artistas não seja fundamental resolver essa questão. Preferem
pagar o preço dessa situação para terem esse prazer estético. Conhecemos muitos artistas
assim.

HOMEM — E você compreende a posicão deles…

CAETANO — Esse tipo de problema não afeta só a nossa pro ssão. Estamos falando sobre
estrutura de poder, luta de classes, justiça, uma série de coisas sobre as quais não somos os
mais adequados para falar.

CHICO — Eu discordo. Nesse momento não estamos falando só como artistas, mas como
testemunhas. Nós somos vítimas disso.

CAETANO — Ah, vocês estão falando como cidadãos? Como cidadão o testemunho é válido,
mas é di cil a gente livrar-se do artista.

CHICO — É di ícil mas necessário.

CAETANO — Podemos teorizar sobre tudo isso mas estamos um pouco despreparados.

EDU — É mais uma questão de saco que de preparo.

CHICO — O mínimo de preparo reunido ao máximo de experiência pessoal dá um raciocínio


útil.

CAETANO — Aí você está certo. Esse mínimo deve ser incentivado. Mesmo que seja mal
discutido, será algo que poderemos deixar para as pessoas que estão surgindo. Mesmo que
seja um fracasso poderá ser útil para algumas pessoas. Felizmente gravar um disco hoje já
não é uma coisa tão mágica, tão di cil.

EDU — Pelo contrário. Nós fomos chegando e um ano depois já estávamos gravando. Pros
novos conseguirem gravar um disco hoje é preciso uns oito anos de batalha.

CAETANO — Isso é até uma oportunidade para eles terem um maior contato crítico com a
relação entre os meios de produção e o seu trabalho. As decepções pro ssionais não são
inúteis. As preocupações com as pressões da gravadora, com a censura, com a exploração das Privacidade - Termos

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músicas na televisão, com o modo de agir das sociedades arrecadadoras, são preocupacões
mais ou menos recentes para a nossa geração. Mas a geração que começa a aparecer agora
enfrenta esses problemas desde o início. E o fato de voltarmos sempre a falar nesses
problemas vai contribuir para amadurecer essas pessoas.

EDU — Não sei se posso concordar com você.

CAETANO — Se não houver isso, pra que discutir?

EDU — O que eu acho é que o ambiente não está diferente.

CAETANO — Está. Mesmo os que não tem consciência já agem de outro modo. Podem não
saber de nada mas já encontram essa diferença. O próprio cara da gravadora já tem um modo
diferente de tratar.

EDU — Será?

ALDI — Aí vocês tocaram na questão da conduta que devemos assumir diante dos novos.
Nós não pretendemos ditar nada. Qual é a conduta que devemos assumir em face deles? Varia
da preocupação mais narcisista de não decepcionar até aquela, mais política, de como
orientar. Podemos nos dar o luxo de não decepcionar e não orientar?

CAETANO — Isso é um o de navalha, é como a menina que, aos oito anos de idade, diz:
“Quero gravar um disco, quero ser a Gal Costa”. Essa menina diz isso lá em Belém e vem para
o Rio ser a Gal Costa, mas como se encontra com o Milton Nascimento, conversa comigo,
acaba sendo a Fafá de Belém. Estou fazendo uma metáfora e não dando um exemplo sobre
Fafá de Belém.

HOMEM — E a concorrência da música importada? É outro assunto que você ainda não
debateu.

CAETANO — Minha opinião é que é péssima e precisa ser mudada.

HOMEM — O que você sugere para mudá-la?

CAETANO — Não sei, não tenho certeza. A gente não pode tomar a iniciativa de mudar de
repente as leis de importação do país.

SÉ GIO — Você participaria de uma comissão para estudar esse problema?

CAETANO — Não sei, seria preciso que alguém com uma visão mais organizada participasse
disso.

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CHICO — Há quatro ou cinco anos atrás foi feita uma coisa assim, foi nomeada uma
comissão, que fez vários estudos que foram encaminhados legalmente. Mas nada aconteceu.

CAETANO — A relação entre o Estado e a produção artística tem nuances cambiantes. Em


outro momento aquilo poderia ter sido oportuno. É algo muito complicado, por isso eu digo
que não entendo bem. Outro dia um amigo meu, aliás uma pessoa espetacular, disse a mim:
“Você não tem o direito de dizer que não entende de política porque o cidadão tem obrigação
de entender disso”. Mas eu não entendo mesmo, não sei qual é o lance das multinacionais, do
nacionalismo de certos países, não sei como podemos agir sobre isso. É di cil, viu? Temos de
saber como resultarão as coisas que pretendemos fazer. Mas tenho interesse em falar dessas
coisas porque como essas dúvidas são de toda a nossa classe, devem ser compartilhadas.
Agora, essa vontade de impor taxação sobre a importação, por exemplo, apareceu nos países à
medida que eles iam atingindo um certo grau de desenvolvimento. Para um país ter vontade
de produzir lmes tem de ter um grau de desenvolvimento razoável, precisa ter uma
estrutura econômica tal que seja uente. Achei Barry Lyndon uma obra-prima
extraordinária, mas é um lme que não poderia ter sido feito no Brasil. A verdade é que acho
necessária uma lei protegendo a importação de lmes assim. A nossa formação depende
dessa importação. A nossa atualidade, por mais críticos que possamos ser em relação a ela,
também está nessa importação. Discordamos dela em resultado de uma consciência que se
fortalece quando mais compreendemos a carga inconsciente que está por trás de tudo o que
pensamos ou fazemos. Nosso inconsciente está ligado à importação e se não o virarmos pelo
avesso nada faremos.

SÉ GIO — Não sei como uma pessoa que entende dessas coisas não entende de política.

CAETANO — O máximo que eu entendo são essas coisas que estou falando aqui. Não
acompanho política, não sei o nome do vice-presidente dos Estados Unidos, não sei como
anda a China, não sei se o homem deve caminhar nessa ou naquela direção política. Muitas
coisas são dúvidas para mim. Sou sincero quando digo que não entendo de política.

HOMEM — O dia já vai amanhecer. Vocês acham que todo esse papo valeu a pena?

ALDI — Se não valesse a pena eu não teria topado gastar uma noite inteira nisso.

CAETANO — Acho que a resposta já foi dada pelo Chico, no meio da discussão, quando falou
que a gente não só tem o direito como também o dever de querer, perguntar e pedir cada vez
mais.

Revista do Homem foi uma publicação da Editora Abril criada em 1975. Ela seria renomeada para Playboy em 1978.

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Lista de colunistas

Publicamos a décima sétima edição da Revista Movimento ainda sob o impacto da pandemia da Covid-19. Em todo o
mundo, as contradições acumulam-se. Este volume está dedicado à análise de várias dimensões desta verdadeira
crise global e de seus desdobramentos. Com destaque, tratamos da mobilização antirracista nos Estados Unidos e no
mundo, iniciada após o assassinato de George Floyd, e da situação brasileira, discutindo a crise do governo Bolsonaro
e as recentes manifestações dos trabalhadores por aplicativos.

Autores
Alessandro Sorriso, Bruno Magalhães, C. L. R. James, Frederico Henriques, Giovanna Marcelino, Giulia Tadini,
Immanuel Wallerstein, Keon Liberato, Luana Alves, Michael Roberts, Michel Husson, Nathalie Drumond, Pedro
Fuentes, Roberto Robaina e Tiago Madeira

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