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Regularização fundiária

- Lei 13.465/2017
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Regularização fundiária [livro eletrônico] : Lei 13.465/2017 / Alberto Gentil de


Almeida Pedroso, coordenador. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019.
6 Mb ; ePub
Bibliografia.
ISBN 978-85-5321-416-7
1. Direito fundiário 2. Direito urbanístico - Brasil 3. Direito de propriedade 4.
Legislação fundiária urbana I. Pedroso, Alberto Gentil de Almeida.
19-27749 CDU-347.23(81)

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Regularização fundiária : Legislação : Direito 347.23(81)
Maria Paula C. Riyuzo - Bibliotecária - CRB-8/7639
Regularização fundiária – Lei 13.465/2017
A LBERTO G ENTIL DE A LMEIDA P EDROSO
Coordenador

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Fechamento desta edição [15.04.2018]

ISBN 978-85-5321-416-7
PREFÁCIO

Como se sabe, foi Aristóteles quem, por primeiro, destacou a relevância


da amizade e da coesão tanto para a ordem da cidade (urbs ) quanto para a do
Estado (polis ), enfim: para a construção de uma comunidade (koinonía ).
Não pode haver, entretanto, amor e coesão verdadeiros sem um sistema
comum de crenças e de valores a que toda gente de boa vontade se disponha a
conservar e defender, e cuja dissolução leva não apenas ao “caos
arquitetônico” (Henry Morris), mas também à “desintegração política”.
Entende-se, pois, tal o assinalou com precisão um dos mais eméritos
urbanistas do século XX, Patricio Randle, o motivo de na cidade da Baixa
medieval integrar-se muito bem o binômio polis-urbs , vale dizer, a vida
comunitária e a expressão arquitetônica: porque ali havia uma cosmovisão
solidada em crenças e valores comuns (a que ótimas páginas dedicaram
Rubém Calderón Bouchet e o quase inexcedível Lewis Mumford).
Talvez possamos com isso compreender, para além de seus manifestos
objetivos sobrenaturais – nesse passo, reporto-me, por antonomásia, ao
parágrafo inicial do De civitate Dei –, tanto a função secular da defesa
espiritual da cidade quanto a função espiritual de sua defesa arquitetônica .
Pode destruir-se diretamente uma cidade enquanto urbs − e, com isso,
exterminar-lhe a polis : mas, ainda que, tal se deu em Siracusa, derramem-se
lágrimas antes do sangue do povo, a comunidade exausta-se já com o
desmoronamento da urbs . Pode, todavia, erodir-se também a cidade por
meio da desconstrução paulatina de sua koinonía , de seu sistema de crenças
e valores, de seu amor e sua coesão (mostram-no à saciedade e com eficiência
Gramsci e Marcuse, p.ex.).
Contra a distopia de inovadores desgarrados da tradição – e não será
demais lembrar que o primeiro utopista foi Caim, ao fundar a cidade de
Henoc –, calha esta interessante citação de Péricles, em seu Discurso em
honra dos mortos: “Nossa constituição política não segue as leis de outras
cidades”, mas, diversamente, a tradição (a dinâmica entrega) de um passado
construído ao largo do tempo e que se plasmou no sistema cultural do povo.
Randle – como era de seu costume – bem observou que a ideia de urbanizar
converteu-se num mito de progresso, qual se a cidade fosse “el remedio
infalible para la indigencia, la enfermedad y el abandono de la vida rural”. E
foi esse mito que favoreceu “la expansión caótica de las ciudades a un ritmo
que no ha permitido ni el más mínimo equipamiento y racionalidad”.
Frustrâneo será, no entanto, esperar que de meras soluções materiais
emanem fórmulas salvíficas de uma forma de vida social espiritualmente
decaída e, sob o fomento de lutas de classe e, agora, de lutas de comunidades,
pondo-se à margem da concórdia política.
Tem-se à vista, em nossos tempos, no aspecto sociológico, a prevalência
caótica do hiperindividualismo e da imaginação sobre o bem comunitário e a
realidade objetiva, a realidade das coisas. O ser de consciência – ou, mais
exatamente, o ser da imaginação individual – passou a ter prelação sobre o
ser objetivo, chegando ao extremo limite de pôr em risco a própria ratio
essendi de algumas instituições jurídicas (ad exemplum , a do registro civil
das pessoas naturais). Essa viragem antropológica substituinte da radicalidade
metafísica corresponde ao mote l’imagination au pouvoir – emblema da
geração de 1968 – ou, se se quiser e, melhor, ao brado do what thou wilt do
conhecido satanista inglês Aleister Crowley. Parece estarmos submetidos ao
que Tonino Cantelmi e Cristina Cacace designaram “l’elefantiasi dell’ego e
dei suoi bisogni de autoaffermazione a tutti i costi”, com a afirmação de um
utópico “direito à felicidade” em que “l’esperienza vissuta in prima persona
assume le caratteristiche della sacralità”.
Isso que – ao lado de outras tantas deficiências concausativas – vai
desconstruindo a cidade contemporânea tem, ainda por acólito, um
ingrediente psicológico, que é o da indiferença pela territorialidade . Ora,
esse déficit coevo na coesão social corresponde ao perdimento da tendência
de enraizamento (enracinement ; rooting ) em um locus determinado, lugar
certo que não só define uma causa eficiente singular da cidade, mas,
igualmente, afirma e realiza a conaturalidade entre o homem e o domínio
privado da terra.
Assim o disse Patricio Randle, as cidades decadentes são expressões de
inconsciência territorial, em que já não tem importância o ubi de um
assentamento familiar e em que se debilitam (quando não mesmo se
aniquilam) a ideia e o fim de uma reta apropriação privada de um imóvel.
É com maior ou menor gradação nesse plano que a urgência de remediar
males econômicos – deixando-se de lado a verificação de que, muitas vezes,
os remédios ministrados são piores do que as enfermidades – tem levado
administradores de turno e ideólogos (em alguns isso é um pleonasmo) à
fantasia de soluções legislativas que, sem ir de encontro à causa dos
problemas, devaneia em pôr termo a seus efeitos: se a cidade é a flor da
cultura, ensinou Randle, vã será a ideia de erguer cadafalsos contra os
consequentes que emanam de premissas destrutivas admitidas e até louvadas
por sucessivas regências infrutuosas.
A Lei 13.465/2017 (de 11.07) é mais uma dessas tentativas –acaso
contada entre as bem-intencionadas – que se adivinham pouco ou nada
efetivas para resolver os problemas fundiários do Brasil. Gestada essa lei a
partir de mais uma costumeira falta de transparência com que se editam
infelizes numerosas medidas provisórias, não se isentou a mesma lei, por
mais que se tenha corrigido o projeto no curso do processo legístico e graças
a um tímido poder de veto do Executivo federal, de umas visíveis
inconstitucionalidades, assim as que põem à mostra o muito eminente Des.
Vicente de Abreu Amadei neste livro, Regularização fundiária – Lei
13.465/2017 , que, coordenado pelo ilustre Magistrado Alberto Gentil de
Almeida Pedroso, tenho a elevada honra de prefaciar. (Ouvi eu, em Belém do
Pará, faz alguns meses, uma jovem e talentosa jurista afirmar, publicamente,
em uma sessão acadêmica, que não havia nenhum mal nas
inconstitucionalidades de que se acusava essa lei – mormente as de seu art.
76 –, porque quando elas fossem reconhecidas já haveria, então, um fato
consumado… no comments ).
Comparticipam desta obra autores de reconhecida nomeada no domínio
do direito registral − além de Alberto Gentil de Almeida Pedroso e de
Vicente de Abreu Amadei (este meu valioso amigo e compadre), já por mim
mencionados, alistam-se aqui os valiosos contributos de Anderson Garcia
Cirilo, Caio Almado Lima, Claudia Rosa de Medeiros, Daniela Freitas,
Giovanna Truffi Rinaldi, Laura Regina Echeverria da Silva, Luis Gustavo
Belmonte, Marcelo Oliveira Silva, o excelente Magistrado Paulo Cesar
Batista dos Santos, Rafael Ricardo Gruber, Regina Iara Ayub Bezerra e Yeda
Mansor Coleti, aos quais deixo consignado o júbilo de testemunhar-lhes o
contentamento que me concedem em prefaciar este seu esforçado empenho
doutrinário por salvar o que num texto de lei parece tão pouco realmente
salvífico.

Des. Ricardo Dip


SUMÁRIO

PREFÁCIO

1. IMPRESSÕES PRÁTICAS SOBRE O SISTEMA DA


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA IDEALIZADO PELA LEI
13.465/17 (ARTS. 9° A 54)
ALBERTO GENTIL DE ALMEIDA PEDROSO
1.1. Introdução
1.2. Disposições gerais
1.2.1. Normas-princípios
1.2.2. Conceitos normativos para fins de Reurb
1.2.3. Modalidades de Reurb (art. 13 da Lei 13.465/17)
1.2.3.1. Isenções de custas e emolumentos aplicáveis à
Reurb
1.2.4. Legitimados para requerer a Reurb
1.3. Dos instrumentos da Reurb
1.3.1. Demarcação urbanística
1.3.2. Legitimação fundiária
1.3.3. Legitimação de posse
1.4. Procedimento administrativo (art. 28 da Lei 13.465/17) –
esquematizado
1.5. Registro da Reurb (art. 42 da Lei 13.465/2017)
1.6. Considerações finais
2. ABANDONO DE IMÓVEL E PROCESSO ADMINISTRATIVO DE
ARRECADAÇÃO: ESTUDOS DAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS E DO
PODER-DEVER DOS MUNICÍPIOS PARA A MÁXIMA EFETIVIDADE
DA FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL URBANO

GIOVANNA TRUFFI RINALDI E RAFAEL RICARDO GRUBER


2.1. Introdução
2.2. Abandono e renúncia de imóvel como hipóteses de perda da
propriedade no Código Civil: conceitos e distinções entre os institutos
2.3. Noções iniciais sobre o destino da coisa objeto de renúncia ou
abandono
2.4. Questões de direito material aplicáveis à arrecadação de bens: casos
controvertidos sobre o poder-dever de arrecadar
2.4.1. Caso de bens vacantes em decorrência de renúncia (formal)
da propriedade
2.4.2. Vacância de bem objeto de simples abandono (informal) pelo
proprietário
2.4.2.1. Hipótese de presunção legal de abandono
2.4.2.2. Outras formas de constatação e prova ou
presunção hominis do abandono, antes do
decurso de cinco anos
2.4.2.3. Imóvel abandonado e a posse (ou detenção) por
terceiros
2.5. Primeira etapa: procedimento preliminar (ou inquérito) em caso de
suspeita de vacância e/ou abandono de bem
2.6. Segunda etapa: o processo administrativo de arrecadação propriamente
dito e sua publicidade registral imobiliária
2.7. Terceira etapa: posse pelo município, destinação do bem arrecadado e
publicidade registral desta fase
2.8. Quarta etapa: reivindicação pelo proprietário ou aquisição definitiva
pelo poder público e publicidade registral de tais fatos jurídicos
2.9. Conclusões e considerações finais
2.10. Referências

3. O DIRETO REAL DE LAJE – LEI 13.465/2017

CLAUDIA ROSA DE MEDEIROS E LAURA REGINA ECHEVERRIA DA


SILVA
3.1. O direito social à moradia como forma de dignificação da pessoa
humana
3.2. O direito real de laje como forma de regularização fundiária urbana
3.3. O direito real de laje
3.3.1. Conceito de direitos reais
3.3.2. A laje
3.3.3. A regulação das relações entre os titulares da laje e da
construção-base
3.3.4. O direito real de laje sobre imóveis públicos
3.3.5. Direito real de laje sucessivo
3.3.6. Extinção da laje
3.4. Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São
Paulo e o direito de laje
3.5. Conclusão
3.6. Referências

4. CONJUNTOS HABITACIONAIS SEGUNDO A LEI 13.465, DE 11 DE


JULHO DE 2017

REGINA IARA AYUB BEZERRA


4.1. Introdução
4.2. Direito de propriedade privada
4.2.1. Do direito de propriedade privada no Brasil
4.3. Da função social da propriedade
4.3.1. A função social da propriedade rural
4.3.2. A função social da propriedade urbana
4.4. Políticas públicas da habitação popular
4.4.1. História do crescimento urbano no Brasil
4.4.2. Políticas públicas habitacionais no Brasil
4.4.2.1. Governo Collor
4.4.2.2. Governo Itamar Franco
4.4.2.3. Governo Fernando Henrique Cardoso
4.4.2.4. Governo Lula
4.4.2.5. Governo Temer
4.5. Os conjuntos habitacionais como meio de regularização urbana na Lei
13.465/2017
4.5.1. Modalidades de regularização fundiária urbana (Reurb)
4.5.1.1. Legitimação
4.5.1.2. Direito de laje
4.5.1.3. Conjuntos habitacionais
4.6. Da inconstitucionalidade da Lei
4.7. Considerações finais
4.8. Referências

5. LOTEAMENTO DE ACESSO CONTROLADO: LEGALIZAÇÃO DE


UMA REALIDADE FÁTICA
ANDERSON GARCIA CIRILO E MARCELO OLIVEIRA SILVA
5.1. Introdução
5.2. Aspectos gerais do parcelamento do solo urbano
5.2.1. Loteamento, desmembramento e lote
5.2.2. Área passível de parcelamento do solo
5.3. Do loteamento de acesso controlado
5.3.1. Conceito
5.3.2. Acesso a equipamentos públicos
5.3.2.1. Classificação dos bens públicos
5.3.2.2. Momento da transmissão da propriedade privada
em área loteada para o poder público
5.3.2.3. A propriedade privada transferida para o poder
público será caracterizada como bem de uso
comum do povo ou bem público de uso especial
5.3.2.4. Instrumento legal para transferência do bem
público para uso exclusivo do particular
5.3.2.5. Instrumento de concessão de uso ou de permissão
de uso será outorgado a quem?
5.3.2.6. Qual o instrumento que irá regulamentar o uso dos
equipamentos internos do loteamento de acesso
controlado?
5.3.2.7. Como se dará a publicidade e vinculação do
regulamento interno do loteamento de acesso
controlado
5.3.2.8. Como se dará o custeio da associação de
moradores

6. ALGUMAS DIFICULDADES CONSTITUCIONAIS DA LEI 13.465/2017

VICENTE DE ABREU AMADEI


6.1. Introdução
6.2. Análise geral, especialmente no foco da regularização fundiária urbana
e da autonomia municipal
6.3. Análise pontual
6.3.1. Os limites decorrentes do status constitucional do direito de
propriedade urbana e alguns reflexos na Lei 13.465/2017
6.3.1.1. Legitimação fundiária
6.3.1.2. Desapropriação flexibilizada
6.3.2. Os limites decorrentes do status constitucional da liberdade
associativa e a obrigatoriedade de contribuição com o
pagamento das despesas comuns em condomínios de lotes e
loteamentos de acesso controlado
6.4. Conclusão
6.5 Referências bibliográficas

7. A NOVA ESPÉCIE DE CONDOMÍNIO CRIADA PELA LEI 13.465/17:


CONDOMÍNIO URBANO SIMPLES
ALBERTO GENTIL DE ALMEIDA PEDROSO E DANIELA FREITAS
7.1. Introdução
7.2. Condomínio urbano simples
7.3. Conclusão

8. DO REQUERIMENTO DE CANCELAMENTO DO LOTEAMENTO


URBANO POR SUB-ROGAÇÃO DOS DIREITOS DO LOTEADOR
ORIGINÁRIO

PAULO CESAR BATISTA DOS SANTOS


8.1. Noções sobre loteamentos urbanos
8.1.1. Diferença entre loteamento e desmembramento
8.1.2. Aprovação do loteamento urbano
8.1.3. Registro do loteamento urbano
8.2. Sub-rogação nos direitos de requerer o cancelamento
8.2.1. Hipóteses de cancelamento
8.2.2. Aquisição do loteamento por sucessor do loteador
8.2.3. Reversão de bens públicos
8.3. Referências bibliográficas

9. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E SEUS NOVOS CONTORNOS


TRAZIDOS PELA LEI 13.465/2.017
YEDA MANSOR COLETI E CAIO ALMADO LIMA
9.1. Evolução histórica
9.1.1. Alienação fiduciária no Brasil
9.2. Noções gerais
9.3. Lei 13.465, de 11 de julho de 2017
9.3.1. Propriedade fiduciária no Fundo de Arrendamento
Residencial (FAR)
9.3.2. Novo procedimento de cobrança da Lei 9.514/1997
9.3.3. O leilão e seu regramento
9.3.4. Taxa de ocupação
9.4. Considerações finais
9.5. Referências

10. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL NA SERVENTIA


EXTRAJUDICIAL

LUIS GUSTAVO BELMONTE


10.1. Introdução
10.2. Breve histórico, acompanhado da dinâmica legislação brasileira sobre a
alienação fiduciária
10.3. Conceito
10.4. Natureza jurídica
10.5. Características
10.6. A alienação fiduciária de bem imóvel e o registro de imóveis
10.7. Casos práticos
10.8. Jurisprudência
10.9. Conclusão
10.10. Referências bibliográficas
1
IMPRESSÕES PRÁTICAS SOBRE O SISTEMA
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
IDEALIZADO PELA LEI 13.465/17 (ARTS. 9° A
54)

Alberto Gentil de Almeida Pedroso


Juiz de Direito Titular da 8a Vara Cível de Santo André. Juiz Corregedor
Permanente do Registro de Imóveis da Comarca de Santo André. Juiz
Assessor da Corregedoria Geral da Justiça nas gestões 2012/2013,
2014/2015 e 2016/2017. Especialista em Direito Civil e Mestre em
Processo Civil. Professor universitário. Professor da Escola Paulista da
Magistratura nos Cursos de Pós-Graduação em Direito Civil, Processo
Civil e Direito Notarial e Registral. Autor de diversas obras jurídicas
voltadas ao estudo dos registros públicos – Questões registrárias e o
novo Código Civil (Ed. Juarez de Oliveira), Regularização fundiária (Ed.
Grupo Gen), Noções gerais dos Registros Públicos para concurso (Ed.
VFK), Manual prático de Registro de Imóveis (Ed. RT). Professor de
Processo Civil e Registros Públicos do Complexo Educacional Damásio
de Jesus. Coordenador dos Cursos Jurídicos da ARISP. Coordenador
Jurídico da revista ARISP JUS e da Revista Registrando o Direito da
ARPEN. Coordenador Jurídico do projeto ENTRENOTAS do Colégio
Notarial do Brasil Seção São Paulo.

SUMÁRIO : 1.1. Introdução . 1.2. Disposições gerais . 1.2.1. Normas-


princípios . 1.2.2. Conceitos normativos para fins de Reurb . 1.2.3.
Modalidades de Reurb (art. 13 da Lei 13.465/17) . 1.2.4. Legitimados para
requerer a Reurb . 1.3. Dos instrumentos da Reurb . 1.3.1. Demarcação
urbanística . 1.3.2. Legitimação fundiária . 1.3.3. Legitimação de posse . 1.4.
Procedimento administrativo (art. 28 da Lei 13.465/17) – esquematizado .
1.5. Registro da Reurb (art. 42 da Lei 13.465/2017) . 1.6. Considerações
finais .

1.1. Introdução
A Lei 13.465, de 11 de julho de 2017 (norma legislativa responsável pela
conversão da Medida Provisória 756/2016 em lei), promoveu profundas
alterações no sistema legal aplicado à regularização fundiária urbana.
O objetivo do artigo é analisar de maneira teórica e prática os principais
assuntos sobre regularização fundiária compreendidos no Título II, entre os
Capítulos I e IV (arts. 9° a 54), da lei em estudo, em atenção também às
reformas promovidas nas NSCGJSP pelo Provimento 51/2017. O legislador
agrupou o estudo da regularização fundiária urbana em quatro grandes
blocos, assim delimitados: Capítulo I – Disposições gerais; Capítulo II –
Instrumentos da Reurb; Capítulo III – Procedimento administrativo; Capítulo
IV – Do registro da regularização fundiária.

1.2. Disposições gerais


1.2.1. Normas-princípios
Os dois artigos iniciais do Título II, Capítulo I, Seção I, da Lei
13.465/2017, que inauguram o tema regularização fundiária urbana (artigos
9° e 10), são apresentados pelo legislador como verdadeiras normas-
princípios do microssistema, ante o alto grau de caráter orientativo das regras:
Art. 9° Ficam instituídas no território nacional normas gerais e
procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual
abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à
incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial
urbano e à titulação de seus ocupantes.
§ 1° Os poderes públicos formularão e desenvolverão no espaço urbano as
políticas de suas competências de acordo com os princípios de
sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial,
buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de
forma funcional.
§ 2° A Reurb promovida mediante legitimação fundiária somente poderá
ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente
existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016.
Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios:
I – identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados,
organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus
ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em
relação à situação de ocupação informal anterior;
II – criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial
urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III – ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de
modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos
urbanos informais regularizados;
IV – promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V – estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à
consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI – garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida
adequadas;
VII – garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII – ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX – concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no
uso do solo;
X – prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos
informais;
XI – conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII – franquear participação dos interessados nas etapas do processo de
regularização fundiária.

Trata-se de disposições legais de importância destacada, que merecem a


releitura constante pelo operador do Direito para sanar lacunas do texto
legislativo ou mesmo dúvidas interpretativas, sempre na busca dos melhores
caminhos para efetivação da finalidade da regularização fundiária – em
destaque, vale mencionar o forte interesse do legislador em incorporar os
núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano regular,
titulando a posse e propriedade dos ocupantes em áreas marginalizadas pelo
sistema legislativo, comprovadamente existentes, na forma desta lei, até 22
de dezembro de 2016 (data da edição da MP 759/2016).
É missão fundamental da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados,
organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus
ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em
relação à situação de ocupação informal anterior (art. 10, I), bem como
criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial
urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes
(art. 10, II), ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa
renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios
núcleos urbanos informais regularizados (art. 10, III), promovendo a
integração social e a geração de emprego e renda (art. 10, IV), sempre
estimulando a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à
consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade (art. 10, V),
garantindo o direito social à moradia digna e às condições de vida
adequadas (art. 10, VI).
A Lei também pontua como objetivos importantes para o Poder Público
garantir a efetivação da função social da propriedade (art. 10, VII), ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
estar de seus habitantes (art. 10, VIII), concretizar o princípio constitucional
da eficiência na ocupação e no uso do solo (art. 10, IX), prevenir e
desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais (art. 10, X),
conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher (art. 10, XI),
franquear participação dos interessados nas etapas do processo de
regularização fundiária (art. 10, XII).
Em arremate, da leitura atenta dos objetivos do art. 10 e da moldura
estrutural indicada no art. 9°, conclui-se que o Poder Público é o responsável
pela identificação das áreas informais e estabilização dos direitos dos
ocupantes do respectivo solo, possibilitando efetiva inclusão social e
prevenindo novos núcleos urbanos marginalizados.
1.2.2. Conceitos normativos para fins de Reurb
Abarcado no Capítulo I, ante o reconhecimento pelo legislador da
natureza orientativa da previsão normativa, o art. 11 da Lei 13.465/17 –
norma explicativa de valiosa utilidade – apresenta para fins de regularização
fundiária urbana (Reurb) os conceitos dos principais institutos:
I – núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas,
constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de
parcelamento prevista na Lei 5.868, de 12 de dezembro de 1972,
independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área
qualificada ou inscrita como rural;
II – núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi
possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda
que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou
regularização;
III – núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão,
considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a
localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos,
entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;
IV – demarcação urbanística: procedimento destinado a identificar os
imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a
obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula
dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula destes
imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério
do Município;
V – Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo
Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de
regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo a sua
execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da
listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida
qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos;
VI – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título,
por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb,
conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei,
com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza
da posse;
VII – legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição
originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da
Reurb;
VIII – ocupante: aquele que mantém poder de fato sobre lote ou fração ideal
de terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais.

Ainda dentro da visão finalística da Lei 13.465/17, o art. 11, em seus


parágrafos, estabelece:
§ 1° Para fins da Reurb, os Municípios poderão dispensar as exigências
relativas ao percentual e às dimensões de áreas destinadas ao uso público ou
ao tamanho dos lotes regularizados, assim como a outros parâmetros
urbanísticos e edilícios – exceção ao regramento da Lei 6.766/79, no
tocante ao parcelamento do solo.
§ 2° Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou
parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de
conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela
União, Estados ou Municípios, a Reurb observará, também, o disposto nos
arts. 64 e 65 da Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, hipótese na qual se
torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da Reurb,
que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de
ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações
ambientais, quando for o caso – ou seja, ainda que admissível a Reurb em
áreas de preservação permanente ou de conservação de uso sustentável ou
proteção de mananciais, caberá ao Poder Público promover a verificação
prévia de melhorias ambientais, bem como da possibilidade de
compensações ambientais. Não havendo condições para a realização de
melhorias ambientais ou estudo prévio, mostra-se prudente reacomodar os
ocupantes da área sem regularização fundiária no local.
§ 3° No caso de a Reurb abranger área de unidade de conservação de uso
sustentável que, nos termos da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, admita
regularização, será exigida também a anuência do órgão gestor da unidade,
desde que estudo técnico comprove que essas intervenções de regularização
fundiária implicam a melhoria das condições ambientais em relação à
situação de ocupação informal anterior.
§ 4° Na Reurb cuja ocupação tenha ocorrido às margens de reservatórios
artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento
público, a faixa da área de preservação permanente consistirá na distância
entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.
§ 5° Esta Lei [Lei 13.465/17] não se aplica aos núcleos urbanos informais
situados em áreas indispensáveis à segurança nacional ou de interesse da
defesa, assim reconhecidas em decreto do Poder Executivo federal – de
acordo com o § 2° do art. 20, CF, regulamentado pelo art. 1° da Lei
6.634/79 e Decreto 85.064/80 (recepcionados pela atual CF), a faixa de
fronteira de 150 km (que abrange 27% do território nacional e possui uma
população de aproximadamente dez milhões de habitantes) é definida como
“área indispensável à Segurança Nacional” e, numa visão mais
conservadora, não admite a regularização fundiária urbana.
§ 6° Aplicam-se as disposições desta Lei [Lei 13.465/17] aos imóveis
localizados em área rural, desde que a unidade imobiliária tenha área
inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei 5.868, de 12 de
dezembro de 1972.

1.2.3. Modalidades de Reurb (art. 13 da Lei 13.465/17)


São duas as modalidades de Reurb previstas na Lei: (i) de Interesse
Social, Reurb S; ou (ii) de Interesse Específico, Reurb E.
A Reurb S é modalidade de regularização fundiária destinada aos núcleos
urbanos ocupados predominantemente por população de baixa renda
(conceito aberto de economia que merece verificação no caso concreto pelo
Poder Público), assim declarados por ato do Poder Executivo Municipal (por
meio de procedimento administrativo – art. 28 e seguintes da Lei 13.465/17).
A Reurb E é modalidade de regularização fundiária aplicável aos núcleos
urbanos informais ocupados por população que não se enquadre na definição
de população de baixa renda, de acordo com análise da Municipalidade.
1.2.3.1. Isenções de custas e emolumentos aplicáveis à Reurb
Dispõe o art. 13, § 1°, da Lei 13.465/17: serão isentos de custas e
emolumentos, entre outros, os seguintes atos registrais relacionados apenas à
Reurb-S (lembrando que cabe ao Poder Executivo Municipal a qualificação
da Reurb em social ou de interesse específico, incidindo a gratuidade em
favor daqueles a quem for atribuído o domínio das unidades imobiliárias
regularizadas – art. 13, § 5°):
(i) o primeiro registro de Reurb-S, que confere direitos reais aos
beneficiários;
(ii) registro de legitimação fundiária;
(iii) registro do título de legitimação e posse e sua conversão em título de
propriedade;
(iv) registro da Certidão de Regularização Fundiária (CRF) e do projeto
de regularização, com abertura de matrícula para cada unidade
imobiliária urbana regularizada;
(v) primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o
limite de até 70 m 2 ;
(vi) aquisição do primeiro direito real da unidade imobiliária derivada da
Reurb S;
(vii) primeiro registro de direito real de laje;
(viii) fornecimento de certidões de registro para os atos previstos no art.
13, Lei 13.465/17.

Os atos registrais em comento, conforme dispõe o art. 13, § 2°, da Lei


13.465/17, independem da comprovação do pagamento de tributos ou
penalidades tributárias, sendo vedado ao Oficial de Registro de Imóveis
exigir sua comprovação – exceção ao dever de fiscalização previsto no art.
30, XI, da Lei 8.935/94 (item 288 do Capítulo XX das NSCGJSP).
Estabelece ainda o art. 13, § 3°, da Lei 13.465/17: o disposto nos §§ 1°
(isenções) e 2° (dispensa de comprovação de tributos e penalidades
tributárias) aplica-se também à Reurb-S que tenha por objeto conjuntos
habitacionais ou condomínios de interesse social construídos pelo poder
público, diretamente ou por meio da administração pública indireta, que já
se encontrem implantados em 22 de dezembro de 2016.
Os Municípios e o Distrito Federal na Reurb poderão admitir o uso misto
de atividades como forma de promover a integração social e a geração de
emprego e renda no núcleo urbano informal regularizado (art. 13, § 4°, da Lei
13.465/17) – avanço significativo em comparação ao disposto no art. 10 do
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), alterado exatamente pela Lei 13.465/17,
que admitia em seu texto original a usucapião coletiva apenas para as
ocupações com finalidade de moradia.
Ponto de alerta para a atividade do Registrador de Imóveis é encontrado
no art. 13, § 6°:
Os cartórios que não cumprirem o disposto neste artigo, que retardarem ou
não efetuarem o registro de acordo com as normas previstas nesta Lei, por
ato não justificado, ficarão sujeitos às sanções previstas no art. 44 da Lei
11.977, de 7 de julho de 2009, observado o disposto nos §§ 3°-A e 3°-B do
art. 30 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Por fim, mas não menos importante, acresço, a título de reflexão jurídica,
minha humilde posição no tocante à evidente inconstitucionalidade do
disposto no art. 13, § 1°, da Lei 13.465/17 em razão do que dispõe o art. 151,
inciso III, da Constituição Federal.
A Constituição Federal, em seu art. 151, inciso III, veda à União instituir
isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios (a natureza jurídica de tributo dos emolumentos extrajudiciais,
instituídos pelos Estados da Federação, encontra-se consolidada no E.
Supremo Tribunal Federal: ADI 1.378-ES, j. 13.10.2010, DJ de 09.02.2011,
rel. Min. Dias Toffoli).
Assim, reconhecida a natureza jurídica de tributo para os emolumentos
extrajudiciais instituídos pelos Estados – conforme posição pacífica do E.
STF –, é inconstitucional a isenção prevista no art. 13, § 1°, da Lei 13.465/17,
criada pela União (fundamento idêntico para sustentar a inconstitucionalidade
do disposto no art. 98, § 1°, inciso IX, do CPC/15 – ou seja, lei federal que
isenta o particular do pagamento de emolumentos previstos por lei estadual).
1.2.4. Legitimados para requerer a Reurb
Os legitimados para requerer a regularização fundiária, conforme o art.
14 da Lei 13.465/17, são:

(i) União, Estado, DF ou Município, diretamente ou por meio de entidades


da Administração Pública indireta;
(ii) os seus beneficiários, individual ou coletivamente, cooperativas
habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais,
organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações
civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento
urbano ou regularização fundiária urbana;
(iii) os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou
incorporadores;
(iv) Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes
econômicos, o que ocorre apenas na Reurb S; e
(v) Ministério Público.
Os legitimados poderão promover todos os atos necessários à
regularização fundiária, inclusive requerer os atos de registro perante o
Registro de Imóveis da circunscrição imobiliária competente.
Dispõem o item 277 e o subitem 277.1, do Capítulo XX, das NSCGJSP:
277. Os agentes promotores elencados no artigo 14 da Lei 13.465, de 2017,
são legitimados a requerer todos os atos de registro, independentemente de
serem titulares de domínio ou detentores de direito real sobre a gleba objeto
da regularização.
277.1. O beneficiário individual poderá, também, optar por fazer a
regularização em etapas, ainda que lote a lote, devendo a Certidão de
Regularização Fundiária (CRF) conter, no mínimo, a indicação das quadras
do núcleo urbano e, dentre estas, a localização do imóvel regularizando.

Adverte a Lei 13.465/17, no art. 13, § 2°: “nos casos de parcelamento do


solo, de conjunto habitacional ou de condomínio informal, empreendidos por
particular, a conclusão da Reurb confere direito de regresso àqueles que
suportarem os seus custos e obrigações contra os responsáveis pela
implantação dos núcleos urbanos informais”; e § 3°: “o requerimento de
instauração da Reurb por proprietários de terreno, loteadores e incorporadores
que tenham dado causa à formação de núcleos urbanos informais, ou os seus
sucessores, não os eximirá de responsabilidades administrativa, civil ou
criminal”.

1.3. Dos instrumentos da Reurb


1.3.1. Demarcação urbanística
Entre os principais assuntos previstos no Capítulo II da Lei 13.465/17,
merece especial atenção o regramento proposto para demarcação urbanística.
Dispõe o art. 19 da Lei 13.465/17: “o poder público poderá utilizar o
procedimento de demarcação urbanística, com base no levantamento da
situação da área a ser regularizada e na caracterização do núcleo urbano
informal a ser regularizado”.
Administrativamente, o item 317, do Capítulo XX, das NSCGJSP
estabelece que: o procedimento de demarcação urbanística se destina a
identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano
informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos
na matrícula dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula
destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a
critério do Município.
A demarcação urbanística (que pode abranger uma parte ou a totalidade
de um ou mais imóveis) não é imprescindível para o processamento e
efetivação da Reurb (item 318, do Capítulo XX, das NSCGJ ), mas sem
dúvida é uma ferramenta extremamente útil ao Poder Público para
identificação da área urbana informal ocupada, seus ocupantes e demais
características indispensáveis para expedição da CRF.
O procedimento de demarcação urbanística será realizado diretamente
pelo poder público municipal ou, a critério deste, pelo Oficial de Registro de
Imóveis da área a ser demarcada. Quando o procedimento for delegado ao
Oficial de Registro de Imóveis, caberá ao poder público municipal custear
todas as medidas necessárias à sua consecução. O Oficial de Registro de
Imóveis observará o rito previsto no artigo 19 e seguintes da Lei 13.465, de
2017 (item 319 e seus subitens, Capítulo XX, das NSCGJSP).
Art. 19, § 1°: O auto de demarcação urbanística deve ser instruído com os
seguintes documentos:
I – planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, nos quais
constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas
georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites, números das
matrículas ou transcrições atingidas, indicação dos proprietários
identificados e ocorrência de situações de domínio privado com
proprietários não identificados em razão de descrições imprecisas dos
registros anteriores.
Crítica comum entre os gestores públicos se refere à obrigatoriedade de
realização do georreferenciamento da área atingida pela Reurb no momento
da demarcação urbanística, pois, além da necessidade do conhecimento
técnico (escasso em muitos Municípios), ainda há um alto custo a ser
absorvido pela Municipalidade (muitas vezes deficitária e sem recursos
públicos disponíveis). Lembro, apenas, que a demarcação urbanística é uma
ferramenta sem dúvida muito importante para identificação da área, recorte
dos terrenos, ocupantes e demais dados relevantíssimos para a Reurb, mas
continua não sendo obrigatória (art. 19, § 3°) – assim, caberá ao gestor
público tentar por outros meios atingir os mesmos resultados ou resultados
semelhantes no tocante à exata compreensão da dimensão e peculiaridades
exatas do núcleo urbano informal a ser regularizado.
II – planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área
constante do registro de imóveis.
Art. 19, § 2°: O auto de demarcação urbanística poderá abranger uma
parte ou a totalidade de um ou mais imóveis inseridos em uma ou mais das
seguintes situações:
I – domínio privado com proprietários não identificados, em razão de
descrições imprecisas dos registros anteriores;
II – domínio privado objeto do devido registro no registro de imóveis
competente, ainda que de proprietários distintos; ou
III – domínio público.
Conforme o art. 20 da Lei 13.465/17, o Poder Público deve notificar os
titulares de domínio e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou
por via postal com aviso de recebimento, para apresentação de impugnação
em prazo comum de 30 dias, sob pena de concordância tácita, sendo
desnecessário ser firmada por advogado.
Nota: Os prazos fixados no procedimento administrativo da demarcação
urbanística devem ser contados em dias corridos, sendo inaplicável a regra
disposta no art. 219 do CPC.
Eventuais titulares de domínio ou confrontantes não identificados, ou não
encontrados ou que recusarem o recebimento da notificação por via postal ,
serão notificados por edital, para que, querendo, apresentem impugnação à
demarcação urbanística, no prazo comum de 30 dias. Em ampliação ao
disposto no art. 20, § 1°, da Lei 13.465/17, entendo que a própria ocultação
dos titulares de domínio ou confrontantes não identificados no recebimento
da notificação seria o bastante para autorizar o uso do edital – conduta que
prestigiaria a cientificação ficta e a continuidade do procedimento.
O edital conterá resumo do auto de demarcação urbanística, com a
descrição que permita a identificação da área a ser demarcada e seu desenho
simplificado.
A ausência de manifestação de qualquer dos interessados será
interpretada como concordância com a demarcação urbanística.
Nota: A critério do poder público municipal, as notificações dos titulares
de domínio e dos confrontantes da área demarcada (pessoalmente ou por via
postal com aviso de recebimento) poderão ser realizadas pelo Registro de
Imóveis do local do núcleo urbano informal a ser regularizado.
Independentemente de quem faça as notificações (Poder Público ou Registro
de Imóveis), é indispensável que conste a advertência de que a ausência de
impugnação implicará a perda de eventual direito que o notificado titularize
sobre o imóvel objeto da Reurb (art. 20, §§ 5° e 6°, da Lei 13.465/2017).
Decorrido o prazo comum de 30 dias sem oferecimento de impugnação,
presume-se a concordância. Se houver impugnação apenas em relação à
parcela da área objeto do auto de demarcação urbanística, é facultado ao
poder público prosseguir com o procedimento em relação à parcela não
impugnada.
No entanto, havendo a apresentação de impugnação por qualquer
interessado, possibilita o art. 21 da Lei 13.465/17 que o Poder Público realize
tentativa de composição extrajudicial de conflito para superar o entrave e
prosseguir com a demarcação.
Nota: A tentativa de composição dos interesses entre os envolvidos e o
impugnante pode ocorrer mediante sessão de conciliação/mediação dentro da
Municipalidade (por equipe habilitada para tanto) ou nas dependências do
Tribunal de Justiça, mais especificamente nos CEJUSCs instalados nas
diversas Comarcas do Estado.
Inexistindo qualquer impugnação ou superada a oposição apresentada ao
procedimento, o auto de demarcação urbanística, devidamente encerrado,
será encaminhado ao Registro de Imóveis e averbado nas matrículas por ele
alcançadas (art. 22 da Lei 13.465/2017).
Nota: Segundo o art. 22, § 1°, a averbação informará: I – a área total e o
perímetro correspondente ao núcleo urbano informal a ser regularizado; II –
as matrículas alcançadas pelo auto de demarcação urbanística e, quando
possível, a área abrangida em cada uma delas; e III – a existência de áreas
cuja origem não tenha sido identificada em razão de imprecisões dos
registros anteriores. § 2° Na hipótese de o auto de demarcação urbanística
incidir sobre imóveis ainda não matriculados, previamente à averbação, será
aberta matrícula, que deverá refletir a situação registrada do imóvel,
dispensadas a retificação do memorial descritivo e a apuração de área
remanescente. § 3° Nos casos de registro anterior efetuado em outra
circunscrição, para abertura da matrícula de que trata o § 2° deste artigo, o
oficial requererá, de ofício, certidões atualizadas daquele registro. § 4° Na
hipótese de a demarcação urbanística abranger imóveis situados em mais de
uma circunscrição imobiliária, o oficial do registro de imóveis responsável
pelo procedimento comunicará as demais circunscrições imobiliárias
envolvidas para averbação da demarcação urbanística nas respectivas
matrículas alcançadas. § 5° A demarcação urbanística será averbada ainda
que a área abrangida pelo auto de demarcação urbanística supere a área
disponível nos registros anteriores. § 6° Não se exigirá, para a averbação da
demarcação urbanística, a retificação da área não abrangida pelo auto de
demarcação urbanística, ficando a apuração de remanescente sob a
responsabilidade do proprietário do imóvel atingido.
1.3.2. Legitimação fundiária
A legitimação fundiária constitui modo originário de aquisição do direito
real de propriedade (exceção ao princípio da continuidade) conferido por ato
do Poder Público, exclusivamente no âmbito da Reurb, mediante Certidão de
Regularização Fundiária (CRF), àquele que detiver áreas pública ou privada
, unidade imobiliária com destinação urbana integrante de núcleo urbano
informal consolidado (núcleo urbano de impossível ou difícil reversão),
existente em 22 de dezembro de 2016.
Apenas na Reurb-S, a legitimação fundiária será concedida ao
beneficiário, desde que atendidas as seguintes condições:
I – o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário de
imóvel urbano ou rural;
II – o beneficiário não tenha sido contemplado com legitimação de posse
ou fundiária de imóvel urbano com a mesma finalidade, ainda que situado
em núcleo urbano distinto; e
III – em caso de imóvel urbano com finalidade não residencial, seja
reconhecido pelo poder público o interesse público de sua ocupação.
Na legitimação fundiária, em qualquer das modalidades da Reurb, o
ocupante adquire a unidade imobiliária com destinação urbana livre e
desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições,
eventualmente existentes em sua matrícula de origem, exceto quando
disserem respeito ao próprio legitimado. Deverão ser transportadas as
inscrições, as indisponibilidades ou os gravames existentes no registro da
área maior originária para as matrículas das unidades imobiliárias que não
houverem sido adquiridas por legitimação fundiária.
Na Reurb-S de imóveis públicos, a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, e as suas entidades vinculadas, quando titulares do domínio,
ficam autorizados a reconhecer o direito de propriedade aos ocupantes do
núcleo urbano informal regularizado por meio da legitimação fundiária.
Nota: A Lei 13.465/2017, em seu art. 23, § 5°, estabelece que o Poder
Público encaminhará a CRF para registro imediato da aquisição de
propriedade, dispensados a apresentação de título individualizado e as cópias
da documentação referente à qualificação do beneficiário, o projeto de
regularização fundiária aprovado, a listagem dos ocupantes e sua devida
qualificação e a identificação das áreas que ocupam. Admite-se que o Poder
Público atribua domínio por legitimação fundiária aos ocupantes que não
tenham constado da listagem inicial, mediante cadastramento complementar,
sem prejuízo dos direitos de quem haja constado na listagem inicial.
Nota: Sobre a Reurb e a CRF, mostram-se relevantes as transcrições dos
itens abaixo, do Capítulo XX das NSCGJSP:
284. Para o registro de Reurb de núcleos urbanos informais implantados
anteriormente a 19 de dezembro de 1979, que estejam integrados à cidade, é
dispensada a apresentação de CRF, de projeto de regularização fundiária,
de estudo técnico ambiental ou de quaisquer outras manifestações,
aprovações, licenças ou alvarás emitidos pelos órgãos públicos, devendo o
interessado apresentar os seguintes documentos: I – Planta da área em
regularização assinada pelo interessado responsável pela regularização e
por profissional legalmente habilitado, acompanhada da Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia (Crea) ou de Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no
Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo o perímetro da área
a ser regularizada e as subdivisões das quadras, unidade (sic) imobiliárias e
áreas públicas, com as dimensões e numeração dos (sic) unidade
imobiliárias, logradouros, espaços livres e outras áreas com destinação
específica, se for o caso, dispensada a ART ou o RRT quando o responsável
técnico for servidor ou empregado público; II – Descrição técnica do
perímetro da área a ser regularizada, dos (sic) unidades imobiliárias, das
áreas públicas e de outras áreas com destinação específica, quando for o
caso; III – Documento expedido pelo Município, atestando que o
parcelamento foi implantado antes de 19 de dezembro de 1979 e que está
integrado à cidade. 284.1. Da certidão exigida no inciso III do item anterior
deverá constar a modalidade de Reurb, para fins de aplicação das isenções
previstas em lei. 285. O registro da CRF independe de averbação prévia do
cancelamento do cadastro de imóvel rural no INCRA, da edição de lei de
inclusão do núcleo em perímetro urbano, e de existência de zonas especiais
de interesse social (ZEIS). 286. O registro da CRF de bem imóvel público
independe de lei de desafetação e de procedimento licitatório para a
alienação das unidades imobiliárias. 287. Não serão exigidos
reconhecimentos de firmas na CRF ou em qualquer documento que decorra
da aplicação da Lei 13.465, de 2017, quando apresentados pela União,
Estados, Municípios ou entes da administração pública indireta.
1.3.3. Legitimação de posse
A legitimação de posse, instrumento de uso exclusivo para fins de
regularização fundiária, constitui ato do poder público destinado a conferir
título por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel urbano particular
objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da
ocupação e da natureza da posse, o qual é conversível em direito real de
propriedade.
A legitimação de posse poderá ser transferida por causa mortis ou por ato
inter vivos (art. 25, § 2°, da Lei 13.465/2017).
Conforme o art. 26 da Lei 13.465/17, sem prejuízo dos direitos
decorrentes do exercício da posse mansa e pacífica no tempo, aquele em cujo
favor for expedido título de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco
anos de seu registro, terá a conversão automática dele em título de
propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da
Constituição Federal, independentemente de prévia provocação ou prática de
ato registral.
Nota: Item 327, Capítulo XX, das NSCGJ: A qualquer tempo a parte
interessada poderá requerer que conste por simples averbação na matrícula
onde houver registro de legitimação de posse que decorrido o prazo de cinco
anos de seu registro operar-se-á a conversão automática da posse em título
de propriedade, nos termos do artigo 26 da Lei n. 13.465, de 2017.
A intenção do artigo 26 de conversão automática de posse em
propriedade é louvável, mas de pouca eficiência prática. Primeiro porque vale
notar que o texto da Lei se refere à “conversão automática […] em título de
propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da
Constituição Federal”, ou seja, caberá ao Registrador de Imóveis tal
verificação de requisitos, no mínimo em atenção à prudência registral, pois a
prática de ato ilegal poderá acarretar sua responsabilização (administrativa e
cível, ao menos); ademais, a Lei estabelece que a conversão independe da
“prática de ato registral”, o que se mostra inadequado, pois, não convertida a
posse em propriedade no registro de imóveis, haverá evidente insegurança
jurídica para terceiros, além de dificuldade na identificação do fenômeno
aquisitivo da propriedade (embaraçando inclusive a plena fruição do imóvel
pelo titular de direitos reais – gozar, usar e dispor).
Ainda no art. 26, § 1°, da Lei, estabelece-se que, nos casos não
contemplados pelo art. 183 da Constituição Federal, o título de legitimação
de posse poderá ser convertido em título de propriedade, desde que satisfeitos
os requisitos de usucapião estabelecidos na legislação em vigor, a
requerimento do interessado, perante o registro de imóveis competente.
Nota: A legitimação de posse, após convertida em propriedade, constitui
forma originária de aquisição de direito real, de modo que a unidade
imobiliária com destinação urbana regularizada restará livre e desembaraçada
de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições eventualmente
existentes em sua matrícula de origem, exceto quando disserem respeito ao
próprio beneficiário (art. 26, § 2°).
Em arremate, vale mencionar que o título de legitimação de posse poderá
ser cancelado pelo Poder Público emitente quando constatado que as
condições estipuladas na Lei 13.465/2017 deixaram de ser satisfeitas, sem
que seja devida qualquer indenização àquele que irregularmente se beneficiou
do instrumento. Todavia, o ato de cancelamento da legitimação previsto no
art. 27 deve se concretizar antes da conversão da posse em propriedade
(modo originário de aquisição da propriedade – art. 26, § 2°), uma vez que a
partir desse momento desaparecerão os vícios que contaminavam a posse.

1.4. Procedimento administrativo (art. 28 da Lei 13.465/17) –


esquematizado
A Reurb obedecerá às seguintes fases:

(i) Requerimento pelos legitimados previstos no art. 14 da Lei 13.465/17.


(ii) Competência do Município para o processamento do procedimento.
(iii) Qualificação da modalidade de Reurb adequada para o caso em
apreciação ou indeferimento fundamentado do requerimento no prazo de
180 dias pelo Município (art. 30, § 3° – a inércia do Município implica a
automática fixação da modalidade de classificação da Reurb indicada pelo
legitimado em seu requerimento, bem como o prosseguimento do
procedimento administrativo da Reurb, sem prejuízo de futura revisão
dessa classificação pelo Município, mediante estudo técnico que a
justifique ).
(iv) Recebido o requerimento e devidamente processado e classificado pela
Municipalidade, deve ser concedido o prazo de 30 dias para que os titulares
de direitos reais e o confrontante se manifestem.
(v) As notificações dos proprietários, confinantes e terceiros identificados
deverão ser feitas pela via postal, com aviso de recebimento no endereço
constante da matrícula ou da transcrição, consideradas efetuadas quando
comprovada a entrega nos endereços (a Lei 13.465/2017 não impõe
notificação em mão própria, sendo certo que a notificação da Reurb
também pode ser efetuada por publicação de edital, com prazo de 30 dias,
no qual deve constar de forma resumida a descrição da área a ser
regularizada, em duas situações: (a) quando proprietário e confinantes não
forem encontrados, ou (b) quando houver recusa no recebimento da
notificação por qualquer motivo, inclusive ocultação para tanto, ensejando
notificação ficta por edital).
(vi) Decorrido o prazo de 30 dias corridos da notificação, sem manifestação
do notificado, interpreta-se seu silêncio como aceite, concordância (o prazo
de cada um dos notificados é individual, devendo ser contado da data do
recebimento da notificação e em dias corridos).
(vii) Na hipótese de apresentação de impugnação, é iniciado procedimento
extrajudicial de composição de conflito, sendo que os Municípios podem
criar Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no
âmbito da Administração Pública local, inclusive celebrando convênios
com os Tribunais de Justiça locais, para utilização das estruturas dos
CEJUSC ou das Câmaras de Mediação Credenciadas pelos TJ locais, sendo
certo que, se houver consenso entre as partes, o acordo deve ser reduzido a
termo e constitui condição para conclusão da Reurb.
(viii) Elaboração do projeto de regularização fundiária, conforme o art. 35
da Lei 13.465/17.
(ix) Saneamento do projeto administrativo – indispensável para
identificação de irregularidades ou falhas no expediente, observância do
devido afastamento de todas as impugnações apresentadas, bem assim da
viabilidade de prosseguimento do procedimento administrativo sobre toda a
área ou parte dela.
(x) Decisão da autoridade competente, mediante ato formal ao qual se deve
dar publicidade.
(xi) Expedição da Certidão de Regularização Fundiária pelo Município
(título hábil para apresentação e prenotação perante o Registro de Imóveis
competente).

Nota: Art. 28, parágrafo único – não impedirá a Reurb, na forma


estabelecida nesta Lei, a inexistência de lei municipal específica que trate de
medidas ou posturas de interesse local aplicáveis a projetos de regularização
fundiária urbana.

1.5. Registro da Reurb (art. 42 da Lei 13.465/2017)


O registro da CRF (certidão de regularização fundiária) e do projeto de
regularização fundiária aprovado (art. 35 da Lei 13.465/2017) será requerido
por qualquer um dos legitimados do art. 14 da Lei 13.465/2017 diretamente
ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da situação do imóvel, e será
efetivado independentemente de determinação judicial ou do Ministério
Público (dispensa de atuação judicial, que reforça o propósito de
desjudicialização).
Nota: Item 275, Capítulo XX, das NSCGJSP: os atos relativos ao
registro da Reurb serão realizados diretamente pelo Oficial do Registro de
Imóveis da situação do imóvel, independentemente de manifestação do
Ministério Público ou determinação judicial.
Na hipótese de a Reurb abranger imóveis situados em mais de uma
circunscrição imobiliária, o procedimento deve ser observado por cada um
dos Oficiais dos Registros de Imóveis competentes.
Nota: Previsão administrativa sobre a competência para o registro
conforme o Provimento 51/2017 da CGJSP, com a devida inclusão nas
NSCGJ, Capítulo XX :
276. Na hipótese do núcleo urbano abranger imóveis situados em mais de
uma circunscrição imobiliária, o procedimento será feito perante cada um dos
respectivos Oficiais de Registro de Imóveis. 276.1. O procedimento se
iniciará perante o Oficial da circunscrição em que estiver a maior porção do
núcleo urbano regularizando. Após o registro da CRF, o agente promotor
iniciará o procedimento nos demais cartórios envolvidos. 276.2. O
indeferimento do registro do loteamento em uma circunscrição não
determinará o cancelamento do registro procedido em outra, se o motivo do
indeferimento naquela não se estender à área situada sob a competência
desta. 276.3. As matrículas das unidades imobiliárias e demais áreas
contidas no projeto de regularização serão abertas respeitando-se a
circunscrição territorial de cada Oficial, salvo quando os imóveis estiverem
situados na divisa das circunscrições imobiliárias, hipótese em que essas
matrículas serão abertas pelo Oficial de Registro de Imóveis em cuja
circunscrição esteja situada sua maior porção. 276.4. Os emolumentos pelos
atos praticados em mais de uma circunscrição imobiliária serão calculados
proporcionalmente às unidades imobiliárias localizadas em cada uma delas.
O procedimento de registro da CRF tramitará em prenotação única,
independentemente de requerimento, e sua apresentação legitima e autoriza a
prática de todos os atos necessários ao registro da Reurb e da titulação de
seus beneficiários (item 291, Capítulo XX, das NSCGJ ).
O Oficial do Registro de Imóveis possui o prazo de 15 dias contados da
prenotação para emitir nota devolutiva ou praticar os atos de registro. Em
caso de recusa do registro, o Oficial do Registro de Imóveis expedirá nota
devolutiva fundamentada, na qual indicará os motivos da recusa e formulará
exigências nos termos da lei (e demais normas administrativas vigentes) –
discordando o interessado das exigências formalmente formuladas pelo
Registrador, poderá requerer a suscitação de dúvida administrativa perante o
Juiz Corregedor Permanente (procedimento previsto na Lei de Registros
Públicos c.c. as NSCGJ).
A qualificação negativa de um ou alguns nomes constantes da listagem
não impede o registro da CRF e das demais aquisições (item 292.1, Capítulo
XX, das NSCGJ ).
Estando a documentação em ordem, o Oficial de Registro de Imóveis
comunicará esse fato ao agente promotor e efetivará os atos registrais dentro
do prazo previsto no item 298. O título deve ser apresentado e tramitará em
prenotação única para análise qualitativa pelo Registrador de Imóvel (item
292.2, Capítulo XX, das NSCGJ ).
Nota: Quando os imóveis regularizados estiverem situados na divisa das
circunscrições imobiliárias, a expedição das novas matrículas das unidades
imobiliárias é atribuição do Oficial do Registro de Imóveis em cuja
circunscrição estiver situada a maior porção da unidade imobiliária
regularizada (art. 43, parágrafo único, da Lei 13.465/2017 e item 276.3, do
Capítulo XX, das NSCGJSP).
Dispõe o art. 44 da Lei 13.465/2017:
§ 1° O registro do projeto Reurb aprovado importa em:
I – abertura de nova matrícula, quando for o caso;
II – abertura de matrículas individualizadas para os lotes e áreas públicas
resultantes do projeto de regularização aprovado; e
III – registro dos direitos reais indicados na CRF junto às matrículas dos
respectivos lotes, dispensada a apresentação de título individualizado.
§ 2° Quando o núcleo urbano regularizado abranger mais de uma matrícula,
o oficial do registro de imóveis abrirá nova matrícula para a área objeto de
regularização, conforme previsto no inciso I do § 1° deste artigo,
destacando a área abrangida na matrícula de origem, dispensada a apuração
de remanescentes.

Nota: O registro da CRF dispensa a comprovação do pagamento de


tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados. O
registro da CRF aprovado independe de averbação prévia do cancelamento
do cadastro de imóvel rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra).
Nota: Qualificada a CRF e não havendo exigências nem impedimentos, o
oficial do cartório de registro de imóveis efetuará o seu registro na matrícula
dos imóveis cujas áreas tenham sido atingidas, total ou parcialmente. Não
identificadas as transcrições ou as matrículas da área regularizada, o oficial
do cartório de registro abrirá matrícula com a descrição do perímetro do
núcleo urbano informal que constar da CRF e nela efetuará o registro (art.
51 da Lei 13.465/2017). Registrada a CRF, será aberta matrícula para cada
uma das unidades imobiliárias regularizadas. Para os atuais ocupantes das
unidades imobiliárias objeto da Reurb, os compromissos de compra e venda,
as cessões e as promessas de cessão valerão como título hábil para a
aquisição da propriedade, quando acompanhados da prova de quitação das
obrigações do adquirente, e serão registrados nas matrículas das unidades
imobiliárias correspondentes, resultantes da regularização fundiária (art. 52
da Lei 13.465/2017).
O procedimento registral deverá ser concluído no prazo de 60 dias,
prorrogável por até igual período, mediante justificativa fundamentada do
Oficial do Cartório de Registro de Imóveis – a decisão de prorrogação do
procedimento registral da Reurb deve estar fundada, entre outras razões, na
precariedade de informações sobre a área regularizada, seus ocupantes ou
imperfeições no projeto de regularizações que impossibilitem o ato registro.
Vale anotar que o procedimento de registro será encerrado se o
requerente não atender as exigências formuladas pelo Oficial de Registro de
Imóveis no prazo de 30 dias, a contar da remessa da nota com indicação das
pendências (item 297.1, do Capítulo XX, das NSCGJSP ).
Conforme estabelece o art. 44, § 6°, da Lei 13.465/2017, o oficial de
registro fica dispensado de providenciar a notificação dos titulares de
domínio, dos confinantes e de terceiros eventualmente interessados, uma vez
cumprido esse rito pelo Município, conforme o disposto no art. 31 desta Lei
(item 295, do Capítulo XX, das NSCGJSP).
Nota: Item 296, do Capítulo XX, das NSCGJSP: Havendo necessidade
de notificações complementares, o Oficial de Registro de Imóveis as emitirá
de forma simplificada, contendo os dados de identificação do núcleo urbano
a ser regularizado, sem a anexação de plantas, projetos, memoriais ou
outros documentos, convidando o notificado a comparecer à sede da
serventia para tomar conhecimento da CRF com a advertência de que o não
comparecimento e a não apresentação de impugnação, no prazo legal,
importará em anuência ao registro e a perda de eventual direito que o
notificado titularize sobre o imóvel objeto da Reurb. 296.1. As notificações
serão feitas pelo Oficial de Registro de Imóveis, pessoalmente ou por via
postal, com aviso de recebimento, no endereço que constar da matrícula ou
da transcrição, para que os notificados, querendo, apresentem impugnação
no prazo comum de 30 (trinta) dias, dispensado procedimento de notificação
por Oficial de Registro de Títulos e Documentos. 296.2. As notificações
serão consideradas cumpridas quando comprovada a entrega no endereço
constante da matrícula ou transcrição. Ausente este, ou incompleto,
publicar-se-á edital. 296.3. Aplica-se o § 10 do art. 213 da Lei 6.015, de
1973, a todas as hipóteses em que haja pluralidade de proprietários ou
confrontantes, em situação de condomínio, notificando-se apenas um deles
de cada matrícula. 296.4. Eventuais titulares de domínio ou confrontantes
não identificados, ou não encontrados, ou que recusarem o recebimento da
notificação por via postal serão notificados por edital, para que, querendo,
apresentem impugnação no prazo comum de 30 (trinta) dias . 296.5. A
publicação do edital poderá ser feita no Diário Oficial do Município ou em
meio eletrônico, disponível na Internet, de livre acesso ao público. 296.5.1. O
prazo comum de 30 (trinta) dias para impugnação terá início no primeiro dia
útil que seguir ao considerado como data da publicação do edital. 296.5.2. O
edital conterá a finalidade a que se destina, a identificação simplificada do
núcleo urbano em vias de regularização, sua localização e números das
matrículas e transcrições atingidas com a Reurb, além de explicitar as
consequências da não oposição ao pedido no prazo.
Nota: Item 298, Capítulo XX, das NSCGJSP: Se houver impugnação, o
oficial intimará o Município e o agente promotor, se diverso, para que se
manifestem no prazo de 10 (dez) dias. Caso as partes não formalizem
transação para solucioná-la, o Oficial de Registro de Imóveis procederá da
seguinte forma: I – Se pelos critérios da prudência e da razoabilidade o oficial
considerar a impugnação infundada, rejeitá-la-á de plano por meio de ato
motivado do qual constem expressamente os motivos pelos quais assim a
considerou e dará seguimento ao procedimento, caso o impugnante não
recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante
apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o
requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias
e, em seguida, encaminhará os autos, acompanhados de suas informações
complementares ao Juiz Corregedor Permanente; ou II – Se a impugnação for
fundamentada, depois de ouvir o requerente no prazo de 10 (dez) dias,
encaminhará os autos ao Juiz Corregedor Permanente. 298.1. Consideram-se
infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou
semelhantes pelo Juízo Corregedor Permanente ou pela Corregedoria Geral
da Justiça; a que o impugnante se limita a dizer que o procedimento causará
avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que
forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos
motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente
estranha ao pedido formulado. 298.2. Nas hipóteses de a) interposição de
recurso da rejeição liminar da impugnação infundada e b) de impugnação
fundamentada, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente
que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da
impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de
Registro de Imóveis para as providências que indicar, extinção ou
continuidade do procedimento, no todo ou em parte.
O Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, após o registro da CRF,
notificará o Incra, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria da Receita
Federal do Brasil para que esses órgãos cancelem, parcial ou totalmente, os
respectivos registros existentes no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nos
demais cadastros relacionados a imóvel rural, relativamente às unidades
imobiliárias regularizadas.
Quando se tratar de imóvel sujeito a regime de condomínio geral a ser
dividido em lotes com indicação, na matrícula, da área deferida a cada
condômino, o Município poderá indicar, de forma individual ou coletiva, as
unidades imobiliárias correspondentes às frações ideais registradas, sob sua
exclusiva responsabilidade, para a especialização das áreas registradas em
comum. Se informação não constar do projeto de regularização fundiária
aprovado pelo Município, as novas matrículas das unidades imobiliárias
serão abertas mediante requerimento de especialização formulado pelos
legitimados do art. 14 da Lei 13.465/2017, dispensada a outorga de escritura
pública para indicação da quadra e do lote.
O art. 46 (e seus parágrafos) da Lei 13.465/2017 indica que, para
atendimento ao princípio da especialidade registral, o oficial do cartório de
registro de imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com
o projeto de regularização fundiária e deverá averbá-lo na matrícula
existente, anteriormente ao registro do projeto, independentemente de
provocação, retificação, notificação, unificação ou apuração de
disponibilidade ou remanescente. Se houver dúvida quanto à extensão da
gleba matriculada, em razão da precariedade da descrição tabular, o oficial
do cartório de registro de imóveis abrirá nova matrícula para a área
destacada e averbará o referido destaque na matrícula matriz. As
notificações serão emitidas de forma simplificada, indicando os dados de
identificação do núcleo urbano a ser regularizado, sem a anexação de
plantas, projetos, memoriais ou outros documentos, convidando o notificado
a comparecer à sede da serventia para tomar conhecimento da CRF com a
advertência de que o não comparecimento e a não apresentação de
impugnação, no prazo legal, importará em anuência ao registro. Na hipótese
de o projeto de regularização fundiária não envolver a integralidade do
imóvel matriculado, o registro será feito com base na planta e no memorial
descritivo referentes à área objeto de regularização e o destaque na
matrícula da área total deverá ser averbado.
Nota: Os padrões dos memoriais descritivos, das plantas e das demais
representações gráficas, inclusive as escalas adotadas e outros detalhes
técnicos, seguirão as diretrizes estabelecidas pela autoridade municipal ou
distrital competente, as quais serão consideradas atendidas com a emissão da
CRF. Não serão exigidos reconhecimentos de firma nos documentos que
compõem a CRF ou o termo individual de legitimação fundiária quando
apresentados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou entes da
administração indireta.
O registro da CRF produzirá efeito de instituição e especificação de
condomínio, quando for o caso, regido pelas disposições legais específicas,
hipótese em que fica facultada aos condôminos a aprovação de convenção
condominial (art. 48 da Lei 13.465/2017). O registro da CRF será feito em
todas as matrículas atingidas pelo projeto de regularização fundiária
aprovado, devendo ser informadas, quando possível, as parcelas
correspondentes a cada matrícula (art. 49 da Lei 13.465/2017).
Nas matrículas abertas para cada parcela, deverão constar dos campos
referentes ao registro anterior e ao proprietário (art. 50 da Lei 13.465/2017):
I – quando for possível, a identificação exata da origem da parcela
matriculada, por meio de planta de sobreposição do parcelamento com os
registros existentes, a matrícula anterior e o nome de seu proprietário;
II – quando não for possível identificar a exata origem da parcela
matriculada, todas as matrículas anteriores atingidas pela Reurb e a
expressão “proprietário não identificado”, dispensando-se nesse caso os
requisitos dos itens 4 e 5 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 31 de
dezembro de 1973.

Devidamente registrada a CRF, serão incorporados automaticamente ao


patrimônio público as vias públicas, as áreas destinadas ao uso comum do
povo, os prédios públicos e os equipamentos urbanos, na forma indicada no
projeto de regularização fundiária aprovado. A requerimento do Município, o
Oficial de Registro de Imóveis abrirá matrícula para as áreas que tenham
ingressado no domínio público.
Em arremate no tocante ao procedimento de registro, o art. 54 da Lei
13.465/2017 estabelece que: as unidades desocupadas e não comercializadas
alcançadas pela Reurb terão as suas matrículas abertas em nome do titular
originário do domínio da área; parágrafo único: as unidades não edificadas
que tenham sido comercializadas a qualquer título terão suas matrículas
abertas em nome do adquirente, conforme procedimento previsto nos arts. 84
e 99 da Lei 13.465/2017.

1.6. Considerações finais


A Lei 13.465/2017 é fruto do descaso de um Estado negligente por
muitas décadas com o uso da terra pelo seu povo. A proliferação de
ocupações irregulares, clandestinas, desorganizadas, em desprestígio ao
ordenamento jurídico (parcelamento do solo, incorporações imobiliárias,
Estatuto da Terra e tantos outros diplomas legais), foi facilitada por um
Estado fraco quanto à fiscalização e observância dos nortes legais
disciplinados pelo Legislador.
Não há dúvida sobre a indispensabilidade da criação de novos
instrumentos para diminuir o descompasso entre a situação fática e a
realidade registral, proporcionando aos ocupantes mecanismos de
regularização da ocupação.
A marginalização de inúmeras áreas de terra no País não é bem-vinda,
pois fomenta a sonegação fiscal, aumenta os conflitos fundiários,
desassossega o ocupante de boa-fé, entre outros malefícios.
A Lei 13.465/2017 é importante para a legitimação dos ocupantes das
áreas irregulares, bem como para o reconhecimento e acolhida da nova
realidade urbanístico-ambiental pelo Estado (com reflexos imediatos no fólio
real).
Esgotada a fase administrativa de maneira bem-sucedida para
identificação das áreas irregulares e dos ocupantes, cabe ao Registro de
Imóveis receber os títulos e registrar a nova moldura urbanístico-ambiental da
área em que lhe compete atuar.
O papel jurídico e prático do Registrador de Imóveis, no tocante
especificamente à Reurb, é de relevância inestimável.
Diante desse processo açodado de mudanças profundas e anseios
urgentes de legitimação a todo custo por parte de um Estado em mora com a
sua população, caberá ao Registrador de Imóveis a árdua missão de, sem
negligenciar o direito, promover uma verdadeira “acolhida registral”, ou seja,
auxiliar o Estado em seu objetivo de inclusão fundiária conforme a Lei
13.465/2017.
2
ABANDONO DE IMÓVEL E PROCESSO
ADMINISTRATIVO DE ARRECADAÇÃO:
ESTUDOS DAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS E
DO PODER-DEVER DOS MUNICÍPIOS PARA A
MÁXIMA EFETIVIDADE DA FUNÇÃO SOCIAL
DO IMÓVEL URBANO

Giovanna Truffi Rinaldi


Doutoranda em Direito pela FADISP; Mestre em Função Social do Direito pela
FADISP (2017); Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela
Escola Paulista da Magistratura de São Paulo (2014), em Direito Empresarial pela
Fundação Getulio Vargas – GVlaw (2012) e em Direito Civil pela Instituição
Toledo de Ensino – ITE (2012). Bacharel em Direito pela FMU (2009). Oficial de
Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Barretos/SP.

Rafael Ricardo Gruber


Doutorando em Direito pela FADISP; Mestrando em Direito pela PUC-SP.
Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná; Especialista em Direito Notarial e Registral, em Direito Civil, em Direito
Administrativo e em Direito Tributário. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e
Documentos e Civil da Pessoa Jurídica da Comarca de São Caetano do Sul/SP.

SUMÁRIO : 2.1. Introdução . 2.2. Abandono e renúncia de imóvel como


hipóteses de perda da propriedade no Código Civil: conceitos e distinções
entre os institutos . 2.3. Noções iniciais sobre o destino da coisa objeto de
renúncia ou abandono . 2.4. Questões de direito material aplicáveis à
arrecadação de bens: casos controvertidos sobre o poder-dever de arrecadar .
2.4.1. Caso de bens vacantes em decorrência de renúncia (formal) da
propriedade . 2.4.2. Vacância de bem objeto de simples abandono (informal)
pelo proprietário . 2.5. Primeira etapa: procedimento preliminar (ou inquérito)
em caso de suspeita de vacância e/ou abandono de bem . 2.6. Segunda etapa:
o processo administrativo de arrecadação propriamente dito e sua publicidade
registral imobiliária . 2.7. Terceira etapa: posse pelo município, destinação do
bem arrecadado e publicidade registral desta fase . 2.8. Quarta etapa:
reivindicação pelo proprietário ou aquisição definitiva pelo poder público e
publicidade registral de tais fatos jurídicos . 2.9. Conclusões e considerações
finais . 2.10. Referências .

2.1. Introdução
O estudo da propriedade imóvel no Direito atual deve acompanhar a
evolução histórica de sua adequação jurídica, que passou a ter a ingerência
obrigatória de conformidade com a sua função social, econômica, urbanística
e ambiental como finalidades constitucionais.
No presente artigo, pretendemos identificar o instituto do abandono de
bem imóvel como causa de perda da propriedade urbana e aprofundar seus
reflexos jurídicos e sociais principalmente relacionados às alterações
legislativas recentes que merecem uma nova leitura e interpretação.
O bem imóvel urbano abandonado é objeto de interesse social e jurídico.
O ordenamento jurídico protege tal interesse, e impõe à administração
municipal o dever de atuar sobre tais bens, de forma a possibilitar a sua
constatação, arrecadação e destinação que garanta a efetividade da função
social da propriedade e da coletividade envolvida, pelas diretrizes urbanas do
Município no uso e aproveitamento do solo urbano.
Destaca-se que o abandono do imóvel urbano pode causar o mau uso da
propriedade, fomentar fins ilícitos, danos graves ao plano diretor e aos seus
aspectos urbanísticos, jurídicos, econômicos e ambientais. Assim, para
impedir tais efeitos nefastos ao bem comum, o Poder Público tem a seu
dispor mecanismos legais para arrecadar o bem vago, dar imediata destinação
e uso, bem como, posteriormente, fazer com que o imóvel seja incorporado
ao patrimônio público, como se verá a seguir neste estudo.
O item 2.2 visa delimitar as diretrizes gerais sobre o abandono e a
renúncia de bem imóvel como casos de perda da propriedade definidos no
Código Civil, e apresentar os conceitos técnicos e as distinções mais
relevantes entre eles, que muitas vezes são confundidos impropriamente no
texto legislativo. Ainda, o item 2.3 traz noções iniciais sobre o destino da
coisa objeto de abandono ou renúncia identificados pela legislação e suas
alterações recentes para fins comparativos.
Por sua vez, no item 2.4 passamos a apresentar uma nova leitura do
instituto do imóvel abandonado, relacionada às questões de direito material
cuja exata compreensão e adequado entendimento são essenciais para que o
processo de arrecadação ocorra da forma mais adequada. São apontadas
questões preliminares sobre a formalização do ato unilateral de renúncia.
Ademais, são abordadas algumas questões controvertidas e é demonstrada a
necessidade de reinterpretação da doutrina majoritária sobre o abandono
pelos seus reflexos jurídicos. Nesse item encontra-se a interpretação jurídica
proposta por estes autores sobre a amplitude material do instituto da
arrecadação em vista da conjugação da situação normativa anterior e das
alterações trazidas pela Lei 13.465/2017, apresentando, como se verá, uma
interpretação inovadora em relação à doutrina e à jurisprudência em temas
delicados. Buscou-se apresentar as soluções mais harmoniosas para o
equilíbrio entre o interesse particular e o interesse público envolvidos e que
reflitam a realidade atual do conceito complexo de direito de propriedade e
das políticas públicas urbanas mais adequadas. Nestes pontos, desde logo
salientamos que não é o intuito destes autores elaborar ou apresentar soluções
absolutas ou inquestionáveis; ao contrário, o objetivo é trazer a reflexão de
novas alternativas para proporcionar a efetividade e maximização da função
social da propriedade urbana, em vista de mudanças promovidas pela Lei
13.465/2017.
No item 2.5 é apresentada uma proposta de etapa preliminar de
investigação, necessariamente anterior à abertura do processo administrativo
de arrecadação de bem imóvel abandonado, que, como se verá, presta-se a
averiguar o estado de abandono pelo proprietário e formar a convicção da
autoridade administrativa sobre se determinado bem está ou não sujeito a
arrecadação como bem vago. Em vista do interesse público indisponível,
verifica-se que não pode o agente público deixar de apurar casos em que
existam indícios de abandono da propriedade, sob pena de a omissão poder
configurar, em tese, improbidade administrativa.
No item 2.6 é apresentado o processo administrativo de arrecadação de
bem imóvel abandonado em si, com o desenvolvimento do contraditório e da
ampla defesa, e também é demonstrada a relevância da publicidade registral
imobiliária inicial sobre a existência desse processo administrativo de
arrecadação para atribuir eficácia erga omnes. Como se perceberá, não é
simples faculdade do agente público promover a arrecadação do imóvel
abandonado: é um dever de agir da administração pública nas hipóteses em
que estejam presentes os requisitos legais.
O item 2.7 trata sobre a forma de imissão do Município na posse
provisória do bem após a procedência do processo administrativo de
arrecadação para a imediata destinação social e econômica, provisória, no
imóvel. Será visto que tal imissão na posse pode se dar pela característica da
autoexecutoriedade, caso o bem não esteja na posse ou detenção de outrem
ou por meio de medida judicial, baseado na decisão do processo
administrativo específico, caso exista resistência de eventual ocupante sobre
o bem. Será verificado que a imissão na posse, em qualquer caso, deverá ser
objeto de registro no Registro de Imóveis competente.
No item 2.8 será abordada a questão de futura e eventual reivindicação
pelo proprietário no triênio legal previsto no art. 1.276 do Código Civil e,
ainda, o procedimento da administração pública caso o imóvel não seja
reivindicado durante o interregno legal, que fará com que a propriedade do
imóvel seja adquirida, de forma originária e definitiva, pelo Município. Nesse
caso, será demonstrado finalmente que a aquisição deverá ser objeto de
registro em sentido estrito no registro de imóveis, em favor do Município,
rompendo os vínculos com o proprietário anterior e eventuais sucessores.
Por fim, no item 2.9 serão apresentadas as conclusões e considerações
finais resultantes do desenvolvimento deste artigo, com a intenção de trazer
as primeiras reflexões e interpretações jurídicas sob um novo viés de
aplicação da função social da propriedade urbana abandonada.

2.2. Abandono e renúncia de imóvel como hipóteses de perda da


propriedade no Código Civil: conceitos e distinções entre os
institutos
A renúncia e o abandono estão inseridos no rol do art. 1.275 do Código
Civil (CC), respectivamente nos incisos II e III, como causas de perda da
propriedade.
Tal artigo do CC/02 trouxe algumas mudanças em relação ao texto do
dispositivo anterior previsto no art. 589 do CC/16 1 , que definia as causas de
extinção da propriedade apenas quanto aos bens imóveis. Assim, o art. 1.275
do CC ampliou a sua incidência para abarcar também as causas de perda da
propriedade para os bens móveis.
Na lição do Desembargador Francisco Eduardo Loureiro 2 , o novo
dispositivo em comento passou a denominar corretamente como hipóteses de
“perda da propriedade”, de acordo com as legislações mais modernas, pois o
termo “extinção da propriedade”, que era antigamente utilizado pelo
dispositivo do CC16, deve ser reservado apenas para a perda absoluta do
direito ou para a supressão total do direito, como acontece na hipótese de
perecimento da propriedade. O jurista esclarece, ainda, que a perda relativa
da propriedade não faz extinguir o direito de propriedade propriamente, mas
promove a alteração da titularidade da coisa, como acontece nas outras causas
previstas no Código, fora do rol do art. 1.275 do CC, como exemplifica
Loureiro, pelo casamento no regime da comunhão universal de bens, pela
morte natural, ausência, a acessão e a usucapião – todas hipóteses de perda
relativa da propriedade porque geram simultaneamente a perda e a aquisição
da propriedade por outro titular.
Melhim Namem Chalhub 3 menciona que o abandono e a renúncia são
institutos que possuem certa ligação e cita os ensinamentos de Serpa Lopes,
no sentido de que “o abandono, pode-se dizer, é o elemento material da
renúncia…”, esclarecendo que o abandono puro e simples, que não seja por
efeito da renúncia, dá-se “quando esse acontecimento ocorre sem o ato
preliminar da renúncia”. O autor esclarece que os efeitos da renúncia estão
condicionados ao registro do título formal de renúncia no Registro de
Imóveis; diferentemente, no abandono não há qualquer ato formal, e o imóvel
terá sua destinação na forma de arrecadação de bem vago.
Ao se aprofundar o estudo sobre o tema, faz-se necessário destacar que os
termos “abandono” e “renúncia” são frequentemente utilizados sem uma
precisão técnica na lei, o que acaba causando certo conflito conceitual quanto
à natureza desses institutos. Há na doutrina, por exemplo, referências à
“renúncia em favor de outrem”, que na realidade não se trata de renúncia,
mas de doação ou cessão gratuita, espécie de negócio jurídico bilateral. Isso
porque só se estará realmente diante do instituto da renúncia ou do abandono
objeto do presente artigo nos casos em que tais fenômenos ocorram como
atos jurídicos unilaterais 4 .
Os autores Felipe Quintella e Elpídio Donizetti 5 conceituam o abandono
como o ato de derrelicção – perda voluntária da posse, cuja aparência fática
é a de abandono material – praticado com a intenção de perder a propriedade
(animus derelinquendi ).
Nos ensinamentos de Flávio Tartuce e José Fernando Simão 6 , a
renúncia da propriedade “constitui o ato unilateral pelo qual o proprietário
declara, de forma expressa, a sua vontade de abrir mão de seu direito sobre a
coisa”. Em relação ao abandono, os autores o conceituam como o ato pelo
qual “o proprietário deixa a coisa com a intenção de não mais tê-la consigo” 7
, que faz surgir, portanto, a coisa abandonada, à qual deve ser dada destinação
conforme os preceitos constitucionais e legais.
De acordo com a doutrina de Nelson Godoy Bassil Dower 8 , a renúncia é
“ato unilateral pelo qual seu titular, voluntariamente, abre mão de seu direito,
declarando, expressamente, o propósito de despojar-se dele”. Já quanto ao
abandono, o autor pondera que se trata de uma forma de renúncia, mas
diferencia ambas as espécies ao indicar que na renúncia deve haver,
expressamente, a manifestação de vontade do proprietário de não mais deter a
coisa em seu domínio, enquanto no abandono o proprietário abre mão da
coisa sem qualquer formalidade maior, que gera como consequência a perda
da propriedade de maneira tácita.
Para Sílvio de Salvo Venosa 9 , a renúncia implica sempre o ato de
abdicar, ou seja, abrir mão de direitos. É ato jurídico no qual o titular do
direito o abandona, um ato unilateral e irrevogável, sem prejuízo a terceiros,
que deve ser exercido de maneira formal, pois se exige a transcrição do ato
renunciativo no registro imobiliário, conforme previsto no parágrafo único do
art. 1.275 do Código Civil. O autor aponta ainda que “renúncia em favor de
outrem refoge ao sentido do instituto porque traduz alienação” 10 .
Por outro lado, o abandono ocorre de forma tácita, e não expressa, da
vontade do proprietário, pela mera abdicação informal dos seus direitos sobre
a coisa. Nesse sentido, a falta de cuidado do bem e a falta de sua utilização
não implicam o abandono propriamente dito, porque depende da real intenção
de abandonar. Conforme explica Paulo Nader 11 , o abandono só pode se
caracterizar mediante a verificação de dois elementos que devem estar
presentes, um de cunho objetivo e outro subjetivo, assim ensinando o jurista:
[…] o abandono se efetiva pelo concurso de dois elementos: a) objetivo ou
externo, que se caracteriza pelo despojamento da posse, deixando o
dominus de utilizar a coisa e de exercer qualquer ato inerente ao direito de
propriedade; b) subjetivo ou interno, traduzido no animus de se desfazer da
coisa, sem transmitir a outrem o domínio. […]

Luciano Penteado 12 indica que: “a principal diferença do abandono para


com a renúncia é que esta é ato formal enquanto o abandono não exige
qualquer formalidade”.
Percebe-se, assim, que a renúncia e o abandono são atos unilaterais
voluntários dos titulares da propriedade que causam a perda desta. Contudo, a
solenidade dos casos é marcada por forte diferença formal: a renúncia exige
instrumentalização formal e registro, enquanto o abandono é ato informal. No
abandono, o proprietário que não tem mais a intenção de ser titular da coisa
não formaliza tal intenção de forma expressa, mas simplesmente deixa de
exercer atos atinentes à função econômica e social da propriedade. Nas
palavras do grande jurista Francisco Eduardo Loureiro 13 , o abandono difere
da renúncia, pois não exige declaração expressa, mas se deduz de
comportamento concludente do proprietário.
Como visto, ambos os institutos são atos jurídicos unilaterais, e, como
tais, não é o renunciante quem indica a quem aproveitará o seu ato: é a lei que
indica a quem aproveitará. A regra geral é que tanto o abandono quanto a
renúncia, como causas de perda da propriedade, tornam a coisa res nullius ou
adéspota, e fazem com que o bem fique vago e possa ser arrecadado pelo
Município para que este se encarregue de dar a destinação conforme os fins
sociais e econômicos da propriedade.

2.3. Noções iniciais sobre o destino da coisa objeto de renúncia ou


abandono

Em alguns casos 14 a lei especifica que o abandono ou a renúncia


beneficiam determinadas pessoas. Em tais casos, naturalmente, o bem objeto
da renúncia terá, ao menos inicialmente, o destino previsto na lei, em
benefício daquele terceiro beneficiado ex lege . Somente em caso de não
aceitação desse terceiro é que o bem seria efetivamente vacante.
Contudo, nos casos em que o abandono ou a renúncia sejam atos
unilaterais que tornem a coisa adéspota, cabe ao Direito a tarefa de indicar
qual será o destino do bem vago. Em geral nosso Direito tem duas soluções
para que o bem vago volte a ter sua função social atendida: uma que atua no
campo do Direito Privado (usucapião 15 ) e outra que atua no campo do
Direito Público (arrecadação 16 ). No caso da usucapião, a propriedade do
bem é atribuída a uma pessoa particular. No caso da arrecadação de imóveis
urbanos, a propriedade do bem é adquirida pelo Poder Público (Município ou
Distrito Federal).
Até recentemente, o abandono da propriedade imóvel era tratado no
Código Civil em apenas um artigo, que definia questões de ordem material do
instituto. Recente alteração legislativa promovida pela Lei 13.465, de julho
de 2017, trouxe regras e mudanças a respeito da regularização fundiária no
Brasil, sobre a alienação de imóveis públicos, além de inserir novos institutos
jurídicos no ordenamento pátrio e aperfeiçoar institutos existentes. Em
relação aos imóveis abandonados, tal lei inovou nos arts. 64 e 65, que
modificam aspectos materiais e especificam questões formais para o
procedimento administrativo a ser observado para a arrecadação de imóvel
urbano privado abandonado e sua transferência à titularidade do Poder
Público.
A legislação do Código Civil e a novidade da Lei 13.465/2017 são
apresentadas na tabela a seguir:

Art. 1.276 do Código Civil de Art. 64 da Lei 13.465/2017 (e art. 65 da mesma


2002: Lei):
Art. 1.276. O imóvel urbano que Art. 64. Os imóveis urbanos privados
o proprietário abandonar, com a abandonados cujos proprietários não possuam a
intenção de não mais o intenção de conservá-los em seu patrimônio
conservar em seu patrimônio, e ficam sujeitos à arrecadação pelo Município ou
que se não encontrar na posse de pelo Distrito Federal na condição de bem vago.
outrem, poderá ser arrecadado, § 1° A intenção referida no caput deste artigo
como bem vago, e passar, três será presumida quando o proprietário, cessados
anos depois, à propriedade do os atos de posse sobre o imóvel, não adimplir os
Município ou à do Distrito ônus fiscais instituídos sobre a propriedade
Federal, se se achar nas predial e territorial urbana, por cinco anos.
respectivas circunscrições. § 2o O procedimento de arrecadação de imóveis
§ 1° O imóvel situado na zona urbanos abandonados obedecerá ao disposto em
rural, abandonado nas mesmas ato do Poder Executivo municipal ou distrital e
circunstâncias, poderá ser observará, no mínimo:
arrecadado, como bem vago, e I – abertura de processo administrativo para tratar
passar, três anos depois, à da arrecadação;
propriedade da União, onde quer II – comprovação do tempo de abandono e de
que ele se localize. inadimplência fiscal;
§ 2° Presumir-se-á de modo III – notificação ao titular do domínio para,
absoluto a intenção a que se querendo, apresentar impugnação no prazo de
refere este artigo, quando, trinta dias, contado da data de recebimento da
cessados os atos de posse, deixar notificação.
o proprietário de satisfazer os § 3° A ausência de manifestação do titular do
ônus fiscais. domínio será interpretada como concordância
com a arrecadação.
§ 4° Respeitado o procedimento de arrecadação,
o Município poderá realizar, diretamente ou por
meio de terceiros, os investimentos necessários
para que o imóvel urbano arrecadado atinja
prontamente os objetivos sociais a que se destina.
§ 5° Na hipótese de o proprietário reivindicar a
posse do imóvel declarado abandonado, no
transcorrer do triênio a que alude o art. 1.276 da
Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil), fica assegurado ao Poder Executivo
municipal ou distrital o direito ao ressarcimento
prévio, e em valor atualizado, de todas as
despesas em que eventualmente houver incorrido,
inclusive tributárias, em razão do exercício da
posse provisória.
Art. 65. Os imóveis arrecadados pelos
Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser
destinados aos programas habitacionais, à
prestação de serviços públicos, ao fomento da
Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito
real de uso a entidades civis que
comprovadamente tenham fins filantrópicos,
assistenciais, educativos, esportivos ou outros, no
interesse do Município ou do Distrito Federal.

Percebe-se, de plano, que o texto do art. 64 da Lei 13.465/2017 positivou


um procedimento administrativo a ser seguido pelo Poder Público municipal,
estabelecendo requisitos mínimos.
Mas, além de questões procedimentais, o texto do caput suprimiu a
expressão “que se não encontrar na posse de outrem”; e, ainda, na
comparação do § 2° do art. 64 com o § 1° do art. 1.276, percebe-se que foi
suprimida a expressão “de modo absoluto” quando se refere à presunção de
abandono. Tais distinções serão abordadas, respectivamente, nos itens 2.4.2.3
e 2.4.2.1 , adiante neste artigo.
Quanto aos diferentes destinos do bem abandonado pelo direito brasileiro
– usucapião privada ou arrecadação de bem público –, não há na lei definição
sobre a prevalência (ou preferência) entre os institutos de Direito Privado
(usucapião) e de Direito Público (arrecadação). Por exemplo: uma vez
abandonado o bem pelo seu proprietário, quem tem preferência em adquiri-
lo: o particular que invade o imóvel sem qualquer justo título ou boa-fé, e
passa a exercer posse injusta sobre tal bem 17 visando a futura aquisição por
usucapião, ou o Poder Público, na forma da arrecadação prevista na lei, para
dar a destinação mais adequada à função social da propriedade? Esse tema
será enfrentado, ainda que de maneira seminal, no item 2.4.2.3 deste artigo,
buscando maior reflexão sobre a necessária atuação diligente do Poder
Público para assegurar a máxima efetividade da função social da propriedade
urbana, conforme cada caso.
Assim, diante de tal cenário normativo, no item 2.4 é feito um estudo de
questões de direito material aplicáveis ao caso. Adiante, nos itens 2.5 a 2.8 ,
são estudadas as fases do procedimento e processo administrativo da
arrecadação em si, analisando-se alguns desdobramentos e a publicidade
registral imobiliária exigível em cada etapa.
2.4. Questões de direito material aplicáveis à arrecadação de bens:
casos controvertidos sobre o poder-dever de arrecadar
A primeira etapa em que o Poder Público Municipal tem o dever de
realizar – e deveria fazê-lo de forma permanente, diligente, ativa e abrangente
– é a identificação de bens imóveis urbanos 18 que venham a ficar vagos, seja
em decorrência de renúncia (formal) ou abandono (informal).
A Lei 13.465/2017 e, também, o art. 1.276 do Código Civil só
mencionam expressamente o caso de arrecadação em caso de abandono
(informal). Contudo, é certo que também em caso de renúncia (formal) o
destino do bem vago é o mesmo, e nasce imediatamente com o registro da
renúncia o poder-dever do Município de inaugurar o procedimento preliminar
visando a arrecadação do imóvel vago, na forma prevista no item 2.5 deste
artigo. Neste caso, em vista do ato formal perfeitamente concretizado de
renúncia do proprietário tabular 19 , o procedimento arrecadatório deve ser
abreviado, sendo mais simples pela sua imediata identificação por meio da
publicidade do Registro Imobiliário do ato abdicativo. Deve, contudo, o
Município estar atento às questões materiais indicadas sumariamente no item
2.4.1 deste artigo, que podem levar à inviabilidade da arrecadação.
Já a identificação de bens vacantes em decorrência de abandono é tarefa
mais difícil, e com menor segurança jurídica, já que o proprietário não
manifestou de forma solene o animus abandonandi, que é o elemento
subjetivo do abandono. Algumas questões materiais dessa situação jurídica
serão estudadas no item 2.4.2 e seus subitens deste artigo.
Em qualquer caso, contudo, havendo indícios de abandono ou notícia de
renúncia, é dever do agente público municipal que tomar conhecimento de tal
fato comunicar formalmente o órgão público competente para a abertura de
procedimento investigatório/preliminar, na forma indicada no item 2.5 deste
artigo. Não é necessário haver certeza sobre a vacância para a abertura do
procedimento preliminar de verificações. A firme convicção sobre a vacância
só é requisito para a abertura do processo administrativo, na forma indicada
no item 2.6 deste artigo.
Há, contudo, que se apresentar, antes das questões procedimentais em si,
o arcabouço jurídico material que envolve a arrecadação de bens vagos pelo
Município, que foi, em parte, alterado pelos artigos 64 e 65 da Lei
13.465/2017.
2.4.1. Caso de bens vacantes em decorrência de renúncia (formal) da
propriedade
A renúncia, como já exposto no item 2.2 deste artigo, é ato formal e
solene, e tem natureza de ato jurídico em sentido estrito, unilateral, em que o
proprietário formaliza de forma escrita o animus abandonandi , que é a
intenção de não mais conservar para si o imóvel, tornado simples, célere e
seguro o processo de arrecadação e aquisição do bem pelo poder público,
embora permaneçam algumas formalidades procedimentais necessárias.
Luciano Penteado 20 menciona que a perda da propriedade pela renúncia
opera a extinção da titularidade subjetiva, convertendo-se em bem vago que,
se preenchidos os pressupostos legais, poderá ser arrecadado.
Vale mencionar que, em casos de renúncia formal da propriedade, apesar
de inexistência de norma em sentido expresso, seria recomendável aos
Tabeliães de Notas que lavrarem a escritura pública de renúncia ou ao Oficial
de Registro de Imóveis que registrar – lato sensu – tal ato fazer comunicação
deste por escrito para o Município. Dessa forma, facilita-se ao Município a
identificação dos imóveis que vagarem em decorrência de renúncia formal.
O estudo aprofundado da renúncia não faz parte do escopo deste artigo,
mas, em vista de sua consequência – que é a perda da propriedade pelo
renunciante, que pode levar o bem à vacância e arrecadação pelo mesmo
instrumento procedimental aplicável ao abandono –, é necessária brevíssima
incursão sobre alguns aspectos da renúncia.
Quanto às solenidades, a renúncia tem dupla solenidade para que seja
aperfeiçoada e gere seus efeitos. A primeira é o documento escrito da
renúncia 21 . A segunda é a inscrição 22 de tal documento no registro de
imóveis na matrícula do imóvel objeto da renúncia.
Em regra, uma vez averbada (ou registrada?) a renúncia na matrícula do
imóvel, em princípio, ao menos formalmente, estar-se-á diante de um bem
vago, devendo, imediatamente, o Município inaugurar o procedimento
preliminar de arrecadação desse bem, na forma do item 2.5 deste artigo.
Contudo, durante o procedimento preliminar indicado no item 2.5 , o
Município deverá investigar se a renúncia realmente foi abdicativa e se
tornou o imóvel adéspota ou sem dono, apto à arrecadação, verificando: a) se
a renúncia era realmente válida e eficaz; b) se a renúncia no caso específico
não beneficia, ex lege, determinada pessoa; c) se o imóvel não se encontra no
domínio de outrem por fato jurídico lato sensu anterior à renúncia, fazendo
com que o direito sobre o imóvel, no caso concreto, não fosse efetivamente
do proprietário-renunciante, e que a renúncia tenha sido apenas uma
formalidade legal, sem a verdadeira intenção de abandono do imóvel.
No primeiro caso, para verificar se a renúncia é válida e eficaz, deve-se
investigar se ela causa prejuízos a terceiros, seja de forma individual, coletiva
ou difusa. Na lição de Venosa 23 , “A renúncia é sempre possível, embora
difícil de ocorrer, desde que não cause prejuízo a terceiros”. Exemplo de
interesse individual que pode levar à ineficácia da renúncia é o caso de
terceiro certo e determinado que seja credor de proprietário que faz renúncia
que frustraria seu crédito 24 ; exemplo de direitos coletivos que podem ser
protegidos contra renúncia abusiva é a renúncia de área non aedificandi que
constou em projeto de loteamento aprovado, que beneficiaria a todos os
adquirentes e que, assim, só poderia ser objeto de renúncia com anuência de
todos eles 25 ; e exemplo de direitos difusos que podem ser protegidos contra
renúncias abusivas é a integridade do meio ambiente, que impede um
proprietário de renunciar sua propriedade para tentar se eximir de obrigação
de reparar danos ambientais ou contaminação ambiental no imóvel, pela
aplicação da função social da propriedade, que gera direitos e deveres 26 .
Ainda que o proprietário causador de dano ambiental lograsse êxito na
averbação/registro da renúncia, deve-se entender que ele continuaria
responsável pela restauração do dano na área degradada.
No segundo caso – deve o agente público municipal ter em mente que em
determinados casos a lei prevê que a renúncia (ou até mesmo o abandono)
por determinada pessoa possa beneficiar – por expressa previsão legal – em
que o domínio do imóvel renunciado (ou abandonado) seja atribuído por
outra pessoa. Apenas para exemplificar, pode-se mencionar a renúncia do
condômino para se eximir de despesas da coisa comum, que aproveita aos
coproprietários (art. 1.316); o abandono pelo proprietário de prédio serviente
para se livrar de despesas de conservação da servidão que aproveita ao
proprietário do prédio dominante (art. 1.382); o abandono do bem pelo
adquirente de imóvel hipotecado, que aproveita ao credor (arts. 1.479 e
1.480); e o abandono do bem imóvel residencial de um casal no caso de
abandono do lar por um dos cônjuges, que aproveita ao outro (art. 1.240-A do
Código Civil). Em tais casos, antes de o bem ser declarado vago – o que
permitiria a arrecadação pelo Município –, deve-se dar a oportunidade
expressa em lei para que o terceiro - a quem a renúncia aproveita – se
manifeste. Se o terceiro aceitar, aproveitará o ato da renúncia. Se não
aceitasse o bem é que este se tornaria res nullius , e a partir de então o bem
estaria apto à arrecadação pelo Município.
No terceiro caso – no qual o imóvel se encontra no direito subjetivo de
outrem por fato jurídico lato sensu anterior à renúncia – tem-se situação
bastante corriqueira e frequente. O domínio a um terceiro por fato anterior à
renúncia pode decorrer de negócio jurídico celebrado entre o proprietário e
um terceiro, v.g. , uma promessa de venda e compra em contrato particular,
em que o proprietário recebe o preço e transmite a posse, mas o adquirente
não toma as medidas para receber a outorga de escritura definitiva, o que faz
com que o imóvel continue registrado e em propriedade do vendedor-
proprietário, causando-lhe responsabilidade tributária sobre o imóvel. Nesses
casos, como nosso direito ainda não tem um instrumento eficaz e
extrajudicial para forçar o adquirente a receber a outorga compulsória, muitos
proprietários-vendedores acabam por realizar a renúncia, para se verem livres
de responsabilidades. Mas, nessa hipótese, é certo que o adquirente tem justo
título e posse justa, que implicam o direito a ter a posse preservada.
Inicialmente, pode-se entender que não houve verdadeira renúncia – já que o
proprietário não tinha intenção de abandonar o bem, mas, ao contrário, o
alienou a um terceiro anteriormente, não existindo a res nullius . Portanto,
nesse caso não há renúncia material, mas tão somente formal. E, ainda que se
partisse da premissa de que houve uma verdadeira renúncia, parece claro que,
apesar da negligência formal do adquirente, seu direito deve prevalecer sobre
o direito do Município de arrecadar o bem.
Este terceiro caso também ocorre algumas vezes sem que tenha havido
um negócio jurídico anterior entre o proprietário-renunciante e o terceiro
possuidor do bem. Em algumas situações, um fato jurídico stricto sensu –
como a posse ad usucapionem – pode fazer com que o bem objeto da
renúncia esteja registrado em nome do renunciante, mas, pela realidade fática
extratabular, em decorrência de posse prolongada por um terceiro sobre o
bem, o possuidor já tenha cumprido os requisitos de aquisição do bem por
usucapião. Em tal caso, ainda que não tenha sido a usucapião declarada –
judicial ou extrajudicialmente –, é certo que, quando o for, a declaração de
usucapião operará efeitos ex tunc, fazendo com que a renúncia tenha sido
realizada por quem, materialmente, não era mais dono do imóvel. Em
situações como essa, deve o Município adotar medidas para identificar o
possuidor do imóvel e averiguar por documentos e outras provas a qualidade
da posse, verificando se já ocorreu a prescrição aquisitiva. Se já tiver
ocorrido, deve o Município atualizar o cadastro para passar a exigir o IPTU
do novo possuidor, ainda que este continue omisso em regularizar a situação
registrária de seu direito de propriedade, e, fundamentadamente, arquivar o
procedimento preliminar. Caso ainda não tenha transcorrido o tempo para a
usucapião, deve o Município avaliar e decidir de forma fundamentada e
escrita, pelas mesmas razões de direito expostas no item 2.4.2.3 deste artigo,
se deve o Município adotar medidas para arrecadar o imóvel ou se deve
deixar a posse em favor do atual ocupante.
Se, após verificadas tais situações, o Município constatar que, realmente,
a renúncia foi feita de forma abdicativa e deixou o bem imóvel sem dono, ou
res nullius, o agente público municipal deve decidir de maneira
fundamentada o procedimento preliminar do item 2.5 , determinando a
abertura do processo administrativo previsto no item 2.6 , dando início ao
processo em si, com contraditório e ampla defesa pelos interessados,
seguindo até final decisão, sempre fundamentada, sobre a arrecadação ou não
do bem. Caso procedente a arrecadação, deve prosseguir com as etapas
seguintes, na forma dos itens 2.7 e 2.8 deste artigo.
2.4.2. Vacância de bem objeto de simples abandono (informal) pelo
proprietário
No caso de renúncia registrada, na forma estudada no item 2.4.1 deste
artigo, uma vez ciente da renúncia expressa, pura e realmente abdicativa, que
tenha tornado um imóvel urbano adéspota, imediatamente o Município deve
iniciar o procedimento preliminar indicado no item 2.5 deste artigo,
facilitando a tarefa dos agentes públicos na identificação de bens
possivelmente vacantes. Já nos casos em que a coisa é abandonada – sem
qualquer formalidade legal –, a etapa de identificar os imóveis vagos é mais
complexa. Tal complexidade fática, contudo, não afasta o dever do agente
público municipal de atuar de forma ativa e diligente a fim de identificar os
bens imóveis abandonados e adotar medidas para que tais bens venham ao
patrimônio público e sejam destinados à maximização da função social da
propriedade. Assim como no caso de bens objeto de renúncia, a ação ou
omissão de agente público competente que deixa de identificar ou de
investigar o real estado de abandono do imóvel, ao menos em fase preliminar,
na forma exposta no item 2.5 deste artigo, poderia configurar, em tese,
improbidade administrativa. Se fosse enquadrada na forma do art. 10, I, da
Lei 8.429/92 (prejuízo ao erário), tanto a conduta dolosa como a culposa
seriam passíveis de sanção. Se fosse enquadrada como simples afronta aos
princípios da administração, com fundamento no art. 11, II, da Lei 8.429/92
27 , a omissão só seria punível se fosse dolosa, conforme jurisprudência já
consolidada.
Se, por um lado, nos casos em que a renúncia for formal, o Município
deve receber a comunicação do Tabelião de Notas e do Oficial de Registro de
Imóveis que lavram e registram o título 28 , no caso de imóvel simplesmente
abandonado os agentes públicos competentes devem atuar ativam e
permanentemente na verificação da situação dos bens imóveis, assim como
receber informações prestadas por qualquer cidadão que saiba da situação de
abandono de imóvel, dando início à abertura do procedimento preliminar de
arrecadação indicado no item 2.5 . Apenas se o procedimento preliminar
confirmar com forte convicção que o bem está abandonado e sujeito a
arrecadação é que se iniciará, conforme o caso, o processo administrativo de
arrecadação do bem em situação de abandono, na forma do item 2.6 deste
artigo.
O instituto – material – da aquisição do bem pelo poder público pode ser
sucintamente entendido da seguinte forma: o abandono de imóvel permite a
sua arrecadação como bem vago; e após três anos da arrecadação opera-se a
aquisição da propriedade pelo Município ou pelo Distrito Federal, ou ainda
pela União, no caso de se tratar de imóvel urbano ou rural.
O Código Civil não prevê um prazo mínimo de “estado de abandono”
para autorizar o (ou impor ao) Município a dar início ao procedimento de
arrecadação 29 . O caput do art. 1.276 é claro sobre isso quando apenas exige
como requisito que o imóvel seja abandonado pelo proprietário com a
intenção de não mais o conservar em seu patrimônio. E, como o requisito
subjetivo pode ser de difícil comprovação, o Código Civil trouxe uma
hipótese de presunção legal no § 2°, ao afirmar que se presumiria a intenção
de abandonar quando não houvesse mais posse e o proprietário deixasse de
satisfazer os ônus fiscais. O prazo a que se referem o caput e o § 1° do art.
1.276, como se vê, não tem qualquer ligação com um suposto prazo mínimo
para se iniciar a arrecadação; o prazo de três anos previsto no Código Civil se
conta após o processo de arrecadação para que o proprietário possa
reivindicar o bem antes de sua final aquisição pelo Município:
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção
de não mais o conservar em seu patrimônio , e que se não encontrar na
posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos
depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas
respectivas circunscrições.
§ 1° O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas
circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos
depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§ 2° Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo,
quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os
ônus fiscais.

Como foi visto no quadro comparativo no item 2.3 deste artigo, a Lei
13.465/2017 trouxe algumas inovações materiais e procedimentais ao
processo de arrecadação. O estudo do instituto, já atualizado com os
parâmetros da Lei 13.465/2017, é objeto de análise a seguir. Muitas questões
procedimentais e de interpretação do alcance de algumas expressões desse
conceito precisam ser aprofundadas, para dar maior clareza aos cidadãos
(proprietários e titulares de direitos reais) e especialmente ao Poder Público,
que tem uma importante responsabilidade na adequada identificação,
arrecadação e destinação dos bens vagos. Neste artigo discutiremos alguns
temas importantes e controversos, cientes de que o fazemos de maneira
precursora e de forma contrária à doutrina até então prevalente. Neste item
2.4.2 (e seus subitens) enfrentaremos duas das mais complexas questões.
A primeira questão a ser enfrentada é: o Município sempre precisaria
esperar cinco anos de “estado de abandono” e “inadimplência fiscal” para
iniciar o procedimento de arrecadação? E a resposta, como se verá, é
negativa. O Município deve iniciar o procedimento preliminar de arrecadação
tão logo tenha notícia de que um bem está abandonado pelo seu proprietário,
não existindo na legislação um prazo mínimo para tanto. A hipótese de
presunção ex lege de abandono será analisada no item 2.4.2.1 , a seguir, e
outras possibilidades de constatação/presunção de abandono serão analisadas
no item 2.4.2.2 , em que se percebe que o caso – dos cinco anos de abandono
e inadimplência fiscal – se presta para fins de mera presunção legal e como
mecanismo de facilitação da arrecadação do bem imóvel, e não um requisito
para tal procedimento.
A segunda questão é quanto aos efeitos e alcance da mudança trazida pela
Lei 13.465/2017, que suprimiu um pressuposto negativo antes previsto no
Código Civil: se o bem estivesse na posse de outrem, pela regra do Código
Civil, ele não poderia ser objeto de arrecadação. Tal pressuposto negativo foi
suprimido no texto da lei em tela. No item 2.4.2.3 tal questão e suas
consequências serão mais bem analisadas.
2.4.2.1. Hipótese de presunção legal de abandono
Nosso ordenamento jurídico assegura ao proprietário os direitos
fundamentais inerentes à propriedade, mas, por outro lado, impõe a ele
deveres de adimplir seus ônus, sejam fiscais, ambientais ou urbanísticos e,
também, o dever de conservar e dar a ela aproveitamento econômico e social,
cumprindo assim a função social da propriedade, um direito complexo,
conforme o comando constitucional (arts. 5°, incisos XII e XIII, da
Constituição Federal; e art. 1.228 do CC).
Mas, como todo direito disponível, o proprietário pode, se quiser,
renunciar ou abandonar a coisa. Em se tratando de bens imóveis urbanos, nos
casos em que há abandono, cabe ao Município a atribuição de arrecadar o
bem vago e dar a destinação adequada. Mas, como visto, o abandono não é
um ato formal, que pode ser constatado com tanta certeza ou segurança
jurídica – como o ato da renúncia –, e pode ser difícil, em alguns casos,
constatar e/ou comprovar a existência dos requisitos do abandono, em
especial o requisito subjetivo – o animus abandonandi .
Em vista da possível dificuldade inicial de se configurar o requisito
subjetivo, o Código Civil previu no § 2° do art. 1.276 que haveria uma
“presunção absoluta” da intenção de abandono do imóvel se, após cessados
os atos de posse, o proprietário deixasse de satisfazer os ônus fiscais por um
período de cinco anos.
Nos estudos das Jornadas da Justiça Federal de Direito Civil 30 , foram
lançados enunciados sobre o abandono da propriedade imóvel que merecem
destaque, como o Enunciado 243, da II jornada, o qual prevê que “a
presunção de que trata o § 2° do art. 1.276 não pode ser interpretada de modo
a contrariar a norma-Princípio do art. 150, inc. IV, da Constituição da
República”. Tal dispositivo constitucional tem como princípio definido na
doutrina o não confisco, isto é, veda-se expressamente que os entes públicos
– União, Estados, Distrito Federal e Municípios – se utilizem do tributo com
efeito de confisco. O enunciado busca proteger situações que não configuram
abandono de imóvel, às quais não cabe a aplicação da presunção “absoluta”
apenas pela simples inadimplência tributária, porque deve ser ressalvado o
direito do proprietário de discutir eventuais débitos lançados por
procedimento administrativo ou judicial para proteção de direitos
fundamentais.
Também reforça o devido processo legal o Enunciado 242, da II Jornada
de Direito Civil, o qual menciona que a “aplicação do art. 1.276 depende do
devido processo legal, em que seja assegurado ao interessado demonstrar a
não cessação da posse”.
Flávio Tartuce 31 indica a forte crítica de juristas sobre uma alteração que
foi promovida pelo Código Civil de 2002, que passou a tratar a presunção do
animus abandonandi como absoluta em caso de cessação da posse a
inadimplência de ônus fiscais. Cita o Professor Titular da USP Carlos Alberto
Dabus Maluf, que entende ser essa presunção inconstitucional, tendo-se
pronunciado da seguinte maneira:
É de causar espécie a possibilidade de ser considerado abandonado o
imóvel cujo proprietário não venha pagando os impostos sobre ele devidos,
uma vez que a inadimplência pode ter como causa, inclusive, a discussão,
administrativa ou judicial, dos valores lançados, ou mesmo motivos de
força maior, sendo tal possibilidade um autêntico confisco, vedado pela
CF/1988, que assegura, também, o direito de propriedade maculado por
essa hipótese 32 .

Corrobora esse entendimento Adolfo Mamoru Nishiyama, citado por


Paulo Nader 33 , que afirma ser a presunção absoluta de abandono
inconstitucional: “conforme disposição constitucional expressa, o indivíduo
só poderá ser privado de seus bens com a observância do devido processo
legal”, além de configurar uma afronta ao princípio inscrito no art. 5°, caput ,
da Constituição da República, pela garantia do direito de propriedade.
Tartuce reforça ainda que o Professor Maluf comentava sobre o Projeto
de Lei 699/2011 34 , que busca proceder a alterações no Código Civil, sendo
uma importante delas a alteração da presunção do artigo 1.276, § 2°, do CC,
de absoluta para relativa, a fim de possibilitar que seja realizada melhor
análise casuística das hipóteses fáticas, principalmente naquelas em que a
inadimplência tenha como causa uma possível discussão, administrativa ou
judicial, quanto ao lançamento de tributos, ou mesmo por motivos de força
maior que não sejam casos de real abandono de imóvel. Por isso, Tartuce
entende que seria bastante adequada a proposta de supressão das palavras “de
modo absoluto” para se tornar uma presunção relativa (“juris tantum ”), uma
vez que a presunção relativa permite maior possibilidade de defesa do
proprietário mediante comprovação.
Tal entendimento doutrinário foi robustecido na III Jornada de Direito
Civil da Justiça Federal, no Enunciado 242, que estabeleceu a necessidade de
aplicação do devido processo legal, e que seja assegurado ao interessado
demonstrar a não cessação da posse na hipótese prevista no artigo 1.276 do
CC. Tartuce 35 sustentava, antes da Lei 13.465/2017, que a caracterização do
abandono do imóvel não poderia ser uma constatação automática e que
deveria existir um processo judicial específico para sua declaração 36 , além
de ser assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório, como direitos
fundamentais, assim como é o direito de propriedade.
Vladimir Passos de Freitas 37 afirma que a omissão no pagamento dos
tributos é apenas um indício a mais do abandono voltado para a busca do uso
social da propriedade e que não deve ser interpretada com o objetivo de
confisco de propriedade via ordem tributária.
Harmonizando-se com o cenário de fortes críticas ao termo “modo
absoluto” de presunção então previsto no § 2° do art. 1.276 do Código Civil,
em especial porque a presunção legal poderia ser aplicada já no primeiro dia
de “abandono e inadimplência” – já que a lei não tinha requisito temporal
para essa presunção –, a Lei 13.465/2017, em seu art. 64, § 1°, reafirmou que
a intenção de abandonar a coisa será presumida se, cessados os atos de posse,
o proprietário deixar de satisfazer os ônus fiscais. Mas trouxe duas alterações
para que se opere a presunção legal, ambas em favor do proprietário: a)
inseriu um lapso temporal mínimo para que se possa aplicar a presunção legal
de cinco anos de inadimplência fiscal; e b) retirou a previsão de presunção
absoluta, ao suprimir o trecho “de modo absoluto” quando tratou da
presunção. Assim, não resta mais dúvida de que a presunção legal nesse caso
é iuris tantum ou relativa – admitindo-se prova em sentido contrário pelo
proprietário/interessado –, e, ainda, de que, para aplicar essa presunção legal,
faz-se necessário o decurso do prazo de cinco anos de inadimplência fiscal.
Assim, se antes a lei transmitia a mensagem – fortemente rebatida na
doutrina – de que após a inadimplência fiscal haveria presunção absoluta do
animus abandonandi e não caberia mais defesa pelo proprietário, agora a Lei
13.465/2017 esclareceu que, ainda que haja ausência de atos de posse e que
ocorra a inadimplência fiscal pelo prazo de cinco anos, continuará assegurada
ao proprietário a oportunidade de se opor ao procedimento de arrecadação, de
forma administrativa ou judicial, exercendo a ampla defesa para que lhe seja
permitido afastar a presunção legal de abandono.
Portanto, é certo que existe um caso, agora adequado à Constituição, de
presunção legal (iuris tantum ) do animus abandonandi que se configura nas
hipóteses em que estejam presentes dois fatos, simultaneamente: a) o
abandono material pelo proprietário (ausência do exercício de atos de posse
pelo proprietário); b) a ausência do pagamento de ônus tributários sobre o
imóvel pelo prazo de cinco anos.
2.4.2.2. Outras formas de constatação e prova ou presunção hominis do
abandono, antes do decurso de cinco anos
Como visto no item 2.4.2.1 , supra , o Código Civil expressamente previu
uma hipótese de presunção juris – ou presunção legal, que neste caso é
relativa – da intenção de abandono, a qual teve seus elementos materiais
modificados pela Lei 13.465/2017. Nesse sentido, se é uma hipótese de
presunção prevista nos parágrafos dos artigos legais, resta claro que o Código
Civil não elencou as condições da presunção legal como requisito material
para que o processo de arrecadação possa ser iniciado.
Está claro no caput do art. 1.276 do Código Civil, e também no caput do
art. 64 da Lei 13.465/2017, que os pressupostos positivos que autorizam a
abertura do processo de arrecadação são dois: a) o imóvel estar abandonado
(elemento objetivo); b) a intenção do proprietário de não mais conservar o
bem em seu patrimônio (elemento subjetivo).
Em nenhum momento o Código Civil ou mesmo a Lei 13.465/2017
exigiram o decurso do prazo de cinco anos para que o processo de
arrecadação possa ser iniciado. Constata-se que o decurso temporal de cinco
anos previsto na Lei 13.465/2017 é tão somente o prazo definido pela lei para
que se possa aplicar a presunção do animus abandonandi (que também pode
ser provada ou comprovada por outros meios). Ademais, o prazo de três anos
a que se referem o § 1° do art. 1.276 do Código Civil e o § 5° do art. 64 da
Lei 13.465/2017 definem o período temporal a ser considerado após o início
do procedimento de arrecadação administrativo, no qual o proprietário ainda
pode reivindicar o bem contra o poder público e proteger seu interesse
jurídico em preservar sua propriedade ou direito real respectivo.
Então, poderia haver a constatação do animus abandonandi de outro
modo, sem que fosse pela presunção legal expressa de abandono de imóvel
tratada no item 2.4.2.1 ?
A resposta, como já dito, é afirmativa, pois essa hipótese de presunção
legal é somente uma das possíveis hipóteses, e não esgota ou impede a
comprovação da intenção de abandonar a coisa por outros meios legais.
Ademais, seria um tanto quanto absurda e contrária a garantia constitucional
da função social da propriedade o Poder Público precisar aguardar o prazo de
cinco anos se antes disso estiver claro o abandono, e somente após esse
extenso período poder iniciar procedimentos que busquem dar a destinação
adequada ao imóvel. Portanto, se estiver evidente e demonstrado o animus
abandonandi do titular da propriedade, deve-se iniciar imediatamente o
procedimento arrecadatório, na forma prevista no caput do art. 1.276 do
Código Civil e no caput do art. 64 da Lei 13.465/2017.
Então, para esclarecer o raciocínio jurídico desenvolvido neste trabalho
sobre a existência de outras hipóteses que configurem o abandono de imóvel,
quais seriam os outros modos pelos quais se poderia demonstrar a
constatação do animus abandonandi ? E como o Poder Público poderia
proceder?
Antes de passar ao exame de eventuais casos concretos e exemplos, é
importante analisar o que se define como presunção ou constatação de fatos.
A constatação de um fato é aquela que ocorre de maneira naturalística,
real, em que uma pessoa observa, verifica e comprova a ocorrência de certo
fato, o que pode se dar pelos sentidos da visão, do tato, da audição, do olfato
ou do paladar. Alguns fatos jurídicos – como a intenção de uma pessoa – são
de difícil constatação pela simples observação externa, já que a intenção é um
elemento subjetivo, não aparente e interno. A efetiva constatação da intenção
de abandono talvez só seja possível se for declarada pelo proprietário. A
declaração pode se dar de forma direta, para o próprio destinatário do fato (no
caso em tela, para a Administração Pública ou para o juiz da causa), ou de
forma indireta (como de forma verbal para um vizinho, por exemplo, ou por
meio de escritos ou documentos), caso em que se permite a comprovação por
meios de prova admitidos em direito, inclusive pela prova testemunhal.
A constatação da intenção de abandono formalizada por escritura pública
é tratada em nosso ordenamento como renúncia, que consiste em um ato
formal e solene. Entretanto, se houver efetiva constatação e comprovação da
intenção de abandonar por outros meios, sem a observância da solenidade da
escritura pública e consequente inscrição na matrícula do imóvel, nosso
Direito não reconhecerá tal fato jurídico como renúncia – ante a
inobservância das formalidades legais –, e o colocará no campo do abandono
informal.
Mas é certo que, além da efetiva comprovação do animus abandonandi
por meio de escritura pública de renúncia, é factualmente possível que um
proprietário manifeste por outros meios a intenção de abandonar, que poderá
assim ser constatada por quem de direito. Não será renúncia, e será tratada
como abandono, mas estará presente o pressuposto que autoriza o início do
processo de arrecadação, que deverá ser imediato. Tal fato jurídico deve ser
documentado na forma que for prevista em decreto do Executivo Municipal
38 .

Para fins de análise de fatos jurídicos possíveis, v.g. , analisemos o


seguinte fato hipotético: um proprietário de imóvel urbano comparece, por
exemplo, ao setor de IPTU da prefeitura e declara, de maneira séria e livre de
qualquer coação ou induzimento, que deseja abandonar o imóvel, uma vez
que não tem condições de arcar com o IPTU e que sabe que a casa construída
sobre o terreno está com problemas estruturais graves e onerosos que
impedem sua habitabilidade. Assim, declara que não tem mais intenção de ser
titular do imóvel, perante a autoridade pública municipal, mas se recusa a
formalizar o ato de renúncia, como ir até um tabelião de notas para lavrar
escritura pública de renúncia e fazer a inscrição imobiliária, sendo que
prefere quedar-se inerte.
Nesse cenário hipotético, seria razoável que o agente público que tomou
ciência do animus abandonandi simplesmente ignorasse a manifestação de
vontade do proprietário e aguardasse o transcurso de cinco anos para
aplicação da presunção legal? Se fosse aguardar, certamente o imóvel ficaria
por cinco anos sem o adequado uso e aproveitamento, sem o cumprimento de
sua função social urbana, além de poder ser invadido – talvez por usuários de
drogas, moradores de rua ou por qualquer outra pessoa sem justo título –,
podendo-se ainda expor o imóvel ao risco da ruína da construção (como no
caso hipotético, em que o proprietário havia informado que o imóvel estava
inabitável por problemas estruturais).
É evidente que, no exemplo acima, deve o Poder Público, imediatamente
após a notícia do animus abandonandi, iniciar o processo de arrecadação do
bem (talvez em caso como esse pudesse até ser dispensada a fase preliminar,
indicada no item 2.5 , procedendo-se diretamente na forma do processo
administrativo arrecadatório previsto no item 2.6 ). Partindo dessa premissa,
então, como deveria o agente público proceder?
No caso do exemplo acima, seria adequado que o agente público colhesse
a declaração verbal do proprietário que manifestou sua intenção de abandonar
o imóvel e a instrumentalizasse em um documento escrito, lavrado pelo
próprio agente público que ouviu a declaração, e, se possível, deveria o
proprietário assinar tal documento. Não sendo possível a assinatura do
proprietário, por qualquer razão, deve a autoridade pública certificar tal fato,
e encaminhar o documento para o órgão responsável pela abertura do
procedimento de arrecadação. A assinatura do proprietário em tal documento,
contudo, não dispensaria a notificação do proprietário para, querendo, se opor
ao processo de arrecadação, na forma estabelecida no art. 64, § 2°, III da Lei
13.465/2017, e, uma vez que impugnasse ou demonstrasse que a intenção não
era pelo abandono, o Poder Público estaria impedido de dar continuidade. É
dever do Poder Executivo municipal a normatização desses procedimentos
atinentes à arrecadação do imóvel abandonado, conforme o comando do art.
64, § 2°, da Lei 13.465/2017.
Se por um lado tal documento – que não se trata de uma escritura de
renúncia – não é suficiente para fazer com que o proprietário perca a
propriedade, por outro lado é certo que seria suficiente para autorizar a
imediata abertura do procedimento de arrecadação do bem abandonado, ainda
que seu tempo de abandono seja ínfimo. A presunção de veracidade dos atos
expedidos pelo agente público competente autoriza que se deposite fé naquilo
que o agente constatou e certificou. Eventuais abusos, ilegalidades ou
incorreções – que certamente devem ser a exceção na atuação administrativa
– poderiam ser combatidos e corrigidos por todos os meios disponíveis, no
âmbito da própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.
Além desse caso hipotético de manifestação expressa perante a
Autoridade Pública Municipal, seria aceitável que essa constatação fosse feita
a partir de declaração de testemunhas que tenham ouvido o proprietário
manifestar sua real e inequívoca intenção de abandonar o imóvel? Exigindo
muita cautela da Administração Pública, em princípio não haveria razão para
impedir o uso da comprovação testemunhal complementar do animus
abandonandi , desde que a prova testemunhal seja hígida e corroborada por
outros elementos materiais de prova, que no contexto consolidem o efetivo
convencimento da autoridade administrativa municipal, encarregada de
presidir o processo administrativo da arrecadação do imóvel 39 .
Qualquer outro meio de prova admitido em nosso Direito, conforme a sua
adequação e cabimento ao caso concreto, poderia ser levado em consideração
pela autoridade administrativa para se ter a efetiva “comprovação” do animus
abandonandi por parte do proprietário.
E, além desses casos de efetiva constatação e comprovação, nos quais
certamente a autoridade municipal deve iniciar imediatamente o
procedimento de arrecadação (ao menos o procedimento preliminar descrito
no item 2.5 deste artigo), haveria espaço para outras hipóteses de presunções
para inferir a intenção de abandonar e autorizar o início do procedimento de
arrecadação? Ou só haveria aquela presunção legal já mencionada no item
2.4.2.1 , supra ?
Para buscar resposta a tal pergunta, importante conhecer as espécies de
presunções admitidas em Direito. Há a presunção juris, que é aquela
expressamente prevista no texto de lei. E há também a presunção hominis,
que não tem expressa previsão na lei, mas se fundamenta na experiência de
vida, na “sabedoria popular”, no pensamento e cultura de um povo. A origem
normativa da presunção hominis, para muitos, está no Direito Canônico, que
prevê expressamente a aplicação dessa espécie de presunção, assim
estipulando:
Cân. 1584 – Presunção é a conjectura provável de uma coisa incerta; pode
ser de direito, quando é determinada pela lei, ou de homem, se é deduzida
pelo juiz.
Cân. 1585 – Quem tem por si a presunção de direito, fica liberto do ónus da
prova, que recai sobre a parte contrária.
Cân. 1586 – O juiz não deduza presunções que não estejam estabelecidas
pelo direito, a não ser que se baseie em facto certo e determinado que tenha
relação directa com o que é objecto da controvérsia.

O uso da presunção hominis no direito processual civil brasileiro está


positivado no art. 375 do CPC, que assim dispõe: “Art. 375. O juiz aplicará
as regras de experiência comum subministradas pela observação do que
ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica,
ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”.
Ainda, em caso de presunção juris , o direito processual civil brasileiro é
expresso sobre a desnecessidade de produzir prova sobre fatos em que esteja
presente a “presunção legal” de existência e veracidade. Assim, a presunção
hominis é admitida no direito brasileiro, mas se deve ter a máxima cautela em
sua especificação e aplicação.
Desse modo, deve o chefe do Poder Executivo municipal analisar a
realidade cultural, os valores econômicos dos bens imóveis de cada
Município e situações particulares que possam ocorrer em cada localidade
para especificar as hipóteses de presunção hominis de abandono de imóvel.
Apenas para fins de exemplos – que devem ser observados conforme a
realidade local –, imagine-se uma situação de terrenos ribeirinhos em área de
pouco valor econômico que, em vista de modificação no curso ou fluxo de
águas em determinado rio, passaram a ser objeto de frequentes e relevantes
alagamentos, enchentes e riscos ambientais que tornaram o imóvel sem
interesse econômico, sabendo-se, localmente, que as pessoas que antes
habitavam a região deixaram seus imóveis com intenção de não mais
retornar. Poder-se-ia, talvez, conforme o caso concreto, configurar a
presunção hominis de animus abandonandi .
Ainda, outro caso hipotético para reflexão: um proprietário com vasto
patrimônio imobiliário toma ciência de que um imóvel de sua propriedade em
importante avenida da cidade foi invadido por terceiros, que lá começaram a
instalar barracos ou construções improvisadas e desordenadas. Se esse
proprietário deixar de adotar medidas para ser reintegrado na posse em tempo
razoável e agir com nítida intenção de não mais ter interesse em manter a
propriedade do imóvel, tal comportamento poderia induzir à presunção de
animus abandonandi ? Possivelmente sim, conforme a situação e o caso
concreto.
Naturalmente, quaisquer dessas presunções hominis serão sempre
relativas, e admitirão prova – ou até mesmo a simples alegação do
proprietário – em sentido contrário, que poderá ser manifestada como
contestação, após ser notificado do procedimento administrativo de
arrecadação, em respeito aos valores do devido processo legal e da ampla
defesa.
Nesse sentido, ao se admitirem mais hipóteses de presunção de animus
abandonandi , amplia-se o campo de atuação dos Municípios na atuação da
ordenação do espaço urbano e da máxima efetividade da função social da
propriedade urbana. Naturalmente, as presunções devem ser aplicadas de
maneira razoável, de forma que não criem o risco de violação ao consagrado
direito fundamental de propriedade. Deve-se aplicar as presunções hominis
em situações em que os fatos e os indícios realmente conduzam, de maneira
muito provável, à intenção de abandono do imóvel, de forma a harmonizar o
direito de propriedade e a função social da propriedade. Por um lado, a
administração deve atuar de forma prudente, ética, razoável e cautelosa, para
não pretender praticar o inconstitucional confisco de bens, sem critérios ou de
maneira autoritária. Por outro lado, deve atuar de forma abrangente e proativa
para minimizar o lapso temporal em que imóveis abandonados fiquem sem o
adequado uso, aproveitamento e cumprimento de sua função social urbana.
2.4.2.3. Imóvel abandonado e a posse (ou detenção) por terceiros
Como visto no quadro comparativo apresentado no item 2.3 deste artigo,
o Código Civil, em seu art. 1.276, especifica(va) um pressuposto negativo
que, mesmo com o abandono pelo proprietário, se presente, impediria a
arrecadação do imóvel pelo Município: a eventual posse por terceiros. A
redação do Código Civil menciona expressamente: “que se não encontrar na
posse de outrem”.
Em vista disso, em primeira leitura, caso o imóvel efetivamente
abandonado pelo proprietário estivesse com exercício da posse (ainda que
injusta ou de má-fé?) por terceiros, aparentemente o Município não poderia
iniciar o procedimento de arrecadação.
Tal requisito foi suprimido na redação do art. 64 da Lei 13.465/2017, que
não mais elencou a “posse de outrem” como fator impeditivo de arrecadação
do bem pelo Município, em consonância com os princípios norteadores da
regularização fundiária urbana a serem adotados pelas políticas públicas
urbanas implementadas pelas alterações legislativas dessa lei, que, em
diversos dispositivos, amplia as possibilidades de efetivação de direito de
propriedade em favor da função social e urbanística da propriedade urbana.
Haveria alguma efetiva mudança nos requisitos objetivos para a
arrecadação? A posse de outrem poderá, ainda, em algum caso, impedir o
procedimento de arrecadação pelo Município?
Para responder a estas perguntas vale analisar brevemente a doutrina e a
jurisprudência, anteriores às inovações dos institutos trazidos pela Lei
13.465/2017.
Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves afirma que, “se alguém se
apossar do imóvel abandonado, não se operará a arrecadação, a qual se
restringe aos imóveis completamente abandonados e desocupados” 40 .
Portanto, se alguém estivesse na posse do bem e exercendo a função social da
propriedade, não haveria possibilidade de o Município arrecadar o imóvel.
Em 2011, o Tribunal de Justiça de São Paulo, aplicando o texto e os
requisitos do art. 1.276 do Código Civil, decidiu que a ocupação do imóvel
abandonado, ainda que por terceiros, impediria a arrecadação dos bens como
vagos:
Arrecadação de Bens Vagos – Requisitos do artigo 1.276 do Código Civil
Demonstrada a ocupação dos imóveis, ainda que por terceiros, inviável
sejam considerados bens vagos. Recurso improvido. TJSP. Apelação Cível
n. 0005732-37.2009.8.26.0457. Relator: Des. Lineu Peinado. Comarca:
Pirassununga. Órgão julgador: 2a Câmara de Direito Público. Data do
julgamento: 13.09.2011. Data de publicação: 15.09.2011.

Ainda antes das modificações trazidas pela Lei 13.465/2017, o Enunciado


597, da VII Jornada de Direito Civil, com coordenação-geral do Ministro Ruy
Rosado de Aguiar e tendo como coordenador da Comissão o Dr. Gustavo
José Mendes Tepedino, já restringia os casos em que a “posse por outrem”
impediria a arrecadação do bem pelo Município, assentando a seguinte
interpretação: “A posse impeditiva da arrecadação, prevista no art. 1.276 do
Código Civil, é efetiva e qualificada por sua função social”. Assim, já se
afirmava que a posse que impediria a arrecadação pelo Município, que estava
prevista na legislação, deveria ser aquela exercida por alguém que estivesse
dando efetiva e adequada utilização ao imóvel por meio da moradia, cultivo
ou desenvolvimento de atividade de interesse social e econômico, e que
possivelmente não tivesse uma relação jurídica com o proprietário tabular,
pois, se tivesse, o imóvel não estaria em estado de abandono, porque existiria
no mínimo um justo título ou uma relação jurídica prévia que desse suporte
jurídico para o exercício da posse fática. Na justificativa do enunciado, foi
apresentada a seguinte ponderação 41 :
A arrecadação é uma modalidade de aquisição da propriedade pelo Poder
Público em razão de abandono do imóvel por seu titular, portanto, uma
atuação em benefício da sociedade, com tom de punição ao proprietário
moroso no cumprimento da função social da propriedade imobiliária.
Presente, portanto, na arrecadação, o interesse público. No entanto, o
legislador, resolveu impedir a deflagração do procedimento de
arrecadação na hipótese do imóvel se encontrar na posse de outrem.
Evidente que o legislador se refere a alguém que esteja dando efetiva
utilização ao imóvel por meio da moradia, cultivo ou desenvolvimento de
atividade de interesse social e econômico e que por óbvio não tenha
relação jurídica com o proprietário, visto que, se tiver, o imóvel não estará
em estado de abandono. Essa posse de outrem não pode ser aquela simples,
resultante, por exemplo, da circunstância de ter cercado o imóvel, ter
impedido que outros o invadissem, tamanha a importância dada pelo
legislador de proteção daquele que a está exercendo. Certamente que se
refere à posse-trabalho ou posse-moradia referida por Miguel Reale
lastreada no princípio da socialidade, diversa da posse resultante dos
“critérios formalistas da tradição romanista, a qual não distingue a posse
simples, ou improdutiva, da posse acompanhada de obras e serviços
realizados nos bens possuídos” (O Projeto do Novo Código Civil , 2a ed.,
SP, Saraiva, 1999, p. 33).

Diante desse cenário anterior, e em vista da nova redação do instituto na


Lei 13.465/2017, faz-se necessário verificar se o imóvel abandonado que se
encontrar na posse de outrem pode ou não ser arrecadado. E também se faz
necessário analisar se a espécie de posse, as circunstâncias do fato e as
características da posse 42 podem influenciar ou modificar tal situação
jurídica e permitir a arrecadação do imóvel pela Municipalidade.
Em um primeiro momento, no entendimento desses autores, a supressão
do pressuposto negativo “que se não encontrar na posse de outrem” no texto
trazido pela Lei 13.465/2017 não leva à absoluta supressão da necessidade de
verificação pelo Município de eventual posse de outrem sobre o imóvel.
Muitas vezes a posse de outrem poderá indicar, em verdade, que não houve o
abandono do bem pelo proprietário, mas sim que tenha existido alguma
situação ou negócio jurídico informal, que não seguiu as solenidades
necessárias, sendo que o possuidor na verdade exerce a posse com justo título
(ainda que informal). Se assim estiver, será impossível a arrecadação do bem
pela Municipalidade, porque na realidade não teria havido o abandono pelo
proprietário, já que este teria, em verdade, cedido sua posse (e quiçá tenha
pretendido transferir a propriedade) a um terceiro, o que afasta efetivamente o
aspecto subjetivo do animus abandonandi . E, nesse sentido, sem animus
abandonandi não existe abandono, razão pela qual não poderá haver a
arrecadação.
Além desse caso em que o sucessor da posse tenha uma relação jurídica
prévia ou um justo título (ainda que sem as solenidades legais) adquirido do
proprietário, ou seja, tenha uma posse justa e evidentemente merecedora de
proteção legal jurídica, faz-se necessário investigar se a posse sem justo título
ou injusta, decorrente de ato ilícito como esbulho, por exemplo, em algum
caso mereceria proteção jurídica e se poderia o direito do invasor prevalecer
sobre o direito da municipalidade.
Embora o pressuposto negativo (que impediria a arrecadação) tenha sido
suprimido do art. 64 da Lei 13.465/2017, continua presente em nosso Direito
o preceito constitucional de que a propriedade deve atingir a sua função
social, econômica e ambiental, por traduzir dispositivos afetos aos direitos e
garantias individuais e coletivos, e, também, alcançar os Princípios da Ordem
Econômica. Nesse sentido, conforme os arts. 182 e 186 da Constituição, para
a propriedade urbana atingir a sua função social, deverá atender às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Dessa
forma, é possível afirmar que o exercício da função social da propriedade é a
finalidade maior buscada por todo o ordenamento jurídico. Continua,
portanto, plenamente eficaz a aplicação da teoria da função social da posse 43
na propriedade urbana em nosso ordenamento.
Nesse sentido, não se pode perder de vista que o objetivo do
procedimento de arrecadação do imóvel urbano é a adoção de medidas para
que ele cumpra de forma maximizada sua função social. Assim, se em
determinado caso concreto o Município perceber que o possuidor do imóvel
invadido – ainda que tenha adquirido esta posse de maneira injusta – deu ao
imóvel uma destinação que cumpra adequadamente sua função social, que
seja economicamente razoável e que efetivamente tenha aproveitado ao
máximo o potencial de função social daquele bem em consonância com as
diretrizes urbanas municipais, não deveria o Município buscar arrecadar o
bem. Isso porque seria incoerente retirar a posse de um invasor que seja
adequada, razoável e proporcional à finalidade urbana, para após o processo
de arrecadação o Município buscar dar ao imóvel uma destinação que seria
similar à que antes já existia em mãos do invasor. Tal decisão, entretanto,
deve ser tomada no curso do procedimento preliminar indicado no item 2.5
deste artigo (ou pode ser tomada também no procedimento administrativo
previsto no item 2.6 , caso só se constatem com firmeza os elementos da
posse depois do desenvolvimento do devido processo legal administrativo). A
decisão deve ser fundamentada pelo agente público responsável, para não
correr o risco de interpretar que a omissão do agente público viesse a
configurar, eventualmente, uma improbidade administrativa.
Assim, percebe-se que foi extremamente adequada a supressão do
pressuposto negativo do texto da lei. Agora, cabe ao Poder Público, diante do
caso concreto, avaliar e decidir quando a eventual posse de outrem sobre o
imóvel deverá ser protegida, e quando a posse deverá ser repelida por
critérios de preservação da função social urbana e suas diretrizes municipais.
Portanto, a solução estará sempre na medida de dois elementos, que, se
presentes, devem preservar a posse do invasor: a) a adequação e maximização
da função social da propriedade pelo possuidor-invasor; e b) a adequação
econômica de permitir o exercício da posse na propriedade em favor do
invasor com animus domini.
No primeiro aspecto o Poder Público deve verificar a situação concreta
da destinação e adequação social da posse, levando em conta a
proporcionalidade entre, por exemplo, o tamanho do imóvel e a efetiva
utilização pela família do invasor para moradia, por exemplo. Assim, v.g., se
uma mansão com 20 quartos for invadida por um indivíduo solitário ou por
uma pequena família, percebe-se que a proporcionalidade não estará
adequada. Por outro lado, se o mesmo imóvel tiver sido ocupado, v.g., sem
justo título por uma entidade assistencial, que organizou dormitórios para que
diversas pessoas sem teto pudessem passar a noite, percebe-se que aquele
imóvel teria uma destinação proporcional e adequada ao seu tamanho e
potencial.
No aspecto econômico, deve o Poder Público avaliar a razoabilidade e
proporcionalidade econômica da posse do invasor, que poderá, com o passar
do tempo, levar à aquisição da propriedade pelo invasor por meio da
usucapião. Imagine-se, por exemplo, uma situação em que um terreno urbano
situado em região nobre ou comercialmente supervalorizada, com valor de
mercado, por exemplo, de R$ 5.000.000,00, viesse a cair em estado de
abandono. Caso um invasor hipossuficiente invada o bem, construa um
casebre e lá passe a residir, ou, ainda, um rico construtor invada, construa um
pequeno quiosque e alugue para um comerciante, exercendo posse sobre o
bem sem justo título a fim de adquirir a propriedade por usucapião e no
futuro explorar economicamente o imóvel com um grande empreendimento
imobiliário, seria adequado que algum desses invasores adquirisse a
propriedade do bem pela usucapião se passados cinco ou dez anos, no
primeiro caso (art. 183 da CF ou art. 1.238, parágrafo único, do CC), ou dez
anos, no segundo caso (art. 1.238, parágrafo único, do CC)?
Tendo em vista que o proprietário abandonou o imóvel supervalorizado,
como mencionado no exemplo – e por isso ele, proprietário, não tomará
qualquer medida possessória para repelir a posse dos invasores –, deveria
nesse caso o Poder Público ficar inerte e deixar transcorrer o prazo de cinco
ou dez anos para os que invasores adquiram a propriedade de tal imóvel
urbano? Ou seria mais adequado que o Município arrecadasse o bem para si a
fim de dar uma destinação mais adequada à função social urbana, com
primazia do interesse público primário?
Não se ignora que a doutrina 44 e a jurisprudência tratadas anteriormente
sobre o tema, e pesquisadas neste trabalho, são prevalecentes quanto à
impossibilidade de arrecadação de bem imóvel em detrimento da existência
de eventual possuidor a qualquer título que exerça a posse com animus
domini no bem imóvel abandonado. Ademais, na hipótese de ser verificada a
aquisição pela usucapião durante o procedimento arrecadatório, essa
prescrição aquisitiva pode ser apresentada até a declaração de vacância 45 ou
transmissão efetiva do bem imóvel vago para o Poder Público, conforme
julgados. Entretanto, propomos neste trabalho trazer uma reflexão e fazer
uma nova leitura das intenções trazidas pela alteração legislativa em destaque
que proporcionaram a flexibilização de diversos requisitos formais
consolidados no ordenamento para permitir a aplicação e efetivação da
regularização fundiária urbana em consonância com os interesses públicos
envolvidos quanto à função social urbana e às diretrizes urbanísticas, sociais,
ambientais e econômicas estabelecidas constitucionalmente.
Com máxima vênia aos entendimentos divergentes, pela nítida quebra de
proporcionalidade e razoabilidade, entendemos que, em casos como os dos
exemplos tratados acima – da mansão com 20 quartos ou do terreno
supervalorizado –, deve prevalecer o interesse público sobre o particular,
competindo ao Município, nesses casos, tomar as medidas possessórias
necessárias contra os invasores, e proteger seu futuro direito de arrecadação
do bem abandonado. E, após a arrecadação, compete ao Município atribuir a
destinação mais adequada do bem, buscando maximizar a sua função social.
No caso da mansão com 20 quartos, por exemplo, uma destinação adequada
poderia ser a utilização do bem pelo órgão de assistência social do Município
para acolher de forma provisória, ainda que apenas noturna, uma grande
quantidade de pessoas sem moradia, sem excluir a possibilidade de incluir o
invasor sem teto nesse sistema. No caso do pequeno terreno supervalorizado,
o destino do bem poderia ser a venda por licitação da melhor proposta, para
que o imóvel voltasse à circulação econômica privada e pudesse ser objeto de
empreendimentos imobiliários, ao mesmo tempo que o Município, com o alto
valor arrecadado na venda do bem, poderia adquirir mais imóveis ou
implementar maiores possibilidades de moradia popular em regiões menos
valorizadas em zonas especiais definidas pelo plano diretor.
Portanto, a supressão do pressuposto negativo de inexistência de posse de
outrem sobre o imóvel abandonado da Lei 13.465/2017 traz maior clareza
sobre a regra do instituto da arrecadação, e de eventual posse sobre o bem
abandonado. Só deverá ser protegida a posse de terceiros sobre o bem –
obstando-se a arrecadação – na hipótese em que o possuidor tenha justo título
(ainda que informal), ou, excepcionalmente, em casos de posse sem justo
título, desde que, nesse caso: a) seja adequada, razoável e proporcional
quanto às finalidades sociais e econômicas; e b) esteja dando o máximo
cumprimento à função social da propriedade urbana invadida. Nesses casos,
deverá o Município documentar e decidir, de forma fundamentada e por
critérios objetivos estabelecidos previamente por ato normativo municipal, os
motivos pelos quais deixa de arrecadar o bem vago, assim fazendo em
procedimento preliminar, na forma que propomos no item 2.5 deste artigo ou
no curso de processo administrativo, na forma do item 2.6 .
Como foi visto, o novo dispositivo legal introduzido no caput do art. 64
da Lei 13.465/2017 afasta eventuais interpretações puramente formalistas que
pudessem impedir a arrecadação pelo Município em qualquer caso de posse
por terceiros. Agora está mais claro que caberá ao Poder Público, diante de
cada caso concreto, concluir pela adequação da posse exercida por um
terceiro ou pela prevalência do interesse público envolvido. Isso não
desprestigia a função social da posse, visto que o Município deverá,
conforme o caso concreto, decidir não proceder à arrecadação, em favor do
possuidor. Por outro lado, impede que a simples interpretação equivocada de
um pressuposto formal possa fazer prevalecer uma posse injusta e inadequada
por particulares, em afronta à máxima efetividade da função social da
propriedade e suas diretrizes urbanas.
Portanto, conclui-se neste item que deve o Município ter em vista o
interesse social de propiciar o acesso aos imóveis urbanos à maior quantidade
possível de cidadãos e, também, o interesse urbanístico de assegurar o
adequado cumprimento do plano diretor e da função social da cidade. Ao
mesmo tempo, deve tomar decisões que equilibrem e harmonizem, com
razoabilidade, o interesse privado do possuidor com o interesse público
primário.

2.5. Primeira etapa: procedimento preliminar (ou inquérito) em caso


de suspeita de vacância e/ou abandono de bem
Como visto, qualquer caso de suspeita de aparente abandono ou vacância
do bem deve ser investigado pela administração pública, de forma formal e
estruturada. Esta etapa preliminar não é expressamente imposta pelo art. 64
da Lei 13.465/2017, mas é adequada sempre que há suspeita de abandono ou
renúncia de bem, em vista da indisponibilidade do direito público de
arrecadação. Diante da indisponibilidade do interesse público envolvido, o
agente público que tomar conhecimento de uma situação de aparente
abandono ou vacância e não adotar medidas para proteger o futuro bem
público estaria incorrendo em possível improbidade administrativa.
Assim como no direito penal, em que há a indisponibilidade da pretensão
punitiva e não pode uma autoridade policial deixar de abrir inquérito ou de
tomar as providências para documentar eventual denúncia criminal caso o
inquérito demonstre a real existência de materialidade e indícios de autoria,
no direito administrativo também é indisponível o direito público de
investigar se há ou não abandono de imóvel. Havendo suspeitas, deve a
autoridade abrir o procedimento preliminar, que pode ser denominado em
decreto executivo municipal como inquérito, procedimento ou de qualquer
outra forma. Mas nessa fase ainda não se forma um processo administrativo
com contraditório, já que o objetivo da fase inicial é meramente investigativo
e de constatação sobre a real existência de abandono.
Em vista da indisponibilidade do interesse público, deixar de abrir
procedimento de preliminar de investigação em caso de suspeita de abandono
pode configurar improbidade administrativa, ante o risco de prejuízo ao
erário e o descumprimento de um princípio da administração.
Por outro lado, não parece adequado, razoável e nem processualmente
econômico que qualquer suspeita de abandono fizesse gerar um processo
administrativo, com notificação do proprietário e demais interessados e
contraditório, se por meio de uma investigação preliminar a autoridade
administrativa poderia afastar a suspeita de abandono em inúmeros casos.
Assim, se não se deve deixar de investigar (por imposição constitucional da
indisponibilidade do interesse público e por configurar uma improbidade
administrativa) e se não é adequado abrir o processo administrativo definitivo
(especificado no item 2.6 ) sem fortes elementos fáticos e probatórios, é
decorrência lógica que essa fase de investigação preliminar (como inquérito,
em fase pré-processual) faz-se necessária.
É certo que o imóvel urbano abandonado tem expectativa de ser
incorporado ao patrimônio público do Município, por expressa previsão legal.
Assim, se eventualmente um agente público agir de forma omissa quando
tomar conhecimento de imóvel urbano possivelmente abandonado, deixando
de adotar as medidas para aprofundar a investigação ou para abrir o processo
de arrecadação, estaria, possivelmente, agindo de maneira a se enquadrar em
alguma das modalidades de improbidade administrativa previstas na Lei
8.429/92 – LIA (Lei de Improbidade Administrativa).
Haverá discussão doutrinária sobre em qual modalidade de improbidade
tal conduta omissiva se enquadraria, podendo haver interpretação de que seria
no art. 10 da LIA (modalidade de lesão ao erário) ou no art. 11 da LIA
(atentar contra os princípios da administração pública).
Em tese, considerando que a omissão pode fazer com que um bem que
seria público se perca e seja, eventualmente, apropriado por particular por
meio de usucapião, tal omissão talvez fosse capitulada no art. 10, inciso I, da
LIA, que assim dispõe:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1° desta lei;

É inequívoco que a omissão em abrir o procedimento investigatório


preliminar, em caso de suspeita de abandono do bem, facilita a possível
incorporação do bem vago no patrimônio do particular de um bem com
expectativa de vir a ser público. Pode-se sustentar, contudo, que o bem ainda
não é público (mas só tem expectativa de vir a ser público), e, assim, talvez
se afaste o tipo de improbidade do art. 10, I, supraindicado. Nesse caso,
contudo, talvez fosse adequado o enquadramento da omissão no art. 11 da
LIA, que assim prevê:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
[…]
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Se a conduta for enquadrada no caso do art. 10 da LIA, a omissão seria


punível tanto se fosse dolosa quanto culposa. Se for enquadrada no art. 11 da
LIA, conforme consolidada jurisprudência, só seria punível omissão dolosa.
Se após as investigações nessa fase preliminar o Poder Público concluir
que o bem não pode (ou não deve) ser arrecadado, deve, de maneira
fundamentada, decidir pelo arquivamento do procedimento ou do inquérito
administrativo. Da mesma forma que a omissão no início da investigação
pode configurar, em tese, improbidade administrativa, poderia também ser
verificada a improbidade em eventual decisão equivocada que determinasse o
arquivamento do procedimento sem a arrecadação, quando a situação fática
permitir a aquisição pelo Município.
Caso, por exemplo, o bem esteja na posse de outrem nas situações em
que tal posse mereça proteção jurídica, como exposto e fundamentado no
item 2.4.2.3 deste artigo, deve a autoridade municipal arquivar o
procedimento, por decisão fundamentada e motivada por escrito da razão pela
qual deixa de abrir o processo de arrecadação do bem vago. Da mesma
forma, caso o bem objeto da renúncia esteja entre os casos de ineficácia da
renúncia ou entre os casos em que a renúncia ex lege beneficiou um terceiro,
também deve o procedimento preliminar de inquérito ser arquivado
fundamentadamente. Ainda, caso o procedimento preliminar tenha sido
aberto com base em “denúncia” anônima, por exemplo, de que um bem
imóvel estaria abandonado, mas, ao realizar diligências in loco, a autoridade
administrativa constata que na verdade o bem não está abandonado, também
deve o procedimento preliminar ser arquivado. Nesses casos, em que o
procedimento preliminar é encerrado ex officio, não se faz necessário sequer
notificar o proprietário ou possuidor, já que a investigação preliminar
demonstrou e adequadamente documentou que o bem não deve ser objeto de
arrecadação.
É recomendável que o Executivo Municipal, ao normatizar o
procedimento de arrecadação de bens vagos, crie critérios objetivos para que
se aplique o laissez-faire em tais casos sem que o agente público corra o risco
de incorrer em improbidade administrativa na forma prevista nos incisos II,
III ou VII do art. 10 da Lei 8.429/92, que dispõem:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no art. 1° desta lei, e notadamente:
[…]
II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado,
ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou
valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1°
desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares
aplicáveis à espécie;
[…]
VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

É certo que o bem abandonado ainda não integra o patrimônio do


Município, mas por outro lado há expectativa de direito do Município de
incorporar o bem vago ao patrimônio público e dar a melhor destinação
social e econômica ao bem, conforme as políticas sociais e urbanísticas do
município. Em vista disso, é importante que os agentes públicos municipais
(e do Distrito Federal) competentes tenham clareza de seu poder-dever de
vigiar e arrecadar tais bens, agindo conforme os interesses da administração
pública e da coletividade.
E, ao final do procedimento preliminar, cercando-se o agente público de
forte convicção de que seja o caso de arrecadação do bem, deve ele decidir
pela abertura de processo administrativo visando à arrecadação do imóvel, na
forma do item 2.6 , ocasião em que será aberta oportunidade ao proprietário
(e demais interessados) para impugnar o processo de arrecadação.
Caso haja posse de outrem sobre o imóvel objeto da pretendida
arrecadação, salvo medidas cautelares urgentes 46 , não deve o Município
buscar de imediato medidas possessórias ou petitórias. Em regra, somente
após o final julgamento do processo administrativo de arrecadação previsto
no item 2.6 , assegurado o contraditório e ampla defesa, casa seja julgado
procedente a arrecadação, é que deve o Município adotar medidas
possessórias ou petitórias para repelir a posse injusta por terceiros sobre o
bem.
Como esse procedimento preliminar é puramente investigativo e
meramente preparatório e ocorre em fase pré-processual, e poderia concluir
pela inexistência de direito de arrecadação ainda em fase preliminar, não é
adequada qualquer publicidade registral imobiliária de tal fase. Como se verá
no item 2.6 , contudo, se essa fase preliminar indicar a abertura do processo
de arrecadação, por haver forte convicção de que o bem estará sujeito à
arrecadação, deverá então o Município providenciar a publicidade registral da
existência de tal processo administrativo na matrícula do imóvel, para
conferir cognoscibilidade e preservar direitos.

2.6. Segunda etapa: o processo administrativo de arrecadação


propriamente dito e sua publicidade registral imobiliária
Aqui, nesta etapa, é que está o processo administrativo da arrecadação do
imóvel vago em si, na forma prevista no § 2° do art. 64 da Lei 13.465/2017.
A etapa anterior, como dito, não está prevista na Lei 13.465/2017, mas sua
documentação é adequada para comprovar que os agentes públicos foram
diligentes e não incorreram em omissão de arrecadação de bens que poderiam
ser (ou havia suspeita de que estivesse) sujeitos à arrecadação.
Aqui, no processo administrativo de arrecadação em si, deve haver forte
convicção de que o bem está vago (ainda que não haja provas ou presunção
definitivas sobre isso). E o processo administrativo de arrecadação deve se
submeter ao devido processo legal, com efetivo contraditório e participação
do proprietário e de outros eventuais interessados.
A Lei 13.465/2017 especificou somente regras mínimas, de forma muito
sucinta, para o processo de arrecadação. Assim previu:
Art. 64. […]
§ 2° O procedimento de arrecadação de imóveis urbanos abandonados
obedecerá ao disposto em ato do Poder Executivo municipal ou distrital e
observará, no mínimo:
I – abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação;
II – comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal;
III – notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar
impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da
notificação.
§ 3° A ausência de manifestação do titular do domínio será interpretada
como concordância com a arrecadação.

Assim, deve o agente público municipal abrir processo administrativo


(art. 64, § 2°, I, da Lei 13.465/2017) específico de cada imóvel vago. Deve
ainda, durante a instrução do processo administrativo, obter comprovação do
tempo de abandono do imóvel e do tempo de inadimplência fiscal. Como foi
dito nos itens 2.4.2.1 e 2.4.2.2 deste artigo, não é necessário que haja
abandono do imóvel ou inadimplência fiscal por cinco anos, já que esta é
somente uma das hipóteses de comprovação, que se faz por meio de
presunção legal expressa. Pode a autoridade administrativa, colhendo outras
provas, comprovar o abandono pelo proprietário e a inadimplência fiscal, que
poderá ser por qualquer prazo. Deve, contudo, a autoridade indicar no
processo há quanto tempo tal fato ocorre (art. 64, § 2°, II, da Lei
13.465/2017).
Ainda, deve a autoridade administrativa providenciar a notificação do
titular de domínio para, querendo, apresentar impugnação (art. 64, § 2°, III,
da Lei 13.465/2017). Adotadas tais medidas, estarão cumpridos os requisitos
mínimos estipulados pela Lei 13.465/2017.
Contudo, é fortemente recomendável que sejam observadas algumas
cautelas adicionais: a notificação, além de endereçada ao proprietário tabular
(aquele que consta na matrícula do registro de imóveis), deve ser também
enviada para outros titulares de direitos reais ou pessoais com eficácia real
sobre o imóvel que estiverem ativos na matrícula do imóvel. Por exemplo, o
titular do usufruto, ou credor hipotecário, ou ainda o credor de caução
locatícia que constem na matrícula do imóvel devem ser também notificados,
já que são evidentes seus interesses no processo. Caso não sejam notificados,
haveria duas soluções jurídicas: ou haveria nulidade do processo
administrativo, ou os direitos de tais terceiros que não participaram do
processo não seriam suprimidos com a eventual procedência do processo
administrativo de arrecadação do bem.
Ainda, caso o bem esteja ocupado por terceiro – invasor ou não –, deve-
se interpretar que tal ocupante também deveria ser notificado para participar
do processo administrativo, a fim de comprovar eventual justo título, ou
defender a qualidade de sua posse, a fim de tentar convencer a autoridade
julgadora de que seu interesse particular deveria prevalecer sobre o interesse
do Município.
Não se vê necessidade de publicação de editais para notificação de
terceiros incertos e não sabidos. Se eventual terceiro incerto e não sabido
tinha algum título aquisitivo sobre o bem, deveria ter levado tal título ao
registro imobiliário. Se não o levou, tem somente direito obrigacional contra
o proprietário-vendedor. E, como não tem posse sobre o bem, tal terceiro não
poderia sequer alegar ou buscar proteção baseado no duvidoso argumento da
tutela da aparência fática/possessória.
Nessa etapa – do processo administrativo em si –, deve haver publicidade
registral imobiliária, que é possível desde a abertura do processo e é
obrigatória ao final deste, se julgada procedente a arrecadação.
A publicidade sobre a existência do processo (ou ação real, ainda que
administrativa) pode ser objeto de publicidade por registro da notificação do
proprietário para se defender no processo, com fundamento no art. 167, I, 21,
da Lei 6.015/73. Haveria espaço para divergências doutrinárias quanto ao
tratamento da notificação do processo administrativo de arrecadação como
citação em uma ação real, dada a compreensão mais tradicional do termo da
“ação” em direito processual civil, que é frequentemente apresentado de
forma ligada à jurisdição. De toda forma, nos casos em que o Direito admitir
que fora da jurisdição no Poder Judiciário haja processo administrativo que
possa conduzir à perda da propriedade por aquele que figura no registro de
imóveis como proprietário – como no caso da arrecadação de bens vagos no
novo contexto do papel da administração pública em questões fundiárias
urbanas, introduzido pela Lei 13.465/2017 –, deve-se interpretar de forma
adequada a expressão registro “das citações de ações reais ou pessoais
reipersecutórias”, a fim de assegurar publicidade registral de tão importante
processo em andamento. A ausência de publicidade registral poderá implicar,
caso um terceiro de boa-fé adquira o imóvel, perda do direito de arrecadar
pelo Município, ou, em outra linha, o indesejável prejuízo ao terceiro de boa-
fé que adquiriu um bem confiando na publicidade registral imobiliária 47 .
Ao final do processo administrativo de arrecadação, considerando-se já
registrada na matrícula a “citação/notificação” da existência do processo
desde sua abertura, deve ser averbada a decisão administrativa, seja de
procedência ou improcedência do processo administrativo (art. 167, II, 12, da
Lei 6.015/73). Em que pese abalizada doutrina, como Arruda Alvim, Clápis e
Cambler 48 , afirme que são averbáveis decisões judiciais ou arbitrais, é
inegável que no presente caso a decisão do processo administrativo também é
passível de averbação.
Em caso de improcedência (o bem não será arrecadado), a averbação da
decisão terá efeito extintivo do registro da citação.
E, em caso de procedência do processo de arrecadação, a averbação da
decisão não terá qualquer efeito imediato de perda da propriedade pelo seu
titular, mas marcará o dies a quo da contagem do triênio legal para definitiva
aquisição do bem pelo Município. Nesta questão, vale destacar que, embora
não esteja previsto na lei, de maneira direta, que o dies a quo do triênio legal
se dá pela inscrição da procedência do processo de arrecadação no registro de
imóveis, para garantir a segurança jurídica e tutela dos direitos subjetivos do
proprietário que perderá sua propriedade, e ainda de maneira análoga ao que
está previsto na Lei 13.465/2017 para a conversão da legitimação da posse
em propriedade 49 , deve a autoridade municipal providenciar a publicidade
registral imobiliária da procedência da arrecadação, para somente a partir de
então se contar o prazo trienal para a definitiva aquisição do bem pelo
Município.
Naturalmente, se em qualquer momento o proprietário buscar o Poder
Judiciário para anular, rever ou impedir o processo administrativo, da mesma
forma, eventual decisão judicial definitiva que afaste o processo
administrativo deve ser objeto de averbação, também pelo art. 167, II, 12, da
Lei 6.015/73.

2.7. Terceira etapa: posse pelo município, destinação do bem


arrecadado e publicidade registral desta fase
Após o encerramento da etapa instrutória e decisória do processo
administrativo estudado no item 2.6 , em caso de final procedência do
processo de arrecadação, o Município deverá tomar providências para se
imitir (ou ser imitido) na posse do imóvel.
Caso o imóvel esteja desocupado, o Município poderá, com
autoexecutoriedade da decisão em processo administrativo que julgou
procedente a arrecadação, imitir-se na posse do imóvel, e, na forma do § 4°
do art. 64 e também do art. 65 da Lei 13.465/2017, tomar medidas para dar
destinação social e econômica ao bem.
Caso o bem esteja ocupado por terceiro, mas com fundamento no que foi
exposto no item 2.4.2.3 deste artigo o processo de arrecadação tiver sido
julgado procedente, entendendo-se que no caso concreto devesse prevalecer o
direito público de arrecadação do bem sobre a posse (ou detenção) pelo
particular-invasor, se o particular se recusar a desocupar o imóvel
amigavelmente, salvo melhor argumento a ser estudado oportunamente,
entendem estes autores que não deveria o Município poder utilizar-se da
autoexecutoriedade dos atos administrativos para tirar o particular da posse.
Deverá, nesses casos, sempre na hipótese de resistência do particular, se valer
de medidas possessórias ou petitórias em juízo, demonstrando que esse
particular foi notificado para se defender no processo administrativo de
arrecadação, e que a final decisão do processo administrativo concluiu pelo
poder-dever de arrecadar o imóvel. Em tal decisão, naturalmente, o
magistrado poderá verificar as razões que levaram a autoridade
administrativa a julgar pela prevalência do interesse público da arrecadação
sobre o interesse do particular invasor e/ou possuidor. Poderá, ainda, o
particular buscar, pela via judicial, desconstituir e/ou anular a decisão
administrativa, a fim de tentar preservar seu direito de posse e/ou detenção
sobre a coisa.
Também caso o Município receba a posse após decisão judicial, uma vez
na posse do bem, também é dever da administração, na forma do § 5° do art.
64 da Lei 13.465/2017 e do artigo 65 da mesma lei, dar, da forma mais breve
possível, destinação ao imóvel, fazendo com que este passe a atender sua
função social.
Nos primeiros três anos após a publicidade registral da decisão de
procedência da arrecadação, o Município terá uma posse provisória, já que
nesse prazo o proprietário ainda poderá reivindicar o bem. Isso não afasta,
contudo, o dever do Município de dar, de imediato, adequada destinação
social provisória ao bem, podendo realizar obras necessárias para tanto, na
forma do § 4° do art. 64 da Lei 13.465/2017. Se o proprietário comparecer no
triênio legal reivindicando a propriedade, em se reconhecendo o direito de ele
reaver o imóvel, deverá o proprietário indenizar previamente o valor
atualizado de todas as despesas em que houver incorrido o Poder Público,
inclusive as tributárias que teriam sido devidas no período, conforme o § 5°
do art. 64 da Lei 13.465/2017.
Não deve, contudo, o Poder Público, nesse interregno de três anos,
conceder direitos reais sobre o bem (mas pode conceder direitos
possessórios), já que, enquanto não transcorrer o triênio legal após a inscrição
registral da arrecadação, o proprietário tabular – aquele que abandonou o
imóvel – continua a ser o proprietário, e poderá vir a reivindicar o imóvel.
Poder-se-ia discutir a viabilidade jurídica de eventual concessão de direito
real submetido a condição resolutiva, em que o recebedor do direito real
estivesse ciente de que, caso o proprietário reivindicasse no triênio legal, o
direito real resolúvel seria extinto. De toda forma, ainda que caiba maior
aprofundamento, tem-se que o Município não é proprietário do bem antes de
decorrido o triênio legal, razão pela qual nos parece inviável a concessão de
direitos reais dentro do triênio legal, em vista do princípio registral da
continuidade subjetiva (art. 195 da Lei 6.015/73), e também em decorrência
do princípio da inscrição e necessidade de disponibilidade jurídica (arts.
1.227 e 1.245 do Código Civil, e arts. 172 p.f. e 252 da Lei 6.015/73). Parece
mais adequado entender que eventual criação (ou transmissão) de direitos
reais sobre o imóvel arrecadado só seria juridicamente possível após o
decurso do prazo de três anos, quando o bem entrará, em definitivo, no
patrimônio público, na forma do art. 65 da Lei 13.465/2017 e do art. 1.276 do
Código Civil.
Por outro lado, o Município que arrecadou tem, inequivocamente, direito
de posse sobre o imóvel desde o primeiro dia após o julgamento de
procedência do procedimento administrativo de arrecadação. E essa posse é
legítima e qualificada, permitindo (e impondo) ao Município a imediata
destinação do bem para o cumprimento da função social.
O poder-dever do Município de se imitir na posse desde logo é necessário
a fim de tornar a propriedade útil para as finalidades urbanas e realizar as
medidas necessárias para preservação ou recuperação desta, sob pena de
ineficácia do instrumento de arrecadação, que manteria o imóvel na mesma
situação anterior. Vladimir Passos de Freitas 50 analisa essa circunstância e
afirma que não teria sentido permitir a decretação de arrecadação de imóvel
abandonado e manter o imóvel sob risco de perigo ou dano social, da mesma
maneira que a inércia do titular anteriormente.
É recomendável que o Município, ao tomar posse do bem arrecadado,
tome providências para lavrar detalhado termo de imissão na posse,
detalhando e documentando o estado em que o imóvel se encontrava no
momento em que o exercício da posse foi iniciado pelo Poder Público, para
que se possa ter clareza da situação anterior em caso de reivindicação do bem
pelo proprietário no triênio legal, permitindo identificar com clareza as obras
executadas pelo Município ou por terceiro e possibilitando melhor aferição
da indenização a ser paga pelo proprietário ao Município.
Esse direito de posse em favor do Município, por suas peculiaridades
jurídicas específicas, merece proteção maior do direito e tem oponibilidade
erga omnes reforçada pela publicidade registral, que é, nesse caso de posse,
expressamente admitida. Assim, no momento em que se imitir na posse (por
autoexecutoriedade, se o imóvel estivesse desocupado) ou for imitido na
posse (após o cumprimento de medida judicial, caso o imóvel estivesse
ocupado por terceiro que oferecesse resistência), deve o Município levar para
o Registro de Imóveis o auto de imissão provisória na posse (administrativo
ou judicial), que será objeto de registro em sentido estrito, com fundamento
no art. 167, I, 36, da Lei 6.015/73.
E, se por um lado parece inadequado que o Município faça a transmissão
de direitos reais para terceiros no triênio legal, é certo que, desde o momento
em que estiver imitido na posse, é facultado ao Município – a fim de atender
os objetivos sociais – ceder a posse direta a um terceiro por qualquer
instrumento obrigacional, ou, ainda, caso fosse adequado, poderia fazer
cessão de posse com eficácia erga omnes , situação em que o título da cessão
da posse teria ingresso no registro de imóveis por meio de registro, também
na forma do art. 167, I, 36, da Lei 6.015/73.
Feita essa etapa, o Município deve manter o processo administrativo da
arrecadação em arquivo provisório, por três anos após levar ao registro de
imóveis a decisão da arrecadação, para que possa realizar a etapa final, na
forma do capítulo 8 , a seguir.

2.8. Quarta etapa: reivindicação pelo proprietário ou aquisição


definitiva pelo poder público e publicidade registral de tais fatos
jurídicos
Como visto, o processo de arrecadação do imóvel urbano abandonado
tem uma etapa de “posse provisória” pelo Município, pelo prazo de três anos,
na forma exposta no item 2.7 .
Durante esse triênio legal, na forma prevista no art. 64, § 5°, da Lei
13.465/2017 e no caput do art. 1.276 do Código Civil, pode o proprietário
reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado, fazendo com que haja
fato impeditivo da aquisição da propriedade pelo Poder Público.
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa 51 , “iniciado o processo de
arrecadação, durante o prazo estipulado pela lei ainda pode o proprietário
reivindicá-lo”, isso porque, no abandono prevalece na doutrina que inexiste
uma vontade expressa manifestada, como ocorre na renúncia. O autor traz
ainda o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves no mesmo sentido:
“Dentro do lapso de três anos, se o proprietário se arrepender, poderá
reivindicá-lo das mãos alheias, pois a sua condição de dono somente se
extinguirá findo o aludido interregno”.
No mesmo sentido, Maria Helena Diniz 52 afirma:
Enquanto não transcorrer esse prazo, o imóvel não ficará sujeito a quem
quer que seja, podendo, inclusive, o titular do domínio reivindicar o imóvel
de mãos alheias, pois só perderá a propriedade sobre esse bem depois de
decorrido tal lapso de tempo.

Caso o proprietário compareça nesse período de três anos desde a


inscrição no Registro de Imóveis da decisão de procedência da arrecadação
do bem, poderá protocolar requerimento diretamente no processo
administrativo perante a autoridade municipal competente. A qualquer tempo,
comparecendo o proprietário e requerendo a posse e a propriedade, a
autoridade deverá desarquivar o processo administrativo de arrecadação (que
deve estar em arquivo provisório nessa fase), juntar a petição e trazer
concluso para análise e decisão. Em regra, o proprietário que antes tivera
abandonado o imóvel pode, por seu direito potestativo de arrependimento do
abandono e sem qualquer maior justificativa, requerer a posse do imóvel, que
assim faria cessar a posse em favor do Município e impediria a aquisição da
propriedade pelo Poder Público.
Há, contudo, exceções: caso, por exemplo, o proprietário tivesse feito
renúncia formal e solene da propriedade, na forma indicada no item 2.4.1
deste artigo, não teria legitimidade para requerer a posse, e só poderia fazê-lo
se obtivesse a anulação do ato jurídico de renúncia, via judicial, nos prazos
dos arts. 178 ou 179 do Código Civil, conforme a hipótese. Se o proprietário
tiver proposto a ação anulatória, é adequado que fique suspenso o decurso do
prazo do triênio legal até final decisão do processo judicial que vise a
anulação da renúncia. Ainda, caso o proprietário, no curso do procedimento
de arrecadação (ou na fase preliminar), tivesse manifestado sua expressa
vontade de abandonar o imóvel, de forma livre e inequívoca, e tivesse
subscrito tal declaração (ainda que em documento não notarial), parece
adequado que se aplicasse a regra do art. 393 do Código de Processo Civil,
que diz irrevogável a confissão (no caso a confissão do animus abandonandi
declarada em processo administrativo), só se permitindo a anulação por erro
de fato ou coação. De toda forma, nesses casos deve o decurso do prazo
trienal ficar suspenso enquanto houver pendências.
Em qualquer caso, se o proprietário vier a ser reintegrado na posse do
imóvel antes de efetivamente retomar a posse, deverá fazer indenização
prévia, integral e atualizada de todas as despesas e obras em favor do Poder
Público, na forma do art. 64, § 5°, da Lei 13.465/2017. Incluem-se na
indenização, também, os ônus tributários sobre o imóvel de todo o período.
Assim, fazendo a indenização e reavendo a posse do imóvel, o proprietário
poderá solicitar à autoridade administrativa uma certidão de decisão que
confirme a reaquisição da posse por ele, proprietário, com base na qual este
poderá requerer ao registro de imóveis competente a averbação de
cancelamento de qualquer averbação ou registro anterior atinente ao processo
de arrecadação.
E, caso o proprietário não compareça no prazo trienal previsto no caput
do art. 1.276 do Código Civil, deve a autoridade administrativa, com o
decurso de tal prazo, trazer o processo concluso para decisão final sobre a
aquisição definitiva da propriedade pelo Município. Nessa fase, é
recomendável que a autoridade administrativa providencie certidão do
distribuidor judicial para se assegurar de que não há nenhuma ação do
proprietário tabular ou de terceiro reivindicando o imóvel. Não havendo,
estará configurada a aquisição do bem, em definitivo, pelo Município.
A forma de aquisição da propriedade de bem imóvel pelo Município não
foi definida pelo Código Civil. Entretanto, é certo que se trata de uma
aquisição originária, já que não existe negócio causal de transmissão entre o
anterior proprietário (o renunciante ou aquele que abandonou o bem) e o
novo proprietário (o Município).
Assim, essa figura de aquisição originária é, em verdade, uma espécie de
usucapião em favor do poder público 53 . E, como tal, uma vez declarada
(administrativamente), a finalização desse processo administrativo deve ser
documentada em forma de certidão da administração pública, que deve ser
encaminhada ao Registro de Imóveis competente para o registro da usucapião
em favor do Município, com fundamento no art. 167, I, 28, da Lei 6.015/73.
E não se diga que tal inciso 28 preveja como título sujeito a registro a
“sentença” declaratória de usucapião. É indiscutível que a usucapião
atualmente pode ser reconhecida fora do Poder Judiciário, na forma do art.
216-A da Lei 6.015/73, diretamente no Registro de Imóveis. Da mesma
forma, a final decisão do processo administrativo de arrecadação terá decisão
final equivalente a uma sentença declaratória de usucapião, e dessa forma
deverá ingressar por meio de registro em sentido estrito na matrícula do
imóvel. Embora o fundamento seja o inciso 28, no texto do registro da final
aquisição da propriedade pelo Poder Público, pode o oficial de registro
redigir o registro sem o uso da expressão “usucapião” em favor do Poder
Público, podendo, simplesmente, fazer referência ao gênero “aquisição
originária” pelo Poder Público com fundamento no art. 1.276 do Código
Civil, e mencionar o número do processo administrativo de arrecadação. Na
forma sustentada neste artigo, só pode o oficial praticar o ato de registro se já
tiver decorrido o prazo mínimo de três anos desde a publicidade registral da
decisão de procedência da arrecadação 54 .
Assim, com o final registro da aquisição do bem pelo Município no
registro de imóveis, estará finalizado o processo de arrecadação.

2.9. Conclusões e considerações finais


O presente artigo aprofundou o estudo do instituto do abandono da
propriedade imóvel urbana como causa de perda da propriedade prevista no
art. 1.276 do Código Civil, em face do ordenamento jurídico atual e pelas
recentes alterações trazidas pelos arts. 64 e 65 da Lei 13.465/2017 – a mesma
que reformulou o conceito e os institutos aplicáveis à Regularização
Fundiária Urbana (Reurb) no País.
A pesquisa realizada na doutrina renomada do Direito Civil brasileiro
sobre a matéria demonstrou que a renúncia e o abandono de imóvel, ambos
causas de perda da propriedade e atos jurídicos unilaterais, possuem
diferenças marcantes relacionadas à formalidade necessária que deve ser
observada expressamente para o ato da renúncia, com sua instrumentalização
por escrito (art. 108 do CC) e posterior inscrição no Registro de Imóveis para
validade e eficácia (art. 1.275, parágrafo único, do CC). Ademais, o
abandono se dá de forma informal e independe de formalização, mas é
constatado quando presentes elementos objetivos e subjetivos: elementos
objetivos externos comportamentais (atos de inadimplência fiscal e não
exercício de posse); e subjetivos internos (a intenção de se desfazer da coisa
ou animus abandonandi ).
Foram vislumbrados alguns equívocos técnicos na utilização das
denominações desses institutos na legislação e, também, na doutrina.
Percebeu-se que abandono e renúncia não se confundem e possuem reflexos
jurídicos diferentes, mas que ambos tornam a coisa adéspota ou res nullius.
E, uma vez vaga, o Direito usa duas possíveis soluções para que o imóvel
volte a atender a sua função social: a usucapião por particular ou a
arrecadação de bem imóvel abandonado pelo Poder Público.
As principais conclusões de ordem material ligadas ao abandono e à
arrecadação do imóvel, em vista da doutrina, jurisprudência e interpretação
jurídica das modificações trazidas pela Lei 13.465/2017, são as seguintes:
a) Ao suprimir a expressão “que se não encontrar na posse de outrem”, a
redação da lei ficou mais adequada, para deixar expresso que o Município
pode promover a arrecadação de imóvel abandonado pelo proprietário,
ainda que ele esteja ocupado irregularmente por um terceiro, nos casos e na
forma indicadas no item 2.4.2.3 deste artigo, colocando a salvo o direito de
terceiros possuidores com justo título, ou, se sem justo título, se a posse for
adequada, razoável e proporcional, quanto às finalidades sociais e
econômicas, e se estiver dando máximo cumprimento à função social da
propriedade urbana invadida.
b) Foi adequada a supressão da expressão “de modo absoluto”, que era
prevista no § 1° do art. 1.276 para tratar da presunção legal. Agora, o § 2°
do art. 64 da Lei 13.465/2017 é expresso ao dispor que a presunção de
abandono é relativa, o que também fez com que a lei se adequasse à
interpretação consolidada da doutrina, que nunca admitiu que a presunção
fosse absoluta, como foi estudado no item 2.4.2.1 deste artigo.
c) O animus abandonandi pode ser comprovado ou presumido, como
estudado no item 2.4.2.2 deste artigo. As presunções podem ser a legal
(expressa no § 2° do art. 64 da Lei 13.465/2017) ou a presunção hominis ,
que não exige como requisito o lapso temporal de cinco anos, mas que deve
ser aplicada com máxima cautela e uma visão garantista do direito da
propriedade privada. A presunção hominis só pode ser aplicada em
situações em que os fatos e os elementos comprovados realmente conduzam
de maneira muitíssimo provável à intenção de abandono do imóvel, de
forma a harmonizar o direito de propriedade e a função social da
propriedade.
d) Há um evidente poder-dever da Administração Pública de realizar de
forma permanente, diligente, ativa e abrangente a identificação de bens
imóveis urbanos abandonados em decorrência de renúncia (formal) ou
abandono (informal) e sua arrecadação administrativa para promover a
adequada utilidade e aproveitamento urbano relacionados à necessária
função social urbana (conforme demonstrado ao longo do item 2.4 ).
Eventual omissão do agente público responsável, conforme o caso concreto,
poderia, em tese, configurar improbidade administrativa.

Na questão procedimental da administração pública foi apresentado, de


maneira cronológica, um arcabouço técnico que pode facilitar a prática da
administração pública, dividindo-se em quatro etapas:
a) Uma etapa pré-processual, ou de inquérito, a ser promovida pelo agente
público competente quando houver qualquer indício de que possa existir um
imóvel abandonado pelo proprietário, conforme se estudou no item 2.5
deste artigo.
b) Uma etapa de processo administrativo em si, com contraditório e ampla
defesa do proprietário e demais interessados, com os requisitos indicados
no § 2° do art. 64 da Lei 13.465/2017 e com algumas cautelas adicionais
que deveriam estar presentes em todos os processos administrativos de
arrecadação, como a notificação de demais titulares de direitos reais
inscritos na matrícula do imóvel e de eventual ocupante deste, como foi
estudado no item 2.6 .
c) Uma etapa de imissão provisória na posse pelo Município, com imediata
autorização legislativa para dar destinação conforme a função social ao bem
imóvel arrecadado. A imissão na posse, como estudado no item 2.7 , pode
se dar por autoexecutoriedade, salvo se o imóvel estiver ocupado por
terceiro, situação em que deve o Poder Público socorrer-se de medida
judicial para ser imitido na posse.
d) Uma etapa final, após o lapso temporal de três anos desde a inscrição no
registro de imóveis da arrecadação do bem, que, se não foi reivindicado
pelo proprietário nesse período, será definitivamente incorporado ao
patrimônio do Município, em aquisição originária, uma espécie de
usucapião sui generis em favor do Poder Público municipal ou distrital.
Quanto à publicidade registral imobiliária do processo de arrecadação,
concluiu-se o seguinte:

a) A fase pré-processual – ou de simples inquérito – prevista no item 5


deste artigo não admite qualquer publicidade registral, pois ainda baseada
em questões incertas e sem contraditório.
b) O processo administrativo de arrecadação em si deve ser objeto de
publicidade registral em dois momentos, conforme estudado no item 6 deste
artigo. O primeiro se dá pelo registro 55 na matrícula da notificação do
proprietário na ação de arrecadação. O segundo se dá pela averbação 56 da
decisão final do processo administrativo. Se a decisão foi de procedência da
arrecadação, a averbação se presta para segurança jurídica e fixação do dies
a quo do prazo trienal para a posterior aquisição definitiva pelo Município.
Se a decisão for de improcedência da arrecadação, a averbação terá efeito
extintivo e cancelatório do anterior registro da notificação.
c) Após a imissão na posse pelo Município, deve ser providenciado o
registro na matrícula do imóvel da imissão provisória na posse. No
entendimento destes autores, seria inviável o Poder Público conceder
direitos reais sobre o imóvel antes de decorridos os três anos para a
incorporação do bem ao patrimônio público. Contudo, é certo que a posse
pode ser cedida, por instrumentos com eficácia inter partes ou erga omnes ,
devendo, neste último caso, a cessão da posse ser objeto de registro, tudo
conforme fundamentação no item 2.7 .
d) Decorridos os três anos desde a averbação da decisão de procedência da
arrecadação na matrícula, se o imóvel não tiver sido reivindicado pelo
proprietário, deve o Município realizar a etapa final, assegurar-se de que
não há qualquer pendência administrativa ou judicial discutindo a posse ou
propriedade do imóvel e levar até o registro de imóveis certidão da
administração comprovando tais fatos, requerendo o registro 57 da
aquisição definitiva da propriedade pelo Município.
e) Na hipótese de o proprietário reivindicar o bem no triênio legal, deverá
fazê-lo por petição no processo administrativo ou por ação judicial. Nesse
caso, a certidão do processo que comprove que a posse foi readquirida pelo
proprietário deverá ser averbada na matrícula do imóvel, com efeito
extintivo e cancelatório de todos os atos de registro ou averbação anteriores
relacionados ao processo de arrecadação.

Como considerações finais, propomos que a doutrina e os


administradores públicos municipais se abram para maior aprofundamento e
discussões sobre este importante instrumento em favor da maximização da
função social do imóvel urbano. Sabemos que algumas das conclusões deste
breve estudo destoam do que até então parece prevalente na doutrina
administrativista e civilista sobre o assunto. Mas este momento, em que
inovações são trazidas pela Lei 13.465/2017, parece ser a oportunidade para
que a comunidade jurídica aprofunde o debate sobre algumas delicadas
questões aqui enfrentadas.
Embora cientes de que no futuro a interpretação do alcance das mudanças
promovidas pela Lei 13.465/2017 pode ser distinta das conclusões e
proposições que foram elaboradas neste trabalho, acreditamos que o debate
sobre algumas dessas questões jurídicas poderá trazer importantes
modificações às políticas públicas e à conduta da administração. Convidamos
a comunidade acadêmica para aprofundar o debate sobre alguns pontos
abordados neste estudo que necessitam de maior aprofundamento, para maior
clareza doutrinária: a) Quais são as possibilidades e requisitos para aplicação
de presunção hominis do animus abandonandi , para que a administração
pública não precise ficar engessada por cinco anos antes de poder dar início
ao processo de arrecadação, de forma a manter o equilíbrio entre o
fundamental direito da propriedade e o direito e os deveres inerentes à função
social da propriedade? b) Quais são os elementos e características da posse
e/ou detenção de um terceiro sobre um bem abandonado pelo proprietário que
devem prevalecer sobre o interesse público primário na arrecadação do bem,
de forma a proteger a função social da posse sem afrontar a razoabilidade e
proporcionalidade? c) Quais condutas de agentes públicos municipais que
embaracem ou não ajam de conformidade com o instituto da arrecadação de
bens vagos seriam passíveis de enquadramento como improbidade
administrativa, em qual modalidade de improbidade se enquadrariam e como
esclarecer de maneira objetiva o dever de agir para impedir que agentes
públicos possam ser punidos de maneira culposa sem que tenham tido a
facilitação de saber quais condutas suas seriam esperadas?
Por fim, é certo que o tema em estudo tem grande impacto na
organização do espaço urbano e da função social da cidade, em seus diversos
espectros, sejam sociais, econômicos, ambientais e urbanísticos. O
mecanismo legal tem normatização legal mínima, a ser complementada por
ato do Poder Executivo municipal e pela doutrina. Por essa razão,
acreditamos que o presente estudo possa ser seminal na colmatação de
lacunas e no aprofundamento dos debates na busca por conclusões mais
precisas e profundas, a fim de colaborar com a exata caracterização do
processo de arrecadação do imóvel vago e de suas implicações jurídicas,
permitindo ao Poder Público exercer seu poder-dever de aplicar esse
importante instrumento com segurança jurídica e previsibilidade. É papel da
doutrina construir o arcabouço jurídico aplicável, de forma a permitir a
perfeita harmonia entre o interesse privado e o interesse público primário da
administração. De um lado, deve-se garantir a proteção constitucional da
propriedade privada; de outro, deve-se permitir que, em caso de efetivo
abandono do bem pelo proprietário, da forma mais célere e segura possível o
bem seja arrecadado e tenha breve destinação para maximização de sua
função social.

2.10. Referências
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VENOSA, Sílvio de Salvo . Direito civil : direitos reais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

1. Art. 589. Além das causas de extinção considerada neste Código, também se
perde a propriedade imóvel: I – Pela alienação. II – Pela renúncia. III – Pelo
abandono. IV. Pelo perecimento do imóvel. § 1° Nos dois primeiros casos
deste artigo, os efeitos da perda do domínio serão subordinados à transcrição
do título, ou do ato renunciativo, no registro do lugar do imóvel. § 2° O imóvel
abandonado arrecadar-se-á como bem vago, passará, dez anos depois, ao
domínio do Estado, onde se achar, ou da União, se estiver no Distrito Federal
ou em território não constituído em estado. (Vide Decreto do Poder Legislativo
3.725, de 1919) § 2° O imóvel abandonado arrecadar-se-á como bem vago e
passará ao domínio do Estado, do Território ou do Distrito Federal se se achar
nas respectivas circunscrições: (Redação dada pela Lei 6.969, de 1981) a) 10
(dez) anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona urbana;
(Incluído pela Lei 6.969, de 1981) b) 3 (três) anos depois, quando se tratar de
imóvel localizado em zona rural.
2. LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil
comentado . 10. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2016. p. 1204.
3. CHALHUB, Melhim Namem. O novo Código Civil e o registro de imóveis:
novos aspectos obrigacionais do direito imobiliário. Boletim Eletrônico do
IRIB, n. 677. Disponível em: [http://irib.org.br/boletins/detalhes/3161]. Acesso
em: 02.01.2018.
4. Não se pode ignorar, contudo, que, embora sejam minoritárias, há na doutrina
vozes que sustentam que existiria “renúncia em favor de terceiro”, como Maria
Helena Diniz e Melhim Namem Chalhub.
5 . QUINTELLA, F.; DONIZETTI, E. Curso didático de direito civil . 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2017. p. 777.
6 . TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil 4 : direito das
coisas. 4. ed. São Paulo: Método, 2012. p. 203.
7 . TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil 4 : direito das
coisas. 4. ed. São Paulo: Método, 2012. p. 203.
8. DOWER, Nelson Godoy Bassil. Curso moderno de direito civil 4: coisas. 2.
ed. São Paulo: Nelpa, 2004. p. 185.
9 . VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 235.
10 . VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2007. p. 235.
11 . NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito das coisas. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016. v. 4. p. 237.
12 . PENTEADO, Luciano. Direito das coisas. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 305.
13 . LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil
comentado. 10. ed. Barueri: Manole, 2016. p. 1204.
14 . Por exemplo: art. 1.382 do CC (que permite ao dono do imóvel serviente
abandonar a propriedade em favor do dono do imóvel dominante para se
exonerar da necessidade de realizar obras necessárias ao uso e conservação da
servidão); art. 1.479 do CC (o abandono de imóvel pelo adquirente de imóvel
hipotecado para se exonerar de hipoteca, desde que o adquirente não se tenha
obrigado pessoalmente a pagar as dívidas aos credores hipotecários); e art.
1.316 do CC (que prevê a renúncia da parte ideal pelo condômino para eximir-
se do pagamento das despesas e dívidas, e os seus §§ 1° e 2°, que estabelecem
que os condôminos que assumirem tais despesas e dívidas respectivas
aproveitarão a renúncia e adquirirão a parte ideal do renunciante, na proporção
dos pagamentos que fizerem; não havendo condômino que faça os pagamentos,
a coisa comum será dividida). Entretanto, tais casos não serão aprofundados
neste artigo. É preciso apenas observar que, antes que o bem abandonado ou
objeto de renúncia em tais casos seja arrecadado pelo Poder Público, deve-se
respeitar o direito atribuído, ex lege , a um determinado terceiro.
15 . Usucapião de bens imóveis, a exemplo dos casos do arts. 1.238 a 1.247; e
1.260 a 1.262 do CC, e art. 183 da CF, ou, ainda, a ocupação de bens móveis,
na forma do art. 1.263 do CC.
16 . Conforme o art. 1.276 do Código Civil e o recente art. 64 da Lei 13.465/2017.
17 . Não será objetivo deste artigo analisar as diferentes posições sobre a existência
de posse ou detenção, ou a possibilidade de aquisição por usucapião caso a
posse tenha iniciado (ou continuado) na clandestinidade, em vista, v.g ., do art.
1.208 do Código Civil, e a possibilidade ou não de modificação da detenção ou
posse precária em posse, v.g. , da interversio possessionis . Estando fora do
escopo deste artigo o aprofundamento em tais questões, apenas se adverte o
leitor de que este tema apresenta diferentes percepções na doutrina. Contudo, é
certo que, na prática, pessoas que invadem imóveis, se lograrem êxito em
manter-se neles sem objeção por longo prazo, têm obtido o reconhecimento da
usucapião, ainda que na forma extraordinária, passando o bem à propriedade de
um particular que não tinha qualquer justo título e inicialmente teve má-fé.
18 . O art. 1.276, § 1°, do Código Civil estabelece que, se o imóvel for rural, a
competência para sua arrecadação e aquisição decorrente do abandono será da
União. Assim, cabe à União a mais difícil tarefa de identificar imóveis rurais
vagos por abandono. E, após a identificação, cabem à União as medidas para
arrecadação e aquisição da propriedade de tais bens.
19 . Proprietário tabular é aquele que consta na matrícula do registro de imóveis
como proprietário.
20 . PENTEADO, Luciano. Direito das coisas. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 304.
21 . Caso o imóvel objeto da renúncia tenha valor superior a 30 salários mínimos,
por exigência do art. 108 do Código Civil, tal manifestação de vontade deve ser
feita perante Tabelião de Notas, e formalizada por escritura pública. Em que
pese o art. 108 faça referência a “negócios jurídicos” e a renúncia se trate de
ato jurídico em sentido estrito, ainda assim se deve interpretar que é exigível a
escritura pública caso o valor do imóvel seja superior a 30 salários mínimos,
especialmente porque o mesmo artigo é específico ao incluir a “renúncia” entre
os atos para os quais se exige a solenidade.
22 . Adverte-se que em alguns momentos neste artigo estes autores utilizaram a
expressão “registro” da renúncia de maneira genérica, sem a precisão
terminológica que distinguiria o ato de registro em sentido estrito de um ato de
averbação. Estes autores entendem que o ato a ser praticado na renúncia pura e
abdicativa seria o ato de averbação, apesar de importantes e respeitabilíssimas
vozes em sentido contrário. Com máxima vênia, parece-nos cabível ato de
registro em sentido estrito para a “renúncia” somente quando esta não for uma
verdadeira “renúncia abdicativa”, mas uma “renúncia in favorem”, que na
realidade tem natureza de cessão (que pode ser gratuita ou onerosa), e que
somente nesse caso deveria ingressar na matrícula do imóvel por registro,
situação em que o terceiro beneficiado pela renúncia, e que passa a ser o novo
proprietário do bem renunciado, já deve constar no texto do ato registral.
23 . VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2008. p. 245.
24 . Art. 158 do Código Civil e art. 790, VI, do CPC/2015.
25 . Na Apelação Cível 957-6/9, julgamento em 11.11.2008 e publicação no DJ em
27.01.2009, de relatoria do Des. Ruy Camilo, assim decidiu o E. Conselho
Superior da Magistratura do Estado de São Paulo: “Embora a renúncia consista
em um ato unilateral, ela só pode, porém, ser exercida se não acarretar prejuízo
a terceiros. Na hipótese dos autos, a área a que se refere a renúncia em exame
corresponde a uma faixa de proteção de manancial non aedificandi , que
integrou o projeto de loteamento denominado Jardim Veneza, conforme se
verifica dos docs. de fls. 07/19, o que impede, portanto, a renúncia pretendida,
sem que haja a correspondente anuência dos demais interessados”.
26 . Lei 6.938/81. Ainda que não houvesse positivação legal de tais deveres, a
função social da propriedade, a proteção constitucional do meio ambiente e a
boa-fé impediriam que o proprietário renunciasse à propriedade imóvel
buscando se eximir de obrigações ambientais.
27 . Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente: […] II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
ofício […]
28 . Embora não haja lei expressa, é fortemente recomendável que os tabeliães e
oficiais comuniquem o Município. Poderia ser adequado, ainda, que as
Corregedorias de Justiça estipulassem norma nesse sentido, a fim de facilitar a
identificação dos imóveis formalmente vagos pelo Poder Público.
29 . Tal autorização da lei civil, como visto, na realidade gera um dever de agir ao
agente público, e não simplesmente uma faculdade. O Direito Administrativo
não faculta ao agente público o cuidado e zelo com o patrimônio público (ou
que poderá vir a ser público). Assim, essa autorização deve ser entendida como
uma verdadeira obrigação do agente público de, imediatamente após receber
notícias de abandono, averiguar de forma documentada e, conforme os fatos,
iniciar desde logo o procedimento de arrecadação.
30 . Jornadas de Direito Civil I, III, IV e V: enunciados aprovados. Coordenador
científico: Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Conselho da Justiça Federal,
Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em:
[file:///C:/Users/giova/Downloads/compilacaoenunciadosaprovados1-3-
4jornadadircivilnum.pdf]. Acesso em: 03.01.2018.
Jornada de Direito Civil VII: enunciados aprovados. Coordenadores
científicos: Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Roberto Rosas. Brasília:
Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 28 e 29 de
setembro de 2015. Disponível em:
[file:///C:/Users/giova/Downloads/Enunciados-VI-jornada.pdf]. Acesso em:
03.01.2018.
31 . TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil 4: direito das coisas.
4. ed. São Paulo: Método, 2012.
32 . MALUF, Carlos Alberto Dabus. Novo Código Civil comentado. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 1166. Apud TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando.
Direito civil 4: direito das coisas. 4. ed. São Paulo: Método, 2012.
33 . NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A inconstitucionalidade do art. 1.276 do novo
CC e a garantia do direito de propriedade. Revista de Direito Privado, São
Paulo: Ed. RT, 2004. n. 18. p. 9 e segs. Apud NADER, Paulo. Curso de direito
civil: direito das coisas. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 4. p. 237.
34 . Proposta de alteração: “Art. 1.276. […]§ 2° Presumir-se-á a intenção a que se
refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de
satisfazer os ônus fiscais”. (NR). Fonte: [
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F97807C67B027
-codteor=848554&filename=PL+699/2011 ].
35 . TARTUCE, Flávio. Direito civil 4: direito das coisas. 6. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo-Rio de Janeiro: Forense/Método, 2014. p. 178-180.
36 . Com máxima vênia a eventuais entendimentos diversos, para nós está claro
que após a Lei 13.465/2017 o processo de arrecadação e posterior aquisição da
propriedade pelo Município pode ser inteiramente administrativo, manejado
perante o órgão competente da administração pública municipal. Não se faz
mais necessário, portanto, processo judicial. Naturalmente, o acesso ao Poder
Judiciário poderá ser realizado, se preciso for, tanto pelo particular quanto pelo
Poder Público.
37 . FREITAS, Vladimir Passos de. Segunda leitura: função social e abandono de
imóveis urbanos. Disponível em: [ https://www.conjur.com.br/2009-jan-
04/funcao_social_abandono_imoveis_urbanos ]. Acesso em: 29.11.2017.
38 . O art. 64, § 2°, da Lei 13.465/2017 estabelece que compete ao Poder
Executivo Municipal, por decreto ou ato executivo apropriado, estabelecer as
regras procedimentais para a arrecadação dos bens vagos.
39 . Deve-se levar em conta o parágrafo único do art. 227 do Código Civil,
segundo o qual, “qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova
testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por
escrito”. Ainda, deve-se considerar os arts. 442 a 449 do CPC/2015. Para a
autoridade administrativa destinatária da prova, aplica-se analogicamente o
artigo 371 do CPC/2015, que dispõe: “Art. 371. O juiz apreciará a prova
constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e
indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”. Eventual
equívoco ou abuso por parte da autoridade administrativa poderá ser corrigida
mediante ação ao Poder Judiciário pelo interessado. Logo, a prova testemunhal
passa a ser cabível apenas de forma subsidiária, qualquer que seja o valor da
causa, excetuada a hipótese de impossibilidade moral ou material, tal como
dispõe o art. 406 do NCPC. É evidente que, seja uma ou outra a corrente de
interpretação, ficará a cargo do juiz avaliar as provas produzidas nos autos,
expondo de forma fundamentada suas razões de decidir (art. 371 do NCPC).
40 . GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 12.
ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 5. p. 367-368.
41 . Disponível em: [ www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/855 ]. Acesso em:
20.01.2018.
42 . Por exemplo, se a posse for de boa ou má-fé, justa ou injusta (decorrente de
esbulho, precariedade ou clandestinidade), razoável ou adequada para a função
social daquela propriedade ou não.
43 . Sobre a função social da posse, assim discorre Flávio Tartuce: “Na doutrina
contemporânea, vários autores discorrem sobre a função social da posse.
Merecem destaque as palavras do ex-defensor público e atual Desembargador
do TJRJ Marco Aurélio Bezerra de Melo: ‘A densidade axiológica da posse,
mormente em uma sociedade que oscila entre a pobreza e a miséria e que adota
como modelo tradicional para a aquisição de bens a compra e venda e o direito
hereditário, a posse deve ser respeitada pelos operadores do direito como uma
situação jurídica eficaz a permitir o acesso à utilização dos bens de raiz, fato
visceralmente ligado à dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CRFB) e ao
direito constitucionalmente assegurado à moradia (art. 6° da CRFB). Importa,
por assim dizer, que ao lado do direito de propriedade, se reconheça a
importância social e econômica do instituto’. Ainda em sede doutrinária, a
ideia de função social da posse consta de enunciado aprovado na V Jornada de
Direito Civil, de 2011, com a seguinte redação: ‘A posse constitui direito
autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos
bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais
merecedores de tutela’ (Enunciado n. 492). A título de exemplo, pode ser
citado o contrato de gaveta, em que o possuidor tem um direito autônomo à
propriedade, merecendo proteção pela utilidade positiva que dá à coisa. O tema
da posse como um direito autônomo foi objeto de dissertação de mestrado
desenvolvida por Marcos Alberto Rocha Gonçalves e defendida na PUCSP.
Conforme as conclusões finais do trabalho, às quais se filia, ‘a valorização da
função social da posse representa o rompimento do formalismo individualista
diante das demandas sociais. Compreende-se, a partir desse modelo, a
construção de possíveis pontes entre as necessidades de uma sociedade
multifacetada (e desigual) e o caminhar rumo a um efetivo Estado
democraticamente organizado, afastando-se da dogmática estruturada na ficção
da igualdade formal. Titularidades formais e fruição real das possibilidades
emergentes de bens que atendam às necessidades é, ainda, um caminho a
percorrer. Se historicamente o discurso jurídico aproximou propriedade e
posse, é tempo, pois, de desvincular forçosa construção, pois, consoante há
muito tempo anunciou José Saramago, ‘ter não é possuir’’. Em complemento,
conforme as precisas lições de Paulo Lôbo, ‘a autonomia da posse cada vez
mais se afirma, tendo sido fortalecida pelas investigações iluminadas pelo
direito civil constitucional. Os fundamentos da posse precisam ter em conta a
promoção dos valores sociais constitucionalmente estabelecidos (Tepedino,
2011, p. 44) e sua relação com os direitos fundamentais’ (TARTUCE, Flávio.
Manual do direito civil: volume único. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p.
605-608).
44 . TARTUCE, Flávio. Manual do direito civil: volume único. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. p. 676; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil
brasileiro: direito das coisas. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 5. p. 367-368;
Enunciado da VII Jornada de Direito Civil da Justiça Federal n. 597, que define
que “A posse impeditiva da arrecadação”, prevista no art. 1.276 do Código
Civil, é efetiva e qualificada por sua função social”.
45 . Como no caso da herança jacente até ser declarada vacante. Vide TJSP,
Apelação 01433205620108260100, 19 a Câmara, Rel. João Camillo de Almeida
Prado Costa, j. 20.10.2014, data de publicação: 24.10.2014; STJ, AgRg
2011/0296320-7, no AREsp 126047/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, órgão
julgador: Quarta Turma, data do julgamento: 26.11.2013, data da publicação:
DJe 03.12.2013. 2. “O bem integrante de herança jacente só é devolvido ao
Estado com a sentença de declaração da vacância, podendo, até ali, ser
possuído ad usucapionem . Incidência da Súmula 83/STJ” (AgRg no Ag
1212745/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 19.10.2010,
DJe 03.11.2010); e STJ, AgRg 2009/0188164-0 no Ag 1212745/RJ, Rel. Min.
Sidnei Beneti, órgão julgador: Terceira Turma, data do julgamento:
19.10.2010, data da publicação: DJe 03.11.2010; STJ, REsp 36.873/SP,
Recurso Especial, 1993/0019669-3, Rel. Min. Ari Pargendler, órgão julgador:
Terceira Turma, data do julgamento: 29.03.2001, data da publicação: DJ
28.05.2001. (Grifo nosso)
46 . Pode o Município precisar tomar medidas possessórias de natureza cautelar
baseado em situações fáticas relevantes ou em situação jurídica relevante.
Usualmente situações fáticas relevantes, como a destinação ou uso inadequado
do bem que estivesse colocando em risco a segurança, a saúde pública ou a
ordem pública, ou a construção sem alvará, podem ser autoexecutadas pela
Administração Pública com base em seu poder de polícia. Já situações jurídicas
relevantes, como o risco de que o possuidor-invasor complete tempo de
usucapião do imóvel durante o processo de arrecadação, podem exigir medidas
judiciais cautelares, visando interromper o decurso da prescrição aquisitiva por
meio de uma ação, legítima, que fará com que a posse não seja mansa e
pacífica e, assim, não possa ser contada para fins de usucapião.
47 . É possível que haja entendimento diverso sobre a possibilidade de registro da
“notificação” como “citação”. De toda forma, é evidente a importância da
publicidade registral sobre a existência do processo administrativo. Se for
entendido que por ser processo administrativo não se teria uma “ação”, no
mínimo, deveria tal fato ser publicizado por meio de averbação, com
fundamento no art. 246 da Lei 6.015/73 (corroborado pelo princípio da
concentração, consagrado no parágrafo único do art. 54 da Lei 13.097/2015).
48 . ARRUDA ALVIM NETO, José Manuel de. CAMBLER, Everaldo Augusto;
CLÁPIS, Alexandre Laizo. Lei de Registros Públicos: comentada.
Coordenação Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambler. Rio de
Janeiro: Forense, 2014.
49 . Art. 26 da Lei 13.465/2017, em que o prazo para conversão da legitimação de
posse em propriedade é contado expressamente a partir da data do registro.
50 . FREITAS, Vladimir Passos de . Segunda leitura: função social e abandono de
imóveis urbanos. Disponível em: [ www.conjur.com.br/2009-jan-
04/funcao_social_abandono_imoveis_urbanos ]. Acesso em: 29.11.2017.
51 . VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : direitos reais. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2007. p. 237.
52 . DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 25.
ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 4. p. 185.
53 . Poder-se-ia sustentar que é outra espécie de aquisição originária, e que não
seria um caso sui generis de usucapião. Poder-se-ia entender que essa espécie
de aquisição originária também tem similaridades com o novo instituto da
legitimação fundiária, espécie de aquisição originária prevista na mesma Lei
13.465/2017 com a seguinte definição expressa na lei: “Art. 11. […] VII –
legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária
do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb”. É
certo, contudo, que, apesar de previsto na mesma lei que instituiu a
“legitimação fundiária” como nova modalidade de aquisição originária, a Lei
13.465/2017 criou essa nova modalidade tão somente para a legitimação da
propriedade em favor de beneficiário de Reurb. Assim, salvo melhor juízo, a
aquisição pelo Poder Público após o processo de arrecadação é uma espécie de
usucapião especial.
54 . Tal exigência se mostra impositiva nos casos em que a arrecadação se der
administrativamente diretamente pelo Município, na forma instituída pela Lei
13.465/2017. Para casos anteriores a essa lei, em que o trâmite da arrecadação
se tenha dado de forma judicial, deve o oficial observar o decurso de três anos
entre a data de preclusão da decisão de procedência de arrecadação e a data em
que se vier a praticar o ato de registro da aquisição pelo Município.
55 . O ato é de registro em sentido estrito, com base no art. 167, I, 21, da Lei
6.015/73, conforme fundamentado no item 2.6 deste estudo.
56 . O ato é de averbação, conforme o art. 167, II, 12, da Lei 6.015/73, como
fundamentado no item 2.6 deste estudo.
57 . Como visto no item 2.8 , o ato de efetiva aquisição originária pelo Poder
Público deve ser objeto de registro em sentido estrito, de forma similar à
usucapião.
3
O DIRETO REAL DE LAJE – LEI 13.465/2017

Claudia Rosa de Medeiros


Pós-graduada lato sensu em Direito Processual Penal pela Escola Superior do
Ministério Público e Faculdade Estácio de Sá. Pós-graduada lato sensu em Direito
Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Bacharel em
Direito pela Unisul – Universidade do Sul de Santa Catarina. Tabeliã de Notas e
Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais no Estado de São Paulo.

Laura Regina Echeverria da Silva


Mestranda em Responsabilidade Civil pela Universidade de Girona (Espanha).
Pós-graduada lato sensu em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela
Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduada lato sensu em Registros
Públicos pela Universidade Cândido Mendes. Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Analista Judiciária no TRT da 24a
Região.

SUMÁRIO : 3.1. O direito social à moradia como forma de dignificação da


pessoa humana . 3.2. O direito real de laje como forma de regularização
fundiária urbana . 3.3. O direito real de laje . 3.3.1. Conceito de direitos reais
. 3.3.2. A laje . 3.3.3. A regulação das relações entre os titulares da laje e da
construção-base . 3.3.4. O direito real de laje sobre imóveis públicos . 3.3.5.
Direito real de laje sucessivo . 3.3.6. Extinção da laje . 3.4. Normas de
Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo e o direito
de laje . 3.5. Conclusão . 3.6. Referências .

3.1. O direito social à moradia como forma de dignificação da pessoa


humana
O legislador constituinte de 1988, ao elaborar a Carta Maior, observou
princípios norteadores do ideal de justiça e, por conseguinte, informadores de
toda a ordem jurídica, sem os quais não se pode imaginar uma sociedade
humanamente organizada. A carga valorativa de tais princípios se encontra
indissociável da visão de mundo do homem civilizado.
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de
normas, são (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) “núcleos
de condensações” nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas,
como disseram os mesmos autores, “os princípios”, que começam por ser a
base de normas jurídicas , podem estar positivamente incorporados,
transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da
organização constitucional 1 .

A Lei Maior de uma nação deve traduzir, bem como tutelar


primordialmente, as necessidades e anseios inafastáveis daqueles a quem é
dirigida, os quais são a própria razão de sua existência, os destinatários de
seus preceitos.
O termo “princípio” pressupõe a ideia de início, fonte, nascedouro, e com
esse significado se encontra incurso no sistema jurídico pátrio.
A Constituição Federal, nossa Lei Maior, encontra-se imersa nos
princípios informadores da ordem jurídica. Estes se traduzem em grande
abstração imperativa, preceitos de caráter geral, que, por esse motivo, são
comandos enquadráveis em todo o sistema.
O constituinte, ao compor a própria Lei Maior, precisou de certa
estrutura, um ponto de partida a fim de que fosse levada a termo a redação
desta que foi batizada “constituição cidadã”, e, para alcançar tal desiderato,
tomou por apoio bases principiológicas, ou seja, valores nos quais auferiu
inspiração, os quais assegurarão a ordem do sistema, visando, em última
análise, a uma harmonização dos seus respectivos elementos e, em
decorrência, a de toda a ordem jurídica.
Cabe, no contexto, menção às ponderações de Espíndola, que, ao tratar
dos princípios constitucionais, refere-se a eles como sendo os conteúdos
primários que direcionam todo o arcabouço jurídico de um Estado, uma vez
que são valores nos quais está impresso o caráter de originalidade e
supremacia material sobre todo o ordenamento posto.
Refere que os valores consolidados e apreciados socialmente são
elevados ao patamar de normas jurídicas, princípios, atuando como os pilares
básicos de toda a ordem jurídica em sua interpretação e aplicação […] 2 .
Os direitos e garantias fundamentais defluem do princípio geral da
dignidade da pessoa humana, o qual se constitui, em meio ao rol do
dispositivo que também menciona a soberania, cidadania, os valores sociais
do trabalho e da livre-iniciativa, e o pluralismo político, como fundamento da
República Federativa do Brasil, conforme expressamente apontado no artigo
1°, inciso III, da Carta Constitucional de 1988 3 .
Cabe, nesse contexto, um comentário de Tavares:
Sempre que um operador do direito se lançar à interpretação de um preceito
constitucional, levará em consideração, sob pena de incorrer em manifesto
equívoco, a identificação do postulado supremo que orienta a matéria que
será analisada, partindo-se do mais genérico para o mais específico, até
alcançar a formulação da norma in concreto que vai direcionar a espécie 4 .

Desse modo, a Constituição estabelece em seu texto valores supremos


considerados como fundamentos, a base de todo o ordenamento jurídico
nacional, entre os quais se encontram a dignidade da pessoa humana e a
cidadania, conforme já explanado.
Cumpre esclarecer o que vem a ser “dignidade da pessoa humana”, a fim
de facilitar a compreensão de sua abrangência. Assim,
[…] a dignidade da pessoa humana é um princípio de importância ímpar,
pois repercute sobre todo o ordenamento jurídico. É um mandamento
nuclear do sistema, que irradia efeitos sobre as outras normas e princípios.
A tutela de direitos pressupõe que seja respeitada a dignidade do homem. O
Estado precisa tomar providências para que condições mínimas de vida
digna sejam concedidas às pessoas. Não adianta adotar um ordenamento
jurídico avançado se o personagem principal é deixado à sua própria sorte.
A preocupação do legislador constituinte foi a de que o Estado
proporcionasse condições para que todos tivessem o direito de ter uma
existência digna 5 .
Ser tratado condignamente é uma necessidade do ser humano, como a
vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a alimentação, o vestuário,
moradia, assistência médica durante as enfermidades, educação, apoio nas
dificuldades, incentivo ao desenvolvimento intelectual, a propriedade; ou
seja, o conceito de dignidade abrange todos aqueles outros que possam
exprimir alguma necessidade inerente à vida, e não simplesmente à existência
humana, possibilitando ao ser humano sentir-se plenamente respeitado em
sua cidadania. Sem respeito à dignidade da pessoa humana não haverá Estado
de Direito, tampouco respeito à soberania popular, que proclama todo o poder
emanar do povo.
A efetiva preservação e a obediência à dignidade da pessoa humana se
encontram diretamente condicionadas à observância das suas respectivas
necessidades, direitos da personalidade, sem as quais perderia seu próprio
significado.
A importância acerca do tema desperta particular interesse no que se
refere ao estudo do direito fundamental à moradia digna, como expressão do
princípio da dignidade da pessoa humana, atributo inerente à própria
existência humana e cristalizado como fundamento expresso de nosso Estado
Constitucional.
A administração da “res pública” deve encontrar harmonia com os
direitos e garantias fundamentais dos respectivos destinatários (o povo).
Assuntos delicados que se encontram intimamente conectados e disciplinados
na Constituição Federal.
Direitos inerentes ao ser humano, perante sua relevância, são adotados e
expressamente dispostos, não exaustivamente, no Título II, “Dos Direitos e
Garantias Fundamentais”, da Constituição Federal.
Estados democráticos, forjados a partir de uma Constituição
comprometida com o ser humano, preocupam-se com o bem-estar de seus
povos. São de fundamental importância o respeito e a atuação estatal ativa em
todas as suas esferas e Poderes a fim de cumprir integralmente os
mandamentos da Lei Maior.
Como é sabido, o direito à moradia digna revela-se como um direito
fundamental compreendido como essencial e impositivo tanto internamente
quanto internacionalmente.
O ser humano, essencialmente egocentrista, ao conviver em sociedade
necessita estabelecer suas respectivas regências, as quais inicialmente se
deram unicamente por meio da obediência a costumes, e, desde então, foram
se aperfeiçoando até os dias atuais, a fim de medir os delineamentos que
assumirão suas atitudes no plano social.
O fenômeno jurídico exaure-se de homem para homem. É relação
determinada inteiramente pela coexistência humana.
[…] é, portanto, este que ocorre no mundo das relações entre os homens,
disciplinando comportamentos sancionados pela norma 6 .

No mundo das relações entre os homens, não raro se promovem as


construções das chamadas lajes , destinadas a uma extensão física do prédio
preexistente, corriqueiramente destinadas à moradia, ensejando, inclusive, a
possibilidade de utilização do instituto jurídico denominado ‘’usucapião’’,
como já fora reconhecido, conforme a seguir demonstrado.
Colhe-se do teor da decisão proferida em 14 de julho de 2017 pelo juízo
de direito da 26a Vara Cível da Comarca de Recife – Seção B, no julgamento
simultâneo das ações de usucapião 0027691-84.2013.8.17.0001 e 0071376-
44.2013.8.17.0001, reunidas por força de conexão:
[…] observo que a casa 743-A foi construída na superfície superior da casa
743, de modo que a pretensão de aquisição da propriedade mais se coaduna
ao direito de laje, previsto no art. 1.510-A do Código Civil, que assim
dispõe: Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a
superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da
laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o
solo. Desta feita, tendo havido a cessão do Sr. […] da casa 743-A em favor
da sua filha, […], autora da segunda ação, devidamente registrada em
cartório, há que ser reconhecido o seu direito de laje, devendo o bem
possuir registro próprio e dele podendo a autora usar, gozar e dispor 7 .

Referido instituto jurídico, qual seja, a usucapião – especificamente


quanto ao que se refere ao tema em comento, qual seja, o direito real de laje
–, considera a ideia de igualdade de todos na lei e perante a lei (igualdade
formal), pois, preenchidos os requisitos legais, dar-se-á a aquisição originária
do direito, efetivando-se também a igualdade material, substancial, tratando
faticamente de maneira desigual aqueles que se encontram em desigualdade
comportamental em relação ao bem (inércia do antigo titular e ativa
prescrição aquisitiva daquele que obtém a aquisição).
Esclareça-se, ainda, que a regra da igualdade tem caráter relativo e não
absoluto, consoante magistral lição de Rui Barbosa, ao afirmar que a
igualdade simplesmente “não consiste senão em quinhoar desigualmente os
desiguais, à medida que se desigualam”, porque “tratar com desigualdade a
iguais, ou a desiguais, com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não
igualdade real” 8 .
O Brasil, ao longo de sua evolução em matéria constitucional, nunca
deixou de fazer constar expressamente o princípio da igualdade.
Colhe-se dos ensinamentos de Cambi, ao tratar acerca da matéria:
Além de ser o valor inspirador dos direitos de segunda dimensão, a
igualdade – um problema contínuo da humanidade […] – é, antes ainda, na
forma de princípio da isonomia, a nota político-jurídica que distingue a
modernidade (sociedade de indivíduos iguais) da pré-modernidade
(sociedade de indivíduos desiguais). Com efeito, no direito da pré-
modernidade a tendência era a exclusão de “determinadas espécies de
homem (escravos, mulheres e, de certa maneira, estrangeiros) ou a
construção de uma ordem hierárquica entre os homens com relação aos seus
direitos”, no direito da modernidade vige a “pretensão de inclusão
generalizada dos homens no âmbito jurídico”. Em consequência, o
princípio da isonomia não diz respeito apenas aos direitos de segunda
dimensão, mas norteia a interpretação dos direitos fundamentalíssimos e de
todas as dimensões de direitos fundamentais. […] o princípio da isonomia
não admite tratamento diferenciado na lei senão amparado na regra de
justiça. […] 9 .

O legislador constituinte trouxe tal princípio para a esfera específica da


matéria relativa ao direito à moradia digna , ao proclamar tal direito no
caput do artigo 6° da Carta Magna, com abrangência sobre todo o
ordenamento jurídico pátrio, estatuindo como direito fundamental social a
todas as pessoas a moradia, sempre com base no fundamento da dignidade
humana estabelecido já no artigo 1°, sendo, portanto, o direito à moradia
qualificado pelo caráter de dignidade. A moradia deve ser digna e alcançar a
todos em promoção da igualdade material.
Jorge Miranda ressalta a função ordenadora dos princípios fundamentais,
bem como sua ação imediata, enquanto diretamente aplicáveis ou
diretamente capazes de conformarem as relações político-constitucionais,
adiantando, ainda, que a “ação imediata dos princípios consiste, em
primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e de
integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema” 10 .

Outra não poderia ser a linha de raciocínio, uma vez que, mediante uma
análise sistemática da Carta Maior, encontram-se ainda outros dispositivos
sinalizando para tal fim.
Tome-se, por exemplo, o artigo 3°, que dispõe sobre os denominados
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, citando a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do
desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a
redução das desigualdades sociais e regionais; e finalmente a promoção do
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Ora, não é muito complexo o raciocínio segundo o qual, para serem
observados os objetivos fundamentais referidos, necessariamente se deve
atender ao direito basilar à moradia digna de todo e qualquer ser humano, em
conexão com a igualdade material, a cidadania e a dignidade da pessoa
humana, uma vez que a Constituição Cidadã fora elaborada por
representantes do povo e se dirige, primordialmente, aos desejos, anseios e
necessidades desse mesmo povo.
O artigo 7° da Lei Maior também faz expressa referência ao direito à
moradia dos trabalhadores urbanos e rurais, bem como de suas famílias, no
sentido de se tratar de uma necessidade vital básica, conforme o caput e
respectivo inciso IV.
Portanto, constata-se que o direito constitucional à moradia é pura
irradiação da dignidade da pessoa humana.
O artigo 23, inciso, IX, por sua vez, estatui que competem a todos os
entes federativos a promoção e o desenvolvimento de programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico, em consonância com o direito fundamental à moradia
digna.
Os princípios constitucionais aplicáveis ao direito à moradia digna
(dignidade, cidadania, igualdade material…) possuem perfeito
enquadramento como direitos e garantias individuais fundamentais, uma vez
que conferem aos indivíduos a mínima proteção necessária em matéria de
tutela de sua dignidade, realizando uma harmonização entre as respectivas
finalidades do Estado e os demais princípios fundamentais estabelecidos.
Nessa linha de pensamento, firma-se o caráter pétreo do qual se reveste
toda a base principiológica do sistema, no qual se inclui a matéria relativa ao
direito social à moradia, expressamente estabelecido no artigo 6°, caput , da
Carta da República.
Os direitos fundamentais são considerados uma densificação
(materialização) do Princípio da Justiça Social. Entende-se que os direitos
sociais, elencados no art. 6° da CF/88 são cláusulas pétreas, e o Supremo
Tribunal Federal possui vasta e recente jurisprudência nesse sentido. Assim
sendo, não podem ser abolidos, sendo possível tão somente a sua alteração
em favor da sociedade […] 11 .

Pode-se constatar, ao relacionar o direito à moradia digna aos direitos e


garantias fundamentais, que em um Estado Democrático de Direito, forjado a
partir de constituições rígidas, as quais organizam a sua própria estrutura, a
exemplo do Brasil, a supremacia constitucional significa que todos a ela
devem se curvar: governo, governantes e governados.
Nesse sentido, entende-se que a Constituição Federal procurou resguardar
o indivíduo de toda e qualquer negligência do Poder Público quanto aos seus
direitos fundamentais, especialmente no que tange ao direito à moradia digna,
consagrando-o como garantia intocável.
No contexto, busca-se preservar o que dá substância à Lei Maior, ou seja,
que esta não seja entendida ou interpretada como mera “Carta de intenções”,
na qual o legislador (representante do poder derivado) possa dela dispor sem
observar-lhe a força imperativa de seus princípios.

3.2. O direito real de laje como forma de regularização fundiária


urbana
Ao exercitar a internalização dos acontecimentos do mundo em que
estamos inseridos, nossa sociedade e respectivas imperfeições, o estudioso do
Direito se depara com reflexões existenciais que estreitam os laços de sua
consciência com a própria natureza humana, fator equalizador em toda a
diversidade observada.
O estudo de cada sociedade em seus potenciais, tanto latentes quanto
aqueles já desenvolvidos parcial ou plenamente, deve atentar – não somente –
aos valores basilares em que se deu sua origem e consequente
desenvolvimento, a organização e solidificação dos valores de seus
integrantes e o que talvez possa ter sido negligenciado.
Nessa senda, há que se refletir acerca da necessidade humana de sentir-se
em proteção, em toda a abrangência do termo, sendo que o abrigo físico é
instintivamente buscado em prol da própria necessidade de sobrevivência
perante os perigos externos que possam ameaçar ou atingir o indivíduo e seus
agrupamentos.
A necessidade primária do ser é sentir-se livre, porém, sente-se realmente
livre aquele que se sabe protegido e seguro, conforme suas necessidades
primárias ditadas pela consciência individual e coletiva.
Nesse contexto, o ambiente físico propício à criação do sentimento de
liberdade e proteção é a morada de cada um, o abrigo inviolável capaz de
promover no indivíduo a sensação de estar no seu próprio território, algo
íntimo e pessoal, que o acolhe e confere espaço psíquico para estruturar e
desenvolver suas potencialidades.
Ocorre que se fala de estrutura basilar do desenvolvimento sadio da
sociedade, que não pode ser negligenciado, sob a consequência de, assim o
sendo, promover crescimento desordenado de conglomerados humanos.
Os agrupamentos naturalmente hão de se ampliar em progressão
geométrica, mesmo que desordenadamente, por falta de planejamento básico,
uma vez que há urgência na busca de abrigo, não podendo ficar as pessoas à
mercê de promessas políticas inexistentes ou insuficientes, vindas daqueles
incumbidos de promover o bem-comum.
Sabe-se que sociedades perfeitas e totalmente igualitárias não existem,
até porque a ausência de diferenças sociais seria um freio ao desenvolvimento
humano, tanto nas ciências quanto em sua sensibilidade.
Ademais, já houve demonstrações reais na história recente da
insustentabilidade fática da ideia de sociedade linearmente igualitária.
O mundo é efetivamente uma grande escola, e cada sociedade é um rico
celeiro, que em suas diferenças oportuniza aos seus habitantes uma gama
incontável de possibilidades de crescimento intelectual e emocional, a
depender da lente com a qual se enxergam os acontecimentos em seus
detalhes.
Porém, os extremos não são saudáveis, tendo grande valor a máxima
segundo a qual o meio-termo é a melhor medida.
Não se está a rejeitar a abundância proporcionada pela riqueza material,
quanto menos a propagar ideias contrárias ao capitalismo, absolutamente. O
que se está expondo é o fato de que o sofrimento causado a um ser humano
em decorrência do desamparo pela ausência de abrigo não deve – nunca – ser
aceito como consequência natural do sistema econômico em que vivemos.
Melhor dizendo, a miséria material é uma desastrosa distorção dos efeitos
de uma sociedade desorganizada em seus pilares. A ausência de moradia não
se encontra no conceito de pobreza, mas sim no de miséria.

3.3. O direito real de laje


Eis que, visando ao acolhimento da vontade política das autoridades
executivas e legislativas em regularizar áreas urbanas, fruto de situações de
fato existentes há anos e décadas, tendo como residentes predominantemente
populações de baixa renda, houve recente inovação legislativa.
Busca-se, com a nova espécie de direito real em comento, a pacificação
de situações consolidadas, no intuito de efetivar o direito social à moradia
(art. 6°, Constituição Federal), surgindo formalmente o direito de laje, o qual
foi primeiramente tratado na Medida Provisória 759, de 2016, e, atualmente,
tratado na Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.
Uma nova espécie de direito real que se encontra prevista no rol do art.
1.225, precisamente no inciso XIII, bem como a partir do art. 1.510-A do
Código Civil.
3.3.1. Conceito de direitos reais
O Direito Civil, em sua vertente designada “direitos reais”, traduz-se no
sistema formado por normas e princípios norteadores das relações jurídicas
atinentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo ser humano, sempre em
consonância com o postulado da finalidade social.
Quanto às expressões “bens” e “coisas”, o ilustre Arruda Alvim
esclarece:
A resposta – no que diz com equiparação entre bem e coisa, no particular –
deve ser negativa. Bem e coisa distinguem-se como sendo realidades
suscetíveis de serem objeto de direito, sendo bem normalmente designativo
– o, compreensivo também – de objetos não materiais (ainda que não
necessariamente estritamente imateriais), ao passo que, coisa, tem o
significado de, ou, exige, corpo) 12 .

Mostra-se conveniente trazer à baila algo mais do brilhantismo dos


ensinamentos de Arruda Alvim, que em sua maestria enumera as
características próprias dos direitos reais, aptas a diferenciá-los dos direitos
de natureza pessoal.
Com base em obra do eminente professor 13 , passa-se a elencar as
características dos direitos reais.
a) legalidade ou tipicidade: os direitos reais somente existem se a respectiva
figura estiver prevista em lei;
b) taxatividade: a enumeração legal dos direitos reais é taxativa, ou seja,
não admite ampliação pela simples vontade das partes;
c) publicidade: primordialmente para os bens imóveis, por se submeterem a
um sistema formal de registro, que lhes imprime esta característica;
d) eficácia erga omnes : os direitos reais são oponíveis a todas as pessoas,
indistintamente. Esta eficácia erga omnes deve ser entendida apenas quanto
à oponibilidade, porquanto o exercício do direito real sempre será
relativizado pelo interesse social e o regramento posto;
e) inerência ou aderência: o direito real adere à coisa, acompanhando-a em
todas as suas mutações.
f) sequela: consequência da aderência, o titular do direito real poderá
perseguir a coisa afetada e buscá-la onde se encontre, em mãos de quem
quer que seja.

Em breves linhas, buscou-se demonstrar a diferenciação básica entre


direitos de natureza real e pessoal.
3.3.2. A laje
O art. 1.510-A e seguintes do Código Civil informam que aquele que
detém a propriedade de uma edificação, esta denominada construção-base,
poderá ceder, de maneira gratuita ou onerosa, a superfície superior ou inferior
de sua construção, com o objetivo de que o titular da laje obtenha unidade
distinta daquela originalmente construída sobre o solo, ou seja, a lei autorizou
o surgimento de outro bem imóvel (este distinto, mas contíguo, junto), logo
acima ou abaixo daquele já existente.
Dessa forma, tal direito real de propriedade gera ao titular da laje os
direitos de usar, gozar e dispor de seu bem, desde que em conformidade com
o regramento legal estabelecido.
A lei é clara ao designar as características básicas estruturais
caracterizadoras do direito real de laje, não sendo, portanto, nova espécie de
condomínio, já que a sua instituição não ocasiona a atribuição de fração ideal
de terreno ou participação proporcional em áreas já edificadas ao titular da
laje – art. 1.510-A, § 4°, do Código Civil.
Francisco Eduardo Loureiro afirma que se trata de instituto de natureza
sui generis , possuindo características, requisitos e efeitos próprios, não se
confundindo com o direito real de superfície, pois este é temporário e aquele
é perene, bem como não se caracteriza com a amplitude da propriedade plena,
já que não atribui fração ideal de terreno ao proprietário da laje,
acrescentando que: “O titular adquirente torna-se proprietário de nova
unidade autônoma consistente de construção erigida sobre acessão alheia,
sem implicar situação de condomínio tradicional ou edilício ” 14 . (grifo
nosso)
Assim, o legislador, ao instituir o direito real de laje e não atribuir ao seu
titular a propriedade da fração ideal do terreno, quis afastar burla às regras
específicas e rigorosas do condomínio edilício, estas previstas no art. 1.331 e
seguintes do CC, ou mesmo evitar qualquer confusão ou fraudes às hipóteses
de incorporação imobiliária, previstas na Lei 4.591/64.
Todavia, para manter o convívio possível, saudável, seguro e organizado
entre os titulares da laje e o proprietário da construção-base, o art. 1.510-C,
caput e § 1°, regula que determinadas normas são as aplicáveis aos
condomínios edilícios. São elas:
a) as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a
todo o edifício e pagamentos de serviços de interesse comum, as quais serão
partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na
proporção estipulada em contrato, pois não há lavratura de convenção
condominial ou documento equivalente, já que não se trata de forma de
condomínio;
b) devem servir a todo o edifício as seguintes partes: b.1) alicerces,
colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a
estrutura do prédio; b.2) o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que
destinados ao uso exclusivo do titular da laje; b.3) as instalações gerais de
água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar-condicionado, gás, comunicações
e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e b.4) em geral, as coisas que
sejam afetadas ao uso de todo o edilício.
Outra importante característica do direito real de laje é o direito de
preferência, dos titulares da construção-base e das demais lajes, na aquisição
da unidade quando da sua alienação, conforme explicitado no art. 1.510-D do
CC.
Referida prerrogativa, no caso de haver mais de uma laje, deve respeitar,
sucessivamente, a seguinte ordem: o titular das lajes ascendentes e o titular
das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à
unidade sobreposta a ser alienada – art. 1.510-D, § 2°, do CC.
Dessa forma, no caso de venda do imóvel, os demais titulares da
construção-base e da laje serão cientificados por escrito, para que se
manifestem, dentro do prazo de 30 dias, salvo se as partes interessadas
tiverem previamente, por meio de contrato, estipulado modo diverso.
No caso de não houver sido realizada a ciência prévia aos interessados
acima mencionados, estes poderão, depositado o preço, haver para si a parte
vendida a terceiros, desde que exercida tal prerrogativa no prazo decadencial
de 180 dias, contado da data de alienação – art. 1.510-D, § 1°, do CC.
No caso de não observância do direito de preferência, a alienação poderá
ser anulada judicialmente pelos interessados, desde que requerida no prazo de
180 dias da alienação. Presume-se esta na data do registro da transmissão na
matrícula do imóvel, em decorrência da publicidade registral – art. 1° da Lei
8.935/94.
Importante salientar que não cabe ao registrador imobiliário exigir,
quando do registro da transmissão, a prova da observância do direito de
preferência, pois não envolve aspectos formais do título, já que tal
prerrogativa é de interesse privado e não macula a legalidade da transmissão,
gerando pretensão de anulabilidade da transmissão para os interessados.
Observa-se que a preferência na aquisição da laje somente se opera no
caso de venda do bem, seja esta de forma voluntária ou forçada (hasta
pública), não se aplicando no caso de doação.
No caso da alienação em hasta pública, a preferência está prevista no art.
799, X e XI, do CPC, estes acrescentados pela Lei 13.465/2017, in verbis :
Art. 799. Incumbe ainda ao exequente: […]
X – requerer a intimação do titular da construção-base, bem como, se for o
caso, do titular de lajes anteriores, quando a penhora recair sobre o direito
real de laje;
XI – requerer a intimação do titular das lajes, quando a penhora recair sobre
a construção-base.

Portanto, quando efetivada a penhora e em decorrência desta a hasta


pública, deverão ser intimados os titulares da construção-base e das demais
lajes, oportunizando-se-lhes o exercício do direito de preferência na aquisição
do bem gravado.
Salienta-se, ainda, a importância de se conciliarem os termos e
estabelecer a escala correta das prioridades estabelecidas quanto ao direito de
aquisição à laje: o titular da construção-base, o das lajes anteriores, das lajes
ascendentes e das descendentes.
Aliás, permanece a pergunta sobre qual a correta compreensão sobre o
que venham a ser lajes ascendentes e descendentes, uma vez que as
expressões oportunizam ao menos duas interpretações antagônicas.
Seriam as ascendentes as que lhes antecederam ou aquelas que lhes são
sobrepostas?
No mesmo sentir, seriam as lajes descendentes aquelas que estejam
abaixo, ou as que lhes sucederam na ordem cronológica de edificação?
Ficam os questionamentos, que apenas a construção jurisprudencial ou
alteração legislativa terão o encargo de esclarecer.
A nova unidade imobiliária, construída nos moldes desse novo direito
real, deve ser regularizada perante o cartório de registro de imóveis da
situação do bem para a abertura de matrícula própria e averbação do fato na
matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores com
remissão recíproca – art. 176, § 9°, da Lei 6.015/1973, acrescentado pela Lei
13.465/2017.
Importante salientar que, caso o primeiro registro imobiliário do direito
real de laje ocorra no âmbito da regularização fundiária aplicável aos núcleos
urbanos informais ocupados por população de baixa renda, assim declarados
em ato do Poder Executivo municipal, haverá isenção de custas e
emolumentos – vide art. 13, § 1°, VII, da Lei 13.465/2017.
Resta claro que o legislador atribui ao proprietário da laje um direito real
de uso exclusivo, privativo, podendo este usar, gozar, dispor e dar em
garantia, como qualquer outro bem imóvel regularizado.
Ademais, ante a tipicidade elástica conferida aos direitos reais pela atual
doutrina, pode-se afirmar que o direito real de laje pode ser hipotecado,
mesmo não constando do rol contido no art. 1.473 do CC, o qual dispõe
acerca dos bens imóveis sujeitos à hipoteca.
Porém, a laje só poderá ser hipotecada se for passível de alienação, pois
“somente os imóveis alienáveis são hipotecáveis” 15 . Portanto,
Imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade, ou bens de família no
regime do CC, não são hipotecáveis. Nada impede, porém, que o
impropriamente denominado bem de família, previsto na Lei n. 8.009/90,
seja hipotecado, porque na verdade é somente impenhorável. Como pode o
dono alienar voluntariamente a casa, poderia também hipotecá-la.
O titular da laje, em virtude do surgimento de um novo bem imóvel,
responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade – art.
1.510-A, § 3° –, bem como estará sujeito a todas as formas de extinção de sua
propriedade, além da prevista no art. art. 1.510-E, e poderá perdê-la, desde
que preenchidos os requisitos legais, pela usucapião, inclusive pela espécie
familiar.
O direito de laje abrange o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos
públicos ou privados, realizados em posição vertical, ou seja, no plano
horizontal, abaixo ou acima da acessão alheia.
Dessa forma, nota-se que o direito de laje é espécie de direito real sobre
coisa própria 16 , limitado física e juridicamente.
A limitação física se dá pelo seu formato estrutural vertical e autônomo à
acessão alheia que lhe serve de base. Já as limitações jurídicas se referem às
cogentes, limitações impostas pela lei, que não podem ser derrogadas pela
vontade das partes, por exemplo, a não atribuição de fração ideal de terreno
ao titular da laje.
3.3.3. A regulação das relações entre os titulares da laje e da construção-
base
A fim de estabelecer um regime harmônico e seguro entre os titulares da
laje e da construção-base, a lei dispôs que as relações entre estes serão
reguladas em contrato – art. 1.510-C do CC.
A questão é saber se tal instrumento regulatório tem natureza meramente
contratual, valendo entre as partes, ou, assim como a convenção de
condomínio, prevista no art. 1.333 do CC e no art. 9° da Lei 4.591/64, possui
natureza de ato-regra, ato-convenção ou estatutária, “pois cria a normação
para um agrupamento social reduzido, ditando regras de comportamento,
assegurando direitos e impondo deveres” 17 .
Assim, diante da relevância dos temas que devem ser regulados via
contrato, dentre eles a previsão da proporção de pagamento das despesas
necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o
empreendimento, dos serviços comuns – art. 1.510-C do CC –, bem como a
regulação do direito de preferência – art. 1.510-D do CC, tal instrumento
também deve gozar de força normativa perante as partes detentoras das lajes
e da construção base.
Parece mais acertado que o contrato regulador tenha também a natureza
estatutária para que seus efeitos atinjam os proprietários dos imóveis e
aqueles que se encontrem, mesmo que transitoriamente, vinculados ou à
construção-base ou a alguma das lajes.
O contrato regulador será materializado mediante forma particular ou
escritura pública e poderá ser levado a registro público para fins de
publicidade, conservação e produção de feitos perante terceiros.
Surge aqui outro ponto de discussão: como se dá o ingresso do título e em
qual serventia tal contrato tem ingresso.
A Lei 6.015/73 dispõe que os documentos podem ser levados ao Registro
de Títulos e Documentos, de forma facultativa, para sua conservação, não
gerando publicidade, nem efeitos contra terceiros.
Aos que defendem que as hipóteses de atos de averbação no Registro de
Imóveis previstos no art. 167, II, da Lei 6.015/73 não são taxativas, tal
contrato regulatório do exercício do direito de laje poderia ser averbado nas
matrículas dos imóveis por ela tratados. Assim, seus termos adquiririam
publicidade e produziriam efeitos perante terceiros.
Ademais, a Lei 13.097/2015, ao refletir o princípio da concentração da
matrícula no art. 54, II autorizou a averbação na matrícula de imóvel de
restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrários
quando previstos em lei, ou seja, possibilitou, por meio da averbação, o
ingresso no fólio real de limitações ao direito de laje, já dispostas em lei, seja
por meio de instrumento particular ou escritura pública, a exemplo do
previsto nos art. 1510-B e 1510-C do Código Civil.
Importante salientar que o Provimento 58/89, Tomo II – Cartórios
Extrajudiciais (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do
Estado de São Paulo), no seu item 11, b , 42, permite que demais atos
previstos em lei possam ser averbados na matrícula dos imóveis.
Ocorre que, por se tratar de uma nova espécie de direito real com
inúmeras implicações sociais e coletivas, tais fatos serão ainda objeto de
muitas discussões técnicas e jurídicas, portanto, devem-se aguardar novas
regulamentações e decisões judiciais que disciplinem o tema.
3.3.4. O direito real de laje sobre imóveis públicos
É possível a instituição de direito real de laje de imóveis públicos, e, se
esta se der no âmbito da Reurb-S (regularização fundiária aplicável aos
núcleos urbanos informais ocupados por população de baixa renda, assim
declarados em ato do Poder Executivo municipal), caberá ao ente público
promotor da regularização – Município ou Distrito Federal – a
responsabilidade de elaborar o projeto de regularização fundiária nos termos
do ajuste que venha a ser celebrado Normas de Serviço da Corregedoria
Geral da Justiça do Estado de São Paulo – art. 33 da Lei 13.465/2017.
Caso a regularização do direito real de laje em imóvel público se dê na
forma da Reurb-E (regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos
informais ocupados por população não qualificada como baixa renda), o
Município pode proceder à elaboração e ao custeio do projeto de
regularização fundiária, mas com posterior cobrança aos seus beneficiários –
art. 33, parágrafo único, III, da Lei 13.465/2017.
O art. 71 da Lei 13.465/2017 dispensa, quando bens públicos, para fins de
Reurb, a desafetação, autorização legislativa, avaliação prévia e licitação na
modalidade concorrência.
3.3.5. Direito real de laje sucessivo
Fica autorizado o direito real de laje sucessivo, qual seja, o direito de o
titular da laje ceder a superfície de sua laje construída para que outro construa
sobre ela, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-
base e das demais lajes, devendo ser respeitadas as posturas edilícias e
urbanísticas vigentes – art. 1.510-A, § 6°, do Código Civil.
3.3.6. Extinção da laje
As formas de extinção do direito real de laje estão previstas no art. 1.510-
E do CC e implicam a ruína da construção-base, salvo se a laje estiver
instituída sobre o subsolo e se a construção-base não for reconstruída no
prazo de cinco anos.
O parágrafo único do citado dispositivo ressalta que não se afasta o
direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína.
Observa-se que a ruína da construção-base não gera de imediato a
extinção do direito real de laje, pois a lei prevê sua extinção após o decurso
do prazo de cinco anos, o que na prática pode ocasionar ao seu proprietário,
além do prejuízo financeiro pela perda da propriedade, gastos outros, como
IPTU e demais encargos durante o período em que o titular da construção-
base pode reconstruir o imóvel.
Nesse caso, para evitar a incidência de gastos sobre a propriedade que
não mais existe em decorrência da ruína, pode o titular da laje renunciar ao
seu direito de propriedade – art. 1.275, II, do CC –, sem prejuízo do seu
direito à reparação, caso não tenha ocasionado o dano.

3.4. Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado


de São Paulo e o direito de laje
A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no mês de dezembro de
2017, por meio do Provimento 51, trouxe regramentos administrativos
aplicáveis ao âmbito extrajudicial, abrangendo o que tange ao direito de laje a
partir do item 435 do Capítulo XX, do Provimento 58/1989.
Atualizou-se a redação das respectivas Normas de Serviço em
consonância com as recentes alterações legislativas em vigor.
Importante esclarecimento expresso consta do item 444, que proclama
não caber ao Oficial do Registro de Imóveis a aferição do cumprimento do
disposto no art. 1.510-D do Código Civil, que trata do direito de preferência
na aquisição da laje.
Dispôs expressamente, também, sobre a forma como o direito real de laje
será extinto, ou seja, mediante averbação requerida por seu titular, à vista de
documento hábil expedido pelo Município, hipótese que ensejará o
encerramento da matrícula e as consequentes averbações recíprocas naquelas
inter-relacionadas, conforme dicção do item 445.
Um essencial alerta, muito bem-vindo, foi o que consta do teor do item
446, visando a afastar qualquer burla às leis que menciona, a fim de que o
instituto da laje não passe a ser deturpado como forma transversal de
descumprimento de exigências legais específicas, in verbis :
É vedada a abertura de matrícula correspondente a direito de laje para fins
de implantação de empreendimentos imobiliários ou edificações de um ou
mais pavimentos, em que haja divisão do terreno da construção-base, ou de
partes comuns, em frações ideais, hipótese em que será aplicada a
legislação específica de incorporações imobiliárias e de condomínios
edilícios.

As Normas Paulistas possuem a característica de se manterem sempre


prontamente atualizadas conforme as alterações dos regramentos pátrios, o
que se revela positivo, oportunizando aos seus aplicadores maior segurança
em sua atuação profissional, no sentido de estarem cumprindo um rico
sistema harmônico de normatividades, com reiterações, esclarecimentos e
direcionamentos.

3.5. Conclusão
Efetivamente, louvável a iniciativa legislativa do regramento formal do
direito de laje, esta velha conhecida dos brasileiros, seja por experiência
própria, seja por inevitável desconhecimento, ainda que pelo senso comum.
A laje disseminou-se em imponente informalidade, suprindo necessidades
de moradia de um povo criativo e esperançoso, ganhando proporções que lhe
conferiram, por fim, o justo regramento legal como instituto autônomo,
qualificado no rol de direitos reais.
Ao se falar em laje, naturalmente e quase de forma automática, vem à
mente a imagem de construção de feições economicamente desfavoráveis,
sem muito aprumo estético, provavelmente em morros, nos quais se
formaram as favelas, atualmente designadas pelo termo ‘’comunidades’’, mas
que se tornaram verdadeiras cidades, por assim dizer.
O quadro descrito não é sem motivo, uma vez que a laje sempre foi, em
nossa cultura nacional, meio de sobrevivência típico de população social e
economicamente desfavorecida, que não tinha condições financeiras de
promover construções regulares nas cidades, tendo permanecido sempre à
margem e encontrado refúgio nos morros.
Historicamente, a população foi realmente dividida em decorrência de
questões referentes a poder aquisitivo, classes sociais e todos os seus
consectários – não se pretende fazer aqui estudo moral sobre tais pontuações.
Nessa senda, fora inevitável o reconhecimento da cristalização dessa
realidade social consolidada, frequente, diária, internalizada coletivamente
como algo já integrante da cultura nacional, como modo de viver e
estabelecer moradia.
A beleza do Direito em suas raízes mais profundas está justamente na
constatação da legitimidade de sua criação, desenvolvimento e aceitação
como fato social.
Afinal, o Direito é mecanismo a serviço da sociedade, a qual é a razão
primária de sua existência, ditando a direção para onde os ventos são
favoráveis aos regramentos e pacificação social.
Esse instrumento de pacificação social, em seu âmago, visa justamente ao
regramento das realidades fáticas de um determinado povo: a laje
historicamente supriu informalmente a necessidade de moradia de muitas
pessoas, tendo adquirido feições próprias de uma nova cultura que sobre ela
se desenvolveu e frutificou.
Ressalta-se que nos dias hodiernos o instituto em comento permanece em
plena expansão, não mais delimitado ao âmbito das comunidades originadas
em morros por parcela considerável de pessoas socialmente excluídas.
O legislador vislumbrou essa realidade e regrou a laje de forma a
abranger objetivamente – e não subjetivamente – seus destinatários.
Eis uma boa aplicação legislativa à máxima efetividade dos direitos
fundamentais, entre os quais a moradia qualificada pelo predicativo da
dignidade, postulado informador e basilar de nosso Estado Democrático.
A moradia digna é direito inafastável e titularizado por todos,
indistintamente, sendo importante atribuir a tal prerrogativa âmbito de
abrangência prospectiva, sem delimitações prévias, salvo quanto aos
regramentos urbanísticos e moldura legal, que deverão ser observados, os
quais, em última análise, se constituem em mecanismos de segurança do
próprio direito que se está a proteger.
O presente estudo buscou tratar de maneira inicial o tema da laje e propor
discussões acerca da matéria, pois muitas implicações sociais e jurídicas
surgirão e serão discutidas no âmbito doutrinário, judicial e legislativo.
Portanto, com relação ao direito de laje, tudo está por vir.
Alea iacta est !

3.6. Referências
ARRUDA ALVIM; COUTO, Mônica Bonetti. Comentários ao Código Civil
brasileiro: do direito das coisas. Rio de Janeiro. Forense, 2009.
ARRUDA ALVIM; COUTO, Mônica Bonetti. Confronto entre situação de direito real
e de direito obrigacional. Prevalência da primeira, prévia e legitimamente
constituída – salvo lei expressa em contrário. Parecer publicado na Revista de
Direito Privado , São Paulo: Ed. RT, v. 1, jan.⁄mar. 2000.
CAMBI, Eduardo; SILVA, Reinaldo Pereira e; LEWIS, Sandra A. Lopes B. et al.
Constituição, justiça e sociedade . Editora OAB⁄SC, 2007. v. 1.
ESCOBAR, Vinícius de Freitas. A proteção dos direitos sociais no Brasil pelo
Ministério Público do Trabalho. Disponível em: [
www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?
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www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/boletins/boletim12001/doutrina/adignidade.htm
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parte 1 e 2. Publicado eletronicamente pelo Colégio Notarial do Brasil.
Disponível em: [ www.cnbsp.org.br ]. Acesso em: 07.11.2017.
PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado : doutrina e jurisprudência. 10. ed.
São Paulo: Manole, 2016; 11. ed. 2017.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações . 11. ed. Rio de Janeiro:
2014.
ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Manual de direito financeiro & direito
tributário . 17. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . 23. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . Florianópolis:
Momento Atual, 2003.
1. CANOTILHO e MOREIRA. Apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo . 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 92.
2. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais . 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 80-81.
3. BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil . Brasília: Senado, 1988. p. 17.
4 . TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário .
Florianópolis: Ed. Momento Atual, 2003. p. 11.
5 . HIGA, Renato Kenji. A dignidade da pessoa humana e o positivismo jurídico.
Disponível em: [
www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/boletins/boletim12001/doutrina/adignidade.htm
]. Acesso em: 08.11.2017.
6 . HERKENHOFF, João Batista. Direito e utopia . 4. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2001. p. 20.
7. TJPE. 26 a Vara Cível da Comarca de Recife – Seção B. Ações de usucapião
002769184. 2013.8.17.0001 e 0071376-44.2013.8.17.0001. Julgamento em 14
de julho de 2017. Disponível em: [www.megajuridico.com/wp-
content/uploads/2017/08/Sentenca-Usucapiao-ExtraordinarioDireito-de-
laje.pdf]. Acesso em: 09.11.2017.
8 . BARBOSA, Rui. Apud ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Manual de
direito financeiro & direito tributário. 17. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.
344.
9 . CAMBI, Eduardo; SILVA, Reinado Pereira e; LEWIS, Sandra A. Lopes B. et
al. Constituição, justiça e sociedade. Editora OAB/SC, 2007. v. 1. p. 54-55.
10 . MIRANDA, Jorge. Apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo . 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 95-
96.
11 . ESCOBAR, Vinicius de Freitas. A proteção dos direitos sociais no Brasil pelo
Ministério Público do Trabalho. Disponível em: [
www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8022 ]. Acesso em: 08.11.2017.
12 . Comentários ao Código Civil brasileiro , v. XI, t. II, p. 55.
13 . ARRUDA ALVIM. Confronto entre situação de direito real e de direito
obrigacional. Prevalência da primeira, prévia e legitimamente constituída –
salvo lei expressa em contrário. Parecer publicado na Revista de Direito
Privado , São Paulo: Ed. RT, v. 1, jan.⁄mar. 2000. p. 103-106.
14 . LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil
comentado, p. 1515.
15 . LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil
comentado, p. 1468.
16 . A laje é uma nova espécie de direito real de propriedade sobre coisa própria…
sobre um espaço tridimensional que se expande a partir da laje de uma
construção-base em direção ascendente ou a partir do solo dessa construção em
direção subterrânea. OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. O que é direito real
de laje à luz da Lei n. 13.465/17, parte 1 e 2 . Publicado eletronicamente pelo
Colégio Notarial do Brasil. Disponível em: [ www.cnbsp.org.br ]. Acesso em:
07.11.2017.
17 . PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações . 11. ed. Rio de
Janeiro: 2014. p. 123.
4
CONJUNTOS HABITACIONAIS SEGUNDO A
LEI 13.465, DE 11 DE JULHO DE 2017

Regina Iara Ayub Bezerra


Advogada especializada em Direito Empresarial, Direito Imobiliário e Direito do
Trabalho e Previdência Social pela FGV/RJ. Mestranda em Fundamentos da
Responsabilidade Civil pela Cátedra de Cultura Jurídica da Universidade de
Girona, Espanha – Instituto de Direito Privado Europeu e Comparado.

SUMÁRIO : 4.1. Introdução . 4.2. Direito de propriedade privada . 4.2.1. Do


direito de propriedade privada no Brasil . 4.3. Da função social da
propriedade . 4.3.1. A função social da propriedade rural . 4.3.2. A função
social da propriedade urbana . 4.4. Políticas públicas da habitação popular .
4.4.1. História do crescimento urbano no Brasil . 4.4.2. Políticas públicas
habitacionais no Brasil . 4.5. Os conjuntos habitacionais como meio de
regularização urbana na Lei 13.465/2017 . 4.5.1. Modalidades de
regularização fundiária urbana (Reurb) . 4.6. Da inconstitucionalidade da Lei
. 4.7. Considerações finais . 4.8. Referências .

Resumo: Este artigo trata da legitimação dos assentamentos irregulares


sob a égide da Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, que, em seu Capítulo VII,
altera a denominação assentamentos irregulares para núcleos urbanos
informais e propõe sua regularização por meio da constituição de conjuntos
habitacionais , converte posses ilegais em propriedades legítimas por meio de
processo extrajudicial, permitindo, inclusive, o reconhecimento
administrativo, em abstração da declaração judicial, da usucapião. Analisa
sua repercussão na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais
vigentes. Destaca o histórico da moradia no Brasil, das gestões de políticas
públicas de habitação popular, urbanismo e legislação de ordenamento
territorial, dos conflitos urbanos e do direito à cidade. Analisa o conceito
legal impresso na Lei aos núcleos urbanos informais. Perquire os artigos 59 e
60 da Lei 13.465/2017 à luz dos dispositivos constitucionais que tratam do
tema. Destaca que a regularização fundiária na forma pretendida pelo
legislador ordinário fere princípios constitucionais e se torna um entrave ao
desenvolvimento do País.
Palavras-chave: Núcleo urbano informal; Conjuntos habitacionais;
Políticas públicas em gestão de habitação; Posse ilegal; Direito à propriedade;
Inconstitucionalidade.

4.1. Introdução
O propósito deste estudo é expor o retrocesso que representa, no processo
de crescimento sustentável dos municípios brasileiros, a regularização dos
núcleos urbanos informais na forma estabelecida nos artigos 59 e 60 da Lei
13.465/2017.
Para tanto, faz-se necessário espelhar o impacto das mutações sociais na
concepção jurídica da propriedade privada, deixando o direito de propriedade
de ser entendido como direito real absoluto regulamentado pelo Direito Civil,
passando a ser delineado pelo Direito Constitucional, tanto no âmbito da
propriedade individual quanto no âmbito do direito social, com a consagração
na Constituição Federal de 1988 do princípio da função social da
propriedade .
Após a contextualização do direito de propriedade e sua função social,
passaremos a discorrer sobre a regularização dos núcleos urbanos informais
como conjuntos habitacionais na forma estabelecida na Lei 13.465/2017, por
meio da utilização da metodologia de exegese constitucional de forma a
identificar as linhas mestras da função social da propriedade e de outros
princípios intrinsecamente a ela relacionados que podem ser extraídos dos
mandamentos constitucionais e das legislações infraconstitucionais que os
regulamentam.

4.2. Direito de propriedade privada


Propriedade é um fenômeno social que nasce com o homem e passa, com
a evolução da sociedade, a ser delimitado pelo Direito.
A Revolução Francesa, resultado das influentes ideias iluministas que
consagravam os direitos individuais como meio de fortalecimento da
economia de mercado, robustece a classe burguesa, que almeja a alteração da
condição de súdito para a condição de cidadão , implanta um regime jurídico
com ampla proteção da propriedade privada, por meio do qual o proprietário
passa a ter direito absoluto, ilimitado, perpétuo, oponível erga omnes e
exclusivo de seu titular, podendo dela dispor com toda a plenitude, ou seja,
usar, fruir e gozar sem preocupação com o interesse social e coletivo.
A terra deixa de ser o bem que provê sustento ao homem para integrar o
seu patrimônio particular e lhe fortalecer economicamente perante outros
indivíduos e o Estado.
Com a consagração do princípio do direito individual absoluto sobre a
propriedade privada, uma minoria social, detentora de grandes propriedades
e, portanto, dos meios de produção, passa a exercer exacerbada influência
política e social na defesa de seus interesses, em detrimento dos indivíduos
que integram a classe social menos favorecida, gerando desequilíbrio social
em decorrência da má distribuição de riquezas, dando origem a uma classe
social extremamente abastada composta por poucos privilegiados que muito
se assemelha ao regime da monarquia absoluta, restaurando o sistema de
privilégio da elite que usufruía do luxo e da riqueza gerados pelo trabalho dos
campesinos em propriedades latifundiárias, gerando a injustiça social
combatida pela Revolução Francesa.
Após a Revolução Industrial, além do agravamento da condição social
dos trabalhadores, surge o problema do êxodo rural em busca de melhorias na
qualidade de vida e de trabalho, gerando o fenômeno da urbanização
desenfreada, com a implantação de núcleos urbanos desprovidos de
planejamento, povoados por assalariados de baixa renda e desempregados,
fazendo com que a concepção do direito individual absoluto sobre a
propriedade privada evoluísse concomitantemente com a sociedade, que
passa a entender a propriedade como um bem voltado ao interesse coletivo,
dotada de intrínseco cunho social, abrandando seu processo absoluto,
percorrendo um processo histórico de relativização que teve seu início com a
intervenção estatal, com a finalidade, entre outras, de impedir o domínio da
classe social menos privilegiada por aqueles integrantes da classe social
minoritária detentores do poder econômico e o crescimento urbano
desenfreado.
A Revolução Industrial provoca modificação social, influindo
decisivamente na concepção jurídica de propriedade privada, deixando de ser
apenas relação individual entre o proprietário e o bem, relativizando o direito
de propriedade absoluta para instituir o dever ao proprietário de usar seu bem
sem desrespeitar os direitos coletivos e sociais.
Inicia-se a formulação da compreensão da função social da propriedade,
passando esta a ser concebida como um direito social.
4.2.1. Do direito de propriedade privada no Brasil
A história mostra o caráter absoluto que adquiriu o direito de propriedade
no sistema brasileiro.
Em 1530, quando a conquista do território brasileiro pelo Estado
português se efetivou, a Coroa decidiu utilizar o instituto jurídico sesmarial –
sistema que surgiu em Portugal no século XIV, com a Lei das Sesmarias, de
1375 – com o objetivo de estimular o cultivo da terra e o povoamento da
Colônia. O sistema das sesmarias distribuía terras aos sesmeiros, por meio da
concessão da sua posse. As características da distribuição de terras eram a
gratuidade, pois inexistia a obrigatoriedade do pagamento de um foro, e a
condicionalidade, uma vez que o cultivo da terra era a condição imposta para
que o sesmeiro mantivesse a sua posse.
O processo de distribuição das terras se dava de forma aleatória,
privilegiando os interesses da Coroa e daqueles a ela ligados, seja por traços
sociais, seja por afetividade. Esse modelo de privilégios prevaleceu durante o
período do Brasil Colônia, do Brasil Império e do Brasil Republicano.
As tendências sociológicas e políticas que transformaram o mundo no
decorrer da história influenciaram as constituições pátrias, as quais adotaram
as teorias liberais e socialistas, principalmente no que diz respeito ao direito
de propriedade.
As constituições liberais americana de 1787 e francesa de 1789
inspiraram as constituições brasileiras Imperial de 1824 e Republicana de
1891, que consagraram o princípio do direito individual absoluto sobre a
propriedade privada, caracterizando-o como o cerne da inviolabilidade dos
direitos civis e políticos e, ainda, da liberdade e da segurança individual. Com
base nessas Constituições Federais, foi editada a Lei 601, de 1850, conhecida
como Lei de Terras , que regulamentou as terras devolutas e a aquisição de
terras, estabelecendo que o único meio para a aquisição da propriedade era a
compra, tornando ilegítimo o acesso à terra pela posse ou ocupação. O
Código Civil de 1916 inovou ao regulamentar a relação jurídica do direito da
propriedade sob a égide do princípio constitucional vigente à época, de se
tratar de direito individual absoluto.
A Carta Política de 1934, promulgada após a Revolução de 1930, que
rompe com a concepção de Estado da República Velha e proporciona o
nascimento de um Estado Social, resultado da influência de revoluções
sociais do início do século, inspira-se na Constituição mexicana de 1917 e na
Constituição de Weimar de 1919, as quais foram pioneiras em elevar, no
direito positivo, a teoria da função social da propriedade à categoria de
princípio jurídico constitucional. Assim, pela primeira vez, o ordenamento
jurídico brasileiro protege os direitos da coletividade, positivando os direitos
sociais que se somaram aos direitos individuais. A Carta Política de 1934
garantiu que o exercício do direito de propriedade não podia contrariar o
interesse social ou coletivo, na forma determinada na lei, constitucionalizou
os institutos da desapropriação por necessidade pública e o da requisição
administrativa, institutos estes representativos de limitações do direito de
propriedade em favor do interesse público.
Após o golpe de Estado de Getúlio Vargas que instituiu o Estado Novo,
no qual a concentração de poderes se projetava no Presidente da República,
restringindo os direitos e garantias fundamentais, foi promulgada a Carta
Política de 1937, de natureza ditatorial, representando um retrocesso na
proteção dos direitos sociais. Centralizou o conceito e a disciplina do direito
da propriedade nas mãos do Presidente da República. Desconstitucionalizou
o conteúdo do direito de propriedade, que passou a ser regulado pela
legislação infraconstitucional, sendo editado o Decreto-lei 3.365/1941, que
estabeleceu a desapropriação por interesse público, mediante indenização
prévia.
Com o suicídio de Vargas, em 1945, inicia-se o processo de
redemocratização do País, sendo promulgada a Constituição Federal de 1946,
que resgata a linha política da democracia social, inovando o conceito de
propriedade, conjugando os aspectos formal e material da vontade popular,
pois, ao contrário das Constituições Federais de 1824, 1891 e 1934, que
foram escritas a partir de anteprojeto embasado em ideologias de movimentos
sociopolíticos ocorridos no exterior, foi instituída uma Comissão que se
embasou no texto da Constituição Federal de 1934. A Carta Política insere no
capítulo que trata dos direitos e garantias individuais o direito de propriedade
com a possibilidade da desapropriação por interesse social, declarando,
expressamente, que o uso da propriedade estava condicionado ao bem-estar
social, cabendo à lei a regulamentação da promoção da justa distribuição da
propriedade, com igual oportunidade para todos (artigo 147).
Em 1964 o Brasil sofre o golpe militar que põe fim ao multipartidarismo
e promulga a Constituição de 1967, que espelha o regime ditatorial e
arbitrário. Essa Carta Política traz em seu bojo a concepção de um Estado
propulsor do desenvolvimento econômico. A Constituição de 1967 reduziu os
direitos individuais, mantendo o direito à propriedade, dispondo
expressamente sobre a desapropriação por necessidade ou utilidade pública
ou, ainda, por interesse social e sobre a requisição administrativa. Após as
promulgações da Emenda Constitucional 1/1969 e do Ato Institucional 5, a
propriedade, que estava garantida como um direito, foi inserida no título
reservado à ordem econômica e social como possuidora de uma função
social. O Estatuto da Terra foi editado no regime militar, trazendo restrições
ao direito de propriedade em prol de um interesse maior: o desenvolvimento
do País por meio da inclusão social.
Com o fim do regime militar, a Assembleia Nacional Constituinte
promulgou a Carta Cidadã em 1988, que vigora nos dias atuais. A Carta da
República se esteia nos princípios do Estado Democrático de Direito e da
dignidade da pessoa humana, como alicerces da democracia.
A Carta Magna de 1988 consagrou no inciso XXII do artigo 5°, entre as
cláusulas pétreas, o direito de propriedade como direito fundamental. O
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira consagra a propriedade
privada como princípio da ordem econômica, pois a livre-iniciativa e a
valorização do trabalho humano, base da justiça social, devem respeitar a
propriedade privada (artigo 170, II). O inciso III do artigo 170 restringe o
direito absoluto à propriedade privada ao inserir o princípio da função social
da propriedade, bem como eleva ao nível dos direitos fundamentais o
atendimento pela propriedade da sua função social, no inciso XXIII do artigo
5°. O direito de propriedade é protegido no comando constitucional tanto no
artigo 5°, incisos XXIII a XXXI, no título que trata das garantias
fundamentais, quanto no artigo 170, incisos II e III, no título que dispõe sobre
a ordem econômica e sofre limitações em diversos dispositivos que versam
sobre servidão, ocupação temporária, requisição e desocupação.
A Carta Cidadã recebeu essa denominação por abranger variados direitos
sociais e difusos, impondo-se, portanto, que a interpretação de seus
dispositivos interaja com os demais princípios que a integram, por serem
interdependentes, urgindo ser sopesados ante o fato concreto.
Toda Constituição é ordem objetiva de valores que emerge para todo o
ordenamento jurídico que fundamenta a legislação infraconstitucional, e foi
dela que emergiu a flexibilização do direito de propriedade, refletida no
artigo 1.228 do Código Civil vigente. Esse artigo prescreve, de forma
expressa, a funcionalização da propriedade, transformando a sua natureza
individualista e absoluta estabelecida no Código Civil de 1916, dispondo, no
entanto que, a plenitude desse direito está condicionada à efetividade de sua
função social, estando por esse princípio limitado. Assim, a Carta Política
vigente assegura o direito de propriedade, estabelecendo seu regime
fundamental, e o Código Civil disciplina as relações jurídicas que dela se
originam.

4.3. Da função social da propriedade


A concepção jurídica da propriedade vinculada ao princípio da sua
função social decorre da adequação do Direito às modificações sociais
consequentes da Revolução Industrial, representando uma relação intrínseca
entre a ordem social e a ordem liberal.
O princípio constitucional da função social da propriedade tem reflexo
direto no Direito Urbanístico, constituindo sua interpretação na conjunção de
valores metajurídicos, inseridos em outros princípios constitucionais conexos
– princípios estruturantes, princípios gerais e princípios constitucionais –, os
quais são interdependentes e concedem unicidade à Constituição Federal,
proporcionando esteio à uniformização do ordenamento jurídico, sendo fonte
primária da produção das normas infraconstitucionais.
A análise da propriedade e sua função social não pode se restringir aos
incisos XXII e XXIII do artigo 5° da Carta Constitucional, sob pena de
incidir no erro de compreender que o princípio da função social será
cumprido quando o proprietário der um destino à propriedade que seja útil à
sociedade, interligando ao direito de propriedade uma obrigação extrínseca ao
proprietário, qual seja, uma função.
Segundo Canotilho 1 , a Constituição deve ser interpretada de acordo com
os seguintes princípios: “[…] da unidade da constituição; […] do efeito
integrador; […] da máxima efetividade; […] da justezaou da conformidade
funcional; […] da concordância prática ou da harmonização; […] da força
normativa da constituição”.
Da análise dos artigos 1°, 2° e 3° da Carta da República extraímos que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de
Direito que tem por fundamento a soberania , a cidadania , a dignidade da
pessoa humana , os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o
pluralismo político ; que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário
integram os Poderes da União, sendo independentes e harmônicos entre si ; e
tem por objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária , a garantia do desenvolvimento nacional , a erradicação da
pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades
sociais e regionais , a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação . A
tríade juridicidade, constitucionalidade e direitos fundamentais, adotada pelo
constituinte, caracteriza os princípios gerais e estruturantes do Estado
Democrático de Direito, conferindo unidade à Constituição brasileira e
integrando os valores específicos da consolidação da democracia econômica,
social, cultural e racial, tendo por objetivo a dignidade da pessoa humana.
Assim, a interpretação da atribuição da função social à propriedade, que não
pode se desvincular desses princípios, leva à constatação de ser o instrumento
para atingir o objetivo de assegurar a todos existência digna conforme os
ditames da justiça social , segundo a prescrição do caput do artigo 170.
Nesse contexto se faz necessário abordar os temas da função social das
propriedades rurais e urbanas, pois a Lei 13.465/2017 dispõe sobre a
regularização fundiária rural e urbana.
4.3.1. A função social da propriedade rural
O artigo 186 da Carta de 1988, inserido no Capítulo, III que trata Da
Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária , recepcionou o Estatuto
da Terra – Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, vinculando a propriedade
imóvel rural à sua função social, à produção e ao bem-estar da sociedade:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.

O caput do artigo 184 da Carta da República permite a desapropriação


por interesse social do imóvel que não esteja cumprindo sua função social
mediante o pagamento de indenização por meio de títulos da dívida agrária,
resgatável em até 20 anos:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte
anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida
em lei.

O artigo 2°, § 1°, da Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da


Terra), assegura a todos oportunidade de acesso à propriedade da terra
condicionado à sua função social:
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da
terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social
quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho
entre os que a possuem e a cultivem.
[…]

O § 2° do artigo 2° do mesmo diploma legal impõe ao Poder Público o


dever de criar condições de acesso do trabalhador à propriedade rural,
zelando para que esta desempenhe sua função social:
Art. 2° […]
§ 2° É dever do Poder Público:
a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à
propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde
habita, ou, quando as circunstâncias regionais, o aconselhem em zonas
previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta Lei;
b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social,
estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa
remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da
produtividade e ao bem-estar coletivo.
[…]

O artigo 12 do Estatuto da Terra dispõe ser o uso da propriedade rural


vinculado à sua função social, instituindo como premissa o bem-estar
coletivo:
Art. 12. À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função
social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na
Constituição Federal e caracterizado nesta Lei.

O Estatuto da Terra estabelece no caput do artigo 2° que os requisitos da


função social a que o proprietário da terra rural se encontra vinculado são
aqueles nele estabelecidos, penalizando o possuidor que descumprir essa
obrigação com a tributação progressiva do Imposto Territorial Rural (ITR),
objetivando, segundo disposição contida no inciso I do artigo 47,
desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da
função social e econômica da terra . Outra forma de punição estabelecida no
Estatuto é a desapropriação por interesse social, que é paga em títulos da
dívida agrária, conforme artigo 5° da Lei n°. 8.629, de 25 de fevereiro de
1993 2 , que tem por finalidade, segundo disposição contida no artigo 18,
entre outras, condicionar o uso da terra à sua função social , promover a
justa e adequada distribuição da propriedade , obrigar a exploração
racional da terra .
O artigo 6° da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, regulamenta o caput
do artigo 186 da Constituição da República, estabelecendo os critérios e
graus de exigência para o cumprimento da função social.
Art. 6° Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada
econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da
terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão
federal competente.

Portanto, pode-se afirmar que a propriedade rural cumpre sua função


social quando produz alimentos, gera emprego e renda ao trabalhador rural,
proporcionando-lhe vida digna, respeita e resguarda o meio ambiente por
meio da conservação dos recursos naturais nela existentes, cumpre a
legislação normatizadora da relação de trabalho, pois assim contribuirá para o
cumprimento de um dos escopos do Estado Democrático de Direito:
existência digna conforme os ditames da justiça social .
4.3.2. A função social da propriedade urbana
A função social da propriedade urbana está compreendida nas normas
constitucionais relativas à função social da propriedade, relacionadas neste
estudo.
A Carta Constitucional de 1988 foi pioneira em dedicar um capítulo à
política urbana – artigos 182 e 183 –, instaurando a função social das cidades
e a função social da propriedade urbana. Dos preceitos inseridos nos artigos
extraímos que a propriedade imóvel urbana cumpre sua função social quando
torna efetivas as quatro bases do urbanismo moderno: habitação, trabalho,
lazer e circulação.
Para alcançar esse objetivo, o legislador constituinte atribuiu competência
urbanística à União no inciso XX do artigo 21, incumbindo, no entanto,
competência comum aos entes político-administrativos (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios) para a promoção de programas de construção
de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico (artigo 23, IX).
No intuito de fortalecer a vinculação da propriedade ao cumprimento de
sua função social, o instituto da desapropriação alcança a propriedade urbana,
mediante indenização em dinheiro (§ 3° do artigo 182), reforçando o
mandamento constitucional inserido no inciso XXIV do artigo 5°, vedando,
portanto, seja o pagamento da indenização por meio de títulos da dívida
pública.
A Constituição Federal institui o plano diretor como instrumento básico
da política de desenvolvimento e de expansão urbanas, estabelecendo que a
propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (§§ 1° e 2°
do artigo 182), isso porque a Lei Maior o submeteu ao princípio da
legalidade, tendo em vista a imposição de ser aprovado pelo Poder
Legislativo Municipal. O plano diretor deve contemplar as diretrizes da
política urbana municipal e fixar as diretrizes orientadoras das ações que o
Poder Público e a sociedade civil devem adotar para a ordenação e o
desenvolvimento do espaço urbano. Excepcionalmente, no caso de área
incluída no plano diretor mediante lei específica, a Carta da República faculta
ao Poder Público municipal expropriar, mediante pagamento da indenização,
por meio de títulos da dívida pública de emissão previamente aprovado pelo
Senado, com prazo de resgate de até dez anos, ao proprietário do solo urbano
não edificado, subutilizado ou não utilizado, que não promova o seu
adequado aproveitamento exigido pelo ente político-administrativo municipal
na forma da lei federal, penalidade essa aplicada por último na ordem
sucessória das sanções, sendo a primeira o parcelamento ou edificação
compulsórios (sendo facultado ao proprietário escolher um ou outro) e a
segunda a progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial
urbana, observado o limite da periodicidade estabelecida no artigo 150, inciso
III, alínea b (anual), não sendo autorizado à progressividade tributária o
confisco da propriedade (artigo 150, inciso IV).
A Carta Política de 1988 institui a usucapião pró-moradia, para aquele
que detém a posse de área urbana de até 250 metros quadrados, sem
oposição, por cinco anos ininterruptos, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural (artigo 183).
Ante a necessidade de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal e de implementar a política urbana, foi editada, em 10 de julho de
2001, a Lei 10.257, Estatuto da Cidade, enunciando os princípios, as
diretrizes gerais e os instrumentos da política urbana a serem adotados, de
forma a ordenar os espaços urbanos habitáveis e organizar os espaços nos
quais a pessoa humana exerce funções sociais substanciais à sua
sobrevivência, com dignidade, sem segregação.

4.4. Políticas públicas da habitação popular


4.4.1. História do crescimento urbano no Brasil
O problema da habitação, um dos principais entraves sociais urbanos da
realidade brasileira, iniciou-se no Brasil com a abolição da escravatura, no
final do século XIX, que provocou o êxodo rural em razão de que os escravos
trabalhavam, em sua maioria, no campo e foram expulsos das fazendas onde
trabalhavam, migrando para os centros urbanos à procura de trabalho,
ocupando-os de forma desordenada.
Concomitantemente, com o objetivo de substituir a mão de obra dos
escravos emancipados, deu-se início no País à política de incentivo da
imigração de estrangeiros para trabalhar no campo e nas cidades, pois a
industrialização brasileira nascia timidamente.
Na década de 1930 deu-se efetivamente início à industrialização no
Brasil, sendo promulgado o Código de Águas, que passou a titularidade das
quedas d’águas à União, com o objetivo de explorar energia elétrica por meio
de concessões à iniciativa privada, separando-as juridicamente do domínio do
dono do solo, e o Código de Minas, que, da mesma forma que o Código de
Águas, passou a titularidade das jazidas minerais à União, para, por meio de
concessão à iniciativa privativa, explorar a riqueza mineral.
No Governo Vargas, no início dos anos 1940, surgiram a Companhia
Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, para a exploração de
minério.
Nos anos 1950, sob a presidência de Juscelino Kubitschek, que possuía
um Plano de Metas voltado à industrialização do País, com maior relevância
para a indústria automotiva, houve um grande impulso para a
industrialização, passando a base da economia, que era essencialmente rural,
para industrial. Simultaneamente à industrialização, ocorreu um intenso
crescimento demográfico, em um gradiente de aumento de 3% da população
3.

A industrialização do País deu causa ao êxodo rural para os centros


urbanos, pois o homem do campo buscava vida melhor, com melhores
salários pagos pelas indústrias.
A ocupação dos solos dos centros urbanos se deu de forma desregrada,
com migrações de todas as regiões do Brasil, principalmente do Nordeste
para o Sudeste. A principal causa da ocupação urbana desenfreada e
desordenada, que gera graves consequências de habitação na atualidade, foi a
ausência de políticas públicas direcionada à reforma agrária com resultados
eficientes que mantivesse o homem no campo e a inexistência de políticas
públicas urbanas que provesse o cidadão de moradia com a infraestrutura
necessária para viver dignamente.
A ausência de políticas públicas urbanas gerou direito informal a várias
comunidades que ocuparam o solo urbano sem nenhum
planejamento/investimento governamental, nascendo nessas comunidades um
conjunto de regras de convivência/necessidade para o convívio social.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 4 , o
Brasil é considerado um país predominantemente urbano: “[…] o Brasil
chegou ao final do século XX como um país urbano: em 2000 a população
urbana ultrapassou 2/3 da população total, e atingiu a marca de 138 milhões
de pessoas”.
Todos esses fatores agravam o problema social da habitação no Brasil,
cujos centros urbanos possuem déficit habitacional, com a população menos
favorecida economicamente residindo em locais nos quais a qualidade dos
serviços públicos possui como principal característica a deficiência ou são
inexistentes, sem nenhuma infraestrutura. Além do mais, essa ocupação
desordenada depreda o meio ambiente.
4.4.2. Políticas públicas habitacionais no Brasil
A primeira medida de políticas públicas voltadas à habitação urbana
adotada pelo governo brasileiro foi oferecer crédito às empresas privadas para
que edificassem moradias destinadas às classes sociais menos favorecidas. À
época já existiam as moradias informais, sobre as quais incidia o direito
informal, inclusive para compra e venda. As empresas privadas construíram
moradias individuais com a utilização do crédito concedido pelo Governo
Federal, porém não obtiveram sucesso na negociação dos imóveis em
decorrência de possuírem preços bem mais elevados em comparação com as
habitações informais. Ante essa dificuldade, algumas empresas privadas
contraíam financiamento com o crédito governamental, porém edificavam
imóveis destinados à classe social elevada e outros edificaram imóveis
destinados à habitação coletiva da classe social pobre, tais como cortiços,
estalagens, avenidas, casas de cômodos, vilas operárias e vilas populares,
edificações estas que foram reconhecidas como resolução do problema da
moradia e manutenção da população nos centros urbanos.
As políticas públicas de segregação territorial foram introduzidas no
Brasil no início do século XX, quando os grandes centros urbanos
reproduziram o modelo de planejamento urbano de Paris, composto de
saneamento, embelezamento, circulação e segregação territorial. Belo
Horizonte adotou esse projeto segregacionista, determinando os espaços a
serem ocupados por grupos sociais, resultando na ocupação irregular em
diversas áreas. A reforma urbanística do Rio de Janeiro consistiu na
construção de praças, ampliação de ruas, higienização por meio de políticas
de saneamento básico e de vacinação pública, criação da Avenida Central,
hoje Avenida Rio Branco, com o objetivo de construir avenida semelhante à
Champs Elisées . Para implementar essa reforma urbana, que tinha por
objetivo melhorar a circulação e expulsar do centro urbano as habitações
coletivas, pois, muito embora sua construção tivesse sido financiada pelo
poder público, este considerava os cortiços uma ameaça à ordem pública,
foram demolidos 590 prédios velhos para construção de 120 novos edifícios,
resultando na expulsão de muitas pessoas pobres de suas moradias, as quais
ocuparam os subúrbios e deram início ao surgimento das primeiras favelas na
cidade do Rio de Janeiro, resultantes de assentamentos irregulares.
Do início do século XX até a década de 1930, diversas cidades brasileiras
tiveram o problema habitacional agravado em razão do aumento da densidade
demográfica, que se assentava no subúrbio e em favelas de forma irregular,
pois as políticas públicas eram pontuais e ineficientes.
Com a Revolução de 1930, no final da década, a industrialização e a
urbanização do País foram estimuladas, dando origem a uma nova política
habitacional, evidenciando que o setor privado não teria capacidade de
resolver o problema da habitação da camada social economicamente pobre,
competindo essa função ao Estado. O Governo criou o financiamento de
moradias destinadas a aluguel por meio dos Institutos de Aposentadoria e
Pensão, em virtude da pressão sofrida pela classe de trabalhadores e do
empresariado, pois o aumento do valor dos aluguéis refletia no pedido de
aumento de salários. Tal política não vingou, por atender apenas as pessoas
associadas aos institutos, sendo, portanto, insuficiente para melhorar a
situação da moradia no País. Foi criada em 1946 a Fundação da Casa Popular
(FCP), o primeiro órgão nacional a prover moradias à população pobre,
tornando-se, no entanto, inoperante em decorrência de acúmulo de função,
falta de recurso e de força política, sendo suas atribuições reduzidas em 1952
pelo governo federal.
A indústria brasileira teve um grande desenvolvimento na década de
1950, fato que contribuiu muito para um grande crescimento urbano e fez
com que o Estado interviesse, adequando as ruas para a circulação de
automóveis. Nessa década a classe média foi privilegiada com o acesso aos
financiamentos habitacionais e a classe pobre continuava a se assentar em
favelas e em loteamentos irregulares. No final da década de 1950 o governo
de Juscelino Kubitschek fortaleceu a Fundação Casa Popular (FCP), que,
devido ao aumento do investimento federal, construiu um grande número de
unidades habitacionais, vindo a fracassar devido à grande influência de
políticos que, no objetivo de obter votos e prestígio, direcionavam as ações
para o atendimento emergencial e pontual em detrimento da resolução do
problema da habitação.
Em 1964, sob o regime da ditadura militar, foi criado o Banco Nacional
da Habitação (BNH), de forma a obter apoio permanente das massas
populares e estabilidade social, com a criação de uma política permanente de
financiamento da casa própria . Um dos principais papéis dessa política foi a
dinamização da economia, com geração de empregos por meio do
fortalecimento da construção civil. Com a edição da Lei 4.591/1964, as
atividades da incorporação imobiliária foram regulamentadas. Em 1966 foi
criado o FGTS, por meio da edição da Lei 5.107, com vigência a partir de 1°
de janeiro de 1967, que, em conjunto com Associações de Poupança e
Empréstimo (APE) e Sociedades de Crédito Imobiliário (SCI), constituía o
Sistema Financeiro da Habitação (SFH), e o BNH se tornou o principal órgão
da política habitacional e urbana do País, que implementou planos diretores,
com a construção de moradias e obras de infraestrutura nos bairros
regularizados, considerados formais, sufocando as ações públicas para os
assentamentos informais. Entre 1964 e 1965 foram criadas as Companhias de
Habitação Popular (COHAB), sob a forma de empresas públicas ou de
sociedades de economia mista, em diversas cidades do País, que, com a
utilização de recursos oriundos do BNH, tinham por objetivo executar as
políticas para redução do déficit habitacional. Com a inflação muito alta,
caracterizadora do regime ditatorial, a classe pobre não tinha condições de
contrair financiamento, pois o salário mínimo era cada vez mais corroído pela
inflação, sendo privilegiada, mais uma vez, a classe média, com a aquisição
de moradia, enquanto as famílias pobres se assentavam em favelas e em
loteamentos clandestinos das periferias das capitais e das regiões
metropolitanas, consistindo esses nos únicos meios de acesso à moradia na
cidade para a classe pobre: aquisição de lotes ilegais ou irregulares cujos
preços e forma de pagamento eram acessíveis à população de baixa renda e
autoconstrução, trazendo como consequência um aumento substancial de
loteamentos clandestinos nas periferias dos grandes centros urbanos na
década de 1970. Em 1975 o governo criou o Programa de Financiamentos de
Lotes Urbanizados (PROFILURB), que tinha por finalidade fornecer
condições de saneamento e infraestrutura básica, incumbindo ao mutuário a
construção da moradia de acordo com os seus recursos financeiros. Todavia,
os lotes urbanizados destinados ao PROFILURB eram muito distantes dos
centros urbanos, motivo de sua queda no insucesso. Na década de 1980,
mediante grave crise financeira, houve comprometimento dos investimentos
do SFH, resultando na extinção do BNH em 1986, sendo transferidas suas
funções para a Caixa Econômica Federal. Aproximadamente dois anos após a
extinção do BNH, com o repasse de recursos destinados à COHAB
diminuindo sensivelmente, o financiamento da casa própria beneficiava
apenas a classe média, levando o governo federal, na tentativa de beneficiar a
população carente, a lançar, em 1987, o Programa Nacional de Mutirões
Habitacionais da Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC), cujo
objetivo era o financiamento de moradias a famílias com renda mensal
inferior a três salários mínimos, não atingindo o seu objetivo por inexistência
de política e gestão definidas.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu competência aos municípios
para gerir as políticas públicas de planejamento urbano, com vistas a ampliar
a eficácia, a eficiência e a democratização das políticas por gestores que
conhecem as peculiaridades e as necessidades regionais.
Segundo Cardoso 5 :
No entanto, pesquisas recentes apontam para efeitos perversos, em que sem
uma definição institucional de competências e de redistribuição de recursos,
os municípios mais pobres tendem a ficar alijados do acesso às ofertas de
financiamento, seja do governo federal, seja dos organismos internacionais
de fomento. […]

O resultado apontado na pesquisa mencionada na transcrição acima se


deve às políticas públicas dos governos da Nova República.
4.4.2.1. Governo Collor
As políticas públicas de planejamento urbano do governo Collor trazem
por principais características processos cujos critérios para alocação de
recursos obedeciam a uma política de clientelistas ou de favorecimento de
aliados do seu governo. Baseado nessa política, institucionalizada desde o
governo Sarney, foi lançado em 1990 o Plano de Ação Imediata para a
Habitação (PAIH), que tinha por propósito subsidiar projetos de construção
de unidades e de ofertas de lotes urbanizados de iniciativa das COHAB,
prefeituras, cooperativas, entidades de previdência, entre outras, para famílias
com renda mensal de até cinco salários mínimos.
O governo Collor também foi caracterizado pela forma avassaladora e
desregrada com que utilizou o FGTS, refletindo graves consequências sobre
as possibilidades de expansão do financiamento habitacional, tendo em vista
ser o FGTS, na época, a única verba destinada ao financiamento de moradia,
suspendendo-se, portanto, nos dois anos subsequentes ao seu governo,
qualquer financiamento de forma a permitir reestruturação do Fundo.
4.4.2.2. Governo Itamar Franco
Sob a presidência de Itamar Franco foram criados os Programas Habitar
Brasil e Morar Município , mantidos com recursos oriundos do orçamento e
do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), os quais
não obtiveram êxito por excesso de burocracia e de exigência legal, além de
os recursos destinados aos Programas não terem sido suficientes para as
respectivas implementações, fatos impeditivos a muitos municípios de
captação dos recursos disponibilizados. A finalidade desses Programas foi
financiar a construção de moradias para a população de baixa renda, sob o
regime de ajuda mútua .
Nesse governo houve incentivo à formação de conselhos e à criação de
fundos destinados à habitação, e, em 1992, foi constituído o Fórum Nacional
de Habitação, integrado por entidades representantes da sociedade civil,
setores do Estado e empresários da construção civil, objetivando consolidar
os interesses envolvidos no financiamento, na produção e na destinação das
moradias.
4.4.2.3. Governo Fernando Henrique Cardoso
O governo FHC executou ampla reforma, com reorganização
institucional, criando a Secretaria de Política Urbana (SEPURB), vinculada
ao Ministério do Planejamento, a quem incumbiu a formulação e a
implementação da política nacional da habitação. Essa reorganização alterou
substancialmente o papel da Caixa Econômica Federal, que passou a ser o
agente operador dos recursos do FGTS e o agente financeiro do Sistema
Financeiro Habitacional (SFH), enquanto a SEPURB foi incumbida da
formulação e coordenação das ações destinadas à habitação, tais como o
saneamento e a infraestrutura baseados, conforme previsão constitucional, em
articulação intra e intergovernamental.
No governo FHC foi editada a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001,
Estatuto das Cidades, que regulamentou o princípio da função social da
propriedade e a regularização fundiária, estabelecendo imposto progressivo
sobre propriedade imobiliária urbana, desapropriação com títulos da dívida
pública, usucapião urbana, concessão especial para fins de moradia,
demarcação de zonas especiais de interesse social, entre outros.
4.4.2.4. Governo Lula
Muito embora o período do governo Lula tenha sido de 2003 a 2010,
somente em 2009 lançou o Programa Minha Casa Minha Vida , objetivando
construir um milhão de moradias destinadas a famílias com renda mensal
entre zero e dez salários mínimos, estimular investimentos na área da
construção civil e gerar emprego.
A política do governo Lula incumbiu à iniciativa privada prover
moradias, destinando 97% do subsídio público à oferta e produção direta por
construtoras privadas e 3% a cooperativas e movimentos sociais, permitindo
a concentração dos recursos na edificação de moradias destinadas a famílias
com renda mensal entre três e dez salários mínimos, muito embora a maior
demanda por casa própria seja de famílias com renda mensal de zero a três
salários mínimos, além de enfraquecer os Municípios em decorrência de o
Programa estimular uma urbanização e captação de fundos públicos que
contrariam os dispositivos do Estatuto das Cidades, dificultando sua
aplicação.
4.4.2.5. Governo Temer
O governo Temer, com o intuito de deixar suas marcas no planejamento
urbano e rural, executa políticas públicas de regularização e não de
aprovação fundiária, com a edição da Lei 13.465, de 11 de julho de 2017. O
ato de regularizar indica, por si só, uma situação prévia de ilegalidade que se
pretende reverter, pois a expressão regularizar pressupõe tornar lícita a
irregularidade pela sua legitimação, inserindo-a no ordenamento jurídico
pátrio. A Lei 13.465/2017 é objeto de duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADINs), no Supremo Tribunal Federal, por possuir
dispositivos que afrontam a Carta da República.

4.5. Os conjuntos habitacionais como meio de regularização urbana na


Lei 13.465/2017
As COHABs criadas nos anos de 1964 e 1965 integraram o Sistema
Financeiro da Habitação para edificarem moradias destinadas à população de
baixa renda, constituindo-se sob a forma de economia mista, sendo
financiadas pelo Banco Nacional da Habitação, que, para a concessão do
empréstimo, não apresentava nenhuma exigência quanto à edificação de
unidades habitacionais regulares, motivando essas Companhias, em
decorrência da inexigência de aprovação prévia de seus projetos de
construção, a produzirem inúmeros conjuntos habitacionais irregulares, ou
seja, em dissonância com as normas estabelecidas, sem observância das
tramitações jurídico-administrativas que envolvem a regularidade dos títulos
de propriedade da área na qual o empreendimento foi implantado, sem
aprovação dos projetos e sem execução das obras de acordo com os projetos.
Isso impossibilitava o registro imobiliário dos imóveis por serem
considerados irregulares. Para que os conjuntos habitacionais constem do
cadastro municipal e sejam mantidos pelos órgãos municipais responsáveis,
tais como oficialização de ruas, atendimento de transporte público, entre
outros, há que necessariamente possuírem registro imobiliário.
A partir da década de 1980, as COHABs se estruturam adequadamente
para regularizar as edificações irregulares por elas produzidas. No entanto,
nessa década as Companhias já haviam produzido inúmeras habitações
irregulares, cujos mutuários demandavam seus títulos aquisitivos por terem
quitado os respectivos financiamentos, e, ao mesmo tempo, o ônus de manter
os empreendimentos edificados se tornava excessivo para a Companhia, não
sendo tutelados pelo município por serem irregulares, dando origem à cidade
informal, que cresceu às margens da legalidade e criou o direito informal,
com normas de convivência de uma sociedade excluída do desenvolvimento
urbano.
No período de intensificação da regularização das unidades habitacionais
ocorre redução na produção em decorrência da extinção do BNH, com a
consequente redução dos financiamentos destinados à moradia com recursos
federais. Na década de 1990, foi regularizado um grande volume de unidades
habitacionais construídas pelas COHABs, sendo de suma importância para a
regularização dessas moradias os efeitos surtidos pela Lei 7.347, de 24 de
julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, com intensa atuação do
Ministério Público quanto às ilegalidades apuradas nas moradias produzidas
pela administração pública. As ações do Ministério Público resultaram na
evolução das legislações que estabeleceram sanções ao parcelamento ilegal
do solo e a atividades lesivas ao meio ambiente, contribuindo sobremaneira
para a regularização das unidades habitacionais. No período de 1995 a 2000,
foram produzidas unidades habitacionais regulares, pois os empreendimentos
cumpriam as disposições legais, além de a Caixa Econômica Federal, para a
concessão de empréstimos, passar a exigir a situação regular da propriedade,
a aprovação dos projetos e a regularidade das unidades habitacionais, não
liberando o empréstimo ou parcela do empréstimo até apresentação da
documentação que comprovasse a regularização do empreendimento.
Embora muitas unidades habitacionais destinadas à população de baixa
renda tenham sido regularizadas, um número maior de moradias não foi
regularizado, pois se encontrava em situações diferenciadas e complexas, tais
como empreendimentos construídos em áreas nas quais a COHAB não era
proprietária, constituindo, portanto, esbulho possessório, fato impeditivo para
a titulação dessas moradias. Outro problema foi que um número
representativo de unidades habitacionais produzidas sem prévia regularização
encontrou óbice na regularização em decorrência de legislações editadas após
sua execução, como é o caso de empreendimentos implantados em terrenos
vedados para o parcelamento pela Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979 6 ,
sem que medidas corretivas eficientes tenham sido adotadas antes da
implantação do empreendimento.
Assim, a administração pública edificou grande número de conjuntos
habitacionais de interesse social em áreas vedadas ao parcelamento do solo,
assim definidas pela lei por considerar a morfologia geográfica inadequada
para a construção, impondo, em etapa anterior à edificação, medidas
corretivas da área, tais como áreas com declividade igual ou superior a 30%,
áreas sujeitas a erosão sem a preservação da cobertura vegetal existente e sem
obras de contenção e drenagem, áreas aterradas com material nocivo à saúde
pública sem prévio saneamento (aterros sanitários, lixões clandestinos a céu
aberto, entre outros), áreas nas quais a poluição impede condições sanitárias
salubres sem prévia correção, áreas predominantemente industriais com alto
nível de poluição da atmosfera, áreas de proteção ecológica nas quais a
legislação vigente não admite qualquer tipo de parcelamento ou
desmembramento do solo para fins urbanos.
Outro fato impeditivo da regularização das unidades habitacionais de
interesse social edificadas com verbas públicas reside na ausência de gestão
do patrimônio público invadido, por não terem os agentes construtores dessas
unidades administrado com diligência tal patrimônio, com manutenção de
segurança e vigilância e adotando medidas judiciais para desocupar os
imóveis dos invasores, circunstância que obsta ao registro imobiliário.
Nesse cenário de irregularidades e de exclusão social, tendo em vista
termos no Brasil as cidades formais tuteladas pelos municípios convivendo
lado a lado com as cidades informais, que não possuem apoio dos
municípios, todas habitadas por cidadãos brasileiros, uns com direito de viver
na cidade de forma digna e outros sem acesso ao direito de vida digna nessa
mesma cidade, constituindo apartheid social e econômico, foi editada a Lei
13.465/2017, legitimando assentamentos irregulares com infringências a
princípios constitucionais, alterando legislação infraconstitucional de forma a
adequá-la à nova Lei, sob a égide de regularização fundiária e rural .
4.5.1. Modalidades de regularização fundiária urbana (Reurb)
A Lei 13.465/2017, no artigo 13, incisos I e II, classifica a Reurb em duas
modalidades: Reurb de Interesse Social (Reurb-S) e Reurb de Interesse
Específico (Reurb-E) .
A Reurb-S tem maior relevância no objeto deste estudo, por se tratar de
regularização fundiária urbana, voltada à regularização das áreas, nas quais se
encontram edificadas unidades habitacionais irregulares ocupadas pela
população de baixa renda, sendo de competência do Poder Executivo
Municipal declarar essa renda.
A Reurb-E compreende todas as demais áreas urbanas não classificadas
como Reurb-S.
O marco temporal para a aplicação da Reurb de legitimação fundiária
abrange os assentamentos urbanos irregulares consolidados até 22 de
dezembro de 2016 (art. 9°, § 2°).

4.5.1.1. Legitimação
Extrai-se da leitura do texto legal que o legislador se respalda em várias
medidas jurídicas, urbanísticas ambientais e sociais com o objetivo de
estimular a regularização dos assentamentos irregulares, concedendo titulação
aos seus possuidores, de modo a atender ao princípio constitucional do direito
à moradia digna, tratado como direito social pela Carta da República e
inserido no rol das garantias e direitos fundamentais, bem como insere nessas
medidas jurídicas princípios constitucionais inerentes à função social da
propriedade urbana e do meio ambiente ecologicamente sustentável.
Nesse contexto, a Lei cria o instituto jurídico da legitimação nas espécies
de legitimação de posse (artigo 11, VI) e legitimação fundiária (artigo 11,
VII).
A legitimação da posse se dá por ato exclusivo do poder público, que, ao
reconhecer a posse do imóvel objeto da Reurb, em qualquer de suas duas
modalidades, identificando seus ocupantes, indicando o tempo de ocupação e
a natureza da posse, confere o título, que poderá ser convertido em direito
real de propriedade, ou seja, ela constitui a forma originária de aquisição de
direito real.
A legitimação fundiária é o meio pelo qual se legitima o direito real de
propriedade sobre o imóvel localizado em área pública ou privada, objeto de
Reurb, não importando sua modalidade. Por meio dela, o beneficiário da
Reurb-S tem direito à concessão da propriedade plena antes do prazo de
cinco anos necessário para a usucapião especial, desde que obedecidos os
requisitos prescritos na Lei.
4.5.1.2. Direito de laje
Usos e costumes, também denominados de direito informal, são fontes do
direito. Nas unidades habitacionais irregulares, a comunidade cria regras de
convivência, sendo tais regras erigidas espontaneamente, resultantes das
necessidades das pessoas que nela convivem. Assim surgiu o direito de laje ,
principalmente nas favelas, consistindo na cessão da laje – espaço plano
situado na parte superior da unidade habitacional – pelo ocupante da moradia
a um terceiro, permitindo que este construa para si outra moradia, que
também pode ser transferida a outrem. Esse instituto é similar ao instituto
suíço denominado sobrelevação ou direito de superfície, por meio do qual o
concessionário está autorizado a construir sobre a superfície sua propriedade.
As formalizações dessas transferências de direito sobre a moradia se
operacionalizam por meio das associações de moradores, que atuam como
Cartórios de Registro Imobiliário, emitindo instrumento próprio ou recibos,
nos quais constam as mesmas informações necessárias para a compra e venda
formal, na presença de testemunhas e com reconhecimento de firma pela
associação de moradores, que, após toda a tramitação, registra a transferência
dos direitos de habitação.
O legislador ordinário recepcionou os usos e costumes das comunidades
informais na Lei, criando o instituto do direito de laje , introduzindo-o no
campo do direito formal no artigo 55, acrescendo mais um direito real ao
ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo a possibilidade de titulação às
pessoas que construam puxadinhos no espaço superior ou no subsolo de
edificações titularizadas por terceiros, desde que por estes autorizadas.
4.5.1.3. Conjuntos habitacionais
Do histórico das políticas públicas habitacionais implementadas no Brasil
extrai-se que conjuntos habitacionais são conglomerados de casas em
determinada região com características em comum na construção, geralmente
pertencente a programas sociais de habitação.
O Provimento 58/1989 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de
São Paulo (CGJ/SP), no item 172.1 do Capítulo XX, assim conceitua
conjunto habitacional: “[…] o empreendimento em que o parcelamento do
imóvel urbano, com ou sem abertura de ruas, é feito para alienação de
unidades habitacionais já edificadas pelo próprio empreendedor”.
Pretende a Lei 13.465/2017 promover a regularização fundiária urbana
(Reurb), consistindo em um dos instrumentos por ela utilizados para alcançar
esse objetivo os conjuntos habitacionais . Para tanto, prescreve no artigo 59:
Art. 59. Serão regularizados como conjuntos habitacionais os núcleos
urbanos informais que tenham sido constituídos para a alienação de
unidades já edificadas pelo próprio empreendedor, público ou privado.

Da análise do dispositivo, constata-se que o legislador infraconstitucional


modificou a nomenclatura unidade habitacional irregular/assentamento
irregular para núcleos urbanos informais . Para entender a intenção do
legislador com a alteração da nomenclatura, faz-se necessária a transcrição
dos itens 96 a 99 da Exposição de Motivos da Medida Provisória 759/2016 7 ,
convertida na Lei 13.465/2017:
[…]
96. I – SOBRE O NÚCLEO URBANO INFORMAL. O texto proposto
estabelece o instituto do núcleo urbano informal como adensamento
populacional que autoriza a aplicação das novas modalidades de
regularização fundiária.
97. Nele, restam compreendidas situações de ocupação ordenada,
desordenada, clandestina, irregular, que tenham sido implantadas sem
observância da legislação (caso típico dos loteamentos, condomínios e
incorporações ilegais), assim como demais situações em que não tenha se
revelado possível a titulação ou o registro da titulação dos ocupantes.
98. A partir do conceito funcional formulado, o núcleo urbano informal não
fica circunscrito ao perímetro urbano dos Municípios. Deste modo, os
benefícios da REURB alcançam, também, imóveis formalmente situados na
zona rural, desde que possuam ocupação e destinação urbanas.
99. A proposta de Medida Provisória, ainda, deixa clara a inclusão, no
conceito de núcleo urbano informal, dos conjuntos habitacionais
promovidos pelo Poder Público anteriormente à data de sua publicação, de
modo que estes também poderão ser regularizados nos termos do novo
marco legal.
[…]

Resta claro, portanto, que, com a alteração da nomenclatura, houve


alteração do conceito de assentamento irregular, com o objetivo de abranger
na regularização fundiária urbana todos os assentamentos irregulares cujos
ocupantes não puderam obter a titulação, neles incluídos os promovidos pela
administração pública ou os clandestinos.
Permitiu o legislador que os conjuntos habitacionais sejam constituídos
de parcelamento do solo com unidades habitacionais isoladas, em
condomínio horizontal ou vertical ou em ambas as modalidades de
parcelamento do solo e de condomínio, edificadas sob a laje na forma
estabelecida na Lei, sendo as unidades habitacionais objeto de regularização
de conjuntos habitacionais atribuídas aos ocupantes reconhecidos, podendo,
no entanto, a unidade ser atribuída ao ente público promotor do programa
habitacional quando demonstrar a existência de obrigações pendentes durante
o processo de regularização (§§ 1° e 2° do art. 59).
É dispensada a apresentação de habite-se para aprovação e registro dos
conjuntos habitacionais integrantes da Reurb, em qualquer de suas
modalidades, e a dispensa das certidões negativas de tributos e contribuições
previdenciárias exclusivamente para os conjuntos habitacionais incluídos na
Reurb-S.
Portanto, não há dúvida de que a política pública habitacional adotada
com a edição da Lei 13.465/2017 tem por finalidade ampliar o acesso às
áreas urbanizadas pela população de baixa renda, priorizando sua
permanência nas unidades habitacionais irregulares para, posteriormente,
torná-las regulares, com a emissão da titulação, legitimando a ilegalidade e
permitindo que as unidades habitacionais construídas em áreas que depredam
o meio ambiente ou em áreas nas quais a saúde pública é comprometida
integrem a área urbana dos Municípios, delegando a terceiros competências
constitucionais indelegáveis da União.

4.6. Da inconstitucionalidade da Lei


A Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, é inconstitucional em seu
nascimento, pois se originou de medida provisória na qual se verifica
ausência dos pressupostos constitucionais indispensáveis para sua edição,
quais sejam, relevância e urgência , afronta inúmeros preceitos
constitucionais, como a moradia (artigo 6°), a propriedade e sua função
social (artigo 5°, caput , XXIII), o meio ambiente (artigo 225), a política de
desenvolvimento urbano (artigo 182) e os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (artigo 3°). Afronta também a Lei o dever de
compatibilizar a destinação de terras públicas e das terras devolutas com a
política agrícola e o plano nacional de reforma agrária (artigo 188). Por não
ser este o tema do presente estudo, deixaremos de nos aprofundar. Portanto, a
legislação em tela possui vícios formais e materiais.
O primeiro dos vícios formais da legislação em apreço é a afronta ao
artigo 62 da Constituição Federal, tendo em vista haver restado cabalmente
demonstrada a ausência do quesito urgência para a edição de medida
provisória, instrumento excepcional a ser utilizado pelo Poder Executivo,
pois, pelo fato de não obter êxito em normatizar completamente a
regularização fundiária, com centralização e/ou consolidação da matéria, de
forma a retratar uma sistematização jurídica integral, que é o objetivo da
urgência, remeteu uma série de dispositivos da Lei a regulamentação futura
em flagrante demonstração da inexistência do periculum in mora autorizador
da edição da medida provisória. Além do mais, conforme expressado
anteriormente, na década de 1990 houve intensa regularização das unidades
habitacionais irregulares, principalmente pela atuação do Ministério Público,
que, por melhor compreender a Lei 7.347/1985, disciplinadora da ação civil
pública, passou a aplicá-la. A edição da Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade,
foi de suma importância para a ordenação e o desenvolvimento estruturado
do espaço urbano e a sustentabilidade ambiental, pois, com vistas a executar
a política urbana conforme a prescrição contida nos artigos 182 e 183 da
Constituição Federal, traz em seu bojo os princípios, as diretrizes gerais e os
instrumentos da política urbana, adotando como objetivo a função social não
só da propriedade como também das cidades, estabelecendo normas de
ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos,
bem como o equilíbrio ambiental (parágrafo único do artigo 1°). Em 2009 foi
editada a Lei 11.977, de 7 de julho, regulamentadora do Programa Minha
Casa Minha Vida e da regularização fundiária dos assentamentos urbanos.
Essas duas legislações federais, de autoria do Congresso Nacional,
cumpriram a disposição contida no artigo 182 da Constituição Federal,
delegando aos municípios a execução da política de desenvolvimento urbano
conforme diretrizes gerais nelas fixadas. Logo, a justificativa contida na
Medida Provisória 759 de haver desconformidade entre as normas existentes
e a realidade fática que impedem a concretização do direito social à
moradia, produzindo efeitos reflexos negativos em matéria de ordenamento
territorial, mobilidade, meio ambiente e saúde pública (item 7), não condiz
com a realidade, pois não há dúvida de que a adequação das normas
municipais às diretrizes gerais estabelecidas nas legislações federais leva
tempo, e a maioria dos municípios brasileiros já havia conseguido
compatibilizar suas legislações de forma a executar a política pública de
desenvolvimento urbano consoante delineado na Lei Maior, sendo mais um
fato a comprovar a ausência de urgência para a edição de medida provisória
sobre a matéria.
Também configura vício de natureza formal o Poder Executivo, por meio
de legislação extraordinária, revogar em seu artigo 109, I, dispositivos da Lei
Complementar 76/1993, que dispunha sobre o procedimento contraditório
especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural,
por interesse social, para fins de reforma agrária. Regulamentar sobre essa
matéria processual incluindo os incisos X e XI, no artigo 799 do Código de
Processo Civil, é flagrante afronta ao artigo 62, § 1°, I, b, e III 8 , e ao artigo
184, § 3° 9 , ambos da Constituição Federal, em virtude de aquele vedar a
edição de medida provisória versando sobre matéria processual civil e de lei
complementar e este estabelecer ser competência de lei complementar
matéria que verse procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o
processo judicial de desapropriação.
A Lei legitima o município a criar uma nova modalidade de loteamento,
e, consoante os artigos 24, I, e 30, I, ambos da Carta da República, possuem
competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico a União, os
Estados e o Distrito Federal, cabendo ao Município legislar sobre assuntos de
interesse local, consistindo em mais um vício explícito de natureza formal
contido na legislação em exame, que desobedece aos comandos da Lei Maior,
além de possibilitar aos municípios que legislem sobre condomínios de lotes,
consistindo tal ato em desobediência à Constituição Federal, que estabelece
ser competência privativa da União legislar sobre direito civil (art. 22, I), a
quem tal matéria afeta.
Com relação às inconstitucionalidades materiais presentes na legislação
em análise, a edição de medida provisória para regulamentar a regularização
fundiária urbana excluiu a efetiva participação popular do planejamento
municipal, afrontando a prescrição contida no artigo 182 e seu § 1° 10 e no
artigo 29, XII 11 , ambos da Carta da República.
A criação da legitimação fundiária , na forma estabelecida no artigo 23
da Lei 13.465/2017, que a define como modo originário de aquisição do
direito real de propriedade conferido por ato do poder público,
exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou
possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação
urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de
dezembro de 2016 , com a dispensa de exigência de tempo mínimo de
ocupação da área e da vinculação de seu uso para moradia, condições estas
exigidas pela Lei Maior em seu artigo 183 para o instituto da usucapião
urbana, além de divergir da norma constitucional que consagrou a usucapião
pró-moradia , é uma grave violação ao direito de propriedade privada,
constitucionalmente assegurada, pois possibilita à administração pública
municipal outorgar a terceiros a propriedade de bens imóveis por eles
ocupados sem prévia indenização ao proprietário, independentemente do
tempo e da natureza da posse, admitindo, portanto que um bem imóvel
invadido no período de 1° de janeiro a 22 de dezembro de 2016 possa vir a
ser confiscado por ato municipal que entender que a ocupação se encontrava
consolidada no marco temporal estabelecido na Lei, sem direito ao
pagamento de indenização. Quanto às áreas públicas, quis o legislador driblar
o dispositivo constitucional que veda a instituição da usucapião de bens
públicos que se estende à regularização fundiária, criando o instituto com a
nomenclatura de legitimação , porém com princípio similar ao da usucapião,
dispensando os entes públicos das exigências de autorização legislativa,
avaliação prévia, licitação e desafetação dos bens ocupados, em detrimento
do Poder Legislativo, da responsabilidade fiscal e da transparência da gestão
pública. O legislador constituinte, ao vedar a instituição da usucapião sobre
bens públicos, teve por finalidade assegurar proteção especial a essa espécie
de bens, considerando que o princípio que prevalece na Constituição Federal
é o da inalienabilidade dos bens públicos. A criação de qualquer instituto que
busque, por meio adverso, distanciar-se da norma constitucional não encontra
guarida no ordenamento jurídico pátrio.
O loteamento de acesso controlado, disposto no artigo 78 da Lei, viola os
direitos constitucionais de ir e vir, de privacidade e a liberdade de associação,
em decorrência de possibilitar à associação de moradores, mediante
autorização da administração pública municipal, sem impedir a circulação,
identificar pedestres e condutores de veículos não residentes, legalizando a
cobrança de contribuição associativa destinada à manutenção da associação
do morador não associado.
O direito à moradia constitui um dos direitos humanos, sendo
recepcionado pela Constituição Federal, possuindo íntima conexão com o
princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é expresso no sentido de
que todos temos direito à vida digna. O direito à moradia abarca, sem sombra
de dúvida, todos os direitos fundamentais e em decorrência do princípio da
indivisibilidade se estende aos direitos sociais, os quais integram os direitos
fundamentais, tais como direito à educação, ao amparo social, à integridade
física, ao trabalho digno, ao transporte, ao lazer, à segurança, entre outros.
Alguns doutrinadores defendem que o direito à moradia , embora
inserido no capítulo da Constituição Federal que estabelece os direitos
sociais, tem natureza jurídica ambígua por seu caráter de liberdade e
garantias, bem como direito social. Tal fato impõe ao Estado o dever de
assegurar aos cidadãos habitação digna.
No entanto, há de se frisar que moradia digna não se limita a ter uma
casa . O acesso à moradia digna compreende o direito de se deslocar na
cidade, de viver em condições ambientais dignas, de ter infraestrutura com
saneamento básico, prestação de serviços de água tratada, de energia elétrica,
entre outros.
Assim, tendo em vista que o direito à moradia é um direito social e que
tal direito é caracterizado por sua dimensão positiva, cabe ao Estado efetivá-
lo, promovendo políticas de proteção desse direito.

4.7. Considerações finais


O histórico das políticas públicas nacionais para a habitação tornou o
problema habitacional cada vez mais crítico. A delegação à iniciativa privada
na produção das unidades habitacionais a serem financiadas pelo erário
público fez com que tais unidades fossem concebidas como investimento
para auferição de lucro, sendo beneficiadas por tais políticas a classe média e
as empresas do segmento da construção civil, refletindo a distorção das
políticas públicas adotadas pela administração pública, em detrimento da
função social da propriedade e da função social da cidade.
A Lei 13.465/2017, que não altera o histórico das políticas públicas
urbanas nacionais, será responsável pelo aumento do déficit habitacional,
tendo em vista ser a política nela contemplada ineficiente para solucionar o
problema da habitação urbana, além de representar retrocesso social, por
dispensar o licenciamento ambiental nos processos de regularização fundiária
urbana, pois não esclarece se a regularização dos assentamentos deve ser
objeto de licenciamento ambiental , tendo em vista que utiliza a expressão
aprovação e não licenciamento. Isso resulta em insegurança jurídica e ações
do Ministério Público, além de motivar a privatização de áreas de uso comum
e de preservação permanente nas cidades brasileiras; por estabelecer
expansão urbana desordenada, pois permite a ampliação do perímetro urbano
pelos municípios sem a necessidade de elaborar projeto técnico exigido pelo
Estatuto da Cidade, para titulares de áreas irregulares localizadas no
perímetro rural.
A legislação em exame compromete o equilíbrio econômico-financeiro
dos cartórios de registro de imóveis ao dispor sobre a gratuidade do registro
imobiliário quando se tratar de Reurb-S (artigo 13, § 1°), gerando risco para a
responsabilidade fiscal ante a possibilidade de, no futuro, ser a União
obrigada a indenizar esses agentes econômicos.
A dispensa de habite-se para fins de registro dos conjuntos habitacionais
e de edificações regularizadas na modalidade Reurb-S (artigos 60 e 63) expõe
os ocupantes dessas unidades habitacionais e de terceiros a danos à
integridade física, tendo em vista que as respectivas estruturas podem
oferecer perigo por não terem sido construídas com a segurança necessária.
A política urbana adotada na Lei torna inexequíveis os princípios
constitucionais da função social da propriedade e da função social da cidade.

4.8. Referências
BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada . 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 18.
reimp. Coimbra: Almedina, 2003.
CARDOSO, Adauto Lucio. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas.
Observatório IPPUR/UFRJ . Última atualização em 28.01.2008. Disponível
em: [http://
observatoriodasmetropoles.ufrj.br/download/adauto_polhab_brasil.pdf.htm ].
Acesso em: 20.12.2017.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). A
população brasileira é eminentemente urbana. 2001.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 21. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
REVISTA DE DIREITO DA CIDADE, Direito Formal e direito informal nos centros
urbanos brasileiros. v. 7, n. 2, Rio de Janeiro: UFRJ, 2011, p. 673.
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. 8. ed. São Paulo: Forense, 2016. v.
4.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
v. 5.

1. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.


ed. 18. reimp. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1193.
2. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à
reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.
3. Revista de Direito da Cidade , Direito formal e direito informal nos centros
urbanos brasileiros. v. 7, n. 2, p. 673.
4 . Disponível em: [ www.ibge.gov.br/ibgeteen/pequisas/demograficas.html ].
Acesso em: 20.12.2017.
5 . CARDOSO, Adauto Lucio. Política habitacional no Brasil: balanço e
perspectivas. Observatório IPPUR/UFRJ. Última atualização em 28.01.2008.
Disponível em: [
www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/download/adauto_polhab_brasil.pdf ].
Acesso em: 20.12.2017.
6. Lei que regulamenta o parcelamento do uso do solo urbano.
7 . Disponível em:
[www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-759-22-
dezembro-2016-784124-exposicaodemotivos-151740-pe.html]. Acesso em:
03.12.2017.
8. Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-
las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1° É vedada a edição de medidas provisórias sobre matérias: I –
relativa a: […] b) direito penal, processual penal e processual civil; […]
III – reservada a lei complementar; […]
9 . Art. 184. […] § 3° Cabe à lei complementar estabelecer procedimento
contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de
desapropriação.
10 . Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes. § 1° O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. […]
11 . O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da
Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes
preceitos: […] XII – cooperação das associações representativas no
planejamento municipal; […]
5
LOTEAMENTO DE ACESSO CONTROLADO:
LEGALIZAÇÃO DE UMA REALIDADE FÁTICA

Anderson Garcia Cirilo


Tabelionato de Notas e Protestos de Lucélia-SP. Pós-graduação Lato Sensu em
Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera – Uniderp.

Marcelo Oliveira Silva


Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Pedregulho-SP. Pós-
graduação (especialização) em Direito Notarial e Registral no Instituto Brasileiro
de Estudos – Ibest – Faculdade Arthur Tomas. Pós-graduação (especialização) em
Direito Notarial e Registral na Universidade Anhanguera – Uniderp. Foi Oficial
de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de
Buritizal, Comarca de Igarapava-SP.

SUMÁRIO : 5.1. Introdução . 5.2. Aspectos gerais do parcelamento do solo


urbano . 5.2.1. Loteamento, desmembramento e lote . 5.2.2. Área passível de
parcelamento do solo . 5.3. Do loteamento de acesso controlado . 5.3.1.
Conceito . 5.3.2. Acesso a equipamentos públicos .

5.1. Introdução
O Brasil experimentou no século passado o fenômeno do êxodo rural, de
forma que a população brasileira migrou da área rural para a urbana.
Esse fluxo migratório gerou, em escala exponencial, o aumento
desenfreado dos núcleos urbanos, que cresceram sem a observância das
regras do parcelamento do solo, trazendo como consequência a carência de
equipamentos públicos como áreas verdes para o lazer, escolas e postos de
saúde.
Além da desorganização dos centros urbanos, a grande concentração de
pessoas elevou o número de infrações penais cometidas, fato este que produz
um sentimento crescente de insegurança na população.
Com a propulsão do número de crimes, criou-se uma necessidade
inevitável nos ocupantes dos centros urbanos, qual seja, a de procurar formas
de repelir ou diminuir a sensação de insegurança. Uma das formas
encontradas foi a criação de loteamentos com acesso controlado, pois, com a
adoção dessa forma de parcelamento do solo, evita-se o ingresso de pessoas
estranhas no seio da comunidade, gerando o sentimento de segurança. Com
isso, elas passam a acreditar que as medidas adotadas servem como barreiras
capazes de ao menos diminuir o avanço da marginalidade.
A vigência da Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, em seu artigo 78,
inovou o sistema legislativo com a inclusão do § 8° no artigo 2° da Lei
6.766/1979, prevendo de forma expressa a figura do loteamento com acesso
controlado, que era admitido pela jurisprudência nacional desde que
condicionado à existência de prévia lei municipal.

5.2. Aspectos gerais do parcelamento do solo urbano


O parcelamento do solo para fins urbanos é atualmente regulado pela Lei
6.766, de 19 de dezembro de 1979, que suplantou a disciplina estabelecida
pelo Decreto-lei 58/37. Entretanto, esse diploma legal continua vigente para o
parcelamento do solo rural e para as promessas de venda e compra de
imóveis não loteados.
A Lei 6.766/79 traz como espécies de parcelamento do solo urbano as
figuras do loteamento e desmembramento. Vejamos.
5.2.1. Loteamento, desmembramento e lote
Podemos definir loteamento, com arrimo no artigo 2° da Lei 6.766/79,
como “a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura
de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento,
modificação ou ampliação das vias existentes”.
Por sua vez o desmembramento é “a subdivisão de gleba em lotes
destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente,
desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos,
nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes”.
A Lei do Parcelamento do Solo Urbano, ainda, em seu artigo 2°, § 4°,
define o que se entende por lote: “considera-se lote o terreno servido de
infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos
definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe”.
Das definições legais acima mencionadas, podemos concluir que o ponto
de distinção entre loteamento e desmembramento é se a inovação no solo irá
exigir, para sua implantação, a abertura de novas vias de circulação, bem
como de novos logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou
ampliação das vias existentes; em caso positivo, teremos loteamento; do
contrário, não ocorrendo a inovação do sistema viário, teremos a figura do
desmembramento
Observamos nos conceitos de loteamento e desmembramento que ambos
mencionam a figura da “gleba”, que será subdividida, porém não há previsão
legal do seu conceito na Lei 6.766/1979. Assim, valemo-nos dos
ensinamentos de Luiz Antonio Scavone Junior 1 :
Concluindo, haverá gleba se a porção de terra:
Não sofreu, anteriormente, parcelamento de acordo com a Lei n. 6.766/79,
ou, tendo sofrido, a área não atenda as dimensões urbanísticas definidas no
Plano Diretor ou na Lei Municipal ou não contenha a infraestrutura básica
requerida pelos §§ 4°, 5° e 6° do art. 2° da Lei n. 6.766/79;
Sofreu parcelamento sob a égide do Decreto-lei 58/37 cuja destinação de
áreas públicas não atenda atualmente aos requisitos contidos na Lei
Municipal (Art. 4° § 1°), ou cuja área não atenda as dimensões urbanísticas
definidas no Plano Diretor ou na Lei Municipal ou, ainda, não contenha a
infraestrutura básica requerida (Lei n. 6.766/79, art. 2° §§ 4°, 5° e 6°).

Por sua vez, Afrânio de Carvalho 2 esclarece que:


Ao aludir à gleba, a lei usa uma palavra antiquíssima, que, desde a origem
latina, sempre significou um pedaço de terra e, por extensão, de outra coisa.
Assim tem em vista um trato de terra que se caracteriza para servir de
objeto a parcelamento na zona urbana. No enunciado legal, a gleba consiste
em porção de terra divisível em lotes, vale dizer, maior do que o lote. Na
zona rural, a palavra se emprega para designar uma parte identificável do
imóvel, uma porção característica deste, que, por sua vez, se define como
espaço de limites determinados na superfície terrestre.

Por fim, cabe destacar que, apesar de a Lei do Parcelamento do Solo


Urbano não especificar a possibilidade de divisão do lote, as legislações
municipais têm permitido o desdobro do lote originário em dois novos lotes,
porém para tal desiderato será necessária a aprovação da Prefeitura
Municipal. Nesse sentido, pinçamos o seguinte trecho da decisão proferida
pela Dra. Tânia Mara Ahualli, juíza titular da Primeira Vara de Registro
Públicos da capital do Estado de São Paulo 3 :
No desdobro de lote, em casos de parcelamento para fins urbanos, é
necessária a aprovação pelos órgãos municipais competentes, não
caracterizada apenas pela regularização de edificação expedida após a Lei
6.766/79. Assim, a necessidade de aprovação do desdobro do lote é
exigência da Lei do Parcelamento do Solo, sendo imprescindível a emissão
do competente Alvará. (grifo nosso)
5.2.2. Área passível de parcelamento do solo
A Lei 6.766/79 estabelece em seu artigo 3° as áreas que poderão ser
loteadas e desmembradas, ou seja, a sua incidência ocorrerá sobre glebas
localizadas no perímetro urbano, zonas urbanas e de expansão urbana ou de
urbanização específica que estará previamente definida no plano diretor
municipal 4 ou que estejam aprovadas em lei municipal específica.
Ressaltando que o parcelamento do solo rural deverá observar o disposto no
Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937.
Por outro lado, é vedado o parcelamento do solo nas seguintes hipóteses:
a) em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as
providências para assegurar o escoamento das águas;
b) em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde
pública, sem que sejam previamente saneados;
c) em terrenos com declividade igual ou superior a 30%, salvo se
atendidas exigências específicas das autoridades competentes;
d) em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a
edificação;
e) em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça
condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
Além de sua localização nas áreas permitidas pela lei municipal, o
loteamento tem de atender a um rol de requisitos mínimos, que são:
a) as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de
equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso
público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano
diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem;
b) os lotes terão área mínima de 125 metros quadrados e frente mínima
de cinco metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização
específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social,
previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;
c) ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio
público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não
edificável de 15 metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação
específica;
d) as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes
oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.
Satisfeitos os pontos acima elencados, o loteador ainda deverá
confeccionar o projeto de loteamento e de desmembramento, que deverão
respectivamente observar as disposições legais previstas nos Capítulos III e
IV da Lei do Parcelamento do Solo Urbano e submeter à aprovação da
Prefeitura Municipal.
Uma vez aprovado o loteamento ou desmembramento pela
Municipalidade, os mencionados projetos serão submetidos a uma nova
qualificação pelo Oficial de Registro de Imóveis, nos termos do Capítulo VI
da Lei 6.766/79.

5.3. Do loteamento de acesso controlado


Ultrapassados os aspectos gerais que circundam o procedimento de
loteamento, passamos a cuidar com maiores detalhes do loteamento de acesso
controlado, previsto no artigo 2°, § 8°, da Lei 6.766/1979.
5.3.1. Conceito
O conceito legal de loteamento de acesso controlado está previsto no
artigo 2°, § 8°, da Lei 6.766/79, o qual estabelece que:
Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento,
definida nos termos do § 1° deste artigo, cujo controle de acesso será
regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o
impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não
residentes, devidamente identificados ou cadastrados.

Elvino Silva Filho 5 já conceituava a figura do loteamento fechado:


O loteamento fechado consiste na subdivisão de uma gleba em lotes
destinados a edificação ou formação de sítios de recreio, com abertura de
novas vias de circulação, de logradouros públicos, devendo ser essa gleba
cercada ou murada em todo o seu perímetro de modo a manter sob controle
o acesso aos lotes.

Em obra mais recente, porém antes da vigência da Lei 13.465/2017, o


registrador de imóveis Flauzilino Araújo dos Santos 6 leciona:
Considera-se loteamento fechado a subdivisão de gleba em lotes destinados
à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros
públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes,
cuja gleba é cercada ou murada em todo o seu perímetro de modo a manter
sob controle o acesso aos lotes e vias de circulação.

Merece, ainda, destaque o conceito fornecido pelo Desembargador


Vicente de Abreu Amadei 7 :
Loteamento fechado ou loteamento de acesso controlado, previsto no artigo
2°, parágrafo 8°, da Lei 6.766/79, é modelo de desenvolvimento urbano no
regime próprio de loteamento, regulamentado por ato do poder público
municipal, cujo perímetro é cercado ou murado, com acesso controlado ao
núcleo urbano, concebido para agregar segurança e qualidade de vida. É,
pois, espécie de parcelamento do solo urbano com o perímetro da gleba
cercado ou murado, e acesso controlado ao seu interior, vedado o
impedimento de acesso a pedestres ou condutores de veículos, não
residentes, devidamente identificados e cadastrados.
Dessa maneira, podemos destacar como pontos de distinção com o
loteamento comum a limitação do direito de ir e vir de outros cidadãos aos
acessos das vias internas do loteamento, salvo nas hipóteses de autorização
com prévia identificação ou cadastro, sendo o acesso restrito em decorrência
de obras, tais como muros, cercas e cancelas com porteiro.
5.3.2. Acesso a equipamentos públicos
A Lei do Parcelamento do Solo determina que os equipamentos públicos
de educação, cultura, lazer e similares são comunitários, conforme previsão
constante do § 2° do artigo 4° do mencionado diploma legal.
Essa disposição legal indicaria aparentemente que toda a sistemática
antes vista a respeito do loteamento fechado estaria em confronto com o
direito de toda a população a ter acesso aos bens comuns do povo. Entretanto,
demonstraremos a seguir que esse conflito é apenas aparente.
5.3.2.1. Classificação dos bens públicos
O Código Civil, em seu artigo 99, apontou a seguinte classificação dos
bens públicos quanto a sua utilização:
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço
ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou
municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de
direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se
dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a
que se tenha dado estrutura de direito privado.

Cabe nesse momento detalhar os principais pontos entre bens de uso


comum do povo e bens de uso especial pelo Estado.
Carlos Roberto Gonçalves 8 esclarece que os bens de uso comum do
povo:
[…] são os que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem
formalidades (res communis omnium ). Exemplificativamente, o Código
Civil menciona “os rios, mares, estradas, ruas e praças” (art. 91, I). Não
perdem essa característica se o Poder Público regulamentar seu uso ou
torná-lo oneroso, instituindo cobrança de pedágio, como nas rodovias (art.
103). A administração pode também restringir ou vedar o seu uso, em
razão de segurança nacional ou de interesse público, interditando uma
estrada, por exemplo, ou proibindo o trânsito por determinado local. (grifo
nosso)

Os bens de uso especial, segundo lição de Matheus Carvalho 9 :

[…] são bens usados para a prestação de serviço público pela


Administração ou conservados pelo Poder Público com finalidade pública.
Esses bens podem ser bens de uso especial direto que são aqueles que
compõem o aparelho estatal. Ex. Escola Pública, logradouro onde se
localiza a repartição pública, automóvel oficial, entre outros. É possível
também se vislumbrar os bens de uso especial indireto. Nesses casos, o ente
público não utiliza os bens diretamente, mas conserva os mesmos com a
intenção de garantir proteção a determinado bem jurídico de interesse da
coletividade. Podem ser citadas como exemplos as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, as terras públicas utilizadas para proteção do meio
ambiente.

Percebemos dos escólios acima citados que nos bens de uso comum do
povo os usuários dos mesmos são indeterminados e anônimos, uma vez que
poderão ser utilizados por qualquer indivíduo componente do povo de um
determinado território. Por sua vez, os bens de uso especial terão os seus
usuários identificados de forma direta ou indiretamente, porém o sujeito será
passível de determinação.
5.3.2.2. Momento da transmissão da propriedade privada em área
loteada para o poder público
O fracionamento de uma gleba em lotes com o intuito de serem ofertados
ao público tem como requisito para a sua aprovação a separação de parte de
seu território para compor os equipamentos públicos, e, por consequência de
determinação legal, serão considerados bens públicos.
Essa transmissão de propriedade ocorrerá nos termos do artigo 22 da Lei
6.766/79, no momento do registro do loteamento, ou seja, os espaços
públicos integram de forma imediata o conjunto de bens públicos no instante
em que o loteamento é registrado. A essa transmissão dá-se o nome de
concurso voluntário. Nesse sentido, temos a lição de Diogo de Figueiredo
Moreira Neto 10 :

Segundo a legislação em vigor (Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979),


esses lotes deverão ser destinados à edificação e servidos pela abertura de
novas vias de circulação, de logradouros públicos ou pelo prolongamento,
modificação ou ampliação das vias existentes, que passarão ao domínio
público por concurso voluntário do proprietário do imóvel a ser loteado.
(grifo nosso)

Não é outro o entendimento ministrado por José dos Santos Carvalho


Filho 11 :
Uma dessas modalidades é a que ressai dos loteamentos. A lei que regula o
parcelamento do solo urbano estabelece que algumas áreas dos loteamentos
serão reservadas ao Poder Público. Dessa maneira, passam a integrar o
domínio público, desde o registro do loteamento no cartório próprio, as
ruas, as praças, os espaços livres e, se for o caso, as áreas destinadas à
construção de prédios públicos. A aquisição desses bens – normalmente
enquadrados como bens de uso comum do povo, em virtude de sua
destinação – dispensa qualquer instrumento especial, ingressando
automaticamente na categoria dos bens públicos.

Por fim, cabe destacar a distinção feita pelo Desembargador Venício


Antonio de Paula Salles, quando titular da primeira Vara de Registros
Púbicos da capital do Estado de São Paulo, no bojo do processo
000.04.009671-8, data do julgamento 2 de junho de 2004, em relação ao
momento da aquisição das vias públicas em se tratando de loteamento regular
e irregular:
Assim, uma via particular, aberta em um parcelamento irregular, passa para
o domínio público em razão de seu “uso público”, conferindo ao Poder
Público prerrogativas para desfalcar a matrícula ou transcrição
correspondente, considerando o que de efetivo foi IMPLANTADO no solo.
Assim, não só o concurso voluntário provoca a transferência da via para o
DOMÍNIO PÚBLICO, como a sua simples abertura e sua disponibilização
para o uso coletivo.

5.3.2.3. A propriedade privada transferida para o poder público será


caracterizada como bem de uso comum do povo ou bem
público de uso especial
O direito administrativo estabelece que os bens quanto a sua destinação,
conforme acima explanado, classificam-se em bens de uso comum do povo,
de uso especial e dominicais. Porém, fica a pergunta: como é estabelecida a
destinação de cada um desses bens?
A destinação pública a ser atribuída aos bens decorre dos institutos
denominados de afetação ou desafetação.
Dirley da Cunha Júnior 12 estabelece que:
A afetação é o ato ou fato através do qual um bem, outrora não vinculado a
nada, passa a sofrer destinação com sua vinculação a um fim público. Ou
seja, é a preposição de um bem a um dado destino, podendo ser ele
relacionado ao uso comum ou ao uso especial. […]
A desafetação é o ato ou fato através do qual um bem, outrora vinculado ao
uso coletivo ou ao uso especial, tem subtraída a sua destinação pública. […]
A afetação e a desafetação podem ser expressas ou tácitas. Serão expressas
quando decorrem de lei ou de ato administrativo. Serão tácitas quando
resultam da atuação da Administração Pública, porém sem sua
manifestação expressa a respeito, ou de fato da natureza…

Por sua vez, Matheus Carvalho 13 leciona que:


Os institutos da afetação e desafetação de bens públicos decorrem do fato
de que um bem desafetado pode passar a ter destinação pública específica
(mediante afetação) e, da mesma forma, um bem que tem destinação
pública específica pode deixar de ostentar a qualidade de bem afetado
(mediante desafetação). […]
Com efeito afetar o bem é dar destinação pública a bem dominical e
desafetar é suprimir a destinação de bem que estava atrelado, de alguma
forma, ao interesse público. A doutrina mais tradicional, encabeçada por
Diógenes Gasparini, também designa esses institutos como consagração
(sinônimo de afetação) e desconsagração (sinônimo de desafetação).
Observa-se da leitura do artigo 22 da Lei 6.766/1979, ao estabelecer o
concurso voluntário como forma de transmissão da propriedade privada para
o Poder Público, não deixa explícito se os equipamentos públicos (vias de
circulação, áreas verdes, praças etc.) já estariam vinculados a uma destinação
pública específica ou não, ou seja, se são bens de uso comum ou de uso
especial. Será o instituto da afetação que irá determinar a classe que o bem
público ocupará.
Não é outro o entendimento esposado por Flauzilino Araújo dos Santos
14 :

Com efeito, o preceito do art. 22 da Lei 6.766/1979 diz que com o registro
do loteamento esses bens passam para o domínio do município, porém, não
há discriminação do regime jurídico dominial respectivo, de sorte que
caberá à afetação fixar a categoria dominial que o imóvel integrará. E se o
imóvel vem, desde sua gênese, já afetado com destinação diversa,
induvidosamente que esse bem nunca esteve e não está inserido na
categoria de bem de uso comum do povo. […]
Parece claro que não basta a circunstância de ser projetado via de
comunicação, praça, ou espaço livre dentro de um loteamento urbano que
outorga ao imóvel, por si só, a característica dominial de bem de uso
comum do povo, porém sua efetiva afetação para esse fim é que vai
determinar sua classificação e destinação.

Dessa maneira, se houve a aprovação do loteamento pela Prefeitura


Municipal sem qualquer observância quanto à destinação dos equipamentos
públicos a um fim específico, haverá a consagração tácita ao uso comum do
povo.
Por sua vez, se o loteamento já for concebido em seu nascimento como
loteamento de acesso controlado, com aprovação da Prefeitura Municipal,
entendemos que nessa hipótese os equipamentos públicos estão afetados a
uma destinação específica, portanto deverão ser classificados como bens de
uso especial.
5.3.2.4. Instrumento legal para transferência do bem público para uso
exclusivo do particular
A doutrina nacional enquadra os bens públicos quanto ao seu uso por
particulares, classificando-os, quanto ao destino principal do bem, em normal
e anormal; e, quanto à exclusividade ou não do uso, em privativo e comum.
Pinça-se a seguinte lição ofertada por Dirley da Cunha Júnior 15 :
O uso normal é o que se dá na conformidade com a destinação principal do
bem. Já o uso anormal é o que ocorre em desconformidade com essa
destinação principal. O uso privativo é aquele em face do qual somente o
particular utilizará o bem. Se uma rua está aberta à circulação, tem-se uso
comum normal; se estiver sendo utilizada, em dada situação, para desfiles
ou festejos, tem-se uso comum anormal. Se uma pessoa, com a devida
permissão, utiliza um box em mercado municipal, tem-se o uso privativo
normal (é normal porque o mercado foi construído para esse fim). Se
utiliza, porém, uma parte da calçada para instalar uma barraca ou tabuleiro
de venda de acarajé, tem-se uso privativo anormal.

José dos Santos Carvalho Filho 16 destaca as seguintes características do


uso especial de bens públicos pelos particulares:
A primeira é a privatividade do uso. Significa que aquele que recebeu o
consentimento estatal tem direito a usar sozinho o bem, afastando possíveis
interessados. Se o uso é privativo, não admite a concorrência de outras
pessoas. Outra característica é a instrumentalidade formal. O uso privativo
não existe senão através de título jurídico formal, através do qual a
Administração exprima seu consentimento. É nesse título que estarão
fixadas as condições de uso, condições essas a que o administrado deve se
submeter estritamente. A terceira é a precariedade do uso. Dizer-se que o
uso é precário tem o significado de admitir posição de prevalência para a
Administração, de modo que, sobrevindo interesse público, possa ser
revogado o instrumento jurídico que legitimou o uso. 101 Essa revogação,
como regra, não rende ensejo a qualquer indenização, mas pode ocorrer que
seja devida pela Administração em casos especiais, como, por exemplo, a
hipótese em que uma autorização de uso tenha sido conferida por tempo
certo, e a Administração resolva revogá-la antes do termo final. Finalmente,
esses instrumentos sujeitam-se a regime de direito público, no sentido de
que a Administração possui em seu favor alguns princípios administrativos
que levam em consideração o interesse público, como é o caso da
revogação, acima mencionada.
Assim, os equipamentos públicos do loteamento de acesso controlado
poderão ser enquadrados como bens de uso normal e privativo, uma vez que
as ruas estarão sendo utilizadas para circulação dos titulares dos lotes e das
pessoas previamente autorizadas.
Os instrumentos utilizados pelo Poder Público para conceder o uso dos
bens públicos, e que determinam a classificação destes como sendo de uso
comum do povo e ou bens de uso especial, são a autorização, permissão e
concessão de uso. Maria Sylvia Zanella Di Pietro 17 os conceitua como:
Autorização de uso é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo
qual a Administração consente, a título precário, que o particular se utilize
de bem público com exclusividade. […]
Permissão de uso é o ato administrativo unilateral, discricionário e precário,
gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização
privativa de bem público, para fins de interesse público. […]
Concessão de uso é o contrato administrativo pelo qual a Administração
Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público, para que
a exerça conforme a sua destinação.

Observamos que tanto a autorização de uso quanto a permissão de uso


são atos administrativos, discricionários e precários, tendo como ponto de
distinção que o primeiro é feito para atender preponderantemente ao interesse
do particular, enquanto o segundo é confeccionado para atender ao interesse
público.
Por sua vez, a concessão de uso tem natureza de contrato administrativo
e, em decorrência de sua natureza contratual, é considerada pela doutrina
nacional mais estável do que a autorização de uso e permissão de uso.
Em decorrência de sua natureza contratual, pensamos ser essa
modalidade a mais indicada para realizar a transferência do uso dos
equipamentos públicos para os donos de lotes de loteamento de acesso
controlado, uma vez que, na hipótese de ocorrer desrespeito ao contrato
administrativo, poderá o Poder Público ser obrigado a ressarcir aos
moradores eventual prejuízo sofrido. Desse entendimento não destoa a
doutrina nacional. Vejamos.
Elvino Silva Filho 18 orienta que:
É aconselhável, para os proprietários dos lotes, que o uso dessas vias seja
outorgado através de concessão de uso, que é contrato com obrigações
recíprocas e passível de composição de perdas e danos, em caso de
resolução unilateral.

No mesmo sentido, Flauzilino Araújo dos Santos 19 leciona:


Obviamente, é aconselhável que o uso dessas vias e espaços públicos seja
contratado com a municipalidade por meio de concessão de uso, para
caracterização de direitos e obrigações recíprocas, passível, portanto, de
composição de perdas e danos, em caso de resolução unilateral.

Caso a administração não se disponha a realizar a concessão de uso, é


preciso que seja estabelecida a permissão de uso, mas estipulando prazo para
a utilização dos equipamentos públicos, de forma a permitir aos moradores
indenização por eventuais prejuízos, caso o ato administrativo seja revogado
antes do prazo estabelecido. A essa modalidade de permissão, a doutrina a
denomina de permissão qualificada ou condicionada. Nesse sentido, pela
maior estabilidade da relação jurídica na hipótese da permissão qualificada,
ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro 20 :
Quanto à fixação de prazo na permissão, vale a mesma observação já feita
para a autorização. Ao outorgar permissão qualificada ou condicionada de
uso, a Administração tem que ter em vista que a fixação de prazo reduz a
precariedade do ato, constituindo, em consequência, uma autolimitação ao
seu poder de revogá-lo, o que somente será possível quando a utilização se
tornar incompatível com a afetação do bem ou se revelar contrária ao
interesse coletivo, sujeitando, em qualquer hipótese, a Fazenda Pública a
compensar pecuniariamente o permissionário pelo sacrifício de seu direito
antes do termo estabelecido.

5.3.2.5. Instrumento de concessão de uso ou de permissão de uso será


outorgado a quem?
A resposta a esse questionamento irá depender do momento em que
ocorrerá o fechamento do loteamento e por consequência quando será
restringido o acesso às suas vias internas.
O loteamento poderá ser concebido como de acesso controlado desde seu
registro, ou poderá ser transformado de loteamento simples em loteamento de
acesso controlado, aos quais podemos denominar, respectivamente, de acesso
controlado originário ou loteamento de acesso controlado derivado.
No originário, para que seja concebido como loteamento de acesso
controlado, o instrumento público de concessão ou permissão de uso deverá
ser firmado com o loteador, sendo imprescindível que no contrato padrão a
ser depositado no Registro de Imóveis competente constem todas as
condições impostas pelo Poder Público ao loteador, como a minuta do
regulamento interno que irá normatizar a utilização e o custeio da
manutenção dos equipamentos públicos.
A título de exemplo, tomemos por base a lei complementar municipal n.
2.462, de 13 de julho de 2011, do município de Ribeirão Preto que exige que
a associação de moradores seja composta de 50% de proprietários dos lotes.
Assim, até que seja atingido o percentual legal, o instrumento público de
concessão ou permissão será formado com o loteador. Atingida a exigência
feita pela Municipalidade, ocorrerá a adequação do instrumento de
transferência de uso para figurar a Associação de Moradores como a
responsável pela administração dos bens.
Adotadas essas cautelas, em todos os contratos originários entre o
loteador e os adquirentes dos lotes constarão as cláusulas dos ônus impostos
pela Prefeitura Municipal, evitando-se, assim, que o adquirente venha a ser
surpreendido.
Nesse sentido, leciona Elvino Silva Filho 21 :
No exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, se houver – pois
poderá não existir, se os lotes foram vendidos à vista – além dos requisitos
enumerados no art. 26 da Lei 6.766/79, deverá constar a obrigação do
compromissário comprador de assinar o regulamento de uso das vias,
praças e espaços livres, ou, então, assinar, concomitantemente com a
assinatura do contrato, esse regulamento, do qual lhe deverá ser entregue
uma via, para que dele tome conhecimento, uma vez que deverá ficar
submetido a uma série de obrigações na vida comunitária do loteamento
fechado.

Não é outro o escólio ofertado por Flauzilino Araújo dos Santos 22 :


Parece-nos que pela singularidade do loteamento fechado no Registro de
Imóveis deverá exigir a documentação do art. 18 da Lei 6.766/1979 e
também a cópia autêntica do ato de permissão ou do contrato de concessão
de uso das vias públicas e espaços livres para fins de arquivamento nos
autos do loteamento, bem como pedir que do contrato-padrão conste
cláusula expressa nesse sentido. […]
Como dantes frisado, esse documento é importante para que os candidatos à
aquisição dos terrenos no loteamento fechado tomem desde logo
conhecimento das condições impostas para o acesso ao empreendimento e o
uso das vias, praças e espaços livres e também das obrigações comunitárias
que terão de suportar, como comunheiros da utilização desses espaços
outorgada pelo Poder Público, e os demais encargos financeiros relativos a
eventuais serviços.

Agora, na hipótese do loteamento de acesso controlado derivado, ou seja,


surgido de forma simples e, após decisão dos moradores, transformado em
loteamento de acesso controlado, deverão proceder primeiramente à
constituição de associação de moradores e pleitear, perante a municipalidade,
a outorga do instrumento de concessão, ou permissão de uso, para que
possam concluir a transformação desejada.
Acrescente-se, ainda, que, nos termos da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no bojo do Recurso Extraordinário 607.940/DF, fixada em
sede de repercussão geral, a criação de projetos urbanísticos é de competência
dos municípios, de maneira que os requisitos necessários para a
transformação do loteamento simples em loteamento de acesso controlado
derivado serão estabelecidos pela municipalidade, por se tratar de questão de
interesse local.
Consoante o acima explanado, fica demonstrado ser indispensável a
constituição da associação de moradores para que seja concebida em sua
plenitude o loteamento de acesso controlado, seja na sua modalidade
originária ou derivada.
A Constituição Federal traz como garantia fundamental estampada no
artigo 5°, inciso XVIII, a plena liberdade de criação de associações, sendo
para tanto dispensada qualquer autorização, bem como vedada a interferência
do Estado em seu funcionamento.
Podemos definir associação como um conjunto de pessoas que se unem e
se organizem para fins não econômicos, e dessa união não haverá entre os
associados direitos e obrigações recíprocos, conforme previsão constante do
artigo 53 do Código Civil brasileiro.
Apesar das previsões gerais acima citadas, foi inserido na Lei de
Parcelamento do Solo Urbano o artigo 36-A, com o seguinte teor:
Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários
de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou
empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem
como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de
interesses coletivos desse público com o objetivo de administração,
conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à
valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a
sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e
conexão, à atividade de administração de imóveis.
Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo
sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos
constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução
dos seus objetivos.

Assim, podemos inferir que o instrumento de concessão ou de permissão


de uso será outorgado à associação de moradores e que, pela dicção legal,
deverá ser constituída por proprietários dos lotes, titulares de direitos ou
moradores do loteamento de acesso controlado.
Convencionada a criação da associação de moradores, o seu estatuto
social deverá ser levado a registro perante o Registro Civil das Pessoas
Jurídicas, para que possa ser legalmente constituída e adquirir personalidade
jurídica para gerir o objeto da concessão e permissão de uso.
5.3.2.6. Qual o instrumento que irá regulamentar o uso dos
equipamentos internos do loteamento de acesso controlado?
Criada a associação de moradores e firmado o ato de concessão ou
permissão de uso dos equipamentos públicos pelo loteamento acesso
controlado, resta a pergunta: como deverá ser regulamentado o uso do bem
público no âmago do loteamento?
Uma vez transferida a utilização dos bens públicos, caberá à associação
de moradores proceder a sua conservação e manutenção. Além dessas
obrigações, caberá também a essa pessoa jurídica regulamentar como
ocorrerá o funcionamento da portaria, serviço de vigilância e segurança, a
rede de comunicação interna etc.
Mais uma vez nos valemos dos ensinamentos de Marco Aurélio da Silva
Viana, citado por Luiz Antonio Scavone Junior 23 , em que esclarece de
forma exemplificativa os requisitos que poderão compor o regulamento
interno do loteamento de acesso controlado. Pinçamos os seguintes pontos:
[…] obrigatoriedade de contribuição para fazer frente a essas despesas,
discriminando as ordinárias e extraordinárias bem como a forma e destino
de fundos de reserva;
✓ Modo de uso dos bens públicos objeto de concessão;
✓ Especificação da administração, fazendo referência à associação que
exercerá a administração e que firmou o contrato administrativo de
concessão;
✓ Modo de escolha da direção do órgão administrativo, que é a associação
que recebeu a concessão dos bens públicos, repetindo os seus termos;
✓ Modo de destituição do administrador;
✓ Determinação das assembleias ordinárias e extraordinárias dos
proprietários, forma e data de convocação bem como o quorum para as
diversas deliberações que também devem estar discriminadas;
✓ Discriminação dos direitos e obrigações dos moradores e do órgão
administrativo;
✓ Criação de sanções civis para a transgressão do regulamento, bem como
pela mora no pagamento das contribuições;
✓ Transcrição da concessão de uso em seus exatos termos;
✓ Estabelecimento de força obrigatória do regulamento, bem como a
nulidade de qualquer negócio que não conste a submissão do adquirente aos
seus termos.

5.3.2.7. Como se dará a publicidade e vinculação do regulamento


interno do loteamento de acesso controlado
Percebe-se que o regulamento interno se aproxima muito da convenção
de condomínio, uma vez que busca regular a convivência entre os moradores
do referido loteamento.
O artigo 167, I, 17, terceira figura, da Lei de Registro Público prevê o
registro da convenção de condomínio no Registro de Imóveis competente a
ser realizado no Livro n. 3, Registro Auxiliar, conforme previsão do artigo
178, III, da Lei 6.015/1973.
Com o acesso no registro imobiliário, a convenção de condomínio ganha
publicidade para dar eficácia contra todos de seu conteúdo, seja para os atuais
e futuros proprietários das unidades autônomas, nos termos do artigo 1.333
do Código Civil.
Por outro lado, o regulamento interno dos loteamentos com acesso
controlado não tem previsão de acesso à tábula do registro de imóveis, salvo
a possibilidade de o parcelamento do solo ser originariamente de acesso
controlado, hipótese em que o regulamento terá ingresso no processo
administrativo de parcelamento, em especial no contrato padrão. Entretanto,
mesmo nessa hipótese não há previsão para que conste das matrículas dos
lotes.
A Lei 13.465/2017 não regulamentou como deverá ser dada a publicidade
do regulamento interno.
Considerando que a jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo
considera o rol do artigo 167, I, taxativo e que não há previsão de registro do
regimento interno da associação de moradores para que atinja publicidade
contra terceiros, infere-se que está vedado o seu ingresso no fólio real.
Inviabilizado o registro, resta saber se é possível a averbação da
existência do regimento interno que irá regular as relações jurídicas dos
proprietários dos lotes e as despesas decorrentes do fechamento do
parcelamento do solo. Vejamos:
Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva 24 lecionam que:
O art. 167 da Lei n. 6.015/73, pode ser considerado exaustivo por alguns.
Todavia, o apego a essa conclusão não enriquece o sistema, também
porque, o art. 246, da mesma lei, permite ilações no sentido de se dar
elasticidade ao comando legal. […]
Assim, a nosso ver, nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que diga respeito
à situação jurídica do imóvel ou às mutações subjetivas pode ficar
indiferente à inscrição na matrícula… enfim, todos os atos e fatos que
possam implicar a alteração jurídica da coisa, mesmo em caráter
secundário, mas que possa ser oponível, sem a necessidade de se buscar
alhures informações outras, o que conspiraria contra a dinâmica da vida.

Luiz Guilherme Loureiro 25 ensina que:


No tocante à averbação, admite-se que atos não expressamente previstos na
lei sejam averbados, por expressa permissão do art. 246 da Lei de Registro
Públicos. A averbação de ocorrências não previstas em lei tem por
justificativa a necessidade de tornar conhecida uma alteração da situação
fática ou jurídica, seja em relação à coisa, seja em relação ao titular do
direito real.

Cabe, ainda, mencionar a lição ofertada por Rodrigo Lelis Lopes, que em
seu trabalho Publicidade registral de atividades potencialmente
contaminadoras de solo, apresentado quando da conclusão do curso de
especialização em Direito Notarial e Registral, pela Faculdade Arthur
Thomas (2011), correlaciona o princípio da concentração e o da informação:
Como se vê o princípio da concentração no Direito Registral se inter-
relaciona com o princípio da informação ambiental do Direito Ambiental. A
razão dessa assertiva é que pelo princípio da concentração pretende-se que
todas as situações relevantes envolvendo um imóvel estejam concentradas
em um único documento, passível de publicidade plena, pois eventuais
adquirentes inevitavelmente terão acesso a tais registros públicos.

Recentemente entrou em vigor a Lei 13.097/2015, que explicitou o


princípio da concentração no Registro de Imóvel, estabelecendo o seu artigo
54:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou
modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos
jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou
averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do
ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença,
procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;
III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de
direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando
previstos em lei; e
IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de
ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu
proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei 5.869,
de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes
da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao
terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o
imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei 11.101, de 9 de
fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que
independam de registro de título de imóvel.

Para a nossa análise, interessa a previsão do inciso III, que estabelece a


permissão da averbação na matrícula das restrições convencionais.
Restrições convencionais, nos dizeres de Rafael Marinangelo 26 :
Não raras vezes, o loteador estabelece a destinação de seu loteamento e o
modo e forma de utilização por intermediário das restrições convencionais,
aplicáveis a todos os adquirentes de lotes e respeitadas pelo próprio
loteador, com a finalidade de impor restrições urbanísticas de interesse
coletivo em benefício geral do bairro. […]
Ditas restrições constituem verdadeiras normas urbanísticas de uso e
ocupação do solo e fixam-se entre vendedor e comprador por intermédio do
contrato de venda de lotes delineado pelo loteador.

Elvino Silva Filho 27 já admitia a possibilidade da averbação do


regulamento do uso das vias e espaços livres. Ensina o clarividente
registrador:
Assim, sem violentar a expressão “convenções de condomínio”, prevista no
n. III do art. 178 da Lei de Registros Públicos, pois no loteamento fechado
inexiste condomínio, como já afirmamos diversas vezes, determinamos a
juntada do regulamento de uso das vias e espaços livres no processo de
loteamento fechado e efetuamos uma averbação na matrícula onde o
loteamento foi registrado. Essa averbação, a nosso ver, encontra pleno
apoio na expressão “outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o
registro”, constante da parte final do art. 246 da Lei de Registros Públicos.
Se o regulamento ou a convenção de uso das vias e espaços livres dos
loteamentos fechados não chega a constituir ato que altere o registro do
loteamento, ele é, indubitavelmente, ato que complementa seu registro e
que, pela sua necessária e imprescindível publicidade, merece ser acolhido
no Registro de Imóveis.

Diante do atual quadro legislativo, somado ao princípio da concentração,


o regulamento interno que irá determinar a utilização dos equipamentos
públicos cedidos em benefício dos proprietários dos lotes do loteamento de
acesso controlado será publicizado na matrícula, por meio de averbação que
irá apenas noticiar a existência do regulamento interno, o qual irá determinar
as regras de uso dos espaços públicos específicos.
Com a publicidade das restrições convencionais do loteamento com
acesso controlado, estas produzirão efeitos contra todos, ou seja, em face dos
adquirentes atuais e futuros dos lotes, pois quando da aquisição dos lotes
terão pleno conhecimento das restrições que acompanham o parcelamento do
solo urbano.
5.3.2.8. Como se dará o custeio da associação de moradores
O Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese no julgamento de
tema repetitivo: “As taxas de manutenção criadas por associações de
moradores não obrigam os não associados ou os que elas não anuíram”.
Retira-se do voto vencedor do Recurso Especial 1.439.163/SP,
representativo da controvérsia, julgado em 11 de março de 2015, o seguinte
trecho:

Concluindo, a aquisição de imóvel situado em loteamento fechado em data


anterior à constituição da associação não pode, nos termos da jurisprudência
sufragada por este Superior Tribunal de Justiça, impor ao adquirente que
não se associou, nem a ela aderiu, a cobrança de encargos. […]
Se a compra se opera em data posterior à constituição da associação, na
ausência de fonte criadora da obrigação (lei ou contrato), é defeso ao poder
jurisdicional, apenas calcado no princípio do enriquecimento sem causa, em
detrimento aos princípios constitucionais de legalidade e da liberdade
associativa, instituir um dever tácito a terceiros, pois, ainda que se admita a
colisão de princípios norteadores, prevalece, dentre eles, dada a
verticalidade de preponderância, os preceitos constitucionais, cabendo tão
somente ao Supremo Tribunal Federal, no âmbito da repercussão geral,
afastá-lo se assim o desejar ou entender.
Com a publicação da Lei 13.465/2017, pensamos que o posicionamento
jurisdicional deverá ser revisto.
Pelo teor do artigo 36-A da Lei 6.766/1979, acrescentada pela lei
supracitada, devemos considerar que, a partir de sua vigência, foi suprida a
ausência da fonte criadora da obrigação, razão pela qual, em razão da dicção
legal, a presente taxa de manutenção passou a ter caráter de obrigação
propter rem . Nesse sentido o Desembargador Vicente de Abreu Amadei 28 :
É verdade que, em sede de cobrança de taxas de conservação, os
loteamentos fechados podem assemelhar-se ao regime condominial, como
se fossem obrigações propter rem – há, contudo, divergência sobre o tema,
e Repercussão Geral pendente de decisão no STF: RE n. 695.911/SP-RG,
TEMA 492, e a Lei 13.465/2017 (art. 78, na redação que deu ao art. 36-A
da Lei n. 6.766/79), também buscou disciplinar esse ponto – contudo, isso
em nada transmuda o parcelamento do solo urbano de acesso controlado em
condomínio, nem autoriza confusão alguma com a figura do condomínio de
lotes.

Diante do que foi exposto no presente trabalho, podemos concluir que:


a) há previsão específica da figura de loteamento de acesso controlado;
b) o instrumento público de concessão e permissão de uso, deve ser
confeccionado entre o município e o loteador ou com a assembleia de
moradores;
c) a ausência de conhecimento por parte do adquirente do lote das
restrições convencionais existentes sobre o parcelamento do solo urbano é
suprida pela publicidade registral;
d) a taxa de manutenção a ser paga pelos proprietários de lotes à
associação de moradores tem a natureza jurídica de obrigação propter rem na
dicção do artigo 36-A da Lei 6.766/79.
Dessa forma, os argumentos acima narrados afastam a tese do Superior
Tribunal de Justiça, vejamos:
A taxa de manutenção não irá decorrer da simples associação do dono de
imóvel em parcelamento de solo urbano de acesso controlado e sim da
natureza da obrigação propter rem, que vincula a exigência da cobrança não
ao fato de ser associado, e sim ao de ser proprietário de imóvel.
A ausência de fonte criadora da obrigação está superada em face do
acréscimo do artigo 36-A à Lei 6.766/1979.

1. Disponível em: [ http://www.scavone.adv.br/loteamento-loteamento-fechado-


e-loteamento-irregular.html ].
2. Registro de imóveis : comentários ao sistema de registro em face da Lei n.
6.015, de 1973, com as alterações da Lei n. 6.216, de 1975, Lei n. 8.009, de
1990, e Lei n. 8.935, de 18.11.1994. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 65.
3 . Processo 1082986-63.2015.8.26.0100, data de julgamento: 21 de setembro de
2015.
4. O plano diretor está definido no Capítulo III da Lei 10.257/2001.
5. Loteamento fechado e condomínio deitado. Revista de Direito Imobiliário ,
São Paulo: Ed. RT, n. 14, jul./dez. 1984. p. 12.
6 . Condomínios e incorporações no registro de imóveis . Ed. Mirante, p. 180.
7 . A Lei 13.465/2017: visão panorâmica e reflexão pontual no trato do
loteamento fechado e do condomínio de lotes. Arispjus , n. 18, p. 11.
8. Direito civil esquematizado . 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. v.
1. p. 252.
9 . Manual de direito administrativo . 4. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2017. p. 1093.
10 . Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial.
16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
11 . Manual de direito administrativo . 27. ed. rev. ampl. e atual. até 31.12.2013.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 1179.
12 . Curso de direito administrativo . 14. ed. rev., ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2015. p. 393.
13 . Manual de direito administrativo . 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2017. p. 1093 e 1094.
14 . Condomínios e incorporações no registro de imóveis . Ed. Mirante, p. 182.
15 . Curso de direito administrativo . 14. ed. rev., ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2015. p. 393.
16 . Manual de direito administrativo . 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 1179.
17 . Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 767, 768 e 771.
18 . Loteamento fechado e condomínio deitado. Revista de Direito Imobiliário ,
São Paulo: Ed. RT, n. 14, jul./dez. 1984. p. 20.
19 . Condomínios e incorporações no registro de imóveis. Ed. Mirante, p. 183.
20 . Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 770.
21 . Loteamento fechado e condomínio deitado. Revista de Direito Imobiliário ,
São Paulo: Ed. RT, n. 14, jul./dez. 1984. p. 21-22.
22 . Condomínios e incorporações no registro de imóveis . Ed. Mirante, p. 183.
23 . Disponível em: [ www.scavone.adv.br/loteamento-loteamento-fechado-e-
loteamento-irregular.html ].
24 . A autonomia registral e o princípio da concentração. Registro de Imóveis :
Estudos de Direito Registral Imobiliário, XXVII Encontro de Oficiais de
Registro de Imóveis do Brasil, Vitória. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2002. p. 244.
25 . Registros públicos : teoria e prática. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro-
São Paulo: Forense/Método, 2014. p. 288.
26 . Artigo constante da obra Direito imobiliário brasileiro , coordenada por
Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio (São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.
885).
27 . Loteamento fechado e condomínio deitado. Revista de Direito Imobiliário , n.
14, jul./dez. 1984, São Paulo: Ed. RT, p. 22.
28 . A Lei 13.465/2017: visão panorâmica e reflexão pontual no trato do
loteamento fechado e do condomínio de lotes. Arispjus , n. 18.
6
ALGUMAS DIFICULDADES
CONSTITUCIONAIS DA LEI 13.465/2017

Vicente de Abreu Amadei


Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor/palestrante em
cursos de extensão e de especialização em Direito Notarial e Registral,
Imobiliário, Urbanístico e Ambiental Urbano em diversas instituições (v.g., PUC-
SP, Escola Paulista da Magistratura, SECOVI-SP, UNIREGISTRAL). Membro
da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário (ABDRI) e da Academia
Notarial Brasileira (ANB).

SUMÁRIO : 6.1. Introdução . 6.2. Análise geral, especialmente no foco da


regularização fundiária urbana e da autonomia municipal . 6.3. Análise
pontual . 6.3.1. Os limites decorrentes do status constitucional do direito de
propriedade urbana e alguns reflexos na Lei 13.465/2017 . 6.3.2. Os limites
decorrentes do status constitucional da liberdade associativa e a
obrigatoriedade de contribuição com o pagamento das despesas comuns em
condomínios de lotes e loteamentos de acesso controlado . 6.4. Conclusão .
6.5 Referências bibliográficas .

6.1. Introdução
Na esfera da regularização fundiária rural, as inovações da Lei
13.465/2017 não apresentam sérias dificuldades constitucionais.
A uma, porque a opção do legislador não foi pelo desenvolvimento
sistemático dessa matéria, reorganizando as normas num único diploma legal,
mas ele apenas alterou ou inseriu normas em outras leis federais, já em vigor,
que cuidam da regularização fundiária rural e não apresentam trauma de
infraestrutura jurídica acerca da constitucionalidade de cada uma, tal como se
colhe (i) na Lei 8.629/93, que disciplina a reforma agrária, fortemente
alterada pela Lei 13.465/2017, e (ii) na Lei 11.952/2009, que estabelece o
Programa Terra Legal e, então, dispõe sobre a regularização em terras da
União, no âmbito da Amazônia Legal, considerando, especialmente, as regras
que tratam da regularização fundiária rural, também com significativas
mudanças na Lei 13.465/2017.
A duas, porque, nesse âmbito, a própria Constituição Federal,
expressamente, prevê a competência legislativa privativa da União para
dispor sobre direito agrário (art. 22, I, da CF), sobre os próprios da União (e
boa parte das regras de regularização fundiária rural tocam bens próprios da
União), sobre política agrícola e fundiária, bem como sobre reforma agrária
(art. 184 da CF).
Contudo, no âmbito da regularização fundiária urbana (Reurb), as
inovações da Lei 13.465/2017 apresentam potenciais de conflitos com as
normas constitucionais em maior densidade, (i) quer em razão da opção do
legislador em disciplinar essa matéria em modo amplo, orgânico e
sistematizado num diploma legal de centralização ou de catálise da matéria,
com boa dose de regras principiológicas, indicativas de diretrizes gerais, de
instrumentos ou institutos jurídicos diversos de regularização e de
uniformização procedimental; (ii) quer em virtude do quadro concorrente de
legislação sobre direito urbanístico (art. 24, I, da CF), observada a feição
normativa nacional e de mera diretriz da União nesse ponto (art. 21, XX, c.c.
o art. 182, caput , ambos da CF), a exigir respeito à autonomia municipal (art.
30, I e VIII, da CF); (iii) quer em decorrência do confronto com as normas
constitucionais que desafiam, pontualmente, a exegese de um ou outro
instrumento, instituto ou norma jurídica da nova lei, tal como no foco dos
limites constitucionais da propriedade urbana em geral (art. 182, § 2°, da CF),
em regime privado (art. 5°, caput , XXII, XXIII e XXIV, e art. 170, II e III,
ambos da CF) ou público (v.g., art. 183, § 3°, da CF), ou, então, da garantia
constitucional da liberdade associativa (art. 5°, caput , XVII e XX, da CF).
Aliás, a circunstância de que já tramita no E. STF a ADI 5.771, ajuizada
pela Procuradoria-Geral da Pública, a ADI 5.787, ajuizada pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), e a ADI 5.883, ajuizada pelo Instituto dos Arquitetos do
Brasil (IAB), todas na relatoria do Ministro Luiz Fux, com ataques materiais,
além dos formais, centrados em maior peso em pontos da disciplina da
Reurb, confirma essa evidência.
Assim, apenas nesse aspecto pertinente à Reurb e considerando tão
somente algumas dificuldades constitucionais da Lei 13.456/2017, sob o
enfoque intrínseco (material), este breve estudo está concentrado, sem
preocupação alguma em discorrer sobre inconstitucionalidade extrínseca (ou
formal) ou acerca dos variados ângulos das questões apresentadas nas ADIs
ajuizadas, e, enfim, sem pretensão alguma de esgotar tão vasta problemática
que a nova lei de regularização fundiária, dilatada em múltiplos regramentos,
encerra.

6.2. Análise geral, especialmente no foco da regularização fundiária


urbana e da autonomia municipal
Antes da atual Constituição da República de 1988, o fenômeno mundial
da urbanização e do crescimento explosivo das grandes cidades já havia
apontado a necessidade do trato da matéria urbanística, para além da esfera
local, em plano normativo de maior abrangência, com profundidade e
diretrizes estratégicas de larga amplitude.
Foram, então, solidificando as ideias de que, neste campo, hão de
conviver os interesses locais, regionais e nacionais, em pluralidade normativa
que, de um lado, considere as expectativas da coisa justa aplicada à realidade
desse novo tempo de urbanização (excessiva), e, de outro, não afogue as
legítimas autonomias de cada província ou sítio, em atenção às
particularidades regionais e peculiaridades locais.
Assim, no Brasil, especialmente a partir de 1970, quando a população
urbana já se sobrepunha à rural, sentiram-se, com mais intensidade, os
reflexos do crescimento desordenado das cidades e, com isso, a necessidade
de regramento das coisas da cidade, cada vez mais estratégica e realista, via
planejamento (preservando o bem urbano almejado de modo racional, sem
apego racionalista ou utópico) e regularização (sanando o mal urbano
existente de modo efetivo, sem apego paliativo ou populista), não só no plano
municipal, mas também na esfera estadual e federal. A Lei 6.766/79
inaugurou um significativo exemplo desse norte, no plano federal.
E, na década seguinte – 1980 –, surgiram os primeiros movimentos
orientados a uma lei nacional destinada à disciplina dos cânones maiores da
política urbana, e, com isso, vieram os antecedentes históricos do atual
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001): foi criado o CNDU (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Urbano); no II Plano Nacional de
Desenvolvimento, surgiu o Projeto de Lei 775, de 1983, que tramitou no
Congresso Nacional até 1988, quando foi promulgada a nova Carta
Constitucional (1988), e, em 1995, ele foi retirado pelo Poder Executivo, sem
deliberação.
Nesse tempo, destacaram-se, em suporte ao referido PL 775/83, dois
importantes pareceres jurídicos – um de Miguel Reale 1 , outro de Hely
Lopes Meirelles 2 – sustentando a competência da União para dispor sobre
normas gerais, de caráter nacional, referentes ao desenvolvimento urbano,
com acentuada nota de Hely Lopes Meirelles para se respeitar a autonomia
dos demais entes da federação, especialmente dos municípios.
E foi exatamente isso que prevaleceu na Constituição da República de
1988: a União legislando, no foco do interesse nacional, com normas
principiológicas, apontando diretrizes gerais da política urbana (e, então,
nessa trilha vieram a Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade e, depois, a Lei
13.089/2015 – Estatuto das Metrópoles); os Estados-membros, no foco do
interesse regional, com normas mais particularizadas, mas ainda de ampla
dimensão, em disciplina de viés metamunicipal; os municípios, enfim, com
normas locais e de concretude, considerando suas peculiaridades e a
singularidade de cada cidade e de seus espaços públicos e privados, a partir
de uma lei local maior, básica e estratégica, que é o Plano Diretor.
Essa, pois, é a história e a inteligência que se colhe, na Constituição da
República de 1988, ao traçar o norte da legislação concorrente sobre direito
urbanístico (art. 24, I, da CF), com acento no caráter normativo apenas
diretivo da União (art. 21, XX, c.c. o art. 182, caput , ambos da CF), a exigir,
pois, respeito à autonomia municipal (art. 30, I e VIII, da CF) 3 .
A primeira pergunta que se põe, então, é saber se a Lei 13.465/2017, ao
dispor sobre regularização fundiária urbana, considerando o conjunto
normativo desse assunto, importa, ou não, em afronta à autonomia municipal.
Fosse o tempo em que a regularização era considerada apenas pontual e
casualmente, regularizações urbanísticas disciplinadas pela União corriam um
sério risco de inconstitucionalidade, salvo regramento apenas procedimental
ou genérico, sem desconsiderar o crivo técnico, administrativo e político-
urbanístico do município, como foi o da esfera do parcelamento do solo
urbano clandestino ou irregular, com a Lei 6.766/79 (arts. 38 a 41), que não
sofreu pecha alguma de inconstitucionalidade.
Contudo, essa matéria, agora com o molde categórico da regularização
fundiária, alçou a esfera institucional, com disciplina marcada em princípios,
diretrizes e normas gerais, instrumentos e institutos jurídicos próprios ou
importados de outros ramos do direito (especialmente do direito
administrativo e do direito civil), destinados a orientar e potencializar
diversas formas de regularização, viáveis, em tese, para distintas situações
informais de urbanização.
Essa nova feição da denominada regularização fundiária , como matriz,
gênero ou categoria jurídica de todas as formas de regularização das
informalidades imobiliárias (abarcando a multiplicidade dos aspectos de
irregularidades prediais), com trato da matéria carregado de abstração teórica,
de função diretiva (enquanto fim e direção da política de reengenharia e de
saneamento dos males da cidade: art. 2°, XIV, do Estatuto da Cidade), ou,
ainda, enquanto disciplina procedimental (com a previsão de etapas,
instrumentos e atos voltados à regularização), em si, não fere a autonomia
municipal, porque ainda está na esfera dos municípios, principais fios
condutores das coisas das cidades, as definições não só de planejamento
urbano, mas também de regularização, singularmente consideradas.
Em outras palavras, a disciplina legal da regularização fundiária pela
União – enquanto centrada em seus aspectos de fixação de diretrizes, com
normas gerais, considerações categóricas e instrumentais genéricas, sem
desprezo às particularidades regionais e às peculiaridades locais, bem como
sem desconsiderar o ente municipal como principal vetor de direção desse
processo de regularização, singular e concretamente considerada em cada
espaço urbano informal, preservando, pois, sua avaliação técnica, sua
aprovação administrativa e sua condução político-urbanística – não afronta a
autonomia municipal (art. 30, I e VIII, da CF), mas, antes, potencializa os
municípios em suas expectativas, determinações e operações de regularização
dos males urbanísticos que os atingem.
Isso não significa que, pontualmente, não possa haver, na ampla
disciplina da Reurb da Lei 13.465/2017, algumas dificuldades de adequação
ou, quiçá, antinomia com normas constitucionais, a incluir aquelas que
prescrevem a autonomia municipal e a limitação da União em dispor apenas
em forma diretiva genérica e principiológica sobre direito urbanístico;
entretanto, não parece que ofensa dessa ordem haja, a priori , para o conjunto
normativo da Reurb disciplinado na lei em questão, avaliado em sua
integralidade, como um todo.

6.3. Análise pontual


Em exame pontual, selecionam-se, aqui, algumas questões que podem ser
segregadas em duas classes: (i) a primeira, considerando duas inovações da
Lei 13.465/2017, diante do status constitucional do direito de propriedade:
uma, com a novidade da legitimação fundiária, outra, com a flexibilização da
desapropriação; (ii) a segunda, considerando as chamadas taxas condominiais
e coletivas, destinadas ao pagamento das despesas comuns nas figuras dos
condomínios de lotes e de loteamentos de acesso controlado, perante o status
constitucional da liberdade associativa.
6.3.1. Os limites decorrentes do status constitucional do direito de
propriedade urbana e alguns reflexos na Lei 13.465/2017
A tutela constitucional da propriedade (arts. 5°, 170, II e III, 182, 185,
186 e 191, todos da CF) é uma evidência.
De um lado, o direito de propriedade é qualificado como direito
individual fundamental, elevado ao status de cláusula pétrea (art. 60, § 4°, IV,
da CF). De outro, a Constituição da República prevê um acentuado enfoque
social, a partir do mesmo capítulo das garantias individuais (art. 5°, XXIII), e
avança, nessa linha, em outros capítulos, especialmente ao fixar as diretrizes
maiores da ordem urbanística e da ordem agrária (elementos econômico-
sociais da propriedade urbana e da propriedade rural), e, ainda, ao exigir o
respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Indica, então,
diretrizes de concreção da função social da propriedade rural (art. 186) e da
propriedade urbana (art. 182, § 2°): esta aferível pela compatibilidade com o
plano diretor; aquela, pelo aproveitamento socioeconômico-ambiental
equilibrado. Prevê, ainda, instrumentos de exceção para centrar a propriedade
em sua função social (quanto à urbana, o parcelamento ou edificação
compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação-sanção;
quanto à rural, a desapropriação para reforma agrária e outros instrumentos).
Assim, a partir dessa matriz constitucional – e, daí, até mesmo do perfil
que lhe deu o art. 1.228, caput e § 1°, do Código Civil –, é possível afirmar a
propriedade urbana como situação jurídica complexa, da qual brotam direitos
e deveres, bem como concluir que o direito de propriedade urbana comporta,
atualmente, tríplice dimensão: uma, de feição privada (civilista); duas, de
feição pública (urbanística e ambiental).
Logo, parece adequado dizer que o direito de propriedade imobiliária
urbana, (i) em perspectiva civilista, é aquele que recai direta e imediatamente
sobre imóvel urbano, conferindo ao seu titular, respeitados os limites legais,
as faculdades de dispor, usar e fruir, e a pretensão reivindicatória erga omnes
; (ii) em perspectiva urbanista, é aquele que é conformado às diretrizes e
limites legais da política de desenvolvimento urbano, com especial atenção às
normas constitucionais da política urbana, às normas principiológicas do
Estatuto da Cidade e às normas fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor, que concretizam sua função social; (iii) em
perspectiva ambiental, é aquele que é situado num quadro polivalente de
integração de espaços públicos e privados e no contexto da função
“socioambiental” (ou “ecológico-ambiental”) da cidade, em vista da
necessidade de múltiplas acomodações ambientais relevantes (“equilíbrio
ambiental”), e avaliação singular, que garanta o direito à cidade sustentável
(“direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” – art. 225 da CF –,
no âmbito urbano).
Ocorre, entretanto, que aí há apenas três perspectivas de uma mesma
realidade. E todas contam com proteção jurídica constitucional e
infraconstitucional. Logo, não é correto afirmar que uma perspectiva supera a
outra, mas é indispensável afirmar uma visão de coesão, de integração, capaz
de agregar essa tríplice dimensão do direito de propriedade urbana, que saiba
apontar a subordinação do bem particular ao bem comum sem olvidar que
bem comum é bem de todos, a incluir o bem particular de cada cidadão.
Por isso e em outras palavras se tem afirmado, quer no direito pátrio, quer
no direito alienígena, que o enfoque social da propriedade não elimina nem se
sobrepõe ao seu traço essencial de “direito individual” (art. 5° da CF): (i) na
lição de Hely Lopes Meirelles, “a função social da propriedade não elimina o
direito subjetivo do indivíduo, mas procura conciliar o seu interesse com as
necessidades da sociedade” 4 ; (ii) na doutrina de Pedro Escribano Collado,
“o interesse social e o interesse individual, inseparavelmente, constituem o
fundamento da atribuição do direito, do seu reconhecimento e da sua
garantia” 5 ; (iii) na advertência de Luis Filipe Colaço Antunes, “Se é certo
que o plano urbanístico municipal condiciona o direito de propriedade do
solo (determinação do destino e das formas de utilização do espaço), não é
menos verdade que o direito de propriedade, constitucionalmente garantido
(artigo 62°), contém e limita também a liberdade de plasmação do conteúdo
do plano” 6 .
Fora daí, corre-se o risco de cair em dois graves desvios, (i) o
individualismo, que, fincado na visão radical liberal ou neoliberal/civilista,
inflaciona o interesse privado, desconsiderando o público; (ii) o totalitarismo,
que, fincado na visão radical socialista/administrativista, inflaciona o
interesse público, desconsiderando o privado.
A função social da propriedade e também a função social da posse 7 são,
portanto, significativos valores jurídicos, mas não são absolutos 8 , como
também não é a propriedade como direito individual.
Tanto a função social da propriedade (articulação do domínio com o bem
comum, considerando seus fins sociais) como a função social da posse
(articulação da posse com o bem comum, considerando seus fins sociais),
então, têm limites e devem conformação à tutela constitucional da
propriedade como direito individual e fundamental – e vice-versa – quer em
seu regime privado, quer em seu regime público.
Partindo, pois, dessas premissas, cabe verificar algumas projeções desses
limites decorrentes do status constitucional da propriedade urbana em relação
a algumas inovações da Lei 13.465/2017, ora selecionadas.
6.3.1.1. Legitimação fundiária
Legitimação fundiária é novidade da Lei 13.465/2017 que pode trazer
sérias dificuldades ao confronto com as normas constitucionais de tutela da
propriedade.
Pela definição da própria lei, legitimação fundiária é “mecanismo de
reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre
unidade imobiliária objeto da Reurb” (art. 11, VII). Ou seja, “forma
originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do
poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em
área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com
destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado
existente em 22 de dezembro de 2016” (art. 23). Haverá, aí, então, uma nova
forma de aquisição originária de domínio pela posse, diversa da usucapião,
ou apenas um novo tipo de usucapião ao qual se buscou atribuir nova
denominação para se furtar aos ataques de inconstitucionalidade do instituto?
Ora, sabe-se que não é pelo nomen iuris , isto é, pela aparência da
denominação, pela embalagem, revestimento, roupagem ou mera forma
jurídica que os institutos devem ser interpretados e qualificados como gênero
novo, mas sim, sobretudo, por sua substância, por seu conteúdo ou pela
matéria jurídica prescrita em lei.
E, embora tanto na usucapião como na legitimação fundiária a posse seja
o elemento central desses ditos modos originários de aquisição, parece haver,
com efeito, pontos relevantes de distinção dos institutos.
Na usucapião, a propriedade não é conferida (atribuída ou outorgada) por
alguém ao possuidor, mas é por ele adquirida pelo mero decurso de tempo da
posse qualificada e contínua, satisfeitos os requisitos legais de cada uma de
suas várias espécies (e, por isso, eventual sentença ou decisão administrativa
apenas reconhece o direito real de propriedade preexistente, declara-o, jamais
o confere, atribui, outorga ou constitui); na legitimação fundiária, o direito de
propriedade se diz, na lei, conferido por ato do poder público, dando a
entender não haver suficiência da posse para a aquisição dominial, mas
necessidade de alguém (no caso, o ente público) dotado de poder/função
atributiva do direito.
Pela usucapião, ressalte-se, “não se adquire de alguém”, como observa
Pontes de Miranda 9 , mas pela legitimação fundiária parece que nada se
adquire sem o ato atributivo do poder público, e isso já indica algumas
complicações para esse novo instituto. Se o ato do poder público é que
confere ao possuidor o direito de propriedade, como dizer, então, que a
aquisição é originária? Pode o poder público atribuir a terceiro direito que
não lhe pertence? Teria sido conferido ao poder público executivo, para isso,
poder/função jurisdicional, em afronta ao princípio da separação dos
poderes/funções estatais? Se pela expressão “conferido por ato do poder
público” se entender apenas a conferência da titulação formal, e não a causa
material atributiva do direito 10 , no esforço de salvar a forma originária da
aquisição e afirmar a natureza declaratória desse ato do poder público, então,
a legitimação fundiária não seria uma espécie de usucapião disfarçada, por ter
na suficiência da posse própria a causa material atributiva do direito de
propriedade? E, se for mesmo uma usucapião disfarçada, então, sabidamente
vedada a usucapião de bem público, como sustentar a constitucionalidade da
legitimação fundiária de área pública?
Por outro ângulo, usucapião pressupõe certo tempo de posse própria e
contínua, mas a legitimação fundiária não se reporta a duração ou tempo
algum de posse prolongada, bastando, então, ao que parece, para a aquisição
originária do direito de propriedade por essa nova via, posse qualificada em
imóvel pelo seu destino urbano e por ser exercida em parte integrante de
núcleo urbano informal consolidado, existente em 22 de dezembro de 2016.
O tempo de posse do possuidor (dez, cinco, um ano; dois meses, dez dias,
três minutos), então, parece ser indiferente, e, daí, poder-se-ia até inferir que
a expressão prescrição aquisitiva do domínio pode ser adequada para a
usucapião, não, contudo, para a legitimação fundiária. Diferentes, pois, ao
que parece, por esse outro aspecto, os institutos.
Entretanto, tanto num como noutro instituto há um fato valorizado por
sua estabilidade, consolidado, ao qual o legislador procurou converter em
direito real de propriedade: na usucapião, a posse própria e contínua do
adquirente; na legitimação fundiária, o núcleo urbano informal consolidado.
Assim, embora para a legitimação fundiária o tempo de posse do
adquirente pareça ser irrelevante e, ainda, despiciendo investigar se ele está
na posse por transmissão, ou não, de outrem, em situação de accessio ou
successio possesionis , a consolidação do núcleo urbano informal onde está
inserido o imóvel possuído não é desprezada, mas fundamental, e, para essa
consolidação, sem dúvida, há, necessariamente, certo decurso de tempo, trato
ou duração de ocupação estabilizada no curso histórico. Possível, então,
inferir que, a rigor, o legislador, na legitimação fundiária, não ignorou o
pressuposto temporal da posse prolongada capaz de, por sua estabilidade ou
consolidação, ser alçado ao patamar de situação jurídica garantida (não
apenas protegida) pelo direito de propriedade, mas apenas o deslocou para o
núcleo urbano informal, considerando, então, a duração da posse em seu
conjunto, não isoladamente, isto é, pelo critério coletivo ou comunitário da
ocupação (não individualmente, embora segregável o espaço possuído por
cada um). Haveria aí, então, uma espécie intermédia entre usucapião coletiva
e individual, misturando elementos das duas? Coletiva no pressuposto da
consolidação do fato embrionário do direito, a incluir, pois, algum tempo de
posse; individual, no seu fim, ou seja, no destino do direito de propriedade,
atribuído singularmente a cada ocupante? E, se assim for, não se volta ao
mesmo problema que antes já se vislumbrou, ou seja, a qualificação real ou
substancial da legitimação fundiária como usucapião, embora de feição
intermédia ou mista? Sendo, então, a legitimação fundiária, pelos seus
elementos substanciais, uma nova espécie de usucapião, como afirmar que
pode incidir em área pública?
Aproveite-se, ainda, o momento para entender quais são os critérios para
que um núcleo urbano informal seja qualificado como consolidado: “difícil
reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a
localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos,
entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município” (art. 11, III, da
Lei 13.465/2017).
Tais critérios, a rigor, são abertos, com boa dose de fluidez e de
discricionariedade. Nem sequer um tempo mínimo de ocupação é indicado.
Tudo, assim, parece ficar sob o crivo e a avaliação quase arbitrária do
município. O que se espera, portanto, no mínimo, é que essa declaração de
núcleo urbano informal consolidado em Reurb seja expressa em decisão
administrativa bem fundamentada pela autoridade competente, veiculada em
ato formal, a que se deve dar publicidade (art. 28, V, da Lei 13.465/2017), até
porque ela não está isenta de eventual controle na esfera jurisdicional.
No entanto, essa qualificação do núcleo urbano informal consolidado (e
existente até 26.12.2016) é de extrema significação e consequências jurídicas,
na medida em que é o primeiro e indispensável motor do devir formal da
legitimação fundiária que, de um lado, busca gerar aquisição originária de
propriedade aos ocupantes, mas, de outro, impõe a perda de domínio privado
ou público para alguém. Vale, neste ponto, para a legitimação fundiária, o
que Lafayette Rodrigues Pereira escreveu ao tratar dos fundamentos da
usucapião: “A aquisição do domínio por via da prescrição se consuma à custa
de uma perda ao proprietário”, é prática “fora das regras fundamentais do
Direito” e, por isso, só encontra justificação “por imperiosos motivos de
utilidade pública” 11 .
Neste passo, a problemática fica maior, pois, se para a via excepcional da
usucapião (em todas as suas espécies) é preciso constarem em lei formal
todos os requisitos a serem satisfeitos 12 , para se afirmar a ocorrência do
status fático consolidado do qual emerge o novo direito de propriedade,
destruindo o antigo, não parece juridicamente adequado que o mesmo efeito
se colha pela via igualmente extraordinária da legitimação fundiária, com
assertiva do status fático (no caso, de núcleo urbano informal consolidado),
do qual também emerge novo domínio, destruindo o antigo, fora da lei
formal. E é justamente isso que ocorre na legitimação fundiária, na medida
em que a afirmação de núcleo urbano informal consolidado se opera por ato
unilateral e discricionário do município, a partir de referências abertas e
vagas a serem avaliadas pela municipalidade, em quadro de verdadeira
delegação. Enfim, usucapião se faz com todos seus requisitos dentro da lei
formal; legitimação fundiária não se poderia fazer com seus pressupostos fora
dela, mas não é isso que está previsto.
Há, ainda, nesse mesmo caminho de reflexão, outras relevantes
considerações, quer no tema da propriedade de coisa privada, quer no tema
da propriedade de coisa pública.
A propriedade, não se esqueça, também é garantida por nosso direito em
razão de ser bem de função econômica, que integra o patrimônio de alguém.
Nela repousa concentração de riqueza material, reserva de capital, valor de
troca na circulação jurídico-econômica dos bens. Assim, e em ordem
jurídico-econômica fincada no princípio da propriedade privada (art. 170, II,
da CF), a migração das riquezas de um patrimônio ao outro não se faz sem
causa justa e, em regra, de igual viés jurídico-econômico. Enfim, pelo direito
ordinário, não se perde a propriedade à força, a troco de nada, salvo na
exceção da usucapião, em que a prescrição aquisitiva do domínio de um
destrói o domínio do outro. Por isso, desapropriação exige justa e prévia
indenização em dinheiro; por isso, o apossamento administrativo se resolve
em indenização ao proprietário; por isso, as limitações administrativas não
podem ir a ponto de esgotar as funções econômicas da propriedade,
considerada em sua singularidade, e configuram, quando isso ocorrer, quadro
equivalente à expropriação indireta, justificando indenização; por isso, não se
admite utilizar tributo com efeito de confisco; por isso, não há prescrição
extintiva de direito de propriedade; por isso, não é a inércia no exercício das
faculdades do domínio que, em si, aniquila o direito de propriedade, mas, por
exceção fundada em razões de paz social (estabilidade das relações jurídicas
consolidadas), é a prescrição aquisitiva do possuidor ad usucapionem que o
destrói.
Apontar, então, em legislação infraconstitucional, instituto que resulte em
perda forçada de propriedade, alheia ao elemento volitivo do dono (não se
cuida, por exemplo, de alienação, renúncia e abandono), sem contrapartida
econômica, fere a lógica ordinária de nossa ordem jurídico-econômica, que
encontra exceção apenas na antiquíssima instituição da usucapião 13 e, daí,
até mesmo para salvar a constitucionalidade da legitimação fundiária, melhor
mesmo é qualificá-la, em sua substância, como uma espécie de usucapião.
Afinal, a interpretação que salva a constitucionalidade da norma e do instituto
jurídico é preferível à que resulta em sua inconstitucionalidade. Mas, então,
novamente, o dilema: se for, em verdade, usucapião, talvez se salve a
legitimação fundiária de área privada, mas não há esperança para a
legitimação fundiária de área pública (art. 183, § 3°, da CF).
Tente-se, ainda, nova salvação, concentrando o estudo, por outra via, na
especificidade da legitimação fundiária de área pública, afastando-a do
instituto da usucapião, pela assertiva de que, neste novo instituto, há tão
somente um esforço de regularização fundiária de núcleo urbano informal
consolidado, não havendo interesse algum em manter a área no patrimônio
público, nem sequer dispensando, para tanto, o elemento volitivo do ente
público, na medida em que o domínio do particular é conferido por ato do
poder público.
Vem logo, contudo, a pergunta: que poder público é esse que atribui ao
particular área pertencente a ente público? O executivo municipal? Poderá o
município atribuir, nesses casos, a propriedade de área pública de estado-
membro ou da União ao particular? Não soa bem que assim seja 14 .
Entretanto, o § 4° do art. 23 da Lei 13.465/2017 15 parece resolver esse
problema federativo, ao prever a necessidade de reconhecimento do direito de
propriedade aos ocupantes pelo ente público titular da área pública em Reurb
(já autorizada na lei federal). Nisso, entretanto, a situação não se aproxima
mais da transmissão voluntária da coisa pública ao particular, em contexto de
aquisição derivada, e não originária? Afinal, se não houver esse prévio
reconhecimento do titular da área pública, tudo indica que a municipalidade
não poderá outorgar a propriedade ao particular, por legitimação fundiária.
Não se olvide que a municipalidade não é dotada de poder jurisdicional, para
atribuir domínio a particular de área pública que não lhe pertence, ainda que
tudo se passe em Reurb. Por outro lado, se a real centralidade da aquisição do
domínio ao particular está no indispensável ato de reconhecimento do ente
público titular da área ocupada, qual a razão de ser da legitimação fundiária,
do ato complementar do poder público (de ente público diverso), para
conferir o tal domínio privado? Justificada, pois, a legitimação fundiária,
nesse argumento, apenas quando o ente titular do domínio da área pública (o
que reconhece) coincidir com o poder público que confere o direito real de
propriedade aos ocupantes (o que atribui), por exemplo, em Reurb promovida
por município, com legitimação fundiária, em área pública da própria
municipalidade. Mas nesse caso, com maior razão ainda, não se pode
qualificar essa aquisição como originária; é derivada, fruto de transmissão
dominial, uma vez que em todas as etapas dessa Reurb, desde seu estopim até
seu fim, com a legitimação fundiária, o elemento volitivo da municipalidade
atua com primazia.
Tudo isso, ainda, sem discutir acerca da suficiência, ou não, da
autorização para esse tipo de reconhecimento inserta em lei federal (art. 23, §
4°, da Lei 13.465/2017), nas situações de áreas públicas estaduais ou
municipais. Não haverá necessidade, nessas hipóteses, de autorização
legislativa estadual ou municipal, respectivamente, em atenção às autonomias
desses entes da federação (senão por incidência da exigência prescrita no art.
17, I, da Lei 8.666/93, que foi largamente flexibilizada pela Lei 13.465/2017,
por incidência das determinações constantes nas constituições estaduais e nas
cartas maiores municipais, tal como se pode colher na Constituição do Estado
de São Paulo, art. 19, §§ 4° e 5°)?
Parece, mesmo, não haver como salvar a juridicidade da legitimação
fundiária de área pública, como aquisição originária, pois, caso requalificada,
em sua substância, como usucapião, encontra o obstáculo da
imprescritibilidade dos bens públicos (art. 183, § 3°, da CF), e, caso
descaracterizada como aquisição originária e classificada como aquisição
derivada, perde sua razão jurídica de ser.
Volte-se, pois, ao tema da legitimação fundiária de área privada que,
mesmo em desclassificação de fundo para a figura da usucapião, talvez
comporte salvamento, como se disse antes.
Todavia, afirmou-se talvez, porque, embora não haja obstáculo à
usucapião de área privada, como gênero, nem se têm apontado entraves às
diversas espécies ou formas de usucapir surgidas nos últimos tempos 16 , a
revelar até mesmo boa vontade do meio social e jurídico com essas
novidades, o grosso caldo de dificuldades já expostas para conformar a
legitimação fundiária de área privada à ordem constitucional ainda perdura.
Não sendo o poder público (executivo) dotado de função jurisdicional,
como justificar que possa conferir (ou atribuir) coisa alheia a outrem, quer a
título constitutivo, quer a título declaratório?
Como pensar a juridicidade de uma via extraordinária de nossa ordem
jurídica constitucional, que resulta em perda forçada da propriedade privada
sem contrapartida econômica, fora da lei formal, ou seja, com delegação à
municipalidade, que, unilateral e discricionariamente, avalia os vagos e
imprecisos critérios indicados na lei federal (“tempo da ocupação, a natureza
das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de
equipamentos públicos, entre outras circunstâncias” – art. 11, III, da Lei
13.465/2017), destinados a qualificar a urbanização informal como
irreversível e afirmar o status fático consolidado, com o selo de núcleo
urbano informal consolidado, do qual brota, por reflexo, a grave
consequência da perda forçada do domínio privado sem contrapartida
econômica?
Parece, então, que, mesmo classificando a legitimação fundiária como
espécie de usucapião, a nova modalidade de aquisição originária do domínio,
por conversão de fato consolidado em direito real, no molde em que foi
concebida na Lei 13.465/2017, carece, também para sua incidência em área
privada, de suporte jurídico-constitucional que a sustente.
É possível que se volte com argumento emocional de que se está em
contexto de Reurb, em área urbana de ocupação consolidada, na qual o
proprietário, inerte, nem sequer tem manifestado interesse.
Contudo, isso não é motivo racional para autorizar a formação e a
aplicação de instituto jurídico com tamanha carga (e risco) de concentração,
desvio e abuso de poderes/funções, em sede de exceção às regras
fundamentais do direito.
E, além disso, se o caso for de propriedade privada abandonada, então, a
situação muda de figura, a exigir a prévia arrecadação do imóvel abandonado,
e, então, observado o devido processo legal para tanto (arts. 64 e 65 da
mesma Lei 13.465/2017) 17 , encontrando-se o bem já na titularidade do ente
público arrecadante, transmitir, em Reurb, o domínio aos ocupantes, o que,
ao que parece, deve se operar como aquisição derivada, não originária.
Em todo o caso, se possível for a conjugação dos institutos da
arrecadação de imóvel urbano privado abandonado com o da legitimação
fundiária, sem traumas, encontrar-se-á, assim, uma razão jurídica, válida e
útil para a legitimação fundiária de área privada.
E assim é porque, com a situação de abandono, fica afastado o quadro de
perda forçada de domínio, na medida em que a intenção (e, portanto, o
elemento volitivo) e a correlata declaração unilateral do dono, embora não
formalizada, estão presentes nesta via: abandono, leciona Pontes de Miranda,
é “deixação, declaração unilateral de vontade, que se torna perfeita, desde que
se exteriorize a vontade, ainda que ninguém a ela assista” 18 . E ele se opera,
destaque-se, gerando o efeito da perda do domínio, por força do próprio
abandono, ou seja, como ponderou o Min. Massami Uyeda, pela “situação
eminentemente fática que é aferida por meio da abstenção de atos de posse do
titular”, independentemente de formalização e registro 19 .
Enfim, o que já se perdeu pelo abandono não se pode perder novamente
e, daí, a legitimação fundiária subsequente ao abandono não carrega consigo
aqueles entraves antes ventilados.
Logo, parece viável salvar a juridicidade da legitimação fundiária de área
privada, em interpretação de conformação desse novo instituto com os
postulados maiores da Constituição da República, especialmente no foco da
tutela do direito de propriedade e considerando a ordem fundamental de
nosso direito, apenas a amarrando ao prévio abandono do imóvel pelo dono,
formalizado com o procedimento de arrecadação de imóvel abandonado
regrado nos artigos 64 e 65 da Lei 13.465/2017.
6.3.1.2. Desapropriação flexibilizada
Prevê a norma constitucional que “a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,
mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos
previstos nesta Constituição” (art. 5°, XXIV, da CF).
E aí está a pedra angular de tutela da propriedade privada ante o poder
estatal, garantindo aos cidadãos, para além do domínio, o exercício concreto
da liberdade: afinal, que autonomia tem o cidadão se o Estado não tiver que
respeitar sua casa, sua propriedade privada? Retire-se, em desapropriação, a
garantia da prévia e justa indenização em dinheiro, como regra geral, e, então,
precária será a exigibilidade do cidadão em face do Estado, débil será sua
autonomia e sua liberdade, pois, conforme a máxima de Louis Salleron, “pás
de liberté sans propriété” 20 .
Assim, porque a indenização deve ser justa e prévia, o expropriante não
se torna dono da coisa expropriada senão ao fim do processo expropriatório,
quando realizado, em forma definitiva, o tal pagamento 21 . E, como deixou
claro o Min. Octávio Galloti, “subsiste, no regime da Constituição Federal de
1988 (art. 5°, XXIV), a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal sob a
égide das Cartas anteriores, ao assentar que só a perda da propriedade, no
final da ação de desapropriação – e não a imissão provisória na posse do
imóvel – está compreendida na garantia da justa e prévia indenização” 22 .
Necessitando, portando, imediatamente ou com urgência, do imóvel, o
expropriante será imitido provisoriamente na posse, será, então, legítimo
possuidor, mas ainda não é seu proprietário.
Essa circunstância, todavia, gera ao poder público alguns entraves,
especialmente quando a desapropriação se faz com expectativa de remigrar a
titularidade do bem expropriado, no todo ou em parte, para terceiro, tal como
em expropriação para reurbanização ou em expropriação para regularização
fundiária.
Assim, por exemplo, para contornar tais entraves, passou a se admitir,
primeiro no escopo do condomínio edilício, e, depois, do parcelamento do
solo urbano, o registro dessa imissão provisória da posse, para a sequência
dos demais atos destinados àquelas migrações a terceiros da coisa
expropriada.
Neste fim, então, lembre-se o teor do Provimento CGJ-SP 1/74, que, por
ocasião das desapropriações para reurbanização de Santana e Jabaquara, ante
a primeira linha do metrô na cidade de São Paulo, foram autorizados
[…] os registros imobiliários a inscreverem as ações expropriatórias em
nome do expropriante, desde que imitido provisoriamente na posse do
imóvel, e, subsequentemente, os instrumentos de cessão ou promessa de
cessão de direitos relativos a essas ações a terceiros, para todos os fins da
edificação em condomínio 23 .

E, mais tarde, com a Lei 9.785/99, veio a previsão legal e excepcional de


registro desse tipo de imissão provisória na posse (art. 167, I, 36, da Lei
6.015/73) e do consequente registro do parcelamento popular promovido pela
entidade pública expropriante e imitida na posse (art. 18, I, §§ 4° e 5°, da Lei
6.766/79), autorizadas, ainda, as inscrições subsequentes de titulação a
terceiros (cessão de posse, promessa de cessão de posse etc.), todas de igual
provisoriedade e conversíveis em registros definitivos referentes aos direitos
reais e à propriedade desses terceiros, com o registro da sentença
expropriatória (art. 26, § 5°, da Lei 6.766/79).
Veio, depois, a Lei 11.977/09, que ampliou o registro da imissão
provisória na posse, ao alterar o § 4° do art. 15 do Dec.-Lei 3.365/41, para
todas as formas expropriatórias.
Até aí, não há grandes traumas, pois tudo que está no entorno dessa
imissão de posse é provisório e não tem consequência alguma na perda do
domínio do expropriado, que irá se operar apenas no final da ação de
desapropriação.
Agora, com a Lei 13.465/2017, o salto é um pouco maior, pois seu artigo
104 acresceu ao Decreto-Lei 3.365/41 o art. 34-A, com o seguinte teor:
Art. 34-A. Se houver concordância, reduzida a termo, do expropriado, a
decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da
propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade
na matrícula do imóvel.
§ 1° A concordância escrita do expropriado não implica renúncia ao seu
direito de questionar o preço ofertado em juízo.
§ 2° Na hipótese deste artigo, o expropriado poderá levantar 100% (cem por
cento) do depósito de que trata o art. 33 deste Decreto-Lei.
§ 3° Do valor a ser levantado pelo expropriado devem ser deduzidos os
valores dispostos nos §§ 1° e 2° do art. 32 deste Decreto-Lei, bem como, a
critério do juiz, aqueles tidos como necessários para o custeio das despesas
processuais.

Ao que parece, a nova norma não é inconstitucional, pois ela não atua em
modo imperativo, mas apenas na expressa concordância do expropriado, e, se
assim é, com as vontades manifestadas do expropriante e do expropriado,
tudo se resolve como se fosse uma desapropriação amigável com maior
benefício ao expropriado, ou seja, com possibilidade de ele ainda discutir o
justo preço em juízo, recebendo, de futuro, a eventual diferença que houver.
Contudo, não se pode deixar de reconhecer que o caminho trilhado
significa, com efeito, certo enfraquecimento do direito de propriedade (da
posição do particular expropriado), em contraponto a um fortalecimento do
direito de desapropriação (da posição do ente público expropriante).
Nele se fomenta o tal acordo, não se olvidando que o expropriado, já
desapossado, está, não raramente, em situação de necessidade econômica,
precisando do dinheiro para compra de outro imóvel destinado à sua moradia,
por exemplo. Assim, fica realmente tentado a receber, desde logo, a
integralidade do depósito prévio.
Nele, ainda, com a dedução do valor a ser levantado pelo expropriado,
embora clausulado “a critério do juiz”, pode haver uma inversão do custeio
das despesas processuais (art. 34-A, § 3°), a incluir, então, os honorários
antecipados do perito, não mais ficando a antecipação dessa verba a cargo do
expropriante, como parece ser o devido 24 .
Nesse contexto, pois, cresce em importância a praxe judiciária da
avaliação preliminar e do depósito integral correspondente, prévio à imissão
provisória do expropriante, com bem aponta Luís Paulo Aliende Ribeiro:
O estudo da indenização da desapropriação leva à conclusão, portanto, de
que somente se apresenta conforme a Constituição a interpretação que
confere eficácia aos seus comandos de garantia de direitos fundamentais,
qual seja, a que impõe o depósito do valor integral da indenização, apurado
mediante avaliação expedita, como pressuposto necessário ao deferimento
judicial da imissão provisória da posse. Isso porque a indenização há de ser
prévia a qualquer sacrifício de direitos, o que abrange a perda do direito de
posse. São muitos os resultados positivos desse depósito prévio, que,
realizado com a cautela de que toda desapropriação significativa seja, a
requerimento do expropriante, precedida de estudo preliminar por
Comissão de Peritos designada para esse fim, garante ao cidadão a certeza
de que a imissão da expropriante na posse do imóvel expropriado se
efetivou depois que o valor da indenização, apurado por profissional com
capacidade técnica e experiência, se encontra depositado em conta judicial
com correção monetária, disponível 25 .

Aliás, não se pode alegar que a urgência afastaria a necessidade de


avaliação prévia do bem (garantia constitucional), nem olvidar que ela deve
ser judicial, por perito nomeado pelo Juízo, não se aceitando o depósito do
valor unilateral oferecido pelo expropriante fundado em critérios de valores
venais ou de avaliações unilaterais que tenha promovido. Afinal, como bem
ponderou o Min. Luiz Fux, “a ação de desapropriação tem como escopo
imediato a fixação da justa indenização em face da incorporação do bem
expropriado ao domínio público. Consequentemente, a prova pericial é da
substância do procedimento” 26 .
Ademais, o STJ, em julgado qualificado (recursos repetitivos), assentou a
tese de que “o depósito judicial do valor simplesmente apurado pelo corpo
técnico do ente público, sendo inferior ao valor arbitrado por perito judicial e
ao valor cadastral do imóvel, não viabiliza a imissão provisória na posse”,
observando que o “valor cadastral do imóvel, vinculado ao imposto territorial
rural ou urbano”, somente pode ser adotado para satisfazer o requisito do
depósito judicial se tiver “sido atualizado no ano fiscal imediatamente
anterior” (art. 15, § 1°, alínea c , do Decreto-Lei 3.365/1941), e, daí, “ausente
a efetiva atualização ou a demonstração de que o valor cadastral do imóvel
foi atualizado no ano fiscal imediatamente anterior à imissão provisória na
posse” e mesmo ante o prescrito no art. 15, § 1°, alínea d , do Decreto-Lei
3.365/1941, “revela-se necessário, no caso em debate, para efeito de
viabilizar a imissão provisória na posse, que a municipalidade deposite o
valor já obtido na perícia judicial provisória, na qual se buscou alcançar o
valor mais atual do imóvel objeto da apropriação” 27 .
Essa difundida praxe judiciária na Justiça de São Paulo, portanto, conta
com o apoio do Superior Tribunal de Justiça – que tem afirmado que “a
imissão provisória em imóvel expropriando, somente é possível mediante
prévio depósito de valor apurado em avaliação judicial provisória” 28 , bem
como que não se pode deixar de considerar que “a antecipação do depósito de
valor fixado em avaliação prévia, como condição para a imissão na posse de
imóvel urbano, não nega vigência nem contraria o art. 15, Decreto-lei n.
3.365/41 (Decreto-lei 1.075/70, art. 3)” 29 – e, agora, então, à luz do art. 34-
A do Decreto-Lei 3.365/41, acrescido pela Lei 13.465/2017, deve ser
reforçada em todo o território nacional e em todo tipo de expropriação, para
se evitarem injustiças e não se afastar de sua interpretação de conformidade
com as regras fundamentais da Constituição Federal. Logo, tal avaliação
judicial e provisória também deve anteceder os efeitos da concordância
inserta nessa norma acrescida, a incluir a imissão provisória na posse e a
reflexiva aquisição do domínio pelo expropriante.
6.3.2. Os limites decorrentes do status constitucional da liberdade
associativa e a obrigatoriedade de contribuição com o pagamento
das despesas comuns em condomínios de lotes e loteamentos de
acesso controlado
Aponte-se, inicialmente, que as duas novas figuras apontadas na Lei
13.465/2017 denominadas condomínio de lotes (art. 1.358-A do CC) e
loteamento de acesso controlado (art. 2°, § 8°, da Lei 6.766/79) são distintas,
com regimes jurídicos diversos, e, embora a constitucionalidade dessas
formas de urbanização já estivesse, em boa medida, reconhecida pelo E. STF,
com o julgado do RE 607.940, em regime de repercussão geral 30 , a previsão
delas, no plano normativo federal, parece, de fato, espancar definitivamente
alguma dúvida que ainda poderia haver em torno desses novos modelos de
urbanização, que ganharam largo espaço no Brasil nas últimas décadas.
Perduram, entretanto, algumas dúvidas em relação à cobrança das
chamadas taxas de manutenção e conservação destinadas à satisfação das
despesas comuns nessas figuras do condomínio de lotes e de loteamentos de
acesso controlado.
Para o condomínio de lotes, aliás, a situação é de fácil solução, na medida
em que, cuidando-se de novo tipo de condomínio especial, deve seguir o
regime condominial edilício, e, assim, basta transpor e aplicar para essa nova
figura as regras próprias de fixação, cobrança e controle das contas que há
para a contribuição condominial, de longa data reconhecida como obrigação
propter rem .
Entretanto, para a figura dos loteamentos de acesso controlado (antes
conhecidos como loteamentos fechados), a situação é um pouco mais
delicada, na medida em que, por não se cuidar de condomínio, as cobranças
das despesas comuns geralmente se operam via associação de
proprietários/moradores, e, como se sabe, pela garantia constitucional da
liberdade associativa, ninguém é obrigado a se associar ou se manter
associado a entidade alguma (art. 5°, caput , XVII e XX, da CF).
Acrescente-se, ainda, que o E. STJ fixou sobre a matéria, em recurso
especial representativo de controvérsia (REsp 1439163/SP, tema 882), para
situações de condomínio de fato/loteamento fechado, a tese de que “As taxas
de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não
associados ou que a elas não anuíram” 31 . Na mesma linha, o E. STF, ao
distinguir o regime das mensalidades por associações de moradores do
regime das contribuições em condomínio edilício, afastando a
obrigatoriedade, na primeira hipótese, aos proprietários de imóveis que não
tenham aderido à associação (RE 432.103/RJ) 32 .
Entretanto, a Lei 13.465/2017, além de prever, no plano federal, a figura
do loteamento fechado, com a denominação de loteamento de acesso
controlado (art. 2°, § 8°, da Lei 6.766/79), também alterou a Lei 6.766/79,
introduzindo o art. 36-A, com a seguinte redação:

Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários


de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou
empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem
como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de
interesses coletivos desse público com o objetivo de administração,
conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à
valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a
sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e
conexão, à atividade de administração de imóveis.
Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo
sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos
constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução
dos seus objetivos.

Assim, não só para os condomínios de lotes, mas também para os


loteamentos de acesso controlado, parece correto afirmar que a obrigação de
contribuir, em rateio, com as despesas de administração, conservação e
manutenção do respectivo núcleo urbano passaram a ser qualificadas como
obrigações propter rem , em modo equivalente ao regime condominial, e, daí,
o tal art. 36-A da Lei 6.766/79 deve impor revisão ao REsp 1.439.163/SP,
tema 882, do STJ, que, a meu ver, perdeu sua força.
Com efeito, reconhecida a plena legalidade dos tais loteamentos fechados
e ante a necessidade de gestão dos interesses coletivos que beneficiam toda a
comunidade do local, em forma de administração de imóveis (sobre os quais
incide interesse comum) exercida pela associação de proprietários/moradores,
o legislador prescreveu e impôs a sujeição dos titulares de cada unidade (lote)
“à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos,
cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus
objetivos”.
O fim maior da norma, portanto, foi tratar como obrigação propter rem
ou ambulatorial, tal como ocorre em condomínio especial, as tais taxas de
administração, manutenção e conservação dos loteamentos de acesso
controlado, evitando, pois, que alguns se beneficiem à custa de outros, em
afronta aos princípios da boa-fé, da solidariedade e da vedação ao
enriquecimento sem causa.
Mas será que essa norma (art. 36-A da Lei 6.766/79) está em sintonia
com a CR/88, ao garantir a liberdade associativa, pela qual ninguém é
obrigado a se associar ou se manter associado (art. 5°, caput , XVII e XX, da
CF)?
Parece haver alguma antinomia, mas, a rigor, ela é apenas aparente, não
comprometendo a validade naquele seu fim maior de disciplinar a situação tal
como obrigação propter rem , em que o elemento pessoal, ou seja, a pessoa
do titular obrigado, pouco importa, mas o que vale é a vinculação da
obrigação à coisa, e, daí, ao seu titular.
Uma coisa é o direito de o proprietário/titular/morador associar-se (todos
têm em igual medida), ou não; outra coisa é o dever de contribuir com as
despesas comuns, que beneficiam toda a coletividade, a justificar a obrigação
propter rem de cada um pagar sua cota.
Assim, todo proprietário/titular/morador pode associar-se, ou não,
conforme sua livre vontade, e também pode livremente retirar-se da
associação, quando quiser: respeita-se, assim, o preceito constitucional (art.
5°, caput , XVII e XX, da CF). Todavia, todos devem arcar,
proporcionalmente, com as despesas aplicadas ao interesse comum (art. 36-
A, caput e parágrafo único, da Lei 6.766/79).
A diferença, então, está no fato de que os associados podem participar e
influir na gestão, na administração de interesse coletivo, a incluir a definição
e arrecadação da taxa, a destinação e aplicação dos recursos, bem como a
fiscalização e prestação de contas etc.; os não associados ou os que se retiram
da associação, contudo, ficam, por vontade própria, privados dessa
participação e influência na gestão administrativa, nada obstante, pela
natureza da associação, a todo momento lhes deva ser garantido o direito a
associar-se ou a ela retornar, na medida em que ela gere interesses coletivos
que também lhes afetam.
Todavia, não apenas os associados devem contribuir com as despesas
comuns que beneficiam toda a coletividade do núcleo urbano, mas, sim,
todos os titulares de unidades (lotes) que integram o loteamento de acesso
controlado.
Essa interpretação, pois, parecer ser a de melhor adequação à realidade
das coisas justas desses núcleos urbanos, bem como a de melhor
conformação com as normas constitucionais e infraconstitucionais em vigor,
estimulando a vida associativa, sem a obrigar, preservando a solidariedade e a
boa-fé no trato das coisas de interesse comum, evitando, enfim, o
enriquecendo sem causa de uns em detrimento de outros.
Ademais, quando o empreendimento é concebido desde o início como
loteamento fechado ou de acesso controlado, nem sequer há como negar que
o adquirente de lote e seus sucessores não sabem, de antemão, que ingressam
numa situação jurídica que vai além da individualidade de seus interesses
(direitos e obrigações) e os insere numa comunidade de interesses (direitos e
deveres), a conferir-lhes bônus e ônus. Logo, com maior razão, nesses casos,
os princípios da lealdade e da boa-fé impõem o trato das contribuições
proporcionais com as despesas comuns dos loteamentos de acesso controlado
como obrigações propter rem .
Por fim, não se olvide que já há julgado do Tribunal de Justiça de São
Paulo apontando, com a nova lei, a revisão do antigo rumo da jurisprudência,
tendente a equiparar as despesas comuns dos loteamentos de acesso
controlado (especialmente as dos loteamentos originariamente concebidos
como fechados) às obrigações propter rem , em modo equivalente ao regime
condominial 33 .

6.4. Conclusão
No esforço de enfrentar apenas algumas dificuldades constitucionais da
Lei 13.456/2017 em regularização fundiária urbana, sem a pretensão de
esgotar as inúmeras questões que, neste campo, a nova lei apresenta, bem
como sem arrogância alguma de apontar soluções definitivas em problemas
tão intricados e ainda de recente decantação doutrinária e jurisprudencial,
apresentam-se, neste estudo, tão somente reflexões, que, em resumo,
enunciam as seguintes conclusões:
6.4.1. Considerando a disciplina panorâmica da Reurb, na Lei
13.465/2017 (abstração ao exame pontual deste ou daquele instituto, desta ou
daquela norma), não se vislumbra, a priori , para o conjunto normativo
avaliado em sua integralidade, como um todo, inconstitucionalidade na
indicação de diretrizes genéricas e principiológicas, nem nas previsões e
disciplinas de instrumentos e institutos jurídicos diversos (alguns próprios de
regularização, outros próprios do direito civil ou do direito administrativo,
mas úteis e aplicáveis à regularização) para o fomento e potencialização da
regularização fundiária, nem, ainda, nas determinações para uniformização
elementar de procedimentos correlatos, na medida em que essas matérias
comportam regramento em lei pela União, no quadro de sua competência
para dispor em caráter diretivo sobre direito urbanístico, em atenção ao
interesse nacional, sem desrespeito aos interesses regionais e locais, e,
portanto, sem afogar as autonomias dos estados-membros e, particularmente,
dos municípios.
6.4.2. O exame pontual, contudo, de alguns institutos novos ou alterações
legais impostos pela Lei 13.465/2017 demanda acurada atenção em sua
exegese de confronto material com as normas e princípios constitucionais,
quer para podar as inconstitucionalidades, quer para apontar interpretações de
adequação e conformidade com a ordem constitucional.
6.4.3. O instituto da legitimação fundiária inserto na Lei 13.465/2017
apresenta inúmeras e graves dificuldades constitucionais, tudo indicando que
não é possível compatibilizá-lo com a CR/88 em área pública, bem como em
área privada, salvo, neste último caso, se houver prévia arrecadação de
imóvel urbano abandonado, na forma prevista nessa mesma lei.
6.4.4. Embora a Lei 13.465/2017, ao acrescer o art. 34-A ao Decreto-Lei
3.365/41, tenha flexibilizado a desapropriação, facilitando a incorporação do
imóvel expropriado ao domínio público antes do pagamento integral, e
fortalecendo a posição do expropriante em relação à do expropriado, não se
vislumbra inconstitucionalidade na inovação acrescida, mas se impõe reforçar
a orientação jurisprudencial de exigência de prévia e provisória avaliação, por
perito judicial, com o respectivo depósito integral, antes da imissão
provisória do expropriado na posse do bem, e, portanto, também antecedente
aos efeitos da concordância inserta nessa norma acrescida.
6.4.5. Quer na figura do condomínio de lotes, quer na figura do
loteamento de acesso controlado, que a Lei 13.465/2017 alçou ao plano
normativo federal, as contribuições destinadas ao pagamento das despesas
comuns e próprias da administração, manutenção e conservação do núcleo
urbano têm natureza de obrigações propter rem , em modo equiparado ao
regime condominial, nos termos do art. 36-A, caput e parágrafo único, da Lei
6.766/79, acrescido pela Lei 13.465/2017, cuja exigência não afronta a
garantia constitucional da liberdade associativa (art. 5°, caput , XVII e XX,
da CF), ainda que o titular da unidade ou lote não se vincule ou se retire da
associação sem fins lucrativos, que exerce a administração, observada a atual
previsão legal, em interpretação amarrada aos princípios da solidariedade, da
boa-fé e da vedação ao enriquecimento sem causa.

6.5 Referências bibliográficas


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SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da
jurisprudência . 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006.
1. “Como se vê, o princípio da autonomia municipal não é empecilho à edição
de regras gerais que interessam à ‘urbanística’ em todo o território nacional”
(Miguel Reale, parecer de 25.10.1982 a consulta que lhe fez o CDHU,
publicado na RSP (Revista do Serviço Público, Enap), v. 40, n. 1 (1983). p.
137-148. Acesso pelo site [
https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/2314/1213 ], em
23.02.2018).
2. “Já dissemos que ‘o conceito de urbanismo evoluiu do estético para o social’
[…]. Tradicionalmente, cabia aos municípios cuidar dos problemas urbanos.
Isto quando as cidades viviam praticamente isoladas territorialmente, com
poucos contatos entre si. Com o desenvolvimento industrial e o consequente
crescimento urbano, a intensificação do comércio e o paralelo aumento das
comunicações interurbanas, a crescente migração das populações rurais para as
cidades… […]. Evidente, pois, que problema de tal magnitude, com inegáveis
repercussões no campo do desenvolvimento econômico do país, não pode estar
circunscrito ao âmbito a competência exclusiva do município. Por isso, já
dissemos e repetimos, ‘os assuntos urbanísticos são da competência simultânea
das três entidades estatais (União, estados-membros e municípios) porque a
todas elas interessa a ordenação físico-social do território nacional. A
dificuldade está em delimitar as atribuições da União, dos estados-membros e
dos municípios, num campo de contornos mal definidos, sobre o qual
convergem os interesses dos três níveis de governo’. (…). Compete, portanto, à
União estabelecer as diretrizes básicas (normas gerais)… (…). O que se
reconhece à União é a possibilidade de estabelecer normas gerais de
urbanismo, vale dizer, imposições de caráter genérico e de aplicação
indiscriminada em todo território nacional. Ultrapassando esses limites, a ação
federal atentará contra a autonomia estadual e municipal, e incorrerá em
inconstitucionalidade” (Hely Lopes Meirelles, parecer de 20.10.1982, a
consulta que lhe fez o CDHU, publicado na RSP (Revista do Serviço Público,
Enap), v. 40, n. 1 (1983). p. 149-158. Acesso pelo site
[https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/2315/12134], em
23.02.2018).
3. Nesse sentido, também, é a firme orientação do STF: v.g., ADI 478, rel. Min.
Carlos Velloso, j. 09.12.1996
4. Parecer ao CNDU sobre o PL 775. Op. cit.
5. La propiedad privada urbana. Madrid: Montecorvo, 1979. p. 118.
6. Direito urbanístico: um novo paradigma: a planificação modesto-situacional.
Coimbra: Almedina, 2002. p. 160.
7. Que, implicitamente, também é reconhecida em nosso ordenamento jurídico,
especialmente pela valorização da posse-trabalho e da posse-moradia: v.g.,
pelas novas figuras de usucapião e redução de prazo prescricional aquisitivo,
quer na Constituição Federal, quer no Estatuto da Cidade, quer no Código
Civil; pela concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM), individual
e coletiva da MP 2.220/2001, que teve seu termo final ampliado, pelo art. 77 da
Lei 13.465/2017, para 22.12.2016; pela regularização fundiária das ocupações
em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, com a Lei 11.952/2009;
pela legitimação de posse e pela usucapião administrativa da Lei 11.977/2009
e, agora, da Lei 13.465/2017, em seus arts. 11, VI; 13, III; 25-27; pelos
critérios de seleção dos beneficiados ao Programa Nacional de Reforma
Agrária insertos no art. 19, II e VI, da Lei 8.629/93; pela legitimação fundiária
da Lei 13.465/2017, em seus arts. 11, VII e 23.
8. A propósito, confira o julgado do STJ, REsp 1.148.631/DF, rel. p/ Ac. Min.
Marco Buzzi, DJe 04.04.2014, ao enfatizar a falta de caráter absoluto da função
social da posse: “É importante deixar assente que a própria função social da
posse, como valor e critério jurídico-normativo, não tem caráter absoluto, sob
pena deste Tribunal, caso coteje de modo preponderante apenas um dos fatores
ou requisitos integrados no instituto jurídico, gerar insegurança jurídica no
trato de tema por demais relevante, em que o legislador ordinário e o próprio
constituinte não pretenderam regrar com cláusulas amplamente abertas”.
9. Tratado de direito privado. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001 t. XI. p. 153, §
1.192.
10 . Pela interpretação gramatical e sistemática da Lei 13.465/2017, aliás, essa
inteligência não parece adequada, bastando observar que, para a legitimação
fundiária, vinculam-se os verbos conferir (art. 23, caput, e 24) ou atribuir (art.
2, § 6°) ao direito real de propriedade ou ao domínio (conferido ou atribuído),
não ao seu título formal; mas, para a legitimação de posse, o que o ato do
poder público confere é o “título” (arts. 11, VI, e 25, caput) de posse
reconhecida. Em todo o caso, faz-se tal menção por ser uma intepretação
possível.
11 . PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Das coisas (adaptação ao Código Civil por
José Bonifácio de Andrada e Silva). Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza,
1922. p. 138-139.
12 . Em usucapião, tempo de posse, natureza qualificada da posse (própria,
pacífica, sem oposição, contínua, com ou sem justo título e boa-fé etc.),
tamanho da área e situação pessoal do adquirente (v.g., não proprietário de
outro imóvel etc.), conforme a espécie de usucapião exigir, por exemplo, são
todos requisitos da lei, ou seja, expressos e precisos em lei formal. Afinal, por
excepcionar a ordem ordinária do direito, aniquilando a propriedade de alguém,
a segurança jurídica dessa mesma ordem impõe a exclusividade da lei formal
para indicar, com precisão, os requisitos a serem satisfeitos para adquirir o
domínio pela prescrição.
13 . Com raiz no período pré-clássico do Direito Romano (v.g., ALVES, José
Carlos Moreira. Direito romano. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. p.
311-312; RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 1. p. 165-177), a usucapião atravessa os diversos séculos da
história do direito ocidental, está “consagrada nas legislações modernas”
(GOMES, Orlando. Direitos reais. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p.
151), deságua e vive sem graves traumas no brasileiro, com o escopo de, por
conveniência social, “dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como
consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio” (GOMES, Orlando.
Op. cit. p. 153).
14 . Sobretudo se houver interpretação analógica com o que ocorre em
desapropriação (art. 2°, § 2°, do Dec.-lei 3.365/41), não faltando, ainda, nada
obstante a divergência no ponto, bons argumentos sustentando que, pelo
princípio hierárquico, é viável a desapropriação de bem público apenas na
ordem descendente (pela União, em relação aos bens dos estados-membros e
dos municípios; pelos estados-membros, em relação aos bens municipais).
Como então sustentar, sem traumas, que o município, em Reurb, pode atribuir
ao particular bem público da União ou do estado-membro?
15 . Eis a norma: “Na Reurb-S de imóveis públicos, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, e as suas entidades vinculadas, quando titulares do
domínio, ficam autorizados a reconhecer o direito de propriedade aos
ocupantes do núcleo urbano informal regularizado por meio da legitimação
fundiária”.
16 . Após o advento da Constituição Federal de 1988: v.g., usucapião
constitucional ou especial de imóvel urbano, prevista na própria CF/88;
usucapião individual e coletiva do Estatuto da Cidade; novas figuras de
usucapião insertas no Código Civil; usucapião administrativo-tabular, em
regularização fundiária, via legitimação de posse e registro predial; usucapião
extrajudicial inserida pelo novo Código de Processo Civil, via ata notarial e
registro imobiliário.
17 . Indica-se, aqui, a arrecadação de imóvel abandonado prevista na nova lei de
regularização fundiária, apenas a título argumentativo, no estudo da
legitimação fundiária, ou seja, sem preocupação alguma e com total abstração
ao exame de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
18 . Ob. cit., t. 12, p. 496.
19 . REsp 1.176.013/SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 22.06.2010, DJe 01.07.2010,
ainda com o seguinte complemento: “formalizasse tal desiderato perante o
registro […] diferença alguma pairaria sobre a renúncia e o abandono de bem
imóvel”.
20 . SALLERON, Louis. Diffuser la propriété. Paris: Nouvelles Ed. Latines, 1964.
p. 53: “não há liberdade sem propriedade”.
21 . “A maior parte dos doutrinadores se inclina pelo entendimento de que a
expropriação só se concretiza no momento em que é paga a indenização fixada
judicialmente ou decorrente de acordo firmado pelas partes” (SALLES, José
Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 5.
ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 501).
22 . STF, RE 196.586, Primeira Turma, DJ 26.04.1996. No mesmo sentido: RE
176.108, Plenário, rel. Min. Moreira Alves, DJ 26.02.1999; AI 857.979 AgR,
Segunda Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 21.03.2013, entre outros.
23 . MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo:
Malheiros, p. 490, nota de rodapé 14.
24 . Cf. TJSP, AI 2214503-86.2015.8.26.0000, 1 a Câmara de Direito Público, j.
24.11.2015, em que fui relator, com apoio em precedentes do STJ (REsp
788.817, rel. Min. Luiz Fux, j. 19.06.2007) e do TJSP (AI 0088021-
35.2012.8.26.0000, 2 a Câmara de Direito Público, rel. Des. Vera Angrisani, j.
07.08.2012; AI 0066724-06.2011.8.26.0000, 7 a Câmara de Direito Público, rel.
Des. Moacir Peres, j. 13.06.2011; AI 990.10.010295-8, 5 a Câmara de Direito
Público, rel. Des. Reinaldo Miluzzi, j. 25.10.2010; AI 635.284-5/0-00, 7 a
Câmara de Direito Público, rel. Des. Nogueira Diefenthaler, j. 19.05.2008).
25 . Para uma desapropriação de garantia do cidadão e da administração. In:
Intervenções do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 178-179.
26 . STJ, REsp 992.115/MT, Primeira Turma, j. 01.10.2009.
27 . REsp 1.185.583/SP, rel. p/ Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, Primeira Seção,
j. 27.06.2012, DJe 23.08.2012.
28 . REsp 83.590/SC, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, j.
07.03.1996. Confira, ainda, do mesmo STJ: AgInt no AREsp 911.932/SP, rel.
Min. Francisco Falcão, j. 07.12.2017; AgInt no AREsp 1.133.623/SP, rel. Min.
Assusete Magalhães, j. 07.11.2017, entre outros.
29 . REsp 58.992/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, j. 13.06.1996.
30 . STF, RE 607.940, rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. 29.10.2015, DJ
26.02.2016, constando no corpo da ementa que “É legítima, sob o aspecto
formal e material, a Lei Complementar Distrital 710/2005, que dispôs sobre
uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em
loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos
requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados. A edição de leis
dessa espécie, que visa, entre outras finalidades, inibir a consolidação de
situações irregulares de ocupação do solo, está inserida na competência
normativa conferida pela Constituição Federal aos Municípios e ao Distrito
Federal, e nada impede que a matéria seja disciplinada em ato normativo
separado do que disciplina o Plano Diretor”. Fixada, então, a tese com
repercussão geral no sentido de que “Os municípios com mais de vinte mil
habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos
específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam
compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”.
31 . REsp 1.439.163/SP, rel. p/ Acórdão Min. Marco Buzz, j. 11.03.2015, DJe
22.05.2015, tema 882.
32 . RE 432.103/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20.09.2011.
33 . TJSP, Ap. 2172238-98.2017.8.26.0000, 1 a Câmara de Direito Público, rel.
Des. Marcos Pimentel Tamassia, j. 27.02.2018.
7
A NOVA ESPÉCIE DE CONDOMÍNIO CRIADA
PELA LEI 13.465/17: CONDOMÍNIO URBANO
SIMPLES

Alberto Gentil de Almeida Pedroso


Juiz de Direito Titular da 8a Vara Cível de Santo André. Juiz Corregedor
Permanente do Registro de Imóveis da Comarca de Santo André. Juiz Assessor da
Corregedoria Geral da Justiça nas gestões 2012/2013, 2014/2015 e 2016/2017.
Especialista em Direito Civil e Mestre em Processo Civil. Professor universitário.
Professor da Escola Paulista da Magistratura nos Cursos de Pós-Graduação em
Direito Civil, Processo Civil e Direito Notarial e Registral. Professor de Processo
Civil e Registros Públicos do Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Coordenador dos Cursos Jurídicos da ARISP. Coordenador Jurídico da revista
ARISP JUS e da revista Registrando o Direito, da ARPEN. Coordenador Jurídico
do projeto Entrenotas, do Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo. Autor de
diversas obras jurídicas voltadas ao estudo dos registros públicos.

Daniela Freitas
Advogada. Pós-graduanda em Direito Notarial e Registral e também em Processo
Civil.

SUMÁRIO : 7.1. Introdução . 7.2. Condomínio urbano simples . 7.3.


Conclusão .

7.1. Introdução
Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “dá-se o condomínio quando a
mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual
direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes” 1 .
Do conceito trazido à colação,
[…] destacam-se duas características primordiais do condomínio: 1) a
cotitularidade dominial sobre uma mesma coisa; 2) o regime jurídico de
cotas ou partes ideais sobre a coisa, cabendo a cada condômino uma fração
ou percentagem sobre o todo, sem que o direito incida sobre uma parte
fisicamente determinada. Os direitos dos condomínios, assim, são
quantitativamente iguais, porque incidem em partes ideais sobre a
totalidade da coisa, embora possam ser quantitativamente distintos,
proporcionais à força de seus quinhões 2 .

O condomínio surge da constatação pelo Legislador da existência do


compartilhamento da propriedade. Trata-se de fenômeno fático que exigiu do
Estado regramento básico para a vida cotidiana sobre a cotitularidade
dominial das coisas.
Ante a necessidade experimentada pela coletividade, coube ao Código
Civil – atualmente disciplinado pela Lei 10.406/02 – estabelecer,
originariamente, duas modalidades de condomínio: tradicional (art. 1.314) e
edilício (art. 1.331).
A estruturação clássica do compartilhamento de coisas (condomínio) foi
com o tempo apresentando nova feição, ou melhor, apresentando hipóteses
específicas de roupagens peculiares do instituto, ainda que por motivos
variados – por exemplo: 1) a preocupação da sociedade com a violência das
grandes cidades (o que acarretou o desejo de muitos de fecharem as ruas sem
saída com cancelas de acesso ou a construção de muros e grades em torno de
loteamentos, entre outras posturas defensivas contra violência); 2) outro dado
de realidade importante que vale mencionar quanto ao compartilhamento da
propriedade de coisas (multipropriedade imobiliária) é a prática de aquisição
de um bem por várias pessoas, para fruição temporária ao longo do ano (o
time-sharing foi reconhecido como direito real pelo STJ, no julgamento do
REsp 1.546.165-SP, 3a T., Min. João Otavio de Noronha, data do julgamento
em 26.04.2016); 3) o êxodo rural – fenômeno social de deslocamento de
pessoas da zona rural para zona urbana – também contribuiu para o
surgimento de uma “nova espécie” de condomínio peculiar: os cortiços e as
favelas. As cidades-destino de muitos migrantes não estavam preparadas para
tamanho movimento de deslocamento de pessoas. A escassez de empregos, o
aparelhamento insuficiente do Estado para receber tamanho número de
pessoas e os pouquíssimos recursos financeiros dos migrantes acabaram por
fomentar a formação de núcleos compartilhados de moradia, muitas vezes em
áreas abandonadas ou irregulares.
Diante dos novos dados de realidade – exemplificativamente expostos
acima – sobre o uso e propriedade do bem imóvel de maneira compartilhada,
sem perfeita harmonia com as modalidades de condomínio já existentes,
entendeu por bem o Legislador editar a Lei 13.465/2017, que prevê duas
novas espécies: o condomínio de lotes (art. 1.358-A) e o condomínio urbano
simples (arts. 61 a 63 da Lei 13.465/17).
Não desconhecendo a gama de novos direitos e alterações ao
ordenamento jurídico trazidas pela Lei 13.465/17 – em especial quanto à
regularização fundiária urbana, alienação fiduciária, usucapião extrajudicial,
entre tantos outros diplomas legais alterados –, tem-se como finalidade
precípua apresentar e verificar o alcance do condomínio urbano simples.

7.2. Condomínio urbano simples


Inicialmente, por primeiro, é de rigor destacar a falta de técnica do
Legislador ao não promover o adequado agrupamento das modalidades de
condomínio num mesmo diploma legal. A Lei 13.465/17 criou duas
modalidades novas de condomínio – urbano simples e de lotes – mas incluiu
no Código Civil apenas o condomínio de lotes. Assim, o quadro legal hoje
apresenta três modalidades de condomínios no Código Civil (tradicional –
art. 1.314; edilício – art. 1.331; condomínio de lotes – art. 1.358-A) e uma
modalidade na Lei 13.465/17 (condomínio urbano simples – art. 61 e
seguintes).
A Lei 13.465/17, a partir do seu art. 61, institui o condomínio urbano
simples nos seguintes termos:
Quando um mesmo imóvel contiver construções de casas ou cômodos,
poderá ser instituído, inclusive para fins de Reurb, condomínio urbano
simples, respeitados os parâmetros urbanísticos locais, e serão
discriminadas, na matrícula, a parte do terreno ocupada pelas edificações, as
partes de utilização exclusiva e as áreas que constituem passagem para as
vias públicas ou para as unidades entre si.
Parágrafo único. O condomínio urbano simples será regido por esta Lei,
aplicando-se, no que couber, o disposto na legislação civil, tal como os arts.
1.331 a 1.358 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

O condomínio urbano simples surge do reconhecimento pelo Estado da


existência do compartilhamento da propriedade do bem imóvel – ou seja,
inúmeras casas no mesmo terreno; uma única casa com cômodos utilizados
privativamente por determinadas famílias ou ambas as situações no mesmo
contexto espacial.
A instituição do condomínio urbano simples será registrada na matrícula
do respectivo imóvel, na qual deverão ser identificadas as partes comuns no
nível do solo, as partes comuns internas à edificação, se houver, e as
respectivas unidades autônomas, dispensada a apresentação de convenção de
condomínio (art. 62 da Lei 13.465/17) – dado relevante de facilitação da
instituição do condomínio urbano simples e seu respectivo registro é a
dispensa de convenção de condomínio, facultativa mas não impedida do ato
registral.
Vale anotar que, ainda que dispensada a confecção formal de uma
convenção de condomínio, o art. 62, § 4°, da Lei 13.465/17 dispõe que a
gestão das partes comuns será feita de comum acordo entre os condôminos,
podendo ser formalizada por meio de instrumento particular.
Após o registro da instituição do condomínio urbano simples, deverá ser
aberta uma matrícula para cada unidade autônoma, à qual caberá, como parte
inseparável, uma fração ideal do solo e das outras partes comuns, se houver,
representada na forma de percentual. Lembrando-se de que, no caso da
Reurb-S, a averbação das edificações poderá ser efetivada a partir de mera
notícia, a requerimento do interessado, da qual constem a área construída e
o número da unidade imobiliária, dispensada a apresentação de habite-se e
de certidões negativas de tributos e contribuições previdenciárias (art. 63 da
Lei 13.465/17).
Aberta a matrícula das unidades autônomas – tanto para as casas dentro
do mesmo terreno como para os cômodos autônomos de propriedade
exclusiva de seus moradores/proprietários –, será possível que sejam
alienadas e gravadas livremente por seus titulares (art. 62, § 2°). Ademais,
nenhuma unidade autônoma poderá ser privada de acesso ao logradouro
público – art. 62, § 3°, da Lei 13.465/17.
A existência de matrícula autônoma para cada uma das unidades trará
inúmeros benefícios: 1) regularização da área junto ao Município e também
perante o Registro de Imóveis; 2) a cobrança de tributos de maneira devida,
em observância ao que efetivamente pertence ao ocupante/proprietário; 3)
fomento da circulação de riqueza de maneira formal (inibindo, em tese, as
transferências da propriedade de maneira informal); 4) a possibilidade de que
a unidade autônoma seja dada em garantia para empréstimos pessoais ou
mesmo para a própria aquisição por alienação fiduciária do bem.
É inegável que a Lei 13.465/17 foi idealizada para fomentar a
regularização de bens imóveis pelo País. O art. 13 compreende duas
modalidades de Reurb: Reurb de interesse social (Reurb S) – regularização
fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados
predominantemente por população de baixa renda, assim declarados pelo
Poder Executivo municipal; e Reurb de interesse específico (Reurb E) –
regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por
população não qualificada de baixa renda.
A expressão “inclusive para fins de Reurb”, utilizada pelo art. 61, caput ,
da Lei 13.465/17, enfatiza a precípua finalidade de fomento à regularização
fundiária, com destino certo para sua aplicação nas vilas, cortiços e favelas
informalmente constituídas.
Todavia, é de merecido destaque e reflexão que não existe qualquer
exclusão para constituição de condomínio urbano simples para propósito
distinto ao da regularização fundiária.
É plenamente admissível o enquadramento da figura jurídica do
condomínio urbano simples – que após o registro da instituição comportará
a aberta de uma matrícula para cada unidade autônoma, à qual caberá,
como parte inseparável, uma fração ideal do solo e das outras partes
comuns, se houver, representada na forma de percentual – para repúblicas
estudantis, quartos de luxo dentro de clínicas especializadas em cuidados com
idosos, salas de aula localizadas dentro de uma escola, faculdade ou
conjuntos comerciais, consultórios médicos localizados dentro de uma clínica
médica, entre outros infindáveis exemplos.
O fenômeno da cotitularidade dominial das coisas atingiu um novo
patamar no ordenamento jurídico. Os condomínios clássicos (tradicional e
edilício) passam a conviver com outras modalidades de compartilhamento de
bens ainda pouco exploradas.
O espaço territorial é finito, mas as oportunidades de novos encaixes
jurídicos na exploração do bem imóvel não!
A Lei 13.465/17 abriu novos horizontes quanto à exploração imobiliária
do compartilhamento dominial.

7.3. Conclusão
O condomínio urbano simples, previsto no art. 61 e seguintes da Lei
13.465/17, surge do reconhecimento pelo Estado da existência do
compartilhamento da propriedade do bem imóvel – ou seja, inúmeras casas
no mesmo terreno; uma única casa com cômodos utilizados privativamente
por determinadas famílias ou ambas as situações no mesmo contexto
espacial.
Ainda que preferencialmente se tenha criado uma modalidade de
condomínio com o interesse precípuo de regularizar núcleos urbanos
informais ocupados por pessoas de baixa renda (ou qualificadas de maneira
diversa pela Municipalidade), nada impede a exploração da cotitularidade
dominial das coisas de maneira mais abrangente.
Afinal, muitos desejam ter uma casa à beira-mar, ou uma propriedade no
campo, um chalé nas montanhas ou um apartamento numa grande cidade,
tudo ao mesmo tempo.
Todavia, diversos são os entraves para a concretização desses sonhos –
pouca utilização para o tamanho do investimento, os altos preços do mercado
para compra do imóvel, entre outros embaraços.
No entanto, em sendo possível adquirir com exclusividade um cômodo
ou uma fração ideal de uma casa na praia, de uma propriedade no campo ou
de um chalé nas montanhas – sempre lembrando que a aquisição de cômodo
em condomínio urbano simples ocorrerá com a abertura de matrícula da
unidade autônoma, ou seja, com o reconhecimento de direitos e obrigações
individuais, o que gera maior tranquilidade quanto à preocupação de possível
acionamento judicial por dívidas pessoais de outros condomínios –, talvez
muitas pessoas se interessassem.
A Lei 13.465/17 ao criar o condomínio urbano simples, não trouxe
apenas mais uma ferramenta de regularização fundiária urbana, mas abriu um
novo horizonte para o fomento do mercado imobiliário e a concretização de
diversas formas da exploração da cotitularidade dominial.

1. Instituições de direito civil . 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. IV. p.
175.
2. LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil
comentado. 10. ed. Barueri: Manole, 2016. p. 1241.
8
DO REQUERIMENTO DE CANCELAMENTO
DO LOTEAMENTO URBANO POR SUB-
ROGAÇÃO DOS DIREITOS DO LOTEADOR
ORIGINÁRIO

Paulo Cesar Batista dos Santos


Juiz de Direito Assessor da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça
de São Paulo. Especializando em Direito Registral e Notarial pela Escola Paulista
da Magistratura/SP. Mestrando em Direito Comparado pela Universidade de
Samford/EUA. Pós-graduado pela Escola Superior do Ministério Público Federal,
Brasília/DF.

SUMÁRIO : 8.1. Noções sobre loteamentos urbanos . 8.1.1. Diferença entre


loteamento e desmembramento . 8.1.2. Aprovação do loteamento urbano .
8.1.3. Registro do loteamento urbano . 8.2. Sub-rogação nos direitos de
requerer o cancelamento . 8.2.1. Hipóteses de cancelamento . 8.2.2.
Aquisição do loteamento por sucessor do loteador . 8.2.3. Reversão de bens
públicos . 8.3. Referências bibliográficas .

8.1. Noções sobre loteamentos urbanos


Loteamento urbano é, sem sombra de dúvida, um dos temas muitos ricos
no âmbito dos registros públicos. Não apenas no registro de imóveis, mas
também com grande repercussão nas Notas.
Para que um loteamento urbano tenha êxito, isto é, seja aprovado, com
toda a infraestrutura necessária, seja registrado e ofertado ao grande público,
muitos passos são necessários, inicialmente já no projeto do loteamento, que
demandará, antes de mais nada, a aprovação dos órgãos municipais.
Com a aprovação do projeto, o loteamento estará apto ao início das obras.
Dentro da regularização, será feito o devido registro do loteamento na
serventia imobiliária, procedimento esse repleto de entraves e questões legais
e normativas.
O parcelamento de terra, em regra, começa por iniciativa de um loteador.
O loteador é um particular, pessoa física ou jurídica, proprietário de uma
gleba, que exerce seu direito de propriedade, dela dispondo e a loteando, para
futura oferta ao público.
Não é apenas o particular quem loteia, naturalmente.
Os Municípios, uma vez proprietários de uma gleba, também podem
loteá-la, obedecendo aos parâmetros e requisitos legais.
A principal legislação envolvendo parcelamento de solo urbano é a Lei
6.766, de 19 de dezembro de 1979, que modificou o Decreto-lei 58/37,
também conhecida como Lei de Lehmann 1 .
Contudo, a Lei de Parcelamento de Solo Urbano não revogou
integralmente o Decreto-Lei 58/37, que permanece regulando os loteamentos
rurais, em conjunto com a Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), a Lei 5.868/72,
além de Instruções Normativas do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA.
O art. 2°, § 4°, da Lei 6.766/79 qualifica lote como o terreno servido de
infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos
definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.
Já os §§ 5° e 6° ressaltam que infraestrutura básica seria:
§ 5° A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos
equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação
pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia
elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.
§ 6° A infraestrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas
habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá,
no mínimo, de:
I – vias de circulação;
II – escoamento das águas pluviais;
III – rede para o abastecimento de água potável; e
IV – soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica
domiciliar.

8.1.1. Diferença entre loteamento e desmembramento


O art. 2° da Lei 6.766/79 dispõe que o parcelamento do solo urbano
poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as
disposições da lei em apreço e das legislações estaduais e municipais
pertinentes.
O § 1° do referido artigo explica que loteamento é a subdivisão de gleba
em lotes destinados à edificação, com a abertura de novas vias de circulação,
de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das
vias existentes.
Já o § 2° conceitua desmembramento como a subdivisão de gleba em
lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário
existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros
públicos, nem o prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
A diferença entre ambas as espécies reside no fato de que, no loteamento,
existe o aproveitamento do sistema viário existente, afastada, portanto, a
abertura de novas vias ou logradouros, mesmo que constituam
prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Quanto à outra espécie de parcelamento, o chamado “desdobro”, ensina
Flauzilino Araújo dos Santos 2 :
Conquanto não disciplinada pela Lei n. 6.766/79, outra figura se nos
apresenta importante no gênero parcelamento – o desdobro , que resulta da
subdivisão de lote, cabendo ao Município a fixação das normas e critérios
para sua aprovação. O desdobro, em face de seu regime jurídico diverso,
após aprovação urbanística, é levado a tábua predial apenas por ato
averbatório, de acordo com a Lei n. 6.015/73 (art. 167, II, 4, e parágrafo
único do art. 246), não se estendendo a este a exigência da documentação
ordinária em parcelamento de solo urbano.

8.1.2. Aprovação do loteamento urbano


Como dito anteriormente, a aprovação do projeto de loteamento pela
Prefeitura local é ato imprescindível para o início das obras, nos termos do
art. 12 da Lei 6.766/79.
Sendo assim, os loteamentos somente serão considerados aprovados
quando submetidos à chancela dos órgãos municipais competentes.
O § 1° do art. 9° da Lei 6.766/79 dispõe que os desenhos do projeto
deverão conter no mínimo:
I – a subdivisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões e
numeração;
II – o sistema de vias com a respectiva hierarquia;
III – as dimensões lineares e angulares do projeto, com raios, cordas, arcos,
pontos de tangência e ângulos centrais das vias;
IV – os perfis longitudinais e transversais de todas as vias de circulação e
praças;
V – a indicação dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos
ângulos de curvas e vias projetadas;
VI – a indicação em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das
águas pluviais.

O § 2° do mesmo artigo estipula que o memorial descritivo deverá conter,


obrigatoriamente pelo menos:
I – a descrição sucinta do loteamento, com as suas características e a
fixação da zona ou zonas de uso predominante;
II – as condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem
sobre os lotes e suas construções, além daquelas constantes das diretrizes
fixadas.
III – a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do Município
no ato de registro do loteamento;
IV – a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos serviços
públicos ou de utilidade pública, já existentes no loteamento e adjacências.

8.1.3. Registro do loteamento urbano


Após a aprovação, o projeto de loteamento tem que ser submetido à
serventia imobiliária da circunscrição competente, nos termos do art. 18 da
Lei 6.766/79.
O mencionado art. 18 da Lei 6.766/79 dispõe que o loteador deverá
submeter o projeto ao serviço de registro imobiliário da comarca local, dentro
de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado de ampla
documentação, conforme o rol taxativo do mencionado artigo.
A execução das obras seguirá os termos da respectiva aprovação.
Assim como a aprovação está para o início das obras, o registro está para
o início das vendas.
Tendo observado a documentação e estando em ordem, o registrador
deverá comunicar o Órgão Municipal e fará publicar edital do pedido de
registro, em 3 dias consecutivos, podendo ainda ser impugnado o pedido no
prazo de 15 dias, contados da data da última publicação.
Findo o prazo sem impugnação, imediatamente será feito o registro.
Caso haja impugnação de terceiros, o registrador intimará o requerente e
o Órgão Municipal, para que se manifestem no prazo de cinco dias, sob pena
de arquivamento do processo.
Com tais manifestações, o processo será enviado ao juiz competente para
decisão (art. 19, § 1°, da Lei 6.766/79).
Dessa forma, o loteamento somente pode ser considerado regular após
aprovado, executado e submetido ao registro.
Registrado o loteamento, o registrador imobiliário comunicará, por
certidão, o registro ao Órgão Municipal (§ 5° do art. 19 da Lei 6.766/79).
No registro de imóveis far-se-á o registro do loteamento, com indicação
para cada lote, a averbação das alterações, a abertura de ruas e praças e as
áreas destinadas a espaços livres ou a equipamentos urbanos (parágrafo único
do art. 20 da Lei 6.766/79).
Por fim, diz o art. 21 da Lei 6.766/79 que:
Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circunscrição
imobiliária, o registro será requerido primeiramente perante aquela em que
estiver localizada a maior parte da área loteada. Procedido o registro nessa
circunscrição, o interessado requererá, sucessivamente, o registro do
loteamento em cada uma das demais, comprovando perante cada qual o
registro efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em todas.
Denegado registro em qualquer das circunscrições, essa decisão será
comunicada, pelo oficial do registro de imóveis, às demais para efeito de
cancelamento dos registros feitos, salvo se ocorrer a hipótese prevista no §
4° deste artigo.

8.2. Sub-rogação nos direitos de requerer o cancelamento


8.2.1. Hipóteses de cancelamento
Cancelar o registro imobiliário significa extinguir seus efeitos jurídicos
decorrentes da inscrição predial.
Na lição de Vicente Amadei, ao tratar do cancelamento de registro 3 :
“Cancelar não é subtrair do mundo jurídico nem anular; cancelar é retirar os
efeitos. O cancelamento de registro, pois, não é ato que, em si, interfere no
plano da existência nem no plano da validade do registro realizado, mas sim
na esfera de sua eficácia”.
O loteamento cancelado, assim, não é inválido.
Os efeitos produzidos antes do cancelamento também permanecem;
apenas cessarão, após o seu cancelamento, e não mais serão extraídos os
efeitos legais daquela inscrição.
O direito ao cancelamento do loteamento se encontra previsto no art. 23
da Lei 6.766/1979, que estabelece as hipóteses autorizadoras para tal
requerimento:

Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:


I – por decisão judicial;
II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito
Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de
contrato;
III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes,
com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do
Estado.
§ 1° A Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto
resultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já
se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.
§ 2° Nas hipóteses dos incisos II e III, o Oficial do Registro de Imóveis fará
publicar, em resumo, edital do pedido de cancelamento, podendo este ser
impugnado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da última
publicação. Findo esse prazo, com ou sem impugnação, o processo será
remetido ao juiz competente para homologação do pedido de cancelamento,
ouvido o Ministério Público.
§ 3° A homologação de que trata o parágrafo anterior será precedida de
vistoria judicial destinada a comprovar a inexistência de adquirentes
instalados na área loteada.

Verifica-se que o cancelamento pode ser operado de firma compulsória,


ou seja, por decisão judicial 4 , que tem como pressupostos vícios
registrários, ou de forma voluntária, para as hipóteses previstas nos incisos II
e III.
O cancelamento voluntário não é um direito potestativo do loteador ou do
loteador e adquirentes dos lotes, mas sim uma manifestação de vontade que
dependerá do consenso com o Poder Público Municipal, diante de toda a
regência de interesse público que gravita em torno nos loteamentos urbanos.
A título de exemplo, pode não haver, por parte do Município, interesse
urbanístico no cancelamento do loteamento.
O cancelamento consensual, como o próprio nome diz, não decorre de
invalidade ou qualquer vício, mas de declarações conjuntas de vontade de
retornar ao status quo ante , ou seja, à situação jurídica de gleba.
Em nenhuma hipótese, vale observar, o cancelamento pode ser feito por
ato unilateral do Registrador de Imóveis.
8.2.2. Aquisição do loteamento por sucessor do loteador
Pode ocorrer de o loteador originário entabular negócio jurídico com
terceiro, alienando, como um todo, o loteamento já registrado.
Isso pode acontecer, por exemplo, em situações em que as obras nem
sequer tiveram início, quando o terreno ainda não possui qualquer
demarcação e nem mesmo pavimentação.
Surgindo essa situação, por vezes todo o loteamento pode ser adquirido
por outra pessoa, normalmente também uma pessoa jurídica que atue na
administração, incorporação, venda e permuta de imóveis.
Nada obstante a referida alienação da área, a sucessora poderá, da mesma
forma, não levar a efeito nenhuma medida de infraestrutura local, muitas
vezes porque o projeto de loteamento não surtiu o efeito esperado, sem a
comercialização de qualquer lote.
A questão que se põe é quanto à possibilidade de essa sucessora requerer
o cancelamento do loteamento. Noutros termos, estaria a sucessora sub-
rogada em todos os direitos e obrigações do antigo loteador?
Para que seja possível o cancelamento do loteamento com base no inciso
II do art. 23 citado, é imprescindível que não tenha ocorrido a sua
implantação, ou seja, não estejam implantadas ruas, troncos de fornecimento
de água, rede de transmissão de energia elétrica, calçadas, sarjetas etc.
Observa-se que o inciso II do art. 26 exige que nenhum lote tenha sido
objeto de contrato, o que significa dizer que nenhum lote do empreendimento
pode ter sido objeto de oferta pública, dirigida a uma pluralidade
indeterminada de pessoas.
Sendo assim, a legitimidade ativa para o requerimento do cancelamento
do loteamento é, a princípio, do loteador, caso ainda não tenha ocorrido a
venda de qualquer lote, no caso do inciso II, ou do loteador e todos os
adquirentes, tratando-se da hipótese do inciso III.
Ocorrendo a sucessão do loteador, no caso de terceiro que tenha
adquirido a integralidade do loteamento, pode haver questionamentos quanto
à sua legitimidade ativa para o pedido de cancelamento, já que o solicitante
seria pessoa diversa do loteador originário.
Verifica-se que, mesmo quando a lei admite a possibilidade de
cancelamento do loteamento com lotes alienados (inciso III do art. 23),
também exige a legitimidade do loteador, acrescendo a anuência dos
adquirentes, ficando clara a vedação de qualquer outra pessoa pleitear esse
cancelamento.
De fato, por ocasião do registro do loteamento, a área loteada ainda não
havia sido adquirida pela sucessora; essa sucessora, quando adquiriu a área,
já o fez com ela parcelada.
E, nesse cenário, aos adquirentes da área já parcelada não é dado
exercitar a pretensão de cancelamento do registro de loteamento com base no
inciso II do art. 23 da Lei Regente.
Esse adquirente poderia apenas anuir ao cancelamento, na hipótese
prevista no inciso III; mas sempre a pedido do loteador.
Contudo, em algumas situações, o sucessor, ao adquirir a totalidade dos
lotes, teve todos os direitos transferidos, inclusive o direito de requerer o
cancelamento de seu registro.
Neste caso, existiria uma sub-rogação nos direitos e deveres sobre o
loteamento, quando a sucessora adquire diretamente o empreendimento,
conforme dispõe o art. 29 da Lei 6.766/79:
Art. 29. Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos,
ou por sucessão causa mortis , sucederá o transmitente em todos os seus
direitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de
compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas,
sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do
herdeiro ou legatário de renunciar à herança ou ao legado.

O que deve ser observado, assim, é se toda a área foi adquirida pela
sucessora por meio do mesmo instrumento, para que não se configure, na
verdade, a compra dos lotes individualmente.
As partes devem deixar claro que a compra se refere a um imóvel, ou
seja, não aos lotes individualizados.
Isso porque a ausência de clareza quanto à aquisição integral do
loteamento poderá gerar óbice ao cancelamento, justamente no que diz
respeito à legitimidade do loteador e à vedação de oferta dos lotes individuais
ao público.
Por vezes, verificando as matrículas abertas quando da regularização, é
possível avaliar se há indicativos de que ocorreu a aquisição individual dos
lotes decorrentes do parcelamento, ou se foi adquirido o loteamento inteiro.
A simples aquisição concomitante de todos os lotes pela sucessora não
descaracteriza a alienação individual de cada lote, não sendo suficiente para,
por si só, afastar o requisito legal de ausência de comercialização das parcelas
fruto do loteamento.
Alguns instrumentos de negócios jurídicos entabulados entre loteadores
originários e adquirentes sucessores chegam a conter a atribuição de um
mesmo valor simbólico para cada lote, consistente na divisão entre o
montante total pactuado para a aquisição do empreendimento e o número de
lotes.
Com base nisso, transmitem-se todos os direitos e deveres decorrentes do
loteamento, conforme deverá constar expressamente da própria escritura,
constando também que a compradora toma a posse, domínio e direitos,
inclusive de ações, que sobre o referido imóvel vinha exercitando a
vendedora, loteadora original.
Tudo isso para que fique claro que houve a aquisição de todo o
loteamento, e não a simples alienação de lotes, interpretando-se o negócio
jurídico como alienação de um único bem, qual seja, o loteamento, quando
então, de fato, ocorrerá a transferência dos direitos decorrentes desse negócio
jurídico.
8.2.3. Reversão de bens públicos
Quanto à incorporação de bens ao patrimônio do Município, diz o art. 22
da Lei 6.766/79 que:
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o
domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas
destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes
do projeto e do memorial descritivo.

Com o cancelamento do loteamento a pedido de sucessor do loteador,


discute-se a incorporação desses bens públicos ao patrimônio do requerente.
É comum a impugnação oferecida pelo Município nesta hipótese, sob o
argumento de que as áreas destinadas ao domínio público não foram
adquiridas pelo sucessor. Tais áreas já estariam integradas ao patrimônio
municipal quando do registro.
Diz o ente federativo, quando se opõe à reversão, que, embora a
sucessora não fosse a proprietária do terreno na época em que o loteamento
foi regularizado, com o eventual cancelamento, receberia de forma
injustificada a área que passou a integrar o patrimônio público.
Nesse sentido, as áreas públicas assim destinadas por força do art. 22 da
Lei 6.766/79, com o cancelamento do loteamento, não poderiam retornar à
propriedade do sucessor, uma vez que nunca foram de sua propriedade.
Assim, não seria possível aplicar ao adquirente as hipóteses previstas no
art. 23 da Lei de Parcelamento, quanto a essas áreas públicas, ainda que elas
não tenham sido destinadas ao uso público.
Não se pode perder de vista, contudo, que essa reversão é determinada
pela própria lei.
Volta-se aqui à necessidade de diferenciar duas situações: a) se a
sucessora adquiriu todos os lotes de um loteamento; b) se a sucessora
adquiriu todo um loteamento que continha esses lotes.
Somente na segunda hipótese é que se pode dizer que, juntamente com
todos os lotes, a sucessora adquiriu as ruas e todas as áreas que foram
incorporadas ao patrimônio público.
Exatamente por isso se exige, nos termos da lei, a anuência expressa do
Município.
Ademais, o já mencionado art. 23 prevê que as vias e praças, integradas
ao domínio do Município quando do registro do loteamento, não farão mais
parte do patrimônio do ente público quando cancelado esse registro.
O sucessor, com o cancelamento, não estará simplesmente recebendo
áreas da Prefeitura que nunca foram suas; estará recebendo toda a área
correspondente ao preço que pagou.
O sucessor, sub-rogado em direitos e deveres do loteador, poderia,
inclusive, dar continuidade ao empreendimento, demarcando e pavimentando
as áreas que passaram a integrar o domínio do Município, bem como
realizando a oferta pública dos lotes.
Nesse cenário, se competiria à sucessora executar todas as obras de
infraestrutura e implementação do loteamento, também assistiria a ela o
direito de requerer o seu cancelamento, com base nos arts. 23 e 29 da Lei
6.766/79.
Naturalmente, as áreas públicas incorporadas permaneceram inscritas na
matrícula-mãe. E essa matrícula-mãe, da qual os lotes foram desdobrados,
não fora adquirida pelo sucessor, justamente porque se refere às áreas que
passaram a integrar o domínio do Município.
Não poderiam tais áreas, bem por isso, ser objeto do negócio jurídico
realizado entre loteador e adquirente.
Assim, será relevante, novamente, a análise de cada caso concreto, assim
como da natureza do negócio jurídico entabulado entre o loteador e o
adquirente, para que se conclua pela possibilidade ou não de o sucessor
requerer o cancelamento do loteamento, sub-rogando-se nos direitos do seu
antecessor.

8.3. Referências bibliográficas


AMADEI, Vicente Celeste. Como lotear uma gleba : o parcelamento do solo urbano
em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). Vicente Celeste
Amadei e Vicente de Abreu Amadei. 4. ed. Campinas: Millennium Editora,
2012.
CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis : comentários ao sistema de registro em
face da Lei n. 6015, de 1973, com as alterações da Lei n. 6.216, de 1975. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1977.
DIP, Ricardo. Registro de Imóveis : vários estudos. Porto Alegre: IRIB/Sergio Antonio
Fabris Editor, 2005.
LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa . Rio
de Janeiro: Renovar, 2003.
RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano .
São Paulo: Ed. RT, 2008.
SANTOS, Flauzilino Araújo dos . Os problemas mais comuns encontrados nos
contratos-padrão de parcelamentos urbano : aplicação da Lei n. 6.766/79 e do
Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: [
www.primeirosp.com.br/contratopadrao132.rtf ]. Acesso em: 20.02.2018.

1. Trata-se de referência ao projeto de autoria do Senador Otto Cyrillo Lehmann,


pelo Estado de São Paulo.
2. SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Os problemas mais comuns encontrados nos
contratos-padrão de parcelamentos urbano : aplicação da Lei n. 6.766/79 e do
Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: [
www.primeirosp.com.br/contratopadrao132.rtf ]. Acesso em: 20.02.2018.
3. AMADEI, Vicente Celeste. Como lotear uma gleba : o parcelamento do solo
urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). Vicente
Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei. 4. ed. Campinas: Millennium
Editora, 2014. p. 361.
4. Existe certa divergência quanto à amplitude da expressão “decisão judicial”,
ou seja, se o termo englobaria apenas decisões jurisdicionais produzidas com o
devido processo legal. Há precedentes da Corregedoria Geral da Justiça
indicando a possibilidade de cancelamento pelo Juiz Corregedor Permanente,
no exercício da função administrativa, como visto no Processo CG 286/91. Ver
também Proc. CG 13/88, Proc. CG 41/88, Apelação CSM 26.842-0/2.
9
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E SEUS NOVOS
CONTORNOS TRAZIDOS PELA LEI
13.465/2.017

Yeda Mansor Coleti


Escrevente notarial. Graduada pela Faculdade de Direito Professor Damásio de
Jesus. Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela Escola
Paulista da Magistratura (EPM).

Caio Almado Lima


Advogado. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). Pós-graduado pela Fundação Getulio Vargas (FVG).

SUMÁRIO : 9.1. Evolução histórica . 9.1.1. Alienação fiduciária no Brasil .


9.2. Noções gerais . 9.3. Lei 13.465, de 11 de julho de 2017 . 9.3.1.
Propriedade fiduciária no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) . 9.3.2.
Novo procedimento de cobrança da Lei 9.514/1997 . 9.3.3. O leilão e seu
regramento . 9.3.4. Taxa de ocupação . 9.4. Considerações finais . 9.5.
Referências .

9.1. Evolução histórica


9.1.1. Alienação fiduciária no Brasil
A circulação de capitais se mostra como grande aliado do
desenvolvimento econômico e, por conseguinte, social de um país. Sendo
assim, devido ao papel fundamental que desenvolve na sociedade, o
ordenamento jurídico deve se preocupar e garantir instrumentos capazes de
conferir máxima efetividade à circulação de valores.
Nessa esteira, o sistema de garantias tem se destacado como o meio mais
eficiente para a estimulação da concessão de crédito, uma vez que o detentor
não distribuirá valores sem qualquer contrapartida ou tutela jurídica.
Dessa feita, dentre os direitos reais de garantia – penhor, hipoteca,
anticrese e alienação fiduciária –, esta última tem desenvolvido papel de
destaque para contratos de bens imóveis. Isso porque a anticrese não tem
aplicação corriqueira no direito brasileiro, por externar problemas práticos, e,
por sua vez, a hipoteca não possui a efetividade da alienação fiduciária, pois,
naquela, o devedor mantém o bem para si, o qual ficará gravado como
garantia de uma obrigação, e de outro lado, na alienação fiduciária, como
veremos adiante, o bem será transmitido ao credor – propriedade resolúvel –,
tornando menos burocrático reaver o dinheiro caso o devedor se torne
inadimplente.
De ver-se, portanto, o desdobramento da posse, tendo o credor a posse
indireta, ao passo que o devedor mantém a posse direta, contrapondo-se à
corriqueira posse plena decorrente do proprietário que mantém a posse para
si.
Historicamente, a alienação fiduciária teve sua origem no direito romano
– fidúcia – e sofreu modificações do direito anglo-saxão com o
desenvolvimento do trust , o qual implica, em síntese, na segregação de bens
e a constituição de patrimônio afetados a determinadas finalidades 1 .
No Brasil, a primeira introdução das garantias reais se deu em 1843, por
meio da Lei Orçamentária 317, a qual fora regulamentada pelo Decreto
482/1846, disciplinador da hipoteca, principal garantia real utilizada naquela
época.
Em que pese a hipoteca ter sido o meio de garantia mais utilizado, a
dificuldade de recuperação do crédito desestimulou a circulação de capitais,
fato que motivou a extensão dos princípios da alienação fiduciária de bens
móveis, instituídos pela Lei 4.728/65 e pelo Decreto 911/66, aos bens
imóveis, editando-se, assim, a Lei 9.514/97.
Em decorrência dos instrumentos facilitadores atinentes à alienação
fiduciária em garantia de bens imóveis, essa modalidade se tornou a preferida
pelos credores, fomentando, por derradeiro, a circulação de capitais.

9.2. Noções gerais


Alienação fiduciária em garantia “é a transferência feita ao credor pelo
devedor da propriedade resolúvel e da posse direta de bem infungível como
garantia de pagamento do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente
com o adimplemento da obrigação, vale dizer, com o integral pagamento da
dívida garantida” 2 .
Conforme classificação doutrinária, a propriedade fiduciária é gênero da
propriedade resolúvel, que, por sua vez, conceitua-se como “aquela que pode
ser extinta quer pelo advento de condição (evento futuro e incerto) ou pelo
termo (evento futuro e certo), quer pela superveniência de uma causa capaz
de destruir a relação jurídica” 3 .
Em outras palavras, o devedor transfere a propriedade do seu bem ao
credor, mantendo a posse direta, até que haja a extinção da obrigação. De
acordo com o Código Civil, em seus artigos 1.359 e 1.360, resolvida a
propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo,
entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua
pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode
reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.
De outro norte, se a propriedade se resolver por outra causa
superveniente, o possuidor que a tiver adquirido por título anterior à sua
resolução será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa em cujo
benefício houve a resolução ação contra aquele cuja propriedade se resolveu
para haver a própria coisa ou o seu valor.
A distinção acima identificada é importante para verificação dos efeitos
práticos, uma vez que a propriedade resolvida por causa superveniente terá
efeito ex nunc , ou seja, a partir da resolução, ao passo que a resolução por
motivo primitivo terá efeito ex tunc .
Essa fora a lição trazida pelo Enunciado 509 da V Jornada de Direito
Civil, vejamos: “A resolução da propriedade, quando determinada por causa
originária, prevista no título, opera ex tunc e erga omnes ; se decorrente de
causa superveniente, atua ex nunc e inter partes ”.
Especificamente em relação à alienação fiduciária, o Código Civil se
ocupou de regramentos relacionados tão somente a bem móvel, sendo que a
Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, incumbiu-se da alienação fiduciária
dos bens imóveis.
Conforme disposto na lei acima mencionada, a alienação fiduciária em
garantia poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, e a constituição
da propriedade fiduciária se dá com o registro do respectivo contrato no
Registro de Imóveis competente, oportunidade em que haverá o
desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante (devedor) possuidor direto
e o fiduciário (credor) possuidor indireto da coisa imóvel. Extrai-se do artigo
1.197 do Código Civil que a “posse direta ou imediata é a que adquire o não
proprietário, correspondente à apreensão física da coisa” 4 .
O contrato objeto do presente estudo deve conter, obrigatoriamente: i) o
valor da dívida; ii) o prazo e as condições do pagamento; iii) a taxa de juros e
os encargos incidentes; iv) a cláusula de constituição da propriedade
fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a
indicação do título e modo de aquisição; v) a cláusula assegurando ao
fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do
imóvel objeto da alienação fiduciária; vi) a indicação, para efeito de venda
em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva
revisão; vii) a cláusula dispondo sobre os procedimentos de alienação do
bem, em caso de consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário.
Após o pagamento da dívida, como já mencionado alhures, a propriedade
fiduciária se resolverá. Isso significa dizer que, havendo a quitação do débito,
efetuar-se-á o cancelamento do registro da propriedade fiduciária. Por outro
lado, caso o débito não seja adimplido nos termos avençados, o devedor
deverá ser constituído em mora, constando no documento destinado à
constituição da mora o prazo de 15 dias para o pagamento do débito e
eventuais encargos decorrentes do atraso.
Efetuada a intimação do devedor, este poderá purgar a mora,
permanecendo inalterado o contrato primitivamente firmado, ou,
permanecendo inerte, será consolidada a propriedade em favor do credor, que
terá o prazo de 30 dias para efetuar a alienação pública do bem.
Tecidas tais considerações gerais, passemos à análise específica das
alterações havidas no ano de 2017.

9.3. Lei 13.465, de 11 de julho de 2017


No dia 11 de julho de 2017 foi publicada a Lei 13.465, desde então em
vigor, fruto da conversão da Medida Provisória 759/16, e que trouxe
importantes modificações ao regramento da alienação fiduciária em garantia
de bens imóveis.
A nova lei trouxe maiores mecanismos de segurança ao credor, que
tendem a fomentar a concessão de crédito e, assim, estimular a circulação
imobiliária. Isso porque a garantia revela-se como principal instrumento de
disseminação do crédito, contribuindo significativamente para o
desenvolvimento social e econômico do País, notadamente no que tange à
criação de empregos pela construção civil.
Há mais de 20 anos, quando da publicação da Lei 9.514, de 20 de
novembro de 1997, tivemos um marco no mercado imobiliário. A sistemática
de desmembramento da posse, segundo a qual, como já dito, o devedor
(fiduciante) transfere a propriedade de um bem seu ao credor (fiduciário) e o
mantém na posse direta dele, mostrou-se inovadora e, ainda nos dias de hoje,
revela sua utilidade prática, em vista dos milhares de contratos celebrados
mensalmente em nosso país.
Com o passar dos anos, a evolução das relações negociais conferiu maior
complexidade aos contratos, e isso resulta na necessária adequação legislativa
aos anseios sociais.
Como tantos outros institutos jurídicos, a alienação fiduciária em garantia
passou por adequações, modificações legislativas, como visto no capítulo
anterior do presente estudo, sendo a Lei 13.465 sua mais nova alteração e de
significativo impacto, como veremos a seguir.
9.3.1. Propriedade fiduciária no Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR)
A Lei 13.465, por seu artigo 66, incluiu os seguintes dispositivos na Lei
11.977/2009, os quais analisaremos ponto a ponto:
Art. 7°-A. Os beneficiários de operações do PMCMV, com recursos
advindos da integralização de cotas no FAR, obrigam-se a ocupar os
imóveis adquiridos, em até trinta dias, a contar da assinatura do contrato de
compra e venda com cláusula de alienação fiduciária em garantia, firmado
com o FAR. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)

Inicialmente, cumpre esclarecer que o FAR (Fundo de Arrendamento


Residencial) consiste em instituto regulamentado pela Lei 10.188/01 e
posterior Decreto 7.499/11, que visa ao acesso da população de baixa renda 5
ao exercício do direito à moradia, objetiva a circulação de riqueza e garante a
dignidade da pessoa humana, com base na função social da propriedade, e o
faz por mecanismos de segurança jurídica e financeira que incentivam custos
mais baixos aos adquirentes, com maiores garantias de satisfação ao credor.
O fundo é gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela
Caixa Econômica Federal (artigos 9° e 10 da Lei 11.977/2009), voltado à
construção de unidades habitacionais que se prestam ao Programa “Minha
Casa, Minha Vida” – PMCMV.
Entre outras peculiaridades, a aquisição imobiliária feita pelo arrendador
com recursos advindos da integralização de cotas no FAR, bem como as
cessões de posse e as promessas de cessão e o contrato de transferência do
direito de propriedade ou do domínio útil ao arrendatário, serão celebradas
por instrumento particular com força de escritura pública e registradas em
Cartório de Registro de Imóveis competente (art. 8° da Lei 10.188/01),
devendo a Caixa Econômica Federal – CEF, obrigatoriamente, figurar como
parte. Cumpre destacar que a CEF figurará como parte, não o fundo, pois este
não é dotado de personalidade jurídica.
Ademais, ficará a CEF dispensada da apresentação de certidão negativa
de débitos, expedida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, e da
Certidão Negativa de Tributos e Contribuições administradas pela Secretaria
da Receita Federal, quando alienar imóveis integrantes do patrimônio do
FAR (art. 2°, § 6°, da Lei 10.188/01) 6 .
Sendo assim, sempre que o adquirente do bem utilizar-se dos benefícios
trazidos pelo Fundo, garantindo o arrendamento do imóvel com a opção de
compra, deverá ocupá-lo em até 30 dias.
A regra visa estabelecer um prazo razoável para que o imóvel seja
efetivamente ocupado, uma vez que a moradia é direito social previsto na
Constituição Federal, e a criação de mecanismos incentivadores e
proliferadores do direito, como ramificação da garantia da dignidade da
pessoa humana, deve garantir sua eficácia, mormente a preocupação advinda
da função social da propriedade.
Art. 7°-A. […].
Parágrafo único. Descumprido o prazo de que trata o caput deste artigo, fica
o FAR automaticamente autorizado a declarar o contrato resolvido e a
alienar o imóvel a beneficiário diverso, a ser indicado conforme a Política
Nacional de Habitação. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)

A grande novidade trazida pelo dispositivo consiste na necessidade de


ocupação do imóvel adquirido pelo beneficiário em até 30 dias, visando,
como dito acima, garantir a função social da propriedade, bem como o acesso
do maior número de pessoas e famílias, de fato necessitadas, aos imóveis, em
menor período de tempo; ou seja, inibindo práticas que distanciem a
população da concretização do sonho da casa própria.
Devemos atentar, aqui, à natureza da resolução do contrato disciplinada
pelo artigo.
O artigo 474 do Código Civil estabelece que: “A cláusula resolutiva
expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.
Assim, para que o FAR possa, desde logo, resolver o contrato e tomar as
providências necessárias para nova alienação do bem, é indispensável que o
disposto no parágrafo único do artigo 7°-A da Lei 11.977 conste
expressamente do contrato, de forma a evitar que a resolução ali prevista
passe pelo crivo do juiz, garantindo, assim, a celeridade do procedimento.
Art. 7°-B. Acarretam o vencimento antecipado da dívida decorrente de
contrato de compra e venda com cláusula de alienação fiduciária em
garantia firmado, no âmbito do PMCMV, com o FAR: (Incluído pela Lei
13.465, de 2017)
I – a alienação ou cessão, por qualquer meio, dos imóveis objeto de
operações realizadas com recursos advindos da integralização de cotas no
FAR antes da quitação de que trata o inciso III do § 5° do art. 6°-A desta
Lei; (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)
II – a utilização dos imóveis objeto de operações realizadas com recursos
advindos da integralização de cotas no FAR em finalidade diversa da
moradia dos beneficiários da subvenção de que trata o inciso I do art. 2°
desta Lei e das respectivas famílias; e (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)
III – o atraso superior a noventa dias no pagamento das obrigações objeto
de contrato firmado, no âmbito do PMCMV, com o FAR, incluindo os
encargos contratuais e os encargos legais, inclusive os tributos e as
contribuições condominiais que recaírem sobre o imóvel. (Incluído pela Lei
13.465, de 2017)

O artigo 7°-B também visa ao cumprimento dos objetivos para os quais o


FAR foi criado, prevendo formas de vencimento antecipado da dívida, por
exemplo, o inciso I, que acaba por retirar do comércio os imóveis financiados
com recursos do Fundo até sua quitação, desestimulando a transferência por
aquele que ficará sem um lar e em seguida retorne aos programas sociais de
acesso à moradia e o fará de forma cíclica, dificultando o sucesso de qualquer
deles.
O inciso II procura preservar a finalidade de moradia dos imóveis ali
tratados, para que os beneficiários não utilizem, por exemplo, para fins
comerciais e, como mencionado no inciso anterior, se vejam novamente sem
uma casa.
Embora nítida a melhor das intenções do legislador, essa regra pode não
ser recebida com bons olhos, já que muitas pessoas acabam por instalar
pequenos negócios dentro de sua própria casa (uma cabeleireira que trabalhe
em um cômodo da casa, receba pessoas do bairro e atue com a ajuda de mais
uma ou duas pessoas, por exemplo), sem que isso lhes retire o lar; muito pelo
contrário, a atividade ali exercida garante que essas pessoas possam pagar
suas contas, inclusive as parcelas referentes ao imóvel, e até gerem emprego
em regiões das cidades em que não há investimento de empresas, escritórios,
entre outros.
Por fim, o inciso III é o único de cunho exclusivamente financeiro que
leva ao vencimento antecipado da dívida. Caso o beneficiário não arque com
os valores da obrigação assumida pelo período de 90 dias (que é prazo
dilatado em relação à alienação fiduciária firmada fora do âmbito do FAR,
que deflagra o procedimento tão logo vencida e não paga a dívida – artigo 26
da Lei 9.514/97), toda a dívida, inclusive parcelas futuras, restará vencida e,
então, será observado o procedimento previsto no artigo 7°-C, que segue.
Art. 7°-C. Vencida antecipadamente a dívida, o FAR, na condição de credor
fiduciário, munido de certidão comprobatória de processo administrativo
que ateste a ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 7°-B desta
Lei, deverá requerer, ao oficial do registro de imóveis competente, que
intime o beneficiário, ou seu representante legal ou procurador
regularmente constituído, para satisfazer, no prazo previsto no § 1° do art.
26 da Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, a integralidade da dívida,
compreendendo a devolução da subvenção devidamente corrigida nos
termos do art. 7° desta Lei. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)

Verificado o vencimento antecipado da dívida em qualquer das hipóteses


do artigo anterior, o beneficiário é intimado para que, dentro do prazo de 15
dias, quite toda a dívida, inclusive o valor da subvenção concedida, acrescido
de juros e atualização monetária, com base na remuneração dos recursos que
serviram de lastro à sua concessão.
Para tanto, o FAR, na condição de credor fiduciário, apresentará ao
Registrador competente a certidão comprobatória de processo administrativo
(regulado pelo próprio FAR, conforme previsto no § 3° adiante) que ateste a
ocorrência de uma das hipóteses previstas de vencimento antecipado.
Art. 7°-C. […].
§ 1° Decorrido o prazo de que trata o caput deste artigo sem o pagamento
da dívida antecipadamente vencida, o contrato será reputado
automaticamente resolvido de pleno direito, e o oficial do registro de
imóveis competente, certificando esse fato, promoverá a averbação, na
matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade fiduciária em nome do
FAR, respeitada a Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997. (Incluído pela
Lei 13.465, de 2017)

Embora a redação nos dê a clara impressão de se tratar de uma atuação de


ofício do registrador imobiliário, em exceção ao princípio da rogação, que
rege sua atividade, na prática não há que se falar na averbação de
consolidação de propriedade independentemente de requerimento do credor,
uma vez que o registrador deverá ser informado por ele de que, de fato, não
houve a quitação do débito pelo beneficiário.
Art. 7°-C. […].
§ 2° Uma vez consolidada a propriedade fiduciária em nome do FAR,
proceder-se-á em conformidade com o disposto no § 9° do art. 6°-A desta
Lei, e o imóvel deve ser-lhe imediatamente restituído, sob pena de esbulho
possessório. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)

Consolidada a propriedade em nome do FAR, proceder-se-á em


conformidade com o disposto na Lei 11.977/09, e o imóvel deve ser-lhe
imediatamente restituído, sob pena de esbulho possessório, diante do qual o
possuidor esbulhado (FAR, no caso) tem o direito de ter a posse de seu bem
restituída, utilizando-se, para tanto, de sua própria força, desde que os atos de
defesa não transcendam o indispensável à restituição.
O FAR também pode se valer da ação de reintegração de posse (artigos
554 e seguintes do Código de Processo Civil) para garantir a restituição do
bem, tratando-se de uma novidade trazida pela Lei 13.465/2017 a
possibilidade de ação possessória no âmbito do FAR.
Na posse do bem, diferentemente do que ocorre nos casos de alienação
fiduciária regulamentada pela Lei 9.514 (conforme seu artigo 27), o FAR não
está obrigado a levar o imóvel a leilão, devendo reincluir o bem no respectivo
programa habitacional, para nova aquisição por outro beneficiário, conforme
política habitacional vigente, o que mais uma vez ressalta o objetivo de
beneficiar o maior número de pessoas necessitadas em menor espaço de
tempo possível.
Aqui, relevante se faz ressaltar, que, embora não haja previsão legal
expressa, mesmo nos contratos de alienação fiduciária fora do FAR tem sido
cada vez mais aceita a ideia de que, visando maior celeridade na amortização
da dívida em hipóteses nas quais o credor tenha interesse em adquirir o bem
dado em garantia, o credor adquira o bem dado em garantia, à época do
vencimento da dívida garantida, efetuando o pagamento da diferença entre o
valor da aquisição (atribuído por avaliação) e o saldo devedor ao então
devedor. É o que tem sido chamado pela doutrina de “Pacto Marciano”,
instituto que vem ganhando força, mas que, por estar fora do âmbito do atual
estudo, fora citado apenas elucidativamente 7 .
Art. 7°-C. […].
§ 3° O FAR, em regulamento próprio, disporá sobre o processo
administrativo de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei 13.465,
de 2017)

Dentro do ordenamento jurídico pátrio vigora o princípio do devido


processo legal, decorrente da Constituição Federal, que determina, em seu
artigo 5°, inciso LIV, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal.
Diante da imposição constitucional, é evidente a existência do devido
processo legal administrativo, de onde decorre, ainda, a ampla defesa e o
contraditório.
Não por outra razão, a própria importância das moradias provenientes do
FAR, antes de iniciar-se o procedimento de consolidação da propriedade,
caberá ao FAR a comprovação do procedimento administrativo visando a
apurar uma das condutas justificadoras da consolidação. Tal procedimento
visa tutelar o devedor, ao passo que a burocracia administrativa inserida pela
lei dará maior prazo aos inadimplentes para que regularizem a situação.
Art. 7°-C. […].
§ 4° A intimação de que trata o caput deste artigo poderá ser promovida,
por solicitação do oficial do registro de imóveis, do oficial de registro de
títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de
quem deva recebê-la ou do serventuário por eles credenciado, ou pelo
correio, com aviso de recebimento. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)

A regra aqui inserida referente à intimação já era prevista na Lei


9.514/97, em seu artigo 26, § 3°, sendo então introduzida expressamente no
microssistema do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Segundo a dicção clara da lei, a atribuição do cartório responsável pela
intimação será determinada pela situação do imóvel ou residência de quem
deva recebê-la e direcionada via postal, com aviso de recebimento.
Se analisarmos detidamente a intenção da norma, deveríamos dizer que
seria inútil referir-se à situação do bem ou residência de quem deva receber,
pois, havendo o requisito expresso de que o beneficiário deverá ocupar o
imóvel, confundir-se-á local do bem e a residência de quem deva receber. No
entanto, nunca é demais reafirmar o óbvio, já que não raras vezes observamos
burlas ao sistema, sendo necessário garantir a efetividade da intimação
daquele que deixou de residir no imóvel em contrariedade às normas
vigentes.

Art. 7°-C. […].


§ 5° Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro
de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver
procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar,
deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa
da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato,
retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar,
aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei
13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela
Lei 13.465, de 2017)

A possibilidade de intimação por hora certa foi novidade trazida pela Lei
13.465/2017 e incluída tanto no microssistema do Programa Minha Casa,
Minha Vida quanto na lei da alienação fiduciária de bens imóveis,
objetivando encontrar relação com o disposto no artigo 252 do Código de
Processo Civil, que dispõe sobre a citação por hora certa.
Nos termos da lei, após duas tentativas de localização do devedor
fiduciante e havendo suspeita motivada de ocultação, será possível realizar a
intimação de um terceiro, sendo da família ou não, acerca do retorno, no
próximo dia útil, oportunidade em que, ao retornar e não encontrando o
devedor, realizar-se-á a intimação por hora certa, na pessoa da família ou
vizinho.
Considerando que a lei trouxe expressamente a aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil, ainda que o terceiro informado no dia anterior
quanto ao retorno do oficial não esteja no local ou se recuse a receber, a
intimação se dará, a rigor do artigo 253, § 2°, do diploma processual
mencionado.
Art. 7°-C. […].
§ 6° Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários
com controle de acesso, a intimação de que trata este artigo poderá ser feita
ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de
correspondência. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)
Igualmente inserida na Lei 11.977/2009 e na Lei 9.514/97, em seu artigo
26, § 3°-B, permite a intimação denominada por hora certa em locais de
acesso controlado e tem o escopo de adequar à norma a realidade cada vez
mais reclusa e vertical da sociedade atual. Desse modo, visando evitar
circunstancial dificuldade de intimação da pessoa residente em edifícios ou
condomínios, a intimação poderá ser realizada na pessoa do funcionário da
portaria, responsável pelo recebimento da correspondência.
Certamente a controvérsia da presente intimação circulará sobre o termo
responsável pelo recebimento da correspondência, ou seja, o funcionário
deverá ter a atribuição específica de receber as correspondências ou apenas o
fato de trabalhar na portaria já lhe confere a atribuição de receber tais
intimações? A nosso ver, exigir a expressa atribuição iria de encontro à mens
legis , já que facilitar é o objetivo, não merecendo guarida eventual tese da
atribuição específica.
Art. 7°-C. […].
§ 7° Caso não seja efetuada a intimação pessoal ou por hora certa, o oficial
de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o
serventuário por eles credenciado promoverá a intimação do devedor
fiduciante por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos
jornais de maior circulação ou em outro de comarca de fácil acesso, se no
local não houver imprensa diária, contado o prazo para o pagamento
antecipado da dívida da data da última publicação do edital.

Seguindo a linha de raciocínio legislativo, verificamos que o rol de


possibilidades de intimações foi alargado com a inclusão da possibilidade de
intimação por hora certa sem, contudo, retirar-lhe a previsão da intimação via
edital.
Tal meio de intimação já era previsto no artigo 26, § 4°, da Lei 9.514/97,
mas a lei se ocupou de melhor detalhar o procedimento, coibindo ampla
interpretação e longas discussões sobre a validade do ato.
9.3.2. Novo procedimento de cobrança da Lei 9.514/1997
Antes das alterações trazidas pela lei em comento, vencida e não paga a
dívida, o devedor fiduciante era constituído em mora, por meio da intimação
efetuada pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, a pedido do
credor fiduciário, constando expressamente o prazo de 15 dias para
pagamento das prestações vencidas e as que eventualmente vencessem até a
data do pagamento, bem como as despesas da intimação.
A intimação era feita pessoalmente ao devedor ou seu representante legal
ou procurador regularmente constituído. Caso estivessem eles em local
incerto ou não sabido, havia a possibilidade de realizar a intimação via edital,
a qual era publicada, por três vezes, em jornal de grande circulação.
Havendo a denominada purgação da mora, pagamento no próprio
Registro de Imóveis, os termos pactuados na alienação fiduciária em garantia
permaneciam inalterados, seguindo-se normalmente com o avençado.
Por outro lado, quedando-se o devedor inadimplente, era certificado pelo
Oficial e, após o pagamento do imposto de transmissão inter vivos pelo
credor fiduciário, era registrada a consolidação da propriedade em seu favor,
cabendo-lhe o prazo de 30 dias para realizar a venda do bem em leilão
público.
Designada a data para o primeiro leilão, a venda do bem imóvel não
poderia ser por valor menor ao de mercado. Já no segundo leilão, o bem
poderia ser vendido por qualquer preço, desde que superior ao débito.
Com o advento da Lei 13.465/2017 foram realizadas alterações
concernentes à ampliação na forma da intimação, como já abordado acima, a
sistemática para a validade dos leilões extrajudiciais, a inclusão do direito de
preferência, entre outras. Vejamos especificamente as alterações inseridas:

Art. 26, § 3°-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou
de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado
houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o
encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar
qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia
útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que
designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254
da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Conforme já dito anteriormente, o regramento ampliou as modalidades de


intimação do devedor, permitindo já a intimação por hora certa, ainda que o
terceiro não esteja no local para receber a intimação ou se recuse a recebê-la.
A previsão expressa garante paridade do procedimento com a norma
processual civil vigente, sendo evidente que previsão explícita coíbe
alegações infundadas para discussões judiciais. Inclusive, cumpre trazer à
baila recentes decisões do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo
reconhecendo a validade da intimação:
Tutela de urgência. Tutela em caráter antecedente. Pretensão do autor à
suspensão de leilões extrajudiciais. Ação declaratória de nulidade de
consolidação da propriedade de imóvel no procedimento da Lei n. 9.514/97.
Tutela deferida e leilões suspensos, ao fundamento de que o autor não foi
intimado pessoalmente. Interpretação do art. 26, § 1°, da Lei n. 9.514/97
que não exige a intimação pessoal, mas admite a intimação pelo correio (§
3° in fine ). Intimação, no caso concreto, feita com hora certa pelo
escrevente habilitado do Registro de Imóveis, depois de três tentativas e
suspeita de ocultação. Entrega à funcionária da portaria do condomínio
edilício. Validade, hoje prevista no art. 252, parágrafo único, do novo CPC.
Higidez da consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor
fiduciário e alienação em leilão público como corolário. Carência de
probabilidade do direito requisitada pelo art. 300 do novo CPC. Recurso
provido e tutela revogada (TJSP; AI 2139085-74.2017.8.26.0000; Ac.
10975948; São Paulo; Décima Segunda Câmara de Direito Privado; Rel.
Des. Cerqueira Leite; Julg. 14.11.2017; DJESP 27.11.2017, p. 2359).
Ação declaratória de nulidade. Alienação fiduciária de bem imóvel.
Agravado devidamente constituído em mora por meio de intimação por
hora certa, artigo 26 § 3°-A da Lei 9.514/97. Pagamento das parcelas.
Débito em conta bancária. Necessidade de disponibilização de valores pelo
devedor. Segundo leilão extrajudicial mantido e liberação do imóvel para
eventual transferência de propriedade. Agravo de instrumento provido
(TJSP; AI 2185708-02.2017.8.26.0000; Ac. 11056642; Americana;
Trigésima Terceira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Eros Piceli; Julg.
11.12.2017; DJESP 14.12.2017, p. 2408).

Nos tribunais há muito se discutem as possíveis formas de intimação para


a constituição da mora nos casos de alienação fiduciária em garantia de bem
imóvel, mormente a drástica consequência, vindo a norma em boa hora a fim
de melhor identificar as intimações possíveis.
Nada obstante, no dia a dia ainda devemos nos ater à melhor intimação
para cada caso, lembrando que a intimação por hora certa deverá ocorrer
quando houver suspeita de ocultação, o que se distingue da não localização
do devedor, caso em que a intimação deverá se dar por meio de edital.
Por fim, vale lembrar que, se tratando de alienação fiduciária de bem
móvel, o Decreto-Lei 911/69, alterado pela Lei 13.043/2014, autoriza a
comprovação da mora “por carta registrada com aviso de recebimento, não se
exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio
destinatário” (art. 2°, § 2°).
No entanto, de maneira diversa, a Lei 9.514/97 não flexibilizou a
necessidade de intimação pessoal. Se fosse a intenção do legislador tornar
menos rígida a constituição em mora nos casos de financiamento de imóvel, a
Lei 13.043/2014 ou a lei objeto do presente estudo também teriam incluído a
intimação por carta registrada com aviso de recebimento, mas não o fizeram,
razão pela qual se reputa indispensável a intimação pessoal nas formas
disciplinadas pela legislação específica.
§ 3°-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos
imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3°-A
poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de
correspondência.

Como já dito em outra oportunidade dentro deste estudo, a regra fora


inserida dentro do microssistema do Programa Minha Casa, Minha Vida, bem
como na alienação fiduciária do bem imóvel, sendo uma forma de adequar-se
à realidade.
Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação
da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento
habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida,
instituído pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da
integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR),
sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo.

Da dicção clara da norma acima inserida no ordenamento jurídico pátrio


temos que há um bloco de regramento específico para as alienações
fiduciárias em garantia de coisa imóvel decorrentes das operações de
financiamento habitacional, com regras próprias, e regras aplicáveis às
demais operações fiduciárias de imóveis com finalidade diversa, que não a
habitacional.
§ 1° A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será
averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração do prazo para
purgação da mora de que trata o § 1° do art. 26 desta Lei.
§ 2° Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é
assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as
despesas de que trata o inciso II do § 3° do art. 27, hipótese em que
convalescerá o contrato de alienação fiduciária.

Novidade importante de cunho prático refere-se aos §§ 1° e 2° do artigo


26-A, pois fora fixado o prazo de 30 dias após o escoamento do prazo para
purgação da mora para que seja consolidada a propriedade em favor do
credor fiduciário. Ou seja, o devedor terá o prazo de 15 dias para purgar a
mora, acrescido de 30 dias, uma vez que o registrador estará impedido de
consolidar a propriedade fiduciária.
Evidente que o devedor terá maiores acréscimos dos encargos após o
prazo de 15 dias e se o desejar fazer nos 30 dias subsequentes, mas a verdade
é que, neste caso em que a garantia fora dada para fim habitacional, o prazo
para efetuar o pagamento e convalescer o contrato de alienação fiduciária
será de 45 dias.
Considerando que o procedimento extrajudicial aberto perante o Ofício
competente não poderá permanecer ad eternum sem encontrar seu fim, tem-
se que esse prazo de 30 dias também será o prazo-limite para que o credor
requeira a consolidação da propriedade, e, não o fazendo, poderá o oficial
arquivar o procedimento, para que, quando requisitado, outro seja aberto com
a revisitação de toda a tramitação.
Ademais, cumpre destacar que, no Estado de São Paulo, as Normas de
Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, em seu item 256.1, assevera que,
“Decorrido o prazo de 120 (centro e vinte) dias sem as providências
elencadas no item anterior, os autos serão arquivados. Ultrapassado esse
prazo, a consolidação da propriedade fiduciária exigirá novo procedimento de
execução extrajudicial”.
Sendo assim, há dúvida em relação ao prazo para arquivamento a ser
considerando pelos Registros de Imóveis do Estado de São Paulo. Esse prazo
de 120 dias se soma aos 15 dias ou ele absorve o lapso legal? Ou, em
verdade, considera-se o prazo de 45 dias, acrescido desses 120 dias
mencionados pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de
São Paulo?
Apesar dos provimentos já editados após a entrada em vigor da lei em
comento, parece-nos que a contagem do prazo para arquivamento quando
inerte o interessado não ficou claro.
Na prática, pode-se dizer que tal elucidação se faz necessária diante da
consequência do arquivamento por parte do interessado, que, se tiver o seu
procedimento arquivado, terá que ingressar com novo pedido, o que
demandará nova intimação, o maior obstáculo enfrentado hodiernamente
pelos credores.
Importante analisar, ainda, se haveria a possibilidade de purgar a mora
após o prazo de 30 dias, sem que o credor tomasse a providência relacionada
à consolidação da propriedade. Em outras palavras, o devedor terá o prazo de
15 dias para purgar a mora, mas esse prazo pode ser considerado estendido,
em face da proibição da averbação antes do decurso do prazo de 30 dias,
sendo certo que, até a efetiva averbação, há a possibilidade de o devedor
pagar o débito. Portanto, caso o credor não requeira a averbação nos dias
subsequentes, poderá o devedor purgar a mora mesmo após o prazo de 45
dias?
Ora, o Oficial do registro de imóveis não poderá agir de ofício, como já
mencionado em outra oportunidade. Dessa feita, parece-nos que, havendo
inércia do credor atinente ao pleito da consolidação da propriedade, arcará ele
com eventual prejuízo decorrente da purgação da mora fora do prazo
estabelecido na intimação.
Por derradeiro, convém lembrar que a sistemática acima de extensão do
prazo para a purgação da mora aplica-se tão somente para os financiamentos
habitacionais, o que inclui o Programa Minha Casa, Minha Vida.
9.3.3. O leilão e seu regramento
Art. 27, § 1° Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for
inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo
único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias
seguintes.

Segundo determinação prevista no caput do artigo 27, após a


consolidação da propriedade, terá o credor o prazo de 30 dias, contados do
respectivo registro, para realizar o leilão do bem imóvel.
A lei em comento incluiu, em seu artigo 24, um parágrafo único
importante para determinação do valor mínimo para lances no primeiro
leilão.
Com efeito, o já mencionado artigo 24 determina quais serão as cláusulas
obrigatórias do contrato de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel,
entre elas a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do
imóvel e dos critérios para a respectiva revisão. Já o parágrafo único
estabeleceu como valor mínimo para lance no primeiro leilão o mesmo
utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a apuração do
imposto sobre transmissão inter vivos – ITBI, no caso de o valor pactuado
pelas partes ser menor.
Isso significa que o lance mínimo determinante ao primeiro leilão
somente será aquele lançado no contrato firmado entre as partes se maior que
o valor utilizado como base de cálculo para o imposto mencionado.
Evidente, portanto, a intenção da norma de evitar discussões sobre
suposto valor vil 8 da arrematação, já que o imposto sobre transmissão de
bens imóveis, a rigor do Código Tributário, em seu artigo 38, tem como base
de cálculo o valor venal do bem. Tal valor depende da prefeitura, ante a sua
competência para cobrança do importo predial e territorial urbano – IPTU, o
qual possui idêntica base de cálculo.
Sendo assim, a prefeitura é responsável pelo estudo dos fatores
integrantes da valorização do bem imóvel e fiscalização do valor venal da
propriedade, haja vista tratar-se da principal, senão a maior, arrecadação
municipal.
Nessa esteira, tratando-se o IPTU e o ITBI de impostos de competência
municipal, tem-se que o valor venal é mantido atualizado pela prefeitura, pois
seu interesse está intimamente relacionado ao verdadeiro valor do bem. E,
por assim ser a utilização do valor venal como o mínimo para a arrematação,
revela-se como fator de tutela do preço efetivo do bem, evitando discussões
judiciais acerca do tema.
Em que pese o objetivo claro da norma de evitar tal discussão, na prática
sabemos que os municípios não atualizam os valores venais, fato que não é
requerido pelos proprietários, ante a falta de interesse em ter seus impostos
aumentados.
Por outro lado, muitas são as vistorias realizadas pontualmente pelo
município quando não há a concordância com o valor venal apresentado para
a expedição da guia de pagamento do ITBI, o que, em tese, resguardaria o
valor de mercado do bem.
De toda sorte, houve a clara intenção da lei de resolver essa pendenga que
há tanto atravanca o Judiciário. No entanto, somente a prática nos revelará se
o montante mínimo fixado pela norma será adequado.
No caso de não alcançar tal montante mínimo, será realizado novo leilão
nos 15 dias seguintes, sendo que, nesse caso, permanece a regra
anteriormente vigente, em que será aceito o maior lance oferecido, desde que
igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos
encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais
porventura existentes.
§ 2°-A. Para os fins do disposto nos §§ 1° e 2° deste artigo, as datas,
horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante
correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao
endereço eletrônico.

Tendo em vista a inclusão do direito de preferência do devedor, o qual


será visto adiante, necessária a intimação deste acerca das datas e horários
dos leilões. Ainda que a regra acima possa trazer maiores burocracias ao
procedimento, a intimação do devedor está intimamente relacionada ao
direito de preferência. Ora, como poderia o devedor exercer seu direito até a
data do segundo leilão se nem sequer tem ciência das designações?
Desse modo, ainda que haja uma desaceleração no que tange ao ritmo do
procedimento até a efetiva venda, a intimação passa a ser necessária.
Ademais, cumpre observar que a necessidade da intimação sobre a data
do leilão já vinha sendo aplicada pelos tribunais, razão pela qual a menção
expressa da lei trará como benefício a diminuição dos fundamentos utilizados
corriqueiramente para discussão judicial.
Finalmente, convém lembrar que não houve a exigência da intimação
pessoal sobre as datas dos leilões, cujo teor poderá, inclusive, ser direcionado
por meio eletrônico.
§ 2°-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no
patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão,
é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o
imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e
despesas de que trata o § 2° deste artigo, aos valores correspondentes ao
imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos
para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do
credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e
leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos
encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel,
de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.

O artigo acima transcrito traz o direito de preferência do devedor


fiduciante, o qual se inicia após a consolidação da propriedade e vigora até a
data da realização do segundo leilão.
De ver-se, portanto, que ao devedor lhe é permitido o direito de purgar a
mora, convalescendo, consequentemente, o contrato, cujo prazo será de 15
dias e, especificamente para os contratos relacionados à moradia, 45 dias,
oportunidade em que haverá a consolidação da propriedade, tendo início o
direito de preferência do devedor.
Em termos práticos, pode-se dizer que a consequência seria a mesma, já
que o devedor permaneceria no bem imóvel. No entanto, algumas diferenças
são importantes, por exemplo, o valor a ser pago em cada situação.
De acordo com o artigo 26, § 1°, da Lei 9.514/97, em caso de
inadimplemento da obrigação decorrente do contrato de alienação fiduciária
em garantia de coisa imóvel, o devedor será intimado para purgar a mora, o
que significa adimplir a prestação vencida e as que se vencerem até a data do
pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos
contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições
condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de
intimação.
Por outro lado, caso opte por exercer o direito de preferência até o
segundo leilão, pagará o preço correspondente ao valor da dívida, somado aos
encargos e despesas correspondentes ao imposto sobre transmissão inter
vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da
propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e as despesas
inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao
devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis
para a nova aquisição do imóvel, inclusive custas e emolumentos.
Como se pode observar, o devedor terá que quitar a dívida e, ainda, pagar
o valor correspondente ao imposto de transmissão advindo da consolidação
da propriedade, bem como aquele decorrente da nova aquisição feita após o
exercício do direito de preferência. Ademais, veremos mais adiante que a
taxa de ocupação, antes devida após a alienação, agora passa a incidir após a
consolidação da propriedade, razão pela qual integra as despesas inerentes ao
procedimento, caso o devedor opte por exercer o seu direito de preferência.
Cumpre destacar, ainda, que há a necessidade de nova aquisição do bem,
uma vez que a consolidação da propriedade extingue o contrato e,
consequentemente, a garantia a ele vinculada. Ainda que, tecnicamente, a
melhor solução seja a nova aquisição do bem, ante o direito de preferência,
devemos atentar para as futuras decisões dos Tribunais, já que, ainda com as
alterações legislativas, há a aplicação da norma insculpida no artigo 34 do
Decreto 70/66, o qual prevê:
Art. 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto
de arrematação, purgar o débito, totalizado de acordo com o artigo 33, e
acrescido ainda dos seguintes encargos:

Inclusive, a possibilidade de purgação da mora até a assinatura do auto de


arrematação fora, recentemente, reafirmada pelo Egrégio Tribunal de Justiça
de São Paulo, de onde colhemos o seguinte julgado:
Ação anulatória de ato jurídico fundada em contrato de alienação fiduciária
de imóvel. Decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência a fim de
impedir atos de alienação do imóvel a terceiros. Tutela de urgência.
Requisitos. Presença. Purgação da mora após a consolidação da
propriedade em nome do credor fiduciário. Possibilidade. Aplicação
subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/66, que autoriza a purgação da
mora até a assinatura do auto de arrematação. Intimação pessoal do
devedor fiduciante acerca das datas dos leilões extrajudiciais. Necessidade.
Recurso provido (TJSP; AI 2192036-45.2017.8.26.0000; Ac. 11034768;
Santa Adélia; Vigésima Oitava Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Cesar
Lacerda; Julg. 04.12.2017; DJESP 13.12.2017, p. 3095 – grifos nossos).

Em que pese o respeito que nutrimos ao corriqueiro acerto da Câmara


julgadora, temos que purgação da mora até a assinatura do auto de
arrematação por força da aplicação subsidiária do decreto que trata da cédula
hipotecária não mais encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio,
mormente a previsão expressa do direito de preferência na lei específica.
Decorrendo das máximas hermenêuticas, costuma-se dizer nos bancos
acadêmicos que a lei não traz palavras inúteis, logo, não haveria inovado ao
trazer o direito de preferência se não houvesse lacuna no tema. Portanto,
parece-nos que o direito de preferência se sobrepõe à purgação da mora
utilizada até a data da assinatura do autor de arrematação.
§ 9° O disposto no § 2°-B deste artigo aplica-se à consolidação da
propriedade fiduciária de imóveis do FAR, na forma prevista na Lei 11.977,
de 7 de julho de 2009. (NR)

A inclusão do § 9° do artigo 27 da Lei 9.514/97 tão somente serviu para


ampliar a aplicação do § 2°-B aos imóveis do FAR, sendo assegurado o
exercício do direito de preferência aos imóveis relacionados ao já citado
Fundo de Arrendamento Residencial.
Art. 30. Parágrafo único. Nas operações de financiamento imobiliário,
inclusive nas operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído
pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da
integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), uma
vez averbada a consolidação da propriedade fiduciária, as ações judiciais
que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os
requisitos procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de
notificação do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos e não
obstarão a reintegração de posse de que trata este artigo.

O parágrafo único inserido no artigo 30 tratou de incluir vedação


expressa às discussões judiciais tendentes a obstaculizar a reintegração de
posse. De acordo com a determinação legal, o fiduciário, seu cessionário,
sucessor ou o adquirente do imóvel no leilão público terão o direito de
ingressar com a reintegração de posse, sendo que eventuais demandas
ajuizadas pelo devedor com o fulcro de discutir a relação jurídica será
resolvida em perdas e danos, não havendo justificativa para paralisar o
procedimento deflagrado desde a inadimplência, salvo se a discussão versar
sobre a notificação do devedor fiduciante.
Como já dito, toda a norma visa garantir maior celeridade ao
procedimento, conferindo segurança jurídica àquele que se dispõe a colocar o
seu patrimônio em circulação. A despeito da posição favorável à tutela e
segurança do capital investido nessas operações, devemos primar pelo acesso
à justiça, garantia constitucional voltada à máxima efetivação dos direitos e
que não poderá ser mitigada em prol dos grandes detentores das riquezas.
É certo que a lei não vedou totalmente o acesso à justiça, mas obstou a
utilização de mecanismos protetores da propriedade em si, direito de suma
importância. Poderíamos dizer que o direito do devedor de socorrer-se do
Judiciário está totalmente resguardado, em face da menção de que serão
resolvidas em perdas e danos eventuais discussões acerca do negócio jurídico
havido entre as partes. No entanto, conhecemos a morosidade das demandas
judiciais e sabemos que tal conversão em perdas e danos poderá prejudicar
sobremaneira o devedor, que, por vezes, não previa a crítica situação
financeira eventualmente atravessada.
Se de um lado temos uma nova disposição voltada a garantir celeridade
procedimental, de outro, devemos ter medidas voltadas à tutela da parte mais
fraca da relação. A aplicação desse dispositivo será analisada caso a caso,
oportunizando ao Judiciário agir com parcimônia, principalmente nas
operações envolvendo o Programa Minha Casa, Minha Vida. Mesmo porque
a norma jurídica não pode regular todas as mais diversas situações advindas
do convívio humano e, portanto, obstar ao ajuizamento de demandas
tendentes, eventualmente, a coibir a perda da posse poderá sofrer limitações
jurisprudenciais.
A propósito, cumpre trazer à baila o ensinamento de Melhim Namem
Chalhub sobre o devido processo legal, em consonância com o procedimento
da alienação fiduciária, bem como demais princípios processuais:
Na alienação fiduciária, a propriedade se consolida no credor pelo não
cumprimento da condição resolutiva; o leilão que se segue é apenas uma
limitação a mais que a lei impôs ao direito do proprietário fiduciário, para
adequar os efeitos da condição resolutiva às peculiaridades da garantia que
se presta. Isso não obstante, todas essas situações têm em comum a garantia
do direito de ação, com a possibilidade de instaurar-se contraditório de
acordo com cada situação específica. De fato, da mesma forma que na ação
de execução ou na ação monitória o contraditório se instaura por iniciativa
do devedor, ou do réu, mediante o ajuizamento de ação de embargos, na
alienação fiduciária, mutatis mutandis , é igualmente do devedor a iniciativa
do contraditório, pela possibilidade de reação em face da notificação que
vier a receber nos termos do artigo 26 da Lei 9.514/1997. Com efeito, o
contraditório se caracteriza, fundamentalmente, pela efetiva possibilidade
de reação, a partir do momento em que a parte toma ciência de algum ato
que lhe é desfavorável, como observa, Sergio La China, para quem a
manifestação técnica do contraditório decorre da articulação de dois
aspectos, quais sejam, a informação (notificação, citação) e a reação
(embargos, ação), necessária sempre a primeira, eventual a segunda (mas
necessário que seja efetivamente viável) 9 . (grifos nossos)

Diante do ensinamento, como harmonizar o acesso à justiça, o devido


processo legal, o contraditório e a ampla defesa com o artigo em comento?
De toda sorte, a lei se ocupou de vetar o ajuizamento de demandas,
resguardando o direito a estas apenas quando houver vício na notificação do
devedor. E, não por outro motivo que a importância da notificação do
devedor, a lei não poderia ter agido de outra forma.
Dentre os vícios procedimentais graves encontrados no ordenamento
jurídico em geral, as falhas em notificações são doutrinariamente
reconhecidas, tanto é que, processualmente, deslizes na citação autorizam o
ajuizamento da querela nullitatis para rever sentenças nulas em decorrência
de falha na citação, seja em que momento for.
Desse modo, o legislador, ao excluir vícios na notificação do devedor da
vedação legal, agiu norteado pelos ensinamentos processuais já sedimentados
na praxe jurídica.
9.3.4. Taxa de ocupação
Art. 37-A. O devedor fiduciante pagará ao credor fiduciário, ou a quem vier
a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração,
valor correspondente a 1% (um por cento) do valor a que se refere o inciso
VI ou o parágrafo único do art. 24 desta Lei, computado e exigível desde a
data da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor
fiduciante até a data em que este, ou seus sucessores, vier a ser imitido na
posse do imóvel.

Em relação à taxa de ocupação, a nova redação trazida pelo artigo 37-A


alterou o termo inicial da cobrança, de modo que, a partir da consolidação da
propriedade fiduciária no patrimônio do credor, haverá a incidência do valor.
Antes, a taxa era devida desde a alienação do imóvel.
A nosso ver, a alteração visa desestimular o devedor a permanecer no
imóvel, uma vez que o pagamento de 1% do valor indicado no contrato
firmado entre as partes ou, ainda, sobre o valor mínimo do primeiro leilão
pode revelar-se demasiadamente alto em face dos valores de aluguéis
praticados no mercado imobiliário, justificando a retirada do devedor.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se às operações do
Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei 11.977, de 7 de
julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo
de Arrendamento Residencial (FAR).

A inclusão do parágrafo único tão somente serviu para ampliar a


aplicação do art. 37-A aos imóveis do FAR, sendo assegurado o pagamento
da taxa de ocupação aos imóveis relacionados ao já citado Fundo de
Arrendamento Residencial.

9.4. Considerações finais


A alienação fiduciária de bens imóveis tem-se revelado de suma
importância dentro do sistema jurídico de garantias, ao passo que se mostra
ágil e segura.
Visando trazer ainda mais estabilidade às relações jurídicas decorrentes, a
Lei 13.465/2017 chegou em momento oportuno, garantindo melhores
condições para os procedimentos extrajudiciais decorrentes da inadimplência,
primando, em muitos temas, pelo posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça.
Ainda que haja ressalvas em alguns pontos alterados, cujo principal papel
permanecerá nas mãos do Judiciário conforme as demandas forem ajuizadas,
vivemos em um mundo capitalista, e a circulação de valores por aquele que o
detém deve ser tutelada severamente, sem, contudo, retirar o direito da
população mais carente de ter acesso à moradia digna.
Desse modo, os avanços são necessários, e estender o prazo para
constituição da propriedade nos parece em consonância com o direito
tutelado. De igual modo, assegurar o direito de preferência também chega em
defesa do devedor.
Por outro lado, a cobrança da taxa de ocupação desde a consolidação da
propriedade e a possibilidade de intimação de terceiros para constituição em
mora do devedor já nos parecem voltadas à proteção do credor.
De modo geral, avanços serão necessários, interpretações virão, mas
novidades no procedimento eram necessárias e há muito esperadas,
mormente a importância da garantia em questão nos negócios jurídicos
atuais, pois a manutenção do bem na posse indireta do credor garante maior
efetividade em caso de inadimplência, contrapondo-se às demoradas
execuções judiciais em que há a necessidade de procurar patrimônio do
devedor, o que dificulta e muitas vezes impede o recebimento dos valores.
Nesse sentido, fugindo a alienação fiduciária da burocrática e inócua
cobrança habitual de inadimplentes, deve ela ser estimulada e priorizada,
garantindo a lei sua máxima efetividade.

9.5. Referências
AQUISIÇÃO NOS TERMOS DO FAR – FUNDO DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL: aspectos práticos da qualificação no Registro de Imóveis.
Boletim Eletrônico do Portal do RI , n. 157/2014, 21.08.2014. Disponível em: [
www.portaldori.com.br/2014/08/21/aquisicao-nos-termos-do-far-fundo-de-
arrendamento-residencial-aspectos-praticos-da-qualificacao-no-registro-de-
imoveis/ ]. Acesso em: 09.11.2017.
CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017.
DIP, Ricardo. Registro de Imóveis (princípios) . Série Registros sobre Registros; t. I.
São Paulo: Editora Primus, 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos
reais. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.
KÜMPEL, Vitor Frederico. Alienação fiduciária em garantia I . Disponível em: [
www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI196865,41046-
Alienacao+Fiduciaria+em+-Garantia+I ].
KÜMPEL, Vitor Frederico. Alienação fiduciária em garantia II . Disponível em: [
www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI197788,71043-
Alienacao+Fiduciaria+em+Garantia+II ].
KÜMPEL, Vitor Frederico. A natureza jurídica da alienação fiduciária . Disponível
em: [ www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI212459,61044-
A+natureza+juridica+da+alienacao+fiduciaria ].
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 5. ed. São Paulo:
Método, 2014.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis civis comentadas. 3. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2012.
OLIVEIRA, Renata; MATSUBARA, Patrícia. A utilização do pacto marciano em
contratos de alienação fiduciária . Disponível em: [
www.machadomeyer.com.br/pt/noticias-lexpress/a-utilizacao-do-pacto-
marciano-em-contratos-de-alienacao-fiduciaria ]. Acesso em: 09.11.2017.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil . 6. ed. São Paulo: Método, 2016.

1. CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 23.
2. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 5. ed. São
Paulo: Método, 2014. p. 560.
3. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2016. p.
979.
4. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil :
direitos reais. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 118.
5. Hoje são famílias com rendimento bruto mensal de até R$ 1.600,00.
6. AQUISIÇÃO NOS TERMOS DO FAR – FUNDO DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL: aspectos práticos da qualificação no Registro de Imóveis.
Boletim Eletrônico do Portal do RI , n. 157/2014, de 21.08.2014. Disponível
em: [ www.portaldori.com.br/2014/08/21/aquisicao-nos-termos-do-far-fundo-
de-arrendamento-residencial-aspectos-praticos-da-qualificacao-no-registro-de-
imoveis/ ]. Acesso em: 09.11.2017.
7 . Disponível em: [ www.machadomeyer.com.br/pt/noticias-lexpress/a-
utilizacao-do-pacto-marciano-em-contratos-de-alienacao-fiduciaria ]. Acesso
em: 09.11.2017.
8. Aquele 50% inferior ao valor originalmente atribuído ao imóvel, conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Processual civil. Execução
fiscal. Adjudicação do bem penhorado pela Fazenda Pública. Arrematação.
Metade do valor da avaliação. Preço vil não caracterizado. 1. A jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que se caracterizou a
vileza do preço quando a arrematação não alcançar, ao menos, 50% do valor da
avaliação. 2. No caso dos autos, conforme se depreende do acórdão recorrido, o
bem foi arrematado por valor equivalente à metade da avaliação (fl. 148, e-
STJ), de modo que não se configurou o preço vil da arrematação efetuada. 3.
Recurso Especial provido” (STJ; REsp 1.676.802; Proc. 2017/0132185-4; SP;
Segunda Turma; Rel. Min. Herman Benjamin; Julg. 17.10.2017; DJE
19.12.2017, p. 2430).
9. CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 356.
10
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL
NA SERVENTIA EXTRAJUDICIAL

Luis Gustavo Belmonte


Exerceu a função de cartorário nas serventias extrajudiciais: Registro de Imóveis,
Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Santa Cruz das Palmeiras e de
Pirassununga. Especialista em Direito Notarial e Registral na UNISUL –
Universidade do Sul de Santa Catarina. Graduado pela UNIFEOB – Universidade
da Fundação de Ensino Octávio Bastos.

SUMÁRIO : 10.1. Introdução . 10.2. Breve histórico, acompanhado da


dinâmica legislação brasileira sobre a alienação fiduciária . 10.3. Conceito .
10.4. Natureza jurídica . 10.5. Características . 10.6. A alienação fiduciária de
bem imóvel e o registro de imóveis . 10.7. Casos práticos . 10.8.
Jurisprudência . 10.9. Conclusão . 10.10. Referências bibliográficas .

Resumo: A Constituição Federal assegura a propriedade privada como


ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-
iniciativa. Assim, para circulação de riquezas e celeridade dos negócios
jurídicos entre as partes, foi inserida no ordenamento jurídico a Lei 9.514, de
20.11.1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário,
instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel. É uma relação negocial na
qual o devedor (fiduciante), ao adquirir um bem imóvel, e tendo necessidade
de alavancar recursos para complementar o valor do preço, com o ânimo de
garantia da dívida, contrata a transferência daquele bem ao credor, que,
intervindo na negociação, torna-se fiduciário, quando da aquisição, pelo
fiduciante, da propriedade resolúvel da coisa imóvel, sendo realizados na
matrícula do imóvel dois atos: registro da compra e venda e da alienação
fiduciária. Podem ocorrer duas situações jurídicas: o proprietário do lote ou
prédio residencial ou comercial com objetivo de construir ou ampliar financia
fiduciariamente, por meio de instrumento particular com força de escritura
pública ou por documento público que é a própria escritura pública, ou ainda,
se da aquisição, já o financia concomitantemente num único ato. A aquisição
tem como característica um contrato plurilateral: compra e venda; contrato de
mútuo e alienação fiduciária por aquisição de bem imóvel a prazo e com
pagamento de prestações mensais até a quitação. Trata-se de negócio de
garantia em que o devedor transfere ao credor a propriedade do bem para
garantir o pagamento de determinada dívida, sob a condição de, após a sua
liquidação, retornar a ter a propriedade do bem adquirido. Em caso de
inadimplemento do devedor, o bem não é devolvido ao credor. Neste caso, o
bem alienado possui um procedimento extrajudicial que é vinculado à
serventia extrajudicial: Certidão de Matrícula é a publicidade indireta do
Livro 2 – Registro Geral. Constando o registro do financiamento de alienação
fiduciária e observados pelo credor fiduciário a inadimplência nas prestações
e o prazo de carência, encaminha a Intimação para o Registro de Imóvel
realizar o procedimento célere de o devedor fiduciante regularizar a situação.
Infrutífera, o Oficial Registrador encaminha ofício ao credor fiduciário, para
promover a consolidação da propriedade com recolhimento do ITBI (Imposto
de Transmissão de Bens Imóveis) ou laudêmio, se for o caso, e, averbar na
matrícula. Em seguida, realização dos públicos leilões para arrematação do
bem por um terceiro ou adjudicado ao credor e finalização do procedimento
extrajudicial pela desjudicialização sem ingressar nas vias ordinárias do
judicial. Vale ressaltar que, o tema foi objeto do Recurso Extraordinário (RE)
860.631, com repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do STF, e
será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no tocante à execução
extrajudicial de título com cláusula de alienação fiduciária apenas na esfera
administrativa. No recurso ao STF, o recorrente (devedor) alega que a
permissão para que o credor execute o patrimônio sem a participação do
Judiciário viola os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da
jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, representando uma forma de
autotutela “repudiada pelo Estado Democrático de Direito”, devendo a via ser
extrajudicial e judicial, se for o caso.
Palavras-chave: Contrato de alienação fiduciária; Financiamento;
Aquisição a prazo; Intimação; Consolidação; Leilão; Arrematação;
Desjudicialização.
Abstract: The Federal Constitution guarantees private property as an
economic order founded on the valorization of human labor and free
enterprise. Thus, for the circulation of wealth and celerity of legal
transactions between the parties, Law n.9,514 of November 20, 1997, which
provides for the Real Estate Financing System, establishing the fiduciary
alienation of immovable property. It is a business relationship in which the
parties: the debtor (trustor), when acquiring immovable property, and having
need to leverage resources to supplement the value of the price, with the spirit
of guarantee of the debt, contracts the transfer of that good to the creditor,
which, when negotiated, becomes fiduciary, upon the acquisition by the
trustor, of the resolvable property of the immovable property, and two acts
are recorded in the property registry: purchase and sale registration and
fiduciary alienation. There may be two legal situations: the owner of the lot
or residential or commercial building for the purpose of building or
expanding fiduciary financing by means of a Private Instrument with the
force of Public Deed or by Public Document that is the Public Deed itself, or,
already finances it concurrently in a single act. The acquisition has as
characteristic a plurilateral contract: purchase and sale; loan agreement and
fiduciary alienation for the acquisition of immovable property for the term
and with payment of monthly installments until the discharge. It is a
collateral business in which the debtor transfers the property of the creditor to
the creditor to guarantee the payment of a certain debt, on the condition that,
after its liquidation, return to have the property of the acquired property. In
case of default of the debtor, the property is not returned to the creditor. In
this case, the disposed asset has an extrajudicial procedure that is linked to
Extrajudicial Service: Registration Certificate is the indirect advertising of
Book 2 – General Registry. As a record of the fiduciary alienation financing
and observed by the fiduciary creditor, the default on the installments and the
grace period, directs the Intimation for the Property Registry to carry out the
expedited procedure of the fiduciary debtor to regularize the situation.
Fruitless, the Official Registrar sends a letter to the fiduciary Creditor, to
promote the Property Consolidation with payment of the ITBI (Real Property
Transfer Tax) or laudemy, if applicable, and to register at the registry.
Subsequently, public auctions for the sale of the property by a third party or
adjudicated to the creditor and finalization of the extrajudicial procedure for
the adjudication without joining the ordinary courts. It is worth mentioning
that, subject to Extraordinary Appeal (RE) 860631, with a general
repercussion recognized by the STF Virtual Plenary, it will be analyzed by
the Supreme Federal Court (STF), regarding extrajudicial enforcement of title
with a fiduciary alienation only at the administrative level. In its appeal to the
Supreme Court, the appellant (debtor) alleges that allowing the creditor to
execute the estate without the participation of the Judiciary violates the
principles of due process of law, unfailing jurisdiction, ample defense and
adversary, representing a form of autotutela “repudiated by the Democratic
State of Right”, being the route to be extrajudicial and judicial, if it is the
case.
Keywords: Chattel mortgage contract; Funding; The acquisition period;
Subpoena; Consolidation; Auction; Judicial auction; Unfairness.

10.1. Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil assegura como um dos
fundamentos: os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. Seguindo o
raciocínio jurídico constitucional, vem a ordem econômica e financeira com
os princípios gerais da atividade econômica:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados: […]
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade […] 1 .

Diante da Carta Magna e da expansão econômica do País com aquisições


de bens imóveis, os contratos com alienação fiduciária se tornam mais
comuns com a celeridade para constituição, acobertado pela publicidade,
segurança, eficácia e autenticidade dos atos na seara extrajudicial em duas
naturezas: de bem móvel infungível , conforme o artigo 1.361, § 1°, da Lei
10.406/2002– registrada no Registro de Títulos e Documentos (RTD) do
domicílio do devedor ; e de bem imóvel , consoante a Lei 9.514, de
20.11.1997 – registrada no Registro de Imóveis (RI) da circunscrição
geográfica em face do princípio da territorialidade.
No presente artigo jurídico, a ênfase será da alienação fiduciária de bem
imóvel em que a garantia consiste na transferência feita por um devedor ao
credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem imóvel, como
garantia de seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o
adimplemento de sua obrigação.
Trata-se de um negócio jurídico entre aquele que vende a coisa e aquele
que recebe sua posse e propriedade resolúvel, chamado de devedor fiduciante
, ficando este último obrigado a pagar o preço, em prestações, a instituição
financeira interveniente que possui a posse indireta, chamada de credor
fiduciário .
Por ser um contrato plurilateral (compra e venda x contrato de mútuo x
alienação fiduciária) constitutivo na esfera extrajudicial, o seu não
cumprimento condiciona ao procedimento de intimação, consolidação e leilão
do bem imóvel. É mais célere que a forma de constituição de hipoteca, por
não acionar a esfera judicial, contribuindo para o desempenho da
desjudicialização.

10.2. Breve histórico, acompanhado da dinâmica legislação brasileira


sobre a alienação fiduciária
Surgiu no Direito Romano a alienação fiduciária.

Fiducia , entendia-se como um contrato de confiança, onde pessoas


passavam seus bens a outras com o intuito de protegê-los de circunstâncias
aleatórias, com a ressalva de serem esses devolvidos quando entendia o
proprietário que não necessitava mais dessa medida acautelatória. Era
conhecida como fiducia cum amico e não tinha finalidade de garantia. Mas
essa modalidade se transformou passando a ser a chamada fiducia cum
creditore , onde o devedor transferia a propriedade do bem ao credor até
que efetuasse o pagamento da dívida. 2

No Brasil, o contrato de alienação fiduciária foi regulamentado na década


de 1960, surgindo com a Lei 4.728, artigo 66, de 14.07.1965, que regulou o
mercado de capitais destinado a dinamizar o financiamento de bens móveis,
atribuindo como garantia da instituição que empresta o dinheiro a
propriedade do bem, que referiu-se ao instituto como um domínio resolúvel.
Em 1° de outubro de 1969, o Decreto-Lei 911 utilizou-se da
denominação dada pela Lei 4.728/1965, dando nova redação ao artigo 66,
para designar a ação de retomada da coisa em favor do proprietário, no caso
do não pagamento por parte do mutuário e possuidor, que alienara a coisa
fiduciariamente em garantia. Esse decreto-lei conservou as normas
disciplinadoras nas áreas de direito material e de direito processual,
constantes da Lei 4.728/1965.
Em 1993, com a Lei dos Fundos de Investimento Imobiliário 8.668, o
legislador optou por denominá-la “propriedade fiduciária”, conforme art. 7°
da referida lei. A Lei 9.514/1997 foi criada para dispor sobre o Sistema de
Financiamento Imobiliário, instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel
, visando dar maior amplitude ao instituto da alienação fiduciária. Nessa
norma cogente, ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante
transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do
seu direito de propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em
favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel.
Em 2002, na Lei 10.406/2002 – Código Civil brasileiro, o legislador
retoma novamente a ideia da propriedade fiduciária, diferenciando-a da
propriedade resolúvel. Entretanto, seus artigos referem-se apenas à alienação
fiduciária em garantia de bem móvel infungível (artigo 1.361).
Em 2004, entra em vigor a Lei 10.931, que apresenta tratativas do regime
da alienação fiduciária, como o caso da Cédula de Crédito Imobiliário. E,
ainda: “As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade
fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais,
somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for
incompatível com a legislação especial” 3 .
Em 2014, a Lei 13.043 de 13.11.2014, entra em vigor e insere no Código
Civil brasileiro, o artigo 1.368-B.
A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito
real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. Parágrafo
único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por
efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade,
adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a
propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a
propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros
encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a
partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.

Assim, nota-se que o instituto demonstra que é propriedade resolúvel da


seguinte forma: garantia transferida do devedor fiduciante (posse direta) ao
credor fiduciário (posse indireta e resolúvel). Imóvel x ônus da alienação
fiduciária. A comprovação pela quitação é por meio da Certidão de Matrícula
expedida pelo Registro de Imóveis pela prática do ato no Livro 2 – Registro
Geral, sendo cópia fidedigna extraída e fazendo prova plena, consoante o
artigo 19 da Lei 6.015/1973.
As Normas de Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça
do Estado de São Paulo, no Capítulo XX, tomo II, que trata dos Registros de
Imóveis, apresenta em seus itens 230 a 272 o instituto da alienação fiduciária
de bens imóveis (Disposições Gerais; Das Intimações e da Consolidação da
Propriedade Fiduciária; e Da Cédula de Crédito Imobiliário).
Nesse diapasão, a Lei 13.465/2017 trouxe algumas alterações importantes
que repercutem diretamente na Lei 9.514/1997 e na prática da atividade
extrajudicial dos serviços de registro de imóveis. O artigo 67 tratou da
alienação fiduciária , e apresenta os seguintes dispositivos a seguir descritos:
Art. 67. A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
Art. 24. […]
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas partes nos
termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao utilizado pelo
órgão competente como base de cálculo para a apuração do imposto sobre
transmissão inter vivos, exigível por força da consolidação da propriedade
em nome do credor fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito
de venda do imóvel no primeiro leilão. (NR)
Art. 26. […]
§ 3°-A. Quando, por duas vezes , o oficial de registro de imóveis ou de
registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado
houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o
encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar
qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia
útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que
designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254
da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 3°-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos
imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3°-A
poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de
correspondência.
[…] (NR)
Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação
da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento
habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida,
instituído pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da
integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR),
sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo.
§ 1° A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será
averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração do prazo para
purgação da mora de que trata o § 1 ° do art. 26 desta Lei.
§ 2° Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é
assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as
despesas de que trata o inciso II do § 3° do art. 27, hipótese em que
convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
Art. 27. […]
§ 1° Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao
valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do
art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes.
§ 2°-A. Para os fins do disposto nos §§ 1° e 2° deste artigo, as datas,
horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante
correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao
endereço eletrônico.
§ 2°-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no
patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo
leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para
adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos
encargos e despesas de que trata o § 2° deste artigo, aos valores
correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio,
se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária
no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao
procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor
fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para
a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e
emolumentos.
[…]
§ 9° O disposto no § 2°-B deste artigo aplica-se à consolidação da
propriedade fiduciária de imóveis do FAR, na forma prevista na Lei 11.977,
de 7 de julho de 2009. (NR)
Art. 30. […]
Parágrafo único. Nas operações de financiamento imobiliário, inclusive nas
operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei
11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de
cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), uma vez averbada a
consolidação da propriedade fiduciária, as ações judiciais que tenham por
objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos
procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação
do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos e não obstarão a
reintegração de posse de que trata este artigo. (NR)
Art. 37-A. O devedor fiduciante pagará ao credor fiduciário, ou a quem vier
a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração,
valor correspondente a 1% (um por cento) do valor a que se refere o inciso
VI ou o parágrafo único do art. 24 desta Lei, computado e exigível desde a
data da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor
fiduciante até a data em que este, ou seus sucessores, vier a ser imitido na
posse do imóvel.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se às operações do
Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei 11.977, de 7 de
julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo
de Arrendamento Residencial (FAR). (NR)
Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de
financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei: […]
II – aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei 70, de 21 de
novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de
créditos garantidos por hipoteca (NR) 4 .
Diante do breve histórico, acompanhado da legislação, o instituto
jurídico, recentemente, foi objeto de repercussão geral com recurso a ser
julgado pelo STF. A seguir:

Execução extrajudicial em contratos do Sistema Financeiro Imobiliário é


tema de repercussão geral . Recurso a ser julgado pelo STF alega que a
permissão para que o credor execute o patrimônio sem a participação do
Judiciário viola os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade
da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório.
A constitucionalidade da execução extrajudicial nos contratos de mútuo
pelo Sistema Financeiro Imobiliário, com alienação fiduciária de imóvel,
prevista na Lei 9.514/1997, será analisada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). O tema, objeto do Recurso Extraordinário (RE) 860631, teve
repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do STF.
No caso dos autos – que envolve disputa entre devedor de São Paulo e a
Caixa Econômica Federal –, o Tribunal Regional Federal da 3a Região
(TRF-3) entendeu que a execução extrajudicial de título com cláusula de
alienação fiduciária com garantia não viola as normas constitucionais,
devendo ser apreciado pelo Judiciário apenas se o devedor considerar
necessário. Segundo o acórdão, o regime de satisfação da obrigação
previsto na Lei 9.514/1997 é diferente dos contratos firmados com garantia
hipotecária, pois estabelece que, em caso de descumprimento contratual e
decorrido o prazo para quitar a dívida, a propriedade do imóvel é
consolidada em nome da credora fiduciária.
No recurso ao STF, o recorrente (devedor) alega que a permissão para que o
credor execute o patrimônio sem a participação do Judiciário viola os
princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da
ampla defesa e do contraditório, representando uma forma de autotutela
“repudiada pelo Estado Democrático de Direito”. Sustenta a
inconstitucionalidade da execução extrajudicial e a compara com o
procedimento previsto no Decreto-Lei 70/1966, que trata dos contratos com
garantia hipotecária, e está pendente de análise pelo STF no RE 627106.

O relator do recurso, ministro Luiz Fux, observa que a questão, além de


sua densidade constitucional, transcende os interesses subjetivos das partes,
tendo relevância do ponto de vista econômico, jurídico e social para milhões
de mutuários. O ministro salientou que os contratos firmados pelo Sistema
Financeiro Imobiliário são produzidos em massa em todo o País, enquanto os
juros praticados, inclusive em programas sociais de incentivo à moradia, são
estabelecidos em plena consonância com os riscos decorrentes da
inadimplência e com o tempo estimado para reaver imóveis nessa situação.
Afirmou:
Há necessidade de posicionamento desta Suprema Corte no que concerne à
matéria sub examine , a fim de se garantir segurança jurídica aos
contratantes e maior estabilidade às relações jurídicas no mercado
imobiliário nacional, tudo a influenciar políticas governamentais de
incentivo à moradia.

O relator destacou que, embora a discussão seja sobre a


constitucionalidade da execução extrajudicial em contratos imobiliários, a
matéria tratada nos autos não se assemelha à do RE 627.106. Ele esclarece
que naquele caso se discute a recepção constitucional do Decreto-Lei
70/1966, que prevê a execução extrajudicial para dívidas contraídas no
regime do Sistema Financeiro Habitacional, com garantia hipotecária,
situação diversa da presente demanda, cujo objeto é a constitucionalidade da
Lei 9.514/1997, que prevê a possibilidade de execução extrajudicial nos
contratos de mútuo pelo Sistema Financeiro Imobiliário, com alienação
fiduciária de imóvel.
Nesta última modalidade de contrato, observa o ministro, não há
transmissão da propriedade ao devedor, apenas a transferência da posse direta
do bem. Isso significa que o credor fiduciário não se imiscui no patrimônio
do devedor para excutir bem de propriedade alheia, pois o imóvel permanece
sob propriedade da instituição financeira até a quitação do contrato pela outra
parte, “o que se traduz em diferença substancial entre as relações jurídicas de
hipoteca e de alienação fiduciária para a finalidade de análise à luz dos
princípios constitucionais invocados”.
A manifestação no relator no sentido da existência de repercussão geral
foi tomada por maioria, no Plenário Virtual do STF. Ficou vencido o ministro
Edson Fachin.

10.3. Conceito
O instituto jurídico da alienação fiduciária instituído pela Lei 9.514/1997,
por meio dos contratos de compra e venda com alienação fiduciária,
ingressam no Registro de Imóveis apresentando incidência relevante no
mercado imobiliário. Na dinâmica delineada pela lei, Melhim Namem
Chalhub conceitua:

O devedor (fiduciante), sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor


(fiduciário) a título de garantia; a propriedade assim adquirida tem caráter
resolúvel, vinculada ao pagamento da dívida, pelo que, uma vez verificado
o pagamento, opera-se a automática extinção da propriedade do credor, com
a consequente reversão da propriedade plena ao devedor-fiduciante,
enquanto, ao contrário, se verificado o inadimplemento contratual do
devedor-fiduciante, opera-se a consolidação da propriedade plena no
patrimônio do credor-fiduciário. É direito próprio do credor, um direito real
em coisa própria, com função de garantia. Assim, com o registro do
contrato de alienação fiduciária, o credor torna-se titular do domínio
resolúvel sobre a coisa objeto da garantia, permanecendo sob seu domínio
até que o devedor pague a dívida. O bem, assim, é excluído do patrimônio
do devedor, só retornando a ele após o cumprimento da obrigação
garantida. 5

Para Lafayette Rodrigues Pereira, citado por Chalhub:


[…] é a propriedade fiduciária (resolúvel) uma espécie de domínio que,
“por virtude do título de sua constituição, é revogável ou resolúvel,
fenômeno este que ocorre quando a causa da aquisição do domínio encerra
em si um princípio ou condição resolutiva do mesmo domínio. 6

Para corroborar com a conceituação do instituto, a seguir, outra fonte


jurídica:
A alienação fiduciária em garantia consiste na transferência feita por um
devedor ao credor de propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem
móvel ou imóvel, como garantia de seu débito, resolvendo-se o direito do
adquirente com o adimplente da obrigação, ou melhor, com o pagamento da
dívida garantida. 7

Por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na


qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se
novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de
pagamento da dívida que constitui objeto do contrato principal. Esse ato tem
efeitos erga omnes , por meio da averbação de cancelamento da alienação
fiduciária, pela quitação, no Livro 2 – Registro Geral do Registro de Imóveis.
Para Orlando Gomes, citado por Tutikian:
A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual uma das partes
adquire, em confiança, a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la
quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal
obrigação, ou lhe seja pedida a restituição. 8

É um negócio jurídico por meio do qual o devedor transfere ao credor a


propriedade resolúvel e a posse indireta de um bem móvel infungível ou
imóvel, para que nele se instale direito real de garantia (artigo 1.361 da Lei
10.406/2002 e artigos 22 a 33 da Lei 9.514/1997).

10.4. Natureza jurídica


Para Farias e Rosenvald, citado por Cristiano Chaves de Farias, Luciano
Figueiredo, Marcos Ehrhardt Júnior e Wagner Inácio, a propriedade tem sua
essência no ordenamento jurídico em quatro fenômenos:
Esta forma de propriedade apresenta quatro fenômenos que lhe são
patentes:
a) Desdobramento da posse (como haverá a entrega do bem ao credor,
mantendo o devedor o poder imediato sobre ela. Assim, ao credor cabe a
posse indireta e ao devedor, a direta);
b) Cláusula Constituti (isto se dá porque o que era proprietário, em razão
desta cláusula, se converterá, mediante constituto possessório, em possuidor
direto);
c) Resolubilidade (a propriedade do credor é resolúvel, vez que o termo
ou condição de extinção acompanha o título atributivo);
d) Afetação (o bem passa a uma condição de afetação, não sendo
penhorável pelos credores do devedor ou do credor). (No melhor sentido que
lhe atribui o Enunciado 325 da CJF (Conselho da Justiça Federal): “É
impenhorável, nos termos da Lei 8009/1990, o direito real de aquisição do
devedor fiduciante). 9
A natureza jurídica de não ser propriedade resolúvel mas sim, fiduciária,
a seguir, observada no Portal Jurídico do Migalhas:

(…) Não é propriedade resolúvel, não porque a lei ou a vontade estejam


envolvidas; não é propriedade resolúvel porque ao celebrar o negócio o
credor fiduciário não se torna proprietário do bem resolúvel e nem o
devedor fiduciante se torna titular reivindicante. Ao estabelecer o negócio,
o bem deixa de ser de titularidade do devedor, mas também não ingressa no
patrimônio do credor. O bem fica afetado, ou seja, sem titular certo. Ocorre
como se o bem tivesse sido abandonado ou renunciado, fica num limbo
jurídico, fora do comércio, por arbítrio de qualquer das partes. O credor
fiduciário, na vigência do contrato não pode usar fruir ou dispor do bem,
tem um mero crédito abstrato e insuscetível de ser resgatado na vigência do
contrato. Já o devedor fiduciante pode usar e fruir, mas não pode dispor
sem a anuência do credor (art. 28 da Lei 9.514/07). Obviamente, o devedor
fiduciante é muito mais titular da coisa que o credor fiduciário, tem a posse
direta, o uso e a fruição. Já o credor como já dito não tem nada, a não ser
aguardar a mora e o inadimplemento para aí sim consolidar a propriedade
em si (…). 10

CHALHUB apresenta a ideia prática da propriedade sob a condição de


ser resolúvel, a seguir:
O devedor fiduciante se despe da qualidade de proprietário, embora reserve
para si os direitos econômicos do bem transmitido; na medida em que se
constitui em favor do credor fiduciário uma propriedade resolúvel, o
devedor-fiduciante passa à qualidade de proprietário sob condição
suspensiva , podendo tornar-se novamente titular da propriedade plena ao
implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do
contrato principal. Tem, assim, o devedor fiduciante uma pretensão
restitutória, que constitui uma expectativa real, subordinada, entretanto, ao
implemento da condição. 11

Seguindo a ideia do instituto e a sua natureza jurídica, o ordenamento


brasileiro destaca, a seguir, o fomento de circulação de riquezas com a
inclusão na Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário da alienação
fiduciária em garantia:
Hodiernamente, “evoluímos” da hipoteca para a alienação fiduciária.
Antigamente no Brasil, a inexistência da Alienação Fiduciária em garantia
dificultava a retomada do bem no mercado, por isso é uma eficiente
ferramenta a favor do sistema de recuperação do imóvel, além de auxiliar
na recolocação mais rápida do mesmo no mercado. Assim, no caso da Lei
n. 9.514 de 1997, o objetivo claro e inequívoco do legislador foi o de
facilitar e tornar mais segura a concessão de financiamentos para a compra
e venda de imóveis, mormente diante dos inúmeros obstáculos vinculados à
hipoteca, principal instrumento até então para o nascimento da garantia. A
hipoteca é de execução lenta, ao sabor da delonga dos processos judiciais,
ademais nem sempre possui o privilégio de sobrepujar os demais credores,
mesmo os trabalhistas e os fiscais, como garante a alienação fiduciária em
caso de falência do devedor. Na hipoteca também não ocorre a transferência
da propriedade do bem hipotecado ao credor, sendo que o devedor poderá
inclusive hipotecá-la novamente, não obstante conste na matrícula
imobiliária o registro da garantia hipotecária anterior. Esta última situação é
bastante discutível no que concerne à alienação fiduciária em garantia.
Desse modo, o instituto milenar da hipoteca acaba por perder a sua força
diante da agilidade e eficiência da alienação fiduciária no contexto
imobiliário. 12

A Súmula 308 do STJ corrobora a situação acima: “A hipoteca firmada


entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da
promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do
imóvel”.
Assim, diante da realidade e do fomento da circulação de riquezas e da
dinâmica dos contratos e relações negociais, a alienação fiduciária passou a
ter um lugar de destaque nas negociações entre as partes.
Na vida prática, se houver alguma situação jurídica em que se atinge o
bem alienado fiduciariamente, será necessária anuência. Exemplo: retificação
administrativa ou judicial de área pelo artigo 213, II, da Lei 6.015/1973 em
que o imóvel retificando tem confrontação em face de outro, que esteja
constituído em alienação fiduciária. No momento da qualificação do título,
uma das exigências será a anuência do credor fiduciário.
A doutrina tem discutido sobre a questão da propriedade resolúvel da
seguinte forma:
Independentemente de sua origem, tem-se a transmissão dominial do antigo
titular para o proprietário resolúvel, podendo o titular reivindicante trazer de
volta a coisa, uma vez operada a resolubilidade (artigo 1.359, do CC/2002).
Numa ideia mais simples é isso que se verifica na retrovenda. O
proprietário aliena um bem ao proprietário resolúvel e pode reivindicar o
bem no prazo máximo prorrogável por três anos, restituindo e
reembolsando tudo o que pagou (artigo 505, do CC/2002). Tal fenômeno
não acontece de forma alguma na alienação fiduciária, pois não é
propriedade resolúvel, não porque a lei ou a vontade estejam envolvidas;
não é propriedade resolúvel porque ao celebrar o negócio o credor
fiduciário não se torna proprietário do bem resolúvel e nem o devedor
fiduciante se torna titular reivindicante. Ao estabelecer o negócio, o bem
deixa de ser de titularidade do devedor, mas também não ingressa no
patrimônio do credor. O bem fica afetado, ou seja, sem titular certo. Ocorre
como se o bem tivesse sido abandonado ou renunciado, fica num limbo
jurídico, fora do comércio, por arbítrio de qualquer das partes. O credor
fiduciário, na vigência do contrato não pode usar, fruir ou dispor do bem,
tem um mero crédito abstrato e insuscetível de ser resgatado na vigência do
contrato. Já o devedor fiduciante pode usar e fruir, mas não pode dispor
sem a anuência do credor (art. 28 da Lei 9.514/1997). Obviamente, o
devedor fiduciante é muito mais titular da coisa que o credor fiduciário, tem
a posse direta, o uso e a fruição. Já o credor como já dito não tem nada, a
não ser aguardar a mora e o inadimplemento para aí sim consolidar a
propriedade em si. 13

Portanto, a natureza jurídica da alienação fiduciária confere direito real


de aquisição ao fiduciante, conforme artigo 1.368-B, do Código Civil, Lei
10.406/2002, porém, por meio do Portal Jurídico: Migalhas, “(…) O instituto
da alienação fiduciária existe para garantir mútuos e outros negócios jurídicos
não relacionados ao bem e nesses casos, não guardar qualquer relação com o
direito real de aquisição(…)”. 14

10.5. Características
Dentro do contexto doutrinário, pode-se afirmar que as características do
contrato de alienação fiduciária de imóveis são as seguintes:
a) Bilateral ou sinalagmático porque cria obrigações para ambos os
contraentes, que serão ao mesmo tempo credores e devedores. A
bilateralidade está no fato de estabelecer para o credor fiduciário a
obrigação de transferência da propriedade após o pagamento do débito e de
impor ao devedor fiduciante o dever de pagar o financiamento ajustado. Há
reciprocidade de obrigações. É muito importante essas características, pois
a execução da prestação por um dos contraentes será causa do cumprimento
da do outro, e, havendo inadimplemento de qualquer uma das obrigações,
romper-se-á o equilíbrio contratual;
b) Oneroso, porque ambas as partes contratantes auferem vantagens
patrimoniais, pois, de um lado, o sacrifício da perda da coisa corresponderá
ao proveito do recebimento do crédito que possibilitará a aquisição da plena
propriedade após o pagamento do débito, e, de outro, o sacrifício do
fornecimento do crédito corresponderá ao proveito da sua devolução
acrescido de juros e garantido pela propriedade resolúvel. Há, pois, uma
equivalência entre os ônus e as vantagens;
c) Comutativo, porque havendo objeto determinado, ter-se-á equivalência
das prestações e contraprestações e certeza quanto ao seu valor no ato da
celebração do negócio;
d) Típico, pois as regras que o disciplinam estão especificadas de maneira
precisa na lei, fazendo com que os contratantes adotem necessariamente a
forma legal;
e) É contrato por adesão e não de adesão, onde não há monopólio de fato
ou de direito, não sendo necessidade vital como é o fornecimento de água,
luz, gás, etc. Embora possa ser elaborado previamente e em grande escala,
pode o consumidor discutir uma ou mais cláusulas e propor até a inserção
de alguma outra, bastando não contratar se delas discordar. 15

O contrato de alienação fiduciária tem ingresso no Registro de Imóveis,


consoante o artigo 167 da Lei 6.015/1973: “I – O Registro: […] 35) da
alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel. […]”.
A respeito da escrituração do título no Registro de Imóveis, o ilustre
doutrinador, CARVALHO, Alfrânio de, a seguir, expressa:
A escrituração de Registro de Imóveis requer o adequado entrosamento de
disposições de Direito Material, concernentes aos pressupostos e efeitos do
ingresso dos direitos imobiliários no registro, e disposições de Direito
Formal, relativas aos característicos da tábua ou livro de lançamento desses
direitos, aos trâmites do processo de lançamento, às atribuições das
autoridades incumbidas do processo, à capacidade para promoção do
processo. Preparado com extremo cuidado. […] 16

E por fim, em relação ao profissional do direito que qualifica o título


(escrituração), possui independência jurídica, conforme apresenta Arthur Del
Guércio Neto e Lucas Barelli Del Guércio Neto 17 , “A independência
jurídica do notário e do registrador é a pedra angular do sistema notarial e
registral brasileira. […] Condição necessária para o exercício da profissão e
interesse público”.

10.6. A alienação fiduciária de bem imóvel e o registro de imóveis


O negócio jurídico celebrado entre as partes possui efeitos inter partes .
Para surtir efeitos perante terceiros, é necessário o registro na serventia
extrajudicial do Registro de Imóveis da circunscrição geográfica da situação
do imóvel, por meio de instrumento particular com força de escritura pública
ou por documento público, que é a própria escritura pública, com efeito
constitutivo e desdobramento da posse (posse direta e indireta), conforme os
artigos 23 e 38 da Lei 9.514/1997. As partes podem optar pela via notarial.
Neste caso, será lavrada por qualquer Tabelionato de Notas,
independentemente do local do imóvel objeto da alienação fiduciária por
profissional do direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício
da atividade notarial, conforme regramento da Lei dos Notários e
Registradores e Normas de Serviço Extrajudicial do Estado em que estiver
vinculado.
Vale ressaltar que, a questão da responsabilidade tributária tem
importância no instrumento, logo cabe esclarecer que, o fiduciante é investido
na posse direta do imóvel (parágrafo único do artigo 23, da Lei 9.514/1997),
tem direitos inerentes à posse e responsabilidades, por todos os impostos,
taxas e contribuições que incidem sobre o imóvel, com início na data em que
recebe a posse do imóvel e perdura “até a data em que o fiduciário vier a ser
imitido na posse” (§ 8° do artigo 27, da Lei 9.514/1997).
Assim, ensina CHALHUB, com a responsabilidade dos encargos:
A razão jurídica dessa regra é a comutatividade, pela qual aquele que tem a
fruição da coisa é que deve responder pelos encargos a ela correspondentes.
Quem usa o imóvel e dele tira proveito econômico são o usufrutuário,
usuário, o titular do direito de habitação e o fiduciante, e, portanto, são eles
que têm que responder pelos tributos vinculados ao imóvel objeto do
negócio. 18
Ao ingressar o título (formato: materializado ou eletronicamente) no
Registro de Imóveis, pelo princípio da instância (manifestação do usuário do
serviço em requerer o registro do documento), será protocolizado no Livro 1
– Protocolo , conforme o item 26, Capítulo XX, Normas de Serviço do
Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, tomo
II.
A prenotação no Livro 1 – Protocolo garante a prioridade do título. A
seguir, o ingresso do Contrato de Alienação Fiduciária no Registro de
Imóveis, seguindo os requisitos previstos na normatização:
Livro 1 – Protocolo. Número de ordem. Data: dia/mês/ano. Nome do
apresentante: Nome Completo. Natureza formal do título: Instrumento
Particular de Venda e Compra com Alienação Fiduciária. Atos
Formalizados: Registro da Venda e Compra número. Registro da Alienação
Fiduciária número, da Matrícula número, Livro 2 – Registro Geral.
Devolução com exigência e sua data: Nada consta. Data de reingresso do
título, se na vigência da prenotação: Nada consta. O Oficial Registrador:
____________ (Nome Completo).

Em seguida, o título é apreciado e a fé pública é aferida na qualificação


do título com a análise da matrícula do imóvel, título apresentado e as
Normas de Serviço da Unidade Federativa a que estiver vinculada a serventia
extrajudicial com a Legislação: Lei 9.514/1997 – Sistema Financeiro
Imobiliário e a Lei 10.406/2002 – Código Civil Brasileiro, que traz em seu
teor: Livro I – Do Direito das Obrigações; Livro III – Do Direito das Coisas
para análise e prudência dos atos a serem praticados.
A qualificação fica acoplada ao respeito aos princípios registrários como:
inscrição; instância; presunção de fé pública; continuidade; especialidade
objetiva e subjetiva; legalidade; publicidade; unitariedade matricial;
disponibilidade; territorialidade; concentração. Vale ressaltar que, é vedado
aplicar cindibilidade em título de venda e compra com alienação fiduciária.
E nesse raciocínio, nota-se que, a qualificação registral é muito bem
conceituada pelo Desembargador Ricardo Dip, que leciona: “Diz-se
qualificação registral (imobiliária) o juízo prudencial, positivo ou negativo,
da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no
império de seu registro ou de sua irregistração.” 19
Apreciado o título, o registrador decidirá: 1) Não apto, será devolvido
para cumprimento das exigências e anotado no Livro 1 – Protocolo. 2) Se
apto, será registrado no Livro 2 – Registro Geral , conforme o item 58,
Capítulo XX, Normas de Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da
Justiça do Estado de São Paulo, tomo II.
A seguir, o ato de registro da alienação fiduciária no Livro 2 – Registro
Geral:
CNS (Código Nacional de Serventia) número.
Livro 2 – Registro Geral. Registro número. Matrícula número. Dia, mês e
ano. Protocolo número. Em dia, mês e ano.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.
Pelo Instrumento Particular de venda e compra de imóvel, mútuo e
alienação fiduciária em garantia no sistema financeiro, com força de
escritura pública, data de emissão, o proprietário(a): (nome completo,
nacionalidade, estado civil, profissão, RG, CPF/MF, residência e
domicílio), ALIENA FIDUCIARIAMENTE o imóvel (em conformidade
com a Lei Federal n. 9.514/1997) à instituição financeira: (sede, CNPJ/MF),
nos seguintes termos: (a) obrigação garantida: dívida no valor de R$ ___
(valor por extenso); (b) prazo e condições de reposição: pagamento em n.
meses, pelo Sistema de Amortização – SAC, vencendo-se a primeira
prestação em dia, mês, ano e as demais no mesmo dia dos meses
subsequentes; (c) juros balcão: taxa nominal de número por cento a.a. e
efetiva de número por cento a.a. e taxa nominal reduzida de número por
cento a.a. e efetiva reduzida de número por cento a.a., conforme condições
constantes do contrato; (d) valor para venda em leilão: R$ ___ (valor por
extenso). O Oficial Registrador _____________ (Nome Completo). Guia
recolhida: número/ano.

Na sequência, obrigatoriamente, atualização do banco de dados nos livros


4 e 5:
Livro 4 – Indicador Real . Repositório das indicações de todos os imóveis
que figurarem no Livro n. 2. Constar a identificação se imóveis urbanos , de
suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e
sua designação cadastral, e o número de matrícula, e será feito por sistema de
banco de dados relacional. Se imóveis rurais , deverão ser indicados, não só
por sua denominação, mas também por todos os demais elementos
disponíveis: código do imóvel, dos dados constantes do CCIR e de suas
características, confrontações, localização e área, número de inscrição no
cadastro do INCRA (CCIR) e no da Receita Federal do Brasil (NIRF),
conforme Itens 90, 95 e 95.3, Capítulo XX, Normas de Serviço do
Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, tomo
II, e artigo 176, II, § 1°, item 3, alíneas a e b , da Lei 6.015/1973;
Livro 5 – Indicador Pessoal . Dividido alfabeticamente, repositório dos
nomes de todas as pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou
passivamente, direta ou indiretamente, inclusive os cônjuges, figurarem nos
demais livros, fazendo-se referência aos respectivos números de ordem. Será
feito por sistema de banco de dados relacional. Nome completo, número de
inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), ou Registro Geral da cédula
de identidade (RG), e, na falta, a sua filiação respectiva; ou, se for o caso, o
número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ),
quando for pessoa jurídica, conforme os Itens 96 e 97, Capítulo XX, Normas
de Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de
São Paulo, tomo II.
Há casos de instrumentos particulares de compra e venda com alienação
fiduciária em que se inclui a Cédula de Crédito Imobiliária em que será
averbada e dada notícia da entidade custodiante que será controlada na
constituição e na quitação do ato.
Nessa linha de raciocínio, a respeito da publicidade de atos averbados na
matrícula, a proteção ao terceiro de boa-fé vincula-se ao que constar da
certidão. A seguir, Afranio de Carvalho ensina que:
A proteção do terceiro de boa-fé, que confia na inscrição ou no
cancelamento, pressupõe que ele tome conhecimento do conjunto de
assentos relativos ao imóvel, ao invés de ater-se a uma inscrição isolada.
Essa proteção frustra-se o terceiro ler apenas a inscrição originária do
direito, seja a da matrícula do imóvel, seja a de uma hipoteca, sem ler
abaixo a inscrição preventiva de uma contradita, de uma penhora ou a
cessão de grau de hipoteca a ele referente. A fim de prevenir esse malogro,
a atual Lei dos Registros Públicos, repetindo o regulamento anterior,
preceitua, nas disposições gerais, que, requerida uma certidão, o
serventuário estendê-la-á de sua iniciativa a qualquer alteração posterior, de
sorte que, se for concernente a ônus de imóvel, alcançará aqueles inscritos
após o requerimento (Lei n. 6.015/1973, art. 21). 20

A venda e compra pela transferência da propriedade do vendedor para o


comprador e a alienação fiduciária são atos de registro.
Na serventia extrajudicial podem ocorrer as seguintes situações práticas:
1) Venda e Compra de bem imóvel residencial já construído em nome do
proprietário, futuro alienante do bem. Estando presente as partes (vendedor e
comprador), o objeto, manifestação de vontade e o preço do negócio jurídico
com pagamento a prazo, a presença do credor fiduciário será essencial para o
direito real de aquisição do fiduciante.
O ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) com o fato gerador:
incidirá sobre a transferência da propriedade e não sobre a alienação
fiduciária.
No caso, o alienante receberá o valor do negócio jurídico pago pelo
credor fiduciário. Este por sua vez, receberá em prestações mensais do
adquirente da propriedade resolúvel (devedor fiduciante), em face do contrato
de mútuo vinculado ao instrumento de financiamento do bem imóvel.
Portanto, a relação plurilateral (outorgante e outorgado para a
transferência da propriedade; devedor fiduciante e credor fiduciário para o
financiamento no mesmo ato) será formalizada após a publicidade erga
omnes via certidão de matrícula dos atos registrados (Registro de venda e
compra; Registro de alienação fiduciária e averbação do cancelamento pela
quitação e reversão da propriedade plena).
2) Proprietário de um lote de terreno registrado e com a pretensão de
construção realiza perante instituição de crédito, uma alienação fiduciária,
perante credor fiduciário. Nota-se neste caso que, não há a figura do
alienante.
A finalidade é a construção e averbação da atualização para a
especialidade objetiva no imóvel. (Registro da alienação fiduciária;
Averbação de construção e averbação do cancelamento da alienação
fiduciária pela quitação e reversão da propriedade plena). Não incidirá o ITBI
(Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), porque o imóvel é do devedor
fiduciante, que alienou fiduciariamente.
CHALHUB esclarece que:
(…) Na hipótese de recusa ou de delonga por mais de trinta dias, ficará o
fiduciário: a) sujeito à ação do fiduciante, em que este pleiteará o
cumprimento da obrigação de outorgar o termo de quitação, e b) sujeito à
multa correspondente a meio por cento por mês ou fração, sobre o valor do
contrato. 21 No procedimento de cumprimento das condições legais e
contratuais do instrumento particular de contrato de compra e venda com
alienação fiduciária, o devedor fiduciante que quitar a obrigação oriunda do
financiamento apresenta ao Registro de Imóveis um instrumento particular
que autoriza o cancelamento do ato de registro referente à alienação
fiduciária.

Nesse ponto, o Oficial Registrador prenotará o título e analisará as


formalidades legais como: reconhecimento de firma do representante do
credor fiduciário; procuração atualizada com reconhecimento de firma (sinal
público) ou confirmação por meio da Central Notarial de Serviços
Eletrônicos Compartilhados – CENSEC para, na sequência, averbar na
matrícula o cancelamento. Assim, no plano da eficácia, o presente imóvel, até
a presente data, estará livre de ônus.
Seguindo o teor da ideia das formalidades contratuais para o
cumprimento das obrigações e o teor da lei, o contrato que serve de título ao
negócio fiduciário conterá:
Artigo 24: I – o valor do principal da dívida; II – o prazo e as condições de
reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III – a taxa de juros e
os encargos incidentes; IV – a cláusula de constituição da propriedade
fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a
indicação do título e modo de aquisição; V – a cláusula assegurando ao
fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do
imóvel objeto da alienação fiduciária; VI – a indicação, para efeito de venda
em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva
revisão; VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o
artigo 27 (uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário,
no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do registro de que trata o §
7° (averbação por força do requerimento de consolidação e apresentação
do ITBI, e, se for o caso, do laudêmio) do artigo 26, promoverá público
leilão para a alienação do imóvel).
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas partes nos
termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao utilizado pelo
órgão competente como base de cálculo para a apuração do imposto sobre
transmissão inter vivos, exigível por força da consolidação da propriedade
em nome do credor fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito
de venda do imóvel no primeiro leilão. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)
22 .

As Normas de Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça


do Estado de São Paulo, em seu Item 236, VIII, tomo II, elencam mais um
requisito que não está previsto no artigo 24 da Lei 9.514/1997: “o prazo de
carência a ser observado antes que seja expedida intimação para purgação de
mora ao devedor, ou fiduciante, inadimplente”.
Assim, diante do dispositivo legal expresso acima, verificando que o
contrato sinalagma não está seguindo o que foi ajustado, pelo fato de o
devedor fiduciante não estar adimplente, a legislação e as Normas de Serviço
autorizam procedimento administrativo extrajudicial de intimação para o
devedor inadimplente purgar a mora, observado, antes, o prazo de carência. É
ato a ser protocolado no Livro 1 – Protocolo, para as diligências de intimar e
purgar a mora.
Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal
ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do
fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no
prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do
pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos
contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições
condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de
intimação. 23

No caso da atividade registral, se ocorrer o não cumprimento do


pagamento da prestação, o oficial receberá do credor fiduciário a intimação
acompanhada do requerimento, demonstrativo de débito ou projeção da
dívida a ser paga, incluindo as despesas com a serventia extrajudicial, com
base no subitem 242.1, Capítulo XX, Normas de Serviço do Extrajudicial, da
Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, tomo II.
Todo o procedimento de diligência será realizado e certificado das
ocorrências:
1) Se estiver na mesma comarca , será pelo próprio registro de imóveis da
circunscrição da situação do imóvel;
Duas são as possibilidades: a purga da mora ou o adimplemento contratual.
Na primeira hipótese, convalesce o contrato de alienação fiduciária,
devendo o fiduciante continuar a cumprir as obrigações contratuais
restantes. O montante devido deve ser pago no próprio Serviço de Registro
de Imóveis, devendo ser repassado para o credor, abatidas as despesas para
a intimação […] 24

2) Se estiver em comarca diversa , será prenotado e encaminhado para as


providências no registro de imóveis ou registro de títulos e documentos do
local onde estiver domiciliado ou pelo correio, com AR (aviso de
recebimento).
3) Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador
regularmente constituído, encontrar-se em outro local, incerto e não sabido, o
oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de
Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, contado o
prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital,
conforme o artigo 26, § 4°, da Lei 9.514/1997.
4) Pode ainda haver a desistência por parte da credora da intimação .
Embora sem previsão expressa na Lei 9.514/1997, não é raro que no curso
do procedimento de intimação devedor fiduciante, credor e devedor
componham-se quanto à dívida, tornando desnecessário o prosseguimento
do procedimento. Antes da averbação da consolidação da propriedade,
como ainda não foi lançado nenhum ato no Livro 2, basta a apresentação de
requerimento do credor e o oficial poderá arquivar o procedimento,
cancelando a correspondente prenotação. Após a averbação da consolidação
da propriedade e o pagamento do ITBI e eventual laudêmio, porém,
somente por novo título e novos registros, pago novamente o ITBI e
eventual laudêmio, poderá regressar-se à situação anterior. 25

Segundo acórdão da 5a Câmara do TJSP, 3° Grupo, relator o


Desembargador Pereira Calças, citado por Alyne Yumi Konno,
Importante ressaltar que os Tribunais do Estado de São Paulo têm
reafirmado que “a previsão de leilão extrajudicial e consolidação da
propriedade fiduciária em nome do credor por ato do registrador imobiliário
não afronta a Constituição Federal, já que o acesso ao Judiciário, a ampla
defesa e o contraditório continuam assegurados ao devedor que se sentir
prejudicado. 26

5) É importante mencionar que a Lei 13.465/2017 incluiu a possibilidade


de intimação por hora certa , na hipótese de o Oficial do Registro de Imóveis
ou de Registro de Títulos e Documentos por duas vezes haver procurado o
intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar e, havendo
suspeita de ocultação, designar alguém para que, no dia útil imediato, retorne
ao imóvel para cumprir a diligência com êxito, aplicando subsidiariamente a
Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil), consoante o artigo 26, § 3°-A,
da Lei 9.514/1997. Por outro lado, o Item 253.1, Capítulo XX, Normas de
Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São
Paulo , tomo II, menciona três vezes.
O prazo de 15 dias é contado para a purgação da mora. Não cumprido o
artigo 26, § 1°, da Lei 9.514/1997, aguardará a apresentação do comprovante
de recolhimento do Imposto de Transmissão Inter Vivos, ou, se for o caso, do
laudêmio, para averbação na matrícula do imóvel, referente à consolidação da
propriedade em nome do credor fiduciário. Esse ato de expiração do prazo é
informado mediante ofício expedido pelo Registro de Imóveis.
As Normas de Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça
do Estado de São Paulo, tomo II, Item 259, expressa que:
Uma vez consolidada a propriedade em nome do fiduciário, este deverá
promover a realização de leilão público para venda do imóvel, nos 30 (trinta)
dias subsequentes, contados da data da averbação da consolidação da
propriedade, não cabendo ao Oficial do Registro de Imóveis o controle desse
prazo.
O credor, para requerer a consolidação da propriedade, tem prazo de até
120 dias, contado do recebimento do ofício. Caso não requeira, será
necessário novo procedimento de intimação, conforme o Item 256.1, Capítulo
XX, Normas de Serviço do Extrajudicial, da Corregedoria Geral da Justiça do
Estado de São Paulo, tomo II.
Consolidada a propriedade, “por ato de averbação, por requerimento da
parte” 27 , junta-se o comprovante da certidão de matrícula do ato e finaliza o
procedimento em um único número de prenotação (intimação à consolidação
da propriedade).
De acordo com Miguel Maria de Serpa Lopes, citado por Chalhub:
De fato, o correto é averbação porque a consolidação se dá por
cancelamento da condição resolutiva. Efetivamente, ao se constituir a
propriedade fiduciária, a propriedade é atribuída ao fiduciário com exclusão
ou limitação de poderes, que são objeto de ressalva no título constitutivo.
Dada essa estrutura da propriedade fiduciária, a consolidação resultará
apenas da retirada dessa ressalva, com o que a propriedade deixará de ser
provisória e restrita e passará a ser definitiva e exclusiva, não havendo
necessidade de constituição de nova propriedade (v. SERPA LOPES,
Miguel Maria de, Tratado , cit., p. 373 e ss.) 28 .

Para ilustrar a ideia da atividade registral, a averbação de consolidação da


propriedade no Livro 2 – Registro Geral, do Registro de Imóveis:
Livro 2 – Registro Geral. Averbação número. Matrícula número. Em dia,
mês e ano. Protocolo número. Em dia, mês e ano.
CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE.
Procede-se a esta averbação, nos termos do artigo 26, da Lei n. 9.514/1997,
bem como do requerimento de dia, mês e ano, para constar a consolidação
da propriedade fiduciária do imóvel desta matrícula em favor do(a)
credor(a) NOME COMPLETO, CPF ou CNPJ sob número, tendo em vista
que o devedor fiduciante não purgou a mora. O Oficial Registrador:
____________ (Nome Completo). Guia Recolhida: número/ano.

Na sequência, em prenotação autônoma, será realizado o leilão por


leiloeiro com matrícula na Junta Comercial. Após o procedimento, ingressará
no Registro de Imóveis e acompanhará com requerimento: duas publicações
em jornal de circulação que comprovem a situação.
No primeiro público leilão , a indicação do valor do imóvel , estipulado
na forma do artigo 24, VI; e, se for inferior ao valor do imóvel declarado,
será o da base de cálculo do ITBI para a consolidação utilizado pelo órgão
competente , valor mínimo para parâmetro do primeiro leilão, conforme o
parágrafo único do mesmo artigo e o artigo 27, § 1°, da Lei 9.514/1997.
No segundo leilão, nos 15 dias seguintes, será aceito o maior lance
oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida , das despesas, dos
prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições
condominiais, conforme o artigo 27, § 2°, da Lei 9.514/1997.
A Lei 13.465/2017, na ideia de preservar a identidade do patrimônio ao
devedor fiduciante, no sentido de assegurar o direito de preferência para
adquirir o imóvel que foi consolidado para o credor fiduciário, resolveu
acrescentar ao artigo 27 da Lei 9.514/1997 os seguintes parágrafos:

Artigo 27. […] § 2°-A. Para os fins do disposto nos §§ 1° e 2° deste artigo,
as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor
mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato,
inclusive ao endereço eletrônico. (Incluído pela Lei 13.465, de 2017)
§ 2°-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no
patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo
leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para
adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos
encargos e despesas de que trata o § 2 ° deste artigo, aos valores
correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se
for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no
patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de
cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento
dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do
imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos
(Incluído pela Lei 13.465, de 2017). […] 29 .

A notícia dos leilões será averbada na matrícula do imóvel. A seguir, a


forma prática na atividade registral no Livro 2 – Registro Geral:
Livro 2 – Registro Geral. Averbação número. Matrícula número. Em dia,
mês e ano. Protocolo número. Em dia, mês e ano.
LEILÕES NEGATIVOS.
Procede-se a esta averbação, nos termos do requerimento de dia, mês e ano,
para constar que NOME COMPLETO, já qualificado(a), realizou os leilões
públicos disciplinados no artigo 27 da Lei n. 9.514/1997, sendo o primeiro
em dia, mês e ano e o segundo em dia, mês e ano, ambos na cidade (nome
da cidade), (Estado), conduzido pelo Leiloeiro Oficial (Nome completo),
Matrícula na JUCESP número (xxx), sem ofertas de lances, bem como, para
constar a quitação formal da dívida, ficando, em consequência, encerrado o
regime jurídico da Lei n. 9.514/1997, podendo o(a) proprietário(a) dispor
livremente do imóvel. O Oficial Registrador: ____________ (Nome
Completo). Guia Recolhida: número/ano.

A Lei 13.465/2017 acrescentou o parágrafo único ao artigo 30 da Lei


9.514/1997, a seguir descrito:
Parágrafo único. Nas operações de financiamento imobiliário, inclusive nas
operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei
11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de
cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), uma vez averbada a
consolidação da propriedade fiduciária, as ações judiciais que tenham por
objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos
procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação
do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos e não obstarão a
reintegração de posse de que trata este artigo.

Na sequência da publicação dos leilões, caso compareça um terceiro


interessado, o bem será arrematado. A seguir, uma questão doutrinária em
face da posse do imóvel adquirido pela arrematação.
O adquirente do imóvel oferecido em leilão poderá promover ação de
reintegração de posse para assumir o controle material do imóvel, não
havendo necessidade de ação petitória (reivindicatória ou imissão de posse).
Com isso, tem assegurado um rito especial que prevê concessão liminar da
posse direta, devendo o devedor desocupar o bem no prazo de 60 dias (art.
30 da Lei 9.514/1997). 30

Por fim, diante da publicidade dos leilões, a arrematação segue no


Registro de Imóveis, como ato de registro, no Livro 2 – Registro Geral, a
seguir:
Livro 2 – Registro Geral. Registro número. Matrícula número. Em dia, mês
e ano. Protocolo número. Em dia, mês e ano.
ARREMATAÇÃO.
Nos termos do Auto de Arrematação, realizado pelo segundo leilão
extrajudicial, em dia, mês e ano, pelo Leiloeiro Oficial, Nome completo,
matrícula na Jucesp sob número (xxx) e ato complementar contínuo, nos
termos do instrumento particular firmado pelo interessado (Nome
Completo), conforme o artigo 27 da Lei n. 9.514/1997, verifica-se que o
imóvel desta matrícula foi ARREMATADO/ADQUIRIDO , por: Nome
Completo, nacionalidade, estado civil, profissão, portador do Registro Geral
da Cédula de Identidade número (xxx), expedida pelo Órgão Expedidor/UF,
e cadastro de pessoa física CPF número (xxx), residente e domiciliado
(logradouro, número, bairro, cidade, Estado), pelo valor de R$ ____ (valor
por extenso). O Oficial Registrador ____________ (Nome Completo). Guia
Recolhida: número/guia.

Assim, a alienação fiduciária extingue: 1) adimplemento direto com a


quitação e cancelamento; 2) retomada do bem pelo credor : inadimplemento
da obrigação e procedimento extrajudicial via Registro de Imóveis com a
prenotação e formalização de cada etapa: intimação, consolidação de
propriedade, leilões públicos e carta de arrematação. Por fim, é dever do
Oficial Registrador informar a Secretaria da Fazenda – Receita Federal do
Brasil a DOI (Declaração sobre operações imobiliárias) das compras e
vendas a prazo, por alienação fiduciária; consolidações realizadas ou pela
carta de arrematação , conforme o caso, por determinação da Instrução
Normativa da Receita Federal.
Comunica-se também a Central da ARISP (Associação dos Registradores
Imobiliários de São Paulo) para fins estatísticos do número de contratos
fiduciários realizados em cada exercício.
E com base na Lei de Registros Públicos e Normas de Serviço do
Extrajudicial, os atos prenotados, qualificados e registrados serão arquivados
e digitalizados, formando o acervo documental integrante do Registro de
Imóveis. A publicidade indireta dos livros ou documentos arquivados
ocorrerão por meio da Certidão de Matrícula .
Portanto, a alienação fiduciária tem se difundido com grande rapidez em
decorrência das vantagens que gera ao credor pela forma extrajudicial e
celeridade do procedimento de intimação e consolidação da propriedade, sem
morosidade.

10.7. Casos práticos


“1 – O imóvel adquirido por alienação fiduciária não pode ser oferecido,
nem penhorado em garantia de dívidas do fiduciante. Isso porque o domínio
do bem imóvel assim adquirido, enquanto não quitado todo o valor do débito
para com o fiduciário, é de exclusiva propriedade deste.” 31
2 – “Tratando-se de vários devedores, ou cessionários, inclusive
cônjuges, necessária a promoção da intimação individual e pessoal de todos
eles. Não sendo possível, a cientificação pessoal será feita por edital.
Providências bastantes para início do prazo para purgação da mora e
consequente consolidação de propriedade, se for o caso.
3 – O contrato de alienação fiduciária de vários imóveis em
circunscrições diversas não é ilegal, mas precisa conter cláusulas que
mostrem como será a execução, em qual das serventias será processada a
constituição em mora do fiduciante, em qual delas serão realizados os leilões,
onde serão publicados os editais, etc. Se não houver essa previsão, será
impossível a execução.
4 – Se o devedor quiser, poderá realizar Dação em Pagamento ao credor.
5 – O nu-proprietário tem plena disponibilidade de seu direito. Pode
vender, doar, dar em pagamento e hipotecar. Pode também transferir a nua
propriedade fiduciária. O direito do usufrutuário permanece íntegro […]
(Informação Verbal).” 32
6 – “[…] A Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) é um título emitido pelo
credor. No caso do comprador que adquire o imóvel a prazo, com contrato de
empréstimo (mútuo), pode ser emitida em anexo, ou em documento separado,
a cédula. As espécies de CCI podem ser cartular ou escritural, inserida pela
Lei n. 10.931/2004. Vale comentar que, a instituição custodiante sabe-se
quem é o credor, pela continuidade no registro de imóveis, que pelo
cancelamento da alienação fiduciária, constará a baixa da CCI que
acompanhará o instrumento de quitação e a informação da declaração da
Autoridade Custodiante […]. (Informação verbal).” 33
7 – Ainda pode ocorrer a portabilidade, também chamada, pela Lei
6.015/1973, artigo 167, II, 30, de sub-rogação: “Da sub-rogação de dívida, da
respectiva garantia fiduciária ou hipotecária e da alteração das condições
contratuais, em nome do credor que venha a assumir tal condição na forma
do disposto pelo art. 31 da Lei 9.514/1997 […]. Trata da questão da garantia
financiada com juros elevados. Ideia dos devedores fiduciantes x instituição
financeira diversa, sendo para aquele pagar prestações mensais de forma mais
acessível. Quitação da alienação fiduciária, cancelamento por averbação. Em
seguida, nova constituição com o remanescente do valor financiado será
registrada.”
8 – “Direito de laje. Objeto. O direito real de laje, na definição da lei,
consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas
de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir
que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro
edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo –
artigo 1.510-A da Lei 10.406/2002. Objeto de alienação fiduciária. Direito
autônomo. Direito real de laje seja de superfície ou sobreposta, sendo uma
espécie de superfície. Não há dúvida de que poderá ser dado, tal como a
superfície, em garantia por meio de Alienação Fiduciária. (Informação
verbal).” 34
9 – “1a VRP/SP: Pedido de providências – Consolidação da propriedade
em alienação fiduciária, após notificação para purgação da mora – pagamento
realizado diretamente ao credor – impossibilidade de cancelamento da
averbação – necessidade de realização de novo negócio jurídico –
improcedência (Processo 1007296-57.2017.8.26.0100)”.

10.8. Jurisprudência
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – PRAZO DA DÍVIDA – REQUISITOS
FORMAIS.
1VRPSP – PROCESSO: 1100924-03.2017.8.26.0100. LOCALIDADE: São
Paulo. DATA DE JULGAMENTO: 28.11.2017. DATA DJ: 28.11.2017.
UNIDADE: 1. RELATOR: Tânia Mara Ahualli. LEI: LAF – Lei de
Alienação Fiduciária de Bem Imóvel – 9.514/1997. ART. 24 INC: II
Alienação fiduciária – prazo da dívida – requisitos formais. ÍNTEGRA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – COMARCA
DE SÃO PAULO – FORO CENTRAL CÍVEL – 1a VARA DE
REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital n. 1100924-03.2017.8.26.0100. Classe – Assunto Dúvida –
Registro de Imóveis. Requerente: BS Factoring Fomento Comercial Ltda.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1° Registro de Imóveis da
Capital, a requerimento de BS. FACTORING FOMENTO COMERCIAL
LTDA, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro de instrumento
público de instituição de alienação fiduciária, lavrada pelo Oficial do
Registro Civil e Tabelião de Notas de Pirapitingui – Itu, referente ao imóvel
objeto da matrícula n. 95.815.
O óbice registrário refere-se à ausência do prazo de vencimento da dívida e
das condições de pagamento no título apresentado, em dissonância com o
previsto no artigo 24, II, da Lei 9.514/97, o que acarretaria risco à
segurança jurídica dos negócios. Juntou documentos às fls. 04/175.
A suscitada apresentou impugnação às fls. 176/187. Argumenta que o
dispositivo legal não se aplica à presente hipótese, por se tratar de negócio
jurídico acessório, ou seja, visa garantir os títulos de crédito. Aduz que o
Código Civil expressamente permite a emissão de títulos de crédito sem
data de vencimento ou condições de pagamento, devendo prevalecer sobre a
Lei n. 9.514/97.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 193/194).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Saliento que a presente questão já foi objeto de análise no processo n.
1049051-95.2016.8.26.0100. Como é sabido, ao se constituir a alienação
fiduciária, tanto por instrumento público como particular, a propriedade do
imóvel é transferida para o credor, ficando o devedor na posse direta do
bem durante o período em que vigorar o financiamento. Caso haja o
inadimplemento da dívida, o Cartório de Registro de Imóveis notifica o
devedor, de modo a constituí-lo em mora e, persistindo em aberto a
obrigação, a propriedade será consolidada em favor do credor.
Ao par da alegação da suscitada, no tocante à existência de dispositivo legal
no Código Civil, versando sobre a possibilidade de emissão de títulos de
crédito sem a data de vencimento ou condições de pagamento, deve-se
atentar que o instituto da alienação fiduciária é regulado por lei específica,
qual seja, a Lei n. 9.514/97, que se sobrepõe à lei geral, no caso de conflito
de regulamento.
Neste contexto, incumbe ao Registrador ao examinar o instrumento
particular de constituição de alienação fiduciária em garantia e outras
avenças, verificar se foram observados os requisitos formais previstos no
artigo 24 da Lei 9.514/97: “Art. 24: O contrato que serve de título ao
negócio fiduciário conterá: I – o valor do principal da dívida; II – o prazo e
as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III – a
taxa de juros e os encargos incidentes; IV – a cláusula de constituição da
propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação
fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; V – a cláusula
assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua
conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; VI – a indicação,
para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios
para a respectiva revisão; VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos
de que trata o art. 27”.
Ressalto que o rol estabelecido em lei é taxativo, apontando como
elementos indispensáveis ao contrato de alienação fiduciária o prazo e as
condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário.
Assim, deve o Registrador, ao qualificar o título apresentado, constatar se
foram preenchidos todos os requisitos legais, sob pena de violação ao
princípio da legalidade. Como bem exposto pelo Oficial: “a data do
vencimento e as condições do negócio fiduciário, dizem respeito à sua
especialização a fim de que todos possam ter conhecimento da extensão dos
gravames sobre a propriedade imóvel, notadamente, terceiros que
eventualmente queiram contratar com o fiduciante, na hipótese deste
procedimento, como prestador de garantia”.
Neste contexto, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura, já decidiu
que: “Registro de Imóveis – Dúvida – Contrato de alienação fiduciária em
que não observados integralmente os requisitos previstos no artigo 24, e
seus incisos, da Lei n. 9.514/97 – Registro inviável – Recurso não provido”
(Apelação Cível n. 254-6/0, da Comarca de Avaré; Apelante: Vilemondes
Garcia de Andrade Filho. Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos
e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da mesma Comarca. Rel.: Ex
Corregedor Geral da Justiça: José Mário Antonio Cardinale; j. 20.04.2005).
Confira-se do corpo do Acórdão: “… Por fim, anoto que ao oficial
registrador compete verificar a presença dos requisitos do contrato de
alienação fiduciária como condição para o registro, em cumprimento do
princípio da legalidade, afigurando-se correta a recusa quando ausentes
aqueles previstos em lei. Neste sentido a seguinte lição de José de Mello
Junqueira: ‘Todos esses elementos exigidos pelo art. 24 são obrigatórios e
devem constar do contrato, e ainda o prazo de carência previsto no § 2° do
art. 26. São requisitos de validade para o título de constituição da
propriedade fiduciária e que deverão ser observados, rigorosamente, pelas
partes, Tabeliães e registros de Imóveis e para que nasça o direito e garantia
real nele representado’ (Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel , Ed.
ARISB, 1998, pág. 46). Logo, mostra-se correta a exigência imposta pelo
Registrador. Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo
Oficial do 1° Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de BS.
FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA, e consequentemente
mantenho os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas,
despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se
os autos ao arquivo. P.R.I.C..” 35

10.9. Conclusão
Diante da introdução e desenvolvimento do instituto da alienação
fiduciária, sem esgotar o assunto, pode-se concluir que, no quesito Sistema
Financeiro Imobiliário, as demais modalidades contratuais deixaram de ser
opção frequente dos usuários do serviço, diante das vantagens jurídicas que o
contrato de alienação proporciona, dinamizando as relações sociais e
econômicas no País.
Seguindo o raciocínio jurídico, a questão dos instrumentos particulares
com força de escritura pública ou de documento público, lavrado por meio de
escritura pública, pelo Tabelião de Notas, estatisticamente tem avançado
nestas duas décadas da existência da Lei 9.514/1997.
As partes contratantes possuem direitos e obrigações. Na contratação da
garantia fiduciária importa na transmissão da propriedade do bem ao credor,
sob condição resolutiva e o adimplemento, faz a reversão da propriedade ao
patrimônio do devedor fiduciante.
Nas condições pactuadas se incidir o inadimplemento/mora, será
necessário um procedimento administrativo de intimação extrajudicial, com
previsão legal e normativa e o direito aquisitivo não surtirá os efeitos
plenamente, ocorrendo a consolidação ao credor fiduciário.
Nota-se que, deve observar os requisitos do valor da dívida, do prazo,
taxa de juros, descrição do bem imóvel e prazo de carência, diante da
legalidade, boa-fé objetiva e a função social dos contratos, garantindo a
desjudicialização.
Portanto, a alienação fiduciária proporciona segurança às relações
jurídicas para os investidores serem atraídos para o crédito imobiliário, o que
certamente será viável para financiamento pelo Sistema Financeiro
Imobiliário (SFI), Sistema Financeiro de Habitação (SFH), Programa Minha
Casa, Minha Vida (PMCMV) e Fundo de Arrendamento Residencial (FAR)
do mútuo emprestado, permitindo que mais famílias tenham acesso a um
financiamento a partir de um planejamento prévio e consigam adquirir a tão
sonhada casa própria, garantindo o direito social à moradia, previsto na
Constituição da República Federativa do Brasil e fazendo circular riquezas e
a economia para a estabilidade nacional.

10.10. Referências bibliográficas


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1. Artigo 170 da Constituição Federal.


2. GODOY, Minéia de. Alienação fiduciária. Boletim Jurídico . Disponível em: [
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3. Artigo 1.368-B do Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002.
4. Artigo 67 da Lei 13.465/2017.
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PAIVA, João Pedro Lamana. Novo direito imobiliário e registral . São Paulo:
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9. FARIAS E ROSENVALD. Apud FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO,
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22 . Artigo 24 da Lei 9.514/1997.
23 . Artigo 26, § 1°, da Lei 9.514/1997.
24 . LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos : teoria e prática. São Paulo:
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26 . TJSP. Agravo de Instrumento 8880.879-00/2. 5 a Câmara do Terceiro Grupo.
Relator Desembargador Pereira Calças. Data do julgamento: 27.01.2005.
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Imóveis: teoria e prática . São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2010. p. 119.
27 . A redação original da Lei 9.514/1997 falava em registro, mas a Lei
10.931/2004 deu nova redação ao § 7° do artigo 26, deixando claro que o ato é
de averbação.
28 . SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado . p. 373 e ss. Apud CHALHUB,
Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 282.
29 . LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. São Paulo:
2013. p. 552.
30 . LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. São Paulo:
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31 . OLIVEIRA, Nelson Correa de. Aplicações do direito na prática notarial e
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Imóveis. Curso UNIREGISTRAL . Universidade do Registro de Imóveis.
Acesso em: 2016.
33 . SILVA, Willian de Paula . Curso VFK – Educação : curso e atualização da
atividade notarial e registral. Acesso em: maio 2016.
34 . MONTEIRO, Ralpho Waldo de Barros. Atualização e aperfeiçoamento em
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35 . KOLLEMATA. Coletânea de Jurisprudência . Disponível em:
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