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MINI-CURSO DE

FALÁCIAS
EXEGÉTICAS
Guilherme Nunes e Yago Martins
Aula 01 • Falácias de Vocabulário • parte 1
Baseado no livro “Os Perigos da Interpretação Bíblica”, de D. A. Carson.

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01 A Falácia do Radical
Definição: Falácia que pressupõe que o significado de uma determinada palavra
está vinculado à sua forma, aos seus componentes ou à sua etimologia.

Exemplo: Lemos em 1Coríntios 4.1: “Portanto, os homens devem nos


considerar servos (ὑπηρετης) de Cristo”. A palavra para servos usada nesta
passagem foi erroneamente traduzida como “sub-remador” por causa do
aparente uso de o prefixo preposicional ὑπο (que significa “sob”) e a raiz ἐρετης
(que pode parecer estar relacionada a ἐρεσσω, uma palavra para “remador”
usada em Homero). No entanto, é falacioso derivar o significado de ὑπηρετης
diretamente desses dois componentes; a palavra não significa “sub-remador”,
mas simplesmente servo. Um paralelo em inglês seria derivar o significado de
abacaxi (pineapple) de pinho (pine) e maçã (apple). Derivar os significados das
palavras desta forma nem sempre será diferente do sentido normal da palavra
(como no caso de ἐκβάλλω, “jogar fora”), mas é preciso ter cuidado.

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02 Anacronismo Semântico
Definição: Falácia em que uma definição tardia de uma palavra é aplicada em
literatura anterior.

Exemplo: Em Romanos 1.16, lemos: “Não me envergonho do Evangelho porque


é o poder [δύναμις] de Deus para a salvação”. Aqui, δύναμις pode ser traduzido
erroneamente por dinamite, um derivado posterior da palavra grega original.
Esta tradução é falaciosa porque Paulo não teria a ideia de “dinamite” em mente
quando escreveu a epístola, nem tal definição se encaixaria no contexto da
passagem (dinamite, embora poderosa, destrói; enquanto Paulo está falando
do poder de Deus em efetuar a salvação).

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03 Obsolescência Semântica
Definição: Falácia em que o intérprete aplica um significado obsoleto de uma
palavra.

Exemplo: O uso da palavra κεφαλή em 1Coríntios 11.2-16 foi interpretado


como significando “fonte” ou “origem” com base nas definições do léxico
clássico padrão. No entanto, na época da escrita bíblica, esse uso de κεφαλή
era obsoleto; em vez disso, a palavra teria significado “cabeça” no período de
tempo do Novo Testamento.

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04 Apelar para significados
desconhecidosou improváveis

Definição: Falácia em que um significado desconhecido, improvável ou


esotérico é aplicado a uma determinada palavra.

Exemplo: Continuando com o exemplo anterior, mesmo no léxico clássico


padrão, o uso de κεφαλή para significar “fonte” ou “origem” é raro e incerto.
Portanto, mesmo ignorando a falácia da obsolescência semântica, esse
significado particular é improvável. Sua falta de atestação na história da
interpretação também sugere que um significado raro e incerto de uma palavra
foi aplicado a κεφαλή em contextos do Novo Testamento por causa de razões
ideológicas.

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05 Apelo descuidado ao material de fundo
Definição: Esta falácia é semelhante ao apelo a significados desconhecidos ou
improváveis, pois aplica mal o pano de fundo de uma determinada palavra,
embora esse pano de fundo possa não produzir um significado desconhecido
ou improvável.

Exemplo: a própria dissertação de Carson em sua exegese de João 3.5, quando


fala de “água [ὕδατος] e Espírito”. Em sua interpretação original, ele pesou as
várias interpretações anteriores e pousou na probabilidade de que a água se
referia ao “sêmen masculino” e, portanto, no contexto, Jesus está falando de
“nascimento natural (água) e nascimento sobrenatural (espírito)”. No entanto,
um de seus alunos lhe mostrou que é melhor entender essas duas palavras
como cumprimento de Ezequiel 36.25-27. Portanto, Jesus não está se referindo
a nascimentos múltiplos neste versículo (embora ele use a linguagem de
“renascer” antes), nem está usando “água e espírito” como hendíade (duas
palavras para falar de uma coisa só). Em vez disso, ele se refere ao único
nascimento (o renascimento) e à dupla obra do Espírito neste nascimento —
limpar (com água) e renovar (com espírito).

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06 Paralelomania Verbal
Definição: Falácia onde a lista de paralelos verbais em algum corpo da literatura
é usado como se esses fenômenos básicos demonstrassem ligações
conceituais ou mesmo dependência. Foi citado no artigo clássico de Samuel
Sandmel (“Parallelomania,” Journal of Biblical Literature 81, 1962, p. 1-13).
Desde o artigo de Sandmel, os estudiosos têm sido mais criteriosos em sua
tentativa de encontrar dependência quando há apenas similaridade, mas essa
falácia ainda ocorre.

Exemplo: Os estudos de Rudolf Bultmann e C. H. Dodd em João 1.1-18


objetivaram encontrar paralelos em outra literatura, no entanto, eles apenas se
sobrepuseram em 7% de seus estudos, o que sugere que qualquer peso
significativo em qualquer um dos resultados é, na melhor das hipóteses,
duvidoso.

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07 Ligação de linguagem e mentalidade
Definição: Falácia que defende que o pressuposto de que qualquer linguagem
restringe tanto os processos de pensamento das pessoas que a usam que são
forçadas a certos padrões de pensamento e protegidas de outras.

Exemplo: Muitos defenderam que o hebraico pensava em imagens e,


consequentemente, seus substantivos são concretos e vívidos. Diziam que por
não existir gênero neutro, para o semita tudo está vivo. Mas se algo fosse
considerado morto simplesmente porque era neutro em gênero, τό παιδίον (“as
crianças”) não poderia ser um ser vivo para nenhum pensador grego, o que é
um absurdo.

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O Instituto Schaeffer de Teologia e Cultura é uma organização cristã fundada
para fortalecer a igreja do Brasil, promovendo educação teológica de viés
reformado. Inspirado no frutífero trabalho de Francis Schaeffer, o Instituto
tem atuado para responder as questões de nosso tempo, relacionadas ao
desafiador contexto social brasileiro. Fazem parte do escopo de atuação do
Instituto Schaeffer a produção de literatura, a promoção de cursos e a
realização de encontros teológicos, como o Fórum Nordestino de
Cosmovisão Cristã. Ao serem questionadas pelos inimigos acerca da razão
de sua fé, algumas igrejas têm enfrentado dificuldades para elaborar
respostas biblicamente fundamentadas e coerentes com o que de fato
creem, enquanto muitas outras têm sucumbido frente às pressões de
secularização que lhes são impostas. Por essa razão, o Instituto Schaeffer
disponibiliza ferramentas para o desenvolvimento da cosmovisão cristã e o
aprofundamento teológico dos cristãos brasileiros, incentivando o seu
compartilhamento nas igrejas locais, o apoio à liderança e uma vida vivida
sem temor de anunciar toda a Verdade de Deus.

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