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Declaração

Confiança suplicante

sobre o sentido pastoral das bênçãos

Apresentação

A presente Declaração considera várias questões que chegaram a este


Dicastério, tanto nos anos anteriores quanto nos mais recentes. Para sua
redação, como é prática comum, consultaram-se especialistas, iniciou-se um
processo adequado de elaboração e a proposta foi discutida no Congresso da
Seção Doutrinária do Dicastério. Durante o período de elaboração deste
documento, houve também discussões com o Santo Padre. A Declaração foi
finalmente submetida à análise do Santo Padre, que a aprovou com sua
assinatura.

No curso do estudo do assunto abordado por este documento, foi destacada a


resposta do Santo Padre aos Dúbia de alguns Cardeais, que forneceu
importantes esclarecimentos para a reflexão apresentada aqui e representa um
elemento decisivo para o trabalho do Dicastério. Dado que “a Cúria Romana é,
antes de mais nada, um instrumento de serviço para o sucessor de Pedro”
(Const. Ap. Praedicate Evangelium, II, 1), nosso trabalho deve favorecer,
juntamente com a compreensão da doutrina perene da Igreja, a recepção do
ensinamento do Santo Padre.

Assim como na já citada resposta do Santo Padre aos Dúbia de dois Cardeais, a
presente Declaração mantém-se firme na doutrina tradicional da Igreja sobre o
matrimônio, não admitindo nenhum tipo de rito litúrgico ou bênçãos
semelhantes a um rito litúrgico que possam causar confusão. No entanto, o
valor deste documento é oferecer uma contribuição específica e inovadora ao
significado pastoral das bênçãos, permitindo ampliar e enriquecer a
compreensão clássica estritamente ligada a uma perspectiva litúrgica. Essa
reflexão teológica, baseada na visão pastoral do Papa Francisco, implica um
verdadeiro desenvolvimento em relação ao que foi dito sobre as bênçãos no
Magistério e nos textos oficiais da Igreja. Isso justifica o fato de o texto assumir
a tipologia de “Declaração”.

É nesse contexto que se pode compreender a possibilidade de abençoar casais


em situações irregulares e casais do mesmo sexo, sem validar oficialmente sua
posição ou modificar de alguma forma o ensinamento perene da Igreja sobre o
matrimônio.

Esta Declaração também é uma homenagem ao Povo fiel de Deus, que adora o
Senhor com muitos gestos de profunda confiança em Sua misericórdia e que,
com essa atitude, busca constantemente a bênção da Mãe Igreja.
Víctor Manuel Cardeal FERNÁNDEZ

Prefeito

Introdução

1. A confiança suplicante do Povo fiel de Deus recebe o dom da bênção que


brota do coração de Cristo através de Sua Igreja. Como recorda
pontualmente o Papa Francisco, “A grande bênção de Deus é Jesus
Cristo, é o grande dom de Deus, Seu Filho. É uma bênção para toda a
humanidade, é uma bênção que nos salvou a todos. Ele é a Palavra
eterna com a qual o Pai nos abençoou 'enquanto éramos ainda
pecadores' (Rm 5, 8), diz São Paulo: Palavra feita carne e oferecida por
nós na cruz”.[1]
2. Apoiado por uma verdade tão grande e consoladora, este Dicastério
considerou várias perguntas, formais e informais, sobre a possibilidade
de abençoar casais do mesmo sexo e sobre a possibilidade de oferecer
novos esclarecimentos, à luz da atitude paternal e pastoral do Papa
Francisco, sobre o Responsum ad dubium[2] formulado pela então
Congregação para a Doutrina da Fé e publicado em 22 de fevereiro de
2021.
3. O mencionado Responsum provocou diversas e variadas reações: alguns
acolheram com aplausos a clareza deste documento e sua coerência com
o ensinamento constante da Igreja; outros não concordaram com a
resposta negativa à pergunta ou não a consideraram suficientemente
clara em sua formulação e nas razões apresentadas na Nota explicativa
anexa. Para atender, com caridade fraterna, a estes últimos, parece
apropriado retomar o tema e oferecer uma visão que concilie
coerentemente os aspectos doutrinários com os pastorais, porque “todo
ensinamento da doutrina deve situar-se na atitude evangelizadora que
desperta a adesão do coração com a proximidade, o amor e o
testemunho”.[3]

I. A bênção no sacramento do matrimônio

1. A recente resposta do Papa Francisco ao segundo dos cinco


questionamentos feitos por dois Cardeais[4] oferece a oportunidade de
aprofundar ainda mais a questão, especialmente em seus aspectos
pastorais. Trata-se de evitar que “se reconheça como matrimônio algo
que não o é”.[5], portanto, são inadmissíveis ritos e orações que possam
criar confusão entre o que constitui o matrimônio, como “união
exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher,
naturalmente aberta a gerar filhos”, [6] e o que o contradiz. Essa
convicção está fundamentada na doutrina perene católica sobre o
matrimônio. Somente nesse contexto, as relações sexuais encontram seu
sentido natural, adequado e plenamente humano. A doutrina da Igreja
sobre este ponto permanece firme.
2. Essa é também a compreensão do matrimônio oferecida pelo Evangelho.
Por esse motivo, no que diz respeito às bênçãos, a Igreja tem o direito e
o dever de evitar qualquer tipo de rito que possa contradizer essa
convicção ou levar à confusão. Esse é também o sentido do Responsum
da então Congregação para a Doutrina da Fé, que afirma que a Igreja
não consegue conceder a bênção a uniões entre pessoas do mesmo
sexo.
3. É importante destacar que, no caso do rito do sacramento do
matrimônio, não se trata de uma simples bênção, mas de um gesto
reservado ao ministro ordenado. Nesse caso, a bênção do ministro
ordenado está diretamente relacionada à união específica de um homem
e uma mulher que, com seu consentimento, estabelecem uma aliança
exclusiva e indissolúvel. Isso nos permite destacar melhor o risco de
confundir uma bênção, dada a qualquer outra união, com o rito próprio
do sacramento do matrimônio.

II. O sentido das diversas bênçãos.

1. A resposta do Papa mencionada acima, por outro lado, nos convida a


esforçar-nos para ampliar e enriquecer o sentido das bênçãos.
2. As bênçãos podem ser consideradas entre os sacramentais mais
difundidos e em constante evolução. Elas conduzem a perceber a
presença de Deus em todas as situações da vida e lembram que, mesmo
no uso das coisas criadas, o ser humano é convidado a buscar a Deus, a
amá-Lo e servi-Lo fielmente.[7] Por esse motivo, as bênçãos têm como
destinatários pessoas, objetos de culto e devoção, imagens sagradas,
lugares de vida, trabalho e sofrimento, frutos da terra e do esforço
humano, e todas as realidades criadas que remetem ao Criador e, com
sua beleza, O louvam e O bendizem.

O sentido litúrgico dos ritos de bênção

1. Do ponto de vista estritamente litúrgico, a bênção requer que aquilo que


é abençoado esteja conforme a vontade de Deus expressa nos
ensinamentos da Igreja.
2. As bênçãos são celebradas em virtude da fé, sendo ordenadas à glória
de Deus e ao benefício espiritual de Seu povo. Como explica o Rituale
Romano, “para que esse propósito seja mais evidente, pela antiga
tradição as fórmulas de bênção têm principalmente o objetivo de dar
glória a Deus por Seus dons, pedir por Suas graças e vencer o poder do
maligno no mundo”.[8], portanto, aqueles que invocam a bênção de
Deus pela intercessão da Igreja são convidados a intensificar “suas
disposições, deixando-se guiar por essa fé para a qual tudo é possível” e
a confiar “naquele amor que impulsiona a observar os mandamentos de
Deus”.[9] Por isso, se, por um lado, “em todo lugar e sempre se oferece
a oportunidade de louvar, invocar e agradecer a Deus por meio de
Cristo, no Espírito Santo”, por outro lado, a preocupação é que “não se
trate de coisas, lugares ou circunstâncias que estejam em contradição
com a lei ou o espírito do Evangelho”.[10] Esta é uma compreensão
litúrgica das bênçãos, uma vez que se tornam ritos oficialmente
propostos pela Igreja.
3. Com base nessas considerações, a Nota explicativa do mencionado
Responsum da então Congregação para a Doutrina da Fé lembra que,
quando, por meio de um rito litúrgico específico, é invocada uma bênção
sobre algumas relações humanas, é necessário que o que está sendo
abençoado esteja conforme os desígnios de Deus inscritos na Criação e
plenamente revelados por Cristo Senhor. Por esse motivo, dado que a
Igreja sempre considerou moralmente lícitas apenas aquelas relações
sexuais vividas no matrimônio, ela não pode conferir sua bênção litúrgica
quando isso, de alguma forma, possa oferecer uma forma de legitimação
moral a uma união que pretenda ser um matrimônio ou a uma prática
sexual extramatrimonial. A substância deste pronunciamento foi
reafirmada pelo Santo Padre em suas Respostas aos Dúbia de dois
Cardeais.
4. É também necessário evitar o risco de reduzir o significado das bênçãos
apenas a esta perspectiva, porque isso nos levaria a exigir, para uma
simples bênção, as mesmas condições morais exigidas para receber os
sacramentos. Esse risco requer uma perspectiva mais ampla. De fato, há
o perigo de que um gesto pastoral, tão amado e difundido, seja
submetido a muitos pré-requisitos morais, que, com a reivindicação de
controle, poderiam obscurecer a força incondicional do amor de Deus
sobre o qual se baseia o gesto de bênção.
5. Nesse sentido, o Papa Francisco nos exortou a não “perder a caridade
pastoral, que deve impregnar todas as nossas decisões e atitudes” e a
evitar “ser juízes que apenas negam, rejeitam, excluem.” Responder à
sua proposta significa desenvolver uma compreensão mais ampla das
bênçãos.
6. Bênçãos na Sagrada Escritura
7. Para refletir sobre as bênçãos, considerando diferentes perspectivas,
precisamos ser iluminados principalmente pela voz da Sagrada Escritura.
8. "O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu
rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o seu
rosto e te dê a paz" (Nm 6:24-26). Essa "bênção sacerdotal" encontrada
no Antigo Testamento, especificamente no livro de Números, tem um
caráter "descendente", pois representa a invocação da bênção que desce
de Deus para os humanos: é um dos textos mais antigos de bênção
divina. Há também um segundo tipo de bênção encontrada nas páginas
bíblicas, aquela que "ascende" da terra ao céu, em direção a Deus.
Abençoar é louvar, celebrar, agradecer a Deus por Sua misericórdia e
fidelidade, pelas maravilhas que Ele criou e por tudo que aconteceu de
acordo com Sua vontade: "Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o
que há em mim bendiga o seu santo nome" (Salmo 103:1).
9. Assim como Deus abençoa, também respondemos abençoando.
Melquisedeque, o rei de Salém, abençoa Abraão (cf. Gn 14:19); Rebeca
é abençoada por seus parentes pouco antes de se tornar esposa de
Isaque (cf. Gn 24:60), que, por sua vez, abençoa seu filho Jacó (cf. Gn
27:27). Jacó abençoa o faraó (cf. Gn 47:10), seus netos Efraim e
Manassés (cf. Gn 48:20) e todos os seus doze filhos (cf. Gn 49:28).
Moisés e Aarão abençoam a comunidade (cf. Ex 39:43; Lv 9:22). Chefes
de família abençoam seus filhos em ocasiões como casamentos, antes de
embarcar em uma jornada ou ao se aproximar da morte. Essas bênçãos
aparecem como um presente generoso e incondicional.
10. A bênção presente no Novo Testamento essencialmente mantém o
mesmo significado que no Antigo Testamento. Encontramos o dom
divino que "desce", o agradecimento humano que "ascende" e a bênção
concedida pelos humanos que "se estende" aos seus pares. Após
recuperar o uso da fala, Zacarias abençoa o Senhor por Suas obras
maravilhosas (cf. Lucas 1:64). O idoso Simeão, segurando o bebê Jesus,
abençoa a Deus por conceder a graça de contemplar o Messias e, em
seguida, abençoa os pais Maria e José (cf. Lucas 2:34). Jesus abençoa o
Pai no famoso hino de louvor e júbilo dirigido a Ele: "Eu te louvo, Pai,
Senhor do céu e da terra" (Mateus 11:25).
11. Em continuidade com o Antigo Testamento, mesmo em Jesus, a bênção
não é apenas ascendente, em referência ao Pai, mas também
descendente, derramada sobre os outros como um gesto de graça,
proteção e bondade. Jesus mesmo praticou e promoveu essa prática. Por
exemplo, ele abençoa as crianças: "E as tomava nos braços, as
abençoava, impondo-lhes as mãos" (Marcos 10:16). A jornada terrena de
Jesus terminará com uma bênção final reservada aos Onze, pouco antes
de ascender ao Pai: "E, levantando as mãos, os abençoou. E aconteceu
que, enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi elevado ao céu"
(Lucas 24:50-51). A última imagem de Jesus na terra é suas mãos
levantadas no ato de bênção.
12. Em seu mistério de amor, por meio de Cristo, Deus comunica à Sua
Igreja o poder de abençoar. Dado por Deus aos seres humanos e
concedido por eles aos outros, a bênção se transforma em inclusão,
solidariedade e pacificação. É uma mensagem positiva de conforto,
cuidado e encorajamento. A bênção expressa o abraço misericordioso de
Deus e a maternidade da Igreja, convidando os fiéis a terem os mesmos
sentimentos de Deus para com seus irmãos e irmãs.
13. Uma Compreensão Teológico-Pastoral das Bênçãos
14. Aquele que busca uma bênção demonstra uma necessidade da presença
salvífica de Deus em sua história, e quem busca uma bênção da Igreja a
reconhece como um sacramento da salvação que Deus oferece. Buscar
uma bênção na Igreja é um reconhecimento de que a vida eclesial flui
do ventre da misericórdia de Deus e nos ajuda a avançar, viver melhor e
responder à vontade do Senhor.
15. Para nos ajudar a entender o valor de uma abordagem mais pastoral das
bênçãos, o Papa Francisco nos instou a contemplar, com uma atitude de
fé e misericórdia paternal, o fato de que "quando uma bênção é
solicitada, é uma expressão de pedir ajuda a Deus, um apelo para viver
melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor".
Este pedido deve ser valorizado, acompanhado e recebido com gratidão
em qualquer caso. As pessoas que espontaneamente buscam uma
bênção demonstram, com esse pedido, sua sincera abertura à
transcendência, a confiança de seus corações que não se baseia apenas
em sua própria força, sua necessidade de Deus e o desejo de ir além dos
estreitos limites deste mundo fechado em seus limites.
16. Como nos ensina Santa Teresinha de Lisieux, além dessa confiança, "não
há outra maneira de ser conduzido ao Amor que dá tudo. Com
confiança, a fonte da graça transborda em nossas vidas. A atitude mais
apropriada é colocar a confiança do coração fora de nós mesmos: na
misericórdia infinita de um Deus que ama sem limites. O pecado do
mundo é imenso, mas não é infinito. Em vez disso, o amor
misericordioso do Redentor, de fato, é infinito."
17. Quando essas expressões de fé são consideradas fora de um quadro
litúrgico, encontramo-nos em uma área de maior espontaneidade e
liberdade, mas "a natureza opcional dos exercícios piedosos não deve,
portanto, significar falta de consideração ou desdém por eles. O caminho
a seguir é valorizar devidamente e sabiamente as não poucas riquezas
da piedade popular, os potenciais que ela possui." As bênçãos assim se
tornam um recurso pastoral a ser valorizado, em vez de um risco ou um
problema.

Consideradas a partir da perspectiva do cuidado pastoral popular, as bênçãos


devem ser avaliadas como atos de devoção que "encontram seu lugar fora da
celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos... A linguagem, ritmo, curso
e ênfase teológica da piedade popular diferem daqueles das ações litúrgicas
correspondentes." Por esse motivo, "esforços devem ser feitos para evitar a
introdução de formas de 'celebração litúrgica' nos exercícios piedosos, que
devem manter seu estilo, simplicidade e linguagem."

A Igreja, além disso, deve abster-se de fundamentar sua prática pastoral na


rigidez de certos esquemas doutrinários ou disciplinares, especialmente quando
estes dão origem a “elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de
evangelizar, outros são analisados e classificados, e em vez de facilitar o acesso
à graça, as energias são consumidas no controle”. Portanto, quando as pessoas
invocam uma bênção, uma análise moral exaustiva não deve ser uma condição
prévia para conferi-la. Não deve ser exigido delas uma perfeição moral prévia.

Nessa perspectiva, as respostas do Santo Padre ajudam a aprofundar, do ponto


de vista pastoral, o pronunciamento feito pela então Congregação para a
Doutrina da Fé em 2021, pois efetivamente clamam pelo discernimento em
relação à possibilidade de “formas de bênção, solicitadas por uma ou mais
pessoas, que não transmitam uma visão equivocada do casamento” e que
também considerem que ações moralmente inaceitáveis do ponto de vista
objetivo, “a caridade pastoral nos exige não tratar simplesmente como
'pecadores' outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada
por vários fatores que influenciam a responsabilidade subjetiva”.

Na catequese mencionada no início desta Declaração, o Papa Francisco propôs


uma descrição desse tipo de bênção oferecida a todos sem pedir nada em
troca. Vale a pena ler essas palavras com o coração aberto, ao ajudarem a
compreender o sentido pastoral das bênçãos oferecidas sem condições: “É
Deus quem abençoa. Nas primeiras páginas da Bíblia, há uma repetição
contínua de bênçãos. Deus abençoa, mas os seres humanos também
abençoam, e logo descobrimos que a bênção possui uma força especial,
acompanhando ao longo da vida aqueles que a recebem e predispondo o
coração do homem a se deixar transformar por Deus. […] Assim, para Deus,
somos mais importantes do que todos os pecados que podemos cometer,
porque Ele é pai, é mãe, é amor puro, Ele nos abençoou para sempre. E Ele
nunca deixará de nos abençoar. Uma experiência forte é ler esses textos
bíblicos de bênção em uma prisão ou em uma comunidade de recuperação.
Fazer com que essas pessoas se sintam abençoadas apesar de seus erros
graves, que o Pai celestial ainda deseja o bem deles e espera que eles
finalmente se abram para o bem, mesmo que seus parentes mais próximos os
tenham abandonado, julgando-os irrecuperáveis, para Deus, eles ainda são
Seus filhos.”

Há várias ocasiões em que as pessoas se aproximam espontaneamente para


pedir uma bênção, seja em peregrinações, em santuários, ou mesmo na rua ao
encontrar um padre. Como exemplo, podemos mencionar o livro litúrgico “De
Benedictionibus”, que prevê uma série de ritos de bênção para indivíduos:
idosos, doentes, participantes de catequese ou encontros de oração,
peregrinos, aqueles que embarcam em uma jornada, grupos e associações de
voluntários, etc. Tais bênçãos são dirigidas a todos, e ninguém pode ser
excluído. Na introdução do Rito de Bênção dos Idosos, por exemplo, afirma-se
que o propósito da bênção “é expressar aos idosos um testemunho fraterno de
respeito e gratidão, e agradecer juntos ao Senhor pelos benefícios recebidos e
pelas boas ações que realizaram com Sua ajuda.” Neste caso, o objeto da
bênção é a pessoa idosa, para quem e com quem agradecimentos são dados a
Deus pelo bem que fizeram e pelos benefícios recebidos. Ninguém pode ser
impedido de expressar essa gratidão, e cada pessoa, mesmo vivendo em
situações não alinhadas com o plano do Criador, possui elementos positivos
pelos quais louvar o Senhor.

Do ponto de vista da dimensão ascendente, quando alguém toma consciência


dos dons do Senhor e de Seu amor incondicional, mesmo em situações de
pecado, especialmente quando uma oração encontra ressonância, o coração do
crente eleva louvores a Deus. Essa forma de bênção não está fechada para
ninguém. Todos, individualmente ou em união com outros, podem elevar seus
louvores e gratidão a Deus.

Mas o sentido popular das bênçãos também inclui o valor da bênção


descendente. Se “não é adequado que uma Diocese, uma Conferência
Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial ative constante e oficialmente
procedimentos ou rituais para todo tipo de questão”, a prudência e a sabedoria
pastorais podem sugerir que, evitando formas graves de escândalo ou confusão
entre os fiéis, o ministro ordenado se una à oração daqueles que, mesmo em
uma união que não pode ser comparada ao casamento, desejam se confiar ao
Senhor e à Sua misericórdia, invocar Sua ajuda, ser guiados a uma
compreensão mais profunda de Seu plano de amor e verdade.

III. Benedições de casais em situações irregulares e de casais do mesmo sexo.

1. No horizonte delineado aqui, está a possibilidade de abençoar casais em


situações irregulares e casais do mesmo sexo, cuja forma não deve ser
ritualmente fixada pelas autoridades eclesiásticas, a fim de evitar
confusão com a bênção própria do sacramento do matrimônio. Nestes
casos, é conferida uma bênção que não apenas tem valor ascendente,
mas também é uma invocação de uma bênção descendente por parte de
Deus sobre aqueles que, reconhecendo-se necessitados e dependentes
de Sua ajuda, não reivindicam a legitimação de seu próprio posição, mas
imploram para que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido
em suas vidas e relacionamentos seja investido, curado e elevado pela
presença do Espírito Santo. Essas formas de bênção expressam uma
súplica a Deus para conceder auxílios que provêm dos impulsos de Seu
Espírito — que a teologia clássica chama de “graças atuais” — para as
relações humanas poderem amadurecer e crescer na fidelidade ao
evangelho, libertar-se de suas imperfeições e fragilidades, e se expressar
na dimensão crescente do amor divino.
2. A graça de Deus, de fato, opera na vida daqueles que não se consideram
justos, mas humildemente reconhecem-se pecadores como todos. Ela
pode orientar todas as coisas conforme os misteriosos e imprevisíveis
desígnios de Deus. Portanto, com sabedoria incansável e maternidade, a
Igreja acolhe todos os que se aproximam de Deus com um coração
humilde, acompanhando-os com os auxílios espirituais que permitem a
todos compreender e realizar plenamente a vontade de Deus em suas
vidas.[22]
3. Esta é uma bênção que, embora não inserida em um rito litúrgico, [23]
une a oração de intercessão à invocação da ajuda de Deus por aqueles
que humildemente a buscam. Deus nunca afasta aqueles que se
aproximam d'Ele! Em última análise, a bênção oferece às pessoas um
meio de aumentar sua confiança em Deus. O pedido de uma bênção
expressa e alimenta a abertura à transcendência, a piedade, a
proximidade a Deus em mil circunstâncias concretas da vida, e isso não
é insignificante no mundo em que vivemos. É uma semente do Espírito
Santo que deve ser cultivada, não obstruída.
4. A própria liturgia da Igreja nos convida a essa atitude confiante, mesmo
no meio de nossos pecados, falta de mérito, fraquezas e confusões,
como testemunha esta bela coleta retirada do Missal Romano: “Deus
onipotente e eterno, que atendes às preces do vosso povo além de todo
desejo e mérito, derramai sobre nós a vossa misericórdia: perdoai o que
a consciência teme e acrescentai o que a oração não ousa esperar”
(XXVII Domingo do Tempo Comum). Quantas vezes, de fato, através de
uma simples bênção do pastor, que neste gesto não sanciona ou
legitimar nada, as pessoas podem experimentar a proximidade do Pai
“além de todo desejo e mérito”.
5. Portanto, a sensibilidade pastoral dos ministros ordenados deve ser
educada também para realizar espontaneamente bênçãos que não estão
no Ritual de Bênçãos.
6. Nesse sentido, é essencial captar a preocupação do Papa, para que
essas bênçãos não ritualizadas não deixem de ser um simples gesto que
oferece um meio eficaz de aumentar a confiança em Deus daqueles que
as solicitam, evitando que se tornem um ato litúrgico ou semi-litúrgico,
semelhante a um sacramento. Isso seria um empobrecimento grave,
pois submeteria um gesto de grande valor na piedade popular a um
controle excessivo, privando os ministros da liberdade e espontaneidade
no acompanhamento pastoral da vida das pessoas.
7. A esse respeito, vêm à mente as seguintes palavras, em parte já citadas,
do Santo Padre: “As decisões que, em determinadas circunstâncias,
podem fazer parte da prudência pastoral não devem necessariamente se
tornar uma norma. Ou seja, não é conveniente que uma Diocese, uma
Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial ative
constante e oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de
questões […]. O Direito Canônico não deve e não pode abranger tudo,
nem as Conferências Episcopais devem pretender fazê-lo com seus
vários documentos e protocolos, porque a vida da Igreja passa por
muitos canais, além dos normativos”.[24] Assim, o Papa Francisco
lembrou que tudo “o que faz parte de um discernimento prático em uma
situação particular não pode ser elevado à categoria de norma”, porque
isso “daria lugar a uma casuística insuportável”.[25]
8. Por esta razão, não se deve nem promover, nem prever um ritual para
bênçãos de casais em situações irregulares, mas também não se deve
impedir ou proibir a proximidade da Igreja em qualquer situação em que
a ajuda de Deus seja solicitada via uma simples bênção. Na breve oração
que pode preceder essa bênção espontânea, o ministro ordenado pode
pedir por eles paz, saúde, um espírito de paciência, diálogo e ajuda
mútua, mas também a luz e a força de Deus para poderem cumprir
plenamente Sua vontade.
9. De qualquer forma, a fim de evitar qualquer forma de confusão ou
escândalo, quando a oração de bênção, embora expressa fora dos rituais
previstos nos livros litúrgicos, é solicitada por um casal em uma situação
irregular, esta bênção nunca será realizada simultaneamente com os
rituais civis de união, nem mesmo em relação a eles. Nem serão
utilizadas vestimentas, gestos ou palavras próprios de um casamento. O
mesmo se aplica quando a bênção é solicitada por um casal do mesmo
sexo.

1. Essa bênção pode, no entanto, encontrar seu lugar em outros contextos,


como em uma visita a um santuário, um encontro com um sacerdote,
uma oração recitada em grupo ou durante uma peregrinação. Na
verdade, por meio dessas bênçãos concedidas não através das formas
rituais próprias da liturgia, mas como expressão do coração materno da
Igreja, semelhantes às que emanam das entranhas da piedade popular,
não se legitima nada, mas apenas abrir a própria vida a Deus, pedir sua
ajuda para viver melhor e também invocar o Espírito Santo para que os
valores do Evangelho possam ser vividos com maior fidelidade.
2. O que foi dito nesta Declaração sobre as bênçãos de casais do mesmo
sexo é suficiente para orientar o discernimento prudente e paternal dos
ministros ordenados a esse respeito. Além das indicações acima, não se
deve esperar outras respostas sobre possíveis maneiras de regular
detalhes ou aspectos práticos relacionados as bênçãos desse tipo.[26].

IV. A Igreja é o sacramento do amor infinito de Deus.

1. A Igreja continua a elevar aquelas preces e súplicas que Cristo mesmo,


com fortes clamores e lágrimas, ofereceu nos dias de sua vida terrena
(cf. Hb 5,7) e que, por isso, desfrutam de uma eficácia especial. Dessa
maneira, “não apenas com a caridade, com o exemplo e com as obras
de penitência, mas também com a oração, a comunidade eclesial exerce
sua função materna de conduzir as almas a Cristo”.[27].
2. A Igreja é, portanto, o sacramento do amor infinito de Deus. Portanto,
mesmo quando o relacionamento com Deus está obscurecido pelo
pecado, sempre se pode buscar uma bênção, estendendo a mão a Ele,
como efetuou Pedro na tempestade quando gritou para Jesus: “Senhor,
salva-me!” (Mt 14, 30). Desejar e receber uma bênção pode ser o bem
possível em algumas situações. O Papa Francisco nos lembra que “um
pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais
agradável a Deus do que a vida correta externamente de quem passa
seus dias sem enfrentar dificuldades importantes”.[28] Dessa forma, “o
que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em
Jesus Cristo morto e ressuscitado”.[29].
3. Qualquer bênção será uma ocasião para uma renovação do anúncio do
querigma, um convite a se aproximar cada vez mais do amor de Cristo.
O Papa Bento XVI ensinava: “Como Maria, a Igreja é mediadora da
bênção de Deus para o mundo: ela a recebe ao acolher Jesus e a
transmite ao levar Jesus. Ele é a misericórdia e a paz que o mundo, por
si só, não pode dar e de que sempre precisa, como é mais do que do
pão”.[30].
4. Considerando o afirmado acima, seguindo o ensinamento autorizado do
Santo Padre Francisco, este Dicastério pretende, finalmente, lembrar que
“esta é a raiz da mansidão cristã, a capacidade de se sentir abençoado e
a capacidade de abençoar […]. Este mundo precisa de bênção, e nós
podemos dar a bênção e receber a bênção. O Pai nos ama, e a nós resta
apenas a alegria de abençoá-lo e a alegria de agradecê-lo, e de aprender
com Ele a abençoar”.[31] Assim, cada irmão e cada irmã poderão se
sentir na Igreja sempre peregrinos, sempre mendicantes, sempre
amados e, apesar de tudo, sempre abençoados.

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