SOBRE A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA LIVRO PRIMEIRO
DE S. EUSÉBIO JERÔNIMO, PRESBÍTERO DE
ESTRIDÃO Introdução 1. Tendo sido rogado, há pouco, pelos irmãos a que desse uma resposta contra um pequeno livro de certo Helvídio, demorei a fazê-lo: não porque seja difícil, fundamentado sobre a afirmação do que é verdadeiro, convencer um homem grosseiro e inclusive iniciado com dificuldade nas primeiras letras, mas, para que – ao responder – não fosse considerado digno aquele que seria vencido. Ele favorecia a isto, porque um homem perturbado e único no mundo que para si é tanto leigo quanto sacerdote (que – como diz aquele autor1 – estima a tagarelice como eloquência e julga sinal de boa consciência falar mal de tudo), tomado o assunto de disputa, começaria a blasfemar ainda mais e, como de um lugar bem alto, bradar sua sentença para todo o mundo, e dilacerar-me-ia com gritarias, já que de verdade não poderia. Porque todas essas causas de meu silêncio são, de verdade, tão justas, em virtude do escândalo dos irmãos que se moviam contra a raiva dele e desistiram por um fim mais justo, o machado do Evangelho deve agora ser movido contra as raízes da árvore infrutífera2 e com a infecundidade das folhas havendo de ser entregue às chamas, para que aprenda algum dia a calar-se aquele que nunca aprendeu a falar. 2. Assim, o Santo Espírito deve ser invocado por mim, para que Ele, com seu senso, defenda a virgindade da feliz Maria. Deve ser invocado o Senhor Jesus, para que Ele proteja de toda suspeita de concúbito a estalagem do sagrado ventre do qual foi por dez meses habitante. Também deve-se suplicar ao próprio Deus Pai que mostre que a mãe do seu Filho, que foi mãe antes de casar-se, foi virgem depois do parto. Não desejamos explicar o campo do que é retórico, não investigamos as sutilezas dos Dialéticos nem as 1 Tertuliano, Librum Adversus Hermogenem, c. 1. 2 Mateus 5,10 dificuldades de Aristóteles. Devem ser expostas as próprias palavras das Escrituras. Que ele seja completamente refutado pelos próprios testemunhos que usou contra nós, para que entenda que assim como pôde ler as coisas que foram escritas também não pôde reconhecer coisas que foram consolidadas pela piedade. Primeira proposição de Helvídio 3. – Helvidius – A primeira proposição dele foi: “Mateus diz: Ora, assim ocorria a geração de Cristo: Quando sua mãe, Maria, tinha sido prometida a José, antes que coabitassem, encontrou-se tendo no ventre um filho, por ação do Espírito Santo. José, por sua vez, como era um homem justo e não queria entregá-la, pensou em mandá-la embora em segredo. Cogitando ele estas coisas, eis que um Anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, dizendo: ‘José, filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua cônjuge. Aquilo que foi gerado nela é da parte do Espírito Santo. (Mt 1,18ss). Eis” – diz ele – “tens desposada3; e não como dizes: prometida, e certamente desposada não por outro motivo, a não ser porque prestes a casar. E, com efeito, o Evangelista não diria antes que coabitassem daqueles que não viriam a coabitar; pois ninguém diz antes que almoçasse de alguém que não vai almoçar. Depois, ela é chamada esposa e conjugada pelo Anjo. Ouçamos agora o que pronuncia a Escritura: Levantando-se do sono, diz, José procedeu de acordo com o que lhe ordenara o Anjo do Senhor e recebeu sua esposa e não a conheceu, até que ela deu à luz seu filho (Mt 1,24-25)”.