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CRIANÇAS
“Bebés da pandemia” mostram atrasos na linguagem: “Esta dev
Crianças nascidas durante a covid-19 têm mais dificuldades em adquirir competências de linguagem – como a articulação de sons ou form
nacional.

Tiago Ramalho
19 de Agosto de 2023, 16:32

Investigação portuguesa identificou atrasos no desenvolvimento da linguagem dos bebés nascidos durante a pandemia WESTEND61/GETTY IMAGES

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Os bebés que nasceram durante a pandemia mostram atrasos no desenvolvimento da linguagem face ao que acontecia com os
bebés nascidos antes dos confinamentos e do isolamento social durante a disseminação da covid-19. O alerta é deixado por
Sónia Frota, investigadora em linguística da Universidade de Lisboa, e que tem estudado a forma como a linguagem se
desenvolve nas crianças desde o nascimento até à escola primária, por exemplo. Sónia Frota deixa ainda um recado: “Esta
devia ser uma prioridade política.”

A cientista portuguesa estuda a linguagem e o seu desenvolvimento nos primeiros meses da vida há uma década. “As
dificuldades de linguagem aos sete anos, por exemplo, estão associadas a uma série de outras dificuldades que persistem na
vida adulta. E, por outro lado, as dificuldades aos sete anos estão directamente relacionadas com uma dificuldades que já
existiam aos dois e aos quatro anos”, explica Sónia Frota (https://www.publico.pt/2019/05/23/ciencia/noticia/bebes-
comunicam-comecar-falar-1873715). É por isso que a linguista defende um rastreio nacional para identificar a escala destas
dificuldades em Portugal e, posteriormente, uma intervenção junto destas crianças – através das creches e jardins-de-infância,
por exemplo.

“Se essas dificuldades forem atempadamente identificadas e houver intervenção precoce, conseguiremos ter aqui um efeito
benéfico que irá minimizar todos estes impactos. Na idade escolar, já não teríamos tantas crianças com dificuldades e depois,
ao longo da vida, minimizávamos os vários impactos, seja na educação, na saúde, ou noutras áreas socioeconómicas”, diz a
investigadora portuguesa, garantindo que ainda é possível fazer este trabalho em Portugal e que o rastreio para identificar a
extensão do problema seria simples e de rápida execução.

Sónia Frota estuda há mais de uma década o desenolvimento da linguagem em crianças RUI GAUDÊNCIO
Em suma, há um atraso nas competências de linguagem que os bebés adquirem ao longo dos primeiros dois anos – o período
estudado pela equipa de Sónia Frota (https://www.publico.pt/2019/05/23/ciencia/noticia/lisboa-ha-laboratorio-estudar-
desenvolvimento-fala-bebes-trissomia-21-1873856), no Baby Lab, localizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Um dos processos fundamentais no primeiro ano de vida é, por exemplo, a segmentação de palavras (ou seja, partir as
palavras em sílabas sonoras como o “pa” ou o “ma” que originam “papá” e “mamã”). Esta é uma competência adquirida,
geralmente, a partir dos sete meses.

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No entanto, ao estudar 77 bebés entre os sete e os nove meses (e nascidos durante a pandemia), as investigadoras descobriram
que há um atraso no desenvolvimento desta competência até aos 12 meses de idade, em média, como referem no trabalho
publicado na revista Frontiers in Psychology (https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2022.879123/full), em 2022.

Este primeiro resultado já era impressionante, apesar de não surpreender – dado que as pistas audiovisuais, como o som ou a
expressão facial, estavam mais escondidas dos bebés devido às máscaras e à falta de socialização, por exemplo. A equipa de
Sónia Frota continuou, ainda assim, a estudar o desenvolvimento da linguagem nos bebés aos 15, aos 18, aos 20 e aos 24 meses
– ou seja, até aos dois anos. O resultado para a utilização dos mecanismos de aprendizagem de palavras ou para o
desenvolvimento de vocabulário são idênticos: há uma quebra face aos bebés pré-pandemia.


O primeiro passo é identificar estas crianças, para termos uma visão da
extensão e da natureza do potencial problema que temos em mãos
Sónia Frota
“Há um crescimento mais lento [nas competências]”, sintetiza Sónia Frota. Torna-se menos surpreendente, se atentarmos em
resultados de outros países, como o Reino Unido, onde desde 2020 começou a ser estudado o impacto da pandemia nas
aprendizagens das crianças ainda fora do ensino primário, com resultado similares sobre as dificuldades de linguagem e
comunicação nas crianças do pré-escolar.

Não é só uma questão de máscaras


As máscaras são imediatamente identificadas como um motivo para estes resultados no desenvolvimento da linguagem. Mas
não explicam tudo. Uma das surpresas para Sónia Frota ao longo dos dois anos em que tem decorrido este estudo (iniciado em
2021) é que o peso das máscaras não é tão significativo como seria de esperar. “Esperávamos encontrar uma diferença nas
capacidades de compreensão dos bebés entre a fala produzida com máscara e a fala produzida sem máscara. Mas o que
verificámos é que existem as mesmas dificuldades num caso e no outro”, observa.

As explicações são bastante mais amplas. “Ou seja, as máscaras são apenas um dos elementos que está neste conjunto das
alterações introduzidas pela pandemia”, faz notar a investigadora portuguesa.

Há outras razões que estão na origem deste atraso nas competências


(https://www.publico.pt/2021/03/22/sociedade/noticia/uso-mascaras-atrasar-desenvolvimento-bebes-especialistas-receiam-sim-
1955197) de linguagem, como a falta de socialização com outras pessoas, as escassas oportunidades de interacção e
comunicação com outros ambientes ou mesmo o simples facto de as escolas e creches estarem fechadas – impedindo o
contacto com outros bebés, por exemplo.

“As famílias alteraram também as suas dinâmicas devido à pandemia – por exemplo, deixaram de ir para o trabalho e
começaram a trabalhar em casa. Há ainda a questão emocional, com uma certa ansiedade, pressão e stress dos pais”,
acrescenta Sónia Frota. “Fizemos inquéritos com as famílias dos bebés que participaram no estudo e entre 60% e 70%
responderam que foi um período muito difícil e de enorme stress.”

Há ainda um potencial perigo para as competências de socialização, como também aconteceu com as crianças e adolescentes
(https://www.publico.pt/2023/01/30/ciencia/noticia/covid-alunos-perderam-terco-aprendizagens-fecho-escolas-15-paises-
2036724). “Seria muito mais simples se fosse só pôr a máscara e tirar a máscara. A solução seria muito mais simples. Mas a
máscara é apenas um dos elementos dentro de um conjunto bastante mais complexo. E temos dados que mostram que as
competências de socialização também foram afectadas”, diz, reforçando a importância de identificar a dimensão do problema
nas crianças do ensino pré-escolar e, depois, intervir junto dessas crianças. Oferecer assinatura
Projecto-piloto já está em curso
Há soluções já testadas e facilmente aplicáveis no contexto português, garante Sónia Frota. Depois de um rastreio inicial, seria
importante intervir através das creches e jardins-de-infância com os profissionais que já trabalham junto destas crianças
(https://www.publico.pt/2022/01/18/sociedade/noticia/pandemia-ameaca-deixar-cicatrizes-criancas-jovens-durante-decadas-
1992116). “Apesar de estarem já bastante sobrecarregadas, há equipas no terreno que poderiam ser chamadas a intervir, como
os profissionais da terapia da fala ou da psicologia. São pessoas que já estão no terreno para dar apoio às crianças sinalizadas
como tendo necessidades especiais e que podiam ter aqui um plano mais alargado e abrangente que incluísse estes meninos
que nasceram durante a pandemia, para lhes dar mais apoio no desenvolvimento da linguagem e da comunicação”,
exemplifica.

Outra das hipóteses é aproveitar as actividades que já existem no ensino pré-escolar, como a música. “Do lado da investigação
já sabemos que a música e o treino de algumas competências musicais terão um efeito benéfico no desenvolvimento da
linguagem e da comunicação – e mais tarde até no próprio desenvolvimento da literacia”, refere. “A diferença aqui está em
aproveitarmos a oportunidade de já existirem actividades de música, na maior parte das instituições, e tentarmos canalizar
essas actividades para a promoção destas competências que estão agora em causa.”

Esta é, inclusive, uma das sugestões que poderá ser posta em prática num projecto-piloto que vai decorrer num agrupamento
de escolas da região de Lisboa no próximo ano lectivo, e que será liderado pela equipa científica de Sónia Frota. Numa
primeira fase, este ensaio envolverá apenas 40 crianças do ensino pré-escolar, e será feito o rastreio e identificação das
competências de linguagem e comunicação, e começará a ser aplicado um programa de intervenção – com actividades
orientadas para colmatar estes atrasos na linguagem, que poderão ir desde a música a exercícios com profissionais da terapia
da fala. Esta é apenas a primeira fase, já que o projecto pretende envolver mais de 400 crianças do agrupamento de escolas da
região de Lisboa que vai acolher este projecto – e que não foi, para já, revelado.

“A covid-19 veio mostrar a importância de intervirmos nesta área. E o primeiro passo é identificar estas crianças, para termos
uma visão da extensão e da natureza do potencial problema que temos em mãos”, defende Sónia Frota.

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