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FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO

ALINE RIBEIRO FREITAS

NESTES TEMPOS PÓS-PANDEMIA, EDUCAR TAMBÉM É


CUIDAR?
DISTÚRBIO OU DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM? O
CUIDADO COM AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA
APRENDIZAGEM DURANTE A PANDEMIA.

PRAIA GRANDE
2023
INTRODUÇÃO

Com as mudanças causadas pela pandemia Covid-19, muitas coisas


precisaram ser revistas na educação. Mais do que nunca, a tecnologia foi
necessária, e o que era um diferencial nas escolas, passou a ser uma
ferramenta indispensável para a continuação do período letivo.
Contudo, alguns fatores preocupantes surgiram, como o uso demasiado
das telas e a falta de socialização. Se o processo de aprendizagem dá-se pelo
conjunto de fatores internos e externos, como este processo ocorreria em um
período tão tumultuado para toda a humanidade?
Para Vygotsky (1987), as crianças observam, em seu cotidiano, tudo o
que os outros dizem, porque dizem o que falam, porque falam, internalizando
tudo que observam e tomam posse do que viram e ouviram. O que, então, eles
teriam absorvido em tempos tão conturbados?
Este projeto visa destacar situações frequentes no cenário pós-
pandêmico, e refletir sobre possíveis soluções para as demandas escolares
neste cenário; fazendo com que as experiências de cada aluno durante os anos
de pandemia sejam levadas em consideração no processo de aprendizagem.
DESENVOLVIMENTO

Até o ano de 2019, não era possível lembrar facilmente de quando o


mundo inteiro fechou suas escolas e as crianças passaram a estudar de casa.
De fato, anteriormente, isso acontecera somente durante a Segunda Guerra
Mundial.
Os professores há anos desempenhavam o seu papel da mesma forma,
não tinham grandes dificuldades, e continuavam aplicando seus conteúdos da
forma que eles já sabiam que era bem sucedida.
As escolas, públicas e particulares, avançavam cada uma no seu ritmo,
sem muita pressa. Escolas com mais recursos tecnológicos eram diferenciais
no mundo acadêmico.
A educação trilhava um caminho muito cômodo e sem grandes avanços,
as crianças estavam adaptadas ao modo de ensino em suas escolas, estavam
acostumadas ao ritmo de cada professor, bem como já sabiam o que esperar
dos testes e trabalhos. A socialização também não era uma grande questão
para a maioria, visto que muitas crianças já frequentavam o ambiente escolar
desde muito cedo. Elas estavam acostumadas à rotina e às regras, conheciam
a dinâmica escolar e sabiam como lidar com ela.
Os pais estavam acostumados com as demandas escolares, e também,
com algumas questões comportamentais. Existiam, sim, problemas dentro de
todas as escolas; porém, nenhum em que não tivessem alguma experiência ou
que não soubessem o que fazer para resolvê-lo.
No ano de 2020, tudo começou a mudar. Pouco a pouco as escolas ao
redor do mundo foram mudando a forma de ensinar, algumas escolas optaram
por antecipar as férias para que tivessem tempo de se organizar. O que já era
conhecido, tornou-se algo completamente novo.
Neste ano, também, ficou ainda mais evidente a discrepância entre os
ensinos público e privado. Algumas escolas com vários recursos, outras com
nenhum. Desde então, já sabíamos que muitas seriam as consequências dessa
pandemia, e que os danos à educação poderiam ser irreversíveis. Poucas
crianças tiveram acesso a um ensino de qualidade. Muitas enfrentaram
problemas por falta de recursos, não só nas escolas, mas também em suas
casas. Houve, também, uma quantidade considerável de crianças que não
tiveram acesso à educação por diversos motivos, como mostra a pesquisa
realizada em 2021 pelo UNICEF em parceria com o CENPEC Educação:
“Em novembro de 2020, mais de 5 milhões de meninas e meninos não
tiveram acesso à educação no Brasil – número semelhante ao que o país
tinha no início dos anos 2000. Desses, mais de 40% eram crianças de 6 a
10 anos, etapa em que a escolarização estava praticamente universalizada
antes da Covid-19.” (Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, UNICEF e
CENPEC, 2021)
Todo o sistema de ensino mudou, bem como as formas de
aprendizagem. O tempo de exposição às telas aumentou drasticamente, o
consumo e a divulgação de conteúdos on-line cresceram consideravelmente, e
o que era pra ser uma ferramenta de estudo acabou se tornando um facilitador
em vários aspectos, positivos e negativos, fazendo com que algumas crianças
utilizassem desta ferramenta de forma inadequada no processo de
aprendizagem. A rotina de estudos foi quebrada, o contato físico com
professores e colegas foi interrompido, e a saúde mental, de todos, foi abalada.
Novos comportamentos começaram a surgir, causados por emoções,
sentimentos e humores alterados. Algumas crianças, e adultos, passaram a
agir e a reagir de forma oposta ao esperado, e logo, algumas questões
cognitivas e comportamentais começaram a surgir. Para ensinar, foi necessário
estudar. Aprender novas técnicas, linguagens e formas de chamar a atenção
dos alunos mesmo à distância. Professores e responsáveis precisaram ficar
atentos às possíveis consequências do período de isolamento.
Nas últimas décadas, a neurociência vem esclarecendo muitos pontos
sobre o funcionamento cerebral, bem como sobre funções cognitivas e
executivas. De acordo com Ventura, “a neurociência compreende o estudo do
sistema nervoso e suas ligações com toda a fisiologia do organismo, incluindo
a relação entre cérebro e comportamento” (VENTURA, 2010, p. 123).
A aprendizagem não ocorre somente através dos livros, mas sim,
através de um conjunto de fatores internos e externos. O meio em que a
criança é inserida, as emoções do momento, as pessoas ao redor, tudo impacta
no processo de aprendizagem. Especialmente durante a pandemia do Covid-
19, comportamentos emocionais, como ansiedade, medo, insegurança;
socioafetivos, como falta de interação com colegas; e cognitivos, como
dificuldade de aprendizagem, foram comumente notados entre crianças e
adolescentes.
Como esperado, a pandemia deixou suas marcas de diversas formas.
Mesmo tendo passado o período de isolamento, muitas crianças ainda
enfrentam as consequências dos anos estudados em casa. É nesse momento
que temos que redobrar o cuidado para não confundir distúrbio de
aprendizagem com dificuldade de aprendizagem. Scoz defende que:
“(...) os problemas de aprendizagem não são restringíveis nem a causas
físicas ou psicológicas, nem a análises das conjunturas sociais. É preciso
compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional, que amalgame
fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos
dentro das articulações sociais. Tanto quanto a análise, as ações sobre os
problemas de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo
de luta pela transformação da sociedade.” (SCOZ, 1994, p. 22)
É preciso ter em mente que uma criança pode apresentar
comportamentos disfuncionais não necessariamente por ter algum transtorno
de aprendizagem, mas sim, por consequência do meio em que se vive. Vale
ressaltar que a uma criança não pode ser laudada apenas por um
comportamento específico, faz-se necessária uma equipe multidisciplinar para
avaliar todos os pontos e, juntos, chegar a um consenso.
Precisamos de um grupo de fatores que indiquem algum possível
distúrbio, e não somente o fato de que tal criança não para sentado na carteira;
ou a dificuldade em entender o que lhe é falado.
Através de metodologias ativas podemos conquistar a atenção de
nossos alunos e colocá-los como peça principal no processo de aprendizagem.
Uma ferramenta de grande valia, muito usada no mundo corporativo mas que
pode colaborar em qualquer área, é o Design Thinking (DT). Como afirmam
Cavalcanti e Filatro:
“DT é um processo, um modo de pensar, métodos e estratégias. A
articulação desses aspectos visa colocar as pessoas e suas necessidades
no centro do desenvolvimento de um projeto, de forma que usem a
criatividade para gerar soluções e empreguem a razão para analisá-las e
adaptá-las ao contexto real.” (CAVALCANTI e FILATRO, 2017, p.1).
De acordo com Ling (2015), o DT possui cinco fases: empatia, definição,
ideação, prototipação e teste; vale ressaltar que existem autores que
consideram uma outra quantidade de fases. Gostaria de sugerir, neste projeto,
a utilização do DT em sala de aula. Consideraremos as cinco fases descritas
por Ling.
Empatia: Entender a necessidade de um aluno, ou de uma sala, é
fundamental para pensar em estratégias que possam nos auxiliar na
solução do problema em questão. Exemplo: em uma sala de aula inquieta,
alunos com comportamentos variados e diferentes percepções de
informações, eu tento entender cada aluno como um ser único, e perceber
quais são as carências desses alunos.
Definição: Após entendermos o que se passa em sala, vamos definir um
problema específico. Por exemplo: Comportamento inadequado em sala de
aula, os alunos não engajam nas atividades. Melhorando esse ponto, todos
os outros problemas serão suavizados.
Ideação: Vamos pensar em todas as possibilidades e estratégias para a
solução desses problemas. Pensemos também nos efeitos e consequências
de cada ideia. Exemplo: Propor uma aula em rotação por estações de
aprendizagem. Uma aula em movimento, se bem planejada, ajudará a
manter os estudantes engajados em determinada tarefa, dificilmente este
aluno se sentirá entediado, além de facilitar o uso de uma abordagem
diferente em cada estação, abrangendo todas as formas de percepção de
informações.
Prototipação e teste: Nessas fases finais, prepararemos tudo o que for
necessário para a execução da aula. Após a realização da aula, saberemos
quais pontos deram certo e quais precisam ser revisados.

Mudando as estratégias e linguagem utilizadas em sala de aula teremos,


também, uma mudança de comportamento. É preciso tentar de diversas formas
antes de estabelecermos algum tipo de rótulo às dificuldades dos alunos.
Dessa forma, além de proporcionarmos um acolhimento aos alunos,
conseguiremos identificar quais alunos realmente apresentam distúrbios de
aprendizagem para podermos auxiliá-los da melhor forma possível. Para
finalizar, reitero que nosso papel, enquanto educadores, é acolher e procurar,
da melhor forma, possível mediar a troca de conhecimentos que acontece em
sala de aula. Ninguém tem somente a ensinar, tampouco somente a aprender.
CONCLUSÃO

Como educadora sempre me preocupei em não tirar conclusões


precipitadas sobre as habilidades dos meus alunos. Sempre tentei olhar para
eles como seres individuais e portadores de um histórico que influenciaria
diretamente nas aulas e no processo de aprendizagem.
A minha experiência na área da educação começou em 2011, e ao longo
desses 12 anos pude vivenciar muitas mudanças em diversos aspectos.
Entretanto, nenhuma mudança foi tão marcante quanto as mudanças ocorridas
durante a pandemia. Desde então, pude observar, na escola em que trabalho,
um aumento significativo no número de crianças laudadas, seja por distúrbio ou
transtorno de aprendizagem, entre outros laudos que muitas vezes aparecem.
Muitas vezes, esses laudos são fornecidos em apenas uma visita ao
Neurologista.
O que me preocupa é: até que ponto esses laudos são reais, ou são
apenas reflexos das dificuldades causadas pela pandemia e o ensino à
distância? Foi essa preocupação que me levou ao curso de Neurociências
Aplicadas à Educação. Entendendo melhor o funcionamento do cérebro, e
aprendendo sobre estratégias para ensinar de forma mais efetiva, acredito que
poderei melhorar o meu papel como educadora.
Entre tantos assuntos importantes aprendidos ao longo deste curso, o
que mais me marcou foi entender a imensidão de fatores que influenciam na
aprendizagem. Não basta uma aula planejada, se não houver empatia. Não
basta querermos ensinar, se não estivermos dispostos a aprender com os
nossos alunos. Espero, com esse Projeto de Experiência, contribuir de alguma
forma para um olhar um pouco mais humanizado por parte de todos que
trabalham na área da educação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTI, C. C.; FILATRO, A. Design thinking na educação presencial, a distância e


corporativa. São Paulo: Somos educação e Saraiva, 2017.

LING, D. (2015) Complete Design Thinking Guide for Successful Professionals.


Disponível em: https://issuu.com/danielling/docs/ec_complete_design_thinking_guide_f. Acesso
em: 10 de maio de 2023

SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar, o problema escolar e de aprendizagem.


Petrópolis: Vozes, 1994.

UNICEF & CENPEC. (29 de abril de 2021). UNICEF e Cenpec Educação. Fonte: UNICEF:
https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/criancas-de-6-10-anos-sao-mais-afetadas-
pela-exclusao-escolar-na-pandemia. Acesso em: 07 de maio de 2023.

VENTURA, Dora F. Um Retrato da Área de Neurociência e Comportamento no Brasil.


Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2012. Brasília: Universidade de São Paulo, 2010.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/ptp/a/FWkB6QRJ4hkjJbqq66sfjcd/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 07 de maio 2023
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

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